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Claus Offe – conferência 1 : Sociedade Civil Faculdade de Direito UFPR – 29 de junho de 2010, 10h.  A grande pergunta das Ciências Sociais não é mais “o que devemos fazer”, mas sim se é possível ainda fazer algo. A maioria das sociedades saiu de seu próprio controle e a quebra econômica de 2009 é uma grande prova de que, de fato, ninguém está no controle. Atualmente, o termo utilizado nas ciências sociais não é mais “governo”, mas sim “governantes”, colocando o enfoque sobre uma suposta cooperação entre as diversas esferas da sociedade. Offe sustenta basicamente 3 teses: 1) A ordem social é uma organização estável entre relações sociais, não havendo, assim, um só setor dominante (só a economia, só a sociedade ou só o Estado). 2) Nenhuma das esferas (economia, Estado e sociedade) pode ser ignorada. Cada uma dessas esferas é parte de uma intrincada relação. A social-democracia defende a importância do Estado, o liberalismo defende a importância da economia e os partidos de viés comunitarista – na maioria das vezes cristãos ou religiosos – defende a importância da organização social, que muitas vezes é inclusive apresentada de forma voluntarista. 3) Não havendo predominância de uma dessas esferas, a grande questão é: qual relação entre essas esferas pode trazer maior equilíbrio e controle social ( num sentido positivo desse termo)? O modelo de orçamento participativo de Porto Alegre, para Offe, é um bom exemplo para se pensar nesse controle que a sociedade deve exercer sobre as outras 2 esferas, impedindo que o controle aconteça apenas pelo Estado ou pelo mercado. Para ele, quanto à principais teorias nas Ciências Sociais (e na prática política real) temos 6 grandes falácias: 1) A falácia do estatismo excessivo. O Estado deve ter certo controle, mas nos países socialistas, por exemplo, esse controle tornou-se exagerado, trazendo muita corrupção e repressão. Estados muito grandes podem fazer com que o accountability (responsabilidade perante os eleitores e cidadãos) torne-se impossível. 2) A segunda falácia é a da capacidade insuficiente do Estado, pregada pelos liberais. O Estado deve garantir certa segurança aos cidadãos e até mesmo à economia. É certo que um Estado mais controlado apresenta menos corrupção, mas o Estado não pode ser menosprezado, o papel do Estado é proteger seus cidadãos, de diversas f ormas. Assim, o Estado muito grande é problemático, mas o Estado minguado também o é.

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Claus Offe – conferência 1 : Sociedade Civil

Faculdade de Direito UFPR – 29 de junho de 2010, 10h.  

A grande pergunta das Ciências Sociais não é mais “o que devemos fazer”, mas sim se

é possível ainda fazer algo. A maioria das sociedades saiu de seu próprio controle e a quebra

econômica de 2009 é uma grande prova de que, de fato, ninguém está no controle.

Atualmente, o termo utilizado nas ciências sociais não é mais “governo”, mas sim

“governantes”, colocando o enfoque sobre uma suposta cooperação entre as diversas esferas

da sociedade.

Offe sustenta basicamente 3 teses:

1)  A ordem social é uma organização estável entre relações sociais, não havendo,

assim, um só setor dominante (só a economia, só a sociedade ou só o Estado).

2)  Nenhuma das esferas (economia, Estado e sociedade) pode ser ignorada. Cada

uma dessas esferas é parte de uma intrincada relação. A social-democracia defende a

importância do Estado, o liberalismo defende a importância da economia e os partidos de viés

comunitarista – na maioria das vezes cristãos ou religiosos – defende a importância da

organização social, que muitas vezes é inclusive apresentada de forma voluntarista.

3)  Não havendo predominância de uma dessas esferas, a grande questão é: qual

relação entre essas esferas pode trazer maior equilíbrio e controle social (num sentido positivodesse termo)?

O modelo de orçamento participativo de Porto Alegre, para Offe, é um bom exemplo

para se pensar nesse controle que a sociedade deve exercer sobre as outras 2 esferas,

impedindo que o controle aconteça apenas pelo Estado ou pelo mercado.

Para ele, quanto à principais teorias nas Ciências Sociais (e na prática política real)

temos 6 grandes falácias:

1)  A falácia do estatismo excessivo. O Estado deve ter certo controle, mas nos

países socialistas, por exemplo, esse controle tornou-se exagerado, trazendo muita corrupção

e repressão. Estados muito grandes podem fazer com que o accountability (responsabilidade

perante os eleitores e cidadãos) torne-se impossível.

