21
III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006. PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E AVALIAÇÃO DOS MODELOS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA. Mário Domingues Ferreira (UFF) - [email protected] Osvaldo Luiz Gonçalves Quelhas (UFF) - [email protected] RESUMO Este artigo tem como objetivo apresentar um panorama histórico, evolução e avaliação dos conceitos e modelos de governança corporativa nas organizações. Inicia com a abordagem nas discussões dos conceitos utilizados pelos principais pesquisadores do tema desde as primeiras formulações teóricas; em seguida aborda o histórico do assunto, citando alguns autores considerados importantes que desenvolveram as pesquisas e adotaram os primeiros conceitos sobre a GC. Aborda também os conceitos e evolução sobre governança corporativa no Brasil, objetivando situar o estágio de conhecimento do segmento empresarial brasileiro no contexto mundial. Adicionalmente, discutem-se os principais modelos de GC em diversos países, tais como EUA, Reino Unido, Japão, Alemanha e outros, estabelecendo-se comparações entre os diversos modelos adotados por esses países. Conclui-se que o tema é complexo, pois tem natureza multidisciplinar e encontra-se ainda em evolução e suas formulações ainda não apresentam consistência definitiva. Palavras-Chave: Governança Corporativa, Desenvolvimento Sustentável, Financiamento Empresarial. ABSTRACT The article aims to present the historical background, evolution and evaluation of the concepts and models of corporate governance within organizations. It starts with the discussion of the concepts used by the main researchers of the subject, since its early theoretical formulations. Then, the article exposes the historical background on the subject, quoting some important authors, who have researched and established the first concepts regarding CG. The article also exposes the concepts and evolution of corporate governance in Brazil, aiming to point out the current stage of the Brazilian business area’s knowledge in a worldwide context. Also, the article discusses the main models of CG in other countries, like USA, United Kingdom, Japan, Germany and others, comparing the various models adopted by these countries. The article concludes that the subject is rather complex, due to its interdisciplinary nature, is currently in evolution and its formulations are not in their definitive consistency yet.

PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E

AVALIAÇÃO DOS MODELOS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA.

Mário Domingues Ferreira (UFF) - [email protected]

Osvaldo Luiz Gonçalves Quelhas (UFF) - [email protected]

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar um panorama histórico, evolução e avaliação dos conceitos e

modelos de governança corporativa nas organizações. Inicia com a abordagem nas discussões dos

conceitos utilizados pelos principais pesquisadores do tema desde as primeiras formulações teóricas;

em seguida aborda o histórico do assunto, citando alguns autores considerados importantes que

desenvolveram as pesquisas e adotaram os primeiros conceitos sobre a GC. Aborda também os

conceitos e evolução sobre governança corporativa no Brasil, objetivando situar o estágio de

conhecimento do segmento empresarial brasileiro no contexto mundial. Adicionalmente, discutem-se

os principais modelos de GC em diversos países, tais como EUA, Reino Unido, Japão, Alemanha e

outros, estabelecendo-se comparações entre os diversos modelos adotados por esses países. Conclui-se

que o tema é complexo, pois tem natureza multidisciplinar e encontra-se ainda em evolução e suas

formulações ainda não apresentam consistência definitiva.

Palavras-Chave: Governança Corporativa, Desenvolvimento Sustentável, Financiamento

Empresarial.

ABSTRACT

The article aims to present the historical background, evolution and evaluation of the concepts and

models of corporate governance within organizations. It starts with the discussion of the concepts used

by the main researchers of the subject, since its early theoretical formulations. Then, the article

exposes the historical background on the subject, quoting some important authors, who have

researched and established the first concepts regarding CG. The article also exposes the concepts and

evolution of corporate governance in Brazil, aiming to point out the current stage of the Brazilian

business area’s knowledge in a worldwide context. Also, the article discusses the main models of CG

in other countries, like USA, United Kingdom, Japan, Germany and others, comparing the various

models adopted by these countries. The article concludes that the subject is rather complex, due to its

interdisciplinary nature, is currently in evolution and its formulations are not in their definitive

consistency yet.

Page 2: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

Key- Words: Corporate Governance, Sustainable Development, Business Finance.

1 INTRODUÇÃO

Um dos problemas mais complexos para o desenvolvimento sustentável de qualquer

organização refere-se à originação de recursos para o financiamento das suas atividades. Cantidiano e

Correa (2004) afirmam que a experiência do autofinanciamento, em muitos casos, mostra-se

inadequada e excessivamente onerosa e apontam isso como uma das razões para o fracasso da maioria

das empresas em curto espaço de tempo. Com tal motivação, no âmbito do financiamento empresarial,

foram formadas as sociedades de capitais, nas quais o empreendedor busca através de associações os

recursos necessários para o desenvolvimento sustentável do seu negócio.

Uma organização consegue utilizar-se de vários mecanismos para obter financiamentos visando

o aperfeiçoamento e/ou a expansão da atividade. Porém, somente as S.A. contam com alternativas

adicionais: a emissão de ações ou debêntures. As ações podem ser ordinárias ou preferenciais e as

debêntures podem ser simples ou conversíveis. Para Wonnacott e Crusius (2002), as sociedades

anônimas são classificadas como “abertas” se suas ações são admitidas à negociação em uma bolsa de

valores e, do contrário, são categorizadas como “fechadas”.

Segundo Malieni Jr. (2003), as sociedades anônimas de capital aberto têm proporcionado

alterações históricas no sistema de captação de recursos das empresas, que passaram a não depender

somente dos grandes investidores; elas podem agora, com a diluição da base societária, obter recursos

necessários à execução de seus projetos, dividirem de forma irrestrita o risco de suas atividades e

contar com os benefícios da uma gestão profissional.

Araújo e Sposito (2004) sustentam que no Brasil historicamente o mercado de capitais

desempenhou um papel secundário no atendimento às necessidades financeiras das empresas, já que

elas sempre foram atendidas por meio de seus próprios lucros retidos e por fontes de financiamento

governamentais. Entretanto, as enormes demandas sociais do país e a escassez de recursos financeiros

limitaram a capacidade do Estado para manter seu papel como um provedor de capitais. Essa

necessidade nos financiamentos foi ainda mais agravada pela abertura econômica do mercado

brasileiro na década de 90. As empresas passaram a enfrentar intensa concorrência internacional,

exigindo grandes aportes de capital para se modernizarem e enfrentarem as ameaças competitivas dos

novos entrantes. Essa demanda por capitais somente pôde ser atendida pelo crescimento e o

desenvolvimento do mercado de capitais local.

Daí a importância de haver no ambiente de competição global de hoje a presença de

agentes multilaterais, como a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento

Econômico (OCDE), que visam criar mecanismos de controle dos riscos de investimentos

Page 3: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

capazes de assegurar aos investidores o alinhamento entre os seus interesses e os dos demais

stakeholders, dentro dos princípios da governança corporativa. Isso confere a credibilidade

necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países.

2 GOVERNANÇA CORPORATIVA

Segundo Bornholdt (2005) a governança corporativa vem tomando espaço na literatura e na

mídia, especialmente pela atuação de alguns “ativistas” e dirigentes ligados aos fundos de pensão,

investidores institucionais e sócios minoritários das grandes empresas. Assim, o processo de

governança consiste em estudar formas de desenvolver critérios de convivência harmoniosa entre o

capital, a gestão e a sociedade na qual a empresa está inserida.

