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LIDERANÇA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARANÁ MAIO/2013 Nº 002 Onde está o dinheiro? Com as finanças em colapso Paraná não tem recursos para pagar fornecedores e fazer investimentos Quem de fato manda na Sanepar? PNE: os novos compromissos do Brasil com a educação "Disto (pias): as pessoas estão perdidas, não sabem como se guiar do ponto de vista político e econômico". MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES PANORAMA

Panorama 002

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Publicação da Liderança do Partido dos Trabalhadores na Assembleia do Paraná

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2013

Nº 0

02

Onde está o dinheiro?

Com as finanças em colapsoParaná não tem recursos para pagar fornecedores

e fazer investimentos

Quem de fato manda na Sanepar?PNE: os novos compromissos do Brasil com a educação

"Disto (pias): as pessoas estãoperdidas, não sabem como se guiar do ponto de vista político e econômico".

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

PANORAMA

Page 2: Panorama 002

E X P E D I E N T ELiderança do Partido dos Trabalhadores-PT na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná - Deputados: Tadeu Veneri (líder), Elton Welter (líder da Oposição), Ênio Verri, Luciana Rafagnin,Péricles de Melo, Professor Lemos e Toninho Wandscher - Equipe da Liderança: Luiz Fernando Esteche (coordenação), Wagner William (Ass. Econômica, Financeira e Política Públicas), Irma Rossato e Tereza Cofré (Jurídica/Legislativa), Laura Sica e Clicéia Alves (Comunicação Social), Robson Fornica e José Maria Tardin (Relações com os Movimentos Sociais), Maria Elisa Battisti (Administrativa). Praça Nossa Senhora Salete s/n, Curitiba - PR - CEP: 80530-911 - www.liderancaptpr.com.br - Telefone: (41) 3350-4157 / 3350-4396 - [email protected]

CARTA AOS MILITANTES

Este é o segundo número do caderno PANORAMA. Dirigido aos

militantes e simpatizantes petistas, os resultados da edição passada

nos animaram a continuar com a publicação online, cujo objetivo,

repetimos, é subsidiar a todos com estudos, análises e opiniões

sobre assuntos conjunturais e temas específicos do cenário

estadual, nacional e internacional e de promover o debate.

Por isso, enquanto aguardamos colaborações através de artigos e

sugestões de temas, a Liderança do PT na Assembleia Legislativa

tomou essa responsabilidade para si. A principal novidade desta

edição é a coluna Dicas de Leitura, com a reprodução de textos

sobre obras que consideramos importantes.

Boa leitura.

OS EDITORES

LEIA NESTA EDIÇÃO

Saúde: assim não é legal............................................................02

Quem de fato controla a Sanepar?................................................05

PNE: Salto em Distância...............................................................09

A era das distopias........................................................................16

Na América Latina a direita procura inventar um discurso

social............................................................................................20

De onde vem tanto ódio?...............................................................25

Dicas de leitura............................................................................27

Page 3: Panorama 002

PANORAMAPARANÁ

Assim não é legal

A Assembleia Legislativa autorizou o governo do estado a abrir crédito adicional de R$ 900 milhões no orçamento do estado deste ano destinados à saúde. O Projeto de Lei 175/2014, de autoria do Governo do Estado, visa cobrir o furo deixado na execução orçamentária de 2013 quando foram aplicados no setor apenas 10,3% da receita, em descumprimento à legislação federal que determina investimento mínimo de 12% do orçamento.

O governador não tinha outra saída. Sob o risco de cometer crime de responsabilidade ele precisa destinar os R$ 413 milhões que deixou de cumprir o ano passado para a saúde e garantir os 12% do orçamento do presente exercício para o Fundo Estadual de Saúde. O descumprimento da legislação federal no que diz respeito aos gastos com saúde, bem como o fato de, frequentemente, extrapolar os limites de gastos com a folha de pessoal, foi um dos principais motivos do atraso para a autorização e liberação de empréstimos federais ao Paraná. Ao acusar o governo federal de perseguição ao Paraná, o governador tenta esconder os seus próprios erros administrativos e a má gestão das finanças estaduais, transformando um assunto eminentemente técnico em bandeira política.

O simples fato de enviar à Assembleia um projeto que pede autorização para abertura de crédito

suplementar para a saúde é uma confissão de que o percentual para o setor não vem sendo cumprido.

A alegação da Secretaria da Fazenda é que o Paraná e os demais estados brasileiros não t iveram tempo adequado para cumprir a Constituição. A alegação não se sustenta, se não vejamos: a Lei Complementar 141 foi sancionada em 13 de janeiro de 2012, após passar vários anos sendo debatida no Congresso Nacional. A lei foi discutida e aprovada pelo Congresso em 2011, portanto desde então o governador Beto Richa já sabia que teria que cumprir em 2013 a nova legislação. Tanto sabia que a Lei Orçamentária de 2013, aprovada no final do ano anterior, em atendimento às novas normas, prevê o comprometimento de 12% do orçamento com a saúde. Portanto, não se pode alegar ignorância nem falta de tempo para adequação orçamentária.

No ranking nacional dos investimentos na saúde o Paraná figura na 22ª colocação, à frente apenas do estados do Piauí, Paraíba e Amapá que também não cumpriram os 12%. Todos os demais estados c u m p r i r a m c o m o n o v o p e r c e n t u a l d e investimentos.

Projeto que destina R$ 900 milhões à saúde não diz de onde serão retirados os recursos e em quais programas serão aplicados

“A lei que prevê12% para a saúde

foi aprovada em 2011”.

aúde

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Apesar disso o governador Beto Richa subtraiu R$ 413 milhões da saúde em 2013. São recursos necessários para atender a população em seus direito básicos, para equipar os hospitais, abrir novas UTIs, comprar equipamentos e ampliar as equipes de atendimento. Esta medida reflete uma situação ainda mais grave, o descontrole das próprias finanças estaduais. O não cumprimento da legislação no que diz respeito aos gastos com saúde foi a medida desesperada do governador para encerrar o exercício de 2013 sem deixar de pagar o décimo terceiro salário do funcionalismo.

O problema, portanto, não está no mérito do projeto aprovado pelos deputados que destina R$ 900 milhões para a saúde. O problema está na forma que o projeto foi elaborado. Nele o governo não atentou para os princípios constitucionais que embasam a abertura de créditos adicionais, se não, vejamos:

O crédito adicional nada mais é que uma ferramenta a ser utilizada pelo gestor público para reorganizar o orçamento aprovados através do Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. A lei é bem específica e não deixa brechas para que o gestor se utilize desta ferramenta de forma discricionária. O projeto enviado pelo governador à Assembleia, diz apenas que os recursos serão direcionados à saúde sem discriminar de forma objetiva de quais dotações eles serão remanejados e para quais programas e projetos na área de saúde eles serão alocados.

Vejamos agora o que diz a Lei 4.320/64, que regulamenta a abertura de créditos adicionais, sobre a origem dos recursos:

Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa.

§ 1º Consideram-se recursos para o fim d e s t e a r t i g o , d e s d e q u e n ã o comprometidos:I - o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior;II - os provenientes de excesso de arrecadação;

III - os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei;IV - o produto de operações de credito a u t o r i z a d a s , e m f o r m a q u e juridicamente possibilite ao poder executivo realizá-las.§ 2º Entende-se por superávit financeiro a diferença positiva entre o ativo financeiro e o passivo financeiro, conjugando-se, ainda, os saldos dos créditos adicionais transferidos e as operações de credito a eles vinculadas.§ 3º Entende-se por excesso de arrecadação, para os fins deste artigo, o saldo positivo das diferenças acumuladas mês a mês entre a arrecadação prevista e a realizada, considerando-se, ainda, a tendência do exercício.§ 4° Para o fim de apurar os recursos utilizáveis, provenientes de excesso de arrecadação, deduzir-se-á a importância dos créditos extraordinários abertos no exercício.

O projeto governamental também comete ilegalidade ao pedir autorização para alterar programas dentro do orçamento, enquanto a legislação prevê que os créditos adicionais podem alterar somente dotações e nunca programas. Da mesma forma, o projeto não poderia reclassificar as despesas e fontes sem especificar quais despesas, quais dotações e quais fontes serão aditados, retirados e/ou alteradas.

O projeto também deveria explicar e apresentar documentos comprobatórios a respeito das dotações e fontes de recursos a serem alterados, acompanhado do valor exato destinado a cada dotação e a respectiva exposição justificativa. A legislação veda a alteração de programas durante a execução orçamentária, que devem ser feitas durante a aprovação do PPA, LDO e LOA. As leis que autorizam créditos adicionais não têm competência para autorizar esta alteração.

A i n d a : o s c r é d i t o s a d i c i o n a i s q u a n d o suplementares abertos com base na autorização concedida na própria lei orçamentária e com fundamento em aporte de recursos oriundos de anu lação pa rc ia l ou to ta l de do tações orçamentárias (Lei nº 4.320/64, art. 43, § 1º, III) só podem ocorrer quando se tratar de deslocamento de recursos dentro do mesmo órgão e da mesma categoria de programação.

PANORAMAPARANÁ

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“Créditos adicionaisnão podem alterar

programas de saúde”.

DESCRIÇÃO RECEITA GASTO GASTO (%)

12%

10,3%

12%

Orçamento de 2013

Execução doorçamento

Simulaçãocom 12%

Gasto inferior aomínimo

Diferença em %

18.398.474.800,00

20.966.937.775,13

20.966.937.775,13

2.207.816.976,00

2.102.223.695,50

2.516.032.533,02

-413.808.837,52

-16,45

Page 5: Panorama 002

Ou seja, remanejamentos de recursos de um órgão para outro e transposições ou transferências de uma categoria de programação para outra,somente podem ser autorizados através de lei específica.

A Constituição Federal em seu art. 167, proíbe: ...“I - o início de programas ou projetos

não incluídos na lei orçamentária anual;V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa”.

FUNDO DE SAÚDE

Em 10 de dezembro de 2012 o governador Beto Richa assinou a Lei Complementar 152 que dispõe sobre o Fundo Estadual de Saúde-FUNSAÚDE, normatizando o funcionamento, financiamento e gasto na saúde de acordo com a nova legislação.

Essa lei é mais do que clara sobre a administração dos recursos para o setor:

Ar t . 2 º Os recu rsos finance i ros destinados à saúde serão administrados pela SESA, por meio do FUNSAÚDE, nos termos do § 3º do art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e da Lei Complementar Federal nº 141, de 13 de janeiro de 2012, em especial o disposto no art. 14, observado o Plano de Saúde do Estado do Paraná, devendo a sua gestão ser acompanhada e fiscalizada pelo Conselho Estadual de Saúde.Art. 4º A gestão do FUNSAÚDE é de competência do Secretário de Estado da Saúde, na forma da legislação pertinente, podendo autorizar de forma expressa e individualmente a execução de despesas referentes a ações e serviços de saúde c o m r e c u r s o s d o F U N S A Ú D E , integrantes da base de cálculo definida nos arts. 6º, 9º e 10 da Lei Complementar Federal nº 141, de 13 de janeiro de 2012 e consideradas para o alcance do percentual mínimo fixado pelas unidades integrantes da estrutura da rede pública estadual, desde que atendidos os seguintes requisitos:Parágrafo único. Cabe ao Secretário de E s t a d o d a S a ú d e p r o m o v e r a consolidação das contas referentes às despesas executadas por todos os

órgãos e entidades integrantes da rede pública estadual, elaborar relatório detalhado para fins de prestação de contas e declarar os dados sobre o orçamento público estadual da saúde e sua execução ao Siops, em consonância com os arts. 33, 36 e 39, § 2º da Lei Complementar Federal nº 141, de 13 de janeiro de 2012.

Comprova-se, assim, que além de praticar irresponsabilidade fiscal, agora o governo comete crime de responsabilidade ao não cumprir o que estabelece a legislação federal.

