21
PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A C2.!:lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES 1 Man'a Constança Peres Pissarra Professora de Filosofia do Direito em São Paulo e na Faculdade de Direiro de Bauru-ITE A, O MECANISMO COMO FUNDAMENTO DA FÍSICA E DO PENSAMENTO Em um primeiro impulso, seríamos tentados a afirmar que o pensamento de Hobbes, também nasceu sobre a influência da filosofia experimental de Francis Ba- con e do racionalismo de René Descartes, como toda a Época Moderna ocidental. Mas, quando começamos a ler suas obras, percebemos uma convivência peculiar en- tre esses pensamentos opostos do século XVII. Por exemplo, na primeira parte do Leviatã 2 , Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes a fatos da natureza humana. Também seu projeto filosófico é apresentado ao leitor com um encadeamento lógico-deduti- vo, seja nas suas obras sobre a física, seja naquelas pelas quais é mais conhecido - sobre a política - não deixando de definir antecipadamente todos os termos utiliza- dos. Para alcançar o objetivo de sua reflexão -o fundamento da sociedade política - vale-se de um método resolutivo-compositivo, decompondo e recompondo seu ob- jeto exaustivamente. Esse ofício de "relojoeiro", leva-o ao primeiro elemento de que 'Este texto corresponde a uma versão parcial e alterada de conferência proferida no Curso de extensão promovido pelo Departamento de Filosofia da PUC;SP, Anoção de justiça na História da Filosofia, em 10105/2000, com o título "Paradigma do jusnaturalismo moderno: a questão da soberania em Hobbes e Rousseau". 'Capitulos I;XI.

PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

  • Upload
    lebao

  • View
    222

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO:

A C2.!:lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE

THOMAS HOBBES 1

Man'a Constança Peres Pissarra Professora de Filosofia do Direito em São Paulo e na Faculdade de Direiro de Bauru-ITE

A, O MECANISMO COMO FUNDAMENTO DA FÍSICA E DO PENSAMENTO

Em um primeiro impulso, seríamos tentados a afirmar que o pensamento de Hobbes, também nasceu sobre a influência da filosofia experimental de Francis Ba­con e do racionalismo de René Descartes, como toda a Época Moderna ocidental. Mas, quando começamos a ler suas obras, percebemos uma convivência peculiar en­tre esses pensamentos opostos do século XVII.

Por exemplo, na primeira parte do Leviatã2, Hobbes deduz sua ciência política

de conceitos e definições correspondentes a fatos da natureza humana. Também seu projeto filosófico é apresentado ao leitor com um encadeamento lógico-deduti­vo, seja nas suas obras sobre a física, seja naquelas pelas quais é mais conhecido ­sobre a política - não deixando de definir antecipadamente todos os termos utiliza­dos. Para alcançar o objetivo de sua reflexão - o fundamento da sociedade política ­vale-se de um método resolutivo-compositivo, decompondo e recompondo seu ob­jeto exaustivamente. Esse ofício de "relojoeiro", leva-o ao primeiro elemento de que

'Este texto corresponde a uma versão parcial e alterada de conferência proferida no Curso de extensão promovido pelo Departamento de Filosofia da PUC;SP, Anoção de justiça na História da Filosofia, em 10105/2000, com o título "Paradigma do jusnaturalismo moderno: a questão da soberania em Hobbes e Rousseau". 'Capitulos I;XI.

Page 2: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUiÇÃO TOLEDO DE h110

deve partir: os homens; após analisá·los, poderá analisar o próximo, o Estado e, só então as sociedades políticas.

Hobes estabeleceu, então, um racionalismo empirista, partindo da natureza para a ela voltar através de uma trajetória onde o real é reduzido a elementos sim· pIes, utilizados em uma dedução capaz de recompor a realidade concreta.

Mas, enquanto Descartes afirmava que a substância pensante é diferente da extensa, Hobbes afirmava que todos os seres eram corporais, que o corpo era o su­jeito de toda ação e que todos os corpos existem em movimento, pois "... quando uma coisa está imóvel, permanecerá imóvel para sempre, a menos que algo a agite. (...) quando uma coisa está em movimento, permanecerá eternamente em movi· menta, a menos que algo a pare, muito embora a razão seja a mesma, que nada pode mudar por si SÓ".l

Ao contrário do pensador francês, afirmava que o movimento era o princípio dos corpos e não o repouso. E, como alguns corpos aparentemente estavam em re­pouso, alguns homens supuseram que estavam parados porque "... avaliam, não apenas os outros homens, mas todas as outras coisas, por si mesmos, e, porque de­pois do movimento se acham sujeitos àdor e ao cansaço, pensam que todo o resto se cansa do movimento e procura naturalmente o repouso, sem meditarem se não consiste em qualquer outro movimento este desejo de repouso que encontram em si próprios",'

Há, então, corpos que têm movimento aparente - corpos animados - e corpos que aparentemente não têm movimento· corpos inanimados. Isso equivale a dizer que os corpos possuíam certo tipo de movimento interno, certo esforço ou conatus.

A noção de corpo é fundamental para entender o movimento do universo, seja enquanto corpo em movimento, seja enquanto corpo envolvido por uma força

i,

que lhe é externa. Através de uma concepção mecanicista do movimento, Hobbes pretende explicar o movimento mecânico e, também, o próprio processo de conhe· cimento humano. Para tanto, parte da afirmação que os homens eram dotados de sensação, imaginação e entendimento.

1. Sensação: Tal como para os animais, a sensação nada mais é para os homens do que um

processo mecânico, resultante da afetação dos objetos sensíveis sobre os órgãos sensoriais. Asua causa

"é o corpo exterior, ou objeto, que pressiona o órgão próprio de cada sentido, ou de fonna imediata, como no gosto e tato, ou de forma mediata, como na vista, no ouvido, eno cheiro; a qualpres­

'HOBBES, T. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. SP, Abril Cultural, i973, col. "Os Pensadores", parte I. capo li, p. 15. 'idem. ibidem.

são, pela medit corpo, prolongc, causa ali uma ção, para se tra de algum modo mens chamam ~

Assim, são possíveis a luz ou a ( olfato, o paladar para a língua e

"em relação ao: tras qualidades, qualidades dem mas são muitos órgãos de mane dos, elas nada 11

menta nadapro. nós é ilusão, qu, mos sonhando. ( prio objeto ideal em nós, mesmo ( uma outra". 6

2. Imaginação: Como, então, seria possíVt

causador da sensação. Retomerr em movimento só interrompe e: terno e,

"seja oquefor q~

instante, mas ap que acontece cor. prar, as ondas cc mesmo acontece ternas do homem ção do objeto, OI

ainda a image11 quando a vemos.

'Idem, ibidem, parte i, capo i. p. 13­'Idem, ibidem, p. i3-i4

Page 3: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO Dl

Jderá analisar o próximo, o Estado e, só

1alismo empirista, partindo da natureza lnde o real é reduzido a elementos sim­recompor a realidade concreta. Je a substância pensante é diferente da ~s eram corporais, que o corpo era o su­:xistem em movimento, pois "... quando Ipara sempre, a menos que algo a agite. o, permanecerá eternamente em movi­mbora a razão seja a mesma, que nada

rmava que o movimento era o princípio s corpos aparentemente estavam em re­:avam parados porque "... avaliam, não ras coisas, por si mesmos, e, porque de­e ao cansaço, pensam que todo o resto ente o repouso, sem meditarem se não ~ desejo de repouso que encontram em

)aparente - corpos animados - e corpos orpos inanimados. Isso equivale a dizer lento interno, certo esforço ou conatus. 11 entender o movimento do universo, lquanto corpo envolvido por uma força ão mecanicista do movimento, Hobbes também, o próprio processo de conhe­lação que os homens eram dotados de

lada mais é para os homens do que um dos objetos sensíveis sobre os órgãos

to, que pressiona o órgão próprio de mediata, como no gosto e tato, ou de 'a, no ouvido, e no cheiro; a qualpres­