O sentido mais conhecido sobre o conceito de governança corporativa refere-se à relação entre

a empresa, os acionistas, os mecanismos e os princípios que governam o processo decisório da gestão,

principalmente em relação à proteção dos acionistas. Neste contexto, se destaca o “Relatório

Cadbury” de 1992. Nesse documento visualizava-se que os princípios de governança corporativa

centravam-se no processo de geração de valor para os acionistas – os shareholders. Porém, mais

recentemente, a governança corporativa passou a tratar também das relações com outros grupos que

sofrem impacto das decisões, como empregados, fornecedores, clientes e comunidade em geral – os

stakeholders (BORNHOLDT, 2005).

Carver e Oliver (2002) afirmam que governar e administrar uma empresa são atividades

diferentes. Para eles, a governança corporativa deve ser vista como algo externo ao fenômeno da

administração e interno ao fenômeno da propriedade. A governança opera num nível que transcende

as questões correntes e as tradições específicas da empresa e eleva as pessoas a um nível conceitual

superior, onde a responsabilidade pode ser vista com maior clareza. Segundo esses autores, governar

requer – e gera – uma paixão pela liderança, uma liderança não somente sobre os outros como

também em nome dos outros”.

Para Steinberg (2003), já existe consenso sobre o fato de que quanto maior o valor da empresa

mais facilmente se exerce a cidadania e o desenvolvimento dos stakeholders. Para esse autor, trata-se

de um engano imaginar que a prática de boa governança implica somente em acatar regulamentos.

A governança tem a ver também com qualidade de atitude e escala de valores no mais puro

sentido humano. Daí alguns considerarem que a governança deve alinhar o pensamento entre

acionistas, controladores e stakeholders. (STEINBERG, 2003, p.18).

Andrade e Rossetti (2004) entendem governança corporativa como sendo um constructo, isto é,

uma categoria que somente pode ser compreendida a partir do estudo de um conjunto de conceitos

Page 4: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

composto por variáveis de diversos campos do conhecimento, tais como economia, finanças,

contabilidade, teoria organizacional, direito, sociologia, ética, comunicação e teoria da informação.

Pelo exposto, pode-se depreender que o tema governança corporativa ainda é extremamente

complexo e de natureza multidisciplinar. Diante dessa multiplicidade de variáveis, optou-se por

selecionar as teorias e conceitos correntes que poderiam auxiliar a compreensão do fenômeno

estudado neste trabalho.

2.1 HISTÓRICO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Rechtman et al (2004) afirmam que a preocupação com a governança corporativa teve

seu início a partir das transformações tecnológicas e econômicas que levaram a substituição

da energia física pela mecânica e, conseqüentemente do trabalho braçal pela máquina e da

manufatura pela fábrica, ou melhor, pela Revolução Industrial do século XVIII.

Para esses autores, a partir da Revolução Industrial a economia passou a ter uma grande

influência na sociedade, pregando, especialmente, que não deve haver qualquer forma de

ingerência do Estado na economia. Como contraponto, surgiram os movimentos sindicais

com o objetivo de pressionarem os governantes a regulamentarem os direitos dos

trabalhadores. Isto fez consagrar o princípio segundo o qual, quando partes desiguais

contratam, a igualdade escraviza e a lei liberta. Assim, com esse prisma conceitual, a

governança corporativa pode ser entendida como um processo contínuo de mudança para

assegurar proteção a todos os envolvidos no mundo dos negócios.

Essa preocupação com a proteção a todos os stakeholders ganhou maior força por ocasião do

crack da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, época em que tanto a população norte-americana quanto o

governo pouco se preocupavam em fiscalizar ou compartilhar o poder das empresas listadas na Bolsa

de Valores. Os acionistas controladores tinham poder discricionário para interferir nas companhias

como se não existissem outros proprietários. Não havia maiores restrições à emissão pública de

valores mobiliários e, tampouco, respeito aos direitos mínimos dos trabalhadores.

Instituídas a partir de um plano com forte intervenção do governo na economia – o New Deal –

foram criadas as bases teóricas para o controle dos abusos dos controladores sobre os acionistas

minoritários, como a regulamentação do mercado de capitais e a instituição da Securities Exchange

Comission (SEC), agência reguladora independente de fiscalização desse mercado. O New Deal

proporcionou uma rápida recuperação da economia americana e preparou as bases para o grande salto

quali-quantitativo registrado após a Segunda Guerra Mundial. Foi nesse período que surgiram as

mega-corporações, especialmente em função da enorme pulverização de ações – a principal fonte de

financiamento da indústria americana.

Page 5: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

Segundo Silveira (2002), desde o New Deal a pulverização do controle acionário tornou-se uma

característica das empresas norte americanas, sendo muito raro, até os dias atuais, encontrar-se um

acionista com mais de 10% das ações de uma empresa listada entre as 500 maiores do país. Isto

significa que os acionistas possuem poucos incentivos ou capacidade para afetar as políticas

corporativas definidas pelos gestores, resultando em uma situação na quais os gestores são fortes e os

proprietários isoladamente são fracos.

Um outro grande marco no movimento em torno da governança corporativa naquele país

surgiu em meados da década de oitenta, como resposta a diversos casos de abuso de poder e

expropriação da riqueza dos acionistas por parte de executivos, que naquela época dominavam os

conselhos de administração. Esta resposta foi dada em grande parte pela atuação dos investidores

institucionais, principalmente os fundos de pensão, cujo ativismo tornou-se sinônimo do termo

governança corporativa (SILVEIRA, 2002).

De acordo com Andrade e Rossetti (2004), três momentos podem identificar o processo de

construção dos modernos pilares da governança corporativa: o ativismo pioneiro de Robert Monks; o

Relatório Cadbury e, os princípios da OCDE.

Robert Monks foi um ativista pioneiro que mudou o curso da governança corporativa nos

Estados Unidos. Ele focou sua atenção nos direitos dos acionistas, mobilizando-os para o exercício de

um papel mais atuante nas corporações, centralizando a atenção em dois valores fundamentais da boa

governança: fairness – senso de justiça – e compliance – conformidade legal, especialmente a

relacionada aos direitos dos acionistas minoritários. Foi esse ativista um dos pioneiros a evidenciar a

importância da boa governança para a prosperidade da sociedade (ANDRADE e ROSSETTI, 2004).

O Relatório Cadbury teve como foco outros dois importantes valores da boa governança: − accountability – prestação de contas de forma responsável; e, − disclosure – mais transparência – que tem como meta de análise os aspectos financeiros

e a análise dos papéis dos acionistas, dos conselhos, dos auditores e dos executivos.

A OCDE ampliou os valores e conceitos relacionados à governança, relacionando seus

aspectos com o processo de desenvolvimento econômico das nações. Os estudos elaborados pela

OCDE demonstraram que a adoção pelas corporações de práticas de gestão transparente atrai

investidores para o mercado de capitais, reduz custos de captação de recursos e alavanca o

desenvolvimento da economia. A partir da ampliação desses valores é que o conceito de governança

se amplia em termos de escopo, criando-se as condições para elaboração da Teoria dos Stakeholders

em contraposição com a Teoria dos Shareholders.

