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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1205-1210 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X “Paleoparque Santa Maria” (Açores) “Palaeopark Santa Maria” (Azores) S. P. Ávila 1,2,3* , H. Calado 2 , M. Cachão 4 © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Neste artigo efectua-se um breve historial das investigações paleontológicas mais recentes efectuadas na ilha de Santa Maria (Açores). Indicam-se os motivos da importância do seu património paleontológico e enumeram-se os projetos mais relevantes que conduziram à apresentação da iniciativa “PaleoParque Santa Maria” ao Governo Regional dos Açores. Palavras-chave: PaleoParque, Geobiodiversidade, Património Paleontológico, Santa Maria, Açores. Abstract: This paper makes a brief history of the latest palaeontological investigations on the island of Santa Maria (Azores). We indicate the reasons for the importance of its palaeontological heritage and list out the most relevant projects that have led to the presentation of the "PaleoParque Santa Maria" initiative to the Regional Government of the Azores. Keywords: PalaeoPark, Geobiodiversity, Palaeontological Heritage, Santa Maria, Azores. 1 Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre s/n, 4169-007 Porto, Portugal. 2 CIBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado, Pólo dos Açores, Departamento de Biologia da Universidade dos Açores, Campus de Ponta Delgada, Apartado 1422, 9501- 801 Ponta Delgada, Açores, Portugal. 3 MPB-Marine PalaeoBiogeography group, University of the Azores, Ponta Delgada, Portugal. 4 Centro de Geologia e Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 1749-016 Lisboa, Portugal. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução O arquipélago dos Açores localiza-se no Atlântico Nordeste, a cerca de 1500 km de Portugal Continental. Este arquipélago é formado por 3 grupos de ilhas oceânicas, todas elas de origem vulcânica e localizadas nas proximidades da junção tripla das placas Núbia, Euroasiática e Americana (Fig. 1). Santa Maria é a ilha mais antiga, com uma idade estimada em cerca de 8 Ma (Abdel-Monem et al., 1975; Serralheiro & Madeira, 1990; Serralheiro, 2003) e é também a única ilha dos Açores com apreciável conteúdo fóssil. A existência de fósseis restritos a esta ilha deve-se ao facto de ser relativamente antiga e de estar fortemente erodida, colocando a descoberto fases iniciais do processo de transição de vulcanismo submarino para vulcanismo subaéreo, a que se adiciona a sua história geológica particular. De facto, após a extrusão das lavas da Formação dos Cabrestantes (piroclastos submarinos) e das lavas da Formação do Porto (piroclastos subaéreos) e do Complexo dos Anjos (lavas subaéreas), terá decorrido um intervalo de tempo prolongado com baixa atividade vulcânica, durante o qual a primeira ilha de Santa Maria terá sido desmantelada por erosão marinha, tendo originado um guyot de dimensões consideráveis. Sobre o topo aplanado deste monte submarino ter-se-ão depositado os sedimentos terrígenos (pouco significativos e na base da sequência sedimentar) e marinhos que formam o Complexo do Touril, com uma espessura de cerca de 120 m e constituído por arenitos, conglomerados, calcarenitos e calcários, todos eles muito fossilíferos. Não podemos de todo excluir a hipótese da existência de alguns ilhéus de pequena dimensão durante esta fase da história geológica de Santa Maria. Após este período prolongado de relativa inatividade, novo período de intensa atividade vulcânica deu origem a escoadas lávicas inicialmente submarinas e posteriormente subaéreas (Complexo do Facho-Pico Alto) que recobriram os sedimentos marinhos fossilíferos do Complexo do Touril, assim os preservando. Esta segunda ilha de Santa Maria continuou a crescer em dimensão, tendo o vulcanismo terminado há cerca de 2 Ma, com uma abundante emissão de piroclastos, que originou a Formação de Feteiras (Serralheiro, 2003; Ávila et al., 2012, 2014). A possibilidade de hoje em dia se observarem fósseis em afloramentos localizados a diversas altitudes na ilha de Santa Maria deve-se ainda ao facto de esta ter estado (e de eventualmente ainda estar) sujeita a um processo de soerguimento relativamente aos fundos oceânicos em, pelo menos, 200 m. Não são ainda conhecidas as razões explicativas deste uplift, mas é graças a ele que jazidas contendo fósseis e que se formaram a profundidades de cerca de 50-60 m (por exemplo, Ponta do Castelo e “Pedra-que-pica”, Fig. 2) estão hoje em dia a altitudes variáveis entre os 3 e os 10 m (Kirby et al., 2007; Meireles et al., 2013). Artigo Curto Short Article

