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PARA ALÉM DA ETNICIDADE: UMA BREVE ABORDAGEM SOBRE OS CONFLITOS INTER-ÉTNICOS EM GANA Andréa Fátima Salvador Universidade do Estado de Santa Catarina [email protected] Resumo: O presente trabalho tem por objetivo estabelecer uma relação entre o aumento da migração ganesa para o Brasil após a realização da Copa do Mundo de 2014 e os conflitos ocorridos nos últimos anos na região norte de Gana. A África, após a Segunda Guerra Mundial, acabou por atrair a atenção da comunidade internacional devido aos inúmeros e violentos conflitos ocorridos no território. Os conflitos étnicos-políticos tomaram lugar de destaque na mídia internacional e chamaram a atenção da agenda intergovernamental e de organizações internacionais. Assim, para a compreensão desses conflitos, o presente trabalho foi direcionado a estabelecer um levantamento sobre as produções acadêmicas recentes que focalizassem os casos recorrentes de conflitos em Gana em tempo presente a partir de diferentes abordagens. Palavras-chave: Gana, conflitos, Nawuri, Gonjas, Chuchuliga O presente trabalho, fruto de pesquisas realizadas a partir do desenvolvimento da dissertação de mestrado dessa pesquisadora junto ao Programa de Pós-Graduação da UDESC, tem por objetivo estabelecer uma relação entre o aumento da migração ganesa para o Brasil após a realização da Copa do Mundo de 2014 e os conflitos ocorridos nos últimos anos na região norte de Gana. Se, de um lado temos no Brasil um discurso midiático que desqualifica os migrantes ganeses da condição de refugiados, de outro percebemos inúmeros trabalhos acadêmicos de ordem internacional que identificam estes conflitos e a violência produzida pelos mesmos. Na intenção de perceber em ordem quantitativa estes conflitos foram realizados levantamentos de trabalhos acadêmicos que tivessem como tema central de pesquisa “conflitos

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PARA ALÉM DA ETNICIDADE: UMA BREVE ABORDAGEM SOBRE OS

CONFLITOS INTER-ÉTNICOS EM GANA

Andréa Fátima Salvador

Universidade do Estado de Santa Catarina

[email protected]

Resumo:

O presente trabalho tem por objetivo estabelecer uma relação entre o aumento da migração

ganesa para o Brasil após a realização da Copa do Mundo de 2014 e os conflitos ocorridos nos

últimos anos na região norte de Gana. A África, após a Segunda Guerra Mundial, acabou por

atrair a atenção da comunidade internacional devido aos inúmeros e violentos conflitos

ocorridos no território. Os conflitos étnicos-políticos tomaram lugar de destaque na mídia

internacional e chamaram a atenção da agenda intergovernamental e de organizações

internacionais. Assim, para a compreensão desses conflitos, o presente trabalho foi direcionado

a estabelecer um levantamento sobre as produções acadêmicas recentes que focalizassem os

casos recorrentes de conflitos em Gana em tempo presente a partir de diferentes abordagens.

Palavras-chave: Gana, conflitos, Nawuri, Gonjas, Chuchuliga

O presente trabalho, fruto de pesquisas realizadas a partir do desenvolvimento da

dissertação de mestrado dessa pesquisadora junto ao Programa de Pós-Graduação da UDESC,

tem por objetivo estabelecer uma relação entre o aumento da migração ganesa para o Brasil

após a realização da Copa do Mundo de 2014 e os conflitos ocorridos nos últimos anos na região

norte de Gana. Se, de um lado temos no Brasil um discurso midiático que desqualifica os

migrantes ganeses da condição de refugiados, de outro percebemos inúmeros trabalhos

acadêmicos de ordem internacional que identificam estes conflitos e a violência produzida pelos

mesmos. Na intenção de perceber em ordem quantitativa estes conflitos foram realizados

levantamentos de trabalhos acadêmicos que tivessem como tema central de pesquisa “conflitos

