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Para citar esse documento:
VIEIRA, Marcilio de Souza. Petrouschkas potiguares ou quando a dança natalense se faz masculina. Anais do V Encontro Científico Nacional de Pesquisadores em Dança. Natal: ANDA, 2017. p. 751-771.
www.portalanda.org.br
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PETROUSCHKAS POTIGUARES OU QUANDO A DANÇA NATALENSE SE FAZ MASCULINA
Marcilio de Souza Vieira (UFRN)
Memórias e devires em linguagens de Dança
RESUMO: Reinventar a dança natalense, essa foi uma das premissas da presença masculina como bailarinos, criadores e diretores de dança na cidade do Natal. Assim como Petrouschka personagem do balé criado por Stravinsky Roosevelt Pimenta, Edson Claro, Dimas Carlos, Eugenio Pacceli, Zezo, Willy Helm, Sávio de Luna, Edeilson Matias, Domingos Costa, dentre outros desafiaram a dança potiguar e seus cânones quando ousaram dançar. A pesquisa tem por objetivo compreender como se deu a inserção masculina na dança potiguar. Parte da abordagem metodológica qualitativa sob o viés da análise do discurso. Assenta-se ainda na pesquisa desenvolvida na UFRN no Curso de Licenciatura em Dança e no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas intitulada “Personas de Dança do RN”. O recorte para a escritura desse artigo dar-se-á nos personas natalense que contribuíram/contribui para a formação em Dança na capital do Estado do Rio Grande do Norte, a saber: Roosevelt Pimenta e Edson Claro. PALAVRAS-CHAVE: Dança. Masculino. Memórias. Personas.
PETROUSCHKAS POTIGUARES OR WHEN NATALENSE DANCE MAKES MALE
ABSTRACT: Reinventing natal dance, this was one of the premises of the male presence as dancers, creators and dance directors in the city of Natal. As well as Petrouschka's ballet character created by Stravinsky Roosevelt Pimenta, Edson Claro, Dimas Carlos, Eugenio Pacceli, Zezo, Willy Helm, Savio de Luna, Edeilson Matias, Domingos Costa, among others challenged the Potiguar dance and its canons when they dared to dance. The research aims to understand how the male insertion in the potiguar dance took place. Part of the qualitative methodological approach under the bias of discourse analysis. It is also based on the research developed at the UFRN in the Degree in Dance and in the Graduate Program in
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Performing Arts entitled "Gente de Dança do RN". The clipping for the writing of this article will occur in the natal people who contributed / contributed to the training in Dance in the capital of the State of Rio Grande do Norte, namely: Roosevelt Pimenta and Edson Claro. KEYWORDS: Dance. Male. Memoirs. People.
A presença masculina na Dança não é novidade (HANNA, 1999). No balé
clássico sua máxima é o pas de deux. Nesse passo, o homem deve ser forte,
galante e elegante, auxiliando a mulher para que ela possa demonstrar sua
graciosidade e desenvoltura. Curiosamente, é com a Dança Moderna e
Contemporânea que o potencial masculino vai ser enxergado com outra
dinamicidade; agora ele não é apenas o partner, mas o intérprete. Assim,
transitando nessa perspectiva, emblemáticos foram os trabalhos de Ted Shawn, Eric
Hawkins, José Limón, Laban, Kurt Jooss, Alvin Ailey, Alwin Nikolais, Merce
Cunningham, Steve Paxton, dentre outros artistas da cena masculinos.
Tais artistas contribuíram incomensuravelmente para a Dança no mundo
quando favorece a conquista de respeitabilidade do dançarino, não retratando o
homem comum norte-americano (Shawn) ou quando incorpora emblematicamente
as qualidades de movimento legado de sua mentora na dança (Hawkins); ou ainda
quando alastrou sua prática/teoria a outros campos como a educação, a ergonomia,
o cinema, a clínica etc. com os estudos do movimento (Laban). Outros, a exemplo
de Jooss em sua obra coreográfica apresenta forte teor teatral abordando sem
subterfúgios a temática da denúncia social.
José Limón, mexicano de nascimento, e Alvin Ailey, afro-americano, adotaram
um caminho de contestação, explícita ou sutilmente, buscando a construção de
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novas representações de masculinidade mesmo que “negociassem” ainda com as
imagens mais conservadoras da dança. O atletismo de algumas das coreografias de
Ailey, inclusive, foi por vezes encarado como reforço de certos estereótipos
masculinos.
