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PAIXÃO DE ARTISTA Esta edição é dedicada à imprensa médica e à medicina na imprensa; expressão de um conhecimento movediço.

PAIXÃO DE ARTISTA - CRM-PR3285].pdf · 2019. 4. 16. · sua seara; verbo e movimento são seus gestos de vida. 26 HUMANISMO E Mutáveis, como a própria vida. TECNICISMO Reflexão

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PAIXÃO DE ARTISTA

Esta edição é dedicada à imprensa médica e à medicina na imprensa; expressão de um conhecimento movediço.

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16PAIXÃO DE ARTISTARodin, Gagliastri ePaixão, as diferentesfaces da arte.

05JOIO DO TRIGOApostar na liberdadeintelectual.

PUBLICAÇÃO CIENTÍFICO-CULTURAL DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ.Edição nº 18 - Julho a Outubro de 2006CRMPR - Rua Victorio Viezzer, 84 | Vista Alegre | Curitiba-PR | CEP 80810-340 | Fone: 41 3240-4026 | E-mail: [email protected] Editorial: João Manuel Cardoso Martins, Gerson Zafalon Martins, Luiz Sallim Emed, Donizetti Dimer Giamberardino Filho,Hélcio Bertolozzi Soares (presidente do CRM-PR), Ehrenfried O. Wittig e Hernani Vieira. Editor-Coordenador: João Manuel CardosoMartins (Prof. da PUCPR e membro da Academia Paranaense de Medicina) Projeto Gráfico e Diagramação: Upper Comunicação (413024-0674) | Impressão: Serzegraf (41 3026-9460) | Tiragem: 20.000 exemplares | Periodicidade: Trimestral

10INGLESES EAMERICANOSContrastes queexigem atenção.

03IÁTRICA AO LEITORProvocar, paradespertar.

21O MÉDICO E ARELIGIÃOMitos e Conflitos.

CAPA

“Esta edição é dedicada àimprensa médica e à medicinana imprensa; expressão de umconhecimento movediço.”

A mão da capa é uma ho-

menagem do Iátrico ao médico

sensível. Pouco importa clínico

ou cirurgião; que toque crianças

ou instrumentos; tem que ser

de ação sem desprezar a

ternura, de precisão sem negar

afeto. Tem que ser uma mão

diferente como a de Rodin,

única, com a mestria do mo-

vimento.

Pomponius Gauricus, circa

1504, em seu “De Sculptura”

disse: Os escritores atuam por

meio das palavras... Os escul-

tores por meio da ação. Médi-

cos vão além: são múltiplos em

sua seara; verbo e movimento

são seus gestos de vida.

Mutáveis, como a própria vida.

26HUMANISMO ETECNICISMOReflexão sobre passadoe presente.

31DECÁLOGOS10 razões para se lerrevistas médicas.

EDIÇÕES ANTERIORESConfira as edições do Iátricono site do Conselho:www.crmpr.org.br

Obra “A bela e a

fera”, bronze, de LuizGagliastri (PR).

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tema

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omo redator tenhoum privilégio raro,o de poder escrever

sobre o que me apeteça. Masnão o exerço. Sabem porquê? Porque tenho um cri-tério, escrevo sobre o quegostaria de ter lido quandome formei.

Já como editor tenho o dever desugerir temas aos colaboradores, e deaceitar ou não o material enviado,pedido ou não. E os mais humildessão os velhos professores: — Vê seinteressa ou não. É sem compromisso!Mas qual o critério? Se possível, quesejam bem escritos, bem pensados ebem evocativos ou provocativos. Esseo ponto. Só gerando dúvida na cabe-ça do leitor temos a certeza da refle-xão. E sob reflexão haverá movimen-to, ação. No sentido de mudança oude fortalecimento de suas convicções.Por isso, um texto cultural deveria

mais provocar do que ensinar.Lembro-me do ano da graça de 1979,

quando um editor-médico suíço, Wolf-gang Kolditz, se viu às voltas com umtexto do sempre herético Martins Eisner.Publico ou não, eis a questão! Decisão:imprimir. Há um risco inerente a qualquercomprometimento verdadeiro; e esserisco é também integrante da responsa-bilidade redacional. Ou nas palavrastambém heréticas de Kolditz: Aquele quetem medo das conseqüências que pode-riam decorrer do conhecimento (sejaeste, de fato, convincente, discutível ouerrado) deve se contentar com o tédioinsípido que todo paraíso promete para

eternidade aos seus habitan-tes. A árvore do conheci-mento apresenta riscos, eseus frutos podem ser bemindigestos.

Esta edição do Iátricotem a pretensão de provocá-lo, dileto leitor. Se o fizer,

também se desdobrará em conhe-cimento a si. Ou na sentença deSchiller: “Se queres te conhecer,observa os outros. Se quiseres com-preender os outros, olha no fundo deti mesmo”. Sempre direito e avesso.Sempre os ângulos insuspeitos.

É assim uma cabeça bem-feita;não se faz por si só. Necessita serrecheada por dúvidas e provocações.Ou seja, é uma erupção de imperfei-ções em busca da harmonia. E comesta não se contenta, pois perseguea autonomia de pensamento.

Aceite nossas provocações etenha boa leitura.

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á uma citação de Shakespeareque traduzida — “Each in his time,plays many roles” — significa que

cada um desempenha muitos papéis, ouseja, o poeta tentava aclarar que cada serhumano tem um universo dentro de si. Pelomenos os mais bem aquinhoados emcircuitaria cerebral.

Tomo essa idéia para explicitar que ofazer médico, além de sua prática maisimediata com o paciente, também implicana função social de divulgar a medicina e asaúde. Mas isso torna-se difícil por que di-vulgar a ciência médica para colegas é umacoisa, já em si difícil, para leigos, outra, bemmais penosa. Basta dizer que com colegasusamos jargão e razão, e que estas ferra-mentas cognitivas têm pouca valia com opúblico leigo, mais propenso à emoção.

Sabemos que informação não mudacomportamento. Se fosse o contrário,provavelmente não teríamos mais Aids nemengravidamentos indesejados na adultícia.Para que a informação mude comporta-mento tem que ser processada, assimilada,e ainda virar convicção. É um longocaminho que passa não apenas pelo racio-cínio lógico e analítico, mas principalmentepelas impressões, território carregado deemoções. Só se convence pela racionalidadeos racionais, naturalmente uma pequenaparcela da população. A maioria tem queser pega pela emoção, porque age emo-cionalmente o tempo todo. Basta você,dileto leitor, assistir em uma tarde de ócio oque é propagado pela mídia televisiva. Aspanacéias mais absurdas, mais inverossímeis,são vendidas e compradas copiosamente.Acredite, até por médicos e seus familiares.Então, a questão que se formula é a seguinte:como divulgar medicina e saúde de maneiraeficaz e correta? Claro que usando aracionalidade, mas temperada pela emoção.E quem você gostaria que as divulgasse?Pessoalmente preferiria um médico, mas opatrulhamento é enorme.

desejosos de informações médicas eexigentes. Portanto, rastreiam as principaispublicações especializadas à cata de bommaterial e conferem com especialistas osnós das matérias.

Mas você há de me perguntar, isso é oque há de melhor em divulgação científicaem nossa imprensa? Claro que não. Ocrème brûlée da divulgação está na con-corrente e antípoda ideológica de Veja,CartaCapital. Lá pontificam três médicoscientificamente competentes e com agrande qualidade jornalística de deixarcoisas complexas ao sabor do leigo.Drauzio Varella, Riad Younes e RogérioTuma assinam a coluna Evolução e Saúde,sempre centrada em coisas do interesse dapopulação, do consumo de vitaminas àstécnicas médicas mais recentes. Isso elevouo nível do que é publicado. Há trinta anosa divulgação era baseada em “fazedores denotícias médicas” plantados pelo complexomédico-industrial. O contraponto eramcolunas heróicas, como as do falecido JoséReis na Folha de S. Paulo. Hoje, emboraocorra a indução por parte da indústria, oleitor, se quiser, tem à sua disposição apossibilidade de ter informações quali-ficadas, filtradas por profissionais de boaformação e com vivência clínica. Emoutros países ocorre o mesmo fenômeno.A tiragem das revistas aumenta quando acapa é sobre saúde e há picos de audiênciaquando os canais abordam avanços, reaisou despropositados, na medicina. E cadavez mais profissionais da área médica setornam jornalistas.

Claro que tudo tem dois lados. Otelespectador que vê um ator conhecidopassar por um transplante bem-sucedido,pensa simplesmente que o mesmo estácurado, que nada mais precisa ser feito.Como se não tivesse trocado uma doençaterminal, é fato, por outra crônica, ocontrole da rejeição. Pelo menos, noschamados transplantes capitais, os quemais impressionam a população.

É para adequar os avanços da medicinaà realidade própria que precisamos muito dosdivulgadores. Naturalmente há que havercautela. Quando um profissional fala só desi, de suas habilidades e de seus tratamentosmiraculosos, é hora de mudar de canal. Oude revista. Ou de livro. Ou de sítio.

Damos de ombros, isto é, não damos àmínima, quando um colega charlata paga paraser entrevistado pela mídia tecendo loas à suacompetência, única naturalmente; verdadeirorepositório do engenho e arte. Mas quando oDrauzio Varella, no Fantástico, disse a umapaciente: — “Então vamos tirar a sua pressão”,sabem o que aconteceu? Foi varrido por umaenxurrada de e-mails de colegas que odesqualificavam dizendo que o certo era“medir a pressão”. Óquei, queriam mesmo éque tivesse dito à simplória paciente, “vouaferir sua tensão arterial”! Por aí vejam o graude patrulhamento da classe com bonsdivulgadores. Já os charlatas podem agir àvontade, ninguém tá nem aí. Dizem que é paranão se melecar. Então o que é melhor, umaimprensa marrom que corrompe e é corrom-pida por pseudos ? Ou exercermos uma dasfunções básicas da medicina que é ser di-vulgada corretamente e sem vieses mercan-tilistas à população? É por causa desse tipo depatrulhamento que muitos colegas compe-tentes, e que gostam de ensinar, não seatrevem a aparecer na mídia. Têm receio deparecer pouco científicos pela classe.

Claro que a divulgação da medicina e dasaúde melhorou muito na imprensa leiga nosúltimos trinta anos. E pelo simples motivoda população ter passado a se interessar maispela própria saúde. As pessoas vivem mais ehá mais possibilidades de prevenção. É umfenômeno mundial. Só nos últimos cincoanos, a revista Veja deu praticamente 1 anode capas com matérias destinadas ao assunto.Tem quatro jornalistas preparadas e espe-cializadas cobrindo a área. Mas por melhoresque sejam, e são ótimas, não têm formaçãonem vivência, não são médicas, por isso àsvezes levam barrigas, publicam simples“releases” da indústria farmacêutica como sefossem o “ó do bodó”! Claro que o ideal seriater um médico-jornalista, consultor, vivendoo dia-a-dia da redação. Nada como idealizar!De qualquer forma fazem bem seu trabalho,até por que seus leitores são cada vez mais

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á 25 anos o Canadian MedicalAssociation Journal (vide refe-rências no decálogo da penúl-

tima página) publicava uma série deartigos que tentavam desmistificar acredibilidade instantânea adquirida porum artigo científico. Ou seja, a auramística da palavra impressa. E fazia uma“razzia” em avaliação crítica, mostrandocomo muitos trabalhos publicados emrevistas de prestígio, com um “peer review”de notáveis, falhavam no momento dediscriminar a falta de evidências. E iafundo. Metade dos artigos publicados nasrevistas de maior credibilidade utilizavammétodos estatísticos inadequados, outinham problemas no seu desenho, nadefinição da amostra, ou erravam naescolha de indicadores e instrumentos.Depois de um quarto de século, comoestamos? Melhoraram as revistas masainda temos problemas importantes.Outrossim, houve uma incrível expansãode revistas médicas que continuamcometendo os mesmos erros de há 25 anos.E notem, isso depois do advento e conso-lidação da chamada Medicina Baseada emEvidências. Sabe por quê? Vamos aos

fatores: a revisão de pares (peer review) nãotem resolvido o problema; o complexomédico-industrial continua plantando osresultados que quer; e as revistas científicasdeveriam comentar criticamente os ensaiosem vez de publicá-los. Acresce ser comumos ensaios terem como padrão de compa-ração, terapêutica reconhecidamenteinferior; ou usarem comparações com amenor dose do comparativo; ou ao contrário,com a maior dose da droga de comparação,tornando a sua “menos tóxica”; igualmentecomum é usarem amostras propositalmentepequenas, buscando múltiplos resultadosfinais para selecionar os mais favoráveis parapublicação; ou estudos multicêntricos,selecionando os resultados dos centros maisfavoráveis; ou de subgrupos propícios; ouapresentando os resultados que mais impres-sionam, por exemplo, redução do riscorelativo e não do risco absoluto.

Corolário: ou você, caro leitor, aprendea ler criticamente uma revista, ou seráenrolado. Assustado? Assuste-se um poucomais. Há um quarto de século para se manteratualizado na leitura das dez melhoresrevistas de Clínica Médica, um clínicodeveria ler duzentos artigos e setenta

editoriais por mês. A uma expansão de 7%ao ano, faça as contas e atualize os números.Eu escrevi as “dez principais”. Mas não seapoquente. Lutar por autonomia de leituraé sempre bom e você deveria fazê-lo. Se nãoconseguiu, o mercado está a seu favor. Parapreencher essa lacuna lhe apresenta umleque de opções tradicionais ou eletrônicas,mastigadas e baseadas em evidências, deboa qualidade e com preços salgados, paraos parcos proventos do esculápio patrício.Ironia à parte, há igualmente publicações“non-profit”, de boa cepa, e mais baratas.Como exemplo Medical Letter, no seg-mento de avaliação de drogas, de maneiradidática e correta. Tudo que o homemcomplica em seguida simplifica. O tal domercado se encarrega disso, desde que vocêtenha lastro. Nada é perfeito!

Mas bom mesmo é não depender dosoutros. Por isso, cabe a pergunta: onde estáo conhecimento nessa pletora de informa-ções? Onde a fidedignidade? Na sua liber-dade intelectual, na sua capacidade de serautônomo, de ler criticamente um artigo. Issofará com que marche contra a corrente, dolado contrário do analfabetismo científicoque, claro, sempre foi o caudal maior.

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uerocontribuir

com uma análise e re-flexão crítica sobre a minhavivência e desafios comofundador e editor - por 8 anos,de uma revista científica - aRevista do Médico Residente. Jáhavia adquirido uma experiênciainicial e inspiradora como editor daRevista Médica do Paraná, órgão oficialda Associação Médica do Paraná.

Segundo Subramanyan apud Cam-pello & Campos (1993), o periódicocientífico possui três funções: 1)registro público do conhecimento, poisqualquer indivíduo pode oferecer àapreciação um trabalho para publi-cação e, também, pode obter a publi-cação; 2) função social, isto é, eleatribui prestígio e reconhecimentotanto aos autores, quanto aos editoresdo periódico, aos referees e, inclusive,aos seus assinantes; 3) disseminaçãoda informação, colocando a informa-ção à disposição do leitor, pois, se elanão for publicada, não existe.

O primeiro e grande desafio é teruma fonte financeira de manuten-ção da publicação de um periódicotrimestral, com tiragem importante,para chegar a todo Estado e à maiorparte das Instituições Acadêmicas doPaís, uma vez que a inserção depropagandas da área da saúde é cadavez mais difícil em periódicos que pre-cisam ser indexados e reconhecidos.

Mister se faz necessário para seobter outras fontes de financiamento,sem conflito de interesses, a incor-poração de profissionais da área demarketing e propaganda.

Os Pilares ne-cessários para a publicação dos

artigos científicos são os autores,revisores e editores.

O editor e editores associados sãoresponsáveis pela manutenção da qua-lidade científica e editorial da revista. Aobrigação principal de um editor égarantir que os manuscritos submetidospara a publicação sejam avaliados deforma correta, sem preconceitos e comeventual retorno para correção.

O editor é um tipo de ombudsman quedeve tentar proteger os diretos dosautores e revisores, devendo ser umaponte de comunicação entre as partes.

Está implícito que só editores-pes-quisadores produtivos têm habilidadepara avaliar e indicar outros para emiti-rem seus pareceres.

Outro grande desafio é conseguir aindexação na base de dados do Lilacs,junto à Bireme, para depois se conseguiro Scielo. Este é um trabalho intenso,prolongado, laborioso e desgastante paraos editores. Porque se precisa atingirtodos os desideratos exigidos, e entrealguns, está a personalização da RevistaCientífica e a publicação de mais de 50%de artigos originais – o que não é fácil –para uma revista que ainda não estáindexada – ou seja, este é um dos maioresproblemas: vencer este preconceito eromper o círculo vicioso.