Conforme se verifica a formação desses quatro princípios – fairness, compliance, disclosure e

accountability – não se desenvolveu a partir de modelos teóricos, mas através de problemas

Page 6: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

concretamente identificáveis. “Suas proposições tiveram destino certo: o de influenciar os modos de

governança e fazer das corporações o epicentro de um novo processo de construção compartilhada da

prosperidade econômica” (ANDRADE e ROSSETTI, 2004, p. 58). Esses princípios da boa

governança difundiram-se em todo o mundo e cresceu de forma acelerada o número de países que

passou a adotar códigos de melhores práticas contemplando esses quatro valores.

O ativismo de investidores e as proposições de organismos com credibilidade internacional

resultaram em mudanças nas práticas de governança corporativa de boa parte das empresas

americanas e não americanas, durante a década de 90, ocasionando, por exemplo, o aumento da

proporção de membros independentes nos conselhos e o aumento dos casos de demissão de diretores

executivos por causa de mau desempenho.

Para Silveira (2002), atualmente quase todas as empresas americanas possuem maioria de

membros externos no conselho (não executivos), sendo que a maioria possui, inclusive, proporção

maior de membros independentes (conselheiros profissionais) nos conselhos. É importante ressaltar

que, embora tenha tido um papel fundamental, o CALPERS (Californian Public Employees

Retirement System) – o maior fundo de pensão dos Estados Unidos - não mudou sozinho o panorama

de governança corporativa naquele país.

Como forma de mostrar aos investidores o cumprimento de algumas práticas de governança

corporativa, as próprias empresas americanas começaram a elaborar suas diretrizes de governança

corporativa. Uma pesquisa realizada em 1994 pelo CALPERS com as 300 maiores companhias dos

EUA mostrou que mais da metade estava desenvolvendo, ou já havia desenvolvido, diretrizes de

governança corporativa.

Também na Grã Bretanha a pulverização do controle acionário é uma característica da grande

maioria das companhias abertas, sinal de identificação de ambos os países dentro do chamado modelo

anglo-saxão de governança corporativa. Para Carlsson (2001), uma série de escândalos nos mercados

corporativo e financeiro no final dos anos oitenta levou o governo e a Bolsa de Valores de Londres

(London Stock Exchange), apoiada por outros organismos, a formar um comitê destinado a revisar os

aspectos de governança corporativa relacionados às práticas de contabilidade e aos relatórios

financeiros. Este grupo de trabalho, denominado Comitê Cadbury, publicou em 1992 um relatório que

constituiu o marco inicial do movimento da governança corporativa britânico, intitulado The Financial

Aspects of Corporate Governance.

A crescente pressão dos investidores institucionais para a definição de regras sobre algumas

questões importantes não abordadas no relatório do Comitê Cadbury, principalmente aquelas

relacionadas à remuneração dos executivos e conselheiros, levou a formação de um grupo de trabalho

denominado Comitê Greenbury em 1995, cujas conclusões trouxeram importantes avanços na

Page 7: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

determinação de práticas de governança ligadas à remuneração dos administradores (SILVEIRA,

2002).

Em novembro de 1995, a Bolsa de Valores de Londres, em conjunto com diversas entidades,

formou outro grupo de trabalho destinado a elaborar altos padrões de governança corporativa. Este

grupo, denominado Comitê Hampel, tinha como objetivo revisar o relatório do Comitê Cadbury e

aproveitar os principais pontos do Comitê Greenbury. Além dos aspectos de responsabilidade e

remuneração dos gestores e conselheiros, analisados nos comitês anteriores, o Comitê Hampel

também discutiu a principal responsabilidade do conselho de administração, definindo-o como órgão

que deve promover o aumento da prosperidade das empresas no longo prazo. Em seu bojo, o Comitê

Hampel definiu governança corporativa com dupla perspectiva: de responsabilidade e de prosperidade

do negócio. O relatório do Comitê Hampel foi publicado em janeiro de 1998 e, após o reconhecimento

de sugestões da sociedade civil, foi alterado e lançado com título de Combined Code em julho de

1998. Este código de governança corporativa foi incorporado como uma das exigências da Bolsa de

Valores de Londres para listagem das companhias.

2.2 CONCEITOS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA

De acordo com Scherer (2003), o conceito de governança corporativa tem duas vertentes

importantes: a ortodoxa e a crítica. A definição ortodoxa deriva dos estudos de Berle e Means (1957),

que reflete a preocupação com o problema principal/agente, ou seja, na separação entre a propriedade

e a gestão, inerentes à grande empresa, conhecida como a Teoria da Agência.

Aqueles autores realizaram uma extensa pesquisa a partir dos anos 30 em inúmeras empresas

norte americanas e constataram que as organizações típicas do Século XIX eram dirigidas pelos seus

proprietários ou seus prepostos e, em essência, sua dimensão estava limitada ao patrimônio pessoal

dos indivíduos no controle.

Segundo Fontes Filho (2004), a Teoria da Agência tem como objeto lidar com os problemas

surgidos pela separação entre a propriedade e a gestão, os quais são ocasionados pela diferença de

motivação e objetivos entre os proprietários e gestores, assimetria de informações e preferências de

risco.

A partir do início do Século XX, com o crescimento da economia impulsionado pela revolução

do sistema fabril, as empresas se modificaram radicalmente e as sociedades por ações passaram a ter o

capital sob controle de poucas pessoas. O poder desses poucos agentes se amplia consideravelmente e

a situação dos proprietários e trabalhadores passa por profundas transformações. O resultado é que o

proprietário (acionista) que investiu na companhia entregou seu patrimônio aos que se encontravam no

comando da sociedade, modificando sua posição de proprietário independente para simples recebedor

Page 8: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

de dividendos (BERLE e MEANS, 1957).

Na análise da separação entre propriedade e controle, os autores historiam que as corporações

evoluíram para estruturas organizacionais mais complexas, em função de um novo sistema fabril, que

teve como efeito: (a) um número crescente de trabalhadores sob o comando de um coordenador; e, (b)

uma nova forma organizacional, de caráter quase público cuja propriedade é pulverizada entre

diversos acionistas, detentores de pequenas quantidades de títulos – as ações.

A segunda vertente, apresentada por Scherer (2003), de caráter crítico, cuida do processo social

que determina a alocação dos recursos e dos investimentos. Trata-se do exercício do poder no interior

da empresa que transborda, em suas conseqüências, para toda a sociedade, e esse poder se traduz na

forma, no objetivo, no prazo do investimento e na forma de repartição dos dividendos como parcela

dos lucros que serão distribuídos aos investidores e acionistas.

Rodrigues e Mendes (2004) abordam o assunto sob o mesmo enfoque econômico ao afirmarem

que existe certa dualidade de conceitos, e definem as práticas da governança societária e da

governança corporativa, a primeira como base estrutural da segunda. Para esses autores a governança

societária se fundamenta no estabelecimento dos vínculos necessários entre os donos de capital,

acionistas ou cotistas, no sentido de definir a estrutura e a organização da empresa, onde investir os

recursos, de modo a gerar resultados, apresentando crescimento e valorização dos capitais aplicados.