Há de citar ainda Alwin Nikolais que foi um dos primeiros a nivelar as
diferentes representações de masculinidade e feminilidade, afastando-se da
polarização e buscando movimentações comuns a ambos os sexos, na direção de
uma androginização dos bailarinos. Já Merce Cunningham é reconhecidamente o
responsável por radicalizar no palco essa ideia anterior. Para ele, o mais importante
eram as qualidades estético-formais, a saber: a diferença entre os gêneros é
neutralizada no conteúdo e na expressividade. Desse modo, por exemplo, uma
sustentação, reduzida à sua mecânica, vai exigir uma cooperação entre dois
bailarinos (as), eliminando conotações de dominação e submissão. Seu método de
composição, baseado no acaso, elimina por completo qualquer visão romântica do
papel masculino. A Contact Improvisation, prática improvisacional inventada por
Steve Paxton, foi totalmente embebida pelo espírito contestatório da contracultura
dos anos de 1960. Tal prática de dança induzia uma forma de execução que exigia
total cooperação na entrega e na sustentação do peso corporal, independente do
sexo do dançarino, eliminando noções de ativo e passivo, dominador e submisso.
Com a exaltação do feminino nos palcos, alguns homens foram eficazes em
novas direções, tais como Sergei Diaghilev, do Ballets Russes, que deu vitalidade
aos espetáculos, revivendo o balé e o ressurgimento dos homens na dança. O uso
do espaço é um exemplo disso: no grand pas de deux, cada bailarino tem um pas
solo, no qual o bailarino percorre o palco com saltos espetaculares. Embutida na
força de impulsão dos saltos do bailarino está a acentuada representação de
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masculinidade. Com Vaslav Nijinsky, dá-se o retorno do bailarino aos palcos e o
consequente reconhecimento do bailarino. Nijinsky foi uma figura chave na
reintrodução do balé masculino do século XX, desenvolvendo representações de
masculinidade que dominaram o balé e, até certo ponto, a dança moderna ao longo
do século.
Decerto que em Natal teve-se na figura masculina na dança mareada, de
início, pela presença feminina, mas tais Petrouschkas potiguares ousaram dançar e
ensinar dança contribuindo, certa maneira, para outro olhar a essa dança: Roosevelt
Pimenta na criação, implementação e desenvolvimento do Balé Municipal de Natal;
Edson Claro com a Acauã Cia de Dança e posteriormente com os grupos de dança
universitário (Gaya Dança Contemporânea, Cia dos Meninos, Roda Viva Cia de
Dança, Grupo de Dança da UFRN); Dimas Carlos com sua dança em espaços
escolares, casas de shows, criação de danças em espaços não convencionais a
exemplo de clube de idosos; dentre outros que trilharam caminhos como
bailarinos/dançarinos em companhias de dança mundo a fora.
Neste artigo registra-se a contribuição de Roosevelt Pimenta e Edson Claro
para a dança natalense. Reinventar a dança natalense, essa foi uma das premissas
de Roosevelt Pimenta como bailarino, intérprete, criador e diretor de dança na
cidade do Natal-RN, Brasil. Assim como Petrouschka personagem do balé criado por
Stravinsky Roosevelt Pimenta desafiou a dança potiguar e seus cânones quando
ousou dançar ainda no ano de 1961.
Sua primeira experiência de dança, de acordo com Sena (2011) deu-se com a
professora Edith Vasconcelos que veio à Natal como professora convidada para dar
aulas na Escola Oficial de Ballet de Natal, no entanto, sua vontade e sonho inicial de
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ser bailarino foi interrompido a partir de um abaixo-assinado feito pelas mães das
alunas daquela escola solicitando que ele não mais frequentasse as aulas de balé.
Anos mais tarde, 1964, o fato tornou-se a se repetir quando numa outra
tentativa de Roosevelt Pimenta em fazer aulas de balé, agora com a professora
portuguesa Noêmia Ferraz que substituiu Edith Vasconcelos na referida Escola de
Dança, mas a professora enfática e acreditando na potencialidade do jovem para a
dança, visto que ele já vinha de uma trajetória com o teatro amador natalense,
creditou-o suas horas de intervalo do almoço para ensiná-lo no momento em que a
Escola estava fechada.
Sobre esse feito, Roosevelt Pimenta ressalta em entrevista concedida a TV
Tribuna do Norte a importância de tal professora na sua carreira como bailarino e,
como ela ainda estava ligado ao teatro, em um espetáculo no qual ele fazia
assistência de direção foi convidado pelo então diretor de teatro pernambucano
Clênio Wanderley para ser seu assistente na direção da peça “A Corda” em Recife.