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em Gana” (conflicts in Ghana). Foram encontradas bibliografias que abordam de forma extensa

ao menos cinco conflitos de ordem étnica e muitos trabalhos acadêmicos que relacionam vários

conflitos em diferentes ordens (étnica, regional, política, religiosa, etc). Também, através de

uma revisão midiográfica (jornais eletrônicos do Brasil e de Gana) foi possível encontrar

material de relevante importância para o desenvolvimento deste trabalho. A metodologia de

análise utilizada está pautada sobre o confrontamento das bibliográfias e trabalhados

acadêmicos, aqui entendidos como fontes historiográficas, com as fontes midiográficas

disponíveis nos jornais eletrônicos. Dessa forma, foi possível desqualificar um discurso

construído sobre a condição do imigrante ganes no Brasil diante de uma lógica de mitigação do

direito confirmada por nossa legislação e, reafirmada pelos órgãos institucionais de Gana.

Nesse sentido, essa análise se inicia com o massacre dos Tutsi em Ruanda e, se desenvolve com

os conflitos entre os Nawuri e os Gonjas na região norte de Gana, percebendo, assim, a

existência e a relação desses conflitos com o processo migratório na Copa do Mundo de 2014.

Em 07 de julho de 1994, enquanto o Brasil comemorava a vitória sobre os Estados

Unidos na Copa do Mundo com um gol de Bebeto1, a Frente Patriótica de Ruanda (FPR),

apoiada pelo exército de Uganda, colocava um fim no genocídio que massacrou cerca de 800

mil pessoas em 100 dias. Durante os 100 dias de carnificina homens, mulheres e crianças foram

mortos. Muitos eram frequentemente torturados antes de serem assassinados. Também durante

a violência, milhares de mulheres tutsi foram estupradas. Algumas foram estupradas e depois

mortas, outras foram mantidas como escravas sexuais durante semanas. Dez anos depois (2004)

o evento foi rememorado com a produção cinematográfica de Hotel Rwanda, dirigido e

produzido por Terry George, que obteve 3 indicações ao Oscar, 3 indicações ao Globo de Ouro

e uma bilheteria de 33,9 milhões de dólares.

Mais dez anos se passaram e, em julho de 2014, uma nova Copa do Mundo acontecia.

O Brasil sediaria o evento sendo responsável pela recepção de milhares de turistas de todo o

mundo, o que resultou em intensa cobertura midiática. Porém o evento trouxe consigo suas

singularidades: para além do desgosto dos espectadores com a derrota de 7x1 do Brasil pela

Alemanha, também a presença maciça de africanos, em especial de Gana. A presença dos

1 https://selecao.cbf.com.br/noticias/selecao-masculina/brasil-derrota-eua-por-1-a-0-em-4-de-julho-de-1994-e-se-

classifica-as-quartas#.WuCzIi7wbIU

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ganeses poderia ter sido percebida meramente como uma maior interação de africanos aos

eventos esportivos não fosse o advento de centenas de pedidos de refúgio que desencadearam

na necessidade de criação de um grupo especial para atendimento dessa população2. Após

entrarem no país, muitas dessas pessoas se deslocaram para a região sul. Algumas destas

desembarcam em cidades de Santa Catarina já com carteira de trabalho em mãos após uma

longa espera em São Paulo. A maioria se estabeleceu em Chapecó (frigoríficos), Criciúma

(construção civil e indústria do vestuário) e meia dúzia de pequenas cidades do sul catarinense.

Dos 1.132 que estão em Criciúma, 500 já pediram refúgio e os outros estão na fila para dar

entrada ao pedido de asilo. A crise causado pela chegada da leva de ganeses no Brasil fez com

que em nota, o Itamaraty justificasse que todos os vistos foram expedidos conforme a

determinação da Lei Geral da Copa e que não houve irregularidade3.

Auxiliar alguém com informações e com apoio material para fins de imigração não é

crime. Nesse caso, os ganeses ingressaram no Brasil de forma legal. Haveria crime

apenas nos casos de tráfico humano, aliciamento para trabalho escravo ou com fins

de exploração sexual. (Gazeta do Povo)

A pergunta que se fazia era porque os ganeses se deslocaram para o Brasil. Em resposta

ao questionamento o governo de Gana disse que não haviam conflitos étnicos no território que

justificassem o pedido de refúgio. Tal narrativa foi amplamente utilizada pela mídia brasileira

para condenar os pedidos de refúgio. Logo, era necessário entender essa situação em Gana e

verificar a alegação oficial. Explorando essa narrativa fomos de encontro às matérias fornecidas

pelas mídias virtuais ganesas onde foram encontrados artigos que caminhavam em sentido

contrário ao exposto pelos órgãos oficiais.