Outra irregularidade: o governador também não criou a conta especial do FUNSAÚDE como determina o decreto 7.507 de 27/06/2011 e a Portaria 412 de 15/03/2013 e a Lei Complementar Estadual 152 de 10/12/2012), que em seu art. 6º, § 2º, prevê:

“Os recursos referidos no inciso II deste artigo serão depositados em contas específicas do FUNSAÚDE em Banco Oficial, conforme estabelecido por legislação federal”. (Le i Complementar 152 - 10 de Dezembro de 2012) Ninguém é contrário ao crédito adicional proposto pelo governador. Mesmo, porque, ele não tem outra saída, pois além dos 12% ele terá que compensar neste ano os 1,7%, que deixou de aplicar em saúde no exercício de 2013. No entanto, na forma em que foi apresentado o p r o j e t o é fl a g r a n t e m e n t e inconstitucional, eis que novamente não atende a legislação e as normas da contabilidade pública, se não vejamos:

Da forma como foi aprovado o projeto corre o sério risco de ser questionado na Justiça, como advertiram os deputados do PT, colocando o setor de saúde em situação ainda pior daquela verificada neste momento. Para colocar a situação em ordem bastaria que o governo tivesse corrigido o projeto especificando de onde os recursos serão remanejados dentro do orçamento e em quais programas na área de saúde serão aplicados. Agora, é torcer para que efetivamente o dinheiro seja aplicado na saúde.

* Análise elaborada pela Assessoria da Liderança do PT na ALEP

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“Recursos devem ser depositados

em conta própria”.

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O troca-troca de ações entre os sócios da Companhia de Saneamento do Paraná de Energia (Sanepar ) , uma das pr inc ipa is es ta ta is paranaenses, levanta a questão que o título sugere. O truncado mundo dos negócios, em especial das empresas que operam na Bolsa de Valores, como é o caso da Sanepar, dá margem para uma série de interpretações, ou de versões sobre uma mesma realidade.

É o que acontece com a Sanepar, cujas ações se dividem entre o Estado e o Grupo Dominó. Embora o Estado possua maioria das ações, um pacto de acionistas que vêm desde 1998, reformulado no ano passado pelo governo Beto Richa, criou uma situação inusitada onde quem detém uma minoria de ações é quem de fato manda na empresa.

Em resumo a situação é mais ou menos esta: o principal sócio do governo na Sanepar é o Grupo Dominó, formado pela Construtora Andrade Gutierrez associada à Copel e aos fundos de pensão, denominados de Daleth, que juntos eram donos de 39,7% do capital votante da Sanepar. Outros 60% pertenciam ao governo estadual.

Ocorre que, através do troca-troca de ações, sem movimentar um só tostão em espécie, a Copel, com a saída dos fundos de pensões do grupo, ao invés de se tornar majoritária, diminuiu sua participação no Dominó a tal ponto que a Construtora Andrade Gutierrez passou a ter o controle do grupo com 51% das ações. Com a saída dos fundos e a divisão proporcional de suas ações entre os demais sócios, o estado passou a ter 74,97%.das ações totais, enquanto o Grupo Dominó detém apenas 24,7% das ações.

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Quem de fato controla a Sanepar?

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Quem analisa superficialmente esta situação chega à conclusão de que a empresa passou a ser mais estatal do que antes. A pergunta que não quer calar, no entanto, é a seguinte: Se a composição acionária é essa mesmo, porque é o sócio privado quem de fato manda na estatal?

Para que isso ocorresse, o pacto de acionistas assinado em 1998 teve que ser modificado. Isto ocorreu no ano passado através da reformulação de uma única e simples cláusula que reduziu a apenas 10% a quantidade de ações que dão direito ao seu detentor de fazer parte da direção da Sanepar.

Por esse pacto, o Dominó tem o direito de indicar os titulares das três diretorias estratégicas: a Superintendência, a Financeira e a de Operações. E continuará tendo enquanto o pacto de acionistas continuar em vigor, com a diferença de que a Andrade Gutierrez passou a controlar sozinha o Dominó por deter 51% do grupo. Antes, a Andrade Gutierrez, com 27,5%, dividia o poder no Dominó com a Copel (45%) e com o Daleth (27,5%).

Os três sócios, nenhum deles majoritário, ocupavam, cada um, uma das três diretorias. A partir de agora, sob a nova condição de majoritária, a Andrade Gutierrez pode indicar sozinha as três diretorias embora atualmente só tenha indicado duas, sabiamente funcionários da carreira. Isto é, uma empresa privada que detém apenas 24,7% do capital da Sanepar continuará ocupando as mesmas três estratégicas e decisivas diretorias.

Com um detalhe suplementar que não pode ser esquecido: com a mudança feita no pacto de acionistas no ano passado, bastaria ao Dominó deter apenas 10% do capital votante para manter o mesmo poder de mando. Isso quer dizer que o Dominó ainda tem um “saldo” de 14,7% de ações que pode queimar na Bolsa sem que isto lhe signifique perda de poder no controle efetivo da companhia, ou como observou o jornalista Celso Nascimento em sua coluna no jornal Gazeta do Povo (19/05/14): “A engenharia é inteligente: muda-se tudo para que tudo continue tão igual quanto antes para o sócio privado. Ou até bem melhor” (grifo nosso).

CRONOGRAMA DE MUDANÇAS

Para melhor compreensão da atual situação da Sanepar, resgatamos a seguir uma série de fatos ocorridos na Companhia nos últimos anos.

ABERTURA DE CAPITAL

Em dezembro de 1997, a Lei Estadual no. 11.963 autorizou o Estado do Paraná a vender parte das ações de sua propriedade no capital social da Sanepar, desde que mantivesse o controle da companhia.

A COMPRA DE AÇÕES DA SANEPAR PELA DOMINÓ HOLDINGS

Com fundamento na autorização legislativa antes referida, em 8 de junho de 1998 o Estado do Paraná alienou 39,71% das ações ordinárias para a Dominó Holdings S/A, da qual faziam parte o g rupo f rancês Vivend i (pos te r i o rmen te denominado SANEDO), a Construtora Andrade Gutierrez, o Banco Opportunity e a Copel Participações. As ações foram vendidas em reais, ao preço de R$ 2,17 por ação, num total de R$ 249.780.612,41. Na época, o valor patrimonial da ação era de R$ 2,95.

Foi um bom negócio para a DOMINÓ, que comprou as ações com um deságio de 25%. Aliás, um grande negócio, já que nos primeiros cinco anos o sócio privado recuperou mais da metade do valor a p l i c a d o ( R $ 1 2 7 . 6 1 0 . 3 5 8 , 1 2 ) , n u m empreendimento de risco mínimo.

PRIMEIRO ACORDO DE ACIONISTAS

Diretorias que decidem Orçamento e Plano de Negócios nas mãos do sócio privado

Em 4 de setembro de 1998 o Grupo DOMINÓ procurou proteger seus interesses através de um acordo de acionistas, firmado, por um lado, pelos representantes da Vivendi, do Opportunity e da Andrade Gutierrez e, por outro, pelo à época pelo secretário da Fazenda do Paraná à época, Giovanni Gionédis.

Por esse acordo governo transferiu o comando da empresa para o Dominó. A Companhia tinha sete diretores, quatro dos quais indicados pelo Estado do Paraná. Porém, conforme os termos do acordo de acionistas, os diretores Superintendente, de Operações e Financeiro eram eleitos entre os nomes apresentados pela Dominó. Destaque-se que a gestão da companhia era fixada num Plano de Negócios e Orçamento Anual, ambos elaborados por apenas três: o de Operações, o Financeiro, ambos indicados pelo sócio privado, e o Administrativo, indicado pelo governo. Não havendo consenso entre estes três diretores a decisão era tomada por maioria (conforme, item 4.7.1 do Acordo).

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ACORDO DE ACIONISTAS

Negociação da dívida da Sanepar com o Estado

A SANEPAR devia ao Estado do Paraná R$ 1,06 bilhão de reais e, conforme o acordo de acionistas, assinado pelo Governador Beto Richa em 27/08/13, a dívida foi paga da seguinte forma: R$ 283 milhões em dinheiro, depositados no Caixa Único do Estado, e os outros R$ 781.127.000,00 pagos através da emissão de NOVAS ações preferenciais para o Estado do Paraná.

SOBRE O VALOR DAS AÇÕES

Segundo a Lei 6404 (Lei das S/As), são três as formas de precificação de uma ação nova; pode ser feita levando-se em consideração o patrimônio líquido apontado no balanço; o valor das ações negociadas em Bolsa ou, de forma mais subjetiva, considerando a perspectiva de rentabilidade (fluxo de caixa) da Companhia. Vide artigo da Lei abaixo.

Se considerado o patrimônio líquido a ação estaria valendo R$ 6,047, o que daria ao estado o direito a ter 129.175.955 novas ações. Se a consideração fosse quanto ao valor das ações na Bolsa no dia da assinatura do “Acordo” de Acionistas o valor seria R$ 6,44, o que daria do Estado o direito a 121.293.012 ações.

Entretanto o governador Beto Richa aceitou um acordo onde as ações foram precificadas em R$ 12,75, e o estado recebeu pela dívida apenas 62.530.795 ações, ou seja: menos da metade daquelas a que teria direito se o valor usasse como referência o Balanço Patrimonial da empresa, um

prejuízo ao Estado equivalente a R$ 419,14 milhões.

TROCA-TROCA DE AÇÕES BENEFICIA SÓCIO PRIVADO

Desde o primeiro acordo de acionistas a composição acionária do Dominó Holding havia sido alterada para a seguinte divisão: COPEL (45%), Andrade Gutierrez (27,5%) e Daleth Participações (27,5%).

Neste momento a Daleth opta por sair da DOMINÓ e pede a conversão de suas ações ordinárias em preferenciais. Caso se mantivesse a composição da DOMINÓ como estava, a COPEL passaria a ter 62,07% da holding, dando ao estado (direta e indiretamente) o retorno ao controle da empresa.

Ocorre que, numa operação irregular, sem a devida comunicação ao mercado que é a regra da Comissão de Valores Mobiliários-CVM, a Copel e a Andrade Gutierrez também diminuíram seu capital no Dominó, fazendo com que este ficasse com apenas 24,67% da ações ordinárias da Sanepar. O problema, porém, não é esse. O mais curioso de tudo é que a Copel passou a de ter apenas 49% das ações do Dominó. Ou seja: o controle acabou ficando com a Andrade Gutierrez que, detendo pouco mais de 12% das ações ordinárias da empresa, tem seu real controle.

Resta saber: por que a Copel, como empresa listada em Bolsa de Valores, abriu mão dos interesses de seus acionistas?

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OUTRAS AÇÕES DO GOVERNO FRENTE À SANEPAR

Não são somente as mudanças acionárias e a entrega do mando da empresa ao sócio privado que caracterizam a atuação do governo Beto Richa na Sanepar. Entre outras principais ações, destacam-se:

1) Aumento da tarifas bem acima da inflação com o objetivo de elevar receitas e aumentar o lucro a ser distribuído entre os acionistas;

2) Aumento da distribuição do lucro líquido de 25% para 50%;

3) Revisão do acordo de acionistas, válido até 2021, com cláusulas benéficas e vantajosas aos sócios privados;

4) Em 2013 a Sanepar fez um acerto de suas dívidas com o Estado. O governo pagou R$ 12,75 por ações que valiam R$ 6,047, gerando um prejuízo para o Estado superior a R$ 419 milhões, beneficiando os sócios privados;

5) Em abril de 2014 permitiu a conversão das ações ON para PN. Essa conversão de ON para PN garantiu um repasse adicional na distribuição de lucros para os acionistas privados de mais R$ 2 milhões/ano;

6) Aumento da remuneração dos diretores e dos conselheiros em 140%, diante de uma inflação de 20%.

