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FLAP INTERNACIONAL 48 FLAP INTERNACIONAL 49 Acompanhamos a rotina de um dia de treinamento na maior academia de serviços de uma companhia aérea no hemisfério sul. Por: João Paulo Moralez PARA VOAR E SERVIR

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Acompanhamos a rotina de um dia de treinamento na maior academia de serviços de uma companhia aérea no hemisfério sul.

Por: João Paulo Moralez

PARA VOAR E SERVIR

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A garganta fica seca e o nariz começa a coçar. Imersos num escuro completo, logo começa a contagem: “um, dois, três, quatro, cinco!”. Essa é a maneira como o grupo consegue ter a certeza de que todos estão bem e conscientes. Com o intenso barulho de fundo, fica difícil de manter o sangue-frio e a concentração. Mas o grupo não se separa e se mantém firme no objetivo de encontrar o passageiro que está dentro do avião. Estamos num labirinto e toda a ação leva menos de cinco minutos para acontecer. Mas para quem está dentro parece que o tempo foi muito maior.

Juntos, os comissários imobilizam cuidado-samente o passageiro e o levam para fora. Essa, felizmente, não é uma emergência real, mas uma das mais tensas etapas do treinamento de comis-sários da Academia de Serviços da Latam Linhas Aéreas Brasil. Situada na cidade de São Paulo, por ela passam todos os funcionários da empresa no momento em que ingressam na companhia.

A academiaA estrutura é complexa. Numa área de 15.700

metros quadrados, onde 9.032 metros quadrados são de área construída, estão instaladas 19 salas de aula com sistema completo audiovisual, nove laboratórios e um auditório. Também existem um mock-up de serviços; um mock-up técnico que reproduz, numa área de 1.200 metros quadra-dos, o ambiente de uma aeronave, utilizado para treinamento de comissários e pilotos, incluindo uma estrutura parcial de um Fokker 100 que ser-viu à antiga TAM; um mock-up de aeroportos e um mock-up de cargas. Há ainda uma piscina de 405.000 litros de água.

Inaugurado em 2001 com o objetivo de qualificar todos os funcionários da companhia, o

local, que hoje é comandado pelo coordenador Everton de Carvalho e pela gerente Patrícia Ra-malho, oferece cursos obrigatórios para atender às exigências de autoridades aeronáuticas como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mas também possui programas voltados para a área comportamental, com ênfase nas relações inter-pessoais, comunicação corporativa, prestação de atendimento de excelência e forma de se comu-nicar melhor com clientes e colegas de trabalho, além dos treinamentos em emergência em si.

Pela Academia de Serviços passam, diaria-mente, em média, 800 pessoas, de pilotos e co-missários de bordo às equipes de solo. Em 2017, somente de comissários de voo, foram 4.625, que receberam mais de 7.500 horas de instrução.

Manter toda essa estrutura exige muito esforço da companhia, além de investimentos constantes no aperfeiçoamento dos seus instru-tores, melhorias internas e aquisição de novos equipamentos e simuladores. Entretanto, no final, tudo se reverte na qualidade dos serviços prestados para os seus clientes, seja no check-in dos aeroportos, a bordo das aeronaves ou em segmentos que passam despercebidos aos olhos dos passageiros, mas que possuem forte influência no atendimento e viagem destes.

Treinamento diferenciadoDespachantes operacionais de voo, profissio-

nais de rampa (serviços de pista dos aeroportos), equipe de check-in, comissários e até pilotos. Todos que ingressam na Latam Brasil passam, pelo menos uma vez, pela Academia de Serviços da companhia. Para cada tipo de instrução há um simulador ou ambiente montado – extremamente parecido com o real, para treinar os funcionários da companhia.

Para os agentes de aeroportos, por exemplo, existe um balcão onde são feitos os check-in, emissão de bilhetes, conferência e despacho de bagagens, informações aos passageiros e outros. O atendente precisa ser ágil e ao mesmo tempo atencioso. Para treinar essas características, filas são formadas para que este consiga desempenhar bem essa tarefa.

De todos os treinamentos ministrados na academia, porém, o de comissários é um dos mais complexos.

Para formações iniciais (comissários recém--contratados, com ou sem experiência anterior), o treinamento tem duração de dois meses e meio a três meses, incluindo as fases teóricas e práticas. Nesse tempo, o aluno passa pelos regulamentos, normas e procedimentos; treinamento em mock--up para emergências; marinharia com sobrevivên-cia no mar e na selva; combate ao fogo; instrução em todos os equipamentos que hoje fazem parte do acervo da companhia como os jatos da família A320, A350, Boeing 767, Boeing 777; e aulas de serviço de bordo (como servir, fazer o atendimento e aulas de alimentos e bebidas).