Sabendo do interesse do jovem promissor bailarino esse diretor o apresentou ao
coreógrafo Jorge Daniel que o convidou para fazer um teste de dança na TV Jornal
do Comércio no qual foi aprovado como primeiro bailarino.
Em Recife, naquele período, Roosevelt Pimenta ficou como bailarino da TV
Jornal do Comércio e também como integrante do Grupo de Danças Flávia Barros
como bailarino solista. Nesse interim foram surgindo outras oportunidades de
trabalho inclusive como ator de televisão. Nessa cidade participou ainda da
Companhia de Dança Teatro de Revista, que segundo ele, era uma companhia de
rebolados e por ela viajou pelo norte do país apresentando-se nos estados de
Amazonas e do Acre, bem como em cidades da Bolívia e do Peru. Ao retornar
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dessas temporadas internacionais aportou novamente no Acre e em Manaus e com
a falência da casa de teatro da qual a Companhia foi contratada, o espetáculo de
dança foi vendido para um circo.
Depois desse período de tournées nacional e internacional junto a Companhia
ele voltou para Recife, para a Companhia da TV Jornal do Comércio e para o Grupo
de Danças Flávia Barros. Roosevelt Pimenta em entrevista a citada TV Tribuna do
Norte, comentou que surgiu a oportunidade de ser coreógrafo no Circo Real
Espanhol e disse que nessa vida mambembe tinha o hábito de procurar, em cada
cidade que chegava uma escola de dança para fazer suas aulas. Com o citado circo
aportou em Fortaleza onde fez aulas com Hugo Bianchi e em São Luiz do Maranhão
fez aulas com Reinaldo Farai. Lá atuou na Academia Maranhense de Balé,
posteriormente foi convidado por Marika Gidali para fazer parte do Balé Stagium.
De volta a Natal, no ano de 1974, foi “convocado” por Jesiel Figueiredo diretor
de teatro potiguar e por Olindina Gomes, então Secretária de Educação do
município de Natal para fundar o Balé Municipal de Natal do qual foi diretor até o ano
de 2008. Durante os 34 anos à frente da direção do Balé Municipal de Natal,
Roosevelt Pimenta foi responsável por criar em parceria com professores da escola
espetáculos de fim de ano, bem como fundou o Corpo de Baile e a Companhia de
Dança Balé da Cidade.
A escola segundo seu fundador Roosevelt Pimenta implantou um método de
ensino com base na Escola Italiana de Ballet (Cecchetti) que passou a ser aplicado
de forma sistematizada com uma nomenclatura específica. “Nesse método os alunos
passam por um exigente treinamento dedicado a moldar e preparar seus corpos
para qualquer exigência coreográfica que lhe for apresentada” (SENA, 2011, p. 25).
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Roosevelt Pimenta criou para a escola os estágios para suas turmas, a saber:
Baby-class, Preliminar, Segundo Grau e Corpo de baile que dançou no ano de 1974
o “Uirapuru”, primeira coreografia encenada pelo corpo de baile e coreografada pelo
seu diretor. Os jornais da época informaram com repercussão local da estreia desse
bailado conforme reportagem do jornal A República de 16 de agosto de 1974:
Ballet Municipal Sob todos os pontos, altamente joia a criação do Ballet Municipal do Natal, da Secretaria de Educação do Município. E seu primeiro espetáculo, sob a direção de Roosevelt Pimenta, está aí no Teatro Alberto Maranhão mostrando toda a verve do grande bailarino e hoje professor de Ballet. Não entendo quase nada, mas assisto, para não perder o hábito, e ouvir comentários dos que entendem sobre o espetáculo. “Uirapuru”, de Heitor Villa Lobos, em um ato, abre em Natal o ballet ao vivo. É um novo público, uma nova plateia que vai se educando. E já para dezembro o Ballet Municipal anuncia “As quatro estações”, de Vivaldi. Finalmente agradeço pelo convite a mim enviado (José de Sousa).
A partir da década de 1970, a estética moderna parece se estabelecer em
Natal com Roosevelt Pimenta. Apesar dessa nova estética para dança em Natal
estar se estabelecendo com chegada desse professor e coreógrafo, há registros
anteriores do uso do termo Dança Moderna em alguns festivais de dança, e pode-se
dizer, apesar da imprecisão das fontes, que nestes eventos já era possível observar
alguns esboços do que viria a compor essa nova estética (DANTAS, 2005).