) eclesiástico e civil. SP: Abril Cultural. 1973, col. "Os

são, pela mediação dos nervos, e outras cordas e membranas do corpo, prolongada para dentro em direção ao cérebro e coração, causa ali uma resistência, ou contrapressão, ou esforço do cora­ção, para se transmitir; cujo esforço, porque para fora, parece ser de algum modo exterior. Eé a esta aparência, ou ilusão, que os ho­mens chamam sensação". 5

Assim, são possíveis a luz ou a cor para a visão, o som para o ouvido, o odor para o olfato, o paladar para a língua e,

"em relação ao resto do corpo, ofrio, calor; dureza, macieza, e ou­tras qualidades, tantas quantas discernimospelo sentir. Todas estas qualidades denominadas sensíveis estão no objeto que as causa, mas são muitos os movimentos da matéria que pressionam nossos órgãos de maneira diversa. Também em nós que somos pressiona­dos, elas nada mais são do que movimentos diversos (pois o movi­mento nada produz senão o movimento). Mas sua aparênciapara nós é ilusão, quer quando estamos acordados quer quando esta­mos sonhando. ( ..) Emuito embora, a uma curta distância, opró­prio objeto ideal pareça confundido com a aparência que produz em nós, mesmo assim o objeto é uma coisa, e a imagem ou ilusão uma outra".6

2. Imaginação: Como, então, seria possível a imaginação? Esta ocorre na ausência do objeto

causador da sensação. Retomemos a reflexão acima indicada na nota 4: um corpo em movimento só interrompe esse processo quando afetado por algo que lhe é ex­terno e,

"seja o que for que ofaça, não opode extinguir totalmente num só instante, mas apenas com o tempo e gradualmente como vemos que acontece com a água, pois, muito embora o vento deixe de so­

prar; as ondas continuam a rolar durante muito tempo ainda. O mesmo acontece naquele movimento que se observa nas partes in­ternas do homem, quando ele vê, sonha, etc., pois após a desapari­ção do objeto, ou quando os olhos estão fechados, conservamos ainda a imagem da coisa vista, embora mais obscura do que quando a vemos. E é a isto que os latinos chamam imaginação,

'Idem, ibidem, pane I, capo 1, p. 13­'Idem, ibidem, p. 13-14.

Page 4: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

I

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO112

por causa da imagem criada pela visão, e aplicam o mesmo ter­mo, ainda que indevidamente, a todos os outros sentidos. Mas os gregos chamam-lhe fantasia, que sigmfica aparência, e é tão ade­quado a um sentido como a outro. Aimaginação nada mais épor­tanto senão uma sensação diminuída, e encontra-se nos homens, tal como em muitos outros seres vivos, quer estejam adormecidos, quer estejam despertos. (..) Essa sensação diminuída, quando que­remos exprimir a própn'a coisa (isto é a própria ilusão), derlomi­na-se memória, Assim a imaginação e a memória são uma e a mesma coisa, que por razões várias, tem nomes diferentes, Muita memória, ou a memória de muitas coisas, chama-se experi­ência. ( ..)As imaginações daqueles que se encontram adormeci­dos denominam-se sonhos. ( ..) Aimaginação que surge no homem ( ..) pelas palavras ou quaisquer outros sinais voluntán'os, é o que vulgarmente chamamos entendimento",'

3. Entendimento: Ao identificar o movimento externo ao homem com o movimento interno de

suas partes, porque sempre provocados por algo exterior, Hobbes estendeu a con­cepção mecânica do movimento ao conhecimento, explicitando as cadeias de pen­samentos como

"aquela sucessão de um pensamento a outro, que se denomina (para se distinguir do discurso em palavras) discurso mental. Quando o homem pensa seja o que for, o pensamento que se segue não é fortuito como poderia parecer. Não é qualquer pensamento que se segue indiferentemente a um pensamento. Mas, assim como não temos uma imaginação da qual não tenhamos tido antes uma sensação, na sua totalidade ou em parte, do mesmo modo que não temos passagem de uma imaginação para outra se tivermos tido previamente o mesmo nas nossas sensações". 8

Por sua vez, esse discurso mental pode ser "livre, sem desígnio e inconstante. (...) como acontece no sonho"9. Essa cadeía de pensamentos pode também ser

"regulada por algum desejo ou desígnio. Pois a impressão feita por aquelas coisas que desejamos, ou receamos, éforte e permanente, ou (quando cessa por alguns momentos) de rápido retorno, Épor

-Idem. ihidem. pane I, capo lI, p. 15-19. 'Idem. ibidem. pane I, capo !lI. p. 20 'Idem, ibidem.

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE I

vezes tão fortE guIados ou ri

duas espécies. procuramos a é comum aos imaginando S

que podem Sei

que podemosfi nho visto indí pouco ProVáVE outra paixão ti a lascívia e a ( do pelo desígm

Uma vez alcançado esse da linguagem,

"a mais nobre / mes ou apelaçõ tram seus perlSi. bém os usam et

o que não havE nem contrato, ti

sos e os lobos", li

Tão-somente uma invenç:

"consiste em pa:. bal, ou a cadeia vras. Eisto com trar as conseqül escapar de nOSSt balho, podem SE

com que foram 1

dos nomes consi. ça. Uma outra i

usam as mesma. outros aquilo qu

"Idem. ibidem. p. 21. "Idem, ibidem. capo IV. p. 24.

Page 5: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUIÇÃO TOUDO DE ENSINO

I pela visão, e aplicam o mesmo ter­~e, a todos os outros sentidos. Mas os que significa aparência, e é tão ade­utro. Aimaginação nada mais épor­fminuída, e encontra-se nos homens, res vivos, quer estejam adormecidos, 'Sa sensação diminuída, quando que­:Sa (isto éa própria ilusão), denomi­ginação e a memória são uma e a várias, tem nomes diferentes. ia de muitas coisas, chama-se experi­rqueles que se encontram adormeci­) Aimaginação que surge no homem ',ler outros sinais voluntários, é o que rulimento".7

homem com o movimento interno de lIgo exterior, Hobbes estendeu a con­lento, explicitando as cadeias de pen­

sarnento a outro, que se denomina :o em palavras) discurso mental. oquefor, opensamento que se segue Jarecer. Não é qualquer pensamento ,a um pensamento. Mas, assim como 'a qual não tenhamos tido antes uma uem parte, do mesmo modo que não ?inação para outra se tivermos tido

- " 8ISas sensaçoes .

,er "livre, sem desígnio e inconstante. e pensamentos pode também ser

',t desígnio. Pois a impressão feita por ou receamos, éforte epermanente,

momentos) de rápido retorno. Épor

vezes tão forte que interrompe nosso sono". Esses pensamentos re­gulados ou regidos por uma finalidade, também dividem-se em duas espécies: "uma, quando, a partir de um efeito imaginado, procuramos as causas, ou meios que o produziram, e esta espécie é comum aos homens e aos outros animais; a outra é quando, imaginando seja o que for, procuramos todos os possíveis efeitos que podem ser produzidos ou, por outras palavras imaginamos o que podemosfazer com ela, quando a tivermos. Desta espécie só te­nho visto indícios no homem, pois se trata de uma curiosidade pouco provável na natureza de qualquer ser vivo que não tenha outra paixão além das sensuais, comopor exemplo, afome, a sede, a lascívia ea cólera. ( ..) o discurso do espírito quando égoverna­do pelo desígnio, nada mais é do que procura". 11\

Uma vez alcançado esse discurso mental, como é possível expressá-lo? Através da linguagem,

"a mais nobre e útil de todas as invenções ( ..) que consiste em no­mes ou apelações e em suas conexões, pelas quais os homens regis­tram seus pensamentos, os recordam depois de passarem, e tam­bém os usam entre si para a utilidade e conversa recíprocas, sem o que não haveria entre os homens nem Estado, nem sociedade, nem contrato, nem paz, tal como não existem entre os leões, os ur­sos e os lobos". II

Tão-somente uma invenção humana, o seu uso

"consiste em passar nosso discurso mental para um discurso ver­bal, ou a cadeia de nossos pensamentos para uma cadeia de pala­vras. E isto com duas utilidades, uma das quais consiste em regis­trar as conseqüências de nossos pensamentos, os quais, podendo escapar de nossa memória e levar-nos deste modo a um novo tra­balho, podem ser novamente recordados por aquelas palavras com que foram marcados. De maneira que a primeira utilização dos nomes consiste em servirem de marcas, ou notas de lembran­ça. Uma outra utilização consiste em significar, quando muitos usam as mesmas palavras (pela sua conexão e ordem), uns aos outros aquilo que concebem, ou pensam de cada assunto, e tam­

'''Idem, ibidem. p. 21. "Idem, ibidem, capo N. p. 24.