Também são formados os instrutores; feitas reciclagens de instrutores e formação para che-fes de equipe. Para os comissários, por exemplo, que já fazem parte dos quadros da empresa, são necessários treinamentos periódicos de três dias a cada seis meses.

Num dos maiores ambientes fechados da academia, a visão impressiona. Um Fokker F-100, ou parte dele – sem a asa esquerda e com uma parte da fuselagem e um pedaço da asa direita –, onde os alunos realizam uma série de trei-namentos como ações imediatas após situação de turbulência severa (checagem da tripulação, triagem de passageiros, primeiros socorros e atendimento de múltiplas vítimas); abortagem de decolagem; preparação da cabine de passageiros para pouso em emergência; procedimentos em caso de emergência preparada, quando a pane acontece e há tempo hábil para a tripulação pre-parar a cabine para um pouso; e emergência não preparada, quando a pane acontece e o pouso tem de ser imediato.

Também são treinados procedimentos de emergência em caso de evacuação em ambientes como aeroporto, selva e mar. Nessas situações a tripulação deve evacuar a aeronave em, no máxi-mo, 90 segundos, sendo que, quanto mais cedo o avião for esvaziado, maiores são as chances de redução de feridos e de sucesso na evacuação.

Os comissários utilizam escorregadeiras infladas para abandonar a aeronave, seguindo rigorosamente os mesmos procedimentos que são adotados numa situação real.

Apesar de ser um avião de corredor único, com altura em relação ao solo e tamanho das portas menores se comparado a aviões como os wide-body, com dois corredores internos e portas mais largas, é interessante notar que a fuselagem do Fokker 100 foi adaptada para treinar nos dois tipos de aviões. A parte frontal já está mais baixa e semelhante à de um avião com um corredor, como os da família A320. Mas a parte de trás é

Na fuselagem do Fokker F-100 instalada na Academia de Serviços da Latam são treinados vários tipos de procedimentos como fumaça a bordo.

No lado esquerdo da fuselagem do Fokker F-100, está preparada uma escorregadeira igual à de um avião wide-body, que são mais largas e mais altas. Nela os tripulantes realizam a evacuação da aeronave de maneira segura e rápida.

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mais elevada e a porta mais larga, simulando um avião de grande porte e dois corredores.

Assim é possível utilizar os dois tipos de escorregadeiras que são encontrados em cada categoria de avião.

Também são simulados nesse Fokker 100 fumaça a bordo, despressurização (com aciona-mento das máscaras de oxigênio) e controle de situações especiais com passageiros embarcados. Tudo é acompanhado por sistema de áudio, que conduz toda a experiência que o comissário vai passar.

Ao redor desse F-100 estão ainda dois mock-ups de portas de aviões, da família A320 e do Boeing 777. Nesse caso os comissários aprendem a fazer o comando de abertura das portas em si-tuações normais, a resolverem panes, orientarem os passageiros para se dirigirem para outra porta e o manuseio das saídas de emergências nas janelas sob as asas.

É importante destacar que esses mock-ups são feitos no tamanho natural e utilizando todo o mecanismo real de um avião que está em rota. Existem assentos, bins e os mesmos equipamentos que estão disponíveis para os tripulantes na aero-nave. Os comissários treinam também fraseologia específica e controle de alguns sistemas da cabine de passageiros.

Próximo a esses dois simuladores ainda está uma galley (cozinha) e banheiro, que também fazem parte da instrução.

Em frente a esse espaço está uma grande piscina de 405.000 litros e 4 metros de profundi-

dade, onde são ministrados os procedimentos de sobrevivência no mar.

Basicamente nesta situação onde pilotos e comissários são submetidos ao treinamento, o objetivo é evacuar a aeronave, inflar o colete salva--vidas, se dirigir ao bote e iniciar os procedimentos aprendidos na parte teórica, como o de amarrar a cobertura, usar coletores de água da chuva e outros equipamentos de sobrevivência.

Caso o bote seja danificado ou perdido, as pessoas se agrupam e precisam se manter unidas até que o resgate chegue.

É importante destacar que todos os itens que estão à disposição do tripulante dentro do avião ficam disponíveis na academia para que os alunos possam manusear e aprender sobre o seu funcionamento e uso correto.

Anexo a este espaço, num auditório, são mi-nistradas as aulas de serviços de bordo, alimentos e bebidas, operação dos sistemas de entretenimento de bordo, funcionamento das poltronas, etc. Esta é outra etapa na qual a companhia aérea promove bastante conhecimento para os seus alunos, tendo em vista que o excelente tratamento do cliente é o cartão de visitas da Latam.

Já na área externa, três outras importantes instruções de sobrevivência são dadas.

