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Capítulo 1

A proposta deste trabalho é o comentário de um acórdão sobre um dos

temas propostos pela Escola Paulista de Direito, apontando seus pontos positivos e

negativos, com a possibilidade de confrontá-lo com outras decisões, de forma

indireta, e com a doutrina, sendo interessante a citação dos Enunciados aprovados

nas Jornadas de Direito Civil. Apesar do acórdão escolhido para comentário

versar sobre um conflito de competência, em que é suscitante o Juízo de Direito de

Paraíba do Sul, Estado do Rio de Janeiro e suscitado o Juízo de Direito da 3ª Vara

de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, Estado de Goiás, em seu bojo, porém,

houve a constatação da Síndrome da Alienação Parental, o que serviu de esteio

para fundamentar o referido acórdão (p.9 e 10).

Primeiramente, é importante conhecer a origem do termo Síndrome da Alienação

Parental (SAP). O termo foi criado pelo Professor do Departamento de Psiquiatria

Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de Columbia, Nova York, EUA,

Richard A. Gardner, em meados da década de 80. A SAP foi por ele definida como "

(...) um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de

disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha

denegritória contra um dos dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e

que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um

genitor (o que faz a 'lavagem cerebral', programação, doutrinação) e contribuições

da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou negligência

parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser

justificada, e assim a explicação de Síndrome da Alienação Parental para a

hostilidade da criança não é aplicável".1

1 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Síndrome da Alienação Parental. In DIAS, Maria Berenice. Direito das Famílias. Contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. 1ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.537.

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Giselda Hironaka e Gustavo Mônaco apontam que "por

'melhor interesse da criança', no entanto, não deve ser pensado apenas um

simplório interesse egoístico desse ser que ainda se encontra em estágio formativo.

O interesse da criança é o 'interesse mediato', é aquele interesse em ter sua

personalidade resguardada e bem formada; e não, ao contrário, o interesse

imediato, que possa ter se forjado - ou que possa ter sido forjado - em seu âmago,

dirigindo-se aleatoriamente nesta ou naquela direção. Pode-se afirmar, assim, que o

que se visa satisfazer é o desejo da criança enquanto sujeito de direitos, e não a

mera satisfação dos objetos de desejo dessa mesma criança. (...) Nesse sentido, o

interesse da criança pode ser visto como um desejo da sociedade de que a criança

seja bem formada. Configura-se, assim, como algo indestrutível e, por isso,

insuscetível de satisfação. Nunca será plenamente alcançado, mas permanecerá

sempre ali, norteando os atores sociais encarregados de sua aplicação". 2

Nos casos em que ocorre a SAP, percebe-se que as

crianças apresentam sintomas característicos, dentre os quais, salientam-se a

necessidade de denigrir o genitor alienado; ausência do "pensar independente";

apoio incondicional ao genitor alienante

2 Op. cit., pp. 540 e 541.

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Eduardo Ponte Brandão, no artigo Por uma ética e política da

convivência: um breve exame da Síndrome da Alienação Parental à luz da

genealogia de Foucault entende que " (...) podemos supor que a chamada síndrome

da alienação parental (SAP) corresponde a uma forma de contra-poder em face dos

'novos direitos' da infância. Ora, não é surpreendente que a 'descoberta' da SAP

coincide com o aumento das demandas de homens - demitidos do antigo poder

patriarcal - por direito de convivência dos filhos e, logo, com a consolidação jurídica

da guarda compartilhada?". 3

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5. .6

3 BRANDÃO, Eduardo Ponte. Por uma ética e política de convivência: um breve exame da "Síndrome da Alienação Parental" à luz da genealogia de Foucault. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=555. Acesso em 02/12/2009.4 GOMES, Orlando. Direito de Família. 14a ed. rev., atual. e ampl. por Humberto Theodoro Junior. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.56.5 PEREIRA, Caio Mário Pereira. Instituições de Direito Civil. Vol. V . Direito de Família. 16a ed. rev., atual. e ampl. por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 53.6 Op.Cit., p.06.

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.8

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Paulo Lins e Silva - síndrome da alienação parental e a

aplicação da convenção de Haia. VI Congresso Brasileiro de Direito de Família - nov

de 2007 - BH.

egócios contratuais. As duas principais objeções à sua natureza contratual,

a da indissolubilidade do vínculo e a da impossibilidade de regulá-lo por modo diverso da sua

disciplina legal, não a destroem. [...] Trata-se, porém, de contrato de feição especial, a que não se

aplicam as disposições legais dos negócios de direito patrimonial que dizem respeito: a) à capacidade

dos contraentes; b) aos vícios de consentimento; c) aos efeitos. Aplicam-se à relação matrimonial, no

entanto, as regras de interpretação dos contratos de direito privado.

A doutrina francesa anticontratualista inclina-se para a teoria da instituição, ao explicar a natureza do casamento, porque o estado matrimonial se define num estatuto imperativo preorganizado, ao qual aderem os que se casam. O ato de adesão, embora voluntário, não se confunde com o contrato, pois é a aceitação inevitável de m estatuto tal como se apresenta, sem liberdade para adotar regras diversas. A doutrina mais recente, tende a ver no casamento um contrato de natureza híbrida: contrato, na formação; instituição, no conteúdo. 10

Sílvio Rodrigues11 conseguiu condensar ainda mais esse

conceito, traduzindo-o como “um contrato de direito de família”. Venosa conclui, em

7 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. O Novo Direito de Família. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.86.8 Idem, p.88.9 Op. Cit.,p.6010 Idem, ibidem.11 Op. Cit. - p. 19

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síntese que: “o casamento-ato é um negócio jurídico; o casamento estado é uma

instituição.” 12

Caio Mário, citando opiniões mistas, conclui o assunto com

uma citação de Trabucchi:

Não é destoante desta distinção (que considera o “casamento-fonte” e o “casamento-estado”), a que considera o casamento de um lado como ato jurídico (“matrimonium in fieri”) e de outro como relação jurídica (“matrimonium in facto”) - o primeiro tendo em vista a celebração, e o segundo como relação de vida. Ou, dizendo-o de outra maneira, mas com o mesmo sentido, se a celebração requer o concurso dos nubentes, o casamento em si mesmo é, mais que um contrato, um “status” ou um relacionamento cujos direitos e obrigações são fixados pela lei, em vez de sê-lo pelas partes. 13

Por ser o casamento o centro de onde irradiam todas as normas

básicas do Direito de Família, dele nascem as relações entre os cônjuges e,

conseqüentemente, pode advir a separação.

1.2 SOCIEDADE CONJUGAL E VÍNCULO MATRIMONIAL

Inicialmente, é imprescindível deixar claro que, antes da

aprovação da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977 (que instituiu o

divórcio no Brasil), o casamento era indissolúvel. Posteriormente, em 26 de

dezembro de 1977, a Lei 6.515 regulamentou o novo instituto, e tornou-se possível

tanto a dissolução da sociedade conjugal quanto do casamento, com a revogação

dos arts. 315 a 328 do Código Civil de 1916.

12 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.26.13 TRABUCCHI. Instituzioni, nº 107; CLARK, George L. Summary of American Law. Vol. I, p.140; GOODRICH, Herbert F. Handbook of Laws, p. 348. Apud, PEREIRA, Caio Mário. Op.cit., p.59.

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Maria Helena as diferenças entre a sociedade conjugal e o

casamento:

O casamento é, sem dúvida, um instituto mais amplo que a sociedade conjugal, por regular a vida dos consortes, suas relações e suas obrigações recíprocas, tanto morais quanto as materiais, e seus deveres para com a família e a prole. A sociedade conjugal, embora contida no matrimônio, é um instituto jurídico menor do que o casamento, regendo, apenas, o regime matrimonial de bens dos cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes ou de cada um deles. Daí não se poder confundir o vínculo matrimonial com a sociedade conjugal. 14

A Lei nº 6.515/77, que regulamentou o divórcio, foi um grande

marco na alteração de dispositivos que cuidam da dissolução do casamento.

Antes de entrarmos no mérito da separação, propriamente dita,

há que se distinguir que o casamento promove a formação de duas situações

distintas para o casal: a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial.

A sociedade conjugal, advinda do casamento “ato-jurídico”,

dissolve-se com a morte de um dos cônjuges, pelo divórcio, pela anulação ou

nulidade do casamento ou pela separação. Vários efeitos do casamento passam a

não mais existir e outros têm alteração em seu conteúdo. É o que se depreende da

interpretação do art. 1.576 do CC/02: “A separação judicial põe termo aos deveres

de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.”

Importante lembrar que o fim da sociedade conjugal não

importa na dissolução do vínculo matrimonial. O vínculo traz, em sua essência,

reminiscência religiosa. Nessa ordem de idéias, a religião elevava o casamento à

categoria de sacramento e, daí, à indissolubilidade. Pontes de Miranda, em

comentário à definição de casamento de Clóvis Beviláqua, pontua:

Como no direito canônico, no Brasil o casamento fora, antes da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, indissolúvel, mas era o casamento que era indissolúvel; não eram nem são indissolúveis os seus efeitos. A indissolubilidade dele nada tinha com os

14 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 5. Direito de Família. 23ª ed, rev, ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 247 - 248.

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deveres e direitos que dele decorriam. Só o vínculo é que se não dissolvia.15

Portanto, se um casal se desquitasse, antes da vigência da Lei

do Divórcio, mantinham-se seus deveres para com os filhos, seus direitos

patrimoniais (e eventuais alimentos): eles somente não poderiam contrair novas

núpcias.

Hoje, o vínculo matrimonial só poderá ser dissolvido pela morte

de um dos cônjuges ou pelo divórcio, acrescentando-se a presunção de ausente

estabelecida no CC/2002. A anulação e nulidade do casamento também dissolvem o

vínculo matrimonial, quando da declaração da invalidade. A separação não dissolve,

em qualquer situação, o vínculo matrimonial, ou seja, a separação não dá o direito a

qualquer dos cônjuges de contrair novas núpcias.

1.3 FORMAS DE DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

A sociedade conjugal, que é o fato da vida em comum no

domicílio conjugal, segundo Pontes de Miranda16, termina:

a) pela morte de um dos cônjuges;

b) pelo divórcio;

c) pela invalidade do casamento: inexistência; nulidade e anulabilidade;

d) pela separação.

1.3.1 Da Morte de um dos Cônjuges

Com a morte de um dos cônjuges, cessa a sociedade e rompe-

se o vínculo matrimonial. Em conseqüência disso, cessa o impedimento para

convolar novas núpcias.

15 Op.Cit., p.90. A definição de Clóvis Beviláqua: “O casamento é contrato bilateral e solene pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e a educar a prole que de ambos nascer.” (In: Direito de Família. 6ª ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1938, p. 20.16 Op.Cit., p.403.

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Para ambos os cônjuges, entretanto, há uma causa

suspensiva, elencada no art. 1.523, I, do CC/02:

Art. 1.523. Não devem casar:I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros.

A finalidade desta norma é evitar a confusão patrimonial que

possa prejudicar os herdeiros do cônjuge falecido. Nesse sentido, Nelson Nery e

Rosa Maria:

Os bens confiados à administração do pai ou da mãe, pertencentes aos filhos, não podem se misturar com os bens do novo casal. Por isso a recomendação legal visa a evitar a confusão patrimonial. O comando legal fica reforçado pelo mecanismo de garantia de hipoteca legal (CC, 1.489, II), pelo qual sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de se fazer o inventário do casal anterior, pende hipoteca legal. 17

Para a cônjuge virago, agora viúva, há restrição temporal,

prevista no art. 1.523, II:

Art. 1.523. Não devem casar:(...)II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até 10 (dez) meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal.

A razão para esse impedimento é porque se presume do

marido o filho nascido nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade

conjugal por morte, separação judicial, nulidade ou anulação do casamento (CC,

1597,II). "Exames que comprovem a inocorrência de gravidez podem dispensar a

incidência de causa de suspensão", 18complementam Nelson e Rosa Maria Nery.

Para o cônjuge varão, agora viúvo, não há qualquer prazo legal

para casar-se novamente.

17 NERY, Nelson Jr e Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.867.18 Idem, ibidem.

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Insta salientar que, na vigência do Código Civil de 1916, não se

admitia o desimpedimento do cônjuge do ausente para convolar novas núpcias,

mesmo que a ausência se estendesse por 30 anos, por exemplo, e houvesse danos

irreparáveis a esse cônjuge. Tal entendimento tinha total comunhão com o sistema

então vigente, que era contrário ao divórcio e, portanto, não tinha qualquer solução

para uma situação como essa.

Hoje, há dispositivo legal, na CF/88 (art. 226, § 6º), que

possibilita o divórcio direto, após dois anos de separação. Com isso, o cônjuge do

ausente, após dois anos de seu desaparecimento, pode requerer e obter o divórcio,

desde que prove esse fato, estando autorizado a casar-se novamente, se assim o

quiser.

1.3.2 Do Divórcio

O Código Civil de 2002 inovou ao inserir o divórcio no Livro do

Direito de Família. Com isso, tudo aquilo que disser respeito ao direito material da

separação e do divórcio, passou a ser normatizado pelo Código Civil, e não mais

pela Lei nº 6.515/77, cabendo a esta, dispor apenas sobre a natureza processual

dos institutos.

Outra inovação inserida no Código Civil de 2002 foi a

presunção de morte, estabelecida para o cônjuge ausente (art. 1.571, § 1º). A morte

presumida (arts. 6º e 7º, do CC) e a declaração de ausência (arts. 22 a 39, do CC)

dissolvem o casamento, e preenchem, agora, uma lacuna existente nas leis

anteriores.

Maria Berenice Dias comenta o artigo 1.571, do CC, que

dispõe sobre o divórcio:

O divórcio dissolve o casamento (CC, 1.571, § 1º.). A separação não tem o mesmo poder, pois somente rompe a sociedade conjugal. A diferença de ordem prática entre os dois institutos é que a separação não permite novo casamento, enquanto os divorciados ficam livres para casar novamente. Levada a efeito a separação judicial, necessária se faz a posterior conversão da separação em divórcio.19

19 Op.Cit., p..288.

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O divórcio foi instituído no Brasil, em um momento em que a

sociedade clamava por um apoio jurisdicional para as pessoas “desquitadas”, que

não podiam se casar novamente pelas leis vigentes.

O impedimento legal não impedia, de fato, a constituição de

novas famílias: os casais casavam-se em outros países (ou nem mesmo o faziam),

constituíam novas famílias, mas, não tinham a proteção legal para essas famílias,

que eram consideradas “ilegítimas”.

As modificações comportamentais e éticas, somadas às

necessidades de prestação jurisdicional, levaram à mudança da legislação brasileira

que admitiu o divórcio no Brasil. Sílvio Rodrigues explica:

(...) tal mudança se manifestou em duas etapas. A primeira etapa, ocorrida em 1977, é representada pela Emenda Constitucional nº.9, que pôs termo à indissolubilidade do vínculo, e completada pela Lei nº.6.515, de 26 de dezembro , que regulamentou o divórcio. Essa lei veio permitir o divórcio a vínculo em duas hipóteses, uma de caráter permanente, outra de caráter transitório, a saber: a) poderá a separação judicial, dadas as condições configuradas na lei, ser sempre convertida em divórcio; b) poderá o divórcio ser obtido após a separação de fato por mais de 5 anos, iniciada antes de 28 de dezembro de 1977.20

O art. 226, § 6º, da Constituição Federal de 1988, reduziu os

prazos para o requerimento da separação judicial e do divórcio: cabe o divórcio após

um ano da separação judicial ou comprovada por mais de dois anos a separação de

fato.

A segunda etapa adveio da Constituição de 5 de outubro de 1988, que ampliou enormemente o campo do divórcio entre nós, não só pela redução dos prazos para conversão da separação judicial em divórcio, como também pela multiplicação dos casos de divórcio direto. (...) o divórcio dissolve de maneira integral o matrimônio, legitimando os divorciados para de recasarem.21

Hoje, nosso Direito admite o divórcio direto, bem como a

conversão da separação judicial em divórcio. A ação de divórcio poderá ser

consensual ou litigiosa.20 Op.Cit., p.207.21 Idem, p.208.

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O art.1.580, do CC/02. regulamenta essas duas possibilidades

de divórcio.

Atualmente, a Lei 11.441/07 autoriza o divórcio consensual a

ser feito por escritura pública, nos mesmos termos da separação consensual, desde

que o casal não tenha filhos menores ou incapazes. Sobre este tema, discorreremos

quando abordarmos a modalidade de separação administrativa.

1.3.3 Nulidade do Casamento

Antes do advento do divórcio, os processos anulatórios tinham

grande força no Direito Brasileiro, por constituírem, na maioria das vezes, a única

oportunidade de se extinguir um casamento, excetuando-se a morte de um dos

cônjuges. Hoje, só recorrem às ações anulatórias aqueles casamentos que

realmente padecem de um vício patente e evidente, pois, é muito mais fácil obter um

divórcio do que enfrentar uma batalha judicial.

Primeiramente, é importante distinguir o casamento nulo do

casamento anulável: é a gravidade do vício carregado pelo casamento que

determinará sua nulidade ou anulabilidade. Se o vício for insanável, o casamento

será nulo (nulidade absoluta) e, se o vício for sanável, haverá a possibilidade de

anulação do matrimônio (nulidade relativa).

Maria Berenice Dias ensina:

[...] em ambas as hipóteses, o casamento existe, foi celebrado e produziu efeitos jurídicos. Tanto o casamento nulo, como o anulável, para serem desconstituídos, dependem de chancela judicial. Não sendo proposta demanda judicial, ambos continuam existindo e produzindo efeitos jurídicos. (Destaques da autora).22

No magistério de Sílvio Rodrigues, é clara a diferença entre o

casamento nulo e o casamento anulável:

Quando um casamento se realiza com infração de impedimento imposto pela ordem pública, por ameaçar diretamente a estrutura da sociedade ou ferir princípios básicos em que ela se assenta, é a própria

22 Op. Cit., p. 252.

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sociedade que reage violentamente, fulminando de nulidade o casamento que a agrava.Noutras hipóteses, entretanto, a infração não só se revela mais branda, como se apresenta de natureza diversa. A desobediência não atenta contra a ordem pública, ferindo apenas o interesse de pessoas que o legislador quer proteger. De sorte que a reação do ordenamento jurídico é também mais moderada. Com efeito, nesse caso, em vez de proclamar a nulidade dos casamentos contraídos com os vícios especificados, o legislador apenas defere às pessoas neles mencionadas uma ação anulatória, para que seja por elas usada, se lhes aprouver. Mas, como a existência daquele enlace não representa ameaça à ordem jurídica, ao legislador é indiferente que sobreviva ou não. De modo que, se o cônjuge que o podia anular se mantiver inerte, o casamento convalesce e ganha validade, não mais podendo ser infirmado. (Destaques nossos).23

É possível concluir que, em casos de nulidade, há maior rigidez

por parte do ordenamento jurídico, pois, eles traduzem interesses de ordem pública:

nas hipóteses de nulidade, a estrutura familiar é afetada, além dos interesses

individuais. Por essas razões, o Estado tem o dever de proteger, de modo pontua,l

essas situações.

Em relação ao casamento nulo, no que diz respeito à

legitimidade para sua alegação e ao prazo prescricional, a nulidade pode ser

alegada por qualquer interessado (seja o interesse jurídico, econômico ou moral) ou

pelo Ministério Público (conforme art. 1.549, CC/02) e a ação é imprescritível.

Os casos de nulidade absoluta estão contemplados no artigo

1.548, I e II, CC/02. Os impedimentos mencionados no inciso II, do art. 1.548, são

aqueles descritos no art. 1.521 do mesmo diploma.

Desse modo, é nulo o casamento contraído por aquele que não

tem capacidade para o discernimento dos atos da vida civil (higidez mental ou

psíquica). Também será nulo o matrimônio realizado com a infringência aos

impedimentos elencados no art. 1.521, do CC/02 (vedações ligadas à proibição do

incesto e da bigamia).