De acordo com Rodrigues e Mendes (2004) a governança societária exerce suas ações por meio

da assembléia geral. A convocação e instalação de uma assembléia geral devem obedecer,

concomitantemente, a legislação vigente e o estatuto social da empresa. A assembléia tem poderes

para decidir sobre todos os negócios relativos ao objeto da companhia, assim como resolver os

assuntos pertinentes à sua defesa e desenvolvimento.

Para Rechtman et al (2004), a governança corporativa remete ao governo da empresa, tratando

de estudar quem são os proprietários, como articulam o poder entre si e como ele é exercido

internamente. Sua abrangência não se restringe aos procedimentos contábeis ou a remuneração dos

gestores, ou seja, a governança corporativa envolve as relações entre os acionistas controladores,

acionistas minoritários, gestores, além de outros públicos influentes, como empregados, clientes,

fornecedores, mercado de capitais, financiadores em geral, órgãos reguladores e a própria sociedade.

Assim, é possível identificar quem são os seus principais atores: conselho de administração, conselho

fiscal, diretoria, acionistas e demais stakeholders.

Segundo o Relatório Cadbury (1992 apud Rodrigues, 2003), a governança corporativa é o

sistema pelos quais as companhias são dirigidas e controladas; porém um conceito mais abrangente foi

cunhado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2005):

Page 9: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

Governança corporativa compreende a estrutura de relacionamentos e correspondentes responsabilidades entre um grupo central formado pelos acionistas, membros do conselho de administração, e gestores designados para melhor promover o desempenho competitivo necessário para atingir os objetivos principais da corporação.

2.3 GOVERNANÇA CORPORATIVA NO MUNDO

Andrade e Rossetti (2004) realizaram extensa pesquisa sobre as diferenças entre os

modelos de governança corporativa existentes no mundo e concluíram que tais diferenças

fundamentam-se, basicamente, em quatro abordagens: (a) a primeira é focada na constituição

dos conselhos de administração e outros mecanismos internos de governança, dando ênfase às

formas como são conduzidos os conflitos de agência e a atenção dada aos direitos de outras

partes interessadas; (b) a segunda enfatiza a concentração da propriedade acionária e a proteção dos

acionistas minoritários, introduzindo um ranking de sistemas de governança dos países, segundo a

extensão da proteção aos minoritários, avaliada por um indicador de direitos anticontrolador; (c)a

terceira abordagem destaca os aspectos concernentes às fontes de financiamento, ressaltando as

diferenças entre os modelos market oriented e bank oriented, quanto às decorrentes composições dos

conselhos e objetivos corporativos; (d) e, finalmente, a quarta abordagem analisa as diferenças

atribuídas às forças de controle internas e externas e a eficiência delas na geração de sistemas de boas

governança.

O Quadro 1 a seguir sintetiza as principais diferenças segundo a referida abordagem e de

acordo com a região de origem. Está construído com base num conjunto de diferenças definidoras do

respectivo modelo considerando as práticas de governança corporativa nos Estados Unidos e

Inglaterra (Modelo anglo-saxão); na Alemanha (Modelo alemão); no Japão (Modelo japonês); na

Itália, França, Espanha e Portugal (Modelo latino-europeu); e, na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia,

México e Peru (Modelo latino-americano).

Quadro 1 - Síntese das principais diferenças entre os modelos de governança corporativa. Fonte: Adaptado de Andrade e Rossetti (2004).

Page 10: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

O modelo anglo-saxão se caracteriza pela pulverização e a separação da propriedade e da

gestão. Trata-se de um modelo fortemente orientado para o mercado e também por ele monitorado,

existindo outros mecanismos externos de orientação, como por exemplo, a estrutura regulatória de

proteção aos acionistas. O modelo fundamenta-se no Direito e um importante instrumento regulatório

é a lei Sarbanes Oxley nos Estados Unidos da América e o City Code na Grã Bretanha. Tem

claramente definido que o conselho de administração formaliza a política e a diretoria executiva cuida

da gestão, e um não interfere na área do outro (nose in; fingers out).

O modelo alemão tem como característica a origem do capital acionário que vem das

instituições bancárias. Os exigíveis de longo prazo são uma alternativa de alavancagem de negócios

mais praticada que a emissão ações para subscrição pública. Isto quer dizer que o modelo de

governança é predominantemente bank oriented.

O modelo japonês possui alguma semelhança com o modelo de governança corporativa

praticado na Alemanha, e sua maior semelhança está na importância dos bancos na estrutura de

capital, no monitoramento e no controle das corporações; com a prática do consenso no processo de

gestão; e com a consideração de múltiplos interesses. Um aspecto a ser considerado está na função do

conselho de administração, que se limita a observar e aconselhar as grandes decisões, acompanhando

os resultados corporativos, tendo como princípio a não intervenção.

O modelo latino-europeu é praticado pela França, Itália, Espanha e Portugal, e tem como

diferença relevante o fato de que a propriedade mantém-se concentrada, geralmente na forma de

controle por consórcios de acionistas, detentores de blocos de ações. Essa característica se reflete na

sobreposição entre a propriedade e gestão, pois a concentração acionária é importante fator de

definição da composição e funcionamento dos conselhos de administração. De acordo com Andrade e

Rossetti (2004), esse modelo não estimula o desenvolvimento do mercado de capitais, dentre outros

motivos por alijar os pequenos investidores.

Para esses autores, o modelo latino-americano tem como características importantes fatores

relacionados com o setor público e o setor privado. O desenvolvimento da economia foi promovido

pelo Estado, por meio da criação de um grande número de empresas estatais, muitas delas privatizadas

nas duas últimas duas décadas, sobretudo no Brasil. Uma outra característica está no elevado grau de

concentração patrimonial e, mesmo nas maiores sociedades de capital aberto, o controle se encontra

nas mãos de grupos familiares. Ainda, verifica-se o papel que os grupos financeiro-industriais

desempenham no desenvolvimento privado. Há um controle comum na operação dos negócios,

desenvolvendo um portfolio de negócios não necessariamente relacionados. Os resultados dos

negócios mais lucrativos sevem de “carro-chefe” para financiar novos empreendimentos carentes de

capital. Um relevante fator verificado nesse modelo é a sua falta de transparência das operações

Page 11: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

internas, sendo vista como o obstáculo ao acesso a alternativas de investimentos de mais baixo custo.

2.4 GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL

De acordo com Ventura (2003), como fruto do processo de abertura da economia, iniciado há

mais de uma década, o Brasil de hoje integra-se cada vez mais no mundo dos negócios globalizados e,

portanto, é nesse ambiente que a governança corporativa está tomando forma e florescendo nas

empresas brasileiras. Para o autor, o tema governança corporativa é antigo, embora as formas de

tratamento sejam recentes.

No Brasil as práticas de formação dos conselhos iniciaram principalmente pelas multinacionais

de origem norte-americana, como forma de seguir os princípios e modelo de gestão das matrizes

externas. Seus membros tinham como função assessorar o Chief Executive Officer (CEO), na maioria

das vezes um estrangeiro, no processo de ambientação cultural e social, além da aproximação com os

representantes das diversas esferas governamentais.