7) Durante o atual governo a Sanepar bateu recorde de crimes ambientais sentenciada ao pagamento de elevadas multas.

IJMÕŎǾ Var. (%)Var.

acum. (%)Valor Var. (%)

Var.

acum.

(%)

Valor Var. (%)

Var.

acum.

(%)

01/02/2005 16,35 0 0 13,9 0 0 30,25 0 0

19/03/2011 18,97 16,02 16,02 16,12 15,99 15,99 35,09 16,01 16,01

21/03/2012 22,1 16,5 35,17 18,78 16,5 35,13 40,89 16,53 35,18

23/03/2013 23,63 6,92 44,53 20,09 6,98 44,56 43,72 6,92 44,54

24/03/2014 25,14 6,39 53,76 21,37 6,37 53,77 46,51 6,38 53,76

IPCA 2010-2014 26,08 26,08 26,08

Aumento Real 21,96 21,96 21,96

Data

Tarifa de Água Esgoto Água e Esgoto

ANO MÍNIMO COMPLEMENTAR TOTAL

2013 95.646 95.645 191.291

2012 79.472 79.472 158.944

2011 67.396 51.154 118.550

2010 34.954 2.247 37.201

2013-2011 242.514 226.271 468.785

Var. % 173,63 4.156,56 414,21

DESCRIÇÃO VALORES CUSTO ECONÔMICO

Ações convertidas ON-PN 57.868.914

preço mercado 5,7 329.852.810

preço valor econômico 12,75 737.828.654

Diferença 407.975.844

Valor

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PANORAMABRASIL

O texto base do Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados. O relator do PNE (Projeto de Lei 8.035/2010), deputado paranaense Angelo Vanhoni , do PT, avalia que a aprovação do Plano Nacional de Educação é uma vitória da sociedade brasileira e do futuro do país, pois lança as bases de uma nova escola e enfrenta os grandes desafios de nossa educação. Além disso, o PNE é resultado de três anos de debates que envolveram amplos setores, com participação de representantes sindicais, academia e sociedade civil junto ao Congresso Nacional.

O projeto tem como princípio a compreensão de que só a educação, o conhecimento e a inovação serão capazes de projetar o Brasil no rol de países desenvolvidos, com ampliação da cidadania, a partir da criação de um espaço escolar plural, de valorização das capacidades e potencialidades do ser humano, de respeito às diferenças e de superação dos preconceitos.

Ao todo, são 20 metas para os próximos 10 anos na área de Educação, com a elaboração de 253 estratégias que o Poder Público (União, Estados e Municípios) deve adotar para atingir cada uma das metas traçadas. Os principais objetivos com o cumprimento das metas são: erradicação do analfabetismo; universalização do acesso ao ensino b á s i c o ; q u a l i fi c a ç ã o d o e n s i n o m é d i o e profissionalizante; mais matrículas no ensino superior; mais vagas de 0 a 3 anos; valorização dos t raba lhadores em educação (não só dos professores); equiparação salarial dos profissionais da educação; gestão democrática pública e a criação do custo-aluno-qualidade, para referência nacional.

“Aprovamos o cerne de um projeto de Educação para o Brasil para os próximos dez anos. Com o Plano Nacional de Educação, vamos criar as condições para enfrentar velhos problemas e projetar um espaço de estímulo à inclusão social e à pluralidade. Nesse sentido, são essenciais, apenas para citar alguns pontos, a previsão de 10% do PIB para a educação;

SALTO EM DISTÂNCIAPlano Nacional da Educação

Câmara aprova texto base que garante 10% do PIB para a educação

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a universalização da educação infantil e a adoção da educação integral para pelo menos um terço do ensino fundamental”, avalia Vanhoni.

Um dos itens mais discutidos do projeto é o inciso III do artigo 2º, que estabelece as diretrizes do PNE que prevê a superação das desigualdades educacionais a partir da “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual e na e r rad icação de todas as fo rmas de discriminação”.

“Preconceito é muito difícil de se combater e a educação deve cumprir seu papel primordial, que é diminuir os preconceitos. Espero que os deputados apontem para o futuro, para a convivência humana, consagrando o texto que combate o preconceito regional, racial, de gênero e por orientação sexual”, afirmou o relator.

Outro ponto que gerou polêmica, o parágrafo 4º do artigo 5º, foi aprovado na forma proposta pelo relator, que considera como investimentos públicos em educação aqueles realizados em programas de expansão da educação profissional, superior e especializada —tais como ProUni, Pronatec, Fies, C i ê n c i a s S e m F r o n t e i r a s e e n t i d a d e s filantrópicas.O texto base do Plano Nacional de Educação já havia sido aprovado no dia 22 de abril pela maioria esmagadora da Comissão Especial (20 votos a favor e 2 contrários. Após passar pela Comissão, o texto segue ao plenário da Câmara e, depois, vai à sanção presidencial. A retomada do processo de votação está marcada para o dia 6 de maio, a partir das 14h30.

O QUE É O PNE

O Plano Nacional de Educação – PNE (Projeto de Lei nº 8.035/2010) é um momento histórico para o Brasil, pois representa o esforço pela construção de uma nova escola e pelo enfrentamento dos desafios da Educação brasi leira. O PNE estabelece as novas bases escolares para o futuro do país e foi amplamente discutido pelos deputados, senadores, entidades representativas da Educação e sociedade civil. É, portanto, um instrumento pelo qual o país definirá o que quer da sua Educação nos próximos anos.

O projeto se baseia no entendimento de que só a Educação, o conhecimento e a inovação serão

capazes de transformar a realidade nacional e projetar o Brasil no rol de países desenvolvidos, para ampliação da cidadania, além dos processos de inclusão socioeconômica em curso. A aprovação do PNE resultará em diretrizes nacionais de educação, para todos os níveis de governo.

Ao todo, são 20 metas para os próximos 10 anos na área de Educação, com a elaboração de 253 estratégias que o Poder Público (União, estados e municípios) deve adotar para atingir cada uma das metas traçadas. Os principais objetivos com o cumprimento das metas são: erradicação do analfabetismo; universalização do acesso ao ensino básico; qualificação do ensino médio e profissionalizante; mais matrículas no ensino superior; mais vagas de 0 a 3 anos; valorização dos trabalhadores em educação (não só dos p ro fessores ) ; equ iparação sa la r ia l dos profissionais da educação; gestão democrática pública e a criação do custo-aluno-qualidade, para referência nacional.

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“A educação deve cumprir seu papel primordial, que é diminuir os preconceitos”.

“Só a educação, o conhecimento e a inovação serão capazes de projetar o Brasil no rol de países desenvolvidos”.

1. Estabelece que o investimento em educação pública deve ser no mínimo 7% do PIB no 5º ano de vigência da Lei e, no mínimo, 10% do PIB em dez anos. (Meta 20);

2. Ensino médio integrado, com formação média mais educação profissionalizante. (Meta 11);3. Alfabetização até o terceiro ano do ensino fundamental. (Meta 5);

4. Elevar as matrículas no ensino superior para 50% (cinquenta por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, com 40% das vagas em instituições públicas. Ou seja: criar 2,8 milhões de vagas no ensino superior em 10 anos, o equivalente a 280 mil por ano. (Meta 12); e,

5. Espec ificação das populações a lvo de discriminação no país. Assim, propõe o relator Angelo Vanhoni (PT-PR): “Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual e na erradicação de todas as formas de discriminação”.Redação do Senado: “Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e erradicação de todas as formas de discriminação”.

Principais pontos do PNE

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A educação em 20 metasTexto de Camilo Toscano extraído do blog do deputado Ângelo Vanhoni

- Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de quatro a cinco anos de idade, e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE.

- Situação atual: 2.064.653 matriculados

- Investimento: R$ 4,5 bilhões

- PIB: 0,12%

- PNE: 5,8 milhões matriculados

- Investimento: R$ 14,7 bilhões

- PIB: 0,3%

OBS: Custo-aluno-ano de R$ 3.569,36; 70% das matrículas públicas

- Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de quatro a cinco anos de idade, e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos até o final da vigência deste PNE.

- Situação atual: 4,7 milhões matriculados

- Investimento: R$ 10,5 bilhões

- PIB: 0,29%

- PNE: 5,8 milhões matriculados

- Investimento: R$ 13,5 bilhões

- PIB: 0,37%

A1 CRECHE (Educação de 0 a 3 anos)

PRÉ-ESCOLA(Educação de 4 a 5 anos)1

Números do PNE

O PNE nasce da CONAE (Conferência Nacional de Educação), realizada em 2010 e que contou com cerca de 500 mil participantes;

Há, hoje, 2,3 milhões de professores no país;

Foram apresentadas 3.915 emendas ao PNE na Câmara dos Deputados (em 2012);

Ao todo, são 9 destaques ao texto do relator na Comissão Especial (2014);

Foram realizadas 61 audiências públicas sobre o PNE;

20 metas para o futuro da Educação no país;

No mínimo 10% do PIB em investimento na Educação Pública em 10 anos (e 7% no mínimo em cinco anos);

Cerca de 100 entidades de Educação e da sociedade civil participaram dos debates.

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2 ENSINO FUNDAMENTAL

3 ENSINO MÉDIO

4 EDUCAÇÃO ESPECIAL

5 ALFABETIZAÇÃO

6 EDUCAÇÃO

EM TEMPO INTEGRAL

7 IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)

- Universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.

- Situação atual: 31 milhões matriculados

- Investimento: R$ 81,6 bilhões

- PIB: 2,22%

- PNE: 29,1 milhões matriculados

- Investimento: R$ R$ 72,1 bilhões

- PIB: 1,96%

OBS: Custo-aluno-ano de R$ 2.745,66; 90% de matrículas públicas

- Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento).

- Situação atual: 8,3 milhões matriculados

- Investimento: R$ 22 bilhões

- PIB: 0,6%

- PNE: 10,2 milhões matriculados

- Investimento: R$ 25,6 bilhões

- PIB: 0,7%

OBS: Custo-aluno-ano de R$ 2.793,83; 90% de matrículas públicas

- Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvo lv imento e a l tas hab i l idades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao a t e n d i m e n t o e d u c a c i o n a l e s p e c i a l i z a d o , preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.

- Situação atual: 700 mil matriculados

- Investimento: R$ 2,2 bilhões

- PIB: 0,06%

- PNE: 2,2 milhões matriculados

- Investimento: R$ 7,85 bilhões

- PIB: 0,21%

- Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental.

- Situação atual: 56% das crianças com até 8 anos alfabetizadas

- PNE: 100% das crianças alfabetizadas até o final do terceiro ano

-

Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica.

- Situação atual: 1,1 milhão matriculados

- Investimento: R$ 418 milhões

- PIB: 0,01%

- OBS: Custo-aluno-ano de R$ 370,00

PNE: 11,3 milhões matriculados

- Investimento: R$ 26,3 bilhões

- PIB: 0,72%

- OBS: Custo-aluno-ano de R$ 2.333,81

- Fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb:

- Situação atual: Anos/séries iniciais = 4,6. Anos/séries finais = 4,0

- PNE: Anos/séries iniciais = 6,0. Anos/Série finais = 5,5

- Ensino Médio = 5,2

OBS: Meta com progressão:

- IDEB (Médias):

Anos iniciais do ensino fundamental – 5,2 (2015); 5,5 (2017); 5,7 (2019); 6,0 (2021)

Anos finais do ensino Fundamental – 4,7 (2015); 5,0 (2017); 5,2 (2019); 5,5 (2021)

Ensino médio – 4,3 (2015); 4,7 (2017); 5,0 (2019); 5,2 (2021)

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8 EJA Combate à desigualdade

EJA Analfabetismo absoluto

EJA Analfabetismo funcional

10- Elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

- Situação atual: População mais vulnerável entre 18-24 anos com 7,3 anos de escolaridade média

- PNE: População mais vulnerável de 18-29 anos deve atingir 12 anos de escolaridade média

- OBS: Custos diluídos em outras metas

- Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional.