Na década de 1970, com a criação do Ballet Municipal de Natal (1974), pela
Secretaria Municipal de Educação, sob a direção de Roosevelt Pimenta, Natal
investe outro olhar para dança: “É um novo público, uma nova plateia que vai se
educando” como afirmava a notícia publicada pelo Jornal A República em 16 de
agosto de 1974. A criação do Ballet Municipal oportunizou a sociedade natalense o
acesso ao ensino do ballet e uma formação artística e cultural sistematizada. A
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permanência de suas atividades em mais de 40 anos após sua fundação denota
uma história consistente na cena cultura da cidade. Da escola formou-se o corpo de
baile e consequentemente a Companhia de Dança da Cidade oficializada em 2002.
Além de suas atividades no Ballet Municipal como professor, diretor e
coreógrafo, Roosevelt Pimenta contribuiu com outros espaços de dança na cidade
do Natal a exemplo do Grupo Panã-Panã final de 1970 e início dos anos de 1980,
grupo criado no Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte vinculado ao Núcleo de Arte e Cultura desta Universidade, com participação
de bailarinos da cidade, sob a orientação do professor Roosevelt Pimenta.
Contribuiu ainda como professor da recém-criada Escola de Danças Integrada do
Teatro Alberto Maranhão (EDITAM) no ano de 1985 com os professores Carmen
Borges, Edson Claro e Fátima Sena. Dirigiu ainda a Academia de Danças Termas
Center de 1981 a 1984.
Sua obra de projeção como coreógrafo foi o “Uirapuru”, mas além dessa,
outras se destacaram ao longo dos anos em que ficou à frente do Balé Municipal.
Pode-se destacar: As danças afro-brasileiras (1974), Amor cigano (1975), Afonsina y
el mar (1979), Aos nossos filhos (1983); além da direção de espetáculos tais como A
princesa de Bambuluá (2004), A princesa e o gigante (2006), Maria e o príncipe
(2007), Coppélia (2008), Dom Quixote (2009) e O Quebra Nozes (2010). Roosevelt
Pimenta foi responsável por formar vários alunos na tradicional dança do balé
clássico. Ele morreu em 2011 vítima de um acidente vascular cerebral.
Outra figura importante que contribuiu significativamente com a dança na
cidade do Natal foi Edson Claro. Falar de dança moderno/contemporânea em Natal,
RN, é falar da Acauã Companhia de Dança, da Gaya Dança Contemporânea, do
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Grupo de Dança da UFRN, além dos extintos Grupo dos Meninos e da Roda Viva
Companhia de Dança grupos e companhias criados por Claro.
Em sua carreira como artista e professor na cidade do Natal, Edson Claro
criou e impulsionou a dança natalense. No Rio Grande do Norte, a partir de 1988,
ele fundou a Acauã Cia. de Dança, o Grupo de Dança da UFRN, que depois passou
a chamar-se Gaia Cia. de Dança e, junto com Henrique Amoedo, o Roda Viva, que
abriu espaço, no Brasil, para os bailarinos com deficiência física. A Cia. de Dança
dos Meninos foi o último elenco formado por ele, em 2000. Além desses grupos e
companhias, junto com a bailarina Carmen Borges fundou a EDITAM (Escola de
Danças Integradas do Teatro Alberto Maranhão) que deu origem a Cia. de Dança da
EDTAM hoje uma das principais do Estado. Quase todos os grupos e companhias,
com exceção da Acauã Companhia de Dança e da EDTAM, foram criados e se
instituindo como projetos de extensão no espaço universitário.
Claro (1995) foi também responsável por criar o Método Dança-Educação
Física e disseminá-lo nos grupos e companhias por onde passou como professor e
artista da cena. Com base em suas experiências, como atleta ele iniciou sua
pesquisa com o intuito de trabalhar a multidisciplinaridade entre as áreas do
conhecimento buscando relações na consciência corporal, na dança e na Educação
Física. Abordou as relações entre práticas corporais ortodoxas (Jazz, Dança
Moderna de Martha Graham, Ballet Clássico, Afro e Sapateado) e alternativas, em
busca de um equilíbrio tônico, favorecendo a compensação do desgaste físico
através de técnicas de relaxamento como a Eutonia, o Feldenkrais, a Biodança, a
Massagem Ocidental e Do-In, a Antiginástica, a Quiropraxia (Criropratic clinic), a
Biocibernética-Bucal, o Shiatsu, a Zoonoterapia, a Iriologia, a Auricologia e a
Meteorologia do Corpo.