Entre as empresas brasileiras, segundo Costa (2003), a pioneira na abertura do capital e

lançamento de papéis foi a Deltec, fundada em 1946, sendo a primeira a sugerir que os seus

executivos participassem da diretoria de companhias cujas ações estivessem colocadas no mercado

por meio do sistema de distribuição, com o intuito de ter uma representação para defender o interesse

dos acionistas minoritários. Também foi da Deltec a idéia de tornar obrigatória a contratação de

auditores externos para análise das contas para as empresas que estavam aderindo ao mercado.

A partir de 1965, com a Lei de Mercado de Capitais, algumas empresas lançaram e

subscreveram emissões, visando obter os benefícios do Decreto-Lei 157, que previa abatimento no

Imposto de Renda para investimento em fundos de ações, e requisitaram assento para seus executivos

na diretoria das empresas ou em seu conselho. Em muitos casos foram criados conselhos consultivos

com a finalidade de contar com algumas personalidades do mundo dos negócios e também para

acomodar executivos do exterior, os quais pela legislação da época não podiam ter responsabilidade

administrativa (COSTA, 2003).

O relacionamento entre os acionistas majoritários e minoritários foi marcado pela pouca

importância dada pelos controladores ao status de sociedade de capital aberto. A maioria das aberturas

de capital foi em função dos incentivos criados sem que os detentores do controle tivessem

consciência das reais implicações de ser uma companhia aberta. Foram bastante raras as alterações nas

práticas e condutas, persistindo uma gestão pouco democrática nessas organizações, então com o seu

capital democratizado. Essa falta de cultura de sociedade aberta provocou frustrações nos acionistas

minoritários, pois não se obtinha um nível adequado de informações que proporcionasse algum tipo de

conforto em relação ao risco do investimento. Para Costa (2003, p. 36), não havia propriamente um

Page 12: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

conceito associativo, tampouco uma avaliação plena da implicação do que significava ter sócio.

Segundo esse autor, nesse período ocorreram muitas fraudes, fruto da aceleração do processo

de estímulos para a abertura de capital, ocorrendo, na prática, apenas a abertura conceitual. Muitas

delas simplesmente desapareceram sem deixar pistas. A representação em conselhos era considerada

uma deferência, e não um requisito. Outras empresas não se davam ao trabalho de elaborar relatórios

realmente informativos e tampouco definiam políticas de dividendos, o que acabou por motivar a

criação de uma lei que estabeleceu um dividendo mínimo de 25% sobre o lucro. Somente a partir dos

anos 70 os analistas passaram a organizar reuniões abertas para promover a discussão pública e

estimular a transparência no conteúdo das informações (disclosure). Nesse contexto, o período entre

1971 e 1975 o mercado de ações viveu uma grande crise, e a necessidade de recuperação da

credibilidade era improrrogável.

O início da segunda fase pode ser identificado com vigência da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.), que

introduziu a formação de conselhos de administração nas companhias. Porém, de acordo com Costa

(2003), a sua compulsoriedade não foi devidamente assimilada por significativa parcela das empresas,

na medida em que boa parte delas cumpriu somente as exigências legais, preenchendo os cargos do

conselho com pessoas bem relacionadas com a organização, tornando as reuniões de conselho em

“bate-papos” sem atender às preocupações e funções de um conselho realmente eficaz. Apenas uma

minoria efetivamente aderiu ao “espírito” da lei, preenchendo as vagas nos conselhos com

profissionais ou dirigentes de empresas não concorrentes, de forma que fosse possível aportar

experiência diferenciada para orientar a visão estratégica para o futuro da corporação.

Ainda segundo esse autor, foi a partir dos anos 90 que as empresas começaram a perceber que

não se justificava manter o status de capital aberto, com todo o custo e implicações, sem que

pudessem desfrutar do benefício de acessar o mercado e contar com recursos que lhes permitissem sua

capitalização. Foi uma longa trajetória até que uma parcela importante do empresariado percebesse

que a boa governança tem peso importante na avaliação da companhia, impactando fortemente no seu

valor de mercado, e que, quanto maior o valor de mercado, mais barato o custo do capital. Por outro

lado, ainda não foi nesse período que a figura dos acionistas controladores perdeu o poder, pois as

empresas lançaram no mercado as chamadas ações preferenciais, sem direito a voto.

Esses anos se caracterizaram como de maior militância institucional dos conselhos, pois se

percebe uma preocupação dos investidores institucionais, que passam a ter maior peso nos conselhos

das empresas privatizadas e companhias com papéis negociados em bolsa. Essa fase coincide com a

popularização do conceito de governança e o aparecimento do Instituto Brasileiro de Governança

Corporativa – IBGC, que desde a sua criação, em 1995, vem ocupando importante espaço na

disseminação desses pressupostos. Isso provocou, entre outras medidas, a recente sanção presidencial

Page 13: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

ao projeto de revisão da Lei das S.A., que passou a considerar de alta relevância a representação dos

acionistas minoritários nos conselhos das companhias. Nessa nova situação, em que se pugna por um

melhor relacionamento entre os majoritários e os minoritários, surgiram as associações de defesas dos

acionistas minoritários, que têm sido atuantes, especialmente quando ocorrem ofertas públicas para

aquisições de ações por parte dos controladores, buscando maximizar preços e condições de tais

ofertas (COSTA, 2003).

3 O NOVO CENÁRIO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Com relação ao futuro, Ventura (2003) advoga que a governança corporativa não contém as

características dos modismos passageiros do mundo contemporâneo, uma vez que, apesar de inúmeras

razões para o seu aparecimento de forma estruturada e a sua importância crescente, como a solução de

conflitos de interesse nas organizações, a separação da propriedade da gestão, o fenômeno inevitável

da globalização, ou mesmo a recuperação do poder dos acionistas, principais players do mundo dos

negócios frente ao poder dos executivos, a mais importante razão é que está ocorrendo uma mudança

nas relações econômicas no mundo e, especialmente na relação econômica empregatícia que vêm

perdendo importância frente à relação econômica de capital. Assim, para o autor, parece não haver

dúvidas de que a governança corporativa é o instrumento mais apropriado para tratar das relações

econômicas de capital.

De acordo com Andrade e Rossetti (2004), desde o início deste século um novo cenário

mundial vem se desenhando no âmbito da governança corporativa. Esse contexto pode ser

identificado por meio de quatro elementos: Adesão; Auto-regulação;”Sinais Vermelhos”e, Regulação.

A adesão mundial às práticas de boa governança, é identificada por dois indicadores: (a) a

definição de códigos nacionais por crescente número de países e, em vários deles na sua segunda ou

terceira revisão; (b) a criação de instituições civis independentes com objetivos sociais centrados no

desenvolvimento e na difusão das boas práticas (no Brasil foi criado o IBGC – Instituto Brasileiro de

Governança Corporativa, como já mencionado anteriormente).

Por sua vez, a crescente auto-regulação, evidenciada pela tendência do mundo corporativo,

inclusive as corporações de negócios e os investidores institucionais, estimula adotar efetivamente as

práticas sugeridas nos códigos nacionais.