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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1205-1210 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

“Paleoparque Santa Maria” (Açores) “Palaeopark Santa Maria” (Azores) S. P. Ávila1,2,3*, H. Calado2, M. Cachão4

© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: Neste artigo efectua-se um breve historial das investigações paleontológicas mais recentes efectuadas na ilha de Santa Maria (Açores). Indicam-se os motivos da importância do seu património paleontológico e enumeram-se os projetos mais relevantes que conduziram à apresentação da iniciativa “PaleoParque Santa Maria” ao Governo Regional dos Açores. Palavras-chave: PaleoParque, Geobiodiversidade, Património Paleontológico, Santa Maria, Açores. Abstract: This paper makes a brief history of the latest palaeontological investigations on the island of Santa Maria (Azores). We indicate the reasons for the importance of its palaeontological heritage and list out the most relevant projects that have led to the presentation of the "PaleoParque Santa Maria" initiative to the Regional Government of the Azores. Keywords: PalaeoPark, Geobiodiversity, Palaeontological Heritage, Santa Maria, Azores.

1Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre s/n, 4169-007 Porto, Portugal. 2CIBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado, Pólo dos Açores, Departamento de Biologia da Universidade dos Açores, Campus de Ponta Delgada, Apartado 1422, 9501-801 Ponta Delgada, Açores, Portugal. 3MPB-Marine PalaeoBiogeography group, University of the Azores, Ponta Delgada, Portugal. 4Centro de Geologia e Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 1749-016 Lisboa, Portugal. *Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]

1. Introdução

O arquipélago dos Açores localiza-se no Atlântico Nordeste, a cerca de 1500 km de Portugal Continental. Este arquipélago é formado por 3 grupos de ilhas oceânicas, todas elas de origem vulcânica e localizadas nas proximidades da junção tripla das placas Núbia, Euroasiática e Americana (Fig. 1). Santa Maria é a ilha mais antiga, com uma idade estimada em cerca de 8 Ma (Abdel-Monem et al., 1975; Serralheiro & Madeira, 1990; Serralheiro, 2003) e é também a única ilha dos Açores com apreciável conteúdo fóssil.

A existência de fósseis restritos a esta ilha deve-se ao facto de ser relativamente antiga e de estar fortemente erodida, colocando a descoberto fases iniciais do

processo de transição de vulcanismo submarino para vulcanismo subaéreo, a que se adiciona a sua história geológica particular. De facto, após a extrusão das lavas da Formação dos Cabrestantes (piroclastos submarinos) e das lavas da Formação do Porto (piroclastos subaéreos) e do Complexo dos Anjos (lavas subaéreas), terá decorrido um intervalo de tempo prolongado com baixa atividade vulcânica, durante o qual a primeira ilha de Santa Maria terá sido desmantelada por erosão marinha, tendo originado um guyot de dimensões consideráveis. Sobre o topo aplanado deste monte submarino ter-se-ão depositado os sedimentos terrígenos (pouco significativos e na base da sequência sedimentar) e marinhos que formam o Complexo do Touril, com uma espessura de cerca de 120 m e constituído por arenitos, conglomerados, calcarenitos e calcários, todos eles muito fossilíferos. Não podemos de todo excluir a hipótese da existência de alguns ilhéus de pequena dimensão durante esta fase da história geológica de Santa Maria. Após este período prolongado de relativa inatividade, novo período de intensa atividade vulcânica deu origem a escoadas lávicas inicialmente submarinas e posteriormente subaéreas (Complexo do Facho-Pico Alto) que recobriram os sedimentos marinhos fossilíferos do Complexo do Touril, assim os preservando. Esta segunda ilha de Santa Maria continuou a crescer em dimensão, tendo o vulcanismo terminado há cerca de 2 Ma, com uma abundante emissão de piroclastos, que originou a Formação de Feteiras (Serralheiro, 2003; Ávila et al., 2012, 2014). A possibilidade de hoje em dia se observarem fósseis em afloramentos localizados a diversas altitudes na ilha de Santa Maria deve-se ainda ao facto de esta ter estado (e de eventualmente ainda estar) sujeita a um processo de soerguimento relativamente aos fundos oceânicos em, pelo menos, 200 m. Não são ainda conhecidas as razões explicativas deste uplift, mas é graças a ele que jazidas contendo fósseis e que se formaram a profundidades de cerca de 50-60 m (por exemplo, Ponta do Castelo e “Pedra-que-pica”, Fig. 2) estão hoje em dia a altitudes variáveis entre os 3 e os 10 m (Kirby et al., 2007; Meireles et al., 2013).