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Cabe ressaltar que a pesquisa de Claro (1995) e sua relação com a
consciência corporal está associada às práticas alternativas vivenciadas para a
construção do MDEF, que contribuem com trabalhos compensatórios sobre um
corpo desgastado por uma atividade física. Cumpre frisar que o objetivo do mesmo é
trabalhar o corpo a fim de melhorar o desempenho físico, prevenindo lesões,
propiciar uma boa flexibilidade, fortalecer e compensar a musculatura, além de
conscientizar o corpo a partir de suas debilidades e limitações. É essa
conscientização do corpo pelas vivências experienciadas, que estão na base das
premissas geradoras de seu método.
O trabalho realizado por Claro com o Método Dança-Educação Física é um
caminho pertinente para a construção de uma consciência corporal mais acentuada
tecnicamente na dança. Pode-se destacar no método a prontidão de um corpo hábil,
composto de movimentos precisos de habilidades específicas para executar as
sequências propostas, onde a busca pela consciência corporal é um fator que
considera as limitações musculares desse corpo. Tal proposição do método foram
trazidos para os trabalhos em dança desenvolvido por Claro em seu campo de
atuação em Natal, primeiro na Acauã e depois nos grupos de extensão em dança do
Departamento de Artes da UFRN em que o professor e artista pode assegurar o
método por ele desenvolvido.
A existência da Acauã, em especial, trouxe para Natal a apreciação de uma nova cena para a dança, marcada por dois pontos consideráveis: a presença igualitária de rapazes e moças nos palcos (tão marcados até então pelas expressões femininas e suaves do balé ou por incursões esporádicas de dançarinos de Jazz) como também a ampliação das referências do trabalho corporal para dança marcado pelo processo formativo do Método Dança-Educação Física e pelas produções coreográficas advindas das estéticas do Jazz, da Dança Moderna e do Ballet Moderno. Esses dois pontos foram marcantes no trabalho desenvolvido na Acauã, pois fomentou o questionamento dos motivos pelos
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quais os rapazes se distanciavam da cena da dança, como também gerou discussões sobre as bases de formação do artista da dança não restritas ao balé (PORPINO, 2014, p. S/P).
Os trabalhos desenvolvidos pela Acauã trouxeram a possibilidade do contato
dos bailarinos locais com coreógrafos nacionais e perspectivas para além do ballet
clássico que era bastante disseminado na cidade do Natal. Porpino (2014) dirá que
bailarinos, atletas e professores de Educação Física, com ou sem experiência na
dança, compuseram o elenco da Acauã e abraçaram a manutenção dessa
companhia durante cinco anos, tempo limite para levar à cena um trabalho oneroso
sem apoio financeiro. O trânsito com referências da dança paulistana foi uma
constante no início do trabalho desenvolvido pela Acauã, tendo essa companhia
estreado seu primeiro espetáculo naquela cidade e dançado coreografias assinadas
por profissionais que lá desenvolviam seus trabalhos, como Armando Duarte, Jairo
Sette, Luis Arrieta e Ana Maria Mondini. Esse trânsito de conhecimentos somente foi
possível pela história já vivida por Edson na sua cidade natal.
O perfil artístico e educativo do trabalho em grupo vivido na Acauã encontrou
novas possibilidades de germinação com a criação de grupos de dança na UFRN
quando Edson Claro passou a compor o quadro docente da instituição a partir da
primeira metade dos anos 1990.
A Roda Viva Cia de Dança foi um marco para a dança brasileira, no que se
refere ao corpo deficiente enquanto criador. O trabalho desenvolvido por esta
companhia repercutiu além dos espaços inclusivos e de grupos terapêuticos,
influenciando desta feita, o surgimento de inúmeros trabalhos semelhantes por todo
o país. A trajetória desta Companhia, segundo Teixeira (2010) e sua importância na
formação de inúmeros bailarinos, que por ela passaram e a troca de experiências
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com coreógrafos renomados do Brasil e exterior, justificaram a necessidade de
reflexão sobre o trabalho e a formação dos artistas deficientes na cena artística
brasileira.