Maria Berenice Dias24 pontua que, mesmo sendo nulo,

impregnado de vícios, o casamento existe e produz efeitos até sua desconstituição,

diferentemente dos atos ou negócios jurídicos.

23 Op. Cit., pp. 78 - 79.24 Op. Cit., p. 253.

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Há duas conseqüências diretas da decretação de nulidade de

um casamento: a dissolução do vínculo matrimonial e a dissolução da sociedade

conjugal, que implicam na possibilidade de se contrair novas núpcias.

Venosa ensina que, “[...] como em todo decreto judicial de

nulidade, os efeitos dessa sentença retroagem à data do ato, no caso, o momento

da celebração.”25

1.3.4 Anulação do casamento

As hipóteses de anulabilidade de casamento (nulidade relativa)

vêm expostas no artigo 1.550 e seus seis incisos, além do art. 1.551, do CC/02.

Complementam a normatização da matéria os art. 1.552 a 1.560, do CC/02.

O casamento anulável , de acordo com Maria Berenice Dias,

“[...] decorre de afronta a norma que protege interesse individual, pode ser

desconstituído, a depender do interesse da parte, não se preocupando o Estado

com a sua dissolução.” 26(Destaques da autora).

Ainda de acordo com o entendimento da autora27, por não

haver ameaça à ordem pública e por depender das partes a propositura da ação

anulatória, caso as partes silenciem, o ato terá uma ratificação presumida.

Em relação à legitimidade para a propositura da ação de

anulação, no casamento anulável, somente as pessoas interessadas na anulação

podem ajuizar a ação anulatória e os prazos variam de 180 dias a 4 anos.

Do mesmo modo que nos casos de nulidade, há duas

conseqüências diretas da anulação de um casamento: a dissolução do vínculo

matrimonial e a dissolução da sociedade conjugal, que implicam na possibilidade de

se contrair novas núpcias.

A idéia central a respeito das causas de anulabilidade do

casamento decorre de defeito de consentimento: a manifestação de vontade foi

imperfeita ou viciada por interferência externa.

Venosa ensina sobre os vícios de vontade:

25 Op. Cit., p. 106.26 Op. Cit., p. 252.27 Idem, p. 255.

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Quanto aos vícios de vontade, há uma aplicação específica em matéria de anulação de casamento, não incidindo simplesmente as regras da parte geral. Por essa razão, o art. 1.550 descreve que é anulável o casamento por vício de vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558. O art. 1.558 [...] trata de vício específico da vontade matrimonial, isto é, daquela manifestada quando da celebração do casamento.28

Maria Berenice Dias explica que, em sede de vício de vontade

“[...] as possibilidades de buscar a anulação do casamento são restritas às hipóteses

de coação ou erro quanto à pessoa do cônjuge.”29 (Destaques da autora).

O erro essencial em relação à pessoa do nubente está

elencado no art. 1.557, do CC/02, e diz respeito à sua identidade, qualidades físicas,

morais e de caráter. Importante salientar que todas as hipóteses dizem respeito a

atos e fatos anteriores ao matrimônio, desconhecidos do outro cônjuge e que,

quando de seu conhecimento ulterior, tornaram insuportável a vida em comum.

A coação, em sede de casamento, diz respeito ao modo de

obtenção do consentimento de um ou ambos os cônjuges. Maria Berenice Dias

ensina:

Para ensejar a anulação das núpcias, o consentimento de um ou de ambos os cônjuges deve ter sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares (CC, 1.558). Não é reconhecida a coação a bens outros. Assim, a ameaça de suicídio do noivo, por exemplo, não configura coação a legitimar o pedido de anulação de casamento.30 (Destaques da autora).

Em matéria de casamentos contraídos por pessoas que estão

sujeitas ao pátrio poder, à tutela ou curatela, sem o devido consentimento, é

importante observar se os responsáveis pelo incapaz assistiram à cerimônia de

casamento, sem se opor. Se isto tiver ocorrido, eles não poderão mais anulá-lo. No

entendimento de Venosa, “[...] também não se anulará o casamento se os

28 Op. Cit., pp. 108 - 109.29 Op. Cit., p. 256.30 Idem, p. 258.

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representantes do incapaz tiverem, por qualquer modo, manifestado sua aprovação

(art. 1.555, § 2º). Trata-se de matéria de prova.”31

Uma vez anulado o casamento, o nubente menor de idade

volta a ser incapaz, ou seja, o efeito emancipatório do casamento também

desaparece com sua anulação.

O incapaz de consentir pode ratificar o ato, quando cessar sua

incapacidade. Tal ratificação terá efeito retroativo à data da celebração, conforme

entendimento de Venosa.32 O autor prossegue a interpretação do art. 1.553, do

CC/02:

Na hipótese de anulação por defeito de idade, quando o pedido não é de iniciativa dos próprios nubentes, estes podem ratificar seu casamento quando atingirem a idade núbil, perante o juiz e o oficial do registro. Em tal caso, o casamento terá os efeitos retroativos desde o momento da celebração.33

Para Maria Berenice Dias34, as normas contidas nos arts.

1.548, I e 1.550, IV, são similares e, por essa razão, deveriam ambas ser causas de

nulidade absoluta. Explica a autora:

Considera a lei anulável o casamento contraído por incapaz de consentir ou manifestar inequivocamente sua vontade (CC, 1.550, IV). Não se atina porque dita causa torne somente anulável o casamento, e não nulo. É quase imperceptível a distância da previsão de nulidade do casamento (CC, 1.548, I): enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil. Talvez quisesse a lei se referir à incapacidade transitória ou à deficiência limitada. Mas, essa ressalva não foi feita. E quem não tem capacidade para consentir ou manifestar inequivocamente sua vontade é incapaz. Seu casamento é nulo, e não anulável.35 (Destaques da autora).

Há, ainda outras possibilidades para o requerimento da

anulação do casamento: em caso de revogação da procuração para o casamento e

em caso de incompetência do celebrante. Para Maria Berenice Dias36, em ambas as

31 Idem, p. 110.32 Idem, ibidem.33 Idem, ibidem.34 Op. Cit., p. 259.35 Idem, ibidem.36 Idem, pp. 259 - 260.

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situações, se houver a convivência dos cônjuges, ambos adquirem a posse do

estado de casados e, seguindo-se a vida em comum, há que se reconhecer que a

celebração marcou, no mínimo, o início de uma união estável.

Finalmente, o art. 1.563, do CC/02, traz os efeitos da sentença

de declaração de nulidade ou anulação do casamento: a mesma tem efeito

retroativo à data da celebração (ex tunc), desde que não prejudique a aquisição de

direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a aquisição que resultou de

sentença transitada em julgado.

1.3.5 Separação

Com a separação judicial, não há que se falar em término do

vínculo matrimonial, pois, nesta situação, somente a sociedade conjugal se extingue.

Desse modo, os cônjuges não podem contrair novas núpcias.

A separação pode ocorrer de duas formas: consensual e

litigiosa. A forma consensual ocorre quando ambos os cônjuges concordam em

separar-se; a forma litigiosa acontece por requerimento de um dos cônjuges, com

fundamento na prática de ato culposo pelo outro cônjuge, ou de " [...] qualquer ato

que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida

em comum", conforme redação do caput do art. 1.572, do CC/02.

O fim do casamento através da separação (consensual ou

litigiosa), produz efeitos idênticos: há o fim do regime matrimonial de bens dos

cônjuges, dos frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes e de

alguns dos deveres matrimoniais, como a fidelidade e a coabitação. Há diferença

apenas no que tange ao uso do nome e à pensão, pelo cônjuge faltoso, conforme

será apresentado em tópico adiante.

A separação litigiosa traz três espécies, em seu bojo:

a) separação litigiosa como sanção;

b) separação litigiosa como remédio;

c) separação litigiosa como falência.

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19

O art. 1.572, §§ 1º e 2º, prevê, ainda, a possibilidade de

separação, por requerimento de um dos cônjuges, nas seguintes situações:

Art. 1.572. [...]§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida como de cura improvável.

Caio Mário apresenta a evolução histórica do instituto da

separação, desde a normatização presente no Código Civil de 1916, passando pelo

advento da Lei do Divórcio, em 1977, e chegando, finalmente, à codificação de

2002:

Com o nome de "Desquite" - hoje "Separação Judicial" - e diferenciando-o do "Divórcio a Vínculo", o Direito Brasileiro sempre adotou a separação de corpos e dissolução da sociedade conjugal como sanção para o comportamento de um dos cônjuges, contraveniente aos deveres fundamentais do matrimônio. O antigo "desquite litigioso" punia o adultério, a tentativa de morte, as sevícias, a injúria grave, o abandono do lar. A Lei nº 6.515/77 preferiu substituir a denominação "desquite" por "Separação Judicial Litigiosa ou Consensual", o que nos pareceu uma opção inútil, pois que a antiga nomenclatura era consagrada pelo uso e pela tradição. Torna-se fundamental rever, com atenção, esses fundamentos, uma vez que o Código de 2002 retomou-os para fundamentar a "Separação Judicial Litigiosa", na forma do art. 1.573.37

Arnoldo Wald comenta sobre a manutenção da separação

culposa no Código Civil de 2002:

[...] o Código Civil de 2002, não obstante o já reiterado posicionamento dos Tribunais pátrios que, calcado na disposição contida no art. 5º da Lei do Divórcio, dispensava a averiguação da responsabilidade para o decreto da separação judicial, manteve a separação culposa.

37 Op. Cit., p. 250.

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20

Realmente, nos casos em que não ficava demonstrada a culpa de qualquer dos consortes pela falência do matrimônio e, em especial quando já decorrido o prazo de mais de um ano da separação de fato dos cônjuges, os nossos julgadores vinham decretando a separação do casal, com base no disposto no art. 5º da Lei do Divórcio, ou seja, pela ruptura da vida em comum. A dispensabilidade da averiguação da culpa nos processos de separação representava significativa evolução no direito brasileiro, o qual paulatinamente, veio abandonando o conceito de "separação sanção" - para cujo decreto impõe-se a discussão da culpa - para dar guarida à denominada "separação-remédio" ou "princípio da ruptura", a qual reclama apenas a verificação de que a convivência conjugal revelou-se impraticável.38

A discussão acerca da manutenção da análise da culpa na

separação judicial será analisado em tópico específico, mas, antecipadamente, para

conclusão deste tópico, vale trazer à colação a decisão do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul (TJRS), que retrata de modo conciso a tendência doutrinária vigente:

[...] o exame da culpa na separação judicial deve ser evitado sempre que possível, consoante moderna tendência do direito de família, pois, em regra, cuida-se apenas de causa imediata da ruptura da vida em comum, desconsiderando-se que este rompimento é resultado de uma sucessão de acontecimentos e desencontros próprios do convívio diuturno, em meio às próprias dificuldades pessoais de cada um. (TJRS, 7ª Câm. Cív., Ap. 70006177075, rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 4-6-2003).39

1.4 FORMAS DE DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO MATRIMONIAL

Como mencionamos anteriormente, existe uma diferença

básica entre a dissolução do vínculo matrimonial e da sociedade conjugal: Maria

Helena Diniz leciona que a sociedade conjugal é considerada “um instituto jurídico

menor do que o casamento, regendo apenas o regime matrimonial de bens dos

38 Op. Cit., pp. 189-191.39 Apud, WALD, Arnoldo. Op. Cit., p. 192.

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cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos ou consortes ou de cada

um deles.” 40

De acordo com Ana Cláudia Silva Scalquette, a sociedade

conjugal pode ser considerada, então, “o elo mais frágil que une o casal, podendo

ser rompido, por exemplo, pela separação judicial, que ainda não libera os cônjuges

para novas núpcias, devendo ocorrer primeiramente o rompimento do vínculo com o

divórcio.” 41

O Novo Código Civil regula as formas de dissolução da

sociedade conjugal, no art. 1.571, a saber:

a) pela morte de um dos cônjuges;

b) pela nulidade ou anulação do casamento;

c) pelo divórcio;

d) pela separação judicial.

Das formas de dissolução da sociedade conjugal, a separação

judicial é a única delas que não dissolve, também, o vínculo matrimonial. Um casal

apenas “separado” não está apto a contrair novas núpcias.

Há duas espécies de separação judicial: consensual e litigiosa.

Por tratar-se de matéria específica, que é tema deste trabalho, a

separação será oportunamente estudada no capítulo seguinte.

CAPÍTULO II40 Idem, p. 248.41 SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Para Aprender Direito. Família e Sucessões. 4ª ed. São Paulo: Barros, Fisher e Associados, 2007, p.55.

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2. A SEPARAÇÃO

A idéia do fim do casamento não era bem aceita pela

sociedade brasileira conservadora, na vigência do Código Civil de 1916, pois, se

entendia que a família e o casamento formavam um elo único e indissolúvel. Caio

Mário bem define essa característica do Brasil: "(...) um dos países antidivorcistas,

com a particularidade, porém de proclamar a indissolubilidade do casamento como

preceito constitucional, integrado na sua estrutura institucional mesma."

(Destaques do autor).42

A sociedade repugnava todo e qualquer vínculo

extramatrimonial e a lei os punia. Maria Berenice Dias comenta que "[...] o

rompimento da sociedade marital afigurava-se como um esfacelamento da própria

família." 43

O Código Civil de 1916 foi editado sob a influência da Igreja e,

conseqüentemente, sob os dogmas da indissolubilidade. Havia a previsão legal de

romper com o matrimônio através do desquite, porém, não ocorria a dissolução do

vínculo conjugal: os ex-cônjuges não podiam se casar novamente.

Com a modificação dos costumes, a sociedade clamava por

mudanças, pois, aqueles que estavam desquitados, ao se unirem a outras pessoas,

não tinham qualquer direito assegurado. Havia a necessidade de se discutir sobre a

indissolubilidade do vínculo matrimonial. Por outro lado, esta mesma sociedade

temia que, se o divórcio fosse instituído, houvesse um estímulo ao desmoronamento

da estrutura familiar.

Ao longo do tempo, a justiça teve que solucionar conflitos

resultantes dessas uniões. Não era mais possível “fechar os olhos” para a nova

estrutura familiar que emergia e, com isso, a jurisprudência abriu caminho para a

instituição do divórcio.

Yussef Cahali ilustra o momento vivenciado àquela época:

O ideal de uma plena comunidade de vida, como certamente seria de desejar-se, exige também a duração eterna do matrimônio (...); essa comunidade de vida

42 Op. Cit., p. 278.43 Op. Cit., p. 268.

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deveria ser preservada a todo custo, particularmente quando dela tivesse resultado prole, cuja inocência, educação e criação acabam sendo prejudicadas pelo desfazimento do lar paterno.Mas, rompidos os anelos da vida em comum como degeneração própria dos matrimônios mal constituídos, o legislador não pode quedar-se indiferente às suas conseqüências, devendo cumprir a sua missão de buscar fórmulas que melhor realizem a sorte e a felicidade de seus jurisdicionados.44

Maria Berenice Dias faz um breve relato sobre a instituição do

divórcio no Brasil:

(...) forte foi a resistência dos segmentos mais conservadores. Como a indissolubilidade do casamento era consagrada na Constituição, houve a necessidade de emendá-la. Para isso foi preciso inclusive mudar o quórum de dois terços dos votos para maioria simples. Só assim foi possível introduzir a dissolubilidade do vínculo matrimonial no País (EC 9/1977).45

Caio Mário, em breve síntese histórica sobre o divórcio, ensina

que não eram todos os povos que adotavam a indissolubilidade do casamento. Um

dos exemplos mais interessantes, é trazido de Roma, conforme segue:

Em Roma, não obstante proclamar-se, o casamento era união por toda a vida – “consortium omnis vitae” – e o divórcio era conseqüência natural do fato de ser o casamento sustentado pela “affectio maritalis”: desde que esta desaparecia, tinha lugar a separação – “divortium”.46 (Grifo nosso).

Com o advento do divórcio, entretanto, o desquite não foi

extinto: houve uma alteração terminológica e, pela Lei do Divórcio, o instituto passou

a chamar-se separação. As características da separação, portanto, eram as

mesmas do desquite: rompia, mas não dissolvia o vínculo matrimonial.

A separação surgiu, então, para facilitar o divórcio, pois, a

princípio, para obter o divórcio, as pessoas precisavam se separar para, depois,

pedir a conversão da separação em divórcio. O divórcio direto só era concedido em

44 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.28.45 Op. Cit., p. 269.46 Op. Cit., p. 276.

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situações excepcionais, atendendo cumulativamente a três pressupostos, de acordo

com a redação original do art. 40, da Lei do Divórcio: 1) as partes deveriam

comprovar que estavam separadas de fato há cinco anos; 2) esse prazo deveria ter

sido implementado antes da alteração constitucional (28.06.1977); 3) as partes

deveriam comprovar as causas da separação.

Com a Constituição Federal de 1988, houve a

institucionalização do divórcio direto, mas, o instituto da separação continua a

existir, antecipando o divórcio propriamente dito. Nas palavras de Sílvio Rodrigues,

(...) enquanto a separação judicial representa a mera separação de corpos e de bens, com a permanência do vínculo conjugal (o que impede novo casamento dos separados), o divórcio dissolve de maneira integral o matrimônio, legitimando os divorciados para se recasarem.47

Há um Projeto de Lei (nº 2.285/07) tramitando no Congresso

Nacional desde 25/10/07, que pretende revogar o Livro IV do Código Civil de 2002

(Direito de Família) e instituir o Estatuto das Famílias. Dentre as mudanças

propostas, no que concerne à separação, haveria uma simplificação no

procedimento para o pedido do divórcio. De acordo com o art. 58, do Projeto de Lei,

“Após um ano de separação judicial ou extrajudicial, o divórcio pode ser requerido

por um ou ambos os cônjuges” (destaque nosso). Com esse procedimento, não

haveria mais a obrigatoriedade da separação judicial, ou do decurso do prazo de

dois anos de separação de fato para se requerer o divórcio, como ocorre

atualmente.

Com a legislação em vigor, há dois tipos de separação judicial:

a consensual e a litigiosa, sobre as quais discorreremos a seguir.

2.1 SEPARAÇÃO CONSENSUAL E LITIGIOSA

Com a instituição da Lei do Divórcio, a denominação desquite

foi substituída por separação consensual ou litigiosa.

Caio Mário resume sua finalidade:

47 Op. Cit., p. 203.

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Ambas as formas, embora com fundamentos diversos, atingem a resultado idêntico: a dissolução da sociedade conjugal, sem rompimento do vínculo matrimonial, separação pessoal dos cônjuges e dos respectivos patrimônios, e disciplina das relações com os filhos comuns.48

A separação, entretanto, deve ter um fundamento, que será

determinado conforme critérios específicos da legislação de cada país. Geralmente,

o fundamento fixa-se em caráter de sanção ou de remédio.

De acordo com Yussef Cahali49, no caso do fundamento fixar-

se na sanção, será necessário que haja o pedido de um dos cônjuges, mediante a

comprovação do cometimento de infrações graves aos deveres do matrimônio,

levando à insuportabilidade da vida em comum. Haverá uma sentença de dissolução

do vínculo ou da sociedade conjugal, considerando o cônjuge culpado. A conduta

culpável é condição para este tipo de separação, que será chamada de litigiosa.

Prosseguindo nas lições de Cahali50, caso o fundamento se fixe

no remédio (que alguns autores preferem chamar de falência), bastará que ocorra

um fato, objetivo ou pessoal, que impeça a continuidade da união, para que se dê a

separação (nesse caso, consensual). Aqui, não se discute a culpa de qualquer dos

cônjuges, pois as causas desse tipo de separação são voluntárias.

A separação consensual (ou separação judicial por mútuo

consentimento) está prevista no art. 1.574, do CC, e poderá ocorrer se os cônjuges

“forem casados há mais de um ano e o manifestarem perante o Juiz, sendo por ele

devidamente homologado”.

O juiz deverá convencer-se do propósito dos cônjuges, pois,

em caso contrário, poderá designar nova audiência, a fim de preservar o interesse

dos filhos ou de um dos cônjuges, conforme o parágrafo único do art. 1.574, do CC.