Daí, reputo imprescindível o tra-

balho exercido igualmente por todosos editores vinculados de uma ma-neira pessoal e responsável com aindexação de mais uma revistacientífica. Se não houver isto, tudoserá inútil e infrutífero.

Ou seja, precisamos todo o diavencer a autofagia acadêmica, o que émuito próprio dos professores doscursos de medicina da nossa cidade edo nosso Estado!

Os requisitos éticos de umapublicação científica estão, hoje emdia, bastante facilitados pelas Comissõesde Ética em Pesquisa dos seres humanose animais de experimentação. Todavianunca devem os editores e revisores sedescurarem de verificar este item e daprocedência das instituições.

Outro aspecto nas publicaçõescientíficas é com relação aos con-flitos de interesse e fonte de finan-ciamento. O Comitê Internacional deEditores Médicos (www.icmje.org),ativo há mais de 30 anos e que auxiliamuito os editores a fazer o seu traba-lho com qualidade, vem se preo-cupando cada vez mais com aspectoséticos e conflitos de interesse.

Conflitos podem ocorrer por outrasrazões, tais como relações pessoais,competitividade acadêmica e paixãointelectual

Os conflitos de interesse sempreexistiram e continuarão a existir, masé evidente que a preocupação diu-turna com a ética e, principalmente,com a transparência das informaçõessobre relações entre as partes inte-ressadas (autores, editores, público epatrocinadores) leva ao aprimora-mento do processo editorial em suaefetiva contribuição para o desen-volvimento da ciência e da práticamédica.

Dr. João Carlos Simões (PR).

REFERÊNCIA:SUBRAMANYAN, K; CAMPELLO, B. S.;CAMPOS, C. M. Fontes de informaçãoespecializada: características e utilização. BeloHorizonte, Editora UFMG, 1993. p. 42-43.

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om certeza, depois da intro-dução do microcomputador, oprocesso de ensino-apren-

dizado da medicina nunca mais foi omesmo. Nós, os professores um poucomais velhos e acostumados a ensinar amedicina da maneira pela qual apren-demos, podemos muitas vezes sentirdificuldades para exercer a docênciacom um armamentário que revolu-cionou o acesso ao conhecimento efacilitou a sua multiplicação.

Se isto é bom ou ruim, é difícil dizer.É tudo uma questão de ponto de vista.É formidável, ao discutir um casoclínico em sala de aula, perceber que amaioria dos alunos ‘saca do bolso’ umpalm top e coloca com precisão aporcentagem de aparecimento dedeterminada complicação de umadoença ou a lista completa dos efeitos

colaterais de um medicamento em uso.Por outro lado, é desesperador orientarum trabalho de pesquisa, quando oestudante chega, curvado sob o pesode uma enorme pilha de folhas depapel, que contem, nada mais, nadamenos que 7.280 referências sobre oassunto a ser estudado.

Não se trata de gostar ou nãoporque a presença do microcom-putador na vida do estudante demedicina é fato consumado. Só nosresta nos acomodarmos à situação eaprender a trabalhar com ela.

Ao refletir sobre as atitudes que umprofessor pode tomar frente à oferta deconhecimento a ser feita ao aluno nestasituação, temos muito a aprender como sistema imune humano que, sabia-mente, transforma a ameaça de umelemento agressor (antígeno) em anti-corpos e células de defesa. Todavia,para que isto ocorra, é necessário quealguns quesitos sejam preenchidos.

O primeiro deles é, sem dúvida, o

fato de que nosso sistema imune respondea uma dose ideal de antígeno. Quanti-dades muitas baixas levam à anergia; asmuito altas causam tolerância. É comose o sistema imune não se “preocupasse”em responder ao muito pouco e serendesse de imediato ao excesso. Com oconhecimento, não é diferente. Muitopouco leva a superficialidade; excessopode causar desânimo e sensação deimpotência. Como saber a dose ideal?Nas pesquisas com palavras-chave, o usode descritores muito específicos levam oaluno a artigos superespecializados que,muitas vezes, por enfocarem um aspectoparticular de determinada doença, ofere-cem um conhecimento fragmentado eimpedindo que ele tenha uma visão maisgeral do assunto. Por outro lado, descri-tores mais abertos como, por exemplo,aqueles que designam diagnósticos sin-

drômicos, trazem um número excessivode referências. Talvez até 7.280. Umamaneira de reduzi-las é ensinar o aluno aprocurar inicialmente por artigos de re-visão e, à medida que o assunto édominado, partir para a pesquisa maisespecializada.

Uma segunda lição a aprender como sistema imune é a de que a rota deadministração do antígeno é importantepara a sua imunogenicidade. Assim,como as vias subcutânea, oral, aérea ouintradérmica levam a maior ou menoreficiência do processo imunológico, asrotas de pesquisa na internet tambémtrazem diferentes maneiras de se abordaro conhecimento. Pesquisas feitas emsistemas não médicos de busca comogoogle, yahoo, etc... podem levar o alunoa páginas particulares ou mesmo deindivíduos leigos, cujo conteúdo temvalor científico duvidoso. É importanteensinar o estudante a verificar as fontesde seu material de pesquisa dando pre-ferência àquelas que se originam em

universidades e órgãos de classe. Por último, é bom lembrar que

nem todos os antígenos têm capaci-dade de despertar a atividade imuno-gênica no hospedeiro. Aqueles polí-meros repetitivos, mesmos grandes ede alto peso molecular não despertamo sistema imune, ao passo que, peque-nas substâncias como os haptenos, queprecisam se ligar a proteínas carrea-doras próprias do organismo, conse-guem respostas formidáveis. Da mesmamaneira, páginas maravilhosas e comalto teor científico nem sempre conse-guirão despertar no aluno o interessedesejado. Todavia, aquelas que exigemum pouco da participação pessoal outocam n’alguma forma de interesseindividual, conseguem fazê-lo. Denada adianta um maravilhoso atlas dedermatologia com fotografias de alta

resolução para um aluno cujo interesseno momento é ortopedia. Entretanto,se as complicações ortopédicas estu-dadas resultam, por exemplo, dehanseníase, esta pode ser vista comolhos diferentes. É necessário que oprofessor saiba mostrar um “link”entre os assuntos nem sempre perce-bido pela simples visitação do local.

Assim como o sistema imune podetransformar a estimulação antigênicaem vacina para seu próprio proveitoou em doenças de autoimunidade,causando agressões ao corpo humano,na dependência da composição, volu-me e rota de administração de antíge-no, também a oferta de conhecimentonecessita ser dosada, selecionada eprocessada da maneira correta. O pro-fessor deve estar atento para que o alu-no de medicina consiga apanhar aqueleconhecimento oferecido na internet,selecioná-lo, incorporá-lo e transformá-lo de teoria em boa prática de medicina.

Dr.ª Thelma L. Skare (PR).

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uitas pessoas, inclusive médicose cientistas, primeiro informam-se das descobertas da medicina

através da mídia. Entretanto, a coberturade notícias médicas pela imprensa égeralmente imprecisa, superficial ousensacionalista. Notícias médicas sãofreqüentemente simplificadas, ou pior,sensacionalisadas por pressão da indústria.Notícias de saúde são um produto quevende bem e que no processo de promo-ção pode ser distorcido. Além disto, algunsdos temas médicos mais importantes nãosão cobertos pela mídia.

Jornalismo de baixa qualidade na áreada política ou negócios pode manchar areputação; mas em medicina, relatosimprecisos podem gerar falsas esperançase temores desnecessários. Os cientistasculpam a mídia por esse problema, argu-mentando que os jornalistas são des-cuidados quando apresentam os resultadosde uma pesquisa médica. Esta, por outrolado, acusa a comunidade médica porobstruir, desorientar ou falhar em alertar aimprensa. Críticos da mídia sugerem quea dificuldade está com a audiência: aspessoas precisam estar mais atentas ecéticas quando interpretarem notíciasmédicas. Tudo leva a crer que ambos(cientistas médicos e jornalistas) dividema responsabilidade de uma comunicaçãomais precisa para o público. Mas é precisodistinguir “jornalistas” da “mídia”. Profis-são de jornalismo é uma coisa e mídiarefere-se à indústria competitiva. Muitasvezes os objetivos e motivação do jorna-lismo entram em conflito com os da mídia!

Os problemas:SENSACIONALISMO

Freqüentemente os jornalistas perse-guem uma notícia médica como se elesestivessem relatando um seqüestro. Ainformação é rápida mas sem contexto. Orelato é sensacionalista: o jornalista exa-gera o achado científico e, como conse-qüência, o público é enganado sobre asimplicações do achado.

Por outro lado, os cientistas desejam apublicidade. Ajuda na captação de recur-sos para pesquisa, são valorizados pelasinstituições e aumenta a conscientizaçãosobre as suas pesquisas. Mas este esforço

em atrair a mídia pode resultar em relatosimprecisos ou incompletos. Da mesma formaque incentivos podem levar a mídia aexagerar afirmações; os jornalistas podemquerer oferecer esperança que pode levar aum retrato falso de novos tratamentos.Muitos exemplos podem ser encontrados: umtratamento não usual e invasivo para trata-mento da doença de Alzheimer foi ampla-mente divulgado após um pequeno estudonão-cego; a fluoxetina (Prozac©) foi sau-dada como a cura certa da depressão quandofoi lançada no mercado; melatonina recen-temente recebeu um excessivo tratamentopositivo da mídia como a “cura” para oenvelhecimento. Jornalistas que publicamfalsas expectativas podem ser censuradosmas os cientistas que fornecem a informaçãodevem dividir a culpa. Uma história negativasobre os possíveis efeitos deletérios à saúde éoutra tática sensacionalista. Relatos impre-cisos sobre os riscos à saúde são facilitadospela tendência da mídia e da comunidademedica contra estudos negativos, talvez porque eles não tenham conseqüência. Essaomissão é combinada ao fato de revistasmédicas serem menos propensas a publicarestudos com resultados negativos e cientistasmenos ainda em submetê-los à publicação.

VIÉS E CONFLITOS DE INTERESSEPara evitar histórias imprecisas, os repór-

teres devem examinar a credibilidade e viés dasfontes científicas. Mas esse exame não é fre-qüentemente feito. Por outro lado, os cientis-tas e instituições não estão errados em convidara imprensa para cobrir suas pesquisas e achados.

Os pesquisadores podem evitar impre-cisões nos relatos, desencorajando coletivasde imprensa para discutir dados preliminarese exigindo revisão final e aprovação do artigoa ser publicado. A principal fonte do repórternum artigo de pesquisa ou apresentação é opróprio autor ou conferencista. Os repórteresque querem confirmar os dados devem falartambém com pessoas que podem criticar otrabalho. Revistas médicas ou instituiçõespodem fornecer nomes de revisores que sedispõem a falar sobre o estudo. Os repórterestambém estão mais conscientes dos conflitosde interesse por que muitas revistas médicasrequerem que conflitos sejam revelados.Algumas vezes um estudo publicado foi

financiado pela indústria que produz omedicamento. Relatar conflitos de interesseé crucial, porque permite que os leitoresjulguem por eles mesmos a validade dosresultados. Recentes acontecimentoslevantaram preocupações sobre a extensãocom que a imprensa pode ser enganada porcomentários patrocinados pela indústria edisfarçados como comentários de um cien-tista ou médico. Algumas vezes um editorialfoi escrito por um médico contratado, pago,ou foi parcialmente escrito por firmas derelações públicas representando a indústriafarmacêutica. Qualquer carta, editorial ouconferencista deve ser identificado quandopatrocinado pela indústria.

FALTA DE SEGUIMENTOComo o público leigo não tem conhe-

cimento do processo científico, pode darmais importância do que cientistas aosresultados de um único estudo.Retornar aum assunto que foi relatado com base emdados preliminares pode não interessar aoseditores e muitos jornalistas não sabemcomo o processo científico se dá: estudos -pilotos seguidos de estudos aleatórios,cegos, etc. Se a mídia não publicar artigosde seguimento, acompanhamento de umanotícia médica, o público pode ser enga-nado. Um exemplo disto foi o relato dasuposta associação entre ingestão de cafée câncer pancreático. A compreensão dopúblico foi ofuscada pela falta de segui-mento. A mídia deu cobertura ao artigoque falava da associação mas não dapesquisa subseqüente, que falhou emconfirmar a associação.

ÁREAS QUE NÃO SÃO COBERTAS PELA MÍDIAAté há pouco tempo, notícias médicas

eram tipicamente escritas por repórteres nãoespecializados. Embora hoje em dia já hajamuitos repórteres especializados na áreamédica, muitos tópicos continuam a serignorados pela mídia. A explicação é quealguns jornalistas mantêm o foco em apenasalgumas áreas, não de outras que não conse-guem obter respostas as suas perguntas.Novamente a responsabilidade recai sobrea mídia e a comunidade médica. Semanal-mente os repórteres da área médica sãoobrigados a ler artigos ou notícias de revistasmédicas específicas. Esta obrigação podedesencorajá-los a perseguir uma área depesquisa, um processo que envolve conta-tar cientistas, ler revistas mais especializa-

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alguns artigos à pilha original.Chegando em casa, janto, brinco com a

filha um pouco e depois que ela dorme,vamos ao computador lá por volta das 22horas. Tiro do bolso o papelzinho de pesquisa,juntei com outros que já me esperavam. Masprimeiro, o ritual – checar os e-mails do dia:propagandas, rapidamente descartadas;antigos residentes querendo discutir casos;piadas - obrigatoriamente lidas na hora, ese boas forem, comunicadas imediatamenteà esposa e “espalhadas” para parentes eamigos; uma mensagem sobre o livro que eutenho que revisar e não revisei; outra sobreum artigo que devo analisar e não analisei;um e-mail assustador, sobre as aulas do con-gresso, que seriam só para daqui um mês ecom as quais eu iria me preocupar no devidotempo, devem agora ser mandadas deantemão para os anais do congresso; e vários“e-tocs” - conteúdos de diversas revistas quesaíram naquela semana. Leio os índices, embusca de artigos que me interessem, e comonão tenho acesso na íntegra da maioria deles,anoto na minha lista de referências paraserem pesquisadas e obtidas nos computa-dores da universidade; lista esta já com trêsmeses de defasagem em artigos acumulados.

Acabo os e-mails, entro no navegadorpara ir ao site de pesquisa. A página deabertura é do meu provedor, repleta de coisasinteressantíssimas: novidades da política que

das, etc. Algumas revistas médicas enviamnotícias que são “embargadas”, ou sejam, sópodem ser divulgadas após uma determi-nada data. Em parte para evitar o constran-gimento dos médicos que recebiam a revistamédica após a publicação da notícia naimprensa e eram confrontados com pergun-tas de seus pacientes sobre novidades que nãotinham conhecimento. O outro argumentoé dar tempo aos repórteres para pesquisaremsobre o tema e encorajar um relato maispreciso. Como jornalistas podem ser moti-vados a investigar áreas nas quais eles nãotêm conhecimento e como cientistas e médi-cos podem ser estimulados a compartilharproblemas nos quais eles são expertos? Tem-se dito que uma função dos profissionais dasaúde pública é trabalhar com a mídia proa-tivamente para evitar distorções, e tornaras notícias de saúde mais compreensíveis.

PRESSÃO DAS INSTITUIÇÕES PARA FICAR QUIETOSeria ingenuidade não reconhecer as

muitas razões que os cientistas têm para não

falar com a imprensa. A natureza competitivada ciência e a crescente interdependência como mundo corporativo deixaram os cientistastemerosos de que se a mídia ou mesmo umcolega tomar conhecimento da sua pesquisaprematuramente, a notícia pode afetaradversamente o investimento da empresa oua resposta do mercado na bolsa de valores.

Num recente episódio, uma poderosaindústria farmacêutica ameaçou processaruma universidade americana se determinadoestudo fosse publicado. Alguns membros dauniversidade abordaram um repórter de uminfluente jornal que publicou a matéria emprimeira página. Um ano depois o artigo foipublicado. A indústria concordou com apublicação devido a intensa especulação namídia sobre os achados e conclusões. Ficaevidente que a indústria teria evitado a publi-cação se a mídia não tivesse se envolvido.

CONCLUSÕESExaminando-se a cobertura da medicina

pela mídia, verifica-se que o relato de notí-

cias médicas está longe do ideal. Médicos,cientistas e jornalistas dividem a responsa-bilidade pelo problema. Os jornalistasdevem certificar-se de que o relato é pre-ciso, os achados não são descritos de formaexagerada e os conflitos de interesse sãoinformados. Os cientistas não devem sercitados fora do contexto e deve-se ter cui-dado para explicar as implicações da suaspesquisas. É devido a experiências nas quaisestas mínimas expectativas não foramsatisfeitas que médicos e cientistas da saúdevêem os repórteres como seus pioresinimigos. Freqüentemente parece que amelhor atitude é não falar com a mídia.Entretanto, ignorar a mídia é negligenciaro profundo efeito que as notícias de saúdetêm sobre os pacientes. Quando os jorna-listas falham na precisão da informação, naidentificação de conflitos de interesse, noseguimento de histórias e na cobertura deassuntos de saúde importantes, são ospacientes os que mais sofrem.