Claro criou a Roda Viva Companhia de Dança juntamente com Henrique
Amoedo como um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Tal companhia teve a sua origem ligada ao Programa Multiprofissional de
Reabilitação na Lesão Medular, do Departamento de Fisioterapia da UFRN e aos
trabalhos desenvolvidos por Edson Claro junto ao Departamento de Artes da mesma
universidade. Criações coreográficas de importantes coreógrafos brasileiros como
Luis Arrieta, Ivonice Satie, Henrique Rodovalho e Mário Nascimento fizeram parte do
repertório dançado pela Roda Viva. Edson Claro também coreografou para essa
companhia trabalhos como “De nós para vocês” (1995), “Queremos mais”, “Pernas
pra que te quero” e “Geografia do destino” (1996) e “Valeu, valeu!” (1997) em
parceria com Carlinhos de Jesus.
Fruto de um trabalho iniciado em 1995, da união de um projeto artístico e o
outro hospitalar, a Roda Viva Companhia de Dança foi responsável por possibilitar a
inclusão de pessoas portadoras de deficiência motora no meio da dança-teatral
contemporânea onde, anteriormente, nenhuma companhia brasileira com estas
características havia marcado presença. A respeito dessa inserção Barral (2002)
comenta que é então a partir deste momento que a ênfase anteriormente dada aos
aspectos terapêuticos e educacionais começa a ser reduzida (continuando, porém
subjacente), sendo a ênfase principal transferida para os aspectos técnico-artísticos
da dança.
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A solidificação da companhia se deu na participação de eventos de dança
tais como as Semanas de Dança, promovido pelo Centro Cultural São Paulo, em
São Paulo, evento onde importantes companhias do Brasil também se
apresentavam e no International Festival of Wheelchair Dance, uma promoção do
Dance Umbrella e do Very Special Art´s Massachussetts. A Roda Viva incluía
bailarinos com e sem deficiência em seu elenco e o Método Dança-Educação Física
(CLARO, 1995) era à base de seu trabalho corporal. Albright (1997) refere-se à
dança, com portadores de deficiência física, como um marco para uma visibilidade
deste corpo na cena artística, em que bailarinos com e sem deficiência compartilham
o poder de criações e intercâmbios de movimento.
Penso que tais inquietações e indagações desse corpo dançante deve ter
trazido para aqueles bailarinos a dança como o veículo ressignificador do corpo, de
um corpo sensível e consciente, e ao mesmo tempo o meio, ou a prática que
viabilizou uma semiprofissionalização geradora de um dançar reflexivo e crítico.
Possivelmente esse dançar tenha gerado naqueles corpos diferenciados o prazer
pelo experienciar dança, a auto superação com relação ao pré-conceito que a
sociedade tinha e tem para com os corpos diferentes, a ansiedade, os medos e as
inseguranças geradas pela dúvida inicial de ser bailarino e a dança motivando-o no
desejo de superação.
Assim, compactua-se com as palavras de Claro (1995) quando coteja que a
Dança (e a Educação) não deve compactuar com corpos perfeitos e únicos gerando,
assim, discriminação e elitização, evidenciam o seu compromisso com o lado social
e político da arte de dançar. A Dança-Educação Física-Deficiência, voltada para um
enfoque multidisciplinar, dá importância a uma visão interdisciplinar, onde enfatiza o
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desenvolvimento da consciência corporal e espaço-temporal, buscando uma maior
conscientização da pessoa que dança, de suas possibilidades e limites, a fim de
superá-los. Nesta perspectiva, os conhecimentos de diversas áreas procuram ser
integrados enquanto processo educacional, com o propósito de atingir um fim em
comum.
Conforme Vieira ((2014), os primeiros passos da Gaya foram em 1990, com o
nome Grupo de Dança da UFRN, posteriormente Gaia Cia de Dança e atualmente
Gaya Dança Contemporânea. O grupo agregava pessoas de diferentes cursos da
universidade - Educação Física, Psicologia, Direito, Artes, Ciências Biológicas,
dentre outros - e com experiências diversas, não somente voltadas para a dança.
Projeto de Extensão do Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte que tinha como objetivo unir à dança elementos pedagógicos,
científicos e artísticos; muito embora o elemento científico tenha se perdido nessa
caminhada, em função da ênfase atribuída ao elemento artístico. As aulas do grupo
baseavam-se principalmente no Método Dança-Educação Física desenvolvido pelo
Prof. Dr. Edson Claro, fundador do Grupo de Dança da UFRN.