Os “sinais vermelhos” referem-se as megafraudes e os escândalos corporativos nos dois mais

tradicionais espaços do mundo corporativo global, a América do Norte e a Europa, que abalaram a

confiança dos investidores no mercado de capitais. A reação contundente do congresso dos Estados

Unidos e o anúncio da Comissão da União Européia quanto à proposição de regras preventivas mais

duras, como respostas aos “sinais vermelhos” acesos no mercado.

Page 14: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

A regulação, como efeito do ativismo voluntário nos anos 90 e das proposições de instituições

multilaterais preocupadas com os macrodesdobramentos de corporações mal governadas. Dentre

todas as reações regulatórias a que apresentou maior amplitude foi a Lei Sarbanes-Oxley, aprovada em

julho de 2002 pelo Congresso dos Estados Unidos da América.

A lei Sarbanes-Oxley, de 2002, reescreveu, literalmente, as regras para a governança

corporativa. A nova legislação promove grandes alterações nos procedimentos e no controle de

administração das empresas, órgãos reguladores responsáveis pelo estabelecimento de normas,

comitês de auditoria e firmas de auditoria independente. Contudo, sob a infinidade de páginas da lei,

repleta de legalismos, reside uma premissa simples: a boa governança corporativa e as práticas éticas

do negócio não são mais requintes – são leis (ANDRADE e ROSSETTI, 2004, p. 85).

Essa lei promoveu uma ampla regulação da vida corporativa, fundamentada nas boas práticas

de governança. Seus focos são os quatro valores propostos pelo ativismo, quais sejam: Compliance;

Disclosure; Fairness e Accountability . As normas estabelecidas pela Lei Sarbanes Oxley podem ser

agrupadas segundo os referidos valores:

1. Compliance (conformidade legal): adoção pelas corporações de um código de ética para seus

principais executivos, que deverá conter formas de encaminhamento de questões relacionadas a

conflitos de interesse, divulgação de informações e cumprimento das leis e regulamentos; as

corporações que não adotarem a explicitação de condutas em um código de ética deverão explicar as

razões da não-adoção; uma cópia do código deverá ser entregue à SEC – Security Exchange

Commission e ter ampla divulgação.

2. Accountability (prestação de contas de forma responsável): o principal executivo e o diretor

financeiro, CEO e CFO, na divulgação dos relatórios periódicos previstos em lei, devem certificar-se

de que: (a) revisaram os relatórios e não existem falsas declarações ou emissões de fatos relevantes;

(b) as demonstrações financeiras revelam adequadamente a posição financeira, os resultados das

operações e os fluxos de caixa; (c) divulgaram aos auditores e ao comitê de auditoria todas as

deficiências significativas que eventualmente existam nos controles internos, bem como quaisquer

fraudes evidenciadas, ou mudanças significativas ocorridas após a sua avaliação; (d) têm

responsabilidade pelo estabelecimento de controles internos, pelos seus desenhos e processos e pela

avaliação e monitoramento de sua eficácia, e constituição de um comitê de auditoria, para acompanhar

a atuação dos auditores e dos números da companhia, atendendo às seguintes diretrizes: (a) presença

de pelo menos um especialista em finanças; (b) composto exclusivamente por membros

independentes do conselho de administração, não integrantes da direção executiva, que, além dos

valores que já recebem pela participação no conselho, não receberão quaisquer outros a título de

pagamento pelo aconselhamento ou consultoria prestada ao comitê; (c) responsável pela aprovação

Page 15: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

prévia dos serviços de auditoria; (d) divulgação, por relatórios periódicos, dos resultados de seus

trabalhos.

3. Disclosure (maior transparência): detentores de informações privilegiadas deverão seguir as

exigências da lei nos casos de mudanças em suas participações acionárias; redução de prazos para que

insiders comuniquem a SEC qualquer renegociação envolvendo valores mobiliários da companhia;

quaisquer informações complementares aos relatórios exigidos pela lei, relativas a condições

financeiras e operacionais da companhia, deverão ser divulgadas com rapidez; contingências não

incluídas no balanço patrimonial devem ser divulgadas; a SEC poderá expedir regras, exigindo a

divulgação em tempo real de quaisquer informações relevantes não contabilizadas off balance sheet

que impactam os negócios e os resultados corporativos.

4. Fairness (senso de justiça): a remuneração do executivo principal deverá ser aprovada pelo

conselho de administração; aprovação pelos acionistas dos planos de stock options; vedação de

empréstimos pessoais a diretores executivos. devolução de bônus e de lucros distribuídos no caso de

retificação de demonstrações financeiras em decorrência de descumprimento relevante das normas

estabelecidas pela SEC; vedação de quaisquer formas de anistia aos empréstimos antes concedidos e

não liquidados; restrições sobre negociação durante períodos de troca de administradores de fundos de

investimentos; definição de penas historicamente inusitadas para fraudes, com multas que podem

chegar a US$ 5 milhões e a prisão de até 20 anos. Entendendo-se por fraudes corporativas a alteração,

a destruição, a mutilação, a ocultação e falsificação de informações ou documentos, com a intenção de

impedir, obstruir ou influenciar o conhecimento e a análise do desempenho e da situação dos negócios

e da gestão.

Andrade e Rossetti (2004) acrescentam que os impactos da aplicação da Lei Sarbanes-Oxley

têm provocado mudanças na legislação de muitos outros países, definindo um novo cenário para a

governança corporativa global. Esses autores apresentam os seguintes novos elementos desse novo

cenário:

- ágio de governança: o pagamento de um valor premium pelas ações das companhias que

tenham um sistema de governança de alta qualidade e, na direção oposta, deságios de governança,

pelas ações onde seja percebida a falta de adesão às práticas de boa governança;

- a tendência é de extinção dos executivos-chefes nas grandes corporações. Os conselhos de

administração tendem a assumir o controle efetivo das corporações, especialmente na homologação

das estratégias de negócios, na avaliação da gestão e na cobrança de resultados que maximizem a

riqueza dos acionistas e atendam a interesses legítimos de outras partes interessadas;

- os códigos de ética das corporações deixam de ser peças de “ficção”, incorporando os valores

da boa governança, definindo-se como compromissos efetivos e respostas a exigências da lei;

Page 16: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

- redução de conflitos e de custos de agência, pela transparência e controle das remunerações e

benefícios auto-atribuídos pela alta administração. Em contrapartida, aumento dos custos transacionais

dos conselhos, da direção e dos auditores, resultante dos altos riscos assumidos pela gestão

corporativa. Estes custos são evidenciados pelos crescentes prêmios de seguro de responsabilidade

civil da alta administração. Não se descarta a hipótese de que os rigores da lei, as punições e a

execração pública de executivos nos casos de inconformidade legal possam desencorajar

administradores talentosos e assumirem posições que envolvam riscos elevados;

- processos formais de governança mais bem fundamentados, atendendo a amplo conjunto de

propósitos, tais como: o atendimento rigoroso de regras definidas por órgãos reguladores; a adesão a

requisitos exigidos para listagens diferenciadas nas bolsas de valores; o comprometimento com a

criação de valor e geração de riqueza para os acionistas; a atenção a direitos de minoritários e de outras

partes interessadas; a conformidade com guidelines da boa governança, especialmente a integridade, a

qualidade e a transparência das informações; e o bom posicionamento nas avaliações geradas pelas

agências de rating corporativo, tais como o Corporate Governance Quotient do ISS – Institutional

Shareholder Services, o GMI – Governance Metrics International e o European Corporate

Governance Rating.