Dr. Miguel C. Riella (PR).

não vi no jornal televisivo (pois estavabrincando com minha filha, como postoanteriormente), fofocas, acontecimentosmundiais, lançamento de filmes, trailers defilmes, acontecimentos mundiais, fotosimperdíveis. Cada uma dessas chamadasmerece uma conferida rápida.

Lembro dos filmes que vi recentemente,os quais ainda não foram conferidos no meusite preferido de crítica cinematográfica.Dou uma passadinha lá, e depois em outrosite de cinema pra checar se as opiniõesbatem. Falando de opinião, tenho quechecar o meu jornal favorito, pois hácolunistas que não se pode deixar de con-sultar diariamente.

Vou então a Pubmed, digito os termoscertos e listam-me cerca de 40 artigos como que eu desejo; alguns realmente “nada aver”, outros bastante interessantes. Leio osresumos, imprimo alguns, tento ver seconsigo algum na íntegra, ponho alguns nalista pra checar na universidade.

Lembro de um outro site de pesquisa,digito os mesmos termos, aparecem algunscapítulos de livro sobre os temas, um bemamplo sobre pseudotumor orbital, que mededico a ler mais a fundo.

Satisfeito, olho no relógio: meia-noitee quinze minutos. Nada como uma pesquisarápida na internet...

Dr. Eduardo S. Paiva (PR).

inha visto pela manhã, junto coma residente de reumatologia, umcaso de paciente com um pseudo-

tumor orbitário, responsivo a corticos-teróide e que desenvolvera também quadrode polineuropatia periférica. Não haviaevidência clara de uma doença sistêmica,que pudesse explicar os dois achados.Anotei em um papel: “pseudotumor órbitax neuropatia” – e pensei em olhar à noitena internet. Cabe aqui a observação de quenão tenho acesso à rede durante a tardequando estou no consultório. O motivo?Minha certeza de que ao invés de checar apilha de artigos a ler, entraria on-line entreas consultas e ficaria “navegando”, com oresultado óbvio de no final ter juntado mais

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unca tive problemas sérios comminhas publicações internacio-nais, desde a primeira no British

Journal of Clinical Pharmacology, em 1979,sobre o temazepam. Após o concurso deprofessor titular na UFPR, em 1991, já combem mais de uma centena, parei de contarde maneira cartorial, mas ainda forammuitas até o fim dos anos 90.

De lá para cá publico ocasionalmentealgo de maior impacto, como um novotratamento de esclerose múltipla, na ActaNeurológica Scandinavica, em 2005.Porém, tive problemas de embromação devários tipos, em revistas de maior ou menorimpacto. Existe política no campo cientí-fico, e é normal, pois os donos do poder seesforçam continuamente, investem tempo,verbas e salários, e não apreciam que serompam as barreiras do “establishment”.

Quais as razões do domínio anglo-saxão na esfera científica internacional?

Um fator básico é que sua língua é amundial. Uma interpretação históricaindica que a primeira razão do sucesso dalíngua inglesa é o fato de que o planeta está,na prática, sob influência predominante deingleses e americanos desde que Sir FrancisDrake e outros piratas começaram aaterrorizar os mares, há 4 séculos. A ex-pansão marítima tinha uma base comerciale intelectual muito forte dentro das ilhasbritânicas, muito prósperas desde a IdadeMédia, como atestado pela construção de61 catedrais góticas e normandas, e pelaemergência de Cambridge e Oxford comocentros de saber, antes da descoberta daAmérica, que refletiu a expansão ibérica.

Outro fator é lingüístico: o inglês temestrutura simples, coloquial e musical. Aslínguas latinas parecem feitas para ópera epessoas de alto saber; inglês é popular. Pelomenos em comparação com outras línguasindo-européias e com as do extremooriente. Em recente viagem pude testemu-nhar como africanos de várias etnias,vindos de tribos nas savanas, interagem

perfeitamente em inglês, em um cenário dedoença grave, com asiáticos, europeus eamericanos. Não consigo imaginar o mesmoem alemão, russo, francês ou chinês.

Durante este longo predomínio “anglo”explodiu o conhecimento humano, inclusivenas ciências da saúde. Leonardo da Vinci,italiano radicado no sul da França, marca ofim da idade média e o renascimento, não sóartístico. Desta época em diante a maioriado conhecimento médico e científico foigerado na Europa do Norte. A mais antigasociedade científica existente é a RoyalSociety, que deu origem à revista Nature. Foifundada em 1660, em Londres. Lá também,em 1773, começou a mais antiga sociedademédica existente: “The Medical Society”.Outras foram surgindo, muitas pioneiras nomundo, como a Physiological Society, jápuramente experimental e sub-especializada,em 1876. Nem se dava o nome de “British”ou “English”, eram únicas.

Do outro lado do Atlântico as coisascomeçaram antes, pararam durante e se re-iniciaram após a guerra civil americana e oreal estabelecimento do país. A AmericanAssociation for the Advancement of Science,que deu origem à revista Science, foi fundadaem 1848. A American Medical Associationfoi fundada em 1847, e os oftalmo-otologistaslançaram a revista da sua especialidade em1876, seguido pelos dermatologistas em 1882.Só em 1883 foi lançado o JAMA, dos clínicos.

Antes das sociedades os médicos maiseminentes se comunicavam por cartas,muitas vezes levadas em mãos por pacientesque cruzavam o Atlântico ou o Canal daMancha para ouvir outra opinião sobre suasdoenças. Dom Pedro II, viajante notório, eracliente de Jean Martin Charcot, neurologistaem Paris. Com o advento das sociedadesmédicas, seus periódicos acabaram gerandoas revistas médicas como as temos até hoje,partindo de resenhas de casos clínicos que jáexistiam pouco antes. A distrofia muscularde Duchenne foi descrita em 1868, emfrancês, numa revista que já circulava havia

uma década. Porém, vários ingleses jáhaviam descrito a mesma doença 20 anosantes, entre eles Bell, Little, Meryon eGowers, em revistas e livros.

Os europeus se comunicavam muito navirada do século XX. Em 1908 já erafundada Epilepsia, talvez a mais antigarevista de neurologia e psiquiatria, e umbom exemplo: editada a partir de Buda-pest, os patronos eram um inglês, umholandês, um francês, um alemão e umsuíço; tinha artigos em inglês, francês ealemão; precedeu em um ano a fundaçãoda International League Against Epilepsy;foi interrompida pelas duas guerras;acabou dominada pela sociedade ameri-cana de epilepsia imediatamente após asegunda guerra, quando os americanospassaram a custear os eventos da sociedadee a publicação da revista.

Então, no início da era científica daMedicina, do meio para o fim do séculoXIX, as primeiras revistas e editoras delivros eram mais igualmente divididasentre os europeus, e americanos se desen-volviam independentemente. Após aprimeira guerra, na Europa a supremaciaestava passando do Império Austro-húngaro e da Europa central para os paísesnórdicos, incluindo o norte da França.Com a segunda guerra mundial os anglo-saxões deixaram todo o resto do mundopara trás. Trouxeram para a liderança doconhecimento escandinavos e holandeses,que saíram relativamente incólumes daguerra, com poderio financeiro e proxi-midade geográfica; suas línguas nativaseram tão restritas que nem tentaramtorná-las mundiais. Passaram suas revistaspara o inglês e pronto.

Temos hoje um primeiro mundo cientí-fico, anglo-saxão, com as revistas de pontade ciência básica, como Nature (Londres,1869) e Science (New York, 1880), e asrevistas clínicas, como Lancet e NewEngland, British Medical Journal e Annalsof Internal Medicine. A segunda linha é

N

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ainda de revistas anglo-saxãs, mas entramas escandinavas. Franceses, alemães eitalianos, até pela insistência em mantersuas línguas, vêm num terceiro plano. Abriga no primeiríssimo time é braba.Publicações significam o resultado deinvestimentos milionários em pesquisarealizada, e dão direito a verbas aindamaiores para pesquisa futura.

A expressão “publish or perish”,traduzida como “publique ou morra”, étípica americana. Acredito que sua origemesteja também após a Segunda Guerra,quando a explosão do conhecimentomédico foi patrocinada pelo investimentoatravés dos National Institutes of Health,localizados em Bethesda, arredores dacapital americana. Dos anos 50 aos 80,foi dali que saíram ou a pesquisa originalou as verbas para pesquisa extra-mural.As verbas se tornaram dependentes depublicação com impacto apropriado aotamanho da despesa. Quando entraramas pesquisas patrocinadas por companhiasfarmacêuticas, nos anos 80 e 90, osamericanos aumentaram seu domínio,através da chancela do Federal DrugAdministration. Quando uma nova drogaé certificada para venda no mercadoamericano pelo FDA, o mundo aceita.Quando uma nova definição clínicaaparece, precisa ter a chancela do Centersfor Disease Control, o CDC.

Os ingleses entraram junto nesta novafase, em parte. Grande parte dos gruposamericanos, de origem multinacional,eram chefiados por ingleses ou americanosanglo-saxões. Estes só tinham a diferençade ter chegado lá 100 ou 200 anos antes.

Europeus, até mexicanos, tinhamequivalentes dos NIH nos seus países,como o Medical Research Council naGrã-Bretanha, mas seu volume financeiroera muito menor. Criou-se outra ex-pressão, o “american jargon”, ou jeitoamericano de publicar, sempre comcentenas de pacientes provenientes dealgum lugar obscuro como Montana ouIowa; o mesmo palavreado, refletindo oprotocolo formado entre autores, editorese “referees”, algo como juízes.

Quando se encaminha um artigo paraqualquer revista das chamadas indexadas,o editor tem o poder de encaminhar para

avaliação por 2 ou 3 “referees” de suaescolha, que podem ser rivais ou partidáriosdos autores. Este é o sistema de “peer-review”, revisão por colegas, gente queentende do assunto, e, por definição, teminteresse na publicação mais rápida ou maislenta daquele artigo. Em geral o sistema éhonesto, não há bloqueio, mas há embro-mação e influência. Tanto que os clonadorescoreanos furaram o filtro e deu no que deu,da mesma maneira que os Vioxx e asnifedipinas da vida, entre tantos outros errosdos quais americanos têm tido que se retratar.

O sistema europeu do norte, incluindoaté australianos, foi mais honesto. O in-teresse diretamente financeiro, seja de verbasou mercadológico, era menor. No sistemainglês sempre pesou a tradição científica daRoyal Society. A honra máxima para umpesquisador é ser eleito “Fellow of the RoyalSociety” e o critério inclui ausência deinteresse financeiro. O pensamento científicoestá no âmago da educação britânica. Outradiferença está no fato de que a Medicinaeuropéia do norte é socializada. Os médicosganham salários fixos no fim do mês, e o lucrocom pacientes, pesquisa e publicações, éinstitucional. Americanos levam para casao dinheiro. Europeus do norte levam omérito. O dinheiro fica no departamento. Éimpensável mexer no que é da instituição.

Foi nos anos 80 que apareceram osgrandes estudos epidemiológicos, que deramorigem a muitas normas clínicas atuais, comoas de controle de pressão arterial. Estesgrandes projetos são mais fáceis em comu-nidades onde pacientes vão sempre aomesmo clínico de bairro, ao mesmo hospitalregional ou ao mesmo centro nacional deexcelência. E não ao que melhor se apresentamercadologicamente, como acontece namedicina capitalista.

Os americanos se ressentiram muito dosavanços epidemiológicos europeus e austra-lianos, e ficaram décadas pressionando pelamanutenção dos achados dos seus estudos,como os de Framingham. As normas atuaisde pressão arterial e risco de doença vascularjá são conhecidas de europeus do norte e deaustralianos há mais de 15 anos. Porém, sófuraram a embromação americana, sóobtiveram a chancela do NIH, FDA e CDC,há 3 anos. Assim, os americanos venderammetil-dopa e nifedipina mais 10 anos,

enquanto que em 1980 já se sabia quebeta-bloqueadores prolongavam a vida derecém-infartados.

Os beta-bloqueadores deram um nóna cardiologia americana de duas décadas,e, por conseqüência, na brasileira. Foimuito recentemente que saiu de moda aidéia de que beta-bloqueadores sãocontra-indicados em insuficiência cardía-ca e prejudicam fluxo sanguíneo renal.Ocorreu uma mudança conceitual queatingiu grande parte da cardiologia,nefrologia e medicina interna, e o “mun-do” demorou duas décadas e meia paraperceber, pela embromação científico-mercadológica americana, o “Americanjargon”. Na epilepsia até hoje persiste ouso excessivo de fenitoína, em detrimentode drogas européias como oxicarbama-zepina e lamotrigina.

Creio que esta é a diferença entre aimprensa médica americana e inglesa.Americanos tem o poder, com maiorreflexo mercadológico, financeiro e delucro pessoal. Publicações inglesas, querepresentam a Europa do norte, são maisepidemiológicas e de ciência de ponta,menos por obrigação de sobrevivênciafinanceira, menos por lucro pessoal. Maispor mérito.

Não há jeito, é necessário acompanharos dois tipos. E tomar muito cuidado comconceitos como os da medicina baseadaem evidências, pois as evidências queconvencem o FDA e CDC custam muitosmilhões, que não estão disponíveis paracondutas para as quais os direitos deprodução já expiraram.

Dr. Paulo Rogério Mudrovitschde Bittencourt (PR).

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Esquecer, para Pensar!O poema acima é prescrito a pacientes com freqüência. Por

que médicos o fazem? Porque é comum pacientes se apresentaremno consultório estressados por levarem uma vida sem vaziosexistenciais. E o poema tenta trazer o valetudinário para um ritmomais lento e é um alerta a uma vida inaproveitada. Será? A grandeironia é que não se aplica à maioria das pessoas, que são devagar,quase parando. Quem não tem parada o acha lindo. Quem passaa vida em branca nuvem o utiliza para justificar sua vagagem.Uns e outros o acham uma beleza, por que é de auto-ajuda, e ofato de estar associado a um gênio da literatura, o argentino JorgeLuiz Borges, falecido na Suíça em 1986, e considerado um dosmaiores escritores do século passado, lhe dá uma aura depreciosidade. Nem é um grande poema, nem é de Borges, nem seaplica à maioria das gentes. Como não é de Borges se você já oviu por aí impresso nas paredes da vida com seu nome? É dessesmistérios como os que cada vez mais se vê na internet. Textosapócrifos.

Alguém escreve e nomina outra autoria. Geralmente dealguém famoso de quem gosta, e que gostaria de ser e, portanto,

espalha seu próprio texto com uma falsa autoria. A ser lido poruma multidão. Todos os grandes autores sofrem, ou sofreram, comisso. E Borges não poderia ser exceção. Para isso existem osautenticadores. No caso, a própria Maria Kodama, inicialmentesecretária, depois esposa do autor que diz muito a nós médicos, jáque entre outros escreveu, esse sim, um conto genial chamadoFunes, o memorioso.

Nesse conto descrevia a história de um rapaz uruguaio que,depois de um acidente, ficou com uma memória prodigiosa. Tãoperfeita que podia lembrar qualquer detalhe de um dia inteiro.Isto é, conseguia reconstituir na sua inteireza o dia todo.Resultado: não lhe restava tempo suficiente para pensar.

Para pensar é necessário poder esquecer, só assim se generaliza.Ou seja, Funes é uma personagem literária que não poderia existirna vida real. É uma personagem magnífica, mas falsa. O que écoisa de gênio.

Ah, de quem é o poema? De uma escritora americana de auto-ajuda, de quem não lembro o nome. Mas não tem importância.Também necessito esquecer, para pensar!

InstantesSe eu pudesse viver novamente a minha vida,na próxima trataria de cometer mais erros.Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.Seria mais tolo ainda do que tenho sido,na verdade bem poucas coisas levaria a sério.Seria menos ingênuo.Correria mais riscos, viajaria mais,contemplaria mais entardeceres,subiria mais montanhas, nadaria mais rios.Iria a mais lugares onde nunca fui,tomaria mais sorvete e menos lentilha,teria mais problemas reais emenos problemas imaginários.Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata eprodutivamente cada minuto da sua vida;claro que tive momentos de alegria.Mas, se pudesse voltar a viver,trataria somente de ter bons momentos.Porque, se não sabem, disso é feita a vida,só de momentos; não percas o agora.Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem umtermômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas;se voltasse a viver, começaria a andar descalçono começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.Daria mais voltas na minha rua,contemplaria mais amanheceresE brincaria com mais crianças,se tivesse outra vez uma vida pela frente.Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

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poesia

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Tinha o olhar severo. No fundo

deles imagens concretas, embora

também fosse poeta. Nada de

enredar-se, omitir-se, derrubar-

se. Esgrimia os donos-do-mundo

com cálculo bem-feito e verbo

perfeito. Agrupados com o nexo

que superava a si mesmo.