A primeira fase do grupo foi então desenhada por treinamentos técnicos
corporais (Método Dança-Educação Física e aulas de balé clássico) e formada por
corpos advindos de múltiplas áreas de conhecimento e de histórias diversificadas,
sendo apresentada com essas características em vários palcos brasileiros, dentre
eles, os cenários da Paraíba, de Pernambuco e de São Paulo. Costa (2004) vai dizer
que, novas necessidades foram surgindo, como, por exemplo, a do encontro diário e
a do aperfeiçoamento técnico e coreográfico, e alguns bailarinos não podiam
assumir por motivos diversos ou até mesmo não desejavam seguir as novas metas
estabelecidas e resolveram sair do grupo. Nesse movimento outros bailarinos,
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estudantes universitários e da comunidade circundante entraram e reestruturaram o
grupo, denominando-o em 1998 de Gaia Cia. de Dança.
O seu trabalho artístico e coreográfico foi ampliado com a presença de
coreógrafos importantes no cenário da dança nacional, como Luiz Arrieta, Ivonice
Satie, Tíndaro Silvano, Mário Nascimento, dentre outros, e tornou-se uma referência
artística em Natal junto a outros grupos da cidade.
A companhia tornava-se mais profissional dentro do espaço universitário com
repertórios de dança criados pelos coreógrafos citados, bem como pelos bailarinos
da companhia e também coreografias de Edson Claro. Durante aproximadamente
oito anos, de acordo com os estudos de Vieira (2014), a Companhia continuou
investindo em coreógrafos importantes de renome nacional e até internacional para
o incremento da composição de suas coreografias e convidou alguns professores,
como a Profª. Wanie Rose Medeiros, para o aprimoramento da técnica clássica, e
outros como a Profª Heloísa Costa e o Prof. Mauricio Motta, para trabalhar a
ressignificação da técnica clássica a partir de um enfoque contemporâneo,
expandindo os conhecimentos técnicos do grupo e ampliando as percepções sobre
o corpo. Nesse tempo, novas exigências e necessidades artísticas foram surgindo e
novamente muitos bailarinos saíram e outros entraram em um movimento de
constante renovação.
Em 2005, em virtude de sua aposentadoria, o professor Edson Claro deixa
suas atividades na companhia e a partir de então o grupo, com uma nova formação,
passou a se chamar Gaya Dança Contemporânea. Tal Companhia passou por
importantes transformações estruturais de nome, de elenco e também de
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coordenação, marcando dessa maneira diferentes fases, tanto no que diz respeito
às suas concepções artísticas como às estéticas.
Durante esses mais de vinte anos de vida, o elenco foi se reformulando de
acordo com as propostas artísticas sugeridas pelos coordenadores. Porém, no que
diz respeito aos processos criativos, o modelo mais tradicional de composição
coreográfica predominou. Nos últimos cinco anos a Gaya vêm investindo em um
trabalho autoral, incentivando a produção em dança a partir do trabalho de pesquisa
e criação coletiva nos quais os dançarinos possuem papel preponderante nos
processos de criação dos espetáculos (VIEIRA, 2014). A Gaya Dança
Contemporânea é formada por professores, alunos, servidores técnico-
administrativos da UFRN e comunidade em geral. Dentre as ações desenvolvidas
destaca-se: a oferta de oficinas de dança abertas à comunidade, a participação em
eventos artísticos e científicos, a pesquisa acadêmica no âmbito da produção
artística, a realização de temporadas de espetáculos, a formação bailarinos e de
público para a dança.
Outro importante grupo, de acordo com Vieira (2016), é o Grupo de Dança da
UFRN – GDUFRN. Criado por Claro ainda nos anos de 1990 esse grupo recebia e
investia em bailarinos da universidade e da comunidade no intuito de que, de acordo
com sua formação no grupo, pudessem em algum momento de sua carreira artística
participar da Gaia Companhia de Dança. O Grupo vem se configurando como um
espaço de aprendizado, pesquisa e divulgação da dança no Rio Grande do Norte
através da participação de docentes e discentes comprometidos com a área, e pela
realização de suas ações em contextos teatrais e espaços públicos onde a Dança
possa ser cada vez mais democratizada e acessível a diversos públicos.
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As composições coreográficas neste Grupo de Dança, em tempos idos foram
mediadas por coreógrafos (as) convidados (as) locais e outros que desenvolvem
trabalhos em outras companhias pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e
Minas Gerais; atualmente o grupo pesquisa a linguagem da dança a partir de
processos colaborativos do próprio elenco (VIEIRA, 2014).