- Situação atual: 14 milhões de analfabetos

- Investimento: Sem informações

- PNE: Alfabetizar 14 milhões de jovens e adultos

- Investimento: R$ 3 bilhões

- PIB: 0,08%

OBS: Custo-aluno-ano de R$ 2.196,53; gasto de R$ 10% ao ano

- Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional.

- Situação atual: 14 milhões de analfabetos funcionais, sendo 900 mil matriculados

- Investimento: R$ 1,9 bilhões

- PIB: 0,05%

- PNE: Escolarizar 14 milhões de jovens e adultos

- Investimento: R$ 10,2 bilhões

- PIB: 0,28%

- OBS: Custo-aluno-ano de R$ 2.904,44; 80% matrículas públicas

- PIB: 0,21%

- Oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional.

- Situação atual: 52 mil matriculados

- Investimento: R$ 156 milhões

- PIB: 0,04%

- PNE: 850 mil matriculados

- Investimento: R$ 3 bilhões

- PIB: 0,08%

- Triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público.

- Situação atual: 1,1 milhão matriculados, sendo 600 mil públicas

- Investimento: R$ 2,2 bilhões

- PIB: 0,06%

- PNE: 3,4 milhões matriculados, sendo 1,7 milhões públicas

- Investimento: R$ 6,2 bilhõesPIB: 0,18%

OBS: Custo-aluno-ano de R$ 3.700

- Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público.

- Situação atual: 6,1 milhão matriculados, sendo 1,6 milhão públicas

- Investimento: R$ 24,8 bilhões

- PIB: 0,67%

- PNE: 12 milhões matriculados, sendo 41, milhões públicas (70% presencial e 30% Ensino à Distância)

- Investimento: R$ 49,6 bilhões

- PIB: 1,35%

OBS: Custo-aluno-ano de R$ 15.500 (presencial) e R$ 3.100 (EAD)

A9

B9

EJA Profissionalização

11

12

EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL

ENSINO SUPERIORAcesso

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14

FORMAÇÃOde Mestres e Doutores

FORMAÇÃO

DE PROFESSORESNível Superior

16

17 SALÁRIO DOCENTE

13 ENSINO SUPERIORTitulação Docente

14

15

FORMAÇÃO

DE PROFESSORESNível Pós-Graduação

PLANOS DE CARREIRA18

- Elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75% (setenta e cinco por cento), sendo, do total, no mínimo, 35% (trinta e cinco por cento) doutores.

- Situação atual: 63% dos docentes do ensino superior titulados, com 27% doutores

- PNE: 75% dos docentes do ensino superior titulados, com 35% doutores

OBS: Custos diluídos em outras metas

- Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores.

- Situação atual: 35,6 mil mestres e 11,3 mil doutores formados ao ano

- Investimento: R$ 1,7 bilhões

- PIB: 0,05%

- PNE: 60 mil mestres e 25 mil doutores formados ao ano

- Investimento: R$ 4,5 bilhões

- PIB: 0,12%

OBS: Custo-aluno-ano de R$ 15.500,00

- Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

- Situação atual: 60% dos professores de educação básica têm curso superior na sua área de atuação

- PNE: 100% dos professores com formação de nível superior na área de atuação

Obs: Investimento incluído na meta 12

- Formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos os(as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.

- Situação atual: 25% dos professores de educação básica têm pós-graduação

- PNE: 50% dos professores de educação básica com pós-graduação

- Investimento: R$ 1,7 bilhões

- PIB: 0,05%

OBS: Custo-professor de R$ 23.000,00 (cursos de 1,5 ano em média: Especialização, Mestrado Acadêmico ou Profissional)

- Valorizar os(as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE.

- Situação atual: O salário dos professores de educação básica é 60% menor do que dos demais profissionais com formação equivalente.

- PNE: Salário docente médio de R$ 2.795,00

- Investimento: R$ 34,9 bilhões

- PIB: 0,95%

OBS: Considerou 2,5 milhões de professores

- Assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de carreira para os(as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos(as) profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.

- Situação atual: 50% dos docentes da educação básica não têm plano de carreira

- PNE: 100% dos professores de educação básica com plano de carreira

OBS: Custos diluídos em outras metas

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2019 GESTÃO DEMOCRÁTICA

FINANCIAMENTO

DA EDUCAÇÃO

- Garantir, em leis específicas aprovadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a efetivação da gestão democrática na educação básica e superior pública, informada pela prevalência de decisões colegiadas nos órgãos dos sistemas de ensino e nas instituições de educação, e forma de acesso às funções de direção que conjuguem mérito e desempenho à participação das comunidades escolar e acadêmica, observada a autonomia federativa e das universidades.

- Situação atual: Não há regulamentação

- PNE: Prevê mecanismos para efetivação da gestão democrática

- Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.

- Situação atual: Estima-se que o investimento público em Educação seja de 4,94% do PIB

- PNE: Prevê ampliação do investimento público em Educação pública de no mínimo 10% do PIB até o final da vigência deste Plano.

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( )D I S T O P I A S

A ERA DAS

MOVIMENTOS UTÓPICOS

Desde o século XVIII, os movimentos políticos, sociais e econômicos deixaram de se orientar pela ideia de tradição, substituindo-a pela de um futuro diferente e melhor. Eles acreditavam que a história tinha um sentido, um objetivo, uma utopia: criar uma sociedade mais livre e mais igualitária. A busca da liberdade pautou o século XIX: liberdadedo indivíduo, política e econômica, representada pela Revolução Francesa. Depois, no século XX, veio o marxismo e a promessa do reino da igualdade, representada pela Revolução Russa. Foi também em nome da igualdade que se construiu o Estado do bem-estar, como uma alternativa ao socialismo. O planejamento era uma ideia inseparável dessa visão de mundo. Democratização, planificação, esse é o século XX. As pessoas acreditavam que o futuro estava destinado a isso. E orientavam-se politicamente em função da reconstrução do mundo. Mas essa orientação histórica rumo à liberdade e à igualdade, elaborada no Iluminismo, acabou no final do século XX.

A SUPREMACIA DO INDIVÍDUO

O movimento neoliberal – na verdade, um individualismo escrachado – começa em 1980, com as gestões de Ronald Reagan, na presidênciados Estados Unidos, e da primeira ministra da Inglaterra, a Sra. Margareth Thatcher. É a tríade desregulação, privatização e globalização. Thatcher resumia este pensamento com mais brilho do que o caubói americano. Para ela, a sociedade não existia, só as pessoas, os indivíduos. O Estado intervém, mas não para regular o mercado, senão para favorecê-lo. Pode ser que a queda do muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética estejam por trás da falta de utopias igualitárias. A União Soviética esfacelou-se sem guerra, o que era inacreditável. Certo mesmo é que a história deixou de iluminar o futuro para os economistas, os políticos, os ativistas. As vanguardas desapareceram. Com o esboroamento das utopias, esvaíram-se também as ideias de socialismo, do Estado de bem-estar e o planejamento econômico.

Maria da Conceição Tavares - Economista

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O mercado e o neoliberalismo são incompatíveis com a ideia de sociedade organizada e de Estado planejador. A palavra “plano” simplesmente entrouem desuso! No bolo da globalização, da desregulamentação do Estado, dos mercados, criou-se uma economia transnacional, sem fronteiras. Você opera com filiais em qualquer partedo mundo. Qualquer coisa que você compre hoje, as peças vêm não se sabe de onde. É difícil planejar assim. Parece que o modo de pensar a história como um movimento na direção da igualdade, teve seu período de esgotamento. É difícil hoje alguém acreditar na igualdade. Acredita-se, em países em desenvolvimento, na luta contraa desigualdade. Mas na construção de uma sociedade igualitária, não.

FUTURO AMORFO

Com a hegemonia neoliberal, os antigos receituários perderam seu sentido. Vemos a sociedade mexer-se, mas a forma superestruturalde fazer política parece não andar para lugar nenhum. Na Europa desenvolvida e nos Estados Unidos, o Estado de bem-estar foi para o diabo! A política econômica não vai a lugar nenhum. Acontecimentos que outrora teriam grandes implicações políticas deixaram de tê-lo. Pensem, por exemplo, na eleição de Barack Obama. Como se elege um negro nos Estados Unidos e não acontece nada? Era para ter acontecido, bem ou m a l , u m a m u d a n ç a d e p a r a d i g m a , d e comportamento social. A eleição de um negro na década de 1950 teria um impacto grande! Mas Obama não consegue vencer sequer a resistênciado Congresso. Não consegue fazer reforma nenhuma, nada! Como sou economista, tenho sempre o viés economicista, de olhar e ver alguns nós. Fico emputecida com o fato de a política norte-americana não andar para lugar nenhum. É para emputecer, não? Não se criou um novo Breton Wood, nada! Eles no final elegeram aquele “afro-americano” simpático apenas para proteger os bancos, os banqueiros? A capacidade normativa nacional e internacional é pífia. Já era para se estar discutindo pelo menos uma reforma monetária.

Com a fragilidade do dólar do jeito que está ninguém sabe o que fazer. Os únicos que não têm com que se chatear são os chineses. Eles estão engordando aquela reserva colossal que não serve para nada, só para acumular. Como eles colam no dólar, não têm problema. E quem diria que ser europeu se tornaria motivo de tristeza. Foram os mais avançados do século XX e, depois, caíram numa situação que combina pompa e malaise. Não vão a lugar algum. Isso tudo decorre de não existir ordem internacional nenhuma. Tem ordem imperial, mas internacional, não. Enfim, como a história não ilumina mais o futuro, na forma de umaideologia, as pessoas estão perdidas, não sabem como se guiar do ponto de vista político, econômico. E com isso a história parece que não se move. O futuro fica ilegível, amorfo.

TEMPOS FRATURADOS

O mundo reformista está mal, e o mundo revolucionário também. O que se vê, aí, são manifestações que misturam religião e guerra civil. Não é só no plano prático da política, é no plano ideológico mesmo. Nesse sentido, o pensamento social está muito atrasado, muito desmilinguido. Opensamento reformista sumiu. Agora, o que há é uma espécie de naturalismo. O mercado é o estado natural. As desigualdades são o estado natural da sociedade. Naturalizou-se uma concepção de vida social a respeito da qual se passou um século inteiro combatendo. Mais: ao contrário do século XX, que organizou as massas, os sindicatos poderosos, organizações in ternac ionais festejando o progresso, agora todos os interessesse fracionaram, se fragmentaram. O marxismo deixou de organizá-los.

Vejamos o último livro de Eric Hobsbawm, Tempos fraturados. Ele se dá conta de que fraturou mesmo. Neste sentido, o século XXI se parece com o século XIX. Este desarranjo da coisa mundial, global... No século XIX, a Inglaterra era o império. Agora, os Estados Unidos... Também há uma contradição muito grande: um bruto desenvolvimento tecnológico, uma globalização de mercado que supera o século XIX. Mas o individualismo burguês, bem ou mal, tinha uma face progressista.

“As vanguardas desapareceram.

Com o esboroamento das utopias,

esvaíram-se também as ideias

de socialismo, do Estado de

bem-estar e o planejamento

econômico”.

As pessoas estão perdidas, não

sabem como se guiar do ponto

de vista político, econômico. E com

isso a história parece que não

se move. O futuro fica ilegível,

amorfo

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O individualismo pequeno-burguês não tem face nenhuma! É uma coisa chata! É uma crise que se manifesta pela ausência, pelo vácuo e não sai daí. É um nó só. Ninguém sabe como desata!