Sim, tinha o olhar severo.

Também as idéias eram escar-

padas, apontando o prumo da

justiça, ansiando por uma vida tão

igualitária quanto é a morte.

Quis a vida que, como médico,

cruzasse esse olhar severo. Quando

o aconselhamento sugeriu a omissão

de um de seus prazeres, o olhar

abrandou-se, a firmeza não:

— Doutor, sou de um tempo que,

em Paris, se entrasse num bistrô e

pedisse um copo d’água para

acompanhar a refeição, seria enxo-

tado sem piedade. Não posso

atendê-lo nesse quesito. O demais

farei.

Morreu como viveu, com o

olhar severo de quem contempla,

sem contemplação. À socapa,

dulcíssimo.

Deleite-se com a poesia de

quem sabia que tudo tem custo,

principalmente o caráter. E nunca

regateou o preço.

O ano dois mil já passou, meu

caro Sidónio, e dei um beijo nele

por ti.

Roteiro

SIDÓNIO MURALHALisboa, 29 de julho de 1920

Curitiba, 8 de dezembro de 1982

Parar. Parar não paro.Esquecer. Esquecer não esqueço

Se caráter custa caropago o preço.

Pago embora seja raro.Mas o homem não tem avessoe o peso da pedra em comparo

à força do arremesso.

Um rio, só se for claro.Correr, sim, mas sem tropeço.

Mas se tropeçar não paro- não paro nem mereço.

E que ninguém me dê amparonem me pergunte se padeço.

Não sou nem serei avaro- se caráter custa caro

pago o preço.

Radiografando a PoesiaSidónio Muralha, o Poeta da Condição Humana, é da primeira estirpe intelectual

de Portugal. Um lisboeta ilustre cujo invulgar amor cívico fez com que o Brasil –especialmente Curitiba – fossem brindados com sua presença física e intelectual.Generoso, impulsivo, possuidor de imensa ternura humana calcada no amor cívico ena exigência de Justiça, fez-se porta-voz dos humilhados e ofendidos, missão que deleexigiu coragem, perspicácia e altruísmo. Tinha em uma das mãos a poesia e noutra osonho de uma vida solidária e construtiva a todos disponível.

Muralha foi um desassombrado que marcou passagem – como “um dardo que eumesmo lancei”-, seja no lirismo seja na adversidade política que enfrentou, na breveporém profícua existência. A autodefinição é exemplar:

“A minha poesia é uma árvore cheia de frutos / que um sol de tragédia emadurece:/mas eu não os arranco nem procuro:/ - o meu sol de tragédia aquece, aquece,/ e o frutocai maduro / no chão de minha vida”.

A liberdade de expressão tão almejada e tão fortemente roubada pelo sistemaditatorial em Portugal, levou-o a outras plagas – então Congo Belga, Guiné Bissau,Bruxelas, Dakar, Londres, Paris e por fim Brasil, em São Paulo, onde fundou a 1ª editorabrasileira dedicada exclusivamente à produção de poesia para as crianças. À Giroflé sedeve a publicação de Os Olhos das Crianças, essas mesmas que ele identificava como asauroras do amanhã:

“Atrás dos muros altos com garrafas partidas / bem para trás das grades do silêncioimposto / as crianças de olhos de espanto e de medo transidas / o que pedem é que gritemospor elas / as crianças sem livros, sem ternura, sem janelas / as crianças dos versos que sãocomo pedradas”.

Após a morte do poeta, a viúva dele, Dra. Helen Butler Muralha, cria a FundaçãoSidónio Muralha em Curitiba, hoje já com 25 anos de existência, afirmando-se como centrocultural educativo e filosófico, promotor de seminários sobre educação, literatura e filosofia,em especial os Cursos de Especialização em Filosofia para Crianças, em parcerias comsegmentos organizados da sociedade.

Fundamentada no amor e no diálogo fraternal, a filosofia muralhista compõe-se coma verve poética, definida, cristalina, inquebrantável. Rija, porém cheia de ternura:

“Se os seres não dialogassem com um vidro entre eles / se cada diálogo não fossedois monólogos / uma consciência unitária romperia a crisálida / e o ângulo de visãoabrangeria o universo”.

Alzeli Bassetti (PR)

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futebol

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“E isto lembra uma tristezaE a lembrança é que entristece,

Dou à saudade a riquezaDe emoção que a hora tece .”

rimeiro de julho e o jogo acabou.Também estou acabado. Por isso,tenho que elaborar a derrota. E

não estou conseguindo. Como não sou debeber, escrevo. E lhe peço escusas, caroleitor, mas não quero me servir de você,apenas espero que me acompanhe nestadigressão.

Ganhos e perdas foram constantes naminha vida. Aliás, como na de qualquerpessoa. Mas sempre diante de qualquerperda me perguntava: tá bom, meumundo caiu, o que vou ganhar com isso?Essa forma de lidar com as coisas, sempreme ajudou a superar dificuldades. E medeu serenidade para relativizar perdas.Para extrair lições das dificuldades, sejampessoais ou coletivas, para me ajudar asuperar frustrações. Outrossim, sei quetenho limitações, mas também sei quenossos alcances são indefinidos, por issoé necessário ousar criativamente e commuito disciplina. Esse sempre foi meucaminho. Desta forma superei muitas deminhas precariedades. Claro que con-tinuo tendo outras. Não se esgotam. Masnão me assustam, faço delas meus alvosde superação. E sei que necessito dacolaboração de muitos outros para poderevoluir. Agora, nas derrotas, sempre caíde pé, orgulhosamente. Ferido, masdigno. E não se diga que falar de coisaspessoais seja mais fácil. Não. Quasesempre procuramos desculpas, escamo-tear nossas deficiências ou projetá-las nosoutros. Consciente disso, estou à vontadepara comentar essa grande perda.

Vejam, no plano pessoal sei do que soucapaz para fazer um diagnóstico, sem mefugir a razão de que seja sempre proba-bilístico. Sei lidar com uma platéia, semme arrogar a pretensão de nunca entrarem saia justa. Ou seja, sei claramente o

EU,TORCEDORque posso fazer, não fujo aos desafios e tenhociência de que para meus critérios deexigência pessoal nunca alcancei a excelênciapretendida. Mas sempre fui lutador, ealcancei sempre um mínimo desejável.

Ao conhecer meus limites sempre esta-beleci a estratégia concernente. Adotava atática que me parecia mais eficaz, tendo acerteza de que a única coisa que nuncafaltaria seria esforço pessoal e solidariedadecom os meus. Talento, se existisse, ficaria parao acaso, para o imponderável.

Daí minha frustração com o jogo acabadoe perdido. Perder sim, é do jogo, mas com adignidade do lutador que nunca desiste. Quechega junto até o fim. Que nunca dá vezo àapatia.Vemos, às vezes, equipes limitadasalcançando vitórias e dizemos: falta-lhestalento. E daí? Venceram, se superaram. UmKleberson, em 2002, não era limitado emface dos demais? Claro que sim. Felipãosoube extrair dele o necessário. E acabouparecendo ser melhor do que era: numconjunto de jogadores mais técnicos, teve oessencial que é a alma. O espírito do ven-cedor. Isso é que faz a verdadeira diferença.

Para meu temperamento sou mais aracionalidade e serenidade do Parreira doque a erupção emotiva do Felipão. Conse-guiria ser o primeiro e não o segundo. Mas,neste momento de desilusão, às 19h do dia1.º, e sem mudar uma linha nos próximosdias, qualquer que seja o resultado dospróximos jogos, consigo ver com toda clarezaquem é o mais eficaz. É o vulcânico. O quejamais permitiria a indiferença em face dodomínio francês. E deixo claro que se fosseconstruir um modelo de treinador o faria coma serenidade e racionalidade do Parreira ecom a impetuosidade e emocionalidade doFelipão. Procuraria o equilíbrio. Perder, tudobem; mas sem cabisbaixo. Derrotado moral-mente. Como se diz, jamais sair à francesa.Fomos nós que saímos.

Em 54 não ouvi a Copa pelo rádio. Em58 e 62 sim, e vibrei muito. Foi minhaformação futebolística. Cunhei minhasreferências. Em 66 não deu para sofrer, não

P

demos pro começo, culpa da desorga-nização. Em 70, cheguei à Europa logodepois da Copa, peito estufado, e muitobadalado pelos amigos que encontrei.Todos maravilhados com nossa Seleção.Em 74, a Holanda com seu futebol surpre-endente, ajudou-me a elaborar a perda. Em78, “campeões morais”, estava tudo armadopelo regime militar argentino. O escândalome apaziguou. Sofri muito em 82, 86 e 90,mas não escreveria o que estou escrevendodepois dessas derrotas. Houve dignidadenas derrotas. Em 94 vibrei muito, apesardo espetáculo limitado, mas havia disci-plina, garra e a genialidade do Romário. Em98, o episódio Ronaldinho, qualquer quetenha sido, ajudou-me a dar a volta porcima. Em 2002, mesmo sozinho, foi catár-tico. Hoje, 19h08 do 1.º de julho, estoudesolado e com dificuldade de digerir estenó na garganta.

Sei que este artigo sairá daqui algunsmeses, defasado no tempo, inoportuno,depois de todas as análises de especialistas.Mas queria deixar registrado no calor dadecepção algo que já vi ocorrer várias vezesno front da medicina. Colegas que sãoverdadeiros gênios intelectuais não daremcerto. Sabem por quê? Porque não conse-guem fazer o arroz-com-feijão no dia-a-dia.São abúlicos com a rotina, só queremparticipar de grande lances, vale dizer, degrande diagnósticos e inusitadas emprei-tadas terapêuticas. E não se encontram. Ofutebol também é assim. Uma rotina bem-feita tem mais valor; sem excluir o talento.É nisso que eu quero que acredite, caroleitor. Só o esforço continuado redime. Emqualquer profissão. Sem que se exclua aoportunidade para o inusitado, para ainvenção, para a alegria.

Obrigado por participar de minhatristeza às 19h20 do 1.º de julho. Mas,acredite, já estou me sentindo melhor.Refeito, em parte. Graças a você. O quedemonstra duas coisas: primeiro, que unsprecisamos dos outros; segundo, queespírito é fundamental.

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cinema

15

A eutanásia (do gre-go eu = boa, thanatos =

morte) é assunto controversodesde a Antigüidade, época em queos grandes pensadores travavamfervorosos debates sobre o tema.Prova disso é a passagem “A ninguémdarei por comprazer, nem remédiomortal e nem um conselho que induzaa perda”, a qual consta no juramentode Hipócrates. Ao longo dos anos, oassunto certamente não deixou de serdiscutido incontáveis vezes pelas maisvariadas estirpes de pessoas: demédicos, filósofos e advogados aleigos e enfermos.

“Mar Adentro” (2004), do diretorchileno-espanhol Alejandro Ame-nábar – o mesmo de “Os Outros”(2001) e “Preso na Escuridão” (1997)-, trata justamente deste complicadodilema que é a prática da eutanásia.O filme descreve a verídica trajetóriado espanhol Ramón Sampedro (per-sonagem vivido por JavierBardem) em sua luta in-cansável pelo direito de“morrer dignamente”.

Ramón era um jovemaventureiro que, aos 20anos, já havia conhecido omundo viajando como ma-rinheiro.Ironicamente, foitambém no mar que, apósum mergulho em água rasa,tornou-se tetraplégico (“omar me deu vida e depoisa tomou”). A partir deentão, Ramón passa a en-carar a morte como únicasaída para o fim de seusofrimento. Preso a umacama, conta com o suportee auxílio constante de suafamília. Entretanto, nemtodos apóiam a sua decisão,

Mar Adentrofato que ilustra a delicadeza do tema. Estadivergência de opiniões atinge o clímaxna feroz discussão entre Ramón e seuirmão mais velho. A desaprovação daIgreja Católica é evidenciada pela figurado também tetraplégico Padre Franciscode Gáldar que, coincidentemente ou não,torna-se uma figura execrável apesar desua breve aparição.

Ramón é um homem que chora rindo,escreve poesias com geringonças de suaautoria, voa para onde sua imaginação oleva, sonha acordado, mas nunca perdea lucidez e coerência em suas argu-mentações quando defende sua escolhapela morte.Nesta luta, Ramón contatambém com o apoio de uma organizaçãonão-governamental e com a advogadaJúlia, que se identifica com o caso pelofato de ser portadora de uma doençaprogressivamente incapacitante chamadaCadasil (acrônimo em inglês para Artero-patia Cerebral Autossômica Dominantecom Infartos Subcorticais e Leucoence-

falopatia). Com Júlia, Ramón partilhacigarros, discute suas trágicas vidas,publica seu livro de poesias e chega atrocar seu primeiro beijo ao longo dos28 anos desde o seu acidente. Outramulher de fundamental importânciano enredo é Rosa, mãe solteira de doisfilhos que, curiosamente, encontra emRamón um significado para viver.

A burocracia judicial (“de um esta-do que se diz laico”) também é explicita-mente questionada na cena que repre-senta o julgamento de Ramón e em seutestamento: “Senhores juízes, negar apropriedade privada de nosso próprio seré a maior das mentiras culturais”.

“Mar Adentro” é um filme que,apesar de posicionar-se a favor daeutanásia ao bater na idéia de que“viver é um direito e não uma obriga-ção”, acende uma reflexão e discussãobastante profundas e questionadorasacerca do tema. Vale a pena conferir.

Dr. Guilherme Gadens (PR).

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gale

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força natural. Portanto, o lirismo sensualde O Beijo ou a intensidade trágica d’OsBurgueses de Calais levaram tempo paravir à luz. Embora dominasse suas refe-rências, era cegado pela originalidade. Eera lento, o que reduzia sua produção (oleitor deste espaço já sabe que só o que élento perdura). Mas sua lentidão eracalculada. Permitiu torná-lo um mestrenas superfícies anatômicas. E isso nãosobejava, queria dar um espírito a suasesculturas. E conseguiu. A mestria desuas reentrâncias, com extensão eprofundidade peculiares, permitiu-oexpressar a sensação de movimento. Essasua revolução. O espírito de suas escultu-ras nos vem da sensação de movimento.

Não tinha medo de suas verdades.Assumiu-as com a paixão que detona avocação criadora, mas sem perder osentido das proporções. O resultado estálá no Musée Rodin: um espectro desaliências e reentrâncias que vai dodesespero quieto ao vendaval de desejos.Quer um exemplo? Quando faz um nu ésempre uma nudez desamparada, absolu-ta, e única. Alia à paixão e à proporção osenso de responsabilidade autoral. Nãofaz o que os outros fazem, registra a suamarca, sempre uma digital criativa esingular. Por isso, produziu uma obrafundamental: a que cresce sempre, feitoum bosque. Daí ser a paixão de tantos

Ninferno, baseada no inferno de Dante,lavrou vários. Rodin era assim, umobsessivo. Embora não lhe faltasse umvariado repertório de idéias, formas etemas, quando obcecado com uma,produzia protótipos e esculpia algunscom pequenas variações, o que demons-trava sua permanente insatisfação com o

que criava. Tanto melhor paranós, a exaustão de seu perfec-

cionismo gerou algumasobras-primas. Mas não

pense o caro leitor queseu gênio tenha sidoreconhecido preco-cemente. Muito aocontrário. Expôsalgumas vezes sem amenor repercussão e,para variar, comcríticas acerbas. Mastinha a perseverança dosimprescindíveis. Na suasolidão — ficou anosencafuado — treinava e

aperfeiçoava sua

osso Paixão é um apaixonadopelo Le Penseur. À maneirade Rodin, só no Iátrico já

produziu dois. Por que à la Rodin?Porque embora O Pensador queilustra a página seja o mais famoso(verdadeiro ícone da esculturauniversal tanto que qualquer turistaao visitar Paris quer logocomprar uma réplica emminiatura), o grandeescultor francês sóna inacabadaporta do

“Gabiru Lamentador”,

de Luiz Gagliastri (PR).

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eria

17

artistas.Todo verdadeiro artista prima

pela originalidade. Foi o que feznosso Paixão, e também o que feznosso escultor Luiz Gagliastri. Olhem aescultura à esquerda e abaixo. Penso tersido seu primeiro “pensador”. Uma desuas primeiras peças. O artista originalesculpe sua terra, sua gente com carne eosso, mesmo que forjada no ferro. Opensador de Rodin é o homem que percebeo horror e a beleza do espetáculo humanopor que pensa. Embora abstraído e mudo,está pleno de visões e pensamentos.Grávido de possibilidades. O corpointeiro se faz cérebro, este mente,porque está em ação. O pensadorde Gagliastri não pensa, selamenta. O corpo não se con-centra, se desfaz; não temmúsculos, é permeável à ruína;as mãos não sustentam o pesodas idéias, clamam sua falta. Aslágrimas são pregos que espetamnossa sensibilidade e se perdem semregar o terreno porque não há seara. Sóhá desespero, sem esperança.