Artigo Curto Short Article

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1206 S. P. Ávila et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1205-1210

Fig. 1. Mapa dos Açores (inserido) e localização geográfica da ilha de Santa Maria. © Secção de Geografia, Departamento de Biologia, Universidade dos Açores. Fig. 1. Map of the Azores (inserted) and geographical location of Santa Maria Island. © Secção de Geografia, Departamento de Biologia, Universidade dos Açores.

Fig. 2. Mapa da ilha de Santa Maria com a localização dos afloramentos fossilíferos mais importantes do final do Miocénico-início do Pliocénico (Cré, Pedreira do Campo, Figueiral, “Pedra-que-pica”, Ponta do Castelo, Ponta dos Cedros) e do último interglaciar (MIS 5e) (Lagoinhas, Prainha, Praia do Calhau e Vinha Velha). Fig. 2. Map of Santa Maria Island with the location of the most important and well-studied late Miocene- early Pliocene outcrops (Cré, Pedreira do Campo, Figueiral, “Pedra-que-pica”, Ponta do Castelo, Ponta dos Cedros) and Pleistocene (MIS 5e) outcrops (Lagoinhas, Prainha, Praia do Calhau e Vinha Velha).

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PaleoPark Santa Maria 1207 2. O património geológico de Santa Maria

Estudos paleontológicos têm vindo a ser realizados na ilha de Santa Maria desde 1999, por uma equipa multidisciplinar internacional liderada por investigadores da Universidade dos Açores (Ávila & Martins, 2007). As comunidades mais antigas, contemporâneas do Complexo do Touril, compreendem abundantes e diversificados somatofósseis e icnofósseis. Nos primeiros, predominam os moluscos bivalves e gastrópodes (Janssen et al., 2008) e os equinodermes (Madeira et al., 2011). Menos frequentes, mas de igual modo presentes e já estudados, são os restos fossilizados de cetáceos (Estevens & Ávila, 2007), braquiópodes (Kroh et al., 2008), crustáceos (Winkelmann et al., 2010), ostrácodes (Meireles et al., 2012) e seláceos (Ávila et al., 2012). As jazidas mais recentes formaram-se durante o último estádio interglaciar e têm sido intensamente estudadas sob o ponto de vista da sistemática e taxonomia (Ávila et al., 2002; Kroh et al., 2011), paleoecologia (Callapez & Soares, 2000; Ávila et al., 2008a, 2009a; Meireles et al., 2014) e paleobiogeografia (Ávila et al., 2008b, 2009b).

Estes trabalhos inserem-se numa estratégia de investigação multidisciplinar e continuada no tempo, a qual adquire particular relevo e importância durante os workshops internacionais “Paleontologia em Ilhas Atlânticas”. Já com 11 edições (2002, 2005-2014), por Santa Maria passaram cerca de 60 investigadores de

diversas especialidades (geólogos, paleontólogos, biólogos, geoquímicos, oceanógrafos) e de 14 nacionalidades. Na primeira edição dos referidos workshops (2002), foi estudada a Pedreira do Campo, uma antiga exploração de basaltos localizada cerca de 1 km a SE de Vila do Porto, numa zona não urbanizada e inserida num contexto de paisagem cultural tradicional de pequenos campos murados utilizados para pasto e agricultura (Fig. 3). Esta área (juntamente com o Figueiral e, posteriormente, a Prainha) foi classificada como o primeiro “Monumento Natural Regional” dos Açores (Decreto Legislativo Regional n.º 11/2004/A de 1 de Março de 2004; Decreto Legislativo Regional nº 47/2008/A de 7 de Novembro de 2008), tendo a justificação sido alicerçada no seu “interesse científico, educativo e turístico, por expor a sequência de passagem de rochas sedimentares, datando do topo do Miocénico à base do Pliocénico (Messiniano a Zancliano), a rochas vulcânicas submarinas do Pliocénico inferior, por constituir um afloramento de lavas em almofada de grande beleza geológica e elevado valor didático (para o ensino da Geologia e da Paleontologia) e por ser um dos locais da ilha onde se podem observar calcários marinhos fossilíferos” (Cachão et al., 2003). A conservação do património paleontológico e a sua gestão turística de forma sustentável são aspectos que já foram também abordados (Calado et al., 2007; Nunes et al., 2007).