113

Page 6: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

114 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUIÇÃO TOLEDO DE .

bém aquilo que desejam, temem, ou aquilo por que experimentam alguma paixão. Edevido a esta utilização são chamados sinais". 12

Além desses usos, a linguagem tem como finalidades registar o nosso pensa­mento, transmiti-lo aos outros, expressar a nossa vontade e, finalmente, estabelecer a comunicação entre os homens. Ao mesmo tempo que representa nossos pensa­mentos, a linguagem é necessária ao processo de produção do conhecimento. Mas, podemos dizer que há alguma relação entre a linguagem e a verdade ou falsidade do que está enunciado?

Não para Hobbes,

''pois o verdadeiro e ofalso são atributos da linguagem, e não das coisas. E onde não houver linguagem, não há nem verdade nem falsidade. (..)Vendo então que a verdade consiste na adequada or­denação de nomes em nossas afirmações, um homem que procu­rar a verdade rigorosa deve lembrar-se que coisa substitui cada palavra de que se serve, e colocá-la de acordo com isso; ( ..) Por aqui se vê como é necessário a qualquer pessoa que aspire a um conhecimento verdadeiro examinar as definições dos pn'meiros autores, ou para corrigi-las, quando tiverem sido estabelecidas de maneira negligente, ou para apresentar as suas própn'as. (..) De tal modo que na correta definição de nomes reside oprimeiro uso da linguagem, o qual consiste na aquisição de ciência; e na incor­reta indefinição, ou na ausência de definições, reside o pn'meiro abuso do qual resultam todas as doutrinas falsas e destituídas de sentido (..). Pois entre a verdadeira ciência e as doutrinas errô­neas situa-se a ignorância. A sensação e a imaginação naturais não estão sujeitas a absurdos. A natureza em si não pode errar; e à medida que os homens vão adquirindo uma abundância de lin­guagem, vão-se tornando mais sábios ou mais loucos do que habi­tualmente".1j

Por meio da razão, só podemos estabelecer conclusões sobre as denomina­ções das coisas e não sobre a sua natureza, expressas pela linguagem. Por essa afir­mação, Hobbes foi considerado um nominalista. Para ele, podemos afirmar a exis­tência dos fenômenos singulares e, não, dos gerais; estes apenas são expressos por meio da linguagem, que absolutamente não representa qualquer existência de fato daquilo que é dito.

12 Idem, ibidem, p. 25. "Idem, ibidem, p. 26-7.

Aeste momento de n( dito até agora para poder COI

As sensações e a imagil expresso por meio da lingual citando as relações causais ex Jações? Através dos raciocínic

Eo que é raciocinar?

"... conceber u conceber um o que (se forJ nomes de tode. da totalidade tas operações também de tOl e tiradas uma.

Essa intrigante afirmaçã, tende que é possível aplicar Sl

todas as outras áreas do conh< em que matéria for que houv( lugar para a razão, e onde aque a fazer".l5

Só assim a ciência é pm apenas suas como o raciocínic imaginação são comuns a todo ma a razão descobre sua finall uma, ou várias conseqüências, das significações de nomes, m: para outra",l6

A razão não nasce conos( periência como a prudência e,

"... primeiro atr segundo lugar I dos elementos, I

um deles com o'

'1dem, ibidem, capo V. p. 31. "Idem, ibidem, capo V, p. 31. "Idem, ibidem, p. 32

Page 7: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO

em, ou aquilo por que experimentam sta utilização são chamados sinais". l!

mo finalidades registar o nosso pensa­)ssa vontade e, finalmente, estabelecer ) tempo que representa nossos pensa­o de produção do conhecimento. Mas, :a linguagem e a verdade ou falsidade

do atributos da linguagem, e não das inguagem, não há nem verdade nem re a verdade consiste na adequada or­rs afirmações, um homem que procu­~ lembrar-se que coisa substitui cada 'Jlocá-la de acordo com isso; ( ..) Por ) a qualquer pessoa que aspire a um :aminar as definições dos primeiros quando tiverem sido estabelecidas de :apresentar as suas próprias, (..) De /lição de nomes reside oprimeiro uso ? na aquisição de ciência; e na incor­ncia de definições, reside o primeiro 'S as doutrinas falsas e destituídas de iadeira ciência e as doutrinas errá­\ sensação e a imaginação naturais :, Anatureza em si não pode errar; e adquirindo uma abundância de lin­is sábios ou mais loucos do que habi­

lecer conclusões sobre as denomina­{pressas pela linguagem, Por essa afir­sta. Para ele, podemos afirmar a exis­~erais; estes apenas são expressos por epresenta qualquer existência de fato

Aeste momento de nossa reflexão, já podemos fazer um resumo do que foi dito até agora para poder concluir esta primeira parte,

As sensações e a imaginação ou pensamentos formam o conhecimento que é expresso por meio da linguagem, no entanto, esta apenas atribui nomes, não expli­citando as relações causais existentes entre os fenômenos. Como conhecer essas re­lações? Através dos raciocínios estabelecidos pela razão.

Eo que é raciocinar?

"... conceber uma soma total, a partir da adição de parcelas, ou conceber um resto a partir da subtração de uma soma por outra; o que (se for feito com palavras) é conceber da conseqüência dos nomes de todas aspartespara o nome da totalidade, ou dos nomes da totalidade e de uma parte, para o nome da outra parte. ( ..) Es­tas operações não são características apenas dos números, mas também de toda a espécie de coisas que podem ser somadasjuntas e tiradas umas das outras". li

Essa intrigante afirmação de Hobbes, nada tem de contraditório; o autor en­tende que é possível aplicar sua definição de raciocínio tanto à aritmética, quanto a todas as outras áreas do conhecimento - lógica, política, moral, direito. Logo, "seja em que matéria for que houver lugar para a adição e para a subtração, há também lugar para a razão, e onde aquelas não tiverem o seu lugar, também a razão nada tem a fazer".l;

Só assim a ciência é possível, quando o homem desenvolve potencialidades apenas suas como o raciocínio e a linguagem, pois como já vimos, a sensação e a imaginação são comuns a todos os animais e não apenas aos homens. Só dessa for­ma a razão descobre sua finalidade que "não é descobrir a soma, e a verdade de uma, ou várias conseqüências, afastadas das primeiras definições, e das estabeleci­das significações de nomes, mas começar por estas e seguir de uma conseqüência para outra",1"

Arazão não nasce conosco como a sensação e a memória, nem resulta da ex­periência como a prudência e, sim, resulta do esforço,

"... pn'meiro através de uma adequada imposição de nomes, e em segundo lugar através de um método bom e ordenado de passar dos elementos, que são nomes, a asserções feitas por conexão de um deles com o outro, edaí para os silogísmos, que são as conexões

"Idem, ibidem, capo v, p. 31. "Idem, ibidem. capo V, p. 31 "Idem, ibidem. p. 32.