Um pensador é francês, regado a ilu-minismo, todos o querem; o outro é nordestino,seco no horror da esterilidade de idéias e fome,todos o rejeitam. Um gabiru lamentador, tristeimagem de nossa desatenção. Ambos, paixão deartistas, que revelam o sublime e a barbárie.

“O Pensador” (Le Penseur),

de Auguste Rodin.

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18

A PROVA DO JOÃOZINHOFilho de médico, diligente e apli-

cado, Joãozinho era daqueles estu-dantes que, a um só tempo, suscitamrespeito e inveja. Mas cá entre nós,era muito chato também.

Deu-se que enfiou uma coisa nacabeça e começou a perseguir aprofessora.

— Você de novo Joãozinho, qualo problema?

— É que sou muito inteligentepara estar no primeiro ano. Minhairmã está no terceiro e não sabe nemum pouco do que eu sei. Quero ir parao terceiro também!

A professora no íntimo sabia quenão ia conseguir ser dissuasória emandou-o à diretoria. Enquanto oJoãozinho esperava na ante-sala, a“profe” explica a situação ao diretor.Este, não se fez de rogado, e do altode sua onipotência diz-lhe:

— Deixa comigo! Vou aplicar um

teste no garoto, e como não vai respondera todas as questões, vai mesmo é ficar noprimeiro ano.

Professora de acordo, chama João-zinho, cujo pai também já fora terror deturma, e explica-lhe que vai passar poruma prova oral. Terá que responder atodas as perguntas, se for bem-sucedido...

O garoto acedeu, e o diretor começoupegando leve:

— Quanto é três vezes três?— Nove.— E seis vezes seis?— Trinta e seis.O diretor continua oferecendo ques-

tões pertinentes a um aluno do 3° ano eo danado do menino impecavelmente atodas responde. O diretor, visivelmenteaturdido com tantas respostas irretor-quíveis, diz à professora:

— Penso não haver outro jeito, temosque colocá-lo no terceiro.

A mestre que o achava purgante nãose deu por vencida e pediu para tambémargüi-lo! Diretor e Little John assentarame ela veio com tudo. Inconformada comas respostas normais partiu para aabstração e perguntou:

— O que é que a vaca tem quatro eeu só tenho duas?

Joãozinho pensa e num átimo responde:— Pernas.— E o que há nas suas calças que não

há nas minhas?O diretor arregala os olhos mas não

tem tempo de interromper.— Bolsos, professora.— O que é que entra na frente na

mulher e só pode entrar atrás nohomem?

Estupefato com os questionamentoso diretor prende a respiração e antesque respire...

— A letra “M”, responde o guri. A argüição continuava:— Onde é que a mulher tem o cabelo

mais enroladinho?— Na África, responde o garoto de

primeira.— Qual o monossílabo tônico que

começa com a letra C, e termina com aletra U, ora está sujo, ora está limpo?

O diretor está suando frio.— O céu, professora.— O que é que começa com C, tem

duas letras, um buraco no meio e eu jádei para várias pessoas?

— CD, responde o travesso. Não mais se contendo, o diretor

interrompe a prova oral, respira aliviadoe diz para professora:

— P.Q.P., vamos pôr esse molequecomo diretor. Eu mesmo errei todas.

Moral: Quem pensa fixo podeperder o siso.

J.M. e A.T. (PR).

A semente da ver-

dade pode demorar a

florescer, mas no fim

floresce, aconteça o

que acontecer.

Gregório Marañón (1887-

1960), médico e escritor

espanhol, escreveu sozinho o

Manual de Diagnóstico Etio-

lógico, um clássico.

diálogos

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reflexão

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O exercício da medicina realizado

na sua dimensão maior apóia-se em

dois pilares: o conhecimento científico

e o humanismo. Este conceito, apa-

rentemente óbvio, explica porque o

bom médico não é aquele apenas

dotado de ilustração técnica, mas,

também, aquele que tem compaixão e

estabelece relações humanas profundas,

aquele que se posta ao lado do seu

paciente, como leal companheiro de

viagem.

Com toda intolerância que prevalece

na nossa sociedade, incapaz de aceitar até

os fatos médicos inexoráveis, como a

decadência física pela idade e as doenças

ou a morte incontornáveis, com todo

ambiente indigente no qual atua um sem-

número de médicos brasileiros e com todas

as imperfeições da natureza humana, que

atinge inclusive os médicos, é ainda

possível produzir bons médicos? Tenho

certeza que sim.

Michelangelo dizia que cada bloco de

mármore bruto esconde uma figura

esculpida, pronta para ser liberada com

um pouco de trabalho e talento. Essa é

a função dos educadores médicos.

Descobrir nos blocos amorfos os peque-

ninos Davis e Pietás dotados não

apenas de conhecimento para curar,

mas principalmente, de sentimentos

humanísticos genuínos que irão recon-

fortar. E moldar nos blocos amorfos

cidadãos que, além de amenizar o

sofrimento, sejam capazes de influe-

nciar suas comunidades, modificando

o cotidiano das pessoas, transformando

a sociedade e ajudando a desenhar um

novo país.

Dr. Miguel Srougi (SP).

Disse Nelson Algren: “Não vá para a cama com quem tem maisproblemas do que você”. Digo eu: Vão faltar parceiros!

Humilhados pelas leis biológicas que nos reduzem a umagregado de bases, nos consolamos na imortalidade.

Fale dos que lhe abrem as portas da percepção.Aos que fecham, ignore-os.

Os tempos são de grosseria e deboche. Não caia nessaesparrela. Nós, médicos, sempre fomos agentes da

cortesia e da delicadeza, sem perder a firmeza.

Saiba fazer para fazer saber e mandar. Sem perder a graça.

Não lamente os erros. Aprenda com os mesmos. São amatéria-prima de sua própria autolapidaçao.

Não se lamente. Vire-se.

Nunca se ache bom o bastante.Continue melhorando. Com satisfação.

Não seja novidadeiro. Procure as provas.

Você conhece seus limites? Isso é muito bom! Agoraexpanda-os. Nunca conhecemos nosso alcance.

Mantenha seus desejos, porque necessários, mascontrole-os. A realidade será mais estável.

Faça de sua precariedade o estimúlo para seu aperfeiçoamento.

Você anda com relacionamentos complicados? Pelo menos aprendacom os mesmos. Lembre-se da advertência de Sócrates:Aquele que tiver uma boa mulher será um homem feliz;

aquele que não a tiver será um filósofo.

Compare-se com os melhores. Devem ser sua referência.Mas nunca esqueça que sua (deles) escalada foiárdua. Sem competência ninguém se sustenta.

Na flauta, só músicos, e com talento!

Jatos de idéias médicas para refletir e criticar

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pérolas

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O escore de Framinghan avalia ainfluência de fatores de risco qualitativos(tabagismo e presença ou não de dia-betes) e quantitativos (níveis de pressãoarterial, colesterol e HDL colesterol) nadeterminação do risco de infarto domiocárdio, morte coronariana e angina depeito em 10 anos.

A aterosclerose é uma doença infla-matória de baixa atividade quandocomparada à doença do colágeno.Contudo, quanto maior essa “discreta”atividade, maior será o risco de eventocoronário. A determinação da PCR(proteína C reativa) de alta sensibilidadepode ser útil para melhorar a estratificaçãoclínica dada pelos escores de Framinghanem indivíduos com risco intermediário (10a 20% em dez anos de eventos cardiovas-culares). Índices acima de 3 mg/l indicamaumento de risco relativo de 2 a 2,5 vezesquando comparados a indivíduos comvalores < 1 mg/l.

O diagnóstico da síndrome metabólicaé feito pela presença de pelo menos trêsdos cinco critérios a seguir (NCEP ATP III –National Cholesterol Education ProgrammeAdult Treatment Panel III): obesidadeabdominal (cintura > 102 cm para homense 88 cm para mulheres); triglicerídeos >150 mg/dl; HDL-C < 40 mg/dl parahomens e <50 mg/dl para mulheres;pressão arterial > 130/85 mmhg; glicemia> 110 mg/dl.

Em adultos, a pressão sistólica édefinida como o aparecimento do primeirosom regular (fase I de Korotkoff) seguidode batidas regulares que se intensificamcom o aumento da velocidade de deflação(manguito). A pressão diastólica é deter-minada no desaparecimento do som (faseV de Korotkoff).

Os dados epidemiológicos demonstramuma relação positiva entre a ingestão de

sódio e os níveis de pressão arterial. A orien-tação das diretrizes de tratamento da hiper-tensão arterial quanto ao consumo diário desal é em torno de 100 mmol. A cada reduçãode 40 mEq/dia de sódio há uma reduçãomédia de 4 mmhg na pressão sistólica.

A hipertensão arterial acomete cerca de22 a 44% da população adulta brasileira. Deacordo com a etiologia, mais de 90% dospacientes hipertensos são considerados comoportadores de hipertensão arterial sistêmicaprimária, essencial ou idiopática. Em cerca de10% dos pacientes ocorre a Hipertensãoarterial sistêmica secundária a outras doençasque são responsáveis pela sua gênese.

Indícios clínicos de hipertensão arterialsistêmica secundária: início da HAS antes dos30 anos ou após os 50 anos; HAS refratária àterapêutica otimizada; tríade do feocro-mocitoma: palpitações, sudorese e cefaléiade aparecimento concomitante e em crises;fácies e/ou biótipo de doença que cursa comHAS: doença renal, hipertireoidismo, acro-megalia, síndrome de Cushing; presença desopros abdominais; assimetria de pulsos;aumento da creatinina sérica; hipopotassemiaespontânea (< 3 mEq/l); exame de urinaanormal (hematúria ou proteinúria).

A insuficiência cardíaca considerada hojecomo uma síndrome clínica complexa,constitui o principal problema cardiovascularde saúde pública. Há no Brasil cerca de 2milhões de pacientes com ICC e a cada ano240 mil novos casos são diagnosticados. Paratratá-la é fundamental o diagnóstico etiológico(coronariopatia, HAS, valvopatia, miocar-diopatias, taqui e bradiarritmias) assim comoo diagnóstico funcional (Sistólica -60 a 80%dos casos; ocorre por sobrecarga de volumeacarretando dilatação excêntrica do ventrículoesquerdo e redução da fração de ejeção.Diastólica – 20 a 40% dos casos; ocorre porsobrecarga de pressão acarretando alteraçãodo relaxamento, redução da elasticidade eaumento da rigidez do ventrículo esquerdo,

mantendo preservada a área cardíaca e afração de ejeção).

A estenose aórtica prevalente no homemacima de 50 anos tem como etiologia maisfreqüente a valva aórtica bicúspide (50%).A tríade clássica prognóstica é indicativade tratamento cirúrgico: síncope (taxa desobrevida 50% em 3 anos); angina pectoris(taxa de sobrevida 50% em 5 anos);insuficiência cardíaca congestiva (taxa desobrevida 50% em 2 anos).

A insuficiência aórtica é a valvopatia commaior número de sinais semiológicos peri-féricos: pressão arterial divergente (PASaumentada e PAD normal/baixa); pulso:amplo de ascensão rápida; Sinal de Corrighan:“martelo d’água; Sinal de Musset: movimen-tação da cabeça concomitante aos bati-mentos cardíacos; Sinal de Muller: pulsaçãosistólica de úvula; Pulso de Quinke: pulsa-ção capilar visível no leito ungueal ou lábio.

A síndrome coronariana aguda (IAM eangina instável) representa quase 1/5 doscasos de dor torácica nas salas de emer-gência, e por possuir uma significativamorbi-mortalidade, a abordagem inicialdesses pacientes é sempre feita no sentidode confirmar ou afastar este diagnóstico.

As unidades de dor torácica (UDT) foramcriadas em 1982, e desde então vêm sendoreconhecidas como um aprimoramento daassistência emergencial. Essas unidadesvisam: 1 – prover acesso fácil e prioritárioao paciente com dor torácica que procuraa sala de emergência; 2 – fornecer umaestratégia diagnóstica e terapêuticaorganizada na sala de emergência,objetivando rapidez, alta qualidade decuidados, eficiência e contenção de custos.

A semiologia da dor torácica é a principalferramenta seguida pelo ECG e marcadoresde necrose (CPK, CK-mb, troponinas) paraavaliar e alocar o paciente com dor torácicana UDT em uma das rotas; Rota 1: IAM comsupradesnível do segmento ST; Rota 2: IAMsem supradesnível do segmento ST e AnginaInstável; Rota 3: dor torácica provavelmenteanginosa; Rota 4: dor torácica definitiva-mente não anginosa.

Dr. Francisco Maia (PR).

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ciência e fé

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o abraçar a medicina como pro-fissão se herda uma postura, umametodologia especial de se ava-

liar o mundo e a vida. Afinal a medicina,além de arte, é ciência aplicada. A medici-na é, e sempre foi, baseada em evidências.Evidências!

O que não for passível de verificaçãoe demonstração, não é admitido comoverdade. O tratamento só é instituídodepois de estabelecido um diagnóstico. Odiagnóstico é alcançado pela análise dosdados reunidos pela anamnese e examespreliminares, desde o clínico até o maissofisticado exame complementar. Otratamento, por sua vez, é feito por meiode terapias cuja eficácia foi comprovadaatravés de métodos de análise estrita-mente objetivos. Embora a subjetividade,a intuição, não deva ser desprezada, poissão atributos do cientista e sem os quaisnão haveria descobertas. Na hora de ava-liar fatos é recomendável que a subje-tividade fique de fora.

O médico moderno não aceita e nãoaplica o que não tenha sido cabalmentedemonstrado; o que não tenha resistido aestudos prospectivos, duplo-cego, rando-mizados, etc.

Pois bem. Convencido da legitimidade

da metodologia científica, o médico tem aobrigação de rever conceitos tidos comoverdadeiros por todo mundo, inclusive porseus pais, avós, amigos. Pois, como disseBertrand Russel, mesmo que cinqüentamilhões de pessoas digam uma bobagem, elacontinua sendo uma bobagem.

Ao se auto-analisar, o médico verificaráque abriga uma grande quantidade deconceitos falsos, meras crenças que nãocondizem com seu status de cientista, amaioria dos quais lhe foi introjetado desde ainfância. Conceitos que ele vem mantendosem tê-los revisados à luz de todo o conhe-cimento que a universidade e a vida lheaportaram. Assim, é essencial que ele revejacom cuidado suas crenças, pois vai verificarque a maioria não passa de mitos pueris quenão resistem a mais simples análise.

Por lhe ter sido ensinado que duvidar deDeus é um sacrilégio, é usual simplesmentese aceitar o dito pelo não dito, seguindo-secom antigas ilusões. Há, para quem vive daciência, a obrigatoriedade de revisar suascrenças religiosas sem receio, pejo ou precon-ceitos, sob pena de andar pelo mundo dico-tomizado, usando dois pesos e duas medidas:a ciência e a fé. E quem ora usa uma, ora usaoutra, está mal resolvido e sua ciência podecair em descrédito. Do cientista espera-se

coerência e coragem intelectual.Religiões, todas elas, são frutos da

angústia que assola o homem uma vez queele é o único animal que sabe que vaimorrer. A ignorância do que se passa noalém túmulo é geradora de formidávelinsegurança; o ego exige alguma expli-cação para este enigma, e se dá por satis-feito mesmo que se trate apenas de umalenda, uma mitologia.

Destituídos dos conhecimentos quehoje se dispõe, nossa ancestralidade inven-tou todo tipo de fantasia para esta emer-gência. Criou não somente deuses comoverdadeiras burocracias celestiais, bem àfeição humana, eivadas com seus vícios efraquezas. Dá como fato que a morte seriaa passagem para uma outra vida, eterna.Há quem descreva, em detalhes, os proce-dimentos que então se dariam.

Portanto, veja se o deus no qual vocêcrê resiste a uma análise honesta edestituída de subjetividades. Verifique seele subsiste a um estudo prospectivo,duplo-cego e randomizado.

Enfim, você não pode exercer umamedicina do século XXI e simultanea-mente acalentar mitos oriundos doneolítico.

Dr. Cezar Zillig (SC).

A

“Primum vivere, deinde philosophari”.

Primeiro viver, depois filosofar. Melhor, primeiro viver e filosofar, depois viver melhor.A vida do médico açambarca tudo ao mesmo tempo; conhecimentos, habilidades e atitudes. Nada deve ser deixado para depois. Deixeuma vida plural te levar, sem perder sua singularidade. Mas seja focado; a dispersão pode ser tentadora mas seus caminhos curtos.Simples colcha-de-retalhos. Se a coberta já esta cosida, dê-lhe unidade e conexão. Nada de seu exclua sem ponto feito.

“Certo tipo de comunicação, tratando de certo tipo de assunto, trazida àatenção de certo tipo de audiência, submetida a certas condições, produz

certo tipo de efeito”.Bernard Berelson.