A ASCENSÃO DA MALTA

O Brasil está conseguindo fazer políticas sociais avançadas. Nosso andamento é diferente dos demais. Nós fizemos o nosso Estado de bem-estar, formalmente, na Constituição de 1988. Tratava-se de uma construção política bonita a ser realizada. E hoje, a gente consegue, no governo do PT, fazer políticas sociais avançadas. Está diminuindo o número de miseráveis, com o consequente aumento da base da sociedade organizada. Estava tudo tão atrasado que dava para fazer. O salário mínimo multiplicou algumas vezes. As taxas de emprego nunca foram tão altas. A massa dos pobres está sumindo devagarinho. A ideia de uma malta ascendente, de que a desigualdade está diminuindo, é fato, todo mundo sabe. Não há como esconder. Foi deliberado. Embora a crise esteja grassando lá fora, no nosso caso ainda dá para ir levando. Na verdade, se o PIB é “pibinho” ou não, qual o problema? Vai ser 2%, 3% ou 4%? O problema é ter emprego. Para mim, os critérios clássicos são emprego, salário mínimo e ascensão social das bases.

E também é sempre importante olhar o investimento. Com isso, estou satisfeita. Poderíamos não ter nem isso. Coisa dramática é quando começa a aparecer desemprego, falências, quebradeiras. Aí, é crise. A redução da desigualdade é a única coisa que se pode dizer que o PT cumpriu. O resto...

AUSÊNCIA DE PLANEJAMENTO

Há muita dificuldade em tornar isso legível por meio, não digo de uma ideologia, mas de um plano, de um guia de ação. Parece que tudo se esvai no arroz com feijão. Dá para fazer política econômica duvidosa, mas não dá para fazer planejamento. A equipe de planejamento é muito fraca. E tem um problema que não sei como vai ser resolvido. Nas democracias emergentes, uma série de grupos de

interesse se encastela dentro do Estado. Então, tem Ibama, Feema, Funai. Todos legitimamente constituídos e seguindo à risca as leis vigentes, mas querendo ser proativos ao extremo. Aí tudo deságua no Ministério Público, na Controladoria Geral da União, no Tribunal de Contas. Tudo vai parando! Não tem projeto que aguente. E tem agentes privados que também se encastelam no próprio Estado, como o caso do BNDES. Se tiver uma centena de empresários que esteja promovendo é muito! De novo, fragmentação de interesses. Todos legítimos, mas fragmentados. Enfim, o social avançou, mas os nós da economia parecem que aumentaram. Por outro lado, a organização social de massas, os grandes sindicatos, também não vai bem. O que se vê das massas hoje é tudo no sentido inorgânico, é multidão. E os sindicatos estão meio aparvalhados. Quando não estão, fazem beicinho. Parece que é moda agora ter greve nas universidades todos os anos. Faz-se greve quando dá na telha! Greve no serviço público virou piada: não há mais greves do setor privado, só do público! Além disso, faz-se uma greve que mistura um monte de demandas que não têm nada a ver alhos com bugalhos. Aparece no meio da greve um movimento pelos botos, outro pelos índios, outro pelos gays. Não há mais uma paralisação voltada para uma única e objetiva demanda trabalhista. Não! Quando tinha e era por salários, você acabava negociando. Agora, não. Isso é uma deformação.

MANIFESTAÇÕES DE ARAQUE

Haja vista os nefastos episódios desses máscaras negras – os black blocs, esses garotos de merda –, a energia que fica é a da violência. Não sei até que ponto o povo propriamente dito precisa de utopia. Mas a classe média precisa. Não tendo, ela transforma sua mágoa em ódio. De fato, quem promove a violência não são os deserdados da terra, para quem as coisas melhoraram; são da classe média baixa. A energia só está se manifestando através da violência. Não tem energia utópica, só através da violência. Não tem utopia, só distopias. É só o aqui, agora; quero derrubar isto, derrubar aquilo. Não tem objetivo programático! É uma coisa esquisitíssima, enlouquecida: é fascistoide e anarquista ao mesmotempo. Essa coisa da fragmentação ou fratura, por um lado, e de violência nas manifestações, de outro, são muito desagradáveis. Aí, afeta tudo. Afeta os partidos políticos, afeta os sindicatos, afeta todas as organizações da sociedade que levaram tanto tempo para serem criadas. A violência é uma manifestação que me incomoda muito.

“Na verdade, se o PIB é “pibinho”

ou não, qual o problema?

O problema é ter emprego.

Os critérios clássicos são emprego,

salário mínimo e ascensão social

das bases”.

Page 20: Panorama 002

PANORAMABRASIL

19Nº 002

Eu estou aqui no Brasil há muitos anos e não me lembro de nada disso. Não tem ideologia e não tem pleito definido. Esses garotos de merda vão para o pau pedir o quê? Não somam nada: vai-se para o pau gratuitamente. Esta coisa de torcida de futebol está uma coisa infecta. Estes garotos das máscaras são repugnantes. Só têm irritação. A imprensa não diz nada, faz uma confusão. Está torcendo para que haja a morte de um menino desses; que um policial incauto dê uma porretada num garoto. Essas manifestações, que eram espasmódicas, agora acontecem toda hora. O ano vai ser difícil. O advento da Copa vai ser uma oportunidade enorme de ocupação das ruas. Vai ser filmado, vai aparecer no mundo. Não gosto nada disso. Está com cheiro ruim!

A ORFANDADE DA CLASSE MÉDIA

Há hoje um desconforto grande da classe média tradicional, deserdada pelo discurso do PT, que só trata de salário mínimo, desemprego, incorporação de pobre, aumento da renda do pobre... Há avanço social, mas ele não conta para essa classe média. É verdade que ela não tem sofrido de desemprego. Mas, vendo os pobres se aproximarem da sua condição, ela tem a impressão de que está estagnada, decadente, perdendo posição relativa.

No fundo, estava acostumada a ser elite, e, quando vê os pobres subindo e sendo valorizados com exclusividade pelo discurso do governo, ao mesmo tempo em que ela perde o peso decisório, começa a se achar enxovalhada. E, aí, a imprensa conservadora surfa. Ela não dá destaque a essas melhorias sociais. Publica quando não pode deixar de publicar, mas não dá destaque!

Então, essa classe média, que o PT chama de udenista, se junta com essa grande imprensa. Só que eles perdem a eleição de novo, o que só aumenta a sua irritação. É uma retórica que mistura preconceito, reacionarismo, incômodo com a manutenção de não ter alternância na marra, de postergação de seus interesses e de sua visão de mundo. Aí aparecem esses fascistinhas em manifestações. É um ambiente horrível para essa classe média, porque a sua impotência não encontra canais adequados para desaguar. Só se percebe o clima piorando, sufocante, fomentando a violência pipocante, combinada com a sensação de abulia, de que tudo que se fizer será inútil. Trata-se de um ambiente que nada produz de energizante. É verdade que nossa classe média está sempre reclamando. Não consegue ver nem as partes grandes, quanto dirá o todo. Mas também é verdade que está mesmo cada vez mais difícil de

viver, e nisso ela tem razão.

TRANSIÇÃO PARA O QUÊ?

Acho difícil saber para onde vamos. Não dá para dizer se o resultado do que está ocorrendo será positivo ou negativo, à luz do que se conheceu até aqui. O que ocorre hoje pode ser uma transição ou um apodrecimento. Transição não sei para quê,porque não há uma utopia prévia. Você podia falar em transição para o socialismo no século XVIII ou XIX porque estavam lá as manifestações e as utopias prévias. Mas, agora, a transição para o socialismo quer dizer o quê? Tudo bem, pode ser que seja um viés reformista da minha geração... Eu sou uma adolescente do século XX e me identifico muito com ele, a favor do que era bom, e contra o que era ruim. Por outro lado, não vejo causas que sirvam para agregar de forma propositiva tantos interesses fracionados. Ninguém sabe como reagir se não há conceito e pensamento, organizados a partir de uma utopia. Acho que esta sensação de impotência, de não se ver ninguém pensando diferente, deriva daí. Diga-me um autor relevante que não esteja pensando dessa maneira, prostrado pela falta de alternativas? Não há ousadia em nada, pelo menos do ponto de vista do pensar. Ninguém na academia está falando nada muito diferente. Por isso, não gosto de dar entrevista, não quero engrossar o coro de lamentação dos intelectuais. Pode ser que eu já esteja ultrapassada, que esteja velha. Mas é como eu estou vendo. De qualquer forma, esse ciclo vai passar. Torcemos para que ele não seja longo.

Page 21: Panorama 002

Não há partidos conservadores no Brasil”, lamentava-se recentemente a revista Veja num artigo intitulado “O incrível caso do país sem direita” (3 abr. 2011). Diante de um Partido dos Trabalhadores (PT) que tirou da pobreza 40 milhões de pessoas desde 2003, nenhuma das 27 formações oficiais ousa se identificar como sendo “de direita”. Mesmo os mais reacionários adotaram apelações com consonância progressista, como o Democratas. Em toda a América Latina, as formações conservadoras, dominantes ao longo dos anos 1990, conheceram uma travessia do deserto. Os resultados de diversas eleições de um ano eleitoral intenso levantam um questionamento: a direita latino-americana teria desaparecido?

Claro, ela conserva certos bastiões, como a Colômbia e o Panamá, dois países que, juntamente com o México, não parecem ter sido tocados pela “onda vermelha”.2 Mas, das sete eleições presidenciais de 2014, cinco provavelmente verão uma vitória da esquerda ou da centro-esquerda: em El Salvador, a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), surgida da guerrilha, ganhou em março; na Costa Rica, o Partido de Ação Cidadã chegou ao poder em abril; e, a menos que haja alguma surpresa, esse cenário deverá se repetir na Bolívia, no Uruguai e no Brasil em outubro.

O s n e o l i b e r a i s c o n t i n u a m s e n d o responsabilizados pela violência social das políticas de ajuste estrutural. Entre 1980 e 2004, o número de pessoas vivendo dentro dos limites de pobreza aumentou de 120 milhões para mais de 210 milhões: as populações não esquecem. Muitos dirigentes conservadores continuam sendo, inclusive, associados às ditaduras militares dos anos 1970 e 1980: no Chile, por exemplo, a candidata da direita às eleições presidenciais de dezembro de 2013, Evelyn Matthei, era filha de um general ligado a Augusto Pinochet. A erosão da influência econômica dos Estados Unidos fragiliza um pouco mais as formações tradicionalmente próximas de Washington, à imagem da criação de organizações de integração regional que excluem os Estados Unidos (como a União de Nações Sul-Americanas, Unasul).

PANORAMAINTERNACIONAL

Na América Latina, a direita procura inventar

um discurso socialHEGEMÔNICOS NA REGIÃO, PARTIDOS DE ESQUERDA

IMPUSERAM SUAS PRIORIDADES

A Colômbia elege no fim de maio um novo mandatário. Um candidato próximo ao ex-presidente Álvaro Uribe enfrentará

o atual chefe de Estado, Juan Manuel Santos. A ruptura entre os dois, antigos aliados,

reflete uma outra, maior, no seio da direita latino-americana que tateia

para tentar reverter o domínio regional.

*por Grace Livingstone para o Le Monde Diplomatique Brasil

Page 22: Panorama 002

CONSERVADORES ‘COLPEXADOS’

A principal dificuldade que encontram as forças políticas conservadoras se resume assim: como definir um projeto político mais sedutor que as políticas populares dos governos de esquerda? Do Brasil à Venezuela, do Equador à Bolívia, da Argentina à Nicarágua, estes últimos orientaram uma parte do crescimento econômico para importantes programas sociais.

Os partidos de direita tentaram então adaptar seu discurso, comprometendo-se inclusive, como o candidato principal da oposição brasileira, Aécio Neves, “a continuar e melhorar” as medidas em andamento. O dirigente da frente de oposição venezuelana que se apresenta como “moderada”, Henrique Capriles, esforça-se agora para parecer mais social do que os partidários de Hugo Chávez. Ele acusa, por exemplo, o sucessor do ex-p res iden te , N ico las Maduro , de te r se “emburguesado” e garante “encarnar as aspirações dos mais pobres”.3 Claro, os programas de Neves e Capriles propõem tornar os serviços públicos mais “eficientes” graças a privatizações; mas o tom permanece adocicado. Depois de resultados ruins nas eleições municipais de dezembro passado, a oposição venezuelana conheceu o aumento do poder dos dirigentes mais radicais, que tentam derrubar o presidente eleito pelas manifestações de rua ou utilizando métodos violentos – uma estratégia conhecida como “salida”.