Clóvis Beviláqua comenta que os cônjuges se utilizam da

separação consensual

[...] por se terem convencido de que foram infelizes no passo que deram, ajuntando-se numa comunhão de vida

48 Op. Cit., p. 251.49 Op. Cit., p. 43.50 Idem, ibidem.

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que não podem manter, ou porque não desejam fazer escândalo em torno de alguma das causas determinadas, que autorizaria o pedido unilateral de desquite.51

O processo para a obtenção da separação por mútuo

consentimento é simples: os cônjuges, casados há mais de um ano, apresenta um

“acordo” (em forma de petição) ao juiz, requerendo sua homologação, após a

apreciação do Ministério Público.

Com relação ao prazo estipulado em lei, para se pedir a

separação por mútuo consentimento, Sílvio Venosa ensina que

Trata-se de um período de prova; o legislador aguarda um prazo inicial do casamento para acomodação e compreensão da vida em comum, não permitindo que um açodamento possa jogar por terra o matrimônio nos primeiros meses ou anos de convivência52.

Maria Berenice Dias53 discorda da exigência do prazo para que

o casal busque a separação, pois, tal fato acaba por adquirir caráter punitivo, apesar

do fundamento doutrinário ser no sentido do acima exposto por Venosa. Prossegue

a Desembargadora:

O fundamento é pueril. Cabe indagar qual seria o motivo de o Estado opor-se ao desejo de pessoas maiores, capazes e no pleno exercício de seus direitos. Se livremente casaram, nada justifica não disporem da mesma liberdade para pôr fim ao casamento. Portanto, o que a lei chama de separação consensual, de consenso pouco tem, nem é tão livre assim a vontade das partes.[...]Para contornar a injustificável vedação legal e abreviar o decreto de separação antes do prazo, acabam os cônjuges protagonizando verdadeira farsa: simulam uma separação litigiosa. Um, dizendo-se inocente, intenta ação de separação, imputando ao outro a responsabilidade pela ruptura do vínculo matrimonial. Ao pedido, não se opõe o réu, que se queda revel ou confessa a culpa, o que torna dispensável a produção de provas. (Destaques da autora).54

51 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil. 10ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1954, p.215. Apud, CAHALI, Yussef Said. Separação e Divórcio. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 109.52 Op. Cit., p. 164.53 Op. Cit., p. 275.54 Op. Cit., pp. 275 - 276.

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No entanto, Maria Helena Diniz55 explica que o Projeto de Lei nº

276/2007, ao ser aprovado, irá retirar o “prazo de experiência” do art. 1.574, do CC,

terminando, de uma vez por todas, com essa controvérsia sobre o tema.

Com relação à separação litigiosa, sua normatização encontra-

se no art. 1.572 e 1.573, do CC. Diferentemente da separação consensual, ela só se

efetiva por iniciativa da vontade unilateral de qualquer um dos cônjuges, ao

preencher os requisitos estabelecidos nos mencionados artigos.

Maria Berenice Dias leciona sobre o assunto:

Para um dos cônjuges propor a ação de separação antes do decurso do prazo de um ano da separação de fato necessita imputar ao outro (que ocupará a posição de réu no processo) não só conduta desonrosa ou a prática de ato que importe grave violação dos deveres do casamento – deve demonstrar, também, que tais posturas tornam insuportável a vida em comum. (Destaques da autora).56

No art. 1.572, do CC. são descritas as hipóteses da separação

litigiosa. Venosa explica: [...] são descritas [...] as hipóteses de separação-sanção no

“caput” ; separação-falência e separação-sanção, nos respectivos parágrafos.57 A

análise dessas situações será feita posteriormente.

2.2 NOVA POSSIBILIDADE DE SEPARAÇÃO – SEPARAÇÃO POR VIA

ADMINISTRATIVA

Com o advento da Lei 11.441, de 04/01/2007, que acrescentou

o art. 1.124-A ao Código de Processo Civil, hoje é possível ao casal realizar a

separação judicial e o divórcio consensuais através de escritura pública. Para isso, é

necessário que não haja filhos menores ou incapazes do casal, e que sejam

observados os requisitos legais quanto aos prazos: para a separação consensual, os

cônjuges devem estar casados por mais de um ano (art. 1.574, do CC) e para o

55 Op.Cit., p.283.56 Op. Cit., p. 283.57 Op. Cit., p.166.

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divórcio, é preciso que estejam separados de fato há mais de dois anos (art. 1.580, §

2º, do CC) ou que tenha havido a separação judicial ou de corpos há mais de um

ano (art. 1.580, “caput”, do CC).

A respeito da nova lei, regulamentada pela Resolução nº 35, de

25/04/2007, do Conselho Nacional de Justiça, Venosa comenta:

Essa alteração era reclamada há muito tempo, pois não há mesmo necessidade de intervenção judicial se os cônjuges estão de pleno acordo. Se há filhos menores ou incapazes do casal, a intervenção judicial se justifica de “per si”, para a proteção ampla deles. [...] Trata-se de uma faculdade, como aponta o texto legal. Este é o grande trunfo dessa norma, principalmente porque as escrituras públicas de inventário e partilha, separação e divórcio consensuais não dependem de homologação e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário.58

O art. 2º, da Resolução nº 35/2007, estabelece:

É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial, podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.

Maria Helena Diniz59 leciona que a lei permite aos casais a

opção pela via judicial ou extrajudicial, mas, que é vedado prosseguir na separação,

por ambas as vias, simultaneamente. Com relação ao tabelião, ele pode ser

escolhido livremente pelas partes.

Maria Berenice Dias complementa, comentando que “[...] o

procedimento extrajudicial é facultativo, não podendo o juiz recusar-se a homologar

o pedido feito em sede judicial, quer porque a lei fala em 'poderão ser realizados por

escritura pública', quer porque existe a garantia constitucional da inafastabilidade da

jurisdição (CF, 5º, XXXV).”60

Venosa explica que a escritura será pública, e dela deverão

constar o que segue:

58 Idem, ibidem, p.166.59 Op. Cit., p. 325.60 Op. Cit., p. 301.

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[...] as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia, e, ainda, o acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando de seu casamento. A escritura [...] não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. 61

A escritura poderá ser retificada, mediante declaração unilateral

do interessado na volta ao uso do nome de solteiro, caso esta questão não tenha

sido solucionada no momento de sua lavratura (art. 45, da Resolução 35).

A partilha dos bens comuns poderá ser feita em momento

posterior, de acordo com as normas contidas nos art. 1.121, § 1º, do CPC, art.

1.581, do CC. Maria Berenice Dias instrui sobre a matéria:

Ainda que existam bens, tais não precisam ser partilhados. Não há necessidade sequer de arrolar os bens, bastando a referência de que a divisão do patrimônio não será realizada. Enquanto isso, os bens ficam em estado condominial. Também nada impede que sejam partilhados alguns bens, restando os demais para serem divididos em momento posterior, quer por conveniência das partes, quer por inexistir consenso na partição. Depois da separação ou divórcio, é possível, a qualquer momento, a partilha ser feita, ou pela via judicial (se não houver acordo de vontades), ou por meio de nova escritura de partilha de bens. (Destaques da autora).62

Uma vez estipulada a obrigação alimentar na escritura de

separação ou divórcio, caso haja seu inadimplemento, não há que se falar em

descumprimento de sentença. Maria Berenice Dias esclarece a questão:

A escritura não é uma sentença. A cobrança deve ser levada a efeito através da execução por quantia certa contra devedor solvente (CPC, 652) ou por meio da execução pelo rito da coação pessoal (CPC, 733). A escolha do procedimento vai depender do montante da dívida, se superior ou não a três prestações vencidas. (Destaques da autora).63

61 Op. Cit., p. 167.62 Op. Cit., p. 303.63 Op. Cit., p. 304.

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Prossegue a Desembargadora, com relação à resistência da

doutrina e jurisprudência em admitir a modalidade executiva sob ameaça de prisão,

quando os alimentos são determinados por escritura pública:

Não admitir tal modalidade executória quando os alimentos são fixados na escritura de separação ou divórcio vai forçar as partes a se socorrerem da justiça. Só assim o credor poderá utilizar mecanismos executórios mais ágeis, quer o de cumprimento da sentença, quer o do rito da prisão. Felizmente está sendo proposta a aceitação da cobrança coercitiva dentro de uma perspectiva sistemática – ora, se ficar mantida a restrição à restrição à execução coercitiva exclusivamente aos alimentos fixados aos alimentos fixados em juízo, em muito restará desestimulada a pactuação extrajudicial, que agora se busca incentivar, o que configura contradição insuperável, que não deve sobreviver no âmago de um mesmo ordenamento jurídico.64

Os cônjuges deverão estar assistidos por advogado (seja ele

comum aos dois, ou advogado de cada uma das partes), cuja qualificação e

assinatura farão parte do ato notarial. Maria Berenice Dias salienta que “(...) como

foram dispensadas a presença do magistrado e a intervenção do Ministério Público,

a responsabilidade do advogado redobra.”65

Com relação à conversão da separação em divórcio e ao

divórcio direto, o art. 52 da Resolução normatiza expressamente a possibilidade de

sua realização por escritura.

A lavratura da escritura de separação/divórcio, por procuração

é um tema que tem causado certa polêmica. Venosa aponta as razões para tal

situação:

Embora muitos entendam que os cônjuges possam se fazer representar por procurador, não parece ser essa a intenção da lei, mormente porque o art. 1.122, do CPC, exige a presença deles. Não é, no entanto, o que estabeleceu a Resolução nº 35/2007, a qual é expressa em permitir a representação por mandatário, constituído por instrumento público com poderes especiais,

64 SANTOS, Luiz Felipe Brasil dos. Anotações acerca das separações e divórcios extrajudiciais (Lei 11.441/07). Direito da Família. Internet, acesso em 16/04/07. Disponível em: http://www.direitodafamilia.net/listaartigo_Detalhado.asp?idartigo=180. Apud, DIAS, Maria Bernice, Op. Cit., p. 304.65 Op. Cit., p. 302.

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descrição das cláusulas essenciais e prazo de validade de trinta dias (art. 36). Abre-se aí, portanto, mais uma facilidade para a separação e o divórcio consensuais, embora uma resolução não possa se sobrepor a uma lei.66

Maria Berenice Dias, por sua vez, é clara ao afirmar que:

Não há necessidade do comparecimento dos cônjuges ao Cartório de Notas, não existindo mais a audiência conciliatória, que era indispensavelmente feita pelo juiz. Já que se trata de um negócio jurídico, possível que os cônjuges se façam representar por um procurador com poderes específicos para o ato, outorgados por escritura pública (CC, 657). “Detectada a natureza negocial da extinção matrimonial por escritura pública, não há como negar a possibilidade de representação privada por uma ou mesmo por ambas as partes interessadas, apenas exigida a concessão de poderes específicos e constituição por escritura pública.” 67

Como para os casamentos os noivos podem estar representados por procurador (CC, 1.535), impositivo conceder igual faculdade quando da sua dissolução. (Destaques da autora).68

Em outra posição, Maria Helena Diniz expõe sua interpretação

da norma sob comento:

Ante a omissão da norma de ordem pública, ora comentada, e a gravidade de seus efeitos, provocando a extinção da sociedade conjugal e requerendo, por tal razão, interpretação restritiva, entendemos ser necessário o comparecimento pessoal dos cônjuges ao cartório, não podendo, por ser a separação ato personalíssimo, fazer-se representar por mandatário, mesmo munido de poderes especiais. O comparecimento pessoal das partes interessadas é imprescindível (CNNR, art. 619-C, § 4º, na redação do Provimento 4/07 – CGJRS), não podendo ser representadas por procurador, pois deverão, na presença do tabelião, anuir, de modo claro e consciente, com as cláusulas da escritura pública.Outra não poderia ser a nossa conclusão, considerando-se, ainda, a inaplicabilidade da analogia, pois separação extrajudicial é situação diferente e não similar ao casamento, uma vez que este visa a constituir direitos, e

66 Op. Cit., p. 168.67 FARIAS, Cristiano Chaves de. O novo procedimento para a separação e o divórcio consensuais e a sistemática da Lei nº 11.441/2007. Porto Alegre: Revista Brasileira de Direito de Família, IBDFAM/Síntese, ano VIII, nº 40, p. 53, fev.-mar. 2007. Apud, DIAS, Maria Berenice, op. cit. - p. 303.68 Op. Cit., p. 303.

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aquela, a desconstituí-los, implicando decisões sobre questões como alimentos, nome, partilha de bens e, além disso, ensina-nos Cássio S. Namur que esta última pode abranger ativos financeiros, imobiliários, participações societárias, declaração da ciência de dívidas e créditos do separando.69

Outra questão importante a ser abordada é a da

responsabilidade do tabelião ao lavrar a escritura e da possibilidade de se negar a

fazê-lo, “(...) se houver fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso

de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito.”

(art. 46, da Resolução nº 35/2007). Por outro lado, a recusa imotivada em proceder

ao registro da escritura que dissolve o casamento, dá ensejo ao uso de mandado de

segurança pelas partes que tiveram seu direito negado, de acordo com

entendimento de Maria Berenice Dias.70

É possível proceder ao restabelecimento de sociedade

conjugal por escritura pública, ainda que a separação tenha ocorrido judicialmente.

Os requisitos para esse ato encontram-se nos art. 48 e 49 da Resolução nº 35/2007,

do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Romualdo Baptista dos Santos levanta interessante questão a

respeito do estado civil dos ex-cônjuges, que se separam extrajudicialmente:

Não mais se pode falar em “separados judicialmente”, pois a separação não foi levada a efeito pela via judicial. Tem prevalecido o entendimento de que a situação do par é de “separados juridicamente”. Assim, a separação jurídica é o gênero, cujas espécies são a separação judicial e a separação extrajudicial. (Destaques do autor).71

Da análise detalhada da Lei nº 11.441/07, é possível perceber

que a intenção do legislador foi “tornar mais ágeis e menos onerosos os atos a que

se refere e, ao mesmo tempo, descongestionar o Poder Judiciário”, conforme

estabelecido na apresentação da Resolução nº 35/2007, do CNJ. Com isso, uma

vez cumpridas as normas contidas na referida lei, sem o uso de má-fé por qualquer

69 Op. Cit., p. 327 - 328.70 Op. Cit., p. 302.71 SANTOS, Romualdo Baptista dos. A nova lei de separações e divórcios extrajudiciais. Internet, acesso em 22/01/07, disponível em: http://www.ibdfam.org.br/public/artigos.aspx?codigo=277. Apud, DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 305.

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33

das partes, terá sido adotada uma medida salutar, em prol do jurisdicionado e da

celeridade da Justiça, como um todo.

2.3 SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA

2.3.1 Modalidades

Conforme abordado anteriormente, é possível a um dos

cônjuges requerer a separação judicial, conforme previsão do art. 1.572, do CC. O

processo será contencioso e deverão ser preenchidos os requisitos legais, que

tornam insuportável a vida em comum, embora não seja necessário o decurso de

um ano, como é a exigência para a separação consensual.

Maria Helena Diniz em comentário sobre a separação, relata:

(...) recomenda-se uma apreciação objetiva de fatos, que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum (Enunciado nº 100, do Conselho Federal de Justiça, aprovado nas Jornadas de Direito Civil de 2002). De conformidade com essas causas previstas em lei, ter-se-ão três espécies de separação não-consensual, que são:a) Separação litigiosa como sanção (CC, arts. 1.572 e 1.573, I a VI);b) Separação litigiosa como falência (CC, art. 1.572, § 1º);c) Separação litigiosa como remédio (CC, art. 1.572, § 2º).72

Cada um dos tipo de separação litigiosa será comentado a

seguir.

2.3.1.1 Separação Sanção

De acordo com a norma prevista no art. 1.572. do CC, a

separação sanção ocorre quando qualquer dos cônjuges imputar ao outro “(...)

qualquer ato que importe grave violação aos deveres do casamento e torne

insuportável a vida em comum.”

72 Op. Cit., p. 293.

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34

De acordo com Venosa, “a separação judicial contenciosa pode

ser pedida a qualquer tempo após a conclusão do casamento, por qualquer dos

cônjuges, e seguirá o procedimento ordinário.” 73

O art. 1.572, do CC, com pequenas alterações, prevê as

mesmas hipóteses do art. 5º da Lei do Divórcio, subordinando a apreciação das

causas da separação à “insuportabilidade da vida em comum”.

Caio Mário da Silva Pereira acentua que:

Tal condição, colocada no final do art. 5º, abraçou a uma só vez a conduta desonrosa como a violação dos deveres matrimoniais. Assim procedendo, quis a lei divorcista deixar patente que não é toda conduta desonrosa ou toda violação de deveres matrimoniais que gera a separação, mas, somente a que importe em tornar insuportável a vida em comum. E como a insuportabilidade é uma decorrência de elementos pessoais ou psicológicos, ligados às condições individuais de cada lar, ao considerar a causa erigida em fundamento da dissolução da sociedade conjugal, deverá ponderar se a sua ocorrência é de molde a tornar insuportável a vida em comum. Não se deve captar a percepção sensorial dos cônjuges, no seu próprio ambiente doméstico e social. O art. 1.572, do CC, excluiu do “caput” a conduta desonrosa como fundamento da separação litigiosa, incluindo-a como um dos fundamentos do art. 1.573, do CC.74

Yussef Cahali75 comenta que há muita discussão a respeito do

projeto sobre a separação culposa, pois, se de um lado, no art. 1.572 o legislador

preferiu não especificar suas causas, optando por uma exposição genérica

(“conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do

casamento ou torne insuportável a vida em comum”), por outro lado, no art. 1.573,

passa a reproduzir as causas que já existiam no art. 317, do CC/16, acrescentando

a “conduta desonrosa”.

Prossegue o autor:

Agora, com o novo Código Civil, implantou-se uma autêntica mixórdia em nosso sistema jurídico, pondo em evidência a falta de coordenação do projeto, nas diversas fases de sua tramitação: retrocessivo quando

73 Op. Cit., p. 180.74 Op. Cit., pp. 251 - 252.75 Op. Cit., p. 301.

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35

de sua elaboração, foi atropelado por farta legislação superveniente, inovadora, acabando por nos proporcionar um sistema emaranhado e indefinido.(...)De forma abstrusa, no art. 1.573, a pretexto de elucidar os “motivos que podem caracterizar a impossibilidade da vida em comum” (rectius, insuportabilidade da vida em comum, cf. art. 1.572), reproduz as causas de desquite enumeradas no art. 317 do Código de 1916, acrescentando a “conduta desonrosa”.E, numa reversão final de critérios, agrega a esse dispositivo, parágrafo que possibilita a separação judicial diante de “outros fatos” que o juiz considere “que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”.76

Apesar disso, ainda de acordo com o doutrinador, a tendência

moderna da legislações é no sentido de generalizar as causas legais de separação

e divórcio. Assim,

A prevalecer tal orientação, qualquer dos motivos legais de separação judicial ou de divórcio só será admitido como tal se, para além da sua configuração de fato, ensejar igualmente a impossibilidade de vida em comum; o fato em si, previsto na lei, apenas será acolhido como causa jurídica da decretação do desquite se, em função das condições de vida do casal, acarretar uma impossibilidade moral de manutenção da conivência, o que deve ser apreciado pelo juiz ante as peculiaridades e circunstâncias de cada caso submetido a julgamento. Nosso atual Código Civil participa dessa tendência, ao estatuir, no parágrafo único do art. 1.573, que, para decretar a separação judicial, “o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.” 77

As causas elencadas no art. 1.573, do CC, serão discutidas no

próximo capítulo deste trabalho.

2.3.1.2 Separação Falência

O art. 1.572, § 1º (que repete a regra do § 1º, do art. 5º, da Lei

6.515/77), prevê que a separação também “ (...) pode ser pedida se um dos

cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano e a

impossibilidade de sua reconstituição.” Desse modo, não há uma sanção para a

76 Idem, pp. 301 - 302.77 Idem, p. 47.

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36

concessão dessa forma de separação, apesar de ser um tipo de separação

contenciosa: ela é concedida como uma solução para um casamento que não mais

existe de fato.