4 A TEORIA DOS SHAREHOLDERS E A TEORIA DOS STAKEHOLDERS

Muito do que existe na literatura sobre governança corporativa baseia-se no princípio de que as

empresas pertencem aos acionistas e que, portanto, a sua gestão deve ser direcionada em benefício

destes. Nota-se uma prevalência, na bibliografia pesquisada, da visão descrita por Berle e Means

(1957), segundo a qual o problema nas grandes empresas era visto como o conflito entre os

administradores (gestores) e acionistas. Dentro desse paradigma, a boa governança resultaria da

adoção de mecanismos que conduziriam os gestores a proteger os interesses dos acionistas. Para

aqueles autores essa é, apenas, uma das categorias de conflito de agência, derivada de condições onde

prevalece a tipologia de capital pulverizado.

Existe uma outra categoria, que prevalece na maior parte dos países, onde a propriedade é

concentrada nas mãos de uns poucos acionistas, que pode levar à justaposição da propriedade e da

gestão. Nesse caso, então, o conflito de agência (proprietário/gestor) desloca-se para um outro tipo de

conflito, qual seja: o conflito entre majoritários e minoritários. Isto significa que não é mais o

proprietário que busca proteção contra o oportunismo do gestor, mas os acionistas minoritários que

vêem os seus direitos serem desrespeitados pelos acionistas majoritários (ANDRADE e ROSSETTI,

2004).

Page 17: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

Esse conflito de agência é o que ocorre com maior freqüência nos países em que a propriedade

é concentrada e o mercado de capitais é incipiente, com pequena expressão em relação às outras

formas de captação de capital. Segundo Andrade & Rossetti (2004) é assim na maior parte dos países

chamados emergentes, e na América Latina, como no Brasil, esta é uma das questões centrais da boa

governança.

De forma similar, Fontes Filho (2004) afirma que existem dois conjuntos de práticas que

podem ser considerados como paradigmas: o modelo shareholder, cujo foco é o interesse dos

acionistas; e o modelo stakeholder, que adota uma visão mais abrangente, enfatizando, por exemplo,

as responsabilidades sociais da corporação, colocando-a no centro da uma rede formal e informal de

relacionamentos com diversos atores. Esses dois modelos podem ser apresentados segundo a tipologia

dos conflitos de agência e, conforme abordagem de Andrade e Rossetti (2004) podem ser descritos

respectivamente como aquele que é centrado na redução das práticas conflituosas resultantes da

dispersão; e os centrados nos desvios de conduta que podem ser gerados pela concentração do capital

acionário.

Scherer (2003) acredita que o modelo shareholder redefine o objetivo da empresa, que passa a

ser a criação de valor para o acionista, consagrando a proeminência do aspecto financeiro sobre o

produtivo da empresa, que passa a ser avaliada – e a se comportar – como outro ativo financeiro

qualquer, por parte dos investidores. Dentro desse conceito, o objetivo maior da corporação é

maximizar a riqueza dos acionistas, e como critério para avaliar o desempenho utiliza o seu valor de

mercado, ou valor econômico.

Andrade e Rossetti (2004) acrescentam uma outra distinção entre esses dois modelos: a sua

abrangência. Eles vão dos menos para os mais abrangentes e suas duas características básicas levam

em conta, principalmente, os compromissos corporativos com múltiplas partes interessadas no

desempenho da empresa e nos desdobramentos internos e externos de suas ações. Os autores destacam

que as partes interessadas são: (a) público interno constituído por empregados e fundações de

assistência e seguridade; (b) público externo formado pelos credores, fornecedores, clientes e

consumidores; (c) entorno formado pela comunidade, sociedade, governo, e meio ambiente.

A distinção entre as corporações voltadas predominantemente para os interesses e direitos de

seus acionistas e as estratégias mais abertas, dispostas a considerarem os interesses internos e externos

é a base das duas conceituações clássicas de governança: shareholder e stakeholder. O Quadro 2

elenca as principais diferenças entre esses dois modelos.

Page 18: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

ESTRUTURAS DIMENSÕES DIFERENCIADORASOrigem anglo-saxônica.Objetivos mais estritamente vinculados aos interesses dos acionistas: valor, riqueza e retorno.Indicadores de desempenho centrados em demonstrações patrimoniais e financeirasCrescimento, riscos e retornos corporativos: avaliações e aferições como focos de governança.Origem nipo-germânica.Conjunto ampliado de interesses: geração abrangente de valor.Leque mais aberto de públicos-alvo: integrados na estratégia corporativa.Amplo conjunto de indicadores de desempenhoAlém dos resultados patrimoniais e financeiros (que se mantém essenciais), olhos voltados também para sustentabilidade e função social.Geração de balanços ambiental e social.

SHAREHOLDER

STAKEHOLDER

Quadro 2 – Dimensões diferenciadoras dos modelos de governança corporativa. Fonte: Andrade e Rossetti (2004).

Considerando a abrangência dos interesses abarcados pelas práticas de governança, Andrade e

Rossetti (2004) entendem que os dois modelos podem ser desdobrados em quatro categorias, a saber: − Shareholder limitado: centrado em interesses restritos; − Shareholder estendido: voltado para interesses internos ampliados; − Stakeholder restrito: aberto a partes interessadas diretamente envolvidas nas cadeias de

negócios, como credores, fornecedores e consumidores; e, − Stakeholder avançado: aberto a objetivos que conciliam maximização dos resultados expressos

nos balanços econômicos financeiros, com bons balanços ambientais e sociais.

Ainda que o contexto mais discutido em estudos sobre governança corporativa seja aquele

definido pelas relações entre proprietários, conselheiros e gestores, suas externalidades impactam um

conjunto muito maior de atores subjacentes. Para Rechtman et al (2004), esse conjunto de interessados

pode ser representado pela Figura 1:

Figura 1 – Dimensões da governança corporativa Fonte: Rechtman, et al (2004)

Entre os compromissos de longo alcance das corporações, Andrade e Rossetti (2004) destacam

dois, referentes a questões sociais e ambientais: 1. atenção para os efeitos globais dos negócios e do crescimento exponencial de suas escalas e não apenas para os impactos pontuais nos locais onde eles se realizam; e 2. visão transgeracional, com ampla extensão do horizonte estratégico, conciliando a produção para a satisfação dos mercados atuais com os direitos das futuras gerações às provisões necessárias a padrões de vida melhores que os atualmente vigentes.

Gestores, Empregados & Sociedade

Investidores

Governo &

Mercado

Page 19: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

5 CONCLUSÕES

Nos últimos anos, o Brasil assistiu a um grande número de reformas de governança corporativa

abrangentes e de longo alcance e a outras iniciativas. Em outubro de 2001, a reforma da Lei das

Sociedades por Ações foi finalmente aprovada, após superar considerável oposição no Congresso. A

reforma fortalece os direitos de acionistas minoritários e aperfeiçoa os padrões de divulgação de

documentos, com leis mais específicas sobre direitos de venda conjunta, fechamento de capital, ações

sem direito a voto, eleição de membros do conselho de administração por acionistas minoritários e

procedimentos privados de arbitragem.