O mundo dos negócios conseguiu por vezes encontrar um modus vivendi com os governos de esquerda, agravando ainda mais a situação de uma direita privada de seus mais importantes apoios e provocando uma ruptura entre as elites econômicas e políticas.

Na correria de sua tomada de posse do governo, Evo Morales, sindicalista indígena que se tornou presidente da Bolívia, teve de enfrentar uma revolta dos poderosos proprietários de terra que controlam as vastas plantações de soja e girassol nas planícies de Santa Cruz. Mas a oposição dos gigantes do agronegócio foi interrompida quando descobriram que, a despeito de uma retórica radical, o governo de Morales equilibrava seus orçamentos e oferecia reduções fiscais aos exportadores agrícolas. Além do mais, ele não realizou uma reforma agrária nas planícies orientais, contentando-se em expropriar as grandes fazendas improdutivas nas regiões do norte. Resultado: a direita boliviana parece estar à deriva e não espera conseguir mais do que um terço dos votos na eleição presidencial de outubro

de 2014.

Mesma situação no Peru, onde a promoção do extrativismo mineral e as políticas fiscais neoliberais do presidente Ollanta Humala encantaram a poderosa elite comercial vinculada à exploração do ouro, do cobre, do carvão e do minério de ferro.4 Também no Equador o economista de esquerda Rafael Correa, eleito em 2006, conseguiu conservar o apoio das classes médias garantindo a estabilidade política, o crescimento econômico e desenvolvendo as infraestruturas, assim como realizando políticas conservadoras em matéria orçamentária.

.

A política brasileira repousava antes sobre os caciques regionais que reinavam no topo de um sistema clientelista que controlava o setor privado local, a terra e as mídias. Mesmo que não tenham desaparecido de todo, o PT conseguiu conquistar alguns importantes bastiões no Norte e no Nordeste do país, antigamente dominados pela direita. E isso em grande parte graças a seus programas sociais. Mas a elite econômica brasileira não tem do que reclamar. Aumento do nível de vida geral, crescimento do consumo, consolidação de um mercado interno amplamente abastecido pelas empresas nacionais: ao longo dos anos 2000, 42 milhões de brasileiros abriram uma conta no banco pela primeira vez; 15 milhões descobr i ram a v iagem de av ião. Essas transformações não fragilizam em nada, no entanto, a estrutura social do país, que está entre as mais desiguais do mundo. A dependência do PT do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB, um partido que compreende poderosos membros do agronegócio) no Parlamento limita sua margem de manobra.

Diante do sucesso petista, Neves tem dificuldade em definir sua estratégia. Ele representa o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), uma formação identificada com a classe média, nascida de sua oposição à ditadura, mas rapidamente convertida ao neoliberalismo. A diferença principal entre o PT e o PSDB reside finalmente nas orientações de sua política externa. O PSDB denuncia a aliança estratégica com Caracas, assim como a escolha de constituir um bloco regional autônomo, principalmente por meio da Unasul.

PANORAMAINTERNACIONAL

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Diante do sucesso

petista, Aécio Neves

tem dificuldade em

definir sua estratégia

Page 23: Panorama 002

PANORAMAINTERNACIONAL

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Ainda que Dilma Rousseff (PT) figure na frente das pesquisas, a diminuição do crescimento e as manifestações de junho de 2013, que exigiam, entre outras coisas, a melhoria dos serviços públicos – e menos despesas ligadas à Copa do Mundo de Futebol e aos Jogos Olímpicos de 2016 –, podem favorecer Neves, o que deixa em evidência uma das fraquezas do modelo de esquerda latino-americano: ele repousa sobre um ganho de crescimento ligado à elevação do custo das matérias-primas, mais do que sobre uma diversificação econômica ou sobre reformas estruturais que possam ameaçar os poderosos.

Claro, essas experiências provaram que uma vontade política real permitia que as condições de vida da população fossem melhoradas: lição importante para uma Europa enfraquecida pela austeridade. Mas elas também mostraram os limites de uma estratégia submissa às flutuações mundiais do preço das matérias-primas.

O modelo que consiste em combinar economia liberal e programas sociais parece já estar perdendo fôlego no Chile. Imaginado pela Concertación, uma coalizão de centro-esquerda no poder de 1990 (início da transição democrática) a 2010, a receita não foi fundamentalmente modificada pelo presidente que saiu, o bilionário Sebastián Piñera. E ele ainda teve de enfrentar um duplo entrave: o dos estudantes, que denunciavam a privatização da educação, e o da “velha direita”, decepcionada com sua falta de audácia.

Ministro das Finanças do general Pinochet, Hernán Büchi reclamou da alta dos impostos, dos entraves aos investimentos “sob pretexto de proteção ao meio ambiente” e da manutenção “de proteções sociais para os trabalhadores que atentam contra a liberdade das pessoas”. Antes de concluir: “Nada nos obriga a nos comportarmos como uma direita complexada”.

PRAGMATISMO E FLEXIBILIDADE

Engajamento em favor da gratuidade da universidade (disposta inclusive a taxar as grandes empresas para financ iá- la ) , re forma da Constituição herdada da ditadura: o segundo mandato da socialista Michelle Bachelet, eleita em dezembro de 2013, promete ser mais à esquerda do que o primeiro (2006-2010). Depois dos magros resultados da direita nas últimas eleições – quando Evelyn Matthei obteve apenas 38% dos votos –, as duas principais formações de direita conheceram diversas deserções. Alguns evocam a formação de um novo partido, de centro-direita, em torno de Piñera. Mas as políticas de Bachelet poderiam também unir a direita, provocando ao mesmo tempo a ira dos nostálgicos de Pinochet e dos neoliberais.

Apresentam-se frequentemente o Chile e o Brasil como as faces “moderadas” da esquerda latino-americana, com o segundo desempenhando um papel geopolítico importante: ele reforçou as organizações regionais e orientou a geopolítica continental à esquerda, tendo como efeito colateral, no entanto, o fato de contribuir para a homogeneização de algumas tomadas de posição ao forçar para que se encontrem terrenos de entendimento no seio dessas estruturas. Olivier Dabène, professor da universidade francesa Sciences Po, ressaltava em 2012 que a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) era pilotada por uma troika constituída de três países: o que exerce a presidência, seu predecessor e seu sucessor – na época, a Venezuela de Chávez, o Chile de Piñera e Cuba de Raúl Castro. “Esse trio insólito não parece ter dificuldades particulares para funcionar”, felicitava-se Dabène. “Podemos ver aí a ilustração de certa capacidade, relativamente nova na América Latina, de privilegiar a busca do interesse geral para além das diferenças políticas. É o momento do pragmatismo e da flexibilidade, o que representa um progresso para o regionalismo na zona da América Latina e Caribe.”

“Uma das fraquezas dos governos de

esquerda é o modelo de crescimento

ligado à elevação do custo de matéria-prima".

“O Brasil reforçou as organizações

regionais e orientou a geopolítica

continental à esquerda".

Page 24: Panorama 002

Vindo de uma das famílias mais influentes da elite

colombiana, o presidente Juan Manuel Santos

entendeu direitinho: o rigor ideológico por vezes

entrava o comércio. Seus esforços para renovar as

relações com a Venezuela estimularam as trocas

entre os dois países. Sob o efeito das tomadas de

posição agressivas de seu predecessor, Álvaro

Uribe, essas trocas tinham diminuído de US$ 2,6

bilhões em 2008 para menos de US$ 800 milhões em

2010. Um prejuízo considerável para a burguesia

local.

Diferentemente de Uribe, engajado em uma ofensiva

militar contra a guerrilha das Forças Armadas

Revolucionárias da Colômbia (Farc), o tecnocrata

Santos seduziu os progressistas europeus ao se

pronunciar pela legalização das drogas. Apostando

que as reformas sociais enfraqueceriam o apoio

popular que beneficia a guerrilha, ele aprovou em

2011 uma lei que visava devolver as terras aos

camponeses deslocados e lançou negociações de

paz com as Farc. A tática suscitou a cólera dos

proprietários de terras – e de seus aliados

paramilitares –, opostos a qualquer forma de

redistribuição. Santos também reconheceu que a

posição pró-norte-americana de Uribe tinha ampliado

o isolamento de Bogotá e se esforçou para construir

pontes com a Ásia e com seus vizinhos mais

próximos. Ao lado do México, do Peru e do Chile, a

Colômbia lançou assim, em 2012, a Aliança do

Pacífico. Todos os quatro pretendiam dopar o

comércio transpacífico e criar uma zona de livre-troca

no coração de uma América Latina julgada

protecionista demais.

Quanto às questões socioculturais, elas ainda não

apresentam para a direita um modo de se distinguir

de forma eficaz. A união civil de casais homossexuais

– condenada pela Igreja e pelos setores mais

conservadores da sociedade – foi recentemente

aprovada nos países governados tanto pela

esquerda (Uruguai, Argentina e Brasil) como pela

direita (México e Colômbia). No Chile, Bachelet

apoiou o projeto de lei de Piñera, ao qual se opunham

os aliados da União Democrata Independente (UDI,

antes próxima de Pinochet).

Há um consenso amplo também sobre a questão dos

direitos das mulheres... mas em torno das posições

conservadoras. Correa recentemente ameaçou

deixar seu partido se seus deputados propusessem a

descriminalização da interrupção voluntária da

gravidez (IVG), que é proibida hoje em dia, salvo por

razões terapêuticas ou em caso de estupro de

mulheres com deficiência mental. O “sandinista”

Daniel Ortega defendeu a proibição total do aborto na

Nicarágua. Se excluirmos Cuba, México e Uruguai, a

América Latina limita severamente o direito ao IVG, e

os “progressistas” não manifestam nenhum sinal de

avanço nessa área: durante as eleições presidenciais

brasileiras de 2010, os dois principais candidatos,

Dilma Rousseff e José Serra, mesmo sendo

favoráveis a uma flexibilização da lei, pronunciaram-

se contra, por medo de perder o eleitorado católico.

Não seria possível dizer, a respeito de tal quadro, que

agora direita e esquerda se assemelham; longe

disso. A hegemonia relativa das questões sociais,

pela qual a esquerda trabalhou, impõe algum tato às

frentes de direita que desejem se aparentar como

renovação; mas nada indica que se trate de uma

revolução ideológica, e sim apenas de simples

acrobacias estratégicas. Além disso, como mostram

as numerosas tentativas de golpe de estado que

marcaram a história latino-americana recente – tanto

as bem-sucedidas, como em Honduras (2009) e no

Paraguai (2012), quanto as fracassadas, como na

Venezuela (2002), na Bolívia (2008) e no Equador

(2010) –, a “velha direita” autoritária não abandonou o

jogo.

No Uruguai, inaugura-se uma prisão por mês. É o que

os economistas chamam de um “plano de

desenvolvimento”. Transformam-se em prisão as

casernas, as delegacias de polícia, os barcos

abandonados, os velhos vagões das ferrovias e até

mesmo a casa de cada cidadão. Há mais prisioneiros

políticos do que prisioneiros de direito comum. O

Uruguai possui a maior proporção de prisioneiros

políticos do mundo, sem contar os prisioneiros de

fora, os que estão do outro lado das grades. Um

quarto da população, 1 milhão de pessoas, vive no

exílio; quase todos os que ficaram estão banidos

mesmo dentro das fronteiras.