Venosa leciona:

Não se declinam as causas. Basta que seja comprovada a ruptura há mais de uma ano e a impossibilidade de sua reconstituição. A matéria em eventual contestação fica reduzida e circunscrita.(...)Examina-se também a impossibilidade de ser mantido o vínculo. Esse o sentido de “ruptura” mencionada na lei.78

Maria Helena Diniz complementa, explicando que “não importa

a razão da ruptura, sendo ainda irrelevante saber qual dos consortes foi culpado

pela separação, legalizando-se tão-somente uma separação de fato.” 79

Caio Mário Pereira da Silva, por sua vez, ensina:

Trata-se de caso em que o ambiente conjugal deixou de existir, por uma causa conhecida somente dos cônjuges, ou destes e de terceiros, destruindo a comunidade de vida, sem que o cônjuge quisesse ou pudesse intentar a ação de separação. São situações que a Jurisprudência muitas vezes enfrentou na vigência da legislação anterior, sem que pudesse remediar, na falta de suporte legislativo.80

Do ensinamento acima, é possível depreender que a ruptura

da vida em comum deverá ser analisada sob o aspecto da motivação: se o

afastamento dos cônjuges se der por motivos alheios aos seus desejos, não se pode

considerá-lo como causa da separação. Por outro lado, se os motivos que deram

causa à separação forem aqueles de origem interior, que dizem respeito apenas à

intimidade do casal, é possível a caracterização da ruptura da vida em comum, da

“separação falência”.

É importante salientar que não há exigência legal do

afastamento físico ou material do casal, para a materialização da ruptura da vida em

comum: o casal pode continuar vivendo sob o mesmo teto, por razões diversas e,

78 Op. Cit., p. 185.79 Op. Cit., p. 301.80 Op. Cit., p. 252.

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desde que comprove a separação pelo prazo estipulado em lei, estará caracterizada

a ruptura do vínculo.

Caio Mário Pereira da Silva81 atenta para importante fator, que

é a possibilidade desse tipo de separação ser requerida tanto pelo cônjuge que foi o

responsável pelo afastamento, quanto por aquele que foi vítima dele. Prossegue o

autor:

Descabe, portanto, aqui, a defesa fundada em que “nemo de improbitate sua consequitur acionem” , uma vez que não pode ilidir o pedido a alegação do réu, no sentido de que a ruptura teria sido causada pelo autor mesmo.Será, porém, válida a defesa baseada em que, na pendência daquele ano, teria havido período de convivência, demonstrando que a ruptura não se deu por todo aquele tempo de maneira ininterrupta, advinda da expressão utilizada pelo legislador na utilização do vocábulo “consecutivo”.82

Na fundamentação da sentença, o juiz deverá explicitar os

fatores que levaram à separação, ou seja, o afastamento pelo tempo determinado

em lei, somado à insuportabilidade da vida em comum, o que, por óbvio,

impossibilita a reconstrução da vida conjugal.

2.3.1.3 Separação Remédio

A separação remédio é outra das causas de separação

contenciosa, que já existia na vigência da Lei do Divórcio: o legislador de 2002

incluiu-o no § 2º, do art. 1.572.

A exigência legal vem expressa em quatro requisitos, sendo

que a doença deverá:

a) ser grave;

b) ter se manifestado após o casamento;

c) tornar impossível a vida em comum;

81 Idem, p. 253.82 Idem, p. 254.

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d) ter sido reconhecida como de cura improvável, após uma

duração de dois anos.

Da análise de cada um dos requisitos, tem-se que, com relação

à “gravidade”, o critério é de classificação subjetiva. Caio Mário da Silva Pereira

comenta o assunto:

Na falta de um critério legal, a decisão assenta na opinião de um técnico que terá de dar palavra convincente neste sentido. E não basta a consideração se determinada moléstia é grave genericamente considerada: cabe indagar se “in concreto” ela pode ser assim considerada. A mesma enfermidade mental poderá ser grave para um e não o ser para outro, em atenção às suas condições pessoais, à sua idade ou outro fator personalíssimo.83

O segundo critério diz respeito à época do surgimento da

doença: a dissolução do casamento com fundamento no critério da “separação

remédio” só será possível se a doença se manifestar após o casamento. Caio Mário

complementa a explanação:

Se se trata de enfermidade já positivada antes do matrimônio, e de que o outro cônjuge venha a tomar conhecimento na pendência deste, caso é de anulação, fundada em erro essencial, uma vez que seja ela grave e transmissível por contágio ou herança. Também o Código de 2002 alude à moléstia mental grave, que se manifeste após o casamento. Não quis referir-se àquela já existente e de que venha a ter conhecimento o outro cônjuge, após o matrimônio. A cláusula temporal refere-se à doença e não à ciência “post nuptias”.84

Com relação ao terceiro critério, é necessário que a

continuidade da vida em comum seja impossível. Caio Mário85 ensina que o

legislador levou em consideração a possibilidade do cônjuge doente ter que

permanecer internado indefinidamente. Desse modo, além dessa situação provocar

a insuportabilidade da vida conjugal para o cônjuge que está são, fica evidente que

vida em comum tornou-se impossível.

83 Op. Cit., p. 255.84 Idem, ibidem.85 Idem, p. 256.

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39

É importante salientar que não há necessidade do cônjuge

enfermo ter que ser internado, bastando que a doença seja de tal forma impediente,

que provoque a interrupção da vida a dois.

O quarto requisito refere-se também à avaliação subjetiva, uma

vez que dependerá de laudo pericial, que será efetuado de acordo com cada caso.

Além disso, caso haja a nomeação de assistente técnico, poderá haver um conflito

entre os laudos apresentados, e o juiz ficará responsável pela decisão de acatar um

ou outro laudo, concedendo ou não a separação ao casal.

Maria Helena Diniz ensina:

No direito anterior, o juiz tirava suas conclusões, podendo até negar a separação se esta constituísse causa para agravar a doença do outro cônjuge ou determinar conseqüências de excepcional gravidade para os filhos menores (Lei nº 6.515/77, art. 6º). Tratava-se da cláusula restritiva ou de dureza (“clause de dureté”), que foi abolida pelo novo Código Civil, pois se o casamento está falido, não havendo como reconstituir a comunhão de vida, maiores danos advirão aos consortes e à prole em face de sua manutenção forçada e não desejada, ao menos por um deles, colocando a família numa situação constrangedora, ferindo os princípios do respeito da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à criança e ao adolescente. Logo, não haveria sentido na negação dessa separação. Percebe-se que a intenção do legislador foi a de não permitir separações matrimoniais por qualquer distúrbio ou neurose da pessoa casada. São casos de doença mental, que levam à separação: a psicose maníaco-depressiva; a paranóia; o estado fóbico, histérico ou neurastênico; a neurose traumática; as psicoses endotóxicas por desvio funcional visceral, ou por desvio do metabolismo ou do endocrinismo.86

Quanto ao tempo de manifestação da doença, o critério é mais

objetivo: somente será considerada a doença mental que, após dois anos de seu

aparecimento, seja tida como de cura improvável.

Caio Mário comenta a norma contida no art. 1.572, § 3º:

O legislador do Novo Código tratou os casos de Separação Judicial por grave doença mental, com certa reserva, ao lhes atribuir conseqüências especiais. Assim é que determina a reversão ao cônjuge, que não pedir na separação os remanescentes dos bens que tiver levado

86 Op. Cit., p. 302.

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para o casamento. Outrossim, “se o regime dos bens adotado o permitir, reverterá ao cônjuge enfermo a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal (art. 1.572, § 3º). Não se pode atribuir ao enfermo a culpa pela moléstia. 87

Há alguma discussão a respeito dessa modalidade de

separação litigiosa, pois, alguns doutrinadores a consideram “descaridosa”, “egoísta”

e “hedonista”, sob a alegação de que o casamento deve sobreviver tanto aos bons

quanto aos maus momentos. Caio Mário comenta o assunto:

Quando as pessoas se unem em matrimônio é para que um e outro se amparem e prestem recíproca solidariedade. A Separação Judicial é remédio civil para situações incompatíveis com o casamento. Atenta contra os compromissos assumidos e contra o mais elementar sentimento de solidariedade. Se um deles falta a seus deveres, rompe-se a unidade familiar; se estão eles separados pelo ato de vontade comum ou unilateral, está bem que se dissolva a sociedade conjugal ou que se rompa o vínculo. Não assim se um deles é fulminado por enfermidade que lhe obscureça a mente.88

Yussef Cahali entende de modo diferente:

A separação em decorrência de grave enfermidade mental de um dos cônjuges, novidade introduzida em nosso sistema jurídico pela Lei do Divórcio, constitui uma das modalidades de separação judicial sem culpa. [...] Embora cada caso deva merecer acurado exame e profunda meditação, para não se impor ao cônjuge enfermo o estigma que decorre do preconceito social ainda existente, há de convir que o dispositivo, se bem aplicado, possibilita soluções honestas e justas.89

A gravidade da doença deve ser interpretada de modo relativo,

pois, a cada cônjuge compete a avaliação do grau de tolerância que pode suportar

antes de considerar a impossibilidade da vida em comum. Neste sentido, Yussef

Cahali prossegue:

E referindo-se à impossibilidade da continuação da vida em comum, repetindo o pressuposto do § 1º, do art. 5º, da Lei 6.515/77 (que cuida da separação de fato), hoje, § 1º, do art. 1.572, do CC, o legislador, equivocadamente

87 Op. Cit., p. 25688 Idem, p. 255.89 Op. Cit., pp. 420 - 421.

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ou não, procurou ser tolerante ou flexível com o cônjuge sadio, deixando-lhe o arbítrio de continuar unido ao cônjuge doente; ao contrário do art. 5º, “caput”, da Lei do Divórcio (atual art. 1.572, do CC), o legislador não condiciona a separação judicial, no caso de doença mental grave, à insuportável vida em comum.Porém, no conceito de possibilidade de continuação da vida em comum, a que se refere o art. 5º, § 2º, da Lei do Divórcio (art. 1.572, § 2º, do CC), está ínsita a idéia da negação da insuportabilidade da doença mental do outro cônjuge, sendo o pressuposto apreciado sob essa perspectiva; e, neste caso, deve-se levar em conta que, mesmo de um homem de nível cultural elevado, tem-se de respeitar o nível de suportabilidade diante da psicose da esposa, e que hoje consubstancia causa não culposa de separação. (Destaques do autor)90

Arnoldo Wald tem opinião formada sobre a matéria:

Muitas as críticas contra o dispositivo, que seria, antes de tudo, injusto para com o cônjuge acometido da doença. Se o dever de mútua assistência se impõe reciprocamente entre os cônjuges e é mesmo um dos mais importantes, não haveria como permitir e até legitimar aquele que abandona o seu consorte na hora da doença.91

Seguindo a tendência doutrinária, Arnoldo Wald também

pactua da idéia de que a separação-remédio não merece tantas críticas, uma vez

que, quando um dos cônjuges é acometido de grave doença mental (nos moldes do

que preconiza a lei), não se pode considerar que ainda exista o casamento. Assim,

prossegue o autor:

As críticas, no entanto, não procedem. O fundamento, como já foi dito, é dos mais antigos do direito, sendo conhecido dos romanos com o “divortium bona gratia”. O próprio direito canônico tem como fundamento para a separação temporal a doença mental que constitua perigo para o outro cônjuge. Por outro lado, procura a lei dar a mais ampla proteção de natureza patrimonial ao cônjuge não culpado e vítima da doença, e, finalmente, não é possível dizer que existe casamento quando um dos cônjuges, porque privado das faculdades mentais, deixou de ter qualquer condição de atender às finalidades do ato, por mais simples que elas sejam.92

90 Op. Cit., p. 425.91 Op. Cit., p. 200.92 Idem, ibidem.

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Outra discussão interessante é levantada por Maria Berenice

Dias, e diz respeito à necessidade ou não de se recorrer à “separação remédio”,

quando é possível pedir o divórcio (art. 1.580, § 2º, do CC). Eis aqui seu comentário

sobre a matéria:

Assim, estando os cônjuges separados de fato dá dois anos, e sendo desnecessária a indicação de qualquer motivo para buscar a dissolução do vínculo conjugal, nenhuma razão haveria para propor a separação sob a alegação – que necessita ser comprovada – de enfermidade de cura improvável, quando, em igual prazo, pode ser requerido diretamente o divórcio.(...)De qualquer forma, havendo a possibilidade de ser obtida a separação ou o divórcio, sem necessidade de motivar o pedido, e sem repercussões patrimoniais, dificilmente alguém postula a separação sob o fundamento de doença mental, ficando sujeito a sofrer retaliação de caráter patrimonial.93

A Desembargadora94 vai além, considerando a norma

“punitiva”, pois, aparentemente trata com “crueldade” aquele que deseja se separar

pela causa da doença mental grave do outro cônjuge. Isso ocorre porque o cônjuge

sadio fica sujeito a sofrer alteração no regime de bens, perdendo a meação em

nome do cônjuge doente, se o casal tiver celebrado o casamento sob o regime da

comunhão universal de bens.

As diferentes opiniões, no Direito, sempre são bem recebidas,

desde que visem a promover mudanças benéficas ao cidadão e a adequar as

normas e os procedimentos judiciais aos novos costumes e usos. Afinal, não seria

possível a transformação e a evolução, se todos pensassem da mesma maneira.

93 Op. Cit., p. 282.94 Idem, ibidem.

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CAPÍTULO III

3. A DISCUSSÃO DA CULPA NA SEPARAÇÃO

3.1 POSSIBILIDADES - Art. 1.573, do CC/02

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De acordo com a legislação vigente, preceitua o art. 1.573, do

CC:

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:I – adultério;II – tentativa ou injúria grave;III – sevícia ou injúria grave;IV – abandono voluntário do lar durante 1 ano contínuo;V – condenação por crime infamante.Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

A separação prevista nesse artigo é a chamada “separação

sanção”, e ocorre a pedido de um dos cônjuges, imputando ao outro qualquer ato

que resulte na grave violação dos deveres conjugais, além de tornar insuportável a

vida em comum.

O enunciado do art. 1.573, do CC reproduz o art. 317, do

Código de 1916, acrescentando "a conduta desonrosa e outros fatos que tornem

evidente a impossibilidade da vida em comum."

Há críticas a respeito da adoção, pelo legislador, de um elenco

de causas que possibilitam o pedido de separação judicial. Tal crítica deve-se ao

fato de que, antes mesmo da vigência do Código Civil de 2002, já havia acordo, por

parte dos juristas, de considerar as causas de separação, sob a forma de sanção,

como genéricas. O magistério de Sílvio Venosa elucida a matéria:

[...] o Código de 2002 volta atrás e reintroduz o sistema do Código Civil de 1916, com um elenco de causas que podem caracterizar a impossibilidade de comunhão. Desse modo, o art. 1.572, em seu “caput”, mantém a regra geral. [...] Bastava que se mantivesse esse texto, que igualava a orientação da Lei nº 6.515, e que já solidificara o entendimento jurisprudencial. No entanto, surpreendentemente, o art. 1.573 volta aos idos do início do século passado, com a atual redação. [...]Na verdade, todo o artigo mostra-se inútil, não só porque a matéria estava solidificada na doutrina e na jurisprudência dos últimos anos, como também porque o parágrafo permite que o juiz considere outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum. Volta-se, em síntese, ao “caput” do art. 1.572. [...]

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Histórica e socialmente, não mais se justifica o elenco geral.95

Caio Mário partilha da mesma opinião:

Pelo regime original do Código de 1916, no art. 317, o desquite devia fundar-se em uma ou mais das causas seguintes alegadas e provadas pela parte que o postulava: adultério, tentativa de morte, sevícias ou injúria grave, abandono voluntário do lar por dois anos contíguos.O Código de 2002, incluindo-os no art. 1.573, reduziu para um ano o tempo caracterizador do abandono do lar e acrescentou ainda como fundamentos a condenação por crime infamante e a conduta desonrosa. [...] A Lei nº 6.515/77, tal como a Lei francesa de 1975, adotou orientação no sentido de mencionar genericamente [...].Consideramos um retrocesso o legislador enfatizar a pesquisa da culpa para autorizar a separação judicial dos cônjuges.96

Maria Berenice Dias complementa as idéias apresentadas, com

os seguintes comentários:

A nova normatização merece ser chamada, no mínimo, de retrógrada. Acabam sendo tarifadas as causas da insuportabilidade da vida em comum, sem atentar o legislador que essa rejeição é de ordem subjetiva. Não há como delegar a um magistrado o encargo de avaliar se determinada atitude gera insuportabilidade de convívio. Ao depois, não é a prática dos atos elencados na lei que torna insuportável a vida em comum, é o reflexo que o agir de um dos cônjuges causa no outro que inviabiliza o convívio de ambos. [...] Não atentou o legislador em que a perquirição da causa da separação vem perdendo prestígio, na maioria dos países desenvolvidos, que autorizam o fim do casamento independentemente da indicação de um responsável pela insuportabilidade da vida em comum.97

Em linhas gerais, serão apresentadas, objetivamente, as

causas de caracterização da culpa vigentes, para sustentar o pedido de separação

judicial.

95 Op. Cit., pp. 181 - 182.96 Op. Cit., p. 257.97 DIAS, Maria Berenice. Da Separação e do Divórcio, in Direito de Família e o Novo Código Civil. Coord.: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 71.

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A grave violação dos deveres do casamento está esboçada

no entendimento do art. 1.566, do CC, que elenca os deveres matrimoniais, a saber:

“ [...] a fidelidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua

assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração

mútuos”. Portanto, se um dos cônjuges violar qualquer desses deveres, o outro

cônjuge está autorizado a requerer a separação, pois, tal ato tornou insuportável a

vida em comum.