Em 2018, passados 24 anos do episódio em Rwanda, Gana, juntamente com outros

países do continente africano, celebravam o aniversário do genocídio contra o povo tutsi4. O

Diretor e Decano de Assuntos Acadêmicos do Comando das Forças Armadas e do Pessoal do

Gana, Dr. Vladimir Antwi-Danso, durante a celebração, em entrevista ao Daily Graphic, disse

que é importante para os ganenses eliminar o partidarismo extremo e trabalhar no interesse do

2 http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasil-cria-grupo-para-expedir-vistos-de-refugiados-ganeses

3 http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/copa-foi-usada-para-fuga-de-ganeses-para-o-brasil-

eb62m619m38vnt7ufu4e5758u 4https://www.graphic.com.gh/entertainment/ghanaians-must-do-away-with-extreme-partisanship-dr-antwi-

danso.html//

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país, culpando a mídia por dar valor às posturas políticas insalubres e partidárias exibidas pelos

políticos. Diante de um discurso desenvolvimentista disse, ainda, sobre a importância para Gana

em aprender com o exemplo de Ruanda que, apesar dos assassinatos de mais de um milhão de

pessoas por conflitos étnicos, avança no sentido de reconstruir o país. Consequentemente, disse

ainda, que Ruanda estava testemunhando o desenvolvimento econômico massivo e a

transformação da infraestrutura.

As declarações do Direitor das Forças Armadas nos colocam diante de uma questão

interessante. Por que Gana deveria aprender com Ruanda se, de acordo com as autoridades

locais, não existem conflitos étnicos no país? Quais as consequências da transformação da

infraestrutura sobre as sociedades africanas diante de um intenso processo de globalização?

Essas questões se colocam como centralizadoras para o desenvolvimento desta análise, uma

vez que abrem uma nova abordagem sobre a existência, permanência e inviabilização dos

inúmeros conflitos ocorridos na região Norte de Gana.

Após o final da Guerra Fria, a África acabou por atrair a atenção da comunidade

internacional devido aos inúmeros e violentos conflitos ocorridos no território. Os conflitos

étnicos-políticos tomaram lugar de destaque na mídia internacional e chamaram a atenção da

agenda intergovernamental e de organizações internacionais. Esse discurso também teve

destaque em diversos grupos acadêmicos devido à urgência sobre políticas que apontassem

soluções de ordem social e econômicas para uma sociedade africana empobrecida. Porém, a

maior preocupação dos governos e entidades internacionais é o emergente fenômeno onde as

sociedades de conflito tem se tornado, gradativamente, berços de atividades de grupos

terroristas, como o Boko Haram e a Al Qaida. Para a compreensão desses conflitos foi

necessário estabelecer um levantamento sobre as produções acadêmicas recentes que

focalizassem os casos recorrentes em Gana a partir de diferentes abordagens:

Dagomba Chieftaincy Conflicts Staniland, 1975

Nugent & Lentz, 2000

Fulani Nomadic Activities Tonah, 2007 e 2012

Kokomba and Dagomba War Shalik, 1986

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Pul, 2003

Kusasis and Mamprusir Conflict Lund, 2003

Nawuri and Gonja Conflict Brukum, 1999

Lund, 2003

Mahama, 2003

Mbowura, 2012

Nos últimos anos, a Região Norte de Gana tem sido palco de conflitos étnicos com alta

taxa de recorrência. Foram estimadas mais de cem disputas étnicas em todo país, sendo que

70% destes impasses se estabeleceram na região norte (Tonah, 2012). Mesmo após a retomada

do regime democrático, vários conflitos inter-étnicos foram travados, em especial as guerras de

Kokomba-Bimoba entre os períodos de 1984 a 1989 que resultaram em centenas de mortes.