Como na medicina, as variáveis são muitas — aqui cinco —, mas não existe um tipo decomunicação melhor que outro. Tudo depende das circunstâncias e do momento em que sedá emissão e recepção. No entanto, como o ser humano tem maior capacidade de retenção

visual, o que está impresso tem maior probabilidade de ser retido. Mas por ser múltiplo, o idealé alimentar todos os sentidos, e conjugá-los.

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memória

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vida do compositor russo Ale-xandre Borodin, nascido emSão Petersburgo, em 1833, foi

surpreendente. Ocupou um lugar centralna história musical do império tzarista.

Na infância começou a demonstrarsuas qualidades excepcionais. Filhonatural de um príncipe georgiano,recebeu excelente educação. Poliglota najuventude, além do russo, dominava oinglês, francês, alemão e italiano.

Desde a infância manifestou dotesmusicais. Logo aprendeu vários instru-mentos e começou precocemente acompor polcas. Após terminar seusestudos universitários, Borodin conhe-ceu, em 1861, em Heidelberg, uma bri-lhante pianista russa, Ekaterina Pro-topopova, que ali se achava em trata-mento de tuberculose. O gosto musicalos uniu e os levou ao noivado, em Baden-Baden. No mesmo ano seguiram paraPisa, na Itália, em busca de um clima maisfavorável para a saúde de Ekaterina. Osnoivos voltaram para a Rússia e casaram-se em 1863, em São Petersburgo.

No ano anterior, 1862, Borodin haviaconhecido o maestro Mily Balakirev, emtorno de quem gravitavam jovens com-positores, entre eles achavam-se Mus-sorgski, Rimsky-Korsakov e Cui. Os três,com Borodin e Balakirev, passaram adominar o panorama russo da música eforam mais tarde conhecidos e aclamadoscomo Os Cinco Russos, ou também OPunhado de Poderosos. O grupo dedicou-se a criar uma música tipicamente russa,liberada de influências européias. Aocontrário de seus contemporâneos Tchai-kowski e Korsakov, Borodin não utilizoumelodias populares, mas ligou várias desuas obras a lugares e temas russos.

Sob influência de Balakirev criouduas sinfonias bem-recebidas. Mas foi em1869 que apareceu sua ópera Príncipe Igor,a mais conhecida de suas obras. A ação

passa-se no século XII, quando os po-lovitsianos, bárbaros e nômades invadiramo sul da Rússia. A ópera inclui as arrebata-doras Danças Polovetsianas de encantadorabeleza. Modernamente a ópera foi popula-rizada na opereta Kismet pela melodiaStranger in Paradise. Entre outras de suacomposições está o conhecido poema sinfô-nico Nas Estepes da Ásia Central e um quar-teto de cordas, composto após a morte deMussorgski, a qual aparentemente o ins-pirou. Sua terceira sinfonia ficou inacabada,como várias de suas obras, incluindo aPríncipe Igor.

Sua vida com Ekaterina foi muito feliz,desfrutada em um ambiente doméstico fervi-lhante pela desordenada presença de artistase hóspedes inesperados, onde não havia disci-plina alguma, nem mesmo para refeições.

No início de 1877, embora fosse car-diopata e tivesse a saúde abalada por umsurto de cólera, compareceu a um baile afantasia. Trajava uma camisa vermelha, calçabranca e botas tipicamente russas. Par-ticipava animadamente da festa e quandoela chegou ao clímax, caiu fulminado por umataque cardíaco.

O extraordinário é que, ainda que seugênio musical o coloque entre os maiores daRússia, Alexandre Borodin dizia que a mú-sica era um passatempo e um relaxamentopara outras ocupações sérias. Ele se referia àMedicina, especialmente à Bioquímica. Aos17 anos, em 1850, matriculou-se na Aca-demia Médico-Cirúrgica de São Petersburgo.Após a graduação, serviu um ano comomédico militar, seguido de três anos deestudos na Europa na célebre Universidadede Heidelberg. Durante seu pós-doutoradotrabalhou no laboratório de Erlenmeyer,estudando os derivados do benzeno e emPisa, onde acompanhava sua noiva Ekate-rina, quando estudou sobre halogenadosorgânicos. Em 1862, de volta à Academiade São Petersburgo, assumiu o cargo deprofessor de química orgânica, que conservou

até o fim da vida. Foi um professorapreciado pelos estudantes e teve papelsaliente na criação de uma Faculdade deMedicina para mulheres, que deu início aopredomínio numérico delas na medicinarussa, que até hoje persiste.

Seus estudos no campo da bioquímicativeram destaque no mundo acadêmico ecompreenderam pesquisas sobre a conden-sação de aldeídos, campo em que concor-reu com Kekulé. Os russos o creditam coma descoberta da reação do aldol, juntamen-te com Wurz. Seus últimos estudos foramsobre as reações das amidas, em 1875.

Em um congresso da Sociedade Quími-ca Russa, em 1871, Borodin apresentou osresultados de pesquisa de seu discípuloKrylov, conduzidas sob sua direção,investigando o conteúdo de gordura domiocárdio afetado pela degeneraçãogordurosa. Juntamente com a gorduraencontraram uma substância parecidacom a lecitina. Esperavam que a hidrólisedesta substância resultasse em glicerol,mas o produto era colesterol. Na ocasião,o achado de colesterol esterificado entreos lipídios cardíacos não foi consideradode importância. Somente mais tardeverificou-se que os depósitos ateromatososarteriais têm composição semelhante. Ocolesterol em estado sólido foi descrito em1784 em cálculos biliares, mas apenas noinício do século XX seu papel na gêneseda aterosclerose começou a ser conhecido.O trabalho de Krylov e Borodin é tidocomo o primeiro a estabelecer a relaçãodo colesterol com cardiopatia. Essacontribuição pioneira permanece poucoconhecida. A repercussão da criaçãomusical de Borodin sem dúvida a ofusca...

A ligação de Borodin com a patologiacardiovascular foi completada, de maneirairônica, pela constatação necroscópica desua causa mortis: ruptura de aneurisma deuma artéria coronária.

Dr. Iseu Affonso da Costa (PR).

A

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música

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AfinidadesDeve ser algo biológico. Os analistas que me

perdoem, mas tenho uma queda por barítonos.Me perdoem também os leitores, dada sua poucaidade média, mas muitos não devem conhecerArthur Prysock. É do mesmo veio do BillyEckstine. Como diz o Ivan Lessa, são negros comuma voz de couro bem curtido e que, à medidaque envelhecem, adquirem uma textura maisprofunda, marrom-escuro. O Prysock quasesempre cantou canções de amor e dor, binômioonipresente, tanto na boa quanto na má música.Nessa linha, algumas são até bem bregas, comoYou Are So Beautiful, mas, humano que sou,adoro. Naturalmente não é só a voz. É a compe-tência. O Arthur era da estirpe de cantores que,por mais banal que fosse a letra, conseguia viajarde modo próprio pela melodia. Sabia fazer a coisade maneira correta e, às vezes, surpreendente.De um standard em levada jazzística a umpopezinho bacharachiano. Isso, do Burt Bacha-rach mesmo. Basta ouvir os álbuns de 1987 e 88,This Guy’s In Love With You e Today’s Love Songs,Tomorrow’s Blues. Alguns são melôs com adignidade agridoce da realidade. São cantoresque dizem uma coisa com a letra e conseguimossubentender outra, oculta e malandra. Ou sofridamesmo. Dou exemplo: “Jelly, jelly stays onmind...” adivinhou? É aquela fixação mesmo!Conforme a entonação pode ser outras coisas...Ou, “I’ve got you under my skin...”, que pode sercoisa de pele mesmo, ou, mais difícil dedesvendar, um pico.

Estilistas desse naipe, quando comparamossuas gravações com as de outros menos votados,nos dão subentendidos que vão muito além daletra e da melodia, criam mundos próprios, e nosprovocam sonoridades que evocam nossopassado de dores e amores, adensados pelareflexão e experiência, ou simplesmente liberampulsões de nossa subjetividade. Agora, osanalistas gostaram!

Sinal das letras

Olhos Nos OlhosChico Buarque

Quando você me deixou, meu bemMe disse pra ser feliz e passar bemQuis morrer de ciúme, quase enlouqueciMas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser reverJá vai me encontrar refeita, pode crerOlhos nos olhosQuero ver o que você fazAo sentir que sem você eu passo bem demais

E que venho até remoçandoMe pego cantando, sem mais, nem por quêTantas águas rolaramQuantos homens me amaramBem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mimCê sabe que a casa é sempre sua, venha simOlhos nos olhosQuero ver o que você dizQuero ver como suporta me ver tão feliz

Pasmem, mas infelizmente é a primeira que figurou nas listas de sucesso da grandemaioria das rádios voltadas ao público jovem. Após décadas de luta pela valorizaçãoda figura feminina - como “coisa mais linda mais cheia de graça”, mas tambémcomo forças do intelecto, da cultura - o que se observa nos refrões mais cantadospor um número assombroso de brasileiros (e pior, crescente), é um verdadeiroretrocesso, prestigiando exclusivamente a feição carnal e o erotismo vulgar. Deses-pero! Com tantas barbáries profanadas a cada neologismo chulo, novo refrão hostil,aquela submissão já tão cantada nas peles de “Emílias” e “Amélias” soa como elogio.

Então pergunto - sem saudosismo posso lhes garantir - onde se perderam aspoesias românticas que se fundiam às melodias harmoniosas de beleza imensuráveis,tão cantadas por Jobim, Vinícius, Chico e tantos outros? Com eles, palavras acari-ciavam, versos afagavam, sonetos aclamavam, e o amor cantado era formoso, comum romantismo intenso mas ao mesmo tempo sem pieguice. Ainda nas vozes eletras destes, floresceu na música demonstrações de poder feminino, mulheres queapós rejeitadas lutavam e se reerguiam, às vezes só para reclamarem prazer numpróximo contato “olhos nos olhos”. Surgiram também “Terezinhas”, “Carolinas” emuitas outras que sempre galgavam algo mais: aquelas pensavam, lutavam e amavam (ecomo amavam!); as “Raimundas” de hoje rebolam, requebram e...de novo, rebolam.

Seria isso uma desvalorização da mulher? Uma forma de, sorrateiramente,banalizar o papel da mesma na sociedade? A resposta é fácil: longe disso! O problemareal parece ser a superficialidade com que tudo é encarado nos dias de hoje, prin-cipalmente entre os jovens. A música parece ser apenas o retrato fiel desta situação...a sonoridade das palavras é supervalorizada ao passo que a mensagem, o cerne, aforma e a estrutura das canções são relegadas. Ao ligar o rádio e sintonizar em umaestação “pop” ou “teen”, prepare-se para ouvir diversas músicas, diferentes ritmos esons, mas não espere encontrar aquela digna de ser escutada. Infelizmente este tipode “empobrecimento cultural” vem se propagando como uma tenebrosa pandemia,estendendo-se para os mais diversos campos (artes, cinema, etc.), com sinais esintomas óbvios e estarrecedores. O diagnóstico é inequívoco e explícito, já a curaestá ao alcance de poucos (mas perdura!).

Dr. Guilherme A. Gadens (PR), jovem.

Vai PopozudaEquipe Furacão 2000

vai vai vai vai

vai popozudaaempina a sua bundaohhh raimunda.vai popozuda (caramba)empina a sua bundaohhh raimunda.

vai vai vai vai vai vai...

só tem popozão(eu vou te belisca heim)só tem popozaum (caramba)

vai popozudaaempina a sua bundaohhh raimunda.vai popozudaaempina a sua bundaohhh raimunda.

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multifário

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ão há qualquer con-senso. O contraditó-rio surge de pronto na

medicina e no jornalismo. En-quanto a primeira tem a mis-são do sigilo, o jornalismoensina estratégias para a informaçãoe a divulgação de fatos relevantes deinteresse público. Médicos e jorna-listas, desde a graduação e na ati-vidade profissional, atuam com essesprincípios.

Em se tratando de homem públicoum outro componente acresce nestarelação. Enquanto o médico tenta serainda mais cuidadoso com as infor-mações que toma conhecimento noexercício de seu mister, o jornalistaatua em sentido contrário, e colocatodo seu talento para tornar o fatopúblico e levar à comunidade infor-mações de seu interesse. O contra-ditório não está restrito à medicina eao jornalismo. Muitos consideramque o homem público goza de todosos direitos do cidadão comum, en-quanto outros defendem que a socie-dade tem o direito de saber o estadode saúde de seu representante. Odireito à privacidade deverá serdiferente? Considerando o aspectojurídico, não, pois todos são iguaisperante a lei. Mesmo perante essaigualdade, o homem público estásujeito à publicidade das suas ativi-dades de gestor e às decisões perti-nentes ao cargo. As outras, de caráterestritamente pessoal, têm a possibi-lidade do conhecimento público. Ex-ceto nos regimes autoritários, comofoi na ditadura brasileira com o pre-sidente Costa e Silva e a cubana comFidel Castro, quando nenhuma infor-mação foi repassada, pois consi-deraram não apenas sigilo profissional,mas segredo de Estado. Nos estadosdemocráticos a sociedade tem odireito de ser informada se o gover-nante está em plenas condições parao exercício de sua função, pois umadecisão equivocada poderá com-

prometer a vida e os destinos da so-ciedade. Nessas situações o interessepúblico deve prevalecer sobre o privado.

Outro dilema é quando a doença élimitante para as atividades da autoridadepública. Exemplo recente foi a doençaprogressiva do Papa João Paulo II. AIgreja considerou o afastamento e isso foimotivo de discussão pública, no sentidode como lidar frente a situações seme-lhantes. O parecer do médico nessassituações assume importância pois defineos destinos do dirigente de instituiçõesou mesmo de um país. Além do aspectojurídico, a condução ética deve preva-lecer. Desvios no comportamento éticosurgem quando o médico avança nasinformações e quebra a privacidade dopaciente, ou distorce o diagnóstico. Ocaso Tancredo Neves exemplifica a claraomissão dos fatos a mando de terceirose de outros interessados. O jornalistarompe com os princípios quando a publi-cação extrapola a notícia e fica claro in-teresses comerciais ou mesmo de sensa-cionalismo. A referência de grande errojornalístico, foi da Escola de Base de SãoPaulo, verdadeiro linchamento moral ea promoção de danos irreparáveis aosseus diretores. O médico deve revelar odiagnóstico para a imprensa, apenas como consentimento do paciente. Deve pre-valecer a autonomia do paciente ou do seurepresentante legal no seu impedimento.

No caso do governador Mário Covas,ao tomar conhecimento de que eraportador de câncer na bexiga, decidiupessoalmente divulgá-la. Foi uma decisãoousada e corajosa ao considerar que asociedade deveria ser informada de suapatologia, tendo em vista o cargo queocupava e as conseqüências da suaevolução. Tinha pleno conhecimento dodesfecho final e agiu com altivez .

Esta decisão trouxe benefícios impor-

tantes e transparentes. Inau-gurou um novo modelo, atéentão não seguido pelos polí-ticos brasileiros. A intençãofoi pedagógica, pois a im-prensa passou a divulgar as

causas prevalentes da doença, os riscosdo tabaco e repassou à população aimportância do diagnóstico precoce ea prevenção das neoplasias. Possibilitouà comunidade a redução de morbidadese mortalidade. Popularizou uma lingua-gem científica, os procedimentos eexames. Não é ético apresentar deta-lhes da doença, muito menos relatardescontroles fisiológicos, promovendoconstrangimentos pessoais e aos fami-liares, pior ainda com o registro defotos, caracterizando interesses outrose não apenas jornalísticos.

Muitas vezes o jornalista na buscado denominada notícia importante, umfuro jornalístico, desconsidera a auto-nomia do paciente, desautoriza a suavontade ou distorce as informações domédico, ou pior, é capaz de seduzi-lo eobter diagnóstico preferencialmenteem detrimento dos demais órgãos daimprensa. O médico deve sempre ela-borar boletins claros e concisos paraevitar interpretações equivocadas. Nãodeve agir como um ator, sempre embusca dos holofotes excedendo no seudever de preservar o sigilo e a discrição.Não é possível transformar em um showas informações. Quais então os limiteséticos? A orientação é que ao divulgarnoticias sobre doenças de homenspúblicos ou de qualquer cidadão, tantoo médico como o profissional de im-prensa respeitem os critérios éticos desuas respectivas atividades. Ao agircom princípios éticos, não restaránenhuma preocupação aos profissionaiscom referência a limites ou restrições.A atuação deverá ser norteada pelorespeito, bom senso e a dignidade dapessoa humana, quer seja pública ouum ilustre desconhecido. Ética não équantificada.

Luiz Sallim Emed (PR).