O adultério é a violação ao dever de fidelidade (art. 1.573, I, do

CC). Maria Helena Diniz ensina:

O adultério é a infração ao dever de fidelidade, desde que haja voluntariedade de ação e consumação da cópula carnal propriamente dita. Assim não configuram adultério, por faltar o elemento subjetivo, ou seja, por haver inexistência do impulso sexual, as relações sexuais oriundas de estupro, de coação, de abulia ou falta de comando da consciência, como hipnose, sonambulismo, embriaguez involuntária. Não se caracterizam como tal, pela ausência do elemento objetivo da consumação da conjunção carnal: correspondência epistolar, cópula onanística, coito vestibular, aberrações sexuais, cópula frustrada, inseminação artificial heteróloga não consentida, que podem dar origem a uma infidelidade moral, equivalente à injúria grave, ao outro cônjuge.98

Yussef Cahali99 considera o adultério como a mais grave das

infrações aos deveres conjugais, pois, nossa sociedade é estruturada no casamento

monogâmico. De acordo com o autor, [...] tal é a gravidade da infração, que as

legislações persistem em qualificá-la como “causa absoluta” ou “peremptória” da

dissolução do matrimônio.100

Para Cahali, há dois elementos imprescindíveis no adultério:

Divisam-se efetivamente no adultério um elemento material, representado pelas relações sexuais com pessoas que não o cônjuge, e um elemento subjetivo, representado pela vontade livre para a prática do ato. O adultério, assim, na sua conceituação mais ampla, tem como pressuposto necessário a existência de um casamento vinculando qualquer dos participantes da

98 Op. Cit., p. 296.99 Op. Cit., p. 307.100 Idem, ibidem.

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relação carnal a uma terceira pessoa, e se configura ante a presença de um elemento físico, a cópula, e outro moral, a vontade culpável, a consciência de violar a fé jurada.101

É interessante trazer à colação a discussão acerca da

existência ou não do adultério, quando o casal encontra-se simplesmente separado

de fato. Yussef Cahali ensina:

Com efeito, o dever de fidelidade não sofre modificação alguma durante o estado de separação de fato, nem mesmo se houve pacto entre os cônjuges, com a liberação recíproca da fidelidade, o que, aliás, seria de manifesta nulidade. E a melhor jurisprudência, antiga e recente, define-se no sentido da ineficácia da separação de fato, quaisquer que sejam as suas circunstâncias, para liberar o cônjuge à prática do adultério. (Destaques nossos). 102

Ainda sobre o adultério, o art. 319, do Código de 1916

(revogado pela Lei 6.515/77), trazia a figura da exceção da concorrência: liberava-se

dos deveres matrimoniais aquele que tivesse sido abandonado ou traído pelo outro

cônjuge, desde que o autor do abandono ou traição os tenha praticado de modo

voluntário e positivo. Yussef Cahali comenta a revogação da norma:

Se um cônjuge infringe os deveres matrimoniais, nem por isso o outro se investe impunemente do direito de conspurcar o tálamo conjugal; nem ficará aquele inibido da faculdade de requerer a separação judicial motivada pela infidelidade deste.[...] Se os cônjuges se encontram reciprocamente na posição de culpados por fatos iguais, um à vista do outro, ou se a falta de um tiver provocado no outro faltas de natureza diversa, não resulta daí uma exceção, à base da qual o demandado possa fazer com que seja rejeitada, como “non-recevable” (do direito francês), a demanda proposta contra ele. 103

A inseminação artificial tem sido motivo de discussão: constitui

ela o adultério? No magistério de Caio Mário, a resposta é simples:

101 Idem, p. 308.102 Idem, p. 309.103 Idem, pp. 314 - 315.

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Problema que o direito moderno suscita é se a inseminação artificial constitui adultério. E deve-se pender para a negativa, dada a ausência do elemento material da cópula. Mas, se praticada contra a vontade ou na ignorância do marido ou companheiro, pode qualificar-se como injúria.104

Quanto à infração ao dever de vida em comum no domicílio

conjugal é constatável quando há o abandono voluntário do lar, por culpa de um

dos cônjuges, durante um ano contínuo. Maria Helena Diniz leciona:

É preciso esclarecer que no abandono nem sempre há mudança de domicílio por parte do consorte desertor. Deveras, pode haver abandono com a permanência do cônjuge no lar, mas de modo irregular, com ausências maiores ou menores, com a recusa a coabitar, com o inadimplemento do “debitum conjugale” , com o fato de deixar o outro cônjuge e os filhos desamparados material e moralmente; com situações vexatórias que traduzem indiferença ou desprezo. Abandono é ausência física ou moral. O “abandono material”, isto é, ausência física do cônjuge, não se caracteriza por ausências intermitentes, requer um ano cumprido e continuidade, não sendo lícito computar tempos destacados de afastamento. 105

Com relação ao abandono, há que se considerar suas causas:

se houver motivos essenciais, que justifiquem a ausência do cônjuge, não se

caracterizará tal situação. Esse é o ensinamento de Maria Helena Diniz:

Tal abandono deve ser voluntário, o cônjuge recalcitrante deve ter consciência de que, por sua deserção, está violando a obrigação da vida em comum. O abandono voluntário abrange o injusto e o malicioso; nele, não há motivo, nem explicação plausível para a atitude do consorte faltoso. Logo, o abandono justificado, por motivos relevantes, não é causa de dissolução do casamento. Se, p. ex., o abandono é assumido por esposa sob distúrbios psíquicos, oriundos de parto anormal, juridicamente, não há que se falar em abandono injusto. Logo, o abandono justificado, por motivos relevantes, não é motivo de dissolução do casamento.106

Caio Mário partilha da mesma opinião:

104 Op. Cit., p. 260.105 Op. Cit., p. 297.106 Idem, ibidem.

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Ausências intermitentes não caracterizam o divórcio, e nem é lícito somar tempos destacados de afastamento, para computar o prazo da lei. Mas, reversamente, não é de se confundir o abandono com a ausência. Esta, em sentido técnico, pressupõe o desconhecimento do local onde se encontre a pessoa, aliado à falta de notícias, e pode ser causada até por determinantes incoercíveis, como a guerra, o desaparecimento acidental etc. Ao passo que o abandono, justificativo do antigo “desquite” e, agora, para a “Separação Judicial”, requer o elemento anímico da voluntariedade, e pode caracterizar-se mesmo que se soubesse onde se encontrava o que o pratica, e ainda que residisse na mesma localidade.107

Carlos Roberto Gonçalves tece comentários sobre a exigência

do prazo de um ano para a reputação da violação do dever de coabitação:

Não se justifica a exigência do prazo de um ano para que se repute violado o dever de coabitação, pois que a prática forense nos fornece exemplos abundantes de abandonos perpetrados em lapsos inferiores. Exige-se que o abandono seja voluntário ou injustificado, que os alemães chamam de “abandono mau” e os canonistas “malitiosa desertio“. Se o marido expulsa de casa a mulher ou esta se retira do lar em razão de sevícias contra ela praticadas pelo marido, será ele, e não ela, quem terá infringido os deveres do casamento.108

O dever de mútua assistência restará descumprido com a

prática da tentativa de morte, sevícia ou injúria grave (art. 1.573, II e III),

autorizando o cônjuge ofendido a pedir a separação judicial por culpa. Maria Helena

Diniz explica os casos de desrespeito à integridade física e moral de um cônjuge

pelo outro:

A tentativa de morte, perpetrada por um dos cônjuges contra o outro, configura-se pelo começo da execução do crime, que não se consuma, por fatos alheios à vontade do agente, sendo desnecessária, para a decretação da separação judicial, sua condenação penal.As sevícias, ou seja, maus-tratos corporais, agressões físicas, desde que intencionais, abrem espaço à separação litigiosa.A injúria grave é a mais freqüentemente invocada nas ações de separação, em virtude da grande extensão ou elasticidade de seu conceito. É ela todo ato que ofende a integridade moral do cônjuge, seja ele real ou verbal. A

107 Op. Cit., p. 263108 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VI. Direito de Família. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 197.

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injúria real deriva de gesto ultrajante, que diminui a honra e a dignidade do outro ou põe em perigo seu patrimônio. [...] O magistrado deverá, é claro, apreciar a conduta injuriosa em cada caso com critério de relatividade, considerando o nível social e intelectual dos cônjuges, a sensibilidade moral, etc. (Destaques da autora). 109

Washington de Barros apresenta seus ensinamentos sobre o

tema:

[...] assim como deve ser respeitada a integridade física e moral de qualquer indivíduo, do mesmo modo cabe ao cônjuge, com mais forte razão, na constância do casamento, não atingir a incolumidade do consorte. Se, em vez de proceder por essa forma, agride-o com agravos físicos ou morais, quer consistentes em atos e palavras (tentativa de morte, sevícias, injúrias reais ou verbais, inclusive em autos), abre espaço ao repúdio, por parte do ofendido, através de ação de separação judicial. Todas essas hipóteses, que se denominam injúrias graves, importam no descumprimento do dever de respeitar o cônjuge (art. 1.566, V).[...] Assim, o dever de respeito tem como objeto os direitos da personalidade do cônjuge: vida, integridade física e psíquica, honra, nos aspectos subjetivo (auto-estima) e objetivo (reputação social), dentre outros.110

A condenação por crime infamante também permite que seja

feito o pedido de separação litigiosa. Maria Helena Diniz exemplifica os crimes:

[...] p. ex.: homicídio por motivo torpe, terrorismo, extorsão mediante seqüestro, latrocínio, tortura, tráfico de entorpecentes, estupro, atentado violento ao pudor, [...], por causar repulsa no meio social, aviltando seu autor e por acarretar insuportabilidade da vida em comum, diante da revelação do caráter do consorte e de sua má conduta social. 111

Caio Mário apresenta seus ensinamentos sobre os crimes

infamantes como causa de separação litigiosa:

Como crimes infamante compreendem-se aqueles que traduzem um vício de personalidade tal, por parte do agente do crime, que tornam absolutamente incompatíveis o interesse coletivo na prestação de um

109 Op. Cit., pp. 298 - 299.110 Op. Cit., p. 255.111 Op. Cit., p. 300.

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serviço confiável e de qualidade e o forte receio de que o interessado venha novamente a revelar o vício de conduta já externado. São exemplos de crime dessa natureza, o tráfico de entorpecentes, o latrocínio, a extorsão mediante seqüestro etc.112

Há, ainda, outro motivo, elencado no art. 1.573, para justificar o

pedido de separação judicial litigiosa, porém, a expressão escolhida pelo legislador

– conduta desonrosa – é bastante subjetiva e indeterminada. Maria Helena Diniz

ensina que:

Ante a indeterminação semântica desse vocábulo e a falta de sua definição em lei, cabe aos juízes e tribunais dizer, caso a caso, quando a conduta é desonrosa, considerando sempre certos elementos como: o ambiente familiar, a sensibilidade e grau de educação do cônjuge, etc. A apreciação dessa causa de separação judicial litigiosa reveste-se de certa subjetividade em razão de inúmeros fatores que podem influenciar a mente do órgão judicante. A conduta desonrosa, na lição de Regina Beatriz Tavares da Silva, “nada mais é do que injúria grave indireta, ou seja, o comportamento do cônjuge que depõe contra sua honra, afetando, pela via indireta, a reputação social do seu consorte, em razão do princípio da solidariedade de honras que existe no casamento”. 113

Pontes de Miranda114 leciona que as sevícias e injúrias podem

caracterizar a conduta desonrosa. De acordo com o autor,

Sevícia, define a jurisprudência, é o mau tratamento, a grosseria material continuada, a ofensa física. O conceito da “injúria grave”, mais amplo na esfera do Direito Civil do que no Direito Penal, alcança, para os efeitos de autorizar a separação judicial, qualquer ofensa à honra, à suscetibilidade, à dignidade dos cônjuges, de modo a tornar impossível a vida em comum.115

No magistério de Caio Mário116, a conduta desonrosa não

possui um critério pré-ordenado. De acordo com o autor, [...] é de se considerar todo

112 Op. Cit., p. 264.113 Op. Cit., p. 294114 Op. Cit., p. 465115 Idem, p. 466.116 Op. Cit., p.264

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comportamento de um dos cônjuges, que implique granjear menosprezo no

ambiente familiar ou no meio social em que vive o casal.117

Caio Mário complementa a lição sobre a matéria:

Não é possível arrolar todos os atos que possam constituir conduta desonrosa de um cônjuge. Cabe ao juiz, em cada caso, examinando as circunstâncias materiais da espécie, e tendo em vista o ambiente familiar, o grau de educação e sensibilidade do cônjuge, e quaisquer outros elementos informativos, decidir se a imputação procede e se a conduta do cônjuge tem efetivamente o caráter desonroso.118

Arnoldo Wald conclui que "[...] o comportamento desonroso da

outra parte deve ser culposo e não pode ser atribuído ao outro cônjuge se este é

insano mental ou se assim agiu coagido."119

As hipóteses que fundamentam o pedido de separação judicial

litigiosa foram relacionados em norma do tipo fechado (art. 1.573, caput) e, o

parágrafo único, em norma de tipo aberto, passa a permitir que “[...] o juiz poderá

considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.”

Maria Helena Diniz considera difícil essa tarefa do juiz, pois poderia transformar-se

em uma “mola” para a arbitrariedade judicial, conforme comentário que segue:

[...] o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum (p. ex., comportamento ofensivo ao dever de respeito, incompatibilidade de gênios (RJTJSP, 131:271), desamor, crueldade mental etc.), apelando para a discricionariedade judicial, para que o órgão judicante, empregando critérios axiológicos consagrados na ordem jurídica, interprete a norma em relação com a situação fática que deve solucionar, tendo em vista o momento atual e as peculiaridades do caso “sub judice”, averiguando se, na realidade, a conduta de um cônjuges torna insuportável a convivência conjugal. Tarefa difícil porque a realidade fática só aparece no convívio do lar, contendo os autos uma “meia-verdade”. Não seria isso uma porta aberta para uma perigosa “ciranda de separações judiciais”? Esse abandono do critério analítico e da enumeração taxativa dos motivos conducentes à separação judicial, ao adotar o regime de causas específicas, embora a título exemplificativo, e ao

117 Idem, ibidem.118 Idem, ibidem.119 Op. Cit., p.198.

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admitir causas indeterminadas, segundo a esteira das modernas legislações européias, não seria uma mola para a arbitrariedade judicial? 120

Caio Mário121 considera que o fato do juiz ter a permissão legal

para identificar novos fundamentos para a separação é um efetivo retrocesso: para o

autor, não é necessário buscar novas “culpas”, além das previstas nos arts. 1.572 e

1.573, do CC.

3.2 INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM

O elemento subjetivo “insuportabilidade da vida em comum”

deve estar presente para fundamentar o pedido de separação judicial litigiosa, como

se depreende da leitura dos arts. 1.572 e 1.573, do CC. Pontes de Miranda comenta

que:

A questão do elemento subjetivo da insuportabilidade é assaz delicada; mas é possível proceder-se à caracterização do que pode influir na insuportabilidade provinda da pessoa que a invoca. Certo, no dizer-se que um dado é insuportável tem que ser levada em conta a receptividade do cônjuge ofendido. Uma situação, por exemplo, é aquela em que esse, de rigorosa formação moral e irrepreensível conduta social, recebe imputação caluniosa de adultério; outra, aquela em que esse, de reduzidíssimos princípios éticos e comportamento em sociedade absolutamente reprochável, recebe imputação caluniosa de adultério. O julgamento, num e noutro caso, não podem ser o mesmo. E o elemento subjetivo intervém, diferenciando os dados das causas.122

A idéia comum aos doutrinadores é a de que, tendo em vista a

apreciação de inúmeros elementos subjetivos para a aferição da insuportabilidade

da vida em comum, o juiz deve ser bastante criterioso e não se deixar levar por

opiniões pessoais. Pontes de Miranda faz a seguinte abordagem sobre o assunto:

A sutileza da distinção há de levar os juízes à longa meditação dos elementos subjetivos, no que eles se objetivam, isto é, no que eles constituem prova de receptividade, e não no que ficam no campo das

120 Op. Cit., pp. 300 - 301.121 Op. Cit., p. 266.122 Op. cit., p. 462

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opiniões pessoais, ou de cada temperamento. A insuportabilidade é a que se apresenta, nos fatos, se determinada pela causa da ofensa, e não em se dizer ou em se pensar ser insuportável a convivência com o outro cônjuge, devido à ofensa. Insuportável é o que o é, não o que se opina seja. Algumas vezes o elemento subjetivo desfaz a insuportabilidade, em vez de produzi-la. É o caso de todos os cônjuges que, a despeito da ofensa e da sua gravidade e de ser, de ordinário, insuportável, não na vêem sequer, ou vêem, mas o amor a supera. O que casa com cônjuge que se revela absolutamente adúltera e, descobrindo-o, com ela continua e com ela coabita, desfaz o conceito da insuportabilidade que objetivamente se estabelecera; o elemento subjetivo objetiva-se, mostrando que é suportável, e não insuportável, a vida conjugal. (Destaques do autor). 123

Caio Mário da Silva Pereira124 leciona que a insuportabilidade

da vida em comum, mencionada no art. 1.572, do CC, abrange tanto a conduta

desonrosa quanto a violação dos deveres conjugais, mas, alerta que não é qualquer

destas condutas que levará à separação litigiosa: a mesma só ocorrerá quando

tornarem insuportável a vida em comum do casal. Além desses fatores, o autor

considera que o juiz deverá verificar in casu se o fato apontado realmente tornou

insuportável a vida em comum, pois, cada casal possui sua dinâmica própria de

convivência, com traços pessoais e psicológicos peculiares e, um fato que pode ser

gravoso para uma família, talvez não tenha tanto peso para outra família.

Yussef Cahali complementa a doutrina, sopesando a

importância da avaliação do juiz sobre o fato desencadeador da separação e seus

efeitos sobre a vida em comum do casal:

Verificarão os juízes se a conduta ou o ato teriam razoavelmente provocado o acirramento dos ânimos e a invencível incompatibilidade entre os cônjuges, com uma inconciliável desarmonia do casal, gerando tudo isso a definitiva ruptura da “affectio maritalis”, degenerada a sociedade conjugal em acrimoniosa convivência propícia às agressões recíprocas, e prenhe de divergências que são prejudiciais e perigosas para os cônjuges e para a prole.[...] E deve ter em conta, também, que somente deve se exigir de qualquer dos cônjuges sacrifícios de pouca monta, e, excedido tal limite, insuportável se torna a vida em comum, dando lugar ao desfazimento da sociedade.125

123 Idem, pp. 484 - 485.124 Op. Cit., pp. 251 e 252125 Op. Cit., pp. 385 - 386.

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Na análise mais aprofundada de Yussef Cahali126, a

insuportabilidade da vida em comum, inserida no parágrafo único do art. 1.573, do

CC, deve ser vista como causa autônoma de separação judicial. Nessa situação,

será considerada causa genérica e circunstancial, ao lado da violação dos

deveres conjugais.

A causa da separação, em caso da violação dos deveres

conjugais, é a culpa do cônjuge faltoso; nas situações em que a causa da separação

for a insuportabilidade da vida em comum, não haveria, obrigatoriamente, uma falta

de um dos cônjuges para autorizar a ação: as contingências, comuns à vida dos

casais, ensejariam a impossibilidade de convivência marital.

Yussef Cahali conclui sua análise:

Portanto, estamos diante de nova causa de separação – sem culpa do requerido – e mais abrangente do que aquelas causas específicas contidas nos §§ 1º e 2º do art. 1.572, por permitir ao julgador considerar os elementos trazidos pelos interessados como razão da insuportabilidade da vida em comum. Daí classificar-se esta causa como “genérica”, não “específica”, e, a seu turno, de acordo com o comportamento dos cônjuges, como “sem culpa”, ou “por circunstância genérica”. Em outras palavras, embora acanhada na literalidade, consideramos ter sido introduzida pela “mens legislatoris”, uma separação sem culpa, mas ainda com causa. [...] Concluindo sua percuciente análise, deduz o autor as conseqüências: há causa, mas, não há culpa.127

É possível concluir que a insuportabilidade da vida em

comum é fator preponderante na separação judicial, sendo, porém, subjetiva e

delicada sua aferição, pois o limite de tolerância e renúncia ao qual o cônjuge

consegue se submeter não deve ferir sua sensibilidade e honra.

3.3 A PROVA DA CULPA

O casamento traz consigo as obrigações inseridas no art.

1.566, do CC: fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua

126 Idem, p. 399. 127 Idem, ibidem.

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assistência, respeito e consideração mútuos, sustento, guarda e educação dos

filhos. Qualquer infração desses deveres permite que o cônjuge inocente proponha a

ação de separação judicial, imputando ao outro o descumprimento de dever

conjugal. Em regra, pela disposição normativa do art. 1.572, do CC, o cônjuge

culpado não dispõe de legitimidade para intentar a ação.

Nelson Nery e Maria Rosa ensinam que, “[...] juntamente com a

prova do descumprimento do dever conjugal, deve o cônjuge demonstrar que a vida

em comum se tornou insuportável.” 128

Mas, uma vez alegada a culpa de um dos cônjuges, o cônjuge

inocente deverá demonstrar os fatos que comprovem sua existência, pois, há a

previsão de sanções legais para o cônjuge faltoso. Os arts. 1.578 e 1.694, § 2º, do

CC, apresentam as conseqüências do reconhecimento da culpa na ação de

separação judicial: há efeitos na pensão alimentícia e no direito de usar o

sobrenome do cônjuge inocente.