115

Page 8: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

116 INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO

de uma asserção com outra, até chegannos a um conhecimento de todas as conseqüências de nomes referentes ao assunto em ques­tão, e éa isto que os homens chamam ciência". 1:

Dessa forma, fica mais fácil entender a expressão acima utilizada para me re­ferir à resposta hobbesiana ao confronto entre o racionalismo e o empirismo que marca o pensamento moderno: racionalismo empirista. Como foi visto, nosso autor atendeu à exigência empirista - o conhecimento é a experiência sensível da qual se extraem os conceitos - e à racionalista - a ciência é construída como um sistema de definições independentes da experiência, através da dedução.

B. DA CONCEPÇÃO DE HOMEM ÀCONCEPÇÃO DA POLÍTICA: O EGoíSMO ÉNATURAL

o mecanicismo de Hobbes já nos auxiliou na passagem da física ao pensamen­to; trata-se, agora, de explicitar se tem alguma relação com os problemas práticos do homem. Trata-se, agora - antecipando os próximos passos - de compreender como é possível disciplinar por meio do cálculo os nossos instintos marcados pelo egoís­mo; essa será a tarefa da moral.

O corpo humano é afetado por corpos a ele exteriores, que nele produzem percepções; é como se os sentidos fossem postos em movimento e este, por sua vez, fosse transmitido ao cérebro e, a seguir, ao coração, onde se iniciaria um movi­mento de reação em sentido inverso - a sensação. Ao chegar ao coração, esse obje­to será causa de tendência ou de repulsão, consequentemente, de prazer ou de dor, sendo, portanto, o egoísmo a força motriz da natureza humana.

Para melhor entender como o materialismo e o mecanicismo da física reapa­recem na moral e na política, é preciso partir da noção de dois tipos de movimen­tos próprios aos animais:

"um deles chama-se vital; começa com a geração, e continua sem interrupção durante toda a vida. Deste tipo são a circulação do sangue, o pulso, a respiração, a digestão, a nutrição, a excreção, etc. Para estes movimentos não é necessária a ajuda da imagina­ção. Ooutro tipo éo dos movimentos animais, também chamados movimentos voluntários, como andar, falar, mover qualquer dos membros da maneira como anten'ormente foi imaginada pela mente. A sensação é o movimento provocado nos órgãos e partes inferiores do corpo do homem pela ação das coisas que vemos, ou­vimos, etc., e a imaginação é apenas o resíduo do mesmo movi­

"Idem, ibidem, p. 34.

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSIN

mento, que permam falar e os outros mOI pensamento anteria: ginação é a primei~

luntários. (..) Estesp corpo do homem, ar. luta e outras ações v,

Esses movimentos voluntários são as Quando o esforço vai na direç:

chama-se apetite ou desejo, quando aversão. Anatureza humana, aproxin bem - ao mesmo tempo que se dista lhe parece mal. "Portanto o prazer (c e desprazer ou desagrado é a aparên(

Isso equivale a dizer que o noss sejas e paixões, que são movidos por pírito de imprimir o movimento ao cc

Hobbes acaba por provocar um xões ao definir o conatus como um f, tância passional. O par originário para ca medieval, tratando-se agora da dup va-se que o homem estava orientado ç paixões. Agora, a ênfase muda de lugal las mesmas, sendo boas apenas porqUl

"Cada homem, de seu I deleite a ele mesmo, e t

dida em que todos os h. tituição, eles também a ne à distinção comum aqui algo co:mo um bel'.

O homem nada mais é do que u condição natural o homem se constitui zação entre eles, sendo o desejo aquilo ficando-se com o passar do tempo e, de

"Idem, ibidem, capo Vi, p. 36. "Idem, ibidem, p.38. 1OHOBBES, T. Humana Ature. English Warks. vaI. 4, cal

Page 9: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO

té chegarmos a um conhecimento de Imes referentes ao assunto em ques­;hamam ciência". 1­

expressão acima utilizada para me re­re o racionalismo e o empirismo que empirista. Como foi visto, nosso autor !to é a experiência sensível da qual se lcia é construída como um sistema de lvés da dedução.

rCEPçÃO DA POLÍTICA:

lU na passagem da física ao pensamen­relação com os problemas práticos do dmos passos - de compreender como nossos instintos marcados pelo egoís­

a ele exteriores, que nele produzem ostos em movimento e este, por sua 10 coração, onde se iniciaria um movi­lção. Ao chegar ao coração, esse obje­lsequentemente, de prazer ou de dor, natureza humana. smo e o mecanicismo da física reapa­da noção de dois tipos de movimen­

teça com a geração, e continua sem lida. Deste tipo são a circulação do a digestão, a nutrição, a excreção,

o é necessán'a a ajuda da imagina­mentos animais, também chamados o andar, falar, mover qualquer dos anten'ormente foi imaginada pela ento provocado nos órgãos e partes pela ação das coisas que vemos, ou­apenas o residuo do mesmo movi­

mento, que permanece depois da sensação (..). Edado que andar, falar e os outros movimentos voluntários dependem sempre de um pensamento anterior de como, onde e o que, é evidente que a ima­ginação é a primeira origem interna de todos os movimentos vo­luntários. (..) Estes pequenos inícios do movimento, no interior do corpo do homem, antes de se manifestarem no andar, na fala, na luta e outras ações visíveis, chamam-se geralmente eiforço". 18

Esses movimentos voluntários são as paLxões. Quando o esforço vai na direção daquilo que foi sua causa, aproximando-se,

chama-se apetite ou desejo, quando vai na direção oposta, evitando algo, chama-se aversão. Anatureza humana, aproxima-se do que a agrada - e isso representa um bem - ao mesmo tempo que se distancia do que a desagrada, ou seja, daquilo que lhe parece mal. "Portanto o prazer (ou deleite) é a aparência ou sensação do bem, e desprazer ou desagrado é a aparência ou sensação do mal". 19

Isso equivale a dizer que o nosso poder cognoscente depende dos nossos de­sejos e paLxões, que são movidos por uma faculdade motriz ou poder do nosso es­pírito de imprimir o movimento ao corpo.

Hobbes acaba por provocar uma revolução na compreensão do jogo das pai­xões ao definir o conatus como um fato primeiro, irredutível a qualquer outra ins­tância passional. O par originário para Hobbes não é mais amor/ódio como na épo­ca medieval, tratando-se agora da dupla desejo/aversão. Naquele período, acredita­va-se que o homem estava orientado para um Bem, sendo o amor a raiz de todas as paixões. Agora, a ênfase muda de lugar: as coisas não são mais vistas como boas ne­las mesmas, sendo boas apenas porque as desejamos:

"Cada homem, de seu lado, chama de bem àquilo que dá prazer e deleite a ele mesmo, e de mal àquilo que lhe dá desprazer. Na me­dida em que todos os homens diferem uns dos outros em sua cons­tituição, eles também diferem uns dos outros naquilo que concer­ne à distinção comum entre o bem e o mal. Também não existe aqui algo como um bem absoluto, considerado sem relação". 211

O homem nada mais é do que um corpo singular desejante, ou seja, na sua condição natural o homem se constitui de desejos plurais, sem qualquer hierarqui­zação entre eles, sendo o desejo aquilo que estabelece a verdade do sujeito, modi­ficando-se com o passar do tempo e, de sujeito a sujeito. As paixões que daí derivam

I"Idem. ibidem, capo VI, p. 36. "Idem, ibidem, p,38. J"HOBBES, T. Humana Ature. English Warks. vaI. 4, capo VII, § 3, p. 32.

117

Page 10: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

118 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUIÇÃO TOLEDO DE E

é que definirão o lugar do homem no estado de natureza que já não pode ser o lu­gar da harmonia como para os medievos, pois cada um representa uma individua­ção em conflito com a do outro. Adiversidade instaura o conflito, pois cada um é que decidirá a partir do seu desejo, aquilo que causa deleite e lhe dá prazer - deci­são que só tem valor individual e acima da qual nada existe.