Esses conflitos são complexos e envolvem identidades étnicas, história dos grupos e direitos,

estando os mesmos intimamente conectados com o status social e político e com as

oportunidades econômicas. Isso conduz a necessidade de situar a discussão à história desses

grupos, tradições, costumes, cultura e sua interação com o conceito moderno de pobreza e

direito a terra.

Até o ano 2000, quase todas as áreas tradicionais do Conselho da Região Norte haviam

sido inundadas por convulsões étnicas (Lund 2003). Pequenos grupos étnicos construiriam

alianças com outros para combater grupos étnicos dominantes considerados "suseranos".

Exemplificando esta situação temos que, em 1992, os Gonja-Vagla, Konkomba-Nanumba e

Mamprusi-Kusasi formaram um pacto de guerra contra os Gonjas, que durou vários meses

desestabilizando a paz da região (Pul, 2003). A chamada "guerra da aliança" mal havia

terminado quando em 1993 eclodiu uma nova guerra entre os Kokomba e os Mossi. No ano

seguinte um novo conflito inter-étnico ainda mais feroz alcançou os grupos vizinhos. Em 31 de

janeiro de 1994 a guerra de Konkomba-Nanumba5 se iniciou no mercado da pequena cidade de

Nakpayli. Inicialmente o conflito ocorreu entre dois homens, um Konkomba e um Nanumba

que foi a óbito, o que resultou no desfecho de um conflito generalizado (Assefa, 2001:165).

5 https://www.ghanaweb.com/GhanaHomePage/NewsArchive/The-Ethnic-Problem-In-The-Ghanaian-Body-

Politics-And-Its-Security-Significance-151591

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Situação semelhante também ocorreu em Bawku, na região do Alto Oriente em 2001 e 2002

devido as eleições locais e a nomeação de um prefeito, Chefe do Executivo do Distrito (Lund,

2003).

Os conflitos são fenômenos recorrentes na Região Norte, onde os Nawuri e os

Gonjas atuam como dois grupos poderosos, estabelecendo uma das mais brutais e incessantes

guerras étnicas que já levaram a perda de centenas de vidas, devastando uma região que se

encontra em subdesenvolvimento em relação a outras áreas e reduzindo a população local. Para

compreensão das demandas existentes faz-se necessária a compreensão de alguns dos aspectos

demográficos dessa área. A Região Norte compõem uma das dez divisões político-

administrativas de Gana. É a maior, porém a menos povoada região de Gana. Compartilha

fronteiras com as regiões do Volta ao sul, o Togo a leste e a Costa do Marfim a o Oeste. Existem

37 línguas distintas na região faladas por aproximadamente 17 grupos étnicos que se percebem

como indígenas (Pul,2003). Entre o Mole-Dagbon (o principal grupo étnico na Região),

Dagomba e Mamprusi são os maiores subgrupos, e Kokomba, Basaari e Bimoba são os maiores

do grupo Gurma. Além disso, existem pequenos grupos tais como os Chokosi que estão ligados

aos Akan, e Gonja. As línguas predominantes faladas na região são Dagbani, Gonja e Mampruli.

A região está dividida em 22 distritos administrativos. Tamale é o distrito mais populoso da

região, com uma população de 371.351 pessoas. Atua como capital política, administrativa e

comercial da região. O município de Yendi é o segundo maior em termos de população

(199.592). No entanto, com exceção de Tamale, a região Norte é predominantemente rural em

relação a outras regiões (Ghana Statistical Service 2010).

Os dois grupos étnicos que se envolveram em um dos mais ferozes conflitos no Gana

moderno, o Nawuris e Gonjas são encontrados na região norte do país. Geograficamente, eles

pertencem ao cinturão de savana onde o efeito da mudança climática deixou grama em lugares

de árvores porque estas foram cortadas por madeireiras britânicas a partir do século XIX.