N

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ginecologia

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semelhança das outras especiali-dades médicas, exames comple-mentares como o próprio nome

refere, deveriam, quando indicados,complementar nossos diagnósticos clíni-cos. Ou seja, nos auxiliar na definiçãodiagnóstica e até mesmo, em algumassituações, sugerir prognósticos e acom-panhamento. Entretanto, nem sempre sãoutilizados de forma coerente e racional.Inúmeras vezes uma entrevista e exameclínicos superficiais, com tempo inadequa-do, são completados com solicitação“desenfreada” de exames complementares.Fecha-se um círculo vicioso, onde o mé-dico, pelo fato de ser mal remunerado,tende a dispor de pouco tempo para aentrevista e exame clínico do paciente.Devido a este fato, solicita dispendiosa listade exames complementares que conse-qüentemente levam a parcos honoráriospagos pela consulta, sobretudo no sistemade atendimento por meio dos convêniosmédicos. Além disto, inúmeros pacientesnos vêm à consulta solicitando que pra-tiquemos uma lista enorme de examescomplementares para um “check up”, oupor que recém entrou no convênio ou porque está para sair e quer “aproveitar” aocasião. Às vezes, fica difícil convencer opaciente da não necessidade desses e emalgumas situações somos, até mesmo,“forçados” a solicitá-los. Ainda outrasvezes nos solicitam exames pedidos peloseu médico particular que não tem o seuconvênio. E assim por diante...

Na prática ginecológica alguns exa-mes poderiam ser comentados dentrodessa ótica, e escolhemos duas situaçõespara esta finalidade.

CLIMATÉRIOFreqüentemente em pacientes que

estejam no Climatério (erroneamentechamado de menopausa, que na realidadeé a data da última menstruação) apre-sentam lista enorme de exames ple-namente dispensáveis. Na dúvida desteestado hormonal, em paciente queapresente sintomas sugestivos de fogachos

e que não esteja em idade compatível com amenopausa (em torno de 49 anos em nossomeio), basta solicitar dosagem plasmática doHormônio Folículo Estimulante (FSH) quequando acima de 40, sugere esta situação(climatério). Assim sendo, dosagens dosdemais hormônios tais como: estradiol,progesterona, LH, entre outros, não sejustificam para este diagnóstico. De formasemelhante depois de instalada a terapêuticahormonal (TH), obviamente que quandoindicada, o acompanhamento é basicamenteclínico e não através de dosagens hormonais.Outrossim, é fundamental que se soliciteexame de mamografia previamente e noacompanhamento da TH, como rastreamen-to do câncer de mama. A avaliação da den-sidade mineral óssea por DensitometriaÓssea, é exame que poderá ser solicitadonesta fase da vida da mulher, sobretudonaquelas que apresentem história familiar deosteoporose ou outros fatores de risco.Entretanto, caso o exame esteja normal, oprazo para nova solicitação deveria sersuperior a 2 anos, justificando a solicitaçãoanual apenas nos casos alterados paraacompanhamento. Nos casos de osteopenianão são obrigatoriamente indicativos de queevoluirão para osteoporose (e que necessitamtratamento), pois podem permanecer comotal indicando apenas que a densidade mine-ral óssea neste caso estava abaixo dos padrõescomparativos. Ainda no Climatério, a solici-tação de Ecografia Pélvica Endovaginal paraavaliação da espessura endometrial é exameplenamente justificável.

PREVENÇÃO DO CÂNCERDO COLO UTERINOO rastreamento do Câncer do Colo Ute-

rino em nosso meio é realizado classicamentepelo exame de Papanicolaou (colpocitologiaoncótica) anualmente. Em que pese a chancede falsos negativos (relativa baixa sensi-bilidade, citada na literatura em torno de 15a 30%), ainda é exame que, pelo custo epraticidade, se justifica. No entanto, de-vemos respeitar os casos onde limitaçõesquestionam o diagnóstico citopatológico,como na inflamação acentuada, e reavaliar

após o tratamento (sendo que nestasituação a endocervicite poderia estarimplicada). Sua apresentação na forma decoleta em meio líquido (ou de esfregaçode fina camada) aumenta significan-temente a sensibilidade, entretanto, aindanão está inserido na rotina da maioria.Outra situação, bastante comentada naliteratura, e ao que parece será o métododo futuro deste rastreamento, é eviden-ciado por exame de biologia molecularchamado teste de HPV ou HPV-DNA, ouainda Captura Híbrida. Neste exame seevidencia a presença do HPV que, pela suaimplicação na oncogênese do colo uterino,justifica sua detecção. Infelizmente vemosfreqüente iatrogênese na interpretaçãodeste teste: o fato de ser positivo para HPVde alto risco oncogênico (o nome jáassusta!) e ainda com alta carga do vírus,em um único exame, não tem a signi-ficância fatídica como alguns interpretam.

Na imensa maioria das vezes, o HPV évírus transitório e sua presença, ainda queem alta carga, não significa que irá perma-necer no organismo. Devemos salientarque em cerca de 60 a 70% este vírus épassageiro e esta transitoriedade podeocorrer em até um ano e meio da infecçãoinicial. Ainda, o teste resulta positivo emcerca de 38% (em amostragem de mulhe-res entre 15 e 25 anos em nosso meio),sendo os vírus de risco oncogênico os maisprevalentes e, portanto, com grandechance de obtermos este resultado.Lembramos que o exame de colposcopia,ou seja, observação do colo uterino porsistema ótico que amplia as imagens,apresenta papel definido e de grandeimportância, sobretudo como indicadordas áreas alteradas para posicionar o localde biópsia e remoção da amostra histo-lógica quando indicado. Assim, por meioda adequada solicitação e interpretaçãodos exames complementares teremosferramenta valiosa para nossa práticaclínica, não esquecendo do binômio custoversus beneficio em prol da melhorcondução do caso.

Dr. Newton Sergio de Carvalho (PR)

À

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ciência e arte

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conhecimento, o estudo e a análise dahistória e da evolução da medicinatrazem ensinamentos básicos para o

bom exercício, principalmente no aspecto éticoe humanista. Humanismo hoje tão esquecidocom o advento e predomínio do tecnicismo.

A sociedade ao precisar da medicina e domédico faz uma exaltação, um culto derespeito à profissão seguramente mais antigana história da humanidade e mais importantedentre todas pois trata da obra maior doCriador, que é o ser humano.

Ao falar sobre médico e medicina quedeve ser entendida como forma de afeição eamor à vida, quero fazer uma exegese entre osversos de São Francisco de Assis e a atividademédica. Diz São Francisco:

— O homem que executa seu trabalhocom as mãos é um trabalhador.

— O homem que trabalha com as mãos eo cérebro é um artesão.

— O homem que trabalha com as mãos,o cérebro e o coração é um artista.

Aí está a arte de ser médico, a mão noexame clínico e no ato cirúrgico, o cérebro noestudo e conhecimento constante da matériamédica e o coração no atendimento ecompreensão do sofrimento do semelhante.

A arte da medicina não é como afirmavaVoltaire: a arte da medicina consiste emdistrair o paciente enquanto a natureza cuidada doença. A alma do médico é o altar, ondevai ajoelhar-se e rezar a dor dos que sofrem eprocuram solução para seus problemas físicose mentais. Logo, a combinação verdade e amoré intrínseca ao ato médico, sendo inadmissíveluma medicina baseada na falta de amor aopróximo.

O doente ao procurar o médico não querapenas a cura, quer também compreensão eamparo pois sem ajuda ou conselho, semorientação formal, medicina só de aparelho écoisa despropositada. Miguel Couto afirmava:o homem humaniza a ciência ou a ciênciadesumaniza o homem. Também dizia: amedicina quando não cura, deve consolar.

Sempre é oportuno lembrar Galeno dePergamo (200 d.C.), quando definiu tera-pêutica como sendo: o que fazer, como fazer,em cada caso. Daí deduzimos um preceitofundamental, que a terapêutica é um processoespecífico para cada doente. Antecipou-se aWilliam Osler, que afirmava que mais impor-

tante do que saber que doença tem o doente, éque doente tem uma doença.

A Medicina deve ser entendida como formade afeição e aplicação à vida. Tratamos doentese não doenças, ensinamento que deve ser semprelembrado e que vem de nossos antepassados.

Já Hipócrates enfatizava a “observação”: astécnicas podem mudar, podem morrer, mas aobservação permanece para sempre.

A medicina está trocando o atendimentopessoal, a elegância do pensamento, a conclusãode raciocínio pelo atendimento técnico eimpessoal.

O domínio técnico é do médico, mas amescla da ciência e arte é que distingue o bomprofissional daquele que é simplesmente umtécnico competente.

A Medicina de hoje evoluiu e cabe ao médicocorrigir impressões distorcidas chegando a umdiagnóstico que pode levar tristeza e decepção,mas que formulado em termos comuns favorecea empatia e o tratamento.

Não assistimos mais hoje às centenas deapendicectomias como antigamente, e SimãoKossobudzki citava em artigo publicado naRevista da Associação Médica de 1932, que emcerca de 25% dos apêndices retirados não havialesões macroscópicas, o que faz lembrar apossibilidade de que certo número de cirurgiasnão eram necessárias.

Ressalte-se, no entanto, que era o únicoprocedimento correto na época, pois os métodosdiagnósticos e a terapêutica possível eram pobres.

Da mesma forma as amigdalectomias foramsendo suprimidas, já que, com advento da eraantibiótica, o tratamento clínico solucionou oproblema na grande maioria dos casos.

Cabe lembrar da época que encontrávamosno quadro de cirurgias a serem realizadas, as“laparatomias exploradoras”, que caracterizavama insegurança diagnóstica.

Com o avanço dos meios diagnósticos, aentubação gástrica com determinação da acidezgástrica antes e após injeção subcutânea dehistamina, foi superada no diagnóstico diferencialentre úlcera e câncer gástrico, pois neste nãohavia resposta da acidez após a injeção dehistamina.

Não se tinha ainda conhecimento daexistência dos receptores gástricos H2, respon-sáveis pela regulação da secreção de ácido

clorídrico. Hoje a farmacologia fornece acimetidina, a ranitidina, bloqueando os recep-tores H2, e de grande utilidade no tratamentodo doente ulceroso.

As cirurgias laparoscópicas, são menosagressivas, com menor período de inter-namento e sem lesões cicatriciais enormes.Imagino qual seria a reação e a surpresa dosgrandes mestres da cirurgia paranaense, comoErasto Gaertner, João Vieira de Alencar eMário Braga de Abreu entre tantos outros,diante das intervenções laparoscópicas.

As dúvidas eram grandes e o Prof. AluízioFrança, pediatra e catedrático de TerapêuticaClínica, com quem iniciei minha vida comoprofessor, publicou em 1932 artigo na Revistada Associação Médica com o título: “AMalária curará a Coqueluche”, em função deter acompanhado crianças de Paranaguá everificado sua melhora após o surto de malária.Seguramente processos imunológicos desco-nhecidos eram ativados com melhoria daCoqueluche, mas a observação do fato mostraquão atento estava o professor Aluízio França.

As doenças infecciosas mais freqüen-temente conhecidas eram: tuberculose, sífilis,impaludismo e blenorragia. Esta com trata-mento agressivo à base de lavagem uretralcom nitrato de prata, até poderia erradicar adoenças, mas às custas de uma uretritequímica, com posterior estenose de uretra.

A sífilis era combatida com “salvarsan”; oimpaludismo com o quinino, como tratamentosupressivo da crise. Cabe citar o famoso“esidron”, diurético mercurial, com efeito ótimomas com lesões renais, hiponatremia aguda ealterações metabólicas graves. Não possodeixar de citar os laxantes tipo sulfato demagnésio (sal de Epson) e sódio, cujos efeitoseram tão evidentes que levavam às vezes a umalimpeza intestinal de tal ordem que sobravamsó o “tamanco do constipado intestinal”. Hojecom uma gama enorme de antibióticos,diuréticos com efeitos farmacológicos bemdefinidos e laxativos bem equacionados, aagressão farmacológica se reduziu e os efeitosterapêuticos são melhores e previsíveis.

O avanço terapêutico fez cair no esque-cimento substâncias como a digoxina nocontrole da insuficiência cardíaca, com oapoucamento de sua ação e a eficácia deoutras drogas. A indústria farmacêutica temação dúbia nesse avanço. Ora com drogas

O

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ciência e arte

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Remoção de adenomas colorretaisprevine mortes por câncer. A maneira de fazero rastreamento inclui pesquisa de sangue ocultona fezes anualmente e sigmoidoscopia a cada3-5 anos ou colonoscopia a cada 10 anos parapacientes de risco moderado.

A síndrome de Lemierre abarca farin-gotonsilite, cervicalgia, febre, tromboflebitejugular e embolia pulmonar séptica. Ocorre trêsa dez dias depois do início da faringite, sendocausada por anaeróbicos orais. O ultra-sompermite detectar a tromboflebite em jugularinterna. A maioria dos clínicos evita a anticoa-gulação na embolia séptica, algo em evolução.

A síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW) édevida à existência de uma via acessória atrioventricular. Ésugerida por um intervalo PR curto (< 0,12 seg.), ondas delta, ecomplexos QRS largos (> 0,12 seg.). Na forma ortodrômica (90%dos casos), a ablação é curativa em mais de 95% dos pacientes.

Cuidado: A taquicardia de complexos largos do WPWdeve ser tratada com drogas que reduzam a condução na viaacessória (procainamida, propafenona, lidocaína, amiodarona,quinidina). Morte súbita pode resultar de um tratamento queuse verapamil, digoxina ou propranolol. As drogas queprolongam o período refratário do nódulo AV podem serseguras na taquicardia de complexos estreitos do WPW.

As manifestações oftalmológicas na Doença deWilson são: anéis corneanos pigmentados (deposição de cobrena membrana de Descemet) e cataratas em girassol.

Os anéis corneanos são castanhos em olhos azuis ecinza-esverdeados ou dourados nos olhos castanhos. São vistossó em pacientes sintomáticos (97%). No começo requeremlâmpada de fenda para ser visibilizados. As cataratas emgirassol ocorrem em 10 a 15% dos pacientes e não podemser vistas com oftalmoscópio. Não impedem visão.

Na Doença de Wilson há combinações variadas demanifestações hepáticas, neurológicas, oftalmológicas e renais.Metade dos pacientes apresentam-se com manifestaçõeshepáticas, comumente entre oito e quinze anos.

A Sarcoidose, doença multissistêmica de etiologiadesconhecida, causa doença pulmonar intersticial curiosa: nãoé acompanhada de baqueteamento digital e tampoucoestertores tipo velcro.

A propósito, linfonodomegalia hilar bilateral ouparatraqueal em jovem assintomático (20 a 40 anos), ésuficientemente específica para permitir o diagnóstico clínicopresuntivo sem confirmação tecidual.

surpreendentes na sua eficácia, ora propagando medicamentos de eficáciaduvidosa e riscos consideráveis. A propaganda medicamentosa é de talordem que muitas vezes o médico é um verdadeiro “cãozinho de Pavlov”,que secretava suco gástrico ao estímulo visual do alimento. Ou seja,condicionado ao clínico, logo médico.

Tenho uma idéia precisa das teorias de propaganda, pois estivemosvinculados ao setor médico de uma grande indústria durante anos, e lábrincávamos que o pessoal após as grandes reuniões (com média de trêsdias), saíam mais fanáticos em relação ao produto do que a juventudehitlerista em relação ao Führer.

Humano é procurar no doente entre tantas pessoas vistas no mesmodia, um rosto, uma emoção, uma preocupação particular. Compreender essapessoa implica em atenção, consome tempo e energia. Cabe ao médicoreconhecer e compreender as queixas de seus pacientes, não só em termosde enfermidades, mas também de conflitos e problemas pessoais e, então,usar essa compreensão de modo a poder obter os efeitos terapêuticos.

O médico deve ter sempre presente que muitos pacientes têm alémda queixa apresentada outras que não querem ou não podem dizer. Hámotivos que justificam interromper a fala do paciente e tentar entrar naintimidade de sua problemática. Tudo que o paciente diz é importante,tudo que deixa de dizer também é. A falta de tempo, de empatia e aansiedade, impedem que percebamos um problema orgânico ou psíquicoimportante.

Devemos entender que o doente está sendo o que não pretende ser,pois almeja ser sadio. Tem um desejo desesperado de não ser no momentoo que ele é.

A doença provoca uma angústia, que é a preocupação para a qualainda não se vislumbra solução. A certeza por má que seja não geraangústia. Talvez tristeza e decepção.

Para a mente sadia a grande fábrica de angústias, a incerteza é a dúvida.A doença cria uma solução de continuidade não assimilada entre o

viver anterior e o presente, tornando o futuro incerto, e o futuro reservainsegurança, ansiedade e medo. O medo é uma resposta comum quandonão se tem conhecimento dos riscos ou da maneira de combater a doença.

Cabe então ao médico, corrigir impressões distorcidas, chegar a umdiagnóstico e discernir, isto é, estabelecer as diferenças entre as queixasde pessoas distintas, com critério e juízo. É uma sutileza de espírito. Hánecessidade de compreender o paciente na sua realidade e o significadoque a doença tem para si. Devemos nos colocar em seu lugar para melhorinterpretá-lo, e procurar ter consciência de como ele está sendo agredido.