Oque resultará daí? Só poder ser o confronto, já que um mesmo objeto é alvo de dois desejos diferentes. Aisso Hobbes chama do estado de guerra de todos con­tra todos; não se trata de uma guerra efetiva mas, de um conflito potencial que evi­dencia que a sociabilidade não é natural entre os homens, como afirmava Aristóte­les. A vontade liga-se ao conjunto das paixões, ao alternar-se no jogo de tendên­cia/aversão ao objeto, não passando o livre arbítrio de uma ilusão.

1. O ESTADO DE NATUREZA OU ESTADO DE GUERRA

Àmedida que a descrição do estado de natureza vai sendo feita, as bases do contrato social e da sociedade civil vão sendo também estabelecidas. O primeiro passo é dado quando Hobbes afirma que se do ponto de vista das faculdades do cor­po os homens são iguais, do ponto de vista das faculdades do espírito acontece o mesmo, pois, embora alguns sejam mais eloqüentes ou sábios que os outros, essa diferença adquirida decorre da experiência que é oferecida "a todos os homens, na­quelas coisas a que igualmente se dedicam"Z], o que os faz pensar que dificilmente encontrarão outros mais sábios do que eles próprios, ficando cada um contente com a sua parcela - o que mais uma vez confirma a igualdade.

Neste ponto, mais uma vez a paixão volta à cena para provar que da nossa "igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingir­mos nossos fins"zz; ao desejarem o mesmo objeto, os homens tornam-se inimigos e, na busca para alcançar esse fim, isto é, sua conservação, "esforçam-se por se destru­ir ou subjugar um ao outro"Zj Como reagir a essa desconfiança contínua e mútua? Pela antecipação, "isto é, pela força ou pela astúcia, subjugar as pessoas de todos os homens que puder, durante o tempo necessário para chegar ao momento em que não veja qualquer outro poder suficientemente grande para ameaçá-lo".z1

Conseqüentemente, seria desconhecer a natureza humana afirmar que desse convívio marcado pelo mesmo objeto desejante, os homens tiram uma convivência harmônica e prazerosa, uma vez que cada um espera que o outro lhe atribua O mes­mo valor que ele se atribui. Contrariamente, o que vai ocorrer é a discórdia, motiva­da por três causas principais: 1°) a competição, que motivada pelo lucro, leva ao ataque de uns aos outros para

"idem, ibidem. § 2, p.7H. "idem, ibidem, § 3, p. 7H. "idem, ibidem. p. 79. "idem, ihidem, § 79.

através da pilhagem apossaren 2°) a desconfiança, que em no ger também os bens, as mulhe 3°) a glória, que para proteger bém lança mão da violência.

Ainsegurança e medo cc dições objetivas, isto é, a iguald truÍrem já que não há um pode em condições subjetivas, ou se entre fortes e fracos, somada ài

O medo que todos os ho

"consiste, em pt na sua mútua v' demos esperar lÁ

segurança. (..) , um contra o Outl te iguais entre SI

sua origem na te

Da incerteza das condiçõei posto que não há como prever o mum é o medo da morte que toe do que é bom para ele, e foge d os males naturais, que é a morte'" "de todo o seu esforço (endeavo bros da morte e dos sofrimentos'

Por meio dessa afirmação, I natural que "consiste em que tod em proteger sua vida e seus mem meios disponíveis, não havendo r to ou menos justo,

Ao definir o que entende ~

possui para utilizar suas faculdade Hobbes define também o direito n mo tempo que estabelece osegun meiro:

"idem, ibidem, capo I, 4. p. 33­"idem, ibidem. capo I. 7, p. 35. "idem, ibidem.

Page 11: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO

de natureza que já não pode ser o lu­is cada um representa uma individua­ie instaura o conflito, pois cada um é le causa deleite e lhe dá prazer - deci­lal nada existe. fronto, já que um mesmo objeto é alvo ma do estado de guerra de todos con­mas, de um conflito potencial que evi­e os homens, como afirmava Aristóte­es, ao alternar-se no jogo de tendên­-bítrio de uma ilusão.

la DE GUERRA

e natureza vai sendo feita, as bases do ia também estabelecidas O primeiro o ponto de vista das faculdades do cor­das faculdades do espírito acontece o qüentes ou sábios que os outros, essa ue é oferecida "a todos os homens, na­\ o que os faz pensar que dificilmente j próprios, ficando cada um contente irma a igualdade. 'alta à cena para provar que da nossa aldade quanto à esperança de atingir­ljeto, os homens tornam-se inimigos e, nservação, "esforçam-se por se destru­I essa desconfiança contínua e mútua? stúcia, subjugar as pessoas de todos os ária para chegar ao momento em que Ite grande para ameaçá-Io".~'

.a natureza humana afirmar que desse nte, os homens tiram uma convivência Iespera que o outro lhe atribua o mes­J que vai ocorrer é a discórdia, motiva-

leva ao ataque de uns aos outros para

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

2através da pilhagem apossarem-se dos bens materiais, das mulheres e dos filhos;

0 ) a desconfiança, que em nome da segurança usa da mesma violência para prote­

ger também os bens, as mulheres e os filhos; 30) a glória, que para proteger sua reputação ou de seus amigos e/ou parentes, tam­bém lança mão da violência.

Ainsegurança e medo constantes, gera a luta de todos contra todos em con­dições objetivas, isto é, a igualdade natural implica na possibilidade de todos se des­truírem já que não há um poder superior que barre essa intenção; o mesmo ocorre em condições subjetivas, ou seja, a vontade recíproca de causar mal uns aos outros entre fortes e fracos, somada às diferenças de opiniões que daí decorrem.

O medo que todos os homens sentem no estado de natureza

"consiste, em parte, na igualdade natural dos homens, em parte na sua mútua vontade de se ferírem -do que decorre que nem po­demos esperar dos outros, nem prometer a nós mesmos, a menor segurança. ( ..) São iguais aqueles que podem fazer coisas iguais um contra o outro. ( ..) Portanto, todos os homens são naturalmen­te iguais entre si; a desígualdade que hoje constatamos encontra sua origem na lei civil". 2;

Da incerteza das condições naturais, decorrem, então, reações de todo o tipo, posto que não há como prever o que pode ocorrer, sendo que a única coisa em co­mum é o medo da morte que todos procuram evitar, "pois todo homem é desejoso do que é bom para ele, e foge do que é mau, mas acima de tudo do maior dentre os males naturais, que é a morte"26. Oque mais poderá fazer cada homem senão usar "de todo o seu esforço (endeavours) para preservar e defender seu corpo e mem­bros da morte e dos sofrimentos,,2:?

Por meio dessa afirmação, Hobbes estabelece o primeiro princípio do direito natural que "consiste em que todo homem, na medida de suas forças, se empenhe em proteger sua vida e seus membros", o que justifica que essa luta utilize todos os meios disponíveis, não havendo nenhum melhor ou pior do que o outro, mais jus­to ou menos justo.

Ao definir o que entende por direito - "aquela liberdade que todo homem possui para utilizar suas faculdades naturais em conformidade com a razão reta" ­Hobbes define também o direito natural subjetivo que todo homem possui, ao mes­mo tempo que estabelece o segundo princípio do direito natural, decorrente do pri­meiro:

"idem, ibidem, capo L4, p. 33. "idem, ibidem, capo I, 7, p. 35. , idem, ibidem.

119

Page 12: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

120 INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

"mas, como é vão alguém ter direito ao fim se lhe for negado o di­reito aos meios que sejam necessários, decorre que, tendo todo ho­mem direito a se preservar, deve também ser-lhe reconhecido o di­reito de utilizar todos os meios, e praticar todas as ações, sem as quais ele não possa preservar-se". 28

Aigualdade entre os homens decorre, então, tão-somente da natureza, e não de qualquer outro fato ou força externos aos homens. Mas é essa igualdade de fato, de direito e de paixões que gera o estado de guerra: a igualdade natural coloca-os em condições de competição pelo mesmo objeto, gerando a desconfiança mútua, sinônima da constante insegurança que faz com que cada um queira atacar antes de ser atacado, já que todos querem igualmente a conservação da vida.