Fig. 3. Pedreira do Campo. A: vista geral da antiga frente de extracção da pedreira (foto de Carlos Marques da Silva). B: lava em almofada. C: somatofóssil de molusco bivalve (Anadara crassissima?). Fig. 3. Pedreira do Campo. A: the former quarry for basalts (photo by Carlos Marques da Silva). B: pillow-lava. C: a bivalve mollusc fossil (Anadara crassissima?).

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1208 S. P. Ávila et al./ Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1205-1210 A divulgação científica tem sido uma preocupação constante por parte dos coordenadores da investigação paleontológica em Santa Maria. Nesse sentido, os investigadores têm sido acompanhados nos trabalhos de campo por equipas de reportagem de TV (RTP, SIC, TVI) e por repórteres dos jornais/revistas mais relevantes de Portugal (Expresso, Público, Visão, DN, National Geographic Portugal). Esta ligação aos órgãos de comunicação social revelou-se profícua, na medida em que projeta no mercado turístico nacional o nome da ilha de Santa Maria (e, por arrasto, dos Açores). Dentro desta linha estratégica de divulgação turística, foram também editados 3 livros integralmente vocacionados para uma divulgação científica do património paleontológico único que a ilha de Santa Maria encerra (Ávila & Monteiro, 2009; Ávila et al., 2010; Ávila & Rodrigues, 2013). De igual modo, vários documentários foram já produzidos pela RTP-Açores, pela SIC e pela TVI, estando neste momento em fase final de montagem 4 documentários televisivos acerca das jazidas fósseis de Santa Maria. Esta forte ligação entre a investigação e a produção de conteúdos de qualidade direcionados para o mercado turístico, enquadra-se no âmbito dos objectivos delineados pelo Turismo de Portugal, o qual em 2006 indicou como pertencentes aos “10 Produtos Estratégicos para o Desenvolvimento do Turismo em Portugal” precisamente 1) O turismo de Natureza; e 2) o “Touring” cultural e paisagístico.

3. “A Rota dos Fósseis” e “A Casa dos Fósseis”

Com o intuito de fomentar a transferência do conhecimento científico para algo com impacto económico nos Açores, o primeiro autor deste artigo projetou e executou “A Rota dos Fósseis”. Foram cartografados e caracterizados cinco trilhos na ilha de Santa Maria, com o objetivo de proporcionar, de forma sustentável, um aproveitamento turístico da geobiodiversidade de Santa Maria. Um dos trilhos é único na região, contemplando uma volta à ilha de barco, com o desembarque a efetuar-se em vários locais: “Gruta dos Icnofósseis”, “Pedra-que-pica”, Ponta do Castelo e São Lourenço (paragem para almoço). Ao longo do percurso deste trilho marítimo o turista tem acesso às interpretações paleoecológicas relativas à história geológica das jazidas visitadas e aos grupos fósseis mais abundantes nelas existentes, bem como à visualização de algumas das mais espetaculares lavas em rolo e disjunções prismáticas existentes no arquipélago. Em Novembro de 2013 decorreu em Santa Maria uma Ação de Formação relacionada com “A Rota dos Fósseis”, durante a qual 25 participantes ficaram devidamente certificados para acompanharem os turistas nestes trilhos.

Muito recentemente, e com o intuito de expandir a rede de Centros de Interpretação existentes nos Açores, o Governo Regional dos Açores incumbiu o primeiro autor de produzir os conteúdos da exposição permanente a instalar na futura “Casa dos Fósseis”. O projeto arquitectónico está já concluído e prevê-se a inauguração deste novo Centro de Interpretação durante o ano de 2015.

4. “PaleoParque Santa Maria”