As ordens médicas devem ser orientadas e explicadas de maneirasegura e lógica, criando uma empatia sólida que favorecerá a vontadefirme e o desejo permanente de sarar.

A parte final da consulta é, às vezes, minimizada; deve conciliar umaorientação terapêutica cuidadosa explicando sua importância.

Finalmente temos que estar juntos até no momento mais difícil, que éa morte, respeitando-a e não lançando mão de procedimentosdesesperados que tentam negar a realidade.

E se assim procedermos, seguiremos o conselho admirável de FernandoPessoa quando diz:

Segue teu caminhoRega tuas plantasAma as tuas rosasO resto é a sombraDe árvores alheias

Dr. João Gualberto de Sá Scheffer (PR).

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iátricas

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SolidãoPrezada Tereza,Escreves que num mundo que nada

significa nosso destino é a solidão. Issoparece coisa de Hemingway. Relatastambém que tua saída têm sido os diversosescapismos que não vêm aqui ao caso.Parece que te equilibras neles e não querofazer juízos de valor. Mas, sinceramente,senti falta de um. Por que não estendesteu diário? Afinal, escreves bem. E haverásolidão maior que a do escritor? O teuestilo é simples, curto, claro, coloquial,parece teres bebido na fonte do escritor dePor quem os sinos dobram e O sol também selevanta, o que é uma virtude. Aliás, agrande virtude da prosa inglesa, o que sechama understatement, dizer tudo nomínimo possível. O nosso Dalton Trevisanlevou isso ao paroxismo. Por que não tehabilitas nessa senda? Agora, cá entre nós,tenho uma preocupação. Deste-me asensação de teres altos e baixos, uma bipo-laridade que talvez mereça aconselha-mento. E tens genética propícia, pelo querevelas, o que merece dobrada atenção. Ésmuito talentosa para te perderes em impos-sibilidades. Gostaria que seguisses os passosdo grande escritor nas letras, não na vida,filho de suicida, e ele próprio suicida. Foigrande na integridade de seu indivi-dualismo que conseguiu colocar nasreportagens, contos e romances. Foipequeno, trágico, no fim. Já que falamosem Por quem os sinos dobram, não gostariaque eles dobrassem por ti, para usar ogrande poeta John Donne. E não nos dãoos poetas pedaços luminosos de vida? Viva!

FilosoficesPrezada Ana Carolina,O mundo não tá nem aí pra filosofia.

Não nego que adora filosofices, nada maisdenso. Só amenidades. Um joguinho? Umamágica? Todos a fim. E é necessário tam-bém. Agora, na hora de pensar por contaprópria poucos se atrevem. Mas nada deespanto. O mundo é essencialmenteprático, e embora a filosofia nos ajude aentendê-lo, não nos ajuda a mudá-lo. Esse

o ponto. É ótima individualmente, desen-volve o potencial das pessoas para pensarlogicamente e com rigor; ínfima no planocoletivo. Tanto que o grande médico eescritor espanhol Gregório Marañón —escreveu sozinho um clássico: Manual deDiagnóstico Etiológico — nos deixou umaafirmação famosa: “La filosofia es una cosacom la qual y sin la qual el mundo sigue tal qual”.Portanto, não lamente seu pouco usogenérico. Nem mesmo que não sirva paramelhorar o caráter de ninguém, ou oconvívio ético, como escreves. Mas não hádúvida quanto ao seguinte: serve ao teuautoconhecimento. E não é isso o que há demais difícil? Então, use-a, como tens feito, esiga o socrático “conhece-te a ti mesmo”.Muito bom ler sobre teu espanto. Que é o detodos nós. Até mais.

RecusaPrezada Denise,Não posso atender seu pedido. Há duas

coisas particularmente difíceis. Uma, é falar desi próprio. Embora todos o queiramos, normal-mente sai besteira. Legislamos em causa pró-pria. Nos jactanciamos muito fácil. Perdemoso senso da medida e do propósito. Nesta ediçãovai algo muito pessoal, “Eu, torcedor”; mas foiuma necessidade minha, algo que não pretendeter serventia. Usei os leitores, o que não deveser feito, para uma necessidade interior. Mas,tá feito, foi um ato compulsivo pós-jogo. Tinhaque elaborar incontinenti. A propósito, há umpoema de Drummond, Conclusão, que dizmuito a respeito:

Os impactos de amor não são poesia(tentaram ser: aspiração noturna).

A memória infantil e o outono pobrevazam no verso de nossa urna diurna.

Que é poesia, o belo? Não é poesia,e o que não é poesia não tem fala.

Nem o mistério em si nem velhos nomespoesia são: coxa, fúria, cabala.

Então desanimamos. Adeus, tudo!A mala pronta, o corpo desprendido,resta a alegria de estar só, e mudo.

De que se formam nossos poemas? Onde?Que sonho envenenado lhes responde,

se o poeta é um ressentido, e o mais sãonuvens?

Veja prezada Denise, se o poeta é umressentido, ou parti pris do assunto abor-dado, nada de bom pode sair. Só nuvens.Por isso, outro poeta maior, Pessoa, deixougrafado em Isto:

Por isso escrevo em meioDo que não está ao pé,

Livre do meu enleio,Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

A outra coisa difícil é escrever para al-guém. Ser ghost writer. Não de algo gené-rico, digamos político, mas pessoal mesmo.Ou seja, sem estar na pele do próprio, semver sob seus prismas, sob seus ângulos,apenas sob seus desejos. Mestre João Cabralde Melo Neto, quando lhe pediram algosemelhante, saiu-se com este:

Pedem-me um poemaum poema que seja inédito,

poema é coisa que se faz vendo,Como imaginar Picasso cego?

Um poema se faz vendo,um poema se faz para vistacomo fazer o poema ditadosEm vê-lo na folha inescrita?

Poema é composição,mesmo da coisa vivida,

um poema é o que se arruma,dentro da desarrumada vida.

Por exemplo, é como um rio,por exemplo, um Capiberibe,

em suas margens domadopara chegar ao Recife.

Onde com o Beberibe,com o Tejipió, Jaboatão.Para fazer o Atlântico,todos se juntam a mão.

Poema é coisa de ver,é coisa sobre um espaço,

como se vê um Franz Weissman,como se ouve um quadrado.

Como vês, prezada Denise, não sou

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psiquiatria

ressentido e estou livre do meu enleio, masnão consigo ver e tenho receio de tecernuvens. Daí, a folha inescrita. Escusas esaudações.

Caderno VerdePrezado Paulo,Toda publicação necessita de alguns

segredos e mistérios. Segredos, você sabe,são desvendáveis. Não ficam encobertos,questão de tempo e oportunidade. Osmemes pertencem a essa classe. Quem tinhalido O Gene Egoísta do Dawkins sabia doque se tratava. Quem tinha tido a curio-sidade de procurar no dicionário Oxfordtambém. Já o Caderno Verde pertence àclasse dos mistérios. Estes existem paradesafiar, não para desvendar, por isso conti-nuará mistério. Como consolo, ou desafio,dou-lhe outro mistério, o da vida, nos ver-sos de Henriqueta Lisboa em Flor da Morte:

Na morte, não.Na vida.

Está na vida o mistérioEm cada afirmação ou

Abstinência.Na malícia

Das plausíveis revelações,No suborno,

Das silenciosas palavras.

EvoluçãoPrezada Carolina,Perguntas-me, jovem médica que és, o

que fazer para evoluir profissionalmente.O essencial já tens, a intencionalidade.

Deves também agregar informação depu-rada e raciocínio lógico. Alguns livros erevistas, tradicionais ou eletrônicos, podemprover isso. Há muito tempo não teriascomo desenvolver raciocínio clínico a nãoser em raras publicações. Hoje há até certapletora das mesmas, e muito boas. A parisso, praticar, praticar muito.

Agora, tens que ter um tutor ou super-visor, alguém que te ajude na funçãocrítica, a separar o joio do trigo. E, princi-palmente, que te adestre na capacidadecrítica de fazer correlações, uma dascapacidades mais nobres da medicina.

Mas ainda falta algo, ler poesia. Sim,senhorita, decodificar ritmo e sentido deum poema é interpretá-lo, recriá-lo, e aotérmino dessa tarefa, que exige prazer, terásum belo diagnóstico. Assim acoplarásciência e arte. Bom proveito.

A Terapia Cognitiva-Comportamental, ousimplesmente Terapia Cognitiva (T.C.),idealizada pelo psiquiatra americano AaronT. Beck e colaboradores, é hoje um dosenfoques psicoterapêuticos mais praticadospor profissionais da área da saúde mental.É, ao mesmo tempo, o mais estudado evalidado pela metodologia científica.

Os primeiros escritos importantes e asprimeiras abordagens cognitivo-compor-tamentais para o tratamento dos transtornosemocionais começaram a surgir nos anos1960 e 1970 com autores como Aaron T.Beck (1963, 1967; Beck et al., 1979), AlbertEllis (1962), Lazarus (1966), Meichenbaum(1973) e Mahoney (1974), entre outros.

O modelo cognitivo prototípico se baseianos seguintes pressupostos:

1- A atividade cognitiva influencia ocomportamento.

2- A atividade cognitiva pode sermonitorada e alterada.

3- O comportamento desejado podeser influenciado mediante a mudançacognitiva.

Mas o que se entende por atividadecognitiva?

Atividade cognitiva, também chamadade cognição, é o fluxo mental que aconteceem todos nós a todo o momento. Muitasvezes ela é comparada a um filme mental,com imagens e sons.

O indivíduo onde se dá esta atividade(“o filme mental”) é, ao mesmo tempo, oescritor do script, o projetor na sala decinema e o espectador.

Neste filme, estão compreendidos ospensamentos, imagens mentais, memórias,imaginação, percepções etc.

E o que se entende por comportamen-to desejado?

É a atividade motora e seus correlatosemocionais e fisiológicos autonômicos. As-sim, as cognições influenciam não só a psico-motricidade do paciente, mas também assuas emoções e as conseqüências internas.

Por exemplo, um paciente que temcognições ansiosas, terá emoções da mesmanatureza (ansiedade) e toda a sua fisiologiarefletirá este estado.

A fisiologia da ansiedade, como dadepressão, da raiva etc., já é bem conhecida

A Terapia Cognitiva-comportamentaldos clínicos. O que a T.C. nos traz comonovidade é a associação entre oseventos da vida, as cognições, asemoções e a fisiologia. A seguinte figuranos mostra este construto:

As crenças nucleares, os pressu-postos subjacentes e os pensamentosautomáticos, representam as cognições.As reações volitivas, emocionais ecomportamentais são as conseqüênciasdas citadas cognições.

Desta maneira, se conseguirmosalterar estas últimas, monitorando-asmediante o método e a técnica cogni-tiva, aliviaremos as conseqüênciasafetivo-volitivo-comportamentais, que,muitas vezes cursam com transtornosde somatização, de dor, conversão,depressão, ansiedade e assim pordiante.

O método cognitivo consiste em umautomonitoramento onde o pacienteentende que as situações pelas quaispassa ativam pensamentos automáticose imagens mentais. Isto leva a umainterpretação, um sentido emprestadoao evento que produz o despertaremocional. As emoções resultantes,quando são disfuncionais, cursam comos diversos transtornos mentais ecomportamentais.

O paciente, juntamente com oterapeuta e de maneira colaborativa,aprende a mudar suas cognições, o quealivia seus sintomas. Aprende também,de onde elas vêm, qual a sua origem,aprendendo assim a evitar futurasrecaídas.

Dr. Gláucio Luiz B. Alves (PR).

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terapêutica

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PRÉ-HIPERTENSÃOA pressão é determinada pelo

produto do débito cardíaco (Volumesistólico x Freqüência) e a resistênciaperiférica total. Quando uma dasvariáveis sai do equilíbrio, seja devidoao maior volume sistólico (Sístole =Débito cardíaco), ou maior resistênciaperiférica (Diástole = Resistênciaperiférica), o resultado é Hipertensão(Sistólica > 140 mmhg.)

A hipertensão é uma doença silen-ciosa e de tendência à cronificação.Assim sendo, o diagnóstico precoce —Pré-Hipertensão (Sistólica 120-139;Diastólica 80-89/Joint NationalCommittee 7)] — pode ser um valiosoinstrumento para decidir o início dotratamento medicamentoso.

Uma amostra, randomizada, (n =809) de pré-hipertensos, com segui-mento por 4 anos, foi dividida em 2grupos: um grupo recebeu placebo,enquanto o outro candesartan, duranteos primeiros dois anos (1.ª fase). Nosdois anos que se seguiram, ambos osgrupos recebeu placebo (2.ª fase).Como resultado da primeira fase,40,4% do grupo que recebeu placebodesenvolveu hipertensão em compa-ração a 13,6% do grupo que recebeucandesartan (16mg/d). Na segundafase, onde ambos os grupos receberamplacebo, obteve-se uma reduçãorelativa de 16% no risco para hiper-tensão naqueles que, primeiramente,foram tratados com o bloqueador daangiotensina. (Julius S, et al N Eng J

Med, 2006;354:1685-1697).Apesar da pesquisa confirmar bene-

fícios na prevenção da doença hiper-tensiva com tratamento medicamentoso,ainda é cedo para advogar o tratamentouniversal de todos os pré-hipertensos.Mais estudos são necessários.

VARIZES E BLOQUEADORESAs veias esofágicas são vasos cola-

terais no sistema porta. Como têm pare-des finas, em determinadas condições(exemplo cirrose) um gradiente aumen-tado de pressão — hipertensão portal —torna suas veias dilatadas. As varizesesofágicas, então estabelecidas, podemser estadiadas por fatores preditivosquanto aos riscos de hemorragia.

Para prevenir a evolução das varizesesofágicas em pacientes com cirrose, osbeta-bloqueadores não-seletivos sãoeficazes na redução de episódios dehemorragia. Acredita-se que seja resul-tado do decréscimo da pressão portal,controlada pelo tônus das artériasmesentéricas (B1-efeito), em combi-nação com a diminuição do fluxo esplê-nico (B2-efeito). As únicas drogasrecomendadas para profilaxia são propra-nolol e nadalol.

Um recente estudo (Groszmann RJ, etal. N Engl Med.2005;353:2254-2261),placebo-controlado, sugere que a açãodos beta-bloqueadores não seja somenteo de reduzir o fluxo sangüíneo. Numapopulação (n = 213) de alto risco dedesenvolverem varizes esofágicas —cirróticos com hipertensão portal (gra-

diente de pressão demonstrado) —envolveu a administração de timolol(80mg/d), e seguimento a cada trêsmeses por 54,9 meses. Monitoramentosangüíneo, endoscopia e mensuraçãoda pressão foram avaliados anual-mente.

A pesquisa mostrou não haverdiferença, quanto ao risco de hemor-ragia, no grupo placebo ou no grupotimolol. A contradição foi o grupotimolol ter apresentado eventos maissérios que o grupo placebo.

SECREÇÃO ÁCIDA E TIROXINAMilhões fazem reposição hormonal

com levotiroxina. A acidez gástrica éum fator importante para sua absorção,daí, seu uso a 30 minutos do desjejum.É também muito comum o uso emjejum de inibidores protônicos (ini-bidores de bomba de prótons) paradoença do refluxo gastroesofágico,gastrites e doença ulcerosa. Está claroque os inibidores protônicos ao re-duzirem a acidez gástrica reduzemtambém a absorção da levotiroxinafazendo com que haja necessidade dedose maior na reposição. O últimotrabalho saiu no N. engl. J. Med.(2006;3541787-1795). Um cuidadoque médicos e pacientes têm que passara ter. Ou se usa as drogas dissociadas,com intervalo de 30 minutos; ou, àsvezes, há necessidade de se aumentara levotiroxina. A primeira opção é amelhor.

Ac. Vic Mar (PR).

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decálogos

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Decálogo extraído dos artigos publicados no Canadian Medical AssociationJournal (CMAJ) 1981; 124: 555-558, 703-710, 869-872, 985-990, 1156-1162.

Para se manter atualizadocom as notícias médicas.

IIPara impressionar

os outros.

IPara entender de

biopatologia.

III

Para descobrir como um clínicoexperiente lida com umdeterminado problema.

IVPara verificar a possibilidade de utilização

de um novo ou já existente examediagnóstico em nossos pacientes.

V

Para conhecer ascaracterísticas clínicas e

evolução de uma doença.

VIPara determinar a

etiologia ou causalidade.

VIIPara distinguir a terapêutica

útil da inútil ou nociva.

VIII

Para selecionar os pontos referentes ànecessidade, e à utilização detratamento clínico e de outros

procedimentos de saúde considerandoa qualidade e relação custo/eficácia.

IXPara se divertir com as

cartas ao editor.

X

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