2)  A segunda falácia é a da capacidade insuficiente do Estado, pregada pelos

liberais. O Estado deve garantir certa segurança aos cidadãos e até mesmo à economia. É certo

que um Estado mais controlado apresenta menos corrupção, mas o Estado não pode ser

menosprezado, o papel do Estado é proteger seus cidadãos, de diversas formas. Assim, o

Estado muito grande é problemático, mas o Estado minguado também o é.

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3)  A falácia do livre mercado. Offe cita um artigo em que o livre mercado é

colocado como se fosse uma prisão para a sociedade, em que a liberdade do mercado acaba

com a liberdade das pessoas. Para ele o sucesso no mercado não torna, necessariamente, as

pessoas mais felizes, ao contrário, a excessiva competição torna as pessoas infelizes e fúteis. A

liberdade excessiva do mercado causa problemas sérios como a grande desigualdade social,

problemas ambientais, além de ditar as regras da vida das pessoas que, muitas vezes, não

querem ser guiadas pela lógica do mercado. “O mercado também é doutrinário”, disse Offe.

4)  A quarta falácia é a da limitação excessiva do mercado. “A competição no

mercado pode ser um remédio ou um veneno, dependendo da dose”. Na medida certa ele

pode incentivar relações pacíficas entre pessoas e povos (algo próximo à certas teorias de

Relações Internacionais, em que se considera que países que comercializam não entram em

guerra entre si). O mercado também pode educar as pessoas a lidar com derrotas, além de

transcender Estados e culturas, promovendo trocas culturais. O mercado é em si internacional.

5)  A quinta falácia é a do excesso de comunitarismo. A política que incentiva

diferenças é chamada de multiculturalista, muito visível nos Estados Unidos e Europa. Os

discursos da mídia e da política tornam-se muito voltado para minorias cada vez mais

específicas, de forma segmentada. A maioria das questões diz respeito à interesses pessoais ou

de grupos, o que pode fazer emergir sectarismos e grandes divisões na sociedade (religiosas,

étnicas, culturais, sexistas). Todos os direitos das minorias devem ser preservados e

garantidos, mas com o excesso de divisa na sociedade não há integração, podendo gerar ódios

e conflitos. É importante atender aos interesses de pequenos grupos, mas só isso numa

sociedade traz muitas diferenças e não atende à interesses públicos mais amplos.

6)  Por último, a sexta falácia é a da falta de comunitarismo. Os grupo sociais

menores e mais homogêneos são ótimos meios para que as pessoas tenham identidade

própria, engajamento político e solidariedade. Ninguém é capaz de fazer sacrifícios em nome

de algo que não acredita ou que não se sente parte, nesse sentido, os grupos são

fundamentais.

Como resolver essas ambigüidades?

A resposta, para Offe, está na própria sociedade e em suas 3 esferas, não em teorias. A

resposta não pode ser ideológica ou doutrinária, se o for, não abrangerá a todo o conjunto da

sociedade.

Temos atualmente tr6es iniciativas que se colocam como alternativas possíveis à essas

ambigüidades.

- as ONGs (Organizações não-Governamentais), que permitem controlar e cobrar ações

do governo, além de agir de forma independente e crítica à este.

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- as organizações sem fins lucrativos, que são ações de cunho basicamente econômico

(ou mercantilizado), mas que são realizadas fora da lógica do mercado.

- as ações “não-tribais” (denominação do próprio Offe), que são ações feitas por

governos ou pela sociedade (e até mesmo empresas) que não são voltadas para grupos

específicos na sociedade, mas sim buscam ser mais universalistas, indo além das divisões

culturais e religiosas.

Essas iniciativas são, por si, também contraditórias em grande parte das vezes, mas são

criadas na sociedade e podem apontar caminhos que permitam equilibrar as três esferas da

sociedade.

Resposta às questões do público:

As ONGs e ações sem fins lucrativos, quando utilizam recursos do Estado, “tornam-se

parasitas”. Os recursos estatais são para bens públicos, hospitais e escolas públicas e não para

ONGs ou fundações sem fins lucrativos. A comunidade deve controlar essas instituições. Se

estas estão utilizando recursos públicos elas passam a ser públicas também, sendo de controle

público, não privado. Esse não é um problema só do Brasil, mas também ocorre muito na

Europa. As ONGs deveriam ajudar a controlar as ações públicas, mas ao mesmo tempo elas

também devem ser controladas pela sociedade.

Proposta sobre financiamento de campanha: cada eleitor deveria ganhar um cartão de

crédito com um valor de 50 dólares e doaria esse cartão ao candidato/partido de sua

preferência. Esse dinheiro viria dos impostos, o que oneraria o Estado, no entanto, acabaria

com os financiamentos de empresas aos partidos.