PANORAMAINTERNACIONAL

23Nº 002

“Na Colômbia o tecnocrata Santos seduziu os progressistas

europeus ao se pronunciar pela legalização das drogas".

“Se excluirmos Cuba, México e Uruguai, a América Latina limita

severamente o direito ao IVG, e os “progressistas”

não manifestam nenhum sinal de avanço nessa área".

Page 25: Panorama 002

No dia 27 de junho de 1973, o país acordou com um

golpe de Estado. O Parlamento, os partidos políticos

e os sindicatos foram liquidados, assim como todo o

resto. Três meses depois, as eleições aconteceram

na universidade. Os candidatos da ditadura

obtiveram 2,5% dos votos. Em consequência, a

ditadura aprisionou praticamente todo mundo e

colocou na universidade os candidatos que tinham

obtido os 2,5% dos votos.

Esse golpe de Estado vem apenas completar uma

situação de fato. Na realidade, o Parlamento já não

existia: ele tinha se tornado aquilo que os médicos

chamam de “membro fantasma”, aquele que

“sentimos” ainda depois da amputação. Já no início

de 1973, o Uruguai produzia mais violência do que

carne ou lã: aprisionava, torturava, matava e exilava

os jovens.

As filas para obter um passaporte davam diversas

voltas; os barcos levantavam âncora cheios de

jovens que fugiam da prisão, da fossa comum ou da

fome. Já fazia muito tempo que o país vendia carne

humana para o estrangeiro; e o sistema tinha se

mostrado impotente para engendrar outra coisa além

de prisioneiros ou cadáveres, espiões ou policiais,

mendigos ou exilados.

O poder se militarizou. No começo para combater os

guerrilheiros. Depois, para enfrentar os estudantes,

os militantes operários, os políticos de esquerda, os

jornalistas da oposição. Depois, para combater

qualquer um.

A partir de junho, as coisas se tornaram mais claras.

Como em todo o Cone Sul, tomaram o poder aqueles

que assassinam as pessoas e os países. Único índice

em constante crescimento, as despesas alocadas na

repressão – Exército e polícia – atingiram 52% do

orçamento nacional. Todo o resto diminuiu desde

1960: o produto interno bruto per capita, a taxa de

escolaridade primária, o número de médicos por mil

habitantes, o consumo diário de proteínas, os

investimentos produtivos etc.

Segundo os dados oficiais, 12% da população ativa

do Uruguai está desempregada. E é preciso levar em

conta a enorme massa de jovens trabalhadores

que deixaram o país e o curioso método da direção de

estatísticas, que considera como tendo um emprego

qualquer pessoa que trabalhe mais de quatro horas

por mês. Ser jovem é um delito; pensar é um pecado;

comer é um milagre.

Um uruguaio em cada trinta tem por função vigiar,

perseguir e punir os outros. Para manter o emprego, é

indispensável possuir o cert ificado de “ fé

democrática” entregue pela polícia. Exige-se dos

estudantes que denunciem seus colegas, exortam-se

as crianças a denunciar seus professores.

As citações de José Artigas, herói nacional, sobre a

reforma agrária ou sobre a liberdade são proibidas

nas escolas (Artigas foi o autor da primeira reforma

agrária da América, um século antes de Emiliano

Zapata no México). Há algum tempo, uma criança

pediu a sua mãe que a levasse de volta para o

hospital porque ela queria “desnascer”. O gerente

disse para seu funcionário, que era seu amigo: “Tive

de denunciá-lo. Eles pediram listas. Era preciso dar

um nome. Perdoe-me, se você puder”. [...]

Os prisioneiros não têm o direito de ler a Bíblia nem

de estudar matérias subversivas (Filosofia, História,

Literatura, Ciências Sociais, Ciência Política).

Retiraram das livrariasVento vermelho, de Raymond

Chandler, e O vermelho e o negro, de Stendhal. Ao

longo das perseguições, livros sobre o cubismo foram

confiscados; motivo: propaganda castrista... [...]

Mais de 5 mil torturados. Nestes últimos anos, 40 mil

pessoas passaram pelas prisões e casernas. Os

números equivalentes para a França seriam de 100

mil torturados e 800 mil detidos.

(*) Grace Livingstone é autora de America's

backyard: the United States and Latin America

from the Monroe Doctrine to the war on terror

[Quintal da América: os Estados Unidos e a

América Latina da Doutrina Monroe à guerra ao

terror], Zed Books, Londres, 2009

PANORAMAINTERNACIONAL

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“No início de 1973 o Uruguai produzia

mais violência do que carne ou lã".

Page 26: Panorama 002

Os últimos meses tem sido marcados por fatos que têm surpreendido a todos. As manifestações vão desde o linchamento de supostos delinquentes pobres e negros, passando pela proliferação de saudações ao nazi-fascismo e, culminando com a intensificação de manifestações de ódio ao Partido dos Trabalhadores, seus líderes e militantes.

Várias são as explicações possíveis para a proliferação desses fenômenos. Neste breve texto buscaremos entender esta proliferação do ódio a partir de uma, mas não única, perspectiva, qual seja: a estratégia das elites dominantes para retomar o controle político do país.

É óbvio e natural que, sob uma perspectiva puramente pragmática, o projeto maior de cada agrupamento político é ampliar seu raio de atuação, conquistar cada vez mais representações nas prefeituras, assembleias, câmaras, senado e governos estaduais e federal. Sem dúvida o grande projeto de cada partido é o da conquista do governo federal, uma vez que é a partir deste que se dita as grandes linhas a partir das quais a nação se desenvolverá.

Ocorre que esses mesmos partidos políticos representam grupos de interesses, às vezes organizados em seu interior e na maioria dos casos fora deles, mas que de uma forma ou outra interferem nos rumos partidários ou diretamente nas decisões de governo. Quando contrariados, esses grupos

apelam para outras formas de intervenção, na maioria dos casos contando com a militância dos grandes veículos de comunicação que eles controlam através de polpudas verbas de publicidade, ou até mesmo com a subserviência de outros poderes. Na história recente do país, os exemplos mais contundentes de intervenção direta desses setores para reverter situações adversas a seus interesses, aconteceram nos governos de Getúlio Vargas e João Goulart.

As elites brasileiras, como é de sua índole, nunca perderam de vista ter sob seu controle os mecanismos de exercício do poder, em especial o do governo central. Agora não é diferente. Os três mandatos do PT no governo federal nunca foram suportado por elas. A cada eleição elas ressuscitam as mesmas campanhas difamatórias e os mesmos preconceitos com os quais esperam um dia apear o PT do governo.

Em 1989 o povo brasileiro manifestou um forte desejo de eleger Lula presidente. Apesar de Fernando Collor (candidato da elite) ter feito 28,5% dos votos no primeiro turno, e Lula ter obtido somente 16,08%, pode-se dizer que os votos do terceiro e quarto colocados, Brizola e Covas, respectivamente, também representavam este sentimento de mudança, uma vez que todos estavam ideologicamente posicionados do centro para a esquerda política.

25Nº 002

“Quando contrariadas,as elites apelam para

outras formas de intervenção”.

PANORAMAOPINIÃO

De onde vem tanto ódio?OPINIÃO

Wagner Wiliam da Silva e Luiz Fernando Esteche(*)

“A cada eleição as elites ressuscitam as mesmas campanhas difamatórias

e os mesmos preconceitos”.

Page 27: Panorama 002

Pois bem: já no primeiro turno a soma dos votos desses três candidatos foi de 42,31%, bem mais que os votos arrebanhados pela direita. Após a reeleição de 1998 o projeto que então se colocava diante do país passa a ser fortemente questionado, a ponto de o governo FHC chegar ao fim de seu segundo mandato com apenas 36% de aprovação.

No processo eleitoral de 2002, Lula venceu as eleições presidenciais contra um projeto desgastado e capitaneado por um candidato sem nenhum carisma. Pode-se dizer que o mandato do PT estava quase caindo de maduro.

Apesar da “Carta do Povo Brasileiro” e do c o n s e r v a d o r i s m o d o p r i m e i r o m a n d a t o , especialmente no tocante à gestão da economia, as elites perderam e sentiram na carne a perda do espaço que era seu no Planalto Central.

Sem em 2002 elas não tiveram forças para se contrapor ao projeto democrát ico popular representado por Lula e o PT, em 2006 a tentativa foi o que se convencionou chamar de “mensalão”. Fatos idênticos aos ocorridos nas eleições anteriores com o PSDB mineiro, mas que agora passariam a ganhar as primeiras páginas dos jornais todos os dias. Mais uma vez o papel desempenhado pela grande mídia foi central no processo, afinal ela própria faz parte desta elite alijada do mando nos palácios de Brasília.

A intensidade do ataque de 2006 foi insuficiente para impedir a reeleição de Lula e o projeto de retomada do governo teve que esperar as eleições de 2010. O sucesso do governo democrático e popular, que ao inverter as prioridades privilegiou a distribuição de renda como estratégia de desenvolvimento o que contribuiu para enfrentar a crise financeira mundial, não deu espaço para as elites viabilizarem uma candidatura com capacidade para vencer o PT e seus aliados. Os factóides de cunho moralista e conservador - bolinha de papel, o casamento gay e o aborto -, não conseguiram impedir a vitória de Dilma Rousseff, que por pouco não venceu no primeiro turno.

A partir da terceira derrota consecutiva, desta vez a ofensiva não esperou o período eleitoral para mostrar suas garras. Ao se dar conta da força do PT, a absoluta liderança do presidente Lula e a extrema capacidade de reação de uma militância apaixonada por um projeto de nação, as elites resolveram se antecipar. Para tanto, já nas eleições municipais de 2012 colocaram novamente na pauta a questão do “mensalão”. O país assistiu ao vivo o mais longo julgamento de sua história, através de um show midiático protagonizado especialmente pelo

presidente da principal corte do país que, de antemão, já havia condenado os réus através de um processo com exclusão de provas e outros vícios. Mesmo assim, o PT saiu das urnas como um dos principais vencedores das eleições municipais, apesar de toda a demonização que fizeram do partido.

Em 2013, quando acontecem as legít imas manifestações da juventude e de setores populares pela redução do valor das tarifas de ônibus, contra a co r rupção e ou t ras maze las , os se to res conservadores da sociedade, sempre auxiliados pelos grandes veículos de comunicação procuram tirar proveito. O paradoxo deste processo está em que as grandes pautas diziam respeito à ampliação das políticas públicas, bandeira histórica do PT transformada em programas e projetos em seus governos. Será que os jovens que participaram das manifestações sabem disso? Aqui cabe uma crítica ao partido e ao próprio governo que não conseguiu dialogar com esses setores – o mesmo ocorre com a realização da Copa do Mundo - deixando as comportas abertas para o jorro da insatisfação e do oportunismo da direita.

Passadas as manifestações a grande mídia continuou inflamando a população à revolta. Um ícone deste processo é a jornalista do SBT, Raquel Sheherazade, que passou a incitar a população a fazer justiça com as próprias mãos, o que faz multiplicar pelo país as tentativas de linchamento e toda ordem de barbárie. É este o ambiente político às vésperas de mais uma eleição presidencial, de governadores e de renovação das assembleias estaduais e do Congresso Nacional. Não podemos nos iludir. As elites, que aprenderam com as derrotas de 2002, 2006 e 2010, tentarão novamente chegar ao governo central e dos principais estados, utilizando as mesmas armas do ódio e do preconceito tentando destruir os programas sociais e econômicos conquistados durante os governos petistas.

Ao PT e seus aliados cumpre a tarefa de não baixar a guarda, de apostar na mobilização de seus militantes e das organizações populares, a fim de impedir que as intenções das elites se concretizem nas próximas eleições. A convocação de uma constituinte exclusiva para a realização de uma reforma política que implante no país um novo reordenamento partidário e eleitoral, deve ser uma de nossas principais causas de mobilização neste ano, deslocando o eixo do debate eleitoral. Caso contrário, corremos o risco de ver nossas bandeiras democráticas e populares empunhadas por mãos estranhas. E, como sabemos, uma das principais causas da derrota é a subestimação do adversário.