Nada que um homem possa fazer a outro no estado de natureza pode ser cha­mado de ofensa, já que para garantir a sobrevivência, cada um nada mais faz que exercer seu direito a usufruir de todas as coisas pois "a natureza deu a cada um di­reito a tudo; isso quer dizer que, num estado puramente natural (...) era lícito cada um fazer o que quisesse e contra quem julgasse cabível, e portanto possuir, usar e desfrutar tudo o que quisesse ou pudesse obter"Z9

Se tudo é lícito, não há como estabelecer o que é justo ou o injusto no esta­do de natureza - como afirma Hobbes ao estabelecer o primeiro princípio do direi­to natural - todos podem fazer tudo que quiserem, não causando, portanto, qual­quer benefício, pois ao terem todos os mesmos direitos é o mesmo que todos não terem direito algum, ninguém pode "dizer, de qualquer coisa, "isto é meu", (...) seu vizinho, tendo igual direito e igual poder, irá pretender que é dele essa mesma coi­

" .~I)sa . Aluta pela conservação através do confronto entre todos, gera a luta do mais

forte contra o mais fraco onde "nada pode ser injusto. (...) Onde não há poder co­mum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. Na guerra, a força e a fraude são as duas virtudes cardeais". Assim, Hobbes poderá afirmar que também a justiça e a injustiça são invenções humanas decorrentes das convenções que os homens esta­belecem e não atribuições naturais do nosso espírito.

"A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito. Se assim fosse, poderiam existir num homem que es­tivesse sozinho no mundo, do mesmo modo que seus sentidos epai­xões. São qualidades que pertencem aos homens em sociedade, não na solidão". jJ

'"idem. ibidem, capo I, 8, p. 35-36. "idem, ibidem,cap. I. 10, p. 36-37. JOidem. ibidem, capo I, 11, p. 38 J1Leviatã, Parte I, capo XIII, p. 80.

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE E

Se as coisas se passam d uns dos outros? Mais uma vez aqui, sem recorrer a qualquer premissas já estabeJecidas:

"espero que m medo, a natuTo minação do q concluir que a des não provén unspara com dos outros". 32

Aausência de leis e avio za faz desencadear as paixões ~

mens têm que enfrentar, somai diminuir com a morte violenta: xão a se manifestar e da qual d vimos mais acima, manifesta-se ar aos outros faz tudo o que qUi os que dedica aos outros, "pois mas com sua própria vã gJÓria".

Aluta peja sobrevivência 2

ça e a glória, ou seja, faz aflorar os homens, um perpétuo e irrec nas com a morte"54

Com essa definição -a seg bes complementa uma definição da de neutra: "O poder de um I: meios de que presentemente di: forma natural ou instrumental. E desejo ao outro, a conquista da f nência das faculdades do corpo ( mentais "que se adquirem media os e instrumentos para adquirir r

Asoma dos efeitos negativ< estado de guerra permanente, cc

"De Cive, parte I. capo I, § 2. p. 32. "idem, ibidem, p. 30. "Leviatã, Parte I, cap XI. p. 65 "idem, ibidem, capo X. p. 57

Page 13: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

iireito ao fim se lhe for negado o di­~ssários, decorre que, tendo todo ho­'Ve também ser-lhe reconhecido o di­)5, epraticar todas as ações, sem as

" 2B·se.

:ntão, tão-somente da natureza, e não lOmens. Mas é essa igualdade de fato, guerra: a igualdade natural coloca-os ljeto, gerando a desconfiança mútua, mque cada um queira atacar antes de a conservação da vida. ::J no estado de natureza pode ser cha­vivência, cada um nada mais faz que as pois "a natureza deu a cada um di· puramente natural (...) era lícito cada ise cabível, e portanto possuir, usar e

" 29er . ~r o que é justo ou o injusto no esta­Jelecer o primeiro princípio do direi­;erem, não causando, portanto, qual­)s direitos é o mesmo que todos não qualquer coisa, "isto é meu", (...) seu lretender que é dele essa mesma coi­

anto entre todos, gera a luta do mais ~ injusto. (...) Onde não há poder co­itiça. Na guerra, a força e a fraude são erá afirmar que também a justiça e a ias convenções que os homens esta­spírito.

zem parte das faculdades do corpo aderiam existir num homem que es­"lesma modo que seus sentidos epai­tencem aos homens em sociedade,

Se as coisas se passam dessa forma, por que é que os homens se aproximaram uns dos outros' Mais uma vez Hobbes responde a essa pergunta como às feitas até aqui, sem recorrer a qualquer agente externo, tirando uma conclusão necessária das premissas já estabelecidas:

"espero que ninguém vá duvidar de que, se fosse removido todo medo, a natureza humana tenderia com muito mais avidez à do­minação do que a construir uma sociedade. Devemos portanto concluir que a origem de todas as grandes e duradouras socieda­des não provém da boa vontade recíproca que os homens tivessem uns para com os outros, mas do medo recíproco que uns tinham dos outros". j2

Aausência de leis e a violência que naturalmente existe no estado de nature­za faz desencadear as paixões humanas, isto é, à luta pela sobrevivência que os ho­mens têm que enfrentar, somam-se as diferentes paixões cuja intensidade só pode diminuir com a morte violenta a todo instante presente na natureza. A primeira pai· xão a se manifestar e da qual decorrem todas as outras, é a vã glória; que, como já vimos mais acima, manifesta-se em todo homem arrogante que ao se supor superi­or aos outros faz tudo o que quer e espera dos outros mais respeito e honra do que os que dedica aos outros, "pois tais homens não se deleitam tanto com a sociedade, mas com sua própria vã glória".jj

Aluta pela sobrevivência ao gerar a discórdia gera a competição, a desconfian­ça e a glória, ou seja, faz aflorar o desejo de poder "como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa ape­nas com a morte".34

Com essa definição - a segunda que aparece no Leviatã sobre o poder - Hob­bes complementa uma definição anterior ao abrir o capítulo X, que pode ser chama· da de neutra: "O poder de um homem (universalmente considerado) consiste nos meios de que presentemente dispõem para obter qualquer visível bem futuro", de forma natural ou instrumental. Esses meios são os desejos sendo a passagem de um desejo ao outro, a conquista da felicidade, ou seja, o poder natural enquanto "emi­nência das faculdades do corpo ou do espírito" leva à aquisição dos poderes instru­mentais "que se adquirem mediante os anteriores ou pelo acaso, e constituem mei­os e instrumentos para adquirir mais".jj

Asoma dos efeitos negativos da igualdade natural com o desejo de poder é o estado de guerra permanente, conceito construído apenas com o recurso da razão,

"De Cive, pane I, cap. I. § 2, p. 32 "idem, ibidem, p. 30 "Leviatã, Pane I, (ap XI. p. 65. "idem. ibidem, (ap. X. p. 57.

121

Page 14: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

I

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO122

já que o estado de natureza como condição primeira do gênero humano é uma hi­pótese, não tendo e não precisando ter uma existência histórica demonstrável, não se aplicando à forma de vida que os primeiros ancestrais dos homo sapiens teriam levado, ou à vida selvagem dos indígenas.

Ao afirmar que "nunca existiu um tal tempo, nem uma condição de guerra como esta", mesmo que haja na atualidade lugares que talvez estejam naquela con­dição, Hobbes imagina uma hipótese, pois, "seja como for, é fácil conceber qual se­ria o gênero de vida quando não havia poder comum a recear, através do gênero de vida em que os homens que anteriormente viveram sob um governo pacífico costu­mam deixar-se cair, numa guerra civil"56

Portanto, o estado de natureza ou estado de guerra, só pode ser pensado e analisado a partir do estado de sociedade; não podendo haver qualquer outro parâ­metro para fazê-lo, o que faz desse conceito uma construção estritamente racional.