Linguisticamente, os Nawuris e Gonjas são Guans cujos dialetos estão interconectados. Os

ancestrais desses grupos étnicos não só cultivaram a mesma terra juntos, mas também se

tornaram aliados políticos após as trocas de missões diplomáticas entre os chefes dos Nawuri e

os Gonja no final do século XVI. Eles também se tornaram parceiros comerciais quando Salaga

se tornou um lucrativo mercado de escravos em Gana entre os séculos XVI e XVIII. Estas

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afinidades linguísticas e de comércio estimularam o vínculo comunal e um senso de vizinhança

entre os dois grupos. Esta relação sustenta a percepção de amizade entre as tribos do norte de

Gana por outras tribos no Sul, particularmente os Ashantis que tendem a se referir a pessoas do

Norte como “Intaafo” (gêmeos) para representar o vínculo inseparável entre eles. Apesar desse

vínculo, eles se engajaram em vários conflitos principalmente em relação a terra, identidade e

poder tradicional. Os governantes tradicionais estão no centro do desenvolvimento sócio-

econômico dos grupos, o que faz com que as aspirações locais e os problemas associados à

chefia tendam a afetar as habilidades de desenvolvimento, paz e segurança das pessoas nas

áreas tradicionais, o que acabou por estabelecer crescentes incidentes de conflitos entre os

diversos grupos étnicos (Brukum, 2001).

Em relação as tradições e costumes das pessoas da região Norte, nota-se que, muito

antes do século XV, a área era habitada por grupos não centralizados como os Konkomba (Pul,

2003). Durante este período, as configurações políticas eram relativamente independentes umas

das outras e as relações entre as pessoas caracterizavam-se por "mobilidade, redes sobrepostas,

grupo de múltipla adesão e o desenho de limites dependente do contexto” (Lentz 2000, p.107).

No entanto, em meados do século XVII, a Região Norte havia sido invadida por grupos de

regiões "centralizadas" como Tohajie (Dagomba, Nanumba e Mamprusi) e Gonja, sob a

liderança astuta de Ndewura Jakpa que introduziu uma nova cultura de dinastia. Jakpa

estabeleceu uma federação de estados frouxamente entrelaçada que se estendia por toda a parte

norte do atual Gana e partes do Togo e do Benin. A invasão de Gana por Jakpa foi

provavelmente o resultado de uma disputa dentro de uma força Islâmica (da qual ele mesmo

fazia parte), na tentativa de converter nações no que hoje é o Mali e Burkina Faso, região

anteriormente conhecida como Alto Volta6. Usando de violência, os invasores subjulgaram os

povos locais considerados indígenas e usaram a marginalização cultural como base para luta

pelo status social (Pul, 2003).

Quando os britânicos introduziram o governo indireto, o governo colonial impôs

relações dicotômicas entre as comunidades distinguindo-os entre "acéfalos" e "cefálicos", o que

estabeleceu formalmente desigualdades estruturadas na Região Norte. A crença de que a

6 Enciclopédia Britânica (Sumalia Ndewura Jakpa). Disponível em:

https://www.google.com.br/search?q=tradutor+google&rlz=1C1GCEA_enBR756BR756&oq=tr&aqs=chrome.0.

69i59j0j69i60l4.1944j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8

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modernização do norte do Gana poderia ser alcançado através da formalização dos reinos em

termos de realinhamentos de assentamentos intensificou as divergências e explosões internas

entre chefes e grupos parcialmente conquistados, inflamando paixões e guerras. Em outras

palavras, a tentativa da administração colonial de canalizar a evolução cultural através de

reinterpretação seletiva e politização de questões levaram a contestações da reivindicação dos

habitantes indígenas à terra por outros grupos e demandas por representação. Por exemplo, a

subjugação das sociedades "não centralizadas" sob a autoridade de "politicamente legítimos"

foi facilitada pela política colonial britânica em apoiar os "centralizados" (Skalık 1987). A fim

de afirmar a influência política e tradicional sobre os outros grupos, os grupos étnicos foram

frequentemente percebidos como "minorias", enquanto os grupos principais foram percebidos

como "maioria". Esses estereótipos, segundo Brukum (2001, p.13), são considerados

pejorativos porque procuravam distinguir entre "grupos étnicos que construíram ou não

construíram impérios no passado". A exemplo, os Konkomba que são numericamente maiores

do que qualquer um dos outros três grupos principais (Nanumba, Gonja e Mamprusi são

conhecidos como "minoritários", enquanto Dagomba, o menor grupo é calorosamente referido

como “maioria”.