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“O PT não soubedialogar com osmanifestantes ”.

PANORAMAOPINIÃO

“O sucesso dos governosdo PT não deu margem

para as elites viabilizaremseus candidatos”.

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PANORAMACULTURA

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O sistema alimentar moderno transformou radicalmente a estrutura social, econômica, política e cultural das sociedades. Inspirada na lógica industrial, os objetivos estão centrados numa economia de baixo custo e grande escala, projetada com tecnologia e eficiência para oferecer “mais por menos” ao consumidor final. Essa equação se traduz em mais produtos na prateleira a um preço cada vez menor de produção, que beneficia exclusivamente os grandes fabricantes e redes varejistas multinacionais.

Em O Fim dos Alimentos (Editora Eevier, à venda na internet), o jornalista norte-americano Paul Roberts descortina o cenário da economia alimentar, com um panorama inédito que reúne subsídios para compreender sintomas que vão da obesidade ao declínio das refeições preparadas em casa. Nutrida por desigualdade e injustiça, esta economia reproduz um ciclo tendencioso e vicioso, em que a demanda do consumidor, seus desejos e interesses implacáveis são utilizados como justificativa para manter um modelo de produção, consumo e distribuição questionável.

A concorrência do setor varejista espreme ao máximo os lucros da cadeia produtiva para se manter no topo da preferência de seu cliente. Este cliente, por sua vez, parece também ter sido moldado geneticamente, culturalmente e

socialmente para absorver mais calorias em nome da conveniência e da falta de tempo que o próprio sistema o enreda. Quanto menos tempo se tem para cuidar da alimentação, mais as empresas alimentícias lucram com inovações que facilitam um estilo de vida em que o trabalho ocupa a maior parte do dia e cada vez exige mais, assim como a cadeia produtiva precisa ser cada vez mais eficiente.

Roberts indica um caminho em que gigantes como a Nestlé e o Mc Donald's mais parecem maquinar contra a humanidade, exaurindo suas forças, como se as pessoas e os recursos fossem infinitos, ou substituíveis infinitamente.

A industrialização da refeição começa no campo epistemológico ao conceituar alimento como mercadoria, sem considerar, como aponta o autor, que o alimento em si não é fundamentalmente um fenômeno econômico. “O produto subjacente – o que comemos – nunca na verdade se conformou aos rigores do modelo industrial moderno”. No entanto, a crise alimentar, ele alerta, é econômica.

Para ir além do alimento-mercadoriaPor Juliana Dias, editora do site Malagueta

Livro propõe alternativas a uma indústria alimentar que padronizou dietas, disseminou agrotóxicos e “aditivos”,

reduziu comida a consumo e não venceu a fome

“Quanto menos tempo se tem

para cuidar da alimentação,

mais as empresas alimentícias

lucram com inovações”.

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A partir desta constatação, podemos pensar nas outras dimensões em que essa crise atinge, como a perda do saber e fazer tradicionais. O jornalista sugere que as relações familiares, a identidade cultural e diversidade ética estavam intimamente relacionadas com o ato de preparar e consumir comida. Agora, esta função está a cargo de grandes corporações.

A indústria construiu uma reputação baseada na capacidade de produzir comida suficiente para abastecer a população com segurança. Com a análise de Roberts, observamos que esta relação de confiança é sustentada com altos investimentos em tecnologia, mas que não são suficientes para impedir práticas fraudulentas – como colocar carne de cavalo em lasanhas, hambúrgueres e kebabs no Reino Unido; e adicionar ureia no leite do Rio Grande do Sul, ambos acontecimentos do primeiro semestre de 2013. Para o autor, o mais grave é que apesar de toda eficiência e abundância, o sistema alimentar moderno não chegou nem perto de erradicar a fome. Roberts suspeita que “há algo de muito errado quando ninguém é produtor, quando ninguém é cozinheiro, e quando o mais próximo que se chega de produzir uma refeição é no buffet de restaurante a quilo”.

Outro fator apontado no livro é a resistência à mudança. Por isso, sua manutenção depende de investimento contínuo em produção. Por ser tão bem arranjado, uma mudança genuína deve partir de fora da lógica predominante. Caso contrário, as alternativas são incorporadas e reinventadas, como os alimentos orgânicos e os produtos saudáveis. Ademais, a propaganda de bom preço e qualidade esconde muitos dos verdadeiros custos. Os consumidores, peça-chave que roda essa engrenagem, demonstram pouca inclinação a prestar mais atenção ao que comem.

Roberts cita iniciativas em prol de um modelo alternativo, como levar a agricultura aos ambientes urbanos, comida de verdade nos refeitórios da escola e técnicas culinárias na sala de aula. No Brasil, a Lei de Alimentação Escolar (11.497) determina que a Educação Alimentar e Nutricional perpasse o currículo e o processo de ensino-

aprendizagem. Diante do panorama exposto, os educadores deveriam tomar parte na discussão sobre o sistema alimentar, considerando não apenas a saúde, mas a complexidade que esta economia engendra. Faz-se necessário uma nar ra t iva abrangente , in te rd isc ip l inar e transdisciplinar sobre o que se come, que pode se construída na base da educação, assim como a indústria busca novos consumidores desde o ventre materno. Nos três primeiros capítulos, o livro trata de três grandes mudanças na relação de produção, distribuição e consumo.

FOME DE PROGRESSO

Na visão do autor, o globalismo, ou o sistema alimentar internacional foi gerado sob a ideologia do livre-comércio. A fome transformou o alimento em mercadoria e desencadeou uma abundante produção de comida. Os Estados Unidos, berço desta superabundância, o congresso criou um vasto sistema de apoio a produção de alimentos. Segundo o economista de Havard Ray Goldberg, o sistema foi “o maior serviço de utilidade quase-pública do mundo”.

A padronização tornou-se um princípio norteador da produção. Em nome desse padrão de q u a l i d a d e , o a l i m e n t o é e s m i u ç a d o , descaracterizado e reconstituído. O agricultor moderno concentrou seus esforços em uma só cultura, como milho e soja, base para uma infinidade de produtos; ou espécie de gado.

É MUITO FÁCIL HOJE

A etapa seguinte da economia alimentar foi protagonizada pelos fabricantes de alimentos. O agronegócio resultou em menos gastos para os consumidores; e os produtos de conveniência resultaram em menos tempo gasto no preparo das refeições. A Nestlé é o principal exemplo de Roberts por ser a líder mundial da indústria alimentícia; e ser alvo de inúmeras polêmicas. Nas sociedades industrializadas, o tempo se converteu em uma valiosa mercadoria. Empresas como a suíça Nestlé passaram a atender, além da demanda de preço, a praticidade.

“Apesar de toda eficiência

e abundância, o sistema alimentar

moderno não chegou nem perto

de erradicar a fome”.

“Em nome desse padrão

de qualidade, o alimento

é esmiuçado, descaracterizado

e reconstituído”.

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A fabricação de alimentos se enfileirou na esteira do modelo fabril e automobilístico, com grande volume, padronização e variedade. Interessante destacar que o paladar é conservador.

O sistema de produção, distribuição, divulgação e consumo de alimentos ganhou terreno à medida que o comensal perdeu a capacidade de preparar e entender sua própria comida. Tem o mérito de instigar o apetite por novidades embaladas e com rótulos indecifráveis. As mudanças na forma de comer foram acolhidas ou consideradas como um mal necessário, pois permitiu o controle maior do tempo . Mas ao longo do p rocesso de industrialização do comer os consumidores se mostram cada vez mais dispostos a aceitar produtos sintéticos ou processados.

E para convencer o cliente desta “necessidade” a publicidade e o marketing são ostensivos. O autor informa que a indústria alimentícia americana gasta cerca de US$ 33 bilhões por ano, atrás apenas do setor automobilístico. Além da comunicação, o setor investe em analistas de diversas áreas como antropologia e psicologia. Até 2030, a previsão do tempo de cozinha ideal deve ficar entre 5 a 15 minutos. O futuro do alimento, adverte Roberts, é ser um acessório. O sucesso desse modelo se baseia no declínio contínuo da refeição à mesa como uma parte significativa da cultura.

COMPRE UM E LEVE OUTRO GRÁTIS

A terceira etapa da cadeia produtiva alimentar é ainda mais cruel e espreme produtores e fabricantes contra suas margens de lucro. Quem dá as cartas são as grandes redes varejistas com operações internacionais. Na liderança está o Wal-Mart, tão demonizado quanto a Monsanto, a Nestlé e o Mc Donald's. Os fornecedores escolhidos são obrigados a praticamente zerar o lucro para entregar produtos com qualidade, uniformidade e volume. Qualquer irregularidade, i s s o i n c l u i v e r d u r a s e l e g u m e s , o s alimentos/produtos são devolvidos e o fornecedor descredenciado.

“A cultura alimentar é definida pelo preço, com base no valor intrínseco e no tamanho da porção e num sistema de produção global tão enxuto e just in time que é ao mesmo tempo propenso a sofrer contratempos”, afirma o autor, se referindo a exigência de perfeição. Os processadores de carne foram as primeiras vítimas do grande aperto varejista. Daí para se obter frangos em 40 dias foi uma trajetórias de demandas baseadas em custo e eficiência.

Entretanto, os mercados mais promissores estão nos países emergentes e em desenvolvimento, que enfrentam desafios em termos de segurança alimentar, bem como de estrutura como ferrovias, depósitos e infraestrutura para distribuição de produtos. Até quando a pressão por preço vai nortear a produção, a distribuição e o consumo, quando estamos lidando com mercadorias forjadas a partir de recursos finitos, como o solo, a água, os animais?

“As mudanças na forma de comer

foram acolhidas ou consideradas

como um mal necessário”.

“As mudanças na forma de comer

foram acolhidas ou consideradas

como um mal necessário”.

O fim dos alimentos, de Paul Roberts. Editora Campus, 2008

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Há corações vendidos, e há comprados; uns amam, pouco, outros demais;há quem mate a chorar, vertendo lágrimas,

ou a sorrir, sem dor, sem ais.Todo homem mata o Amor; porém, nem sempre,

nem sempre as sortes são iguais.»

Apesar disso - escutem bem - todos os homens

matam a coisa amada;

Com galanteio alguns o fazem, enquanto outros

Com face amargurada;

Os covardes o fazem com um beijo,

Os bravos, com a espada!»

Balada do Cárcere de Reading

Oscar Wilde

Uns matam o Amor, velhos; outros, jovens; (quando o amor finda, ou o amor começa);matam-no alguns com a mão do Ouro, e alguns com a mão da Carne — a mão possessa!E os mais bondosos, esses apunhalam,- que a morte, assim, vem mais depressa.

No entanto,todo homem mata aquilo que adora,

Que cada um deles seja ouvido.

Alguns procedem com dureza no olhar,

Outros com uma palavra lisonjeira.

O covarde fá-lo com um beijo,

Enquanto o bravo o faz com a espada!

Uns matam o próprio amor quando ainda jovens,

Outros o fazem na velhice;

Uns estrangulam com as mãos da luxúria,

Outros com a mão de Ouro,

O que é bondoso faz uso do punhal,

Porque a morte assim vem mais depressa.

Uns amam pouco tempo,outros demais,

Uns vendem,outros compram; Alguns praticam a ação com muitas lágrimas

E outros sem um suspiro, sequer:

Pois todo o homem mata o objeto do seu amor

E, no entanto, nem todo homem é condenado à morte.

O escritor e poeta irlandês Oscar Wilde, foi um dos principais e mais populares escritores, poetas e dramaturgos de sua época. Autor de inúmeras obras de romance, novelas, contos infantis e peças teatrais, morreu aos 46 anos (1854 — 1900)