A paz aparente é o verdadeiro significado do estado de guerra, não ficando restrito ao confronto armado,

''poís a guerra não consíste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é sufícíentemente conhecída.... a natureza da guerra não consíste na luta real, mas na conhecída dísposíção para tal, du­rante todo o tempo em que não há garantía do contrário. Todo o tempo restante é de paz". r

Com a constante ameaça da guerra, não pode haver qualquer tipo de desen­i, volvimento no estado de natureza, ou seja, além do medo permanente, estagnação

total. O homem só progredirá - e, mais ainda, só sobreviverá - se sair desse estado originário. Como fazê-lo? Que forças podem movê-lo a isso' Apenas duas forças po­dem funcionar como esse impulso necessário e garantido da paz: as paixões e a ra­zão.

Como a conservação da vida é o ponto fundamental da reflexão hobbesiana, o medo da morte -seu oposto - deve ser evitado a qualquer custo. Ao perceber que a sobrevivência no estado de natureza não mais é possível, é a razão que leva o ho­mem à construção da sociedade civil através do contrato social, fundador de um po­der comum.

2. O CONTRATO EO FUNDAMENTO DA AUTORlDADE

Asituação de conflito existente no estado de natureza leva os homens com a

"idem, ibidem, capo XIll, p. SO. "idem, ibidem. p. 79.S0. Veja-se também De Cive. Parte 1, capo I, § 12.

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE

ajuda da reta razão - tão nat de união que dá início à soe

A afirmação do direit( duo no limite fazer a guerra mo quando comparada à lei buscar a paz. Vejamos as dei

"o díreíto de naturale, éa poder, da mt natureza, Ol<

aquílo que s meíos adequi

Já a lei natural (lexnat. razão, mediante o qual se pr vida ou privá-lo dos meios nl poder contribuir melhor pa~

Hobbes ressalta a nece e promulgada), ou seja, o dÍl zer ou de omitir, ao passo qu Isso eqüivale a dizer que há I

ferenciação inovadora que ni ralistas dos séculos XVII e X'i

Certamente as leis nal uma coação no sentido posit de natureza, são apenas ditaI feito para a conservação da e

Além disso, nenhum h( vez que o não desconhecimer mo que algumas vezes as pau não tenha, às vezes, a mente: nhecer, por rústico e inculto ( certeza se o que faz a outrem no lugar do outro". Sempre

'"Leviatã. capo XlV, p. 82. "idem. ibidem <"Refere-se a 19: Veja-se capo XlV e 'm do

Page 15: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO

)fimeira do gênero humano é uma hi­existência histórica demonstrável, não )s ancestrais dos homo sapiens teriam

tempo, nem uma condição de guerra 19ares que talvez estejam naquela con­seja como for, é fácil conceber qual se­comum a recear, através do gênero de

iveram sob um governo pacífico costu­

ado de guerra, só pode ser pensado e ia podendo haver qualquer outro parâ­uma construção estritamente racional. ado do estado de guerra, não ficando

lpenas na batalha, ou no ato de lutar, I durante o qual a vontade de travar nhecida.... a natureza da guerra não a conhecida disposição para tal, du­'lão há garantia do contrário. Todo o

ão pode haver qualquer tipo de desen­Mm do medo permanente, estagnação la, só sobreviverá - se sair desse estado movê-lo a isso' Apenas duas forças po­

10 e garantido da paz: as paixões e a ra­

o fundamental da reflexão hobbesiana, tado a qualquer custo. Ao perceber que nais é possível, é a razão que leva o ho­do contrato social, fundador de um po­

)A AUTORIDADE

ado de natureza leva os homens com a

ajuda da reta razão - tão natural quanto as paixões no homem - a contrair um pacto de união que dá início à sociedade civil.

Aafirmação do direito natural como direito subjetivo que garante ao indiví­duo no limite fazer a guerra para garantir a vida, como já sabemos é aparente, mes­mo quando comparada à lei natural como aquela que leva esse mesmo indivíduo a buscar a paz. Vejamos as definições dadas por Hobbes no Leviatã:

"o direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, éa liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida: e conseqüentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim ". i8

Já a lei natural (lex naturalis) "é um preceito ou regra geral, estabelecido peja razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para preservá-la".J9

Hobbes ressalta a necessidade da diferenciação entre jus e lex (lei positivada e promulgada), ou seja, o direito e a lei, "pois o direito consiste na liberdade de fa­zer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas". Isso eqüivale a dizer que há uma distinção incompatível entre os dois conceitos, di­ferenciação inovadora que não aparecia nos textos da maioria dos filósofos jusnatu­ralistas dos séculos XVII e XVIII:

direito ---- liberdade lei ---------- obrigação

Certamente as leis naturais40 não são obrigações enquanto decorrentes de uma coação no sentido positivo do termo, uma vez que esta não existe em estado de natureza, são apenas ditames da reta razão que indicam o que deve ou não ser feito para a conservação da existência.

Além disso, nenhum homem pode alegar desconhecimento dessas leis - uma vez que o não desconhecimento implicaria na desobrigação de cumpri-las, pois mes­mo que algumas vezes as paixões perturbem nossa mente, "... não há ninguém que não tenha, às vezes, a mente serena. Eem tal momento, nada lhe é mais fácil de co­nhecer, por rústico e inculto que seja ele, do que esta única regra: quando não tiver certeza se o que faz a outrem é permitido ou não pela lei de natureza, que se ponha no lugar do outro". Sempre que algum homem tiver alguma dúvida sobre suas

"Leviatã. capo XlV. p. 82. "idem. ibidem.

p. L § 12. "Refere-se a 19: veja-se capo XlV e XV do Leviatã.

123

Page 16: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

1

1

I li

1

i

I

t,

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO124

ações, basta colocar-se no lugar do outro e seguir uma antiga regra, segundo Hobbes: "não faças aos outros o que não quiseres que te façam",'!

As ações prescritas pelas leis naturais são sempre boas e dizem respeito a um fim -a paz -garantidor da vida, isto é, da conservação: estes dois conceitos serão es­senciais para pensar a ética absoluta de Hobbes. Éa primeira lei natural que dá ga­rantia a todas as outras que dela decorrem e seriam suficientes para alcançar esse fim, se fossem respeitadas por todos, Mas, como essa predisposição expontânea não existe, posto que são regras de prudência e não são coercitivas, é preciso instituir algo que implique em alguma coerção, ou seja o Estado,

Há, então, necessidade de um acordo explícito entre os homens quanto à insti­tuição de um poder capaz de fazer respeitar esse acordo, "O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os ou­tros), ao introduzir aquele restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos es­tados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita".

Exatamente porque as nossas paixões são contrárias às leis naturais e, nem sempre fazemos aos outros aquilo que queremos que nos façam, é preciso alguma forma de obrigação, por isso "os pactos sem a espada não possam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém"'2, Logo, para garantir sua amplitude, deve ser feito - se possível - entre a totalidade de participantes e, ter uma duração permanente, impedindo assim qualquer ação ou reação dos que não participarem,'1

Esse poder comum só se constitui como conseqüência do pacto de união: cada um se submete voluntariamente a uma pessoa ou a uma assembléia que será chamada de soberano, ou seja, cria-se assim a obrigação absoluta de obedecer a to­das as leis que o soberano determinar, mesmo que contrariem à lei natural.