Simultaneamente, houve uma reforma da Lei da Comissão de Valores Mobiliários, que deu à

CVM maior independência funcional e financeira. Subseqüentemente, durante os anos de 2002 e

2003, a CVM emitiu várias normas complementando essas reformas legais. Em julho de 2002, a

entidade publicou suas Recomendações sobre Governança Corporativa.

Em 2001, a BOVESPA (Bolsa de Valores de São Paulo) lançou três novos segmentos de

mercado – os chamados Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa Especiais e o denominado Novo

Mercado. Cada um desses segmentos requer regras progressivamente mais severas de governança

corporativa. Em termos bastante básicos: o Nível 1 requer ampla divulgação; o Nível 2 requer ampla

divulgação e fortalecimento dos direitos de acionistas, inclusive submissão de controvérsias a um

Painel de Arbitragem do Mercado; e o Novo Mercado requer ampla divulgação, fortalecimento dos

direitos de acionistas, submissão de controvérsias a um Painel de Arbitragem do Mercado e ausência

de ações sem direito a voto.

Em 2004 o IBGC lançou a terceira edição de seu Código de Melhores Práticas, ampliado e

revisto. Muitas entidades, empresas e fundos de pensão já lançaram seus próprios códigos de

governança corporativa. Os mais referenciados pelo mercado, além do da CVM, são o da Natura, o da

PREVI (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) e o da PETROS (Fundo de

Pensão dos Funcionários da Petrobrás).

A partir de junho de 2003, novas normas do BNDES (o banco de desenvolvimento brasileiro)

foram propostas, ligando as operações de empréstimos a padrões elevados de governança corporativa

e oferecendo melhores prazos de financiamentos a empresas que atendam a vários padrões objetivos

de boa governança.

Na visão de Andrade e Rossetti (2004), há firmes evidências de que o Brasil caminha para o

aperfeiçoamento simultâneo do mercado de capitais e da governança corporativa. Um novo ciclo está

se iniciando e o mercado de ações já tem pago prêmios a empresas bem governadas que recentemente

promoveram a abertura do seu capital e a oferta pública de suas ações.

Nas ponderações finais de “Os desafios propostos pela governança corporativa ao Direito

Page 20: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

Empresarial Brasileiro – ensaio de uma reflexão crítica e comparada”, Silva Junior (2005, p.193), aduz

que: Fica a sensação, após reflexões sobre alguns pontos específicos da governança corporativa que se seleciona para estimular o debate, de que muito pouco acaba sendo tratado, dada a abrangência e a já complexidade do assunto. Fato é que ao menos se espera poder contribuir com o início de um debate que deverá estender-se por muito tempo, em vista das constantes modificações das regras de governança, que por razões ontológicas necessitam se adaptar rapidamente ao contexto econômico. Daí a ponderação de que – a limitação é sempre da capacidade do autor, não da criatividade humana.

Fica compreendido que o que se propõe acrescentar com o presente ensaio aos estudos de

governança corporativa, por mais alcance que se queira emprestar à pesquisa, representa muito pouco

em comparação com as imensas lacunas que hoje já se vê abertas nessa área do conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, A; ROSSETTI, J.P.; Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e

tendências. São Paulo: Atlas, 2004.

BERLE JR.,A.A.;MEANS,G.C. A propriedade privada na economia moderna 6. Rio de Janeiro:

Ipanema, 1957.

BORNHOLDT, W. Governança na empresa familiar. Porto Alegre: Bookman, 2005.

CANTIDIANO, L.L; CORREA, R. Governança corporativa: empresas transparentes na sociedade

de capitais. São Paulo: Lazuli, 2004. Revista Razão Contábil.

CARLSSON, R.; Ownership and value creation: Strategic corporate governance in the new

economy. New York: John Wiley & Sons, 2001.

CARVER, J.; OLVER, C. Conselhos de administração que geram valor. São Paulo: Pensamento-

Cultrix, 2002.

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM. Recomendações da CVM sobre

Governança Corporativa. Versão Junho 2002. Disponível em: <www.cvm.gov.br>. Acesso em 08

novembro 2005.

COSTA, C.S. Empresas, responsabilidade corporativa e investimento social: uma abordagem

introdutória. Brasília: BNDES – Disponível em www.bndes.gov.br. Acesso em novembro de 2005.

FONTES FILHO, J. R. Estudo de validade de generalizações práticas de governança corporativa

ao ambiente de fundos de pensão: uma análise segundo as teorias da agência e institucional. Tese de

doutorado da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas

– FGV, 2004.

KOONTZ, H. Funciones e tareas del consejo de administración. Bilbao: Deusto, 1971.

Page 21: PANORAMA HISTÓRICO, EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS E ... · necessária para a uma integração global dos mercados e para o desenvolvimento dos países. ... sociologia, ética, comunicação

III CNEG – Niterói, RJ, Brasil, 17, 18 e 19 de agosto de 2006.

______. Principios de dirección de empresa: un análisis de las funciones directivas. New York: Mc

Graw Hill, 1961.

KORN e FERRY INTERNATIONAL. Panorama da governança corporativa no brasil. São

Paulo: 26 outubro 2001. Disponível em: <www.kornferry.com.br>. Acesso em 29 maio 2005.

MALIENI JÚNIOR, W. Práticas de governança corporativa e geração de valor aos acionistas.

São Paulo, Dissertação de mestrado em administração da Universidade Presbiteriana Mackenzie,

2003.

RECHTMAN, M.; FONTES FILHO, J.R.; GAMMINO, F. Governança corporativa aplicada ao

contexto empresarial brasileiro. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2004.

RODRIGUES, A.T. Governança corporativa: quanto a transparência passa a ser uma exigência

global. In: IX Convenção de Contabilidade do Rio Grande do Sul. Gramado, 13-15 agosto 2003.

RODRIGUES, J.A.; MENDES, G.M. Governança corporativa: estratégia para geração de valor.

Rio de Janeiro: Qualitymark, 2004.

SCHERER, A.L.F. O modelo norte-americano de governança corporativa: gênese, instrumentos e

conseqüências. Porto Alegre: Ensaios FEE Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel

Heuser, p.295-572, 2003.

SILVA JUNIOR, N.L. Os desafios propostos pela governança corporativa ao direito empresarial

brasileiro – ensaio de uma reflexão crítica e comparada. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

SILVEIRA, A.M. Governança corporativa, desempenho e valor da empresa no Brasil. São

Paulo: Dissertação de Mestrado da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade da

Universidade de São Paulo – USP, 2002.

STEINBERG, H; A dimensão humana da governança corporativa: pessoas criam as melhores e

piores práticas. São Paulo: Gente, 2003.

THE “EQUATOR PRINCIPLES”. An industry approach for financial institutions in determining,

assessing and managing environmental & social risk in project financing. Disponível em

<www.equator-principles.com/principles>. Acesso em: 28 novembro 2005.

VENTURA, L. C.;Governança corporativa: a experiência brasileira. (palestra) corporate

governance in an international marketplace. Center for International Legal Studies – Salzburg –

Áustria, 2003.

WONNACOTT, P.; CRUSIUS Y. R. Economia. São Paulo, Mc Graw Hill, 2002.