Várias estudos foram realizados na tentativa de compreender a ascensão desses estados-

nação étnicos, de forma a perceber a opressão de um grupo por outro e sobre as lutas por

territórios (Berger e Luckmann 1967). A escola principal postula que a identidade étnica é

inerente ao tecido humano. Em outras palavras, o desejo do homem de se identificar com grupos

cujas características eles possuem é um ato espontâneo (Scott, 1990). Existe a tendência de as

pessoas agirem em oposição a outros grupos étnicos, levando à rejeição de "estrangeiros". O

desejo de afirmar uma autoridade sobre outros grupos muitas vezes resulta na opressão do grupo

mais frágil, xenofobia e, inclusive, podendo resultar em casos de “limpeza étnica”7. De acordo

com Scott (1990, p.167) o conceito de “sentimentos primordiais” é essencial para a

compreensão da dimensão afetiva da etnia. No entanto, alguns estudiosos acham que os

sentimentos primordiais devem estar ligados a circunstâncias que ocorrem em outras ordens.

Apesar da etnia ser definida como a necessidade humana de pertencer a um grupo específico

de pessoas, instituições ou ideologia, ela é sempre expressa como uma adesão voluntária, o que

7 Entende-se por “limpeza étnica” a remoção violenta de um grupo de uma determinada região por um grupo

dominante, que legitima-se através da força aos direitos exclusivos da terra

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facilita a manipulação por parte dos indivíduos em promover seus interesses em relação às

oportunidades disponíveis no ambiente (Turton, 1997).

O modelo construtivista afirma que a identidade étnica é maleável e dinâmica em vez

de inata e imutável. Assim, a etnia é a criação de políticas e forças históricas e não uma mudança

de identidades individuais ao longo do tempo estabelecida por mudanças no contexto social. Os

defensores deste modelo acreditam que as pessoas apresentam diferentes configurações de

identidades que estão sujeitas a desaparecimentos, retornos e reinvenções. Nesse sentido, um

grupo étnico que é oprimido com base na identidade étnica, pode ou assimilar a cultura do grupo

dominante ou intensificar a solidariedade do grupo, a fim de resistir e lutar pela igualdade de

direitos. No contexto contemporâneo, onde os sistemas de governo estão pautados sobre os

estados-nação e são legitimados por processos legais, a integração de imigrantes nas

comunidades étnicas já existentes é uma relíquia e o estabelecimento de condições de

autonomia de grupos refugiados é uma sobrevivência. Todavia, Scott (1990, p.163) forneceu

uma abordagem sintética onde não precisamos mais dicotomizar as etnias persistentes e

flutuantes; em vez disso podemos colocá-las ao longo de um contínuo grau de solidariedade

étnica. Nos conflitos estabelecidos na Região Norte de Gana, levando-se em conta os processos

etnopolíticos, faz-se necessário perceber as circunstâncias emergentes de ordem particular uma

vez que o conteúdo de qualquer etnia é historicamente contingente (Lentz, 2006, p.3). As

subjetividades, percepções e experiência passadas tendem a interagir com a “memória política”

para produzir categorias de identificação. De acordo com Rothchild (1997), estas novas

categorias construídas são "base de uma consciência que pode revelar-se destrutiva".

O caso Chuchuliga exemplifica isso. As duras realidades dos no retardamento do

desenvolvimento tornar-se um desafio. É evidente que, se tiverem que alcançar seus objetivos

e metas, haverá a necessidade de incluir a gestão de conflitos em suas agendas de

desenvolvimento e elaborar planos de ação estratégicos para a gestão de conflitos do país.