O início do capo XVIII do Leviatã resume bem esse direito do soberano por instituição:

"diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de ho­mens concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atri­buído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram afavor dele como os que votaram contra ele, deverão au­torizar todos os atos e decisões desse homem ou assembléia de ho­mens, tal como se fossem seus próprios atos edecisões, a fim de vi­verem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes homens","

"De Cil'e, parte I, cap, m, 26. Vale lembrar a semelhança entre esta afirmação tle Hobbes e a noção de dever tlecorrente tio imperativo categórico kantiano. '2Lel'iatã, Parte li, capo XVII, p.108 "De Cil'e, parte I, cap, V, 18. "idem, ibidem, capo X\~II. p. 110

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSI

O estado civil assim instituo natural, sendo o pacto a condiçãl transfere seus direitos individuais senso se ele viesse a deixar de ex possíveis; não estão obrigados an or mal natural, ou de ferimentos I

de suportar''';

Ao renunciar ao direito nat obrigado - por força do próprio c em razão de um benefício recebid (do último ato de deliberação pd por conseguinte, elas obrigam, On

O pacto, assim concebido po (pactum societatis) e um pacto de gurança dos participantes se reque a submissão de suas vontades naql defesa", consistindo a natureza de

Ao afirmar que a renúncia a dessa pessoa artificial externa às pa bes funda o sentido moderno dess~

to, a multidão desordenada passa a to, a base do Estado expressa-se pc quele momento se estabelece a di igualdade de estado de natureza pe

Avida em sociedade requer u artificial entre súditos e soberano q rantia que apenas o Estado pode of( pessoa artificial substitui a anarquia das mais belas e precisas passagens

"É fato que todo 00 uma liberdade a ma essa liberdade algué rém, pela mesma lib dos outros, Já numa ta liberdade quanto dos outros se tira o j

desse estado todo o f.

"De Cive, parte I, capo li, § 18. "idem, ibidem. capo li, § 10. '-idem, ibidem, capo VI, § 3.

Page 17: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

~ seguir uma antiga regra, segundo ;eres que te façam".'] o sempre boas e dizem respeito a um :rvação: estes dois conceitos serão es­'es. Éa primeira lei natural que dá ga­seriam suficientes para alcançar esse

10 essa predisposição expontânea não lão são coercitivas, é preciso instituir ao Estado. plícito entre os homens quanto à insti­;se acordo. "O fim último, causa final e : a liberdade e o domínio sobre os ou­smos sob aqual os vemos viver nos es­io e com uma vida mais satisfeita". ;ão contrárias às leis naturais e, nem nos que nos façam, é preciso alguma .espada não possam de palavras, sem "2. Logo, para garantir sua amplitude, ~ de participantes e, ter uma duração JU reação dos que não participarem.'! 10 conseqüência do pacto de união: Jessoa ou a uma assembléia que será obrigação absoluta de obedecer a to­l que contrariem à lei natural. te bem esse direito do soberano por

'tuído quando uma multidão de ho­cada um com cada um dos outros, '!11lbléia de homens a quem seja atri­(e representar a pessoa de todos eles lte), todos sem exceção, tanto os que lue votaram contra ele, deverão au­;desse homem ou assembléia de ho­tJróprios atos e decisões, a fim de vi­ras e serem protegidos dos restantes

:sta afirmação de Hobbes e a noção de dever

O estado civil assim instituído, é um estado artificial em oposição ao estado natural, sendo o pacto a condição de sua legitimidade por meio do qual cada um transfere seus direitos individuais -menos o direito à vida, pois isto seria um contra­senso se ele viesse a deixar de existir, não estando ninguém obrigado "a coisas im­possíveis; não estão obrigados a não resistir os que sofrem ameaça de morte, o mai­or mal natural, ou de ferimentos e outros danos corporais que não têm condições de suportar";)

Ao renunciar ao direito natural, cada membro participante do contrato está obrigado - por força do próprio contrato - a cumpri-lo, já que "as promessas feitas em razão de um benefício recebido, que também são pactos, são sinais da vontade (do último ato de deliberação pelo qual se elimina a liberdade de não cumprir) e, por conseguinte, elas obrigam. Onde cessa a liberdade, começa a obrigação"...s

O pacto, assim concebido por Hobbes, é ao mesmo tempo um pacto de união (pactum societatis) e um pacto de submissão (pactum subjectionis), onde para a se­gurança dos participantes se requer "não apenas o consentimento deles, mas ainda a submissão de suas vontades naquelas coisas que fossem necessárias para a paz e a defesa", consistindo a natureza de uma cidade "nessa união e sujeição".'­

Ao afirmar que a renúncia aos direitos e às liberdades individuais em favor dessa pessoa artificial externa às partes contratantes, se dá a um só momento, Hob­bes funda o sentido moderno dessa teoria, ou seja, em um único e mesmo momen­to, a multidão desordenada passa a um Estado organizado. No momento do contra­to, a base do Estado expressa-se por meio dele entre súdito e soberano, já que na­quele momento se estabelece a diferença entre estas duas partes, substituindo a igualdade de estado de natureza pela artificialidade da sociedade civil.

Avida em sociedade requer uma igualdade artificial, ou seja, é a desigualdade artificial entre súditos e soberano que irá garantir a segurança e a paz. Eé essa ga­rantia que apenas o Estado pode oferecer que justifica sua necessidade, apenas essa pessoa artificial substitui a anarquia pela autoridade, como afirma Hobbes em uma das mais belas e precisas passagens do De Cive :

"É fato que todo homem, fora do estado do governo civil, possui uma liberdade a mais completa, porém estéril: porque, se devido a essa liberdade alguém pode fazer de tudo a seu arbítrio, deve po­rém, pela mesma liberdade, sofrer de tudo, devido a igual arbítrio dos outros. Já numa cidade constituída, todo súdito conserva tan­ta liberdade quanto lhe baste para viver bem e tranqüilamente, e

dos outros se tira o que é preciso para perder o medo deles. Fora desse estado todo o homem tem direito a tudo, sem que possa des­

"De Cive. parte I, capo 11, § 18. ,6idem, ibidem. capo 11, § 10. '-idem, ibidem, capo VI, § 3

125

Page 18: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

126 I NSTlTUlÇÃO TOlEDO DE ENSlNO

frutar, porém de nada; nesse estado, cada um pode desfrutar, em segurança, do seu direito limitado. Fora dele, qualquer homem tem o direito de espoliar ou de matar outro; nele, ninguém o tem exceto um único. Fora do governo civil, estamos protegidos por nossas próprias forças; nele, pelo poder de todos. Fora dele, nin­guém tem assegurado o fruto de seus labores; nele, todos o têm ga­rantido. Finalmente: fora dele, assistimos ao domínio das paixões, da guerra da miséria, da imundície, da solidão da barbárie, da ig­norância, da crueldade; nele, ao domínio da razão, da paz, da se­gurança, das riquezas, da decência, da sociedade, da elegância, das ciências e da benevolência". <s

Assim, esse poder soberano ou soberania tem três características fundamen­tais, decorrentes das características do próprio pacto social.:

a) irrevogável: deter o poder soberano significa - além de deter a totalidade do poder e não apenas uma parcela dele - exercê-lo de maneira absoluta pelo con­senso que o estabeleceu ao lhe transferir todos os direitos. Só a partir dessa renún­cia é que o Estado se forma, não há um povo antes do pacto, apenas uma multidão, por isso o contrato não é entre o povo e o soberano: antes do pacto social, o povo não existe. A multidão "não é um corpo qualquer, mas se compõe de muitos ho­mens, cada um dos quais com sua própria vontade e seu juízo peculiar acerca de to­das as coisas que possam ser propostas".'9

Como o pacto de submissão foi estabelecido entre os indivíduos singulares e não entre o povo e o soberano, só pode ser revogado se todos estivessem de acor­do, o que representa uma "dificuldade de fato">'. Em sendo uma multidão, de nada serve a decisão da maioria por não serem um povo (universitas). Além dessa dificul­dade há uma impossibilidade de direito. Como o contrato foi estabelecido entre os indivíduos em favor de um terceiro, o