Para Yussef Cahali, “ [...] ao autor da ação de separação

judicial fundada na culpa do outro cônjuge cabe provar apenas a gravidade da

infração ou a desonrosa conduta imputada ao demandado”.129

O referido autor complementa sua explanação a respeito da

prova da culpa na separação judicial:

Portanto, ao demandado é que compete a alegação e prova da “exceção da suportabilidade da vida em comum”, de modo a obstar o decreto de separação, ainda que grave a infração ou desonrosa a conduta que lhe foi imputada; havendo casos em que nem mesmo há que se indagar da insuportabilidade da vida em comum, como no abandono voluntário do lar, “pois vida em comum não há”.130

Sílvio Rodrigues explana a matéria acerca da prova da culpa

na separação judicial:

Quando a causa, ou seja, o motivo da separação é a culpa, a prova dos autos será direcionada à verificação

128 Op. Cit., p. 883.129 Op. Cit., p. 390.130 Idem, p. 391.

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da responsabilidade pelo fim do casamento, com as conseqüências daí decorrentes. [...]Na separação judicial litigiosa por culpa de um dos cônjuges [...] há necessidade de comprovação da grave violação de algum dos deveres conjugais. 131

Orlando Gomes aprofunda-se na análise da matéria, e

apresenta as diversas maneiras de comprovação da culpa, conforme o tipo de

violação dos deveres pelo cônjuge faltoso. Com relação ao adultério, seu

ensinamento é o que segue:

Prova-se o adultério com indícios e presunções de tal veemência que não se pode duvidar de que foi cometido. A dificuldade de fazer a prova direta leva a se admitirem conjecturas e fatos que contribuem para a sua constatação. As presunções devem ser violentas, vale dizer, conjecturas fundadas em fatos que somente soem acontecer em caso de adultério, tão unidos ao que se deve provar que, uma vez postos, infere-se, sem cabimento para qualquer dúvida razoável, que o adultério ocorreu. (Destaques do autor).132

Ainda de acordo com Orlando Gomes, "[...] as sevícias

provam-se por todos os meios de prova, mas, a prova por excelência é o exame de

corpo de delito." (Destaque do autor).133 Com relação ao abandono do lar, o autor

ensina que "[...] a intenção de abandonar o lar pode revelar-se por fatos inequívocos,

que dispensam a confirmação temporal. Requer, porém, continuidade." (Destaque

do autor).134

Com relação à injúria grave, Orlando Gomes leciona:

A injúria grave é o motivo de separação mais freqüentemente invocado, por ter compreensão muito ampla em decorrência da elasticidade do conceito. Pode assumir tantas e tão variadas formas que abrange todo comportamento contrário aos deveres matrimoniais, até mesmo as outras causas de separação mencionadas especificamente na lei. [...] Na qualificação dos fatos injuriosos, apreciam-se, necessariamente, o nível social e intelectual dos cônjuges, o grau de educação, a

131 Op. Cit., pp. 223 - 225.132 Op. Cit., p. 240.133 Idem, p. 243.134 Idem, ibidem.

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sensibilidade moral e outros fatores pessoais. (Destaques do autor).135

A prova da culpa, na separação judicial, fica condicionada à

insuportabilidade da vida em comum. Assim leciona Orlando Gomes, em comentário

sobre a norma contida no art. 5º, da Lei nº 6.515/77:

O importante na nova sistemática é, outrossim, a vinculação que o art. 5º, “caput”, faz entre violação dos deveres conjugais e a insuportabilidade da vida em comum. Dessa forma, não basta, de forma objetiva, provar a transgressão de um dos deveres conjugais. É indispensável comprovar a gravidade da infração, de tal modo que, após, ela tenha se tornado para o ofendido impossível manter a vida em comum com o infrator.136

O fato do cônjuge inocente manter a convivência marital por um

longo período, após tomar conhecimento do cometimento de qualquer infração por

parte do outro cônjuge, caracteriza o perdão à falta cometida. Não poderá o primeiro

intentar ação de separação judicial com causa culposa, sustentando seu pedido na

falta antiga e, teoricamente, já ultrapassada.

Nesse sentido, Orlando Gomes leciona sobre a matéria:

Assim, se após conhecer a infração, o cônjuge inocente continuou a manter a convivência normal com seu consorte, durante longo tempo, não pode invocar a antiga e ultrapassada falha para sustentar o pedido de separação litigiosa.Nesse sentido, embora revogado o art. 319 do Código Civil (de 1916), que cogitava do perdão ao adultério, por meio da coabitação ulterior dos cônjuges permanece válido o preceito, porque dito comportamento, quando já se conhece o adultério, representa, sem dúvida, uma forma evidente de mostrar que a vida em comum não se tornou insuportável, mesmo depois da quebra da fidelidade.137

Washington de Barros partilha da mesma opinião:

135 Idem, pp. 244 - 245.136 Idem, p. 245.137 Idem, ibidem.

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Evidentemente, não há que se cogitar da insuportabilidade se o cônjuge inocente perdoou o consorte infiel, presumindo-se perdoado quando aquele, ciente da infração, coabita com o culpado. Conquanto o Código Civil de 2002, assim com a Lei nº 6.515, de 1977, não tenha reproduzido o disposto no art. 319 e parágrafo único do Código Civil de 1916, semelhante entendimento é primeira intuição. Se o inocente coabita com o culpado, tendo conhecimento do adultério anterior, positivamente está a perdoá-lo. Note-se que não basta a vida em comum, sob o mesmo teto, para que se caracterize o perdão: é indispensável que a comunhão de vidas tenha sido retomada.138

A doutrina de Venosa ensina que [...] em linhas gerais,

qualquer ato que implique violação do dever de fidelidade, mútua assistência e

convivência, poderá lastrear o pedido de separação, devendo o requerente

comprovar que tal ato tornou a vida em comum insuportável. (Destaques

nossos).

Pertinente questão aborda Fernando Sartori, com relação à

prova da culpa na separação judicial:

Deve ser sopesada, ainda, a dificuldade em provarem, numa ação judicial, fatos que geralmente ocorrem no interior da moradia familiar, somente entre os cônjuges, sem qualquer testemunha. Assim, por exemplo, um marido que maltrata durante anos a mulher, dentro de sua residência, que não lhe oferece sua companhia, seu carinho; um dia, essa mulher acaba se envolvendo com terceiro, o que é descoberto pelo marido, que ajuíza o pedido de separação fundado na causa culposa. Como essa mulher, numa reconvenção, poderia provar a perturbação que durante toda a vida sofreu? Assim, se o pedido do marido fosse acolhido e o da mulher indeferido, por falta de provas, sendo ela declarada culpada, a decisão padeceria de flagrante injustiça. Isso sem falar na conseqüências que suportaria em razão de ser tachada como culpada.139

A doutrina trata da matéria sobre a prova da culpa de maneira

genérica, dando ênfase especial à prova da insuportabilidade da vida em comum. É

possível, então, afirmar que, uma vez demonstrada a prática de ato que viole os

138 Op. Cit., p. 253.139 SARTORI, Fernando. A culpa como causa da separação e seus efeitos. Internet, acesso em 15/08/2008, disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Sartori_Culpa.doc , p.09.

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deveres conjugais, por qualquer meio de prova permitido no Direito, ainda assim,

deve o cônjuge inocente comprovar que a vida em comum tornou-se insuportável.

A conclusão óbvia é a de que o valor maior para a decretação

da separação recai mais sobre a impossibilidade de manutenção da união, porque a

vida em comum não é mais tolerável, o que nos leva à discussão do tópico seguinte:

persiste a necessidade de se discutir a culpa na separação?

3.4 PERTINÊNCIA E ADEQUAÇÃO DA EXISTÊNCIA DA CULPA NA SEPARAÇÃO

O Código de 1916 tratava do assunto do desquite judicial em

seu art. 317. Em quatro incisos, abordava os pressupostos para a ação de desquite:

adultério, tentativa de morte, sevícia, injúria grave e abandono voluntário do lar

conjugal durante dois anos contínuos.

Com o advento da Lei do Divórcio, em 1977, seu art. 5º trouxe

o acréscimo de duas hipóteses genéricas de separação-sanção: a conduta

desonrosa e a grave violação dos deveres do casamento. Sílvio Rodrigues comenta

que esse acréscimo acabou “aumentando o arbítrio do juiz no exame do caso

concreto.” 140

Além dos acréscimos mencionados, o art. 5º, da referida Lei,

exigia que a violação dos deveres deveria ser grave a ponto de tornar insuportável a

vida em comum, fato este que deveria ser comprovado pelo cônjuge inocente.

Sílvio Rodrigues faz uma apreciação crítica sobre o assunto:

Ora, essa exigência, a nosso ver, era má, não só porque impunha ao autor da demanda o ônus de provar a subseqüente insuportabilidade da vida em comum, como também porque abria ao réu a possibilidade de contestar o feito com a alegação de que seu adultério, ou a injúria irrogada contra o seu consorte, ou a sevícia de que este foi vítima, não tornaram a vida em comum insuportável. De qualquer forma, restou marcado em nosso sistema a necessidade de discutir a culpa pela separação prevista no “caput” do art. 5º referido, de sorte que, inexistindo o comportamento faltoso do requerido e a insuportabilidade da vida em comum, a dissolução da sociedade conjugal só poderia ser promovida amigavelmente ou nas restritas situações previstas nos §§ 1º e 2º do referido art. 5º (separação de fato prolongada e doença mental de um dos cônjuges).

140 Op. Cit., p. 221.

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Embora possa soar estranho, a incompatibilidade de gênios ou a só falta de amor, perdido no passar dos anos, não era suficiente à separação judicial litigiosa, pautada, repita-se, na idéia de culpa de um dos cônjuges no cumprimento de suas obrigações conjugais. (Grifo do autor). 141

Em 1992, com a superveniência da Lei 8.408, houve alteração

no art. 5º, da Lei do Divórcio: o prazo para requerer a separação por ruptura da

sociedade conjugal foi alterado de cinco para um ano. Sílvio Rodrigues prossegue:

Ora, a lei autorizando os interessados a pleitear separação mediante somente a prova de que estão separados há mais de um ano, sem ter que justificar seu pedido na prova de culpa do consorte, freqüentemente já afastava do pretório os cônjuges, a quem não mais interessaria a via tradicional. [...] Assim, afora os casos em que interessaria a prova e o reconhecimento da culpa por parte do marido ou da mulher, para efeitos de alimentos e utilização do patronímico conjugal, a separação com base na culpa já estava sendo utilizada em menor número pelas partes, embora muitas vezes o processo ainda assim se iniciasse, provocando um acordo já na primeira audiência.142

Yussef Cahali explana sobre os efeitos de todas essas

alterações:

Agora, com o Novo Código Civil, implantou-se autêntica mixórdia em nosso sistema jurídico, pondo em evidência a falta de coordenação do projeto, nas diversas fases de sua tramitação: retrocessivo quando de sua elaboração, foi atropelado por farta legislação superveniente, inovadora, acabando por nos proporcionar um sistema emaranhado e indefinido.143

O autor prossegue sua explanação, comentando as normas

contidas nos artigos 1.572 e 1.573 do Novo Código Civil:

Assim, no art. 1.572, “caput”, simplesmente reproduz parte do art. 5º, “caput”, da Lei do Divórcio. [...]Nos dois parágrafos deste artigo, simplesmente reproduz, com redução de prazos, as hipóteses de

141 Idem, ibidem.142 Idem, p. 222.143 Op. Cit., p. 301.

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separação judicial litigiosa sem causa culposa, antes contidas nos parágrafos do art. 5º, da Lei 6.515/77.[...]Mas, de forma abstrusa, no art. 1.573, a pretexto de elucidar os motivos que “podem caracterizar a impossibilidade de comunhão de vida” (“rectius”, insuportabilidade da vida em comum, cf. art. 1.572), reproduz as causas de desquite enumeradas no art. 317 do Código de 1916, acrescentando a “conduta desonrosa”.E, numa reversão final de critérios, agrega a esse dispositivo, parágrafo que possibilita a separação judicial diante de “outros fatos” que o juiz considere “que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”. (Destaques do autor).144

Na vigência do Novo Código Civil, as sanções atribuídas pela

culpa de um dos cônjuges para o fim do matrimônio foram mitigadas: antes, havia a

perda dos alimentos, da guarda dos filhos e do patronímico conjugal. Hoje, não há

mais a associação da responsabilidade pela separação e a guarda dos filhos; a lei

autoriza a concessão de alimentos ao ex-cônjuge culpado, em caso de necessidade

premente, concomitante ou ulterior à separação e não há impedimentos, em

circunstâncias especiais, para a manutenção do sobrenome de casado pelo culpado.

Sílvio Rodrigues explica a matéria:

Daí porque a severa crítica feita pela doutrina na preservação da separação com culpa, quando caminha o moderno Direito, à luz da legislação estrangeira, em retirar do ordenamento a discussão dela na separação judicial.145

A discussão acerca da tendência de se retirar o critério da

culpa, nas separações judiciais, ganha força entre os doutrinadores, especialmente

porque sua manutenção não se justifica mais, em razão das alterações legais já

mencionadas. Sílvio Rodrigues apresenta outros motivos para o desaparecimento da

separação com base na culpa:

Como se disse, já antes eram poucas as separações nessa modalidade que atingiam seu fim sem uma composição no curso da lide, até pela complexidade da discussão e prova da responsabilidade na separação. Com o novo modelo, a tendência será, queremos crer, reduzir ainda mais o número desses processos litigiosos.

144 Idem, pp. 301 - 302.145 Op. Cit., p. 226.

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Talvez assim, bem construídas a doutrina e a jurisprudência na nova plataforma, venha a desaparecer definitivamente a separação com base na culpa, tornando letra morta a sua previsão no Código.Não se pode, entretanto, retirar do inocente o direito de buscar eventuais repercussões do comportamento faltoso de seu cônjuge. Talvez, “de lege ferenda”, melhor fosse permitir a discussão exclusivamente dos efeitos secundários da culpa, sem, todavia, condicionar o seu reconhecimento ao deferimento da separação.146

Washington de Barros Monteiro também faz referência ao

tema:

Muito se tem falado sobre a abolição da culpa no direito de família, especialmente nas rupturas do casamento, sob a alegativa de que seria um dos maiores atrasos de nossa legislação, uma intervenção indevida do Estado na intimidade do casal, uma definição de sentimentos que não cabe ao direito realizar. Procura-se em outras ciências, especialmente na psicanálise, justificar a abolição da culpa nas relações familiares e de casamento.Também para o fim de eliminar a culpa do sistema jurídico brasileiro, diz-se que seria desnecessária no casamento e em seus rompimentos, já que de nada adiantaria encontrar um culpado pela separação. Isto porque a culpa não deve gerar efeitos no que se refere à guarda dos filhos e tampouco acarretar, de forma absoluta, a perda da pensão alimentícia. [...] Note-se que a intervenção do Estado somente ocorre a pedido de um dos cônjuges e na defesa de seus lídimos interesses. 147

Maria Berenice Dias faz uma análise crítica sobre a atribuição

da culpa na separação judicial culposa e a intervenção do Estado nesta demanda:

Quando somente um dos cônjuges quer terminar a sociedade conjugal, para pleitear a separação, tem de atribuir ao outro a culpa pelo fim da união, ou comprovar a ruptura da vida em comum há mais de um ano (CC, 1.572). Antes do decurso dese interstício, ou na ausência de motivo que possa ser imputado ao outro, resiste o Estado em chancelar a vontade de um dos cônjuges. Ainda assim, decretada a separação, é preciso volver a juízo para convertê-lo em divórcio (CC, 1.580, § 1º). Para a obtenção do divórcio direto é necessário o decurso de prazo de dois anos da separação de fato (CC, 1.580, § 2º).

146 Idem, ibidem.147 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito de Família. Vol. 2. Atualizado por Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. 38ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 251 - 253.

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Curioso é que, após o decurso do prazo de um ano do fim da vida em comum, desinteressa-se o Estado em identificar ou punir o responsável pela ruptura da relação (CC, 1.572, § 1º). [...] Hoje, não obstante constem na lei tais motivações, cada vez mais vem saindo de cena o tópico da culpa. A jurisprudência, atentando à melhor doutrina, decreta a separação mediante a mera constatação do fim do vínculo afetivo. (Destaques da autora).148

A discussão que hoje existe em torno na culpa na separação

diz respeito à exposição da família, diante do processo de separação. Rolf Madaleno

comenta a matéria:

[...] curioso constatar que todo o decantado respeito constitucional à intimidade do cônjuge e à sua dignidade no seio da sua sociedade familiar desloca-se com facilidade para o terreno da amargura, da censura pessoal e até mesmo da humilhação, quando se trata de buscar em juízo o decreto oficial de uma união desmoronada. 149

Maria Berenice Dias150 aponta que muitos países desenvolvidos

permitem a separação, sem que seja necessário apontar sua causa, nem o

responsável pela insuportabilidade da vida em comum. Além de considerar a nova

normatização “retrógrada”, a autora declara que “não há como delegar ao

magistrado o encargo de avaliar se determinada atitude gera insuportabilidade de

convívio”.151 A autora comenta que a razão desse novo comportamento talvez possa

ser atribuída ao fato de que é difícil imputar a um só dos cônjuges a

responsabilidade pelo fim do casamento, tanto quanto ao fato de que o Estado não

deveria intrometer-se nessa esfera de intimidade do casal. Prossegue a autora:

Reconhecendo como despicienda a necessidade de motivar o pedido de separação, vem a jurisprudência pátria desprezando a indicação de conduta culposa, bem como a comprovação dos motivos alegados. Sob o fundamento de que a própria demanda já evidencia o fim do vínculo afetivo, é decretada a separação, sem identificar a culpa de qualquer dos cônjuges.

148 Op. Cit., p. 274.149 MADALENO, Rolf. Novas Perspectivas no Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 31.150 DIAS, Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da Separação e do Divórcio , in Direito de Família e o Novo Código Civil. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey Ltda, 2006, p.71.151 Idem, ibidem.

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O decreto de separação sem a identificação de responsabilidades em nada afronta a lei, pois a justificativa finalística da culpa no ordenamento jurídico em vigor perdeu inteiramente seu significado em face das normas constitucionais.[...] Desse modo, a ingerência do Estado na vida dos cônjuges, obrigando um a revelar a intimidade do outro para que imponha o juiz a pecha de culpado ao réu, é de ser qualificada como inconstitucional. 152

Com relação às causas de separação, elencadas no art. 1.573,

do CC, Maria Berenice Dias 153 entende que o rol ali destacado é desnecessário,

pois, todos os atos apontados seriam mera conseqüência da falta de afetividade (ou

de seu término) no casamento. Assim, “[...] só é infiel, só abandona, só agride quem

não ama. Tudo isso acontece porque o vínculo afetivo acabou. Portanto, a única

causa que leva à separação é o fim do amor.” 154

A autora prossegue, em comentário retirado do texto Da

Separação e do Divórcio:

A nova normatização merece ser chamada, no mínimo, de retrógrada. Acabam sendo tarifadas as causas de insuportabilidade da vida em comum, sem atentar o legislador que essa rejeição é de ordem subjetiva. Não há como delegar ao magistrado o encargo de avaliar se determinada atitude gera insuportabilidade de convívio. Ao depois, não é a prática dos atos elencados na lei que torna insuportável a vida em comum, é o reflexo que o agir de um dos cônjuges causa no outro que inviabiliza o convívio de ambos. (Destaques nossos).155

Fernando Sartori tem visão interessante a respeito da

atribuição da culpa, em processo de separação judicial. Para o autor, [...] a

estipulação de causas culposas para a dissolução da sociedade conjugal não se

coaduna com os princípios estabelecidos na Constituição Federal.156

No mesmo sentido, Maria Berenice Dias:

É absolutamente indevida a intromissão do Estado na vontade das partes, estabelecendo prazos ou

152 Idem, pp. 71 - 72.153 Idem, p. 73.154 Idem, ibidem.155 Idem, p. 71.156 Op. Cit., p. 13.

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identificação de “culpas” para desfazer o casamento. Evidente o desrespeito ao direito à liberdade, razão pela qual não há como deixar de reconhecer como inconstitucional a regra que impõe limitações à separação e ao divórcio (CF, art. 226, § 6º), por afrontar o princípio maior que consagra a dignidade da pessoa humana como bem supremo. É absurdo forçar a manutenção do estado de casado, quando o casamento não mais existe. Ninguém está obrigado a viver com quem não esteja feliz, devendo preponderar o respeito à dignidade da pessoa humana. Ao depois, para quem acredita que a Constituição dá preferência ao vínculo matrimonial (CF, art. 226, § 3º), obstaculizar a separação e o divórcio, mantendo o enlace conjugal anterior, desatende à recomendação de transformar a nova unidade familiar em casamento. (Destaques da autora).157

Com relação à manutenção da culpa, como modalidade de

rompimento do matrimônio, a Desembargadora acentua sua crítica:

Nada mais justifica a permanência de modalidades diversas para ultimar o período de vida em comum. Separação e divórcio servem a um só propósito: romper o casamento. Não se justifica, assim, a opção do legislador por manter regras próprias para a separação judicial (instituindo sistema fechado, rígido e com causas específicas, discutindo culpa, saúde mental e falência do amor), e admitir o divórcio submetido a um único requisito objetivo: o tempo. (Destaques da autora).158

Fernando Sartori prossegue, em comentário à mesma matéria:

Ainda que numa minoria de casos se pudesse realmente evidenciar aquele que deu causa ao fim do matrimônio, na maioria deles é impossível demonstrar quem é o culpado pela separação, se é que ele existe. Por outro lado, não se afigura justo determinar-se a culpa com base num fato ou comportamento isolado. Ademais, sendo impossível e além de tudo indigno levar ao processo toda a intimidade familiar a fim de que se possa analisar a culpa, acrecido ao fato de o juiz não ter conhecimento suficiente para o exame, ponderando-se as posições, sem dúvida a mais razoável é a que elimine a discussão da culpa nos processos de separação.159

157 Op. Cit., p. 270.158 Idem, ibidem.159 Op. Cit., p. 12.

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Para Fernando Sartori160, o Estado não deveria intervir na

intimidade do casal, para descobrir o culpado pela separação, uma vez que o

relacionamento conjugal é extremamente pessoal. Para ele, com o advento da

Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade humana é elencado como um

dos fundamentos da República; alarga-se o rol das entidades familiares protegidos

por ela; igualam-se, em direitos e deveres, o marido e a mulher e, por fim, fica

estabelecido que o divórcio poderá ser concedido aos cônjuges separados de fato

há pelo menos dois anos, sem a necessidade de discussão da culpa pelo fim do

casamento.