O processo colaborativo na criação de obras artísticas torna-se a cada dia
uma realidade irrefutável. Trata-se de uma proposta que desafia os tradicionais
modos de produção no campo das artes, caracterizando-se na dança como um
modo de contestação e resistência, abarcando artistas e pesquisadores do corpo, e
profissionais de campos afins, que se agrupam temporariamente em torno de
temáticas comuns, com objetivos de igual ressonância, pleiteando a inserção de
seus trabalhos no contexto. Mais que objetivar um produto acabado ou esgotar uma
temática conformada em produto artístico, o processo colaborativo enfoca o
compartilhamento de informações no decorrer da criação da obra, constituindo-o
num lugar de diálogo, interação e negociação constantes (CORRADINI, 2010).
Assim, no processo colaborativo a obra pode ser de um grupo, de um
coletivo, ou de um agrupamento formado em torno de um projeto específico. Nele,
todos os artistas são propositores, autores, mas cada um trabalha para a criação de
acordo com sua função naquele projeto. Esse é o pensamento do grupo atual em
trabalhar colaborativamente.
A Cia dos Meninos foi criada em 2000 como um projeto de extensão do
Departamento de Arte e foi idealizado por Edson Claro. Esse ideal de homens na
dança já fazia parte da vida de Claro desde a sua participação como aluno na
Faculdade de Educação Física da USP quando participou da criação e emancipação
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de um grupo de danças naquela instituição, até a formação do Grupo Casa Forte em
São Paulo que tinha a presença masculina marcante nos trabalhos coreográficos.
Claro percorreu esse ideário do homem na dança quando trouxe meninos advindos
dos bairros natalense e alunos graduandos para fazerem a sua dança sempre
pautada no Método Dança-Educação Física. Quando oportunizou esses corpos
dançantes a impregnar-se de danças, de afetos, de jogos coreográficos, de pesquisa
e sobretudo de um fazer dançar para si e para o outro (VIEIRA, 2016).
É notório que a presença desses dois personas na dança potiguar é ímpar.
Eles impulsionaram e proporcionaram novas vivências em dança que reverberam na
atualidade quer nas escolas de dança da cidade, quer no curso de graduação em
dança na universidade, quer nos trabalhos coletivos realizados por seus ex-alunos.
Os projetos criados por Edson Claro no âmbito da universidade (Gaya e
GDUFRN), bem como a escola fundada por Roosevelt Pimenta que hoje recebe seu
nome continua fomentando a dança da cidade. Pode-se dizer que os artistas
pesquisados plantaram e frutificaram a dança na cidade do Natal. Eles trouxeram
um novo olhar para a dança quando incorporaram processos de pesquisa e
investigação para a dança criada, bem como fizeram germinar novas formas de
dançar naquela cidade.
Para terminar cito Paul Valéry (1999), em a alma e a dança: A dança é uma
coisa completamente diferente. É sem dúvida um sistema de atos, mas sem fim em
si mesmo. Não conduz a nada [ÊFEMERA]. E se persegue um objetivo qualquer, é
sempre um objetivo ideal, um estado de inebriamento, um fantasma de flor, um
momento extremo [ÊXTASE], um sorriso que se forma no rosto de quem o solicitava
ao espaço vazio. Não se trata, pois, de efetuar uma operação finita, e cujo fim se
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situa em algum lugar [TECNICISMO, VIRTUOSISMO], mas sim de criar e de manter,
exaltadamente, certo estado [POÉTICO], graças a um movimento periódico que
pode ser executado no mesmo lugar; movimento que se desinteressa quase
completamente do olhar, mas que se excita e se regula pelos ritmos auditivos’
[MUSICA E MOVIMENTO, CORPO E ALMA] como nos ensinam os filósofos, poetas
e dançarinos de todos os tempos e lugares. Roosevelt Pimenta e Edson Claro foram
esse êxtase, esse estado poético, corpo e alma do qual fala Valéry para a dança
natalense.
Referências
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Pós-Doutor em Artes (UNESP), Doutor em Educação (UFRN), É Coordenador Adjunto do
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e Professor do Curso de Dança e dos
Programas de Pós-Graduação PPGArC e PROFARTES da UFRN. Membro pesquisador do
Grupo de Pesquisa em Corpo, Dança e Processos de Criação (CIRANDAR) e do Grupo de
Pesquisa Corpo, Fenomenologia e Movimento (Grupo Estesia/UFRN.