Caso chinês: “a China é um capitalismo autoritário”. Não há democracia, mas há a

prisão do livre mercado. Na China um aparte do país ganha 10 vezes mais do que as outras, o

que causou uma grande migração interna, principalmente para Changai. Isso causa sérios

conflitos sociais no país e essas pessoas (trabalhadores) não tem a possibilidade de se

associarem democraticamente (em sindicatos, por exemplo). Os conflitos entre trabalhadores

e policiais é cada vez mais freqüente no país e a situação política é muito instável. O governo

chinês sabe que agora é “muito tarde” para abrir o regime, porque há muita energia política

concentrada nas grandes cidades e isso sairia do controle se a repressão fosse diminuída.

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Claus Offe – conferência 2: Escola de Frankfurt – Theodor Adorno

SESC Paço da Liberdade– 29 de junho de 2010, 19h.  

Offe foi orientando de Adorno em seu doutorado em Frankfurt. “Ele é o único gênio

que conheci em minha vida toda. (...) além de ser bom músico.”

Adorno teceu diversas comparações entre Europa e Estados Unidos, com base em

vivencias e estudos como os de Tocquevile e Weber. Adorno ficou exilado nos EUA, fugindo do

nazismo alemão. Viveu em condições econômicas precárias e ficou lá entre 1938 e 1946. Para

ele os EUA estavam no caminho do desastre, com a vida social completamente mercantilizada.

Em suas cartas falava de quão horrorosas eram as cidades americanas, dominadas por

drugstores e hotdogs. Para ele, que tem diversos estudos sobre a indústria cultura, cada ida ao

cinema o deixava ainda mais estúpido que era antes de entrar para ver o filme. No entanto,

sempre foi grato pelo exílio que recebeu nos EUA.

Ele sentia que havia anti-semitismo também nos EUA, então, o medo nunca o deixou

por completo. Ele era um típico intelectual europeu de seu tempo, que se colocava questões

das experiências subjetivas e teve que se deparar com um contexto de tecnicismo e

positivismo dos EUA na década de 1940.

No sentido inverso, ele também teceu sérias críticas ao barbarismo e ao excesso de

identidades de grupo que se demonstravam na Europa e que culminaram na 2ª Guerra

Mundial. Nessa perspectiva, o otimismo revolucionário marxista desaparece, o mundo,

naquele período para Adorno estava fechado em barbárie e mercantilização.

Para ele a cultura de massas e a indústria cultural eram usadas tanto pelos regimes

autoritários europeus (comunistas, fascistas e nazistas), mas também eram difundidos nos

EUA, tornando a propagando o ápice dessa cultura de massas e seu principal expoente. Assim,

o controle social e a conseqüente conformação à realidade não se dá apenas no plano

individual, mas por meio da indústria cultural, dos grupos profissionais e religiosos, que

moldam a forma de pensar das pessoas.

Não é simples fazer uma associação entre mídias de massa e postura totalitária em

uma democracia, mas Adorno via um monopólio do consumismo e do mercado nos EUA que

era, para ela, quase totalitário. Era um país livre, mas onde não havia espaço de fato para

reflexões e críticas. Era a falta total de auto-crítica da sociedade.

O contraponto dos autoritarismos europeus era a massificação nos EUA, ambas as

faces muito problemáticas de uma mesma realidade do contexto mundial da 2ª Guerra. Os

EUA seriam, para Adorno, pacíficos pela inexistência de qualquer consciência de classe. Todos

os lugares pareciam iguais e o ideal de igualdade, imposto pela indústria cultural monopolista,

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esconde as reais diferenças da sociedade. Assim, há aqui um autoritarismo do consumo e do

livre mercado. Por outro lado, na Europa, as diferenças tornaram-se tão acentuadas e

conflituosas que se redicalizaram até chegar aos autoritarismos e à guerra.

Ao voltar para Alemanha Adorno concentra-se mais em seus estudos e, ao voltar aos

EUA, já na década de 1960, de visita apenas, seus comentários e escritos sobre aquele país

tornam-se mais otimistas. Percebe então pessoas mais esperançosas, “open mind” (cabeça

aberta, com idéias novas) e uma massificação relativamente menor (é importante lembrar que

a década de 1960 foi a década dos hippies e dos movimentos contra a guerra do Vietnã). Para

Adorno, nessa época, a mídia também estava mais aberta e mais crítica. Apesar de alguns

autores afirmarem que, de fato, os EUA mudaram nesse período, Offe acredita que a visão de

Adorno se modificou. Voltando à Europa em reconstrução ele pôde apreciar mais o estilo de

vida e as qualidades dos EUA.

Na Alemanha, ele deixa sua postura melancólica de crítica solitária e passa a se

concentrar na organização universitária, em aulas, pesquisas e na reforma educacional alemã,

para deixar claro às novas gerações as barbáries no nazismo. Além disso, buscava “educar os

educadores”.