Pelas razões dispostas na Constituição Federal, o autor

conclui:

Consagra-se, então, uma nova concepção de família, chamada eudemonista ou de família nuclear, uma família que pode nascer do casamento, mas não somente dele; uma família que existe para que seus integrantes nela encontrem sua realização pessoal, sua felicidade, e, por fim, uma família que, quando não conseguir atingir os seus objetivos almejados, pode ser dissolvida sem traumas. Assim, com as novas normas constitucionais, não há como deixar de concluir que o Estado perde o interesse em lutar pela manutenção de um casamento, quando nele as pessoas não encontrarem a felicidade, que o Estado perde o poder de punir aquele que, não contente com o ambiente familiar em que se encontra, tem a iniciativa de dissolvê-lo.161

Além dos argumentos já apontados pelo autor, é importante

ponderar sobre a real necessidade de aferição da culpa a um dos consortes quando,

em nosso sistema atual, há a possibilidade de se ingressar com ação de divórcio

direto, se o casal já estiver separado de fato há pelo menos dois anos. Assim, em

caso de ajuizamento de ação de separação judicial por culpa, caso a mesma não

tenha sido julgada no prazo de dois anos, não há mais razão para seu

prosseguimento, tendo em vista a possibilidade que se apresenta de se obter o

divórcio direto.

Sobre a situação apresentada, Fernando Sartori tece o seguinte

comentário:

160 Idem, ibidem.161 Op. Cit., p. 07.

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Suponhamos que, passados dois anos, ainda não havendo decisão no processo de separação judicial, o réu ingresse com ação de divórcio direto, em razão da separação de fato. O divórcio terá que ser obrigatoriamente concedido, pois, verificado o único requisito imposto pela Constituição Federal. Desta forma, aquele primeiro processo de separação terá que ser extinto, por perda do objeto. Assim, tudo o que ali ocorreu, todas as ofensas, acusações, resultaram em vão, não terão qualquer significado prático, ou seja, só serviram para desgastar ainda mais os cônjuges e, possivelmente, os filhos.162

Interessante proposta é feita pelo autor163, ao entender que os

critérios da culpa como causa de separação deveriam ser revogados e, no lugar

deles, inserido um dispositivo semelhante ao existente na legislação italiana, que

dispõe que é possível o pedido de separação quando ocorrerem “fatos tais” que

tornem insuportável a vida em comum. Nesse caso, excluiria-se a apreciação da

ocorrência ou não de culpa dos cônjuges, e a insuportabilidade da vida em

comum passaria a ser a própria causa da separação, e não mais a

conseqüência da conduta culposa.

No mesmo sentido, vale repetir as citações de Maria Berenice

Dias, no texto Da Separação e do Divórcio:

Talvez se deva atentar que todo esse extenso rol não identifica “causas” para a separação. São elas, afinal, meras conseqüências do único fator gerador de tais atitudes: o término da afetividade. Só é infiel, só abandona, só agride quem não ama. [...]Mais um fundamento merece ser invocado para evidenciar a toral inutilidade de ser identificada culpa para a concessão da separação. Como é vedada a referência à causa da separação na sentença de conversão da separação em divórcio (art. 1.580), de nada servem o desgaste das partes, a dilação probatória e a oneração da Justiça. A pecha de culpado dura pouco tempo. No máximo um ano. Desaparece quando a separação se transforma em divórcio.164

Há doutrinadores que partilham da opinião sobre a

possibilidade do emprego dos princípios da responsabilidade civil, quando ocorrer a

162 Idem, pp. 18 - 19.163 Idem, p. 19.164 Op. Cit., p. 73.

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separação judicial fundada na culpa. O fundamento legal para o emprego desse

instituto encontra-se no art. 186, do Código Civil.

Washington de Barros165 é um desses autores e, em seu

magistério, o entendimento é o de que, quando há o descumprimento dos deveres

conjugais, configura-se o ato ilícito. Como conseqüência, caso haja danos para o

cônjuge inocente, completam-se os pressupostos da responsabilidade civil, de

acordo com o art. 927, do Código Civil, e o conseqüente dever de reparação. Desse

modo, a norma contida no art. 292, § 1º, I, II e III, do Código de Processo Civil,

permite a cumulação de pedidos (de separação judicial culposa e reparação de

danos), pois a causa de pedir é a mesma e há a possibilidade de adequação do

mesmo rito de procedimento.

De acordo com o autor,

Não há qualquer motivo que impeça a indenização por danos morais e materiais ocasionados por infração a dever do casamento. O Direito de Família, que regula as relações dos cônjuges, não está num pedestal inalcançável pelos princípios da responsabilidade civil. Pensamento diverso, ao imaginar que coloca o casamento num plano superior, na verdade deixa de oferecer proteção aos cônjuges, impedindo-lhes a utilização do mais relevante instrumento jurídico, que assegura condições existenciais da vida em sociedade: a reparação civil de danos.[...] Os lesados [...] merecem a devida indenização pela reparação dos danos materiais e morais, a compensar-lhes as angústias e perdas sofridas e a servir de desestímulo à prática de outros atos semelhantes pelos lesantes.166

Washington de Barros167 entende que o princípio reparatório

está insculpido na Constituição Federal, pois, é clara a previsão de proteção à

dignidade da pessoa humana e de assistência à família. Assim, explana o autor:

O respaldo constitucional do tema em pauta apresenta-se não só na cláusula geral de proteção à dignidade humana (art. 1º, III), bem como no art. 5º, X , e § 2º da Lei Maior, que estabelece a inviolabilidade dos direitos da personalidade e o direito à indenização pelo danos moral e material decorrente de sua violação, e no art.

165 Op. Cit., pp. 258 - 261.166 Idem, pp. 258 - 259.167 Idem, p. 260.

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226, § 8º, da Constituição Federal, que prevê o dever do Estado de assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.168

Ainda de acordo com o mesmo autor169, é possível a promoção

de ação indenizatória após o trânsito em julgado da sentença de separação judicial

culposa, desde que comprovado o ato ilícito, o dano e o nexo causal.

De modo sucinto, porém esclarecedor, Sílvio Rodrigues conclui

sobre a matéria em discussão:

Não se pode, entretanto, retirar do inocente o direito de buscar eventuais repercussões do comportamento faltoso de seu cônjuge. Talvez, “de lege ferenda”, melhor fosse permitir a discussão exclusivamente dos efeitos secundários da culpa, sem, todavia, condicionar o seu reconhecimento ao deferimento da separação.170

Washington de Barros171 traz à discussão outro assunto digno

de nota: no Direito de Família brasileiro, não existe a possibilidade de

compensação de culpas. Isto quer dizer que, se um dos cônjuges pratica ato

culposo, não poderá eliminar essa imputação caso venha a contrapor igual

acusação ao outro cônjuge. No caso em tela, se ambos os cônjuges praticarem

conduta de descumprimento do dever conjugal, deverá haver a decretação de

culpas recíprocas.

Em complementação à matéria supracitada, Yussef Cahali

conclui:

Portanto, no Direito Brasileiro, [...] a fidelidade é de ambos os cônjuges e incondicionada: o procedimento, o caráter, a conduta, os hábitos de um cônjuge não escusam ao outro o adultério; na ação de separação judicial inadmite-se a defesa fundada em compensação de adultério, ou de qualquer outra falta, devido à regra de que as culpas não se compensam – pelo que o adúltero demandado não pode alegar o desvio de conduta do outro cônjuge para liberar-se do dever de fidelidade. (Destaques nossos).172

168 Idem, ibidem.169 Op. Cit., pp. 260 - 262.170 Op. Cit., p. 226.171 Op. Cit., p.256.172 Op. Cit., p. 316.

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3.5 EFEITOS DA SEPARAÇÃO LITIGIOSA EM COMPARAÇÃO COM A

SEPARAÇÃO CONSENSUAL.

“A sentença que decreta a separação, por possuir eficácia

desconstitutiva, produz efeitos a partir de seu trânsito em julgado. No entanto,

tendo sido deferida separação de corpos, os efeitos da sentença retroagem à data

de sua concessão (Lei do Divórcio, art. 8º),”173 explica Maria Berenice Dias.

(Destaques da autora).

A separação judicial, seja ela litigiosa (culposa) ou consensual

(sem discussão da culpa), produz efeitos iguais aos do divórcio, exceto quanto ao

rompimento do vínculo conjugal, que permanece inalterado (art. 1.571, § 1º, do CC).

Há diferenças nos efeitos em relação à pessoa dos cônjuges, aos bens e em relação

aos filhos.

Em relação ao art. 1.576, do CC/02, que preceitua que a

separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao

regime de bens, Maria Berenice Dias leciona:

Mais uma vez equivoca-se o legislador. O fim dos deveres do casamento também não decorre da ação de separação, mas, da separação de fato. Além disso, não explicita esse dispositivo se está a falar do momento em que ação foi intentada, da data da sentença ou do seu trânsito em julgado. Como a sentença dispõe de carga eficacial desconstitutiva, só produz o efeito de pôr fim à sociedade conjugal depois do trânsito em julgado, sendo de todo descabido que persistam até essa data deveres conjugais. (Destaques da autora).174

Quando a separação é consensual, há uma concordância com

os termos e condições ajustados pelos consortes, quando da separação. Se é

litigiosa, as partes deverão cumprir o estabelecido pelo juiz, dentro dos parâmeros

legais.

De acordo com Maria Helena Diniz, os principais efeitos

pessoais em relação aos cônjuges são:

173 Op. Cit., p. 287.174 Idem, p. 288.

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1) Pôr termo aos deveres recíprocos do casamento, coabitação, fidelidade e assistência imaterial (CC, art. 1.576), separando, materialmente, os consortes que, em conseqüência, deixam de residir na mesma casa (CC, art. 1.575, 1ª parte), readquirindo os ex-cônjuges o direito de fixarem sozinhos seu domicílio;2) impedir o cônjuge de continuar a usar o nome do outro, se declarado culpado pela separação litigiosa. [...] Tal alteração não pode acarretar evidente prejuízo para sua identificação; manifesta distinção entre o seu nome e o dos filhos havidos da união dissolvida; ou dano grave reconhecido na decisão judicial. Se inocente na ação, poderá renunciar a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome de seu consorte;3) impossibilitar a realização de novas núpcias, pois a separação judicial é relativa, já que não dissolve o vínculo. Há impedimento matrimonial, uma vez que o separado não pode casar, por ser pessoa já casada (CC, 1.521, VI);4) autorizar a conversão em divórcio, cumprido um ano do trânsito em julgado a sentença que decretou a separação judicial (CF/88, art. 226, § 6º) ou da decisão concessiva da medida cautelar da separação de corpos;5) [...]6) possibilitar, a qualquer tempo, seja qual for a causa da separação judicial (consensual ou litigiosa), a reconciliação do casal, restabelecendo a sociedade conjugal, a qualquer tempo, por ato regular em juízo (CC, art. 1.577), mediante requerimento nos autos de separação. (Grifos nossos). 175

O que se depreende da interpretação da norma é que, para os

cônjuges, terminam os deveres do debitum conjugale e o dever de fidelidade. Caio

Mário esclarece que “[...] a Lei nº 6.515/77, declara, por expresso, que a Separação

Judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime

matrimonial de bens como se o casamento fosse dissolvido (art. 3º), o que foi objeto

de regra expressa no art. 1.576, de 2002.” 176

Há, na separação judicial, efeitos quanto ao uso do nome: se

o cônjuge for considerado culpado, em sentença de separação, ele só poderá

manter o sobrenome de casado se o cônjuge inocente concordar com sua

manutenção. Outra possibilidade que se apresenta para a permanência do nome de

casado, vem expressa nos incisos do art. 1.578, do CC/02:

175 Op. Cit., pp. 309 - 310.176 Op. Cit., p. 271.

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Art. 1578. O cônjuge declarado culpado [...] perde o direito de usar o sobrenome do outro, [...] se a alteração não acarretar:I – evidente prejuízo para sua identidade;II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;III – dano grave reconhecido na decisão judicial.

No que diz respeito à sanção estabelecida ao cônjuge culpado,

em relação ao uso do sobrenome do cônjuge inocente, Maria Berenice Dias tem o

seguinte entendimento:

[...] o culpado pelo fim do casamento fica sujeito a perder a própria identidade, pois, o uso do nome depende da benemerência do “inocente” (CC, 1.578). Se foi reconhecida a sua culpa, só há a possibilidade de continuar com o nome se, com isso, concordar o “dono” do nome. [...] O legislador, ao delegar a um dos cônjuges a possibilidade de subtrair o nome de quem deixou de o amar, chancela atitude vingativa. Trata-se de verdadeira condenação do “culpado” pela separação. A partir do casamento, o nome de um passa a ser também do outro. Ou seja – para se ficar com a novidade –, se adota o marido o nome da mulher, este passa a ser seu nome, integra sua personalidade. O nome não é mais do outro, é seu também. O nome adotado com o casamento passa a ser o nome de família e o seu nome próprio, integrando seu direito az personalidade. Assim, nada justifica a perda do nome por vontade de outrem. (destaques da autora). 177

A separação judicial também produz efeitos patrimoniais. No

que diz respeito aos bens, a separação põe fim ao regime de bens adotado durante

o casamento. Poderá haver acordo entre os cônjuges, homologada pelo juiz, quanto

à partilha dos bens, na separação consensual, ou sua divisão será por ele

deliberada de acordo com o regime adotado pelo casal, na separação litigiosa.

Caio Mário complementa a explanação, comentando que “[...]

revertem a cada um dos separados os bens que não se comunicaram com o

casamento, conforme estabelecido no pacto antenupcial ou por imposição legal.

Terminada a comunhão, partilham-se os que encontravam indivisos. Cessa o direito

hereditário entre os ex-cônjuges.” (Destaque do autor). 178

177 Op. Cit., pp. 111, 129 - 130.178 Op. Cit., p. 272.

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Não há óbice a que a partilha ocorra posteriormente à

separação judicial, mas, deverá ser processada nos mesmos autos. Assim prevê o

art. 1.581, do CC, com relação ao divórcio, e o Enunciado nº 255, do Conselho da

Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil: “ Não é obrigatória a

partilha de bens na separação judicial.”

No magistério de Caio Mário, há esclarecimentos a respeito dos

bens adquiridos durante a separação de fato do casal:

Já incorporadas à Doutrina e Jurisprudência, outrossim, cabem referências as hipóteses dos bens adquiridos pendente a separação de fato do casal, cuja incomunicabilidade já se tem consagrada. Distinguem-se os bens e as responsabilidades financeiras adquiridos e assumidos na constância do casamento, nela indicando a convivência e a comunhão de vida, daqueles oriundos da existência formal do casamento. Tal princípio foi indicado no Projeto de Lei nº 6.960/2002 com o objetivo de se evitar enriquecimento ilícito. (Destaques do autor).179

O art. 1.577, do CC/02 prevê a hipótese do restabelecimento da

relação conjugal. Nesta situação, há o pressuposto de que o regime de bens do

casamento deverá ser mantido. O direito adquirido de terceiros, concernente a

negócios ocorridos tanto na vigência do casamento quanto após sua dissolução,

será mantido.

Com relação ao dever de sustento, Maria Helena Diniz ensina:

Na separação consensual [...], o marido poderá estipular que pagará pensão alimentícia à mulher, se ela não tiver meios de sobrevivência. Nos casos de separação litigiosa, tal pensão, fixada pelo juiz, segundo os critérios do art. 1.694, deve ser prestada pelo cônjuge declarado culpado por ela, se o outro precisar, apresentando-se como uma espécie de sanção civil (CC, art. 1.702), constituindo-se como “alimentos indenizatórios”. Havendo reciprocidade de culpa, ambos perderão direito a alimentos. E, se um dos cônjuges, separado judicialmente, vier a precisar de alimentos, o outro deverá prestá-los, mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido considerado responsável pela separação judicial. Mas, se o foi e não tiver parente em condições de fornecê-los, nem capacidade laborativa [...], o ex-cônjuge será obrigado a assegurá-los, pagando o valor fixado judicialmente,

179 Idem, ibidem.

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indispensável à sobrevivência (CC, art. 1.704, parágrafo único). (Destaques nossos). 180

O dever de prestar alimentos ao ex-cônjuge extingue-se nas

situações previstas nos arts. 1.707 a 1.709, do CC: com a dispensa do cônjuge

credor aos alimentos; com seu casamento, união estável ou concubinato; se houver

comportamento indigno de sua parte (Nelson Nery e Rosa Maria181 entendem que,

neste caso, aplica-se o disposto no art. 1.814, I e II, do CC) e com sua morte.