A primeira é a entrada num ambiente confi-nado (como descrito no início da matéria), escuro,

com fumaça branca e labirinto, onde o tripulante deve entrar em grupo, socorrer e evacuar um passageiro da fuselagem de um avião. Trata-se de uma pequena casa em que as paredes internas são móveis e a configuração do trajeto é mudada de uma instrução para outra.

O segundo treinamento é a sobrevivência em ambiente de selva, onde o aluno vai aprender a

Neste simulador de portas e janelas de emergência da família Airbus A320, idênticas às de um avião real, os comissários realizam os procedimentos de abertura e orientam os passageiros sobre a evacuação.

Muitas instruções são extremamente didáticas e feitas com os equipamentos que os tripulantes vão encontrar dentro da aeronave. Aqui, a galley e um toalete de um Airbus são usados para vários tipos de aulas na academia.

Na academia os comissários possuem acesso a todos os instrumentos e equipamentos que são embarcados nos aviões, tendo a oportunidade de manusear e aprender sobre o funcionamento de cada um deles.

Na piscina da academia os alunos recebem uma instrução completa de marinharia e técnicas de sobrevivência no mar.

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fazer abrigos, fogareiro para cozinhar e sinalização para as equipes de busca e resgate, entre outros. Tudo é feito utilizando partes do próprio avião ou de kits de sobrevivência.

Por fim, os alunos aprendem a fazer o com-bate a incêndio em diferentes tipos de materiais como inflamáveis e sólidos, utilizando extintores com pó químico ou com água.

Em agosto de 2015 a academia inaugurou uma área para treinamentos com cargas, in-cluindo tratamento de embalagem e embarque e desembarque de cargas com o objetivo de me-lhorar a segurança das operações. O laboratório

possui balanças, gaiola e paletes com rede para armazenamento para ministrar os conhecimen-tos teóricos e práticos sobre a movimentação de cargas.

Um dos focos principais são as cargas peri-gosas, para as quais os alunos aprendem a fazer o manuseio, qual é a melhor embalagem para cada caso e como armazená-las corretamente num compartimento próprio nos terminais de cargas. Também aprendem a separar as caixas, dependendo do tipo de mercadoria, para evitar proximidade entre determinados produtos, e gaiolas com animais de diferentes tamanhos. Os cursos duram quatro, oito, 16 ou 40 horas, a depender da temática.

Num prédio anexo, por sua vez, fica a parte dedicada ao treinamento dos pilotos. Para se ter uma ideia, do dia em que entra na academia até o check final em rota, a formação de um copiloto leva em torno de 155 dias.

Nesse prédio o aluno, com brevê de voo e uma série de requisitos necessários já cumpridos para ingressar numa companhia aérea como a Latam, tem contato com um Flight Training Device (FTD) da cabine de um A320, onde basicamente são treinados os procedimentos de cockpit e a compreensão de onde estão lo-calizados os comandos de cada sistema de voo da aeronave. Após isso, o aluno segue para o Virtual Pilot Training (VPT), durante a fase de solo do curso inicial, quando são feitas cinco sessões de quatro horas neste dispositivo, revi-sando os sistemas que foram ensinados durante o ground school – este com em torno de 45 dias de duração.

Depois da academiaCom a conclusão das etapas e as provas na

academia, o comissário passa pelo reconhecimen-to do avião na prática, indo para uma aeronave no período da noite num dos hangares da companhia, estando incluída uma avaliação por parte dos checadores da empresa que são credenciados pela Anac. Esses examinadores possuem a prerrogativa de avaliar na prática os comissários antes deles iniciarem as suas atividades no voo propriamente dito. Sendo aprovado, o comissário então entra para a instrução em rota, que é assistida pelos

chefes de equipe e instrutores da companhia durante os voos por um período que pode variar de 30 a 40 dias. É nesta etapa que o comissário recém-admitido na empresa vai ter um contato mais intenso com a política da companhia em termos de atendimento, podendo manusear com mais intensidade os sistemas da aeronave, entre outras atividades.

Para os pilotos, depois do VPT, são em média mais 22 sessões de quatro horas cada em simula-dor de voo fora da academia ao longo de 30 dias e a instrução em rota que leva em média 46 dias. Só então termina a sua instrução.

Detalhe dos manequins infantis com os coletes salva-vidas.

No auditório estão localizadas as poltronas da cabine executiva usadas nas aeronaves de grande porte da companhia. A Latam Brasil dá grande atenção a esse tipo de instrução para os seus passageiros.

Comissários fazem uso de extintores de incêndio numa área externa da academia. O enfoque desses treinamentos é buscar extinguir o fogo de maneira eficiente e rápida.

O Virtual Pilot Training é uma ferramenta fundamental no processo de aprendizado e desenvolvimento do aviador, que no futuro irá assumir, inicialmente, o posto de copiloto na companhia.