A “Iniciativa PaleoParque” teve o seu início em 1996, durante o 30º International Geological Congress (IGC), que decorreu em Beijing (China), com o intuito principal de identificar e proteger sítios com conteúdo paleontológico relevante a nível mundial. Estes esforços tiveram continuidade sob a forma de apresentações e workshops temáticos em várias reuniões científicas: 32º IGC (2004) em Florença, o 2º International Paleontological Congress (2006) em Beijing, o 33º IGC (2008), em Oslo, e o 3º International Paleontological Congress (2010), em Londres. Lipps (2009) definiu o conceito de PaleoParque como sendo "todos os locais de interesse paleontológico, já preservados ou não, independentemente do seu tamanho ou da incorporação prévia em outros parques". No contexto do arquipélago dos Açores, Santa Maria distingue-se de tal forma das restantes ilhas (quer pela profusa existência de fósseis, quer de formas vulcânicas associadas a um vulcanismo submarino e hoje em dia expostas em ambiente subaéreo), que faz todo o sentido promover essa diferenciação sob a forma do recente conceito de “PaleoParque”, instituído e impulsionado pela Associação Internacional de Paleontologia (Császár et al., 2009; Hayward, 2009; Lipps, 2009). Note-se ainda que os geosítios selecionados pelo Geoparque Açores na ilha de Santa Maria (todos eles localizados na parte emersa da ilha) não contemplam a totalidade das jazidas fossilíferas conhecidas e que muitos destes afloramentos com abundante conteúdo fossilífero estão localizados fora das actuais áreas protegidas. Por último, os estudos mais recentes efectuados aquando da 10ª edição dos workshops anuais “Paleontologia em Ilhas Atlânticas” em 2013, levaram à descoberta de algumas jazidas fossilíferas subaquáticas, presentemente em fase de estudo.

Assim, numa linha de continuidade, mas simultaneamente de ambiciosa inovação, o “PaleoParque Santa Maria” pretende realçar esta ilha num contexto internacional – para isso contando com o inestimável apoio da IPA (International Palaeontological Association) –, classificando toda a ilha (sob a forma de uma figura legislativa ainda a criar) como um PaleoParque, com sinergias entre esta entidade e o Geoparque Açores, desta forma potenciando e diferenciando Santa Maria das restantes ilhas dos Açores. Este objectivo será atingido através de parcerias com as empresas marítimo-turísticas (5 neste momento, a operar em Santa Maria) e com as unidades hoteleiras e de turismo rural, funcionando como uma atividade complementar à oferta turística já existente na ilha.

O PaleoParque poderá ser o mote para a reapropriação, reconhecimento e valorização por parte da comunidade mariense, do seu património paleontológico e da importância do seu envolvimento na gestão do mesmo. Este património e as suas potencialidades, no que ao turismo de Natureza dizem respeito, são matérias que têm chamado a atenção dos gestores das empresas que, naquela ilha, estão ligadas ao sector turístico. “A Rota dos Fósseis” constitui uma importante alternativa de visitação turística, em particular nos dias em que o estado do mar não permite

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saídas para mergulho, atividade que tem conhecido nos últimos 5 anos um acentuado crescimento em Santa Maria. A possibilidade de uma alternativa atrativa e de qualidade em terra, às usuais atividades marítimo-turísticas, é assim uma mais-valia para estas empresas.

O projeto “PaleoParque Santa Maria” contempla a produção de folhetos turísticos, filmes promocionais e de um arquivo fotográfico a disponibilizar às empresas turísticas interessadas em explorar comercialmente o património paleontológico de Santa Maria. Numa perspectiva de continuidade do anterior projeto “A Rota dos Fósseis”, tencionamos inovar, produzindo novos conteúdos, desta feita lançando mão do crescimento exponencial que o geocaching está a conhecer a nível internacional, para aproveitar este novo desporto produzindo Power Trails (ou seja, histórias com mistérios/pistas geológicas e paleontológicas que levam à descoberta da localização das caixas) para 3 dos trilhos já caracterizados. Uma vertente importante deste projeto de divulgação ambiental/científica/turística está relacionada com o aquilatar do impacto económico deste património natural no turismo verde da ilha em causa, daí o enfoque na realização anual (durante o triénio do projeto), de inquéritos a turistas. Estes inquéritos são de importância primordial para o sucesso do projeto, na medida em que permitirão não só definir o perfil do consumidor do produto “fósseis”, como também servirão para afinar o “targeting” e optimizar o modelo da oferta turística, impulsionando estes produtos turísticos diferenciados e de elevado valor acrescentado.

A ligação já de longa data da equipa de investigação da Universidade dos Açores ao Parque Natural de Ilha de Santa Maria assegura a transversalidade do projeto, estando também previamente garantidas as futuras sinergias entre o “Paleoparque Santa Maria” (com o selo de qualidade atribuído sob a égide da IPA e sob proposta legislativa a entregar ao Governo Regional dos Açores/Secretaria Regional do Ambiente e do Mar) e o Geoparque Açores.

Agradecimentos

Os autores agradecem a todos os participantes nos workshops internacionais “Paleontologia em Ilhas Atlânticas”. Sérgio Ávila agradece o seu contrato Ciência 2008 (FCT).

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