Maria Berenice Dias entende que, na redação do art. 1.704, do

CC/02, “ [...] volta o legislador à carga contra o culpado pelo fim do casamento, ao

garantir, de modo explícito, somente ao cônjuge inocente (CC, 1.702) alimentos que

lhe permitam educação e mantença da mesma condição social.” (Destaques da

autora).182

Por outro lado, a autora aprecia a norma que concede

alimentos também ao cônjuge culpado pelo fim do casamento:

Merece aplausos a novidade, que afasta o conteúdo punitivo da obrigação alimentar e atenta à dignidade da pessoa humana. Cuida-se de responsabilidade residual imposta ao cônjuge e companheiro inocentes, na hipótese de o culpado encontrar-se em situação de absoluta necessidade. Essa foi a fórmula encontrada pelo legislador para desobrigar o Estado que, em última instância, tem a responsabilidade de socorrer os desafortunados, transferindo esse ônus ao ex-cônjuge ou ex-companheiro.183

Ainda no que tange aos efeitos patrimoniais, atualmente,

considera-se a possibilidade de que a separação litigiosa possa dar origem a

indenização por perdas e danos. Maria Helena Diniz leciona sobre a matéria:

Se litigiosa a separação, dá origem à indenização por perdas e danos, em face de prejuízos morais ou patrimoniais sofridos pelo cônjuge inocente. Deveras, pode haver dano moral e patrimonial por não-cumprimento dos deveres conjugais, lesivo ao direito da personalidade de um dos consortes; logo, este poderá

180 Op. Cit., pp. 313 - 314.181 Op. Cit., p. 932.182 Op. Cit., p. 111.183 Idem, p. 462.

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pleitear, cumulativamente, com o pedido de separação, judicial, indenização pelo gravame sofrido, que lhe prejudicou a saúde física ou mental, causou sua desonra ou o submeteu a injúria ou a humilhações. Tal pretensão condenatória, visando reparação de dano moral e material, poderá até mesmo ser deduzida na reconvenção. Pela identidade de “causa petendi”, nada impede que o juízo de família venha a decidir os pedidos cumulados.184

No mesmo sentido, Caio Mário afirma que “[...] poderá ainda

ocorrer a indenização por perdas e danos (dano patrimonial e dano moral), em face

do prejuízo sofrido pelo cônjuge inocente.” (Destaques do autor).185

Maria Berenice Dias explica que são diferentes a obrigação

alimentar e a indenização por danos morais:

A obrigação de pagamento de alimentos, que subsiste após o rompimento do casamento e da união estável, não dispõe de natureza indenizatória, ainda que o “quantum” da verba alimentar esteja condicionado à identificação da culpa do credor (CC, 1.694, § 2º). O “inocente” perceberá alimentos em montante que lhe permita viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (CC, 1.694). Já quem agiu com culpa, faz jus a alimentos se não tiver aptidão para o trabalho nem parentes em condições de prestá-los. Ainda assim, os alimentos serão fixados em valor que garanta somente o indispensável à subsistência (CC, 1.704, parágrafo único). (Destaques da autora).186

A autora187 entende que o dever de alimentos não é uma

condenação por danos morais. O encargo de prover alimentos deriva do trinômio

necessidade-possibilidade-proporcionalidade; tanto que, também o cônjuge culpado

tem direito a pleiteá-los. Além disso, sempre há a possibilidade de revisão e

exoneração de alimentos, o que não ocorre na responsabilidade civil.

Apesar de não haver alteração em relação ao vínculo de

filiação, a separação judicial produz alguns efeitos relativos aos filhos.

O primeiro efeito ocorre em relação à guarda: os filhos menores

e os maiores incapazes (de acordo com o art. 1.590, do CC), passarão a viver sob a

184 Op. Cit., pp. 314 - 315.185 Op. Cit., p. 272.186 Op. Cit., p. 117.187 Idem, ibidem.

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guarda de um dos cônjuges. No caso da separação consensual, de acordo com o

art. 1.583, do CC, os cônjuges são livres para escolher sobre a guarda dos filhos e,

se não houver razões para decisão contrária (art. 1.586, do CC), o juiz homologará o

pedido do casal.

Na separação litigiosa, se o casal não entrar em acordo a

respeito da fixação da guarda dos filhos, fica o juiz obrigado a atribuí-la àquele que

tiver melhores condições para exercê-la. Caso seja constatado que nem o pai ou a

mãe possui condições de prover bom lar para os filhos, o juiz poderá deferir a

guarda a uma terceira pessoa “ [...] que revele compatibilidade com a natureza da

medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de

afinidade e afetividade, de acordo com o previsto em lei específica.” (art. 1.584,

parágrafo único, do CC).

Maria Berenice Dias leciona sobre a matéria:

Solvido o relacionamento dos pais, nada interfere no poder familiar com relação aos filhos (CC, 1.632). O exercício do encargo familiar não é inerente à convivência dos cônjuges ou companheiros.[...] Deixando os pais de viver sob o mesmo teto, é mister definir na companhia de quem vão morar os filhos que estão sujeitos ao poder familiar.[...] No Código Civil de 1916, o casamento não se dissolvia. Ocorrendo o desquite, os filhos menores ficavam com o cônjuge inocente. [...] A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da igualdade e assegurar ao homem e à mulher os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (CF, 226, § 5º), baniu discriminações, produzindo reflexos significativos no poder familiar.[...] O Código Civil olvidou-se de incorporar o princípio do melhor interesse (da criança). (Destaques da autora). 188

Venosa189 entende que o juiz deverá determinar a atribuição da

guarda de filhos menores, valendo-se de bom senso ao analisar o caso concreto. A

idéia central é a de que a guarda dos filhos deverá ser decidida tendo como objetivo

causar o menor prejuízo moral aos menores, ou seja, no maior interesse das

crianças. O autor prossegue, apontando seus ensinamentos sobre o significado do

termo "as melhores condições", mencionado no art. 1.584, do CC/02:

188 Op. Cit., pp. 380, 391 - 392.189 Op.Cit., p. 188.

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[...] somente em situações excepcionalíssimas o menor de tenra idade deve ser afastado da mãe, a qual, por natureza, deve cuidar da criança. nem sempre, por outro lado, as melhores condições financeiras de um dos cônjuges representarão melhores condições de guarda do menor. O carinho, o afeto, o meio social, o local da residência, a educação, a escola e, evidentemente, também as condições econômicas, devem ser levados em consideração pelo magistrado, que deve valer-se de profissionais auxiliares para ter diante de si um quadro claro da situação do lar dos cônjuges.[...] É importante, também, que o menor seja ouvido, se já tiver idade de maior compreensão, bem como os pais, parentes próximos e pessoas relacionadas com o casal.190

Com esses comentários, é possível concluir, quanto à guarda

dos filhos, como nos ensina Venosa, que

[...] nada impede ao juiz que defira a guarda a ambos os cônjuges, mormente se existe acordo entre eles. o difícil, justamente, é chegar-se a um acordo no calor de uma separação. A guarda, porém, pode ser alterada no futuro, quando os espíritos estiverem mais apaziguados. Não resta dúvida de que a solução da guarda compartilhada é um meio de manter os laços entre pais e filhos, tão importantes no desenvolvimento da criança e do adolescente.191

CONCLUSÃO

Após extensiva pesquisa a respeito do tema proposto, é

possível concluir que a atribuição da culpa, como fundamento para o pedido de

separação judicial, recebe muitas críticas dos doutrinadores.

As críticas têm início com a consideração de ser um retrocesso

a manutenção desse critério no Código Civil de 2002. Isso deve-se ao fato de que, 190 Idem, p. 189.191 Idem, p. 191.

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ainda na vigência plena do CC/1916 e da Lei do Divórcio, o art. 5º da Lei do Divórcio

e as reiteradas decisões judiciais já dispensavam a averiguação da responsabilidade

para a decretação da separação judicial, pois o julgador atentava para a

insuportabilidade da vida em comum.

Com o advento do CC/02, porém, houve a manutenção da

separação com base na culpa. Esse fato não se coadunava com os entendimentos

doutrinário e jurisprudencial da época. Antes da nova codificação, o entendimento

era o de que, uma vez manifestada a intenção das partes em não mais manterem o

relacionamento, e configurada a impossibilidade da vida em comum, a separação

poderia ser decretada, sem o reconhecimento da culpa dos cônjuges: o julgador

observava a insuportabilidade da vida em comum ou a impossibilidade de

reconciliação, solucionando a demanda como se fora uma separação-remédio. (p.

397- Cahali). Essa dispensa da apuração da culpa representou uma expressiva

evolução no Direito de Família.

Com a possibilidade jurídica de se obter a separação pelas vias

da separação-remédio ou pelo princípio da ruptura da vida em comum, a discussão

da culpa (na modalidade de separação-sanção), veio, progressivamente, sendo

dispensada. A diretriz da decretação da separação judicial, desde que ambos os

cônjuges tivessem o propósito de se separar, era a insuportabilidade da vida em

comum. (p. 189 a 194 – Arnoldo Wald).

Quanto aos efeitos da separação-sanção, na prática, somente

os alimentos podem ser considerados elementos de relevo, pois, as outras sanções

foram mitigadas (uso do nome, guarda dos filhos).

Assim, o que se percebe é que, apesar da previsão legal sobre

a necessidade da comprovação da culpa de um dos cônjuges, quando há a falência

do casamento (art. 1.572, caput, do CC), os doutrinadores e os julgadores entendem

que a separação deve ser decretada com fulcro nos arts. 1.572, § 1º e 1.573, par.

único, ou seja, sem a atribuição de culpa a um dos consortes. Essa atitude facilita a

dissolução do casamento, pois, mediante a simples comprovação da ruptura da vida

em comum há mais de um ano, não há qualquer necessidade de questionamento

sobre a culpa. Além disso, o divórcio direto também pode ser concedido, desde que

cumprido o requisito temporal: separação de fato por dois anos, ininterruptos.

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Ora, se o casamento pode ser desfeito facilmente pelo divórcio

e, sempre sem discussão da culpa, não é coerente resistir à opção mais branda para

se obter a separação. Afinal, o Direito não possui as ferramentas necessárias para

manter unidas as pessoas que não mais se amam, que chegam a se repudiar.

(Cahali, 400).

Ainda com base no magistério de vários doutrinadores (Yussef

Cahali, Arnoldo Wald, Sílvio Venosa, dentre outros), o ideal seria que se mantivesse

a linha mais sintética, anterior ao Código Civil de 2002 (linha esta já solidificada no

entendimento jurisprudencial e doutrinário): conservar a redação do art. 1.572, do

CC/02 (que traz a regra geral das separações) e eliminar o art. 1.573, que se

mostra deveras retrógrado.

Em outras palavras, primeiramente, o legislador deveria cuidar

da consideração da insuportabilidade da vida em comum e, posteriormente, agregar

o fato que lhe deu origem: nesse ponto, o fato seria inexpressivo, por si só, ou um

simples sintoma da já evidenciada crise conjugal.

Prosseguindo nesse entendimento, os fatos culposos descritos

em lei deveriam ser vistos como a tradução de um fato geral, fato este que constitui

a causa verdadeira da separação. Assim, na grande maioria dos casos, é impossível

(e desnecessário) identificar o verdadeiro responsável pela separação do casal.

Outro ponto que merece destaque no entendimento doutrinário

é o fato de que, com a redação do art. 1.573, do CC/02, caracteriza-se uma

intromissão do Estado na esfera íntima do casal, pois, uma vez findo o vínculo

afetivo, não caberia ao Estado procurar culpas para justificar a ocorrência,

afrontando o Princípio da Dignidade Humana. Nessas situações, o que se espera do

Estado é que ele tenha um papel protetor, sem invadir a intimidade das partes, ou

seja, que chancele a decisão do casal, colocando fim ao casamento no qual há,

certamente, muita mágoa, discussão e ressentimentos. (MBD, 284)

Maria Berenice Dias (p.284) faz severa crítica sobre este tema,

asseverando que “[...] a ingerência determinada pela lei na vida dos cônjuges,

obrigando um a revelar a intimidade do outro para que imponha o juiz a pecha de

culpado ao réu, é visivelmente inconstitucional. Não tem sentido averiguar a culpa,

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com motivação de ordem íntima, psíquica, quando a conduta pode ser apenas

sintoma do fim.”

Em razão de haver vedação legal à referência da causa da

separação na sentença de conversão de separação em divórcio (art. 1.580, do

CC/02), a apuração da culpa como fundamento para a separação é totalmente

desgastante para o casal, sem contar a dilação probatória e o ônus para o Judiciário

em razão da demora do processo.

Neste passo, o direito não acompanhou as alterações já

sedimentadas anteriormente, não se atribuiu no ordenamento, pelo menos

expressamente, valor à intimidade das partes, à celeridade processual e à

simplificação dos procedimentos.

Está a doutrina laborando intensamente para implantar esta

nova visão, independente e desvinculada da aferição da culpa nas separações

litigiosas, pois, há outras possibilidades de composição dos danos eventualmente

sofridos por um dos cônjuges, ainda na esfera civil.

Esse trabalho tem sido árduo, cercado pelo inconformismo

doutrinário e pela prática jurisdicional no sentido de abolir definitivamente a

discussão da culpa na esfera da separação judicial.

Finalizando, trazemos à colação um trecho do acórdão

prolatado pelo Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, com o qual

concordamos, pois sintetiza todas as idéias apresentadas no presente trabalho:

É remansoso o entendimento de que descabe a discussão da culpa para a investigação do responsável pela erosão da sociedade conjugal. A vitimização de um dos cônjuges não produz qualquer seqüela prática, seja quanto à guarda dos filhos, partilha de bens ou alimentos, apenas objetivando a satisfação pessoal, mesmo porque difícil definir o verdadeiro responsável pela deterioração da arquitetura matrimonial, não sendo razoável que o Estado invada a privacidade do casal para apontar aquele que, muitas vezes, nem é o autor da fragilização do afeto. A análise dos restos de um consórcio amoroso, pelo Judiciário, não deve levar à degradação pública de um dos parceiros, pois os fatos íntimos que caracterizam o casamento se abrigam na preservação da dignidade humana, princípio solar que sustenta o ordenamento nacional. (TJRS, 7ª Câm.Cív., AC 70005834916, j. 02.04.2003). (Destaques nossos).

Page 82: Paper Modelo

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São Paulo: Saraiva, 2005.

ANEXO A

PROJETO DE LEI Nº 2.285, DE 2007

Dispõe sobre o Estatuto das Famílias.

CAPÍTULO IV

DA DISSOLUÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR

Page 86: Paper Modelo

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SEÇÃO I

DA AÇÃO DE DIVÓRCIO

Art. 168. A ação de divórcio pode ser intentada por qualquer um dos cônjuges ou

por ambos.

§ 1.º O cônjuge acometido de doença mental ou transtorno psíquico será

representado por curador, ascendente ou irmão.

§ 2.º A inicial deverá ser acompanhada da certidão de casamento e certidão de

nascimento dos filhos.

Art. 169. Não tendo havido prévia separação, deve a inicial:

I – indicar a data da separação de fato;

II – identificar o regime de convivência com os filhos menores;

III – declinar a dispensa dos alimentos ou a necessidade de um dos cônjuges de

percebê-los;

IV – indicar o valor dos alimentos necessários à mantença dos filhos.

Art. 170. Ao receber a inicial, o juiz deve apreciar o pedido liminar de alimentos

provisórios.

Art. 171. Havendo filhos menores ou incapazes, deverá ser designada audiência

conciliatória.

Art. 172. No divórcio consensual, não existindo filhos menores ou incapazes, ou

estando judicialmente decididas as questões a eles relativas, é dispensável a

realização de audiência.

SEÇÃO II

DA SEPARAÇÃO

Art. 173. Qualquer dos cônjuges pode propor a ação de separação.

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Art. 174. Qualquer dos cônjuges, conviventes ou parceiros pode propor a ação de

separação de corpos.

§ 1.º A parte autora pode pleitear, justificadamente, sua permanência no lar ou

requerer o afastamento da parte-ré.

§ 2.º Havendo alegação da prática de violência doméstica, aplica-se a legislação

especial.

Art. 175. Na inicial da ação de separação deve a parte autora:

I – indicar o regime de convivência com os filhos menores;

II – declarar que dispensa alimentos ou comprovar a necessidade de percebê-los;

III – indicar o valor dos alimentos necessários à mantença dos filhos.

Parágrafo único. A ação deve ser instruída com a certidão de casamento ou

contrato de convivência, se existir, e a certidão de nascimento dos filhos.

Art. 176. Ao receber a petição inicial, o juiz deve apreciar o pedido de separação de

corpos e decidir sobre os alimentos.

Parágrafo único. Não evidenciada a possibilidade de risco à vida ou a saúde das

partes e dos filhos, o juiz pode designar audiência de justificação ou de conciliação

para decidir sobre a separação de corpos.

Art. 177. Comparecendo a parte-ré e concordando com a separação de corpos,

pode a ação prosseguir quanto aos pontos em que inexista consenso.

CAPÍTULO V

DOS ALIMENTOS

SEÇÃO I

DA AÇÃO DE ALIMENTOS

Art. 178. Na ação de alimentos, o autor deve:

I – comprovar a obrigação alimentar ou trazer os indícios da responsabilidade do

alimentante em prover-lhe o sustento;

II – declinar as necessidades do alimentando;

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III – indicar as possibilidades do alimentante.

Art. 179. Ao despachar a inicial, o juiz deve fixar alimentos provisórios e encaminhar

as partes à conciliação, ou designar audiência de instrução e julgamento.

§ 1.º Os alimentos provisórios são devidos e devem ser pagos desde a data da

fixação.

§ 2.º Quando da citação, deve o réu ser cientificado da incidência da multa de 10%,

sempre que incorrer em mora de quinze dias.

Art. 180 Se o devedor for funcionário público, civil ou militar, empregado da iniciativa

privada, perceber rendimentos provenientes de vínculo empregatício, ou for

aposentado, o juiz deve fixar os alimentos em percentual dos seus ganhos.

Parágrafo único. O desconto dos alimentos será feito dos rendimentos do

alimentante, independentemente de requerimento do credor, salvo acordo.

Art. 181. Na audiência de instrução e julgamento o juiz colherá o depoimento das

partes.

§ 1.º Apresentada a contestação, oral ou escrita, havendo prova testemunhal, o juiz

ouvirá a testemunha, independentemente do rol.

§ 2.º Ouvidas as partes e o Ministério Público, o juiz proferirá a sentença na

audiência ou no prazo máximo de dez dias.

Art. 182. Da sentença que fixa, revisa ou exonera alimentos cabe recurso somente

com efeito devolutivo.

Parágrafo único. Justificadamente, o juiz, ou o relator, pode agregar efeito

suspensivo ao recurso.

Art. 183. Fixados alimentos definitivos em valor superior aos provisórios, cabe o

pagamento da diferença desde a data da fixação. Caso os alimentos fixados em

definitivo sejam em valor inferior aos provisórios, não há compensação, não

dispondo a decisão de efeito retroativo.

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Art. 184. Na ação de oferta de alimentos, o juiz não está adstrito ao valor oferecido

pelo autor.

Art. 185. Cabe ação revisional quando os alimentos foram fixados sem atender ao

critério da proporcionalidade ou quando houver alteração nas condições das partes.

Art. 186. A ação de alimentos pode ser cumulada com qualquer demanda que

envolva questões de ordem familiar entre as partes.

Art. 187. Havendo mais de um obrigado, é possível mover a ação contra todos,

ainda que o dever alimentar de alguns dos réus seja de natureza subsidiária ou

complementar.

Parágrafo único. A obrigação de cada um dos alimentantes deve ser

individualizada.

Art. 188. O empregador, o órgão público ou privado responsável pelo pagamento do

salário, benefício ou provento, no prazo de até quinze dias, tem o dever de:

I – proceder ao desconto dos alimentos;

II – encaminhar a juízo cópia dos seis últimos contracheques ou recibos de

pagamento do salário;

III – informar imediatamente quando ocorrer a rescisão do contrato de trabalho ou a

cessação do vínculo laboral.

Art. 189. Rescindido o contrato de trabalho do alimentante, serão colocadas à

disposição do juízo 30% de quaisquer verbas, rescisórias ou não, percebidas por ato

voluntário do ex-empregador ou por decisão judicial.

§ 1.º Desse crédito, mensalmente, será liberado, em favor dos alimentandos, o valor

do pensionamento, até que os alimentos passem a ser pagos por outra fonte

pagadora.

§ 2.º Eventual saldo será colocado à disposição do alimentante.

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Art. 190. Fixada em percentual sobre os rendimentos do alimentante, a verba

alimentar, salvo ajuste diverso, incide sobre:

I - a totalidade dos rendimentos percebidos a qualquer título, excluídos apenas os

descontos obrigatórios, reembolso de despesas e diárias;

II - o 13º salário, adicional de férias, gratificações, abonos, horas extras e vantagens

recebidas a qualquer título.

Art. 191. A cessação do vínculo laboral não torna ilíquida a obrigação,

correspondendo os alimentos, neste caso, ao último valor descontado.

Art. 192. Os alimentos podem ser descontados de aluguéis e de outras rendas ou

rendimentos do alimentante, a serem pagos diretamente ao credor.