Também será necessário considerar o patrocínio de pesquisas e estudos em conflitos, centros

de apoio e instituições que geram dados, oferecem aconselhamento e técnicas de gestão de

conflitos. Há também a necessidade de avaliação constante e contínua de resoluções de conflitos

e estratégias de mitigação da paz. Os interessados devem estar prontos para voltar atrás. Será

que foram alcançados os objetivos estabelecido? Se sim, por que e como foi feito? Das

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discussões acima, pode-se dizer também que administrar ou resolver conflitos precisa envolver

tantas pessoas diferentes de diferentes setores de sociedade e abordagens possíveis. Todas as

facções devem ser levadas à mesa da resolução em algum ponto. No entanto, também é

importante extrair fontes locais e externas. Existe a necessidade de apreciar o fato de que a paz

e a reconciliação deve ser visto como não meros eventos. Lederach (1995) argumenta que o

conflito não é um curto fenômeno, prazo que pode ser resolvido permanentemente através da

mediação ou outros processos de intervenção. Em vez disso, ele sugere que a conseqüência de

conflitos violentos pode ser transformada. Isso deve acontecer nos níveis individual e sistêmico.

No nível pessoal, a transformação envolve a busca da conscientização, crescimento e

comprometimento com a mudança. Deve-se querer resolver seu problema. Isso pode ocorrer

através do reconhecimento do medo, raiva, tristeza e amargura. Essas emoções devem ser

externamente reconhecido e tratado para que uma transformação efetiva ocorra. No nível

sistêmico, o processo deve visar o aumento da justiça e da igualdade nos sistemas sociais, um

todo. Essa é uma estratégia de construção da paz baseada em processos que permite que os

disputantes aprendam através da prática para evitar a reincidência de conflitos e para apropriar-

se do processo. Dependendo do tipo de conflito, a (s) organização (ões) social (is) envolvidas

devem ser usadas como meio para resolver o problema. Os diferentes governos que chegam ao

poder devem se comprometer mais do que nunca construção da paz. Quando Comissões ou

comitês são criados, os governos devem se esforçar para implementar suas conclusões e

recomendações, tanto quanto possível.

Considerações Finais

É evidente a partir dos casos analisados que, embora as pessoas possam manter suas

identidades étnicas, suas atitudes e perspectivas mudam. Pessoas que antes achavam que não

era problema ser subsumidas por outros grupos passaram a exigir direitos de identidade e

autogoverno como o caso do Konkomba. Além disso, os casos inter-étnicos neste estudo

expõem algumas fraquezas do sistema tradicional e consuetudinário de liderança. A crise de

Dagbon não conseguiu se utilizar das estruturas suas estruturas para resolver o problema. Em

contraste, o conflito com os Chuchuliga foi resolvido, ainda que com resistência inicial. Isso

levanta questões sobre chefia e percepções de poder. É claro a partir do exemplo Chuchuliga

que é as próprias comunidades locais que podem resolver o seu problema por diferentes razões.

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O caso Chuchuliga também sugere que quando as razões para um determinado conflito são bem

definidas, as chances de resolver o problema tornam-se maior. Os casos de Bawku e Dagbon

foram ligados a muitas causas, especialmente quando os conflitos são politizados.

Consequentemente, tem sido difícil lidar com todas as causas satisfatoriamente. Os conflitos

estão muito ligados ao meio ambiente e à cultura das pessoas em disputa. Como resultado, é

muito difícil prescrever abordagens e estratégias específicas a serem usadas para resolvê-los ou

gerenciá-los. Particularmente, se é geralmente aceito que as causas dos conflitos são múltiplas

devido a situações variadas, as abordagens e estratégias para lidar com eles não podem

permanecer as mesmas. Abordagens múltiplas e mais criativas são necessárias para responder

e transformar conflitos. Isso não acontecerá através de formas repetitivas de usar técnicas

normativas de resolução de conflitos. Três conflitos neste estudo permaneceram não resolvidos

por causa disso. Estudos aprofundados são necessários para compreender a dinâmica, a fim de

aplicar estratégias adequadas. Logo, caminhando no sentido contrário de uma construção

midiática que aponta a inexistência de conflitos em Gana, percebemos que estes são múltiplos

e se apresentam nas mais diversas ordem que extrapolam os limites da etinicidade.

Referências:

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2001.

Awedoba, A.K. An Ethnographic Study of Northern Ghanaian Conflicts: Towards a

Sustainable Peace Accra, Sub-Saharan Publishers, 2009.

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Brukum, N.J.K. Chieftaincy and Ethnic Conflicts in the Northern Region of Ghana.’’ In Odotei,

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________Gonja-Nawuri Conflicts. An Overview. UHURU No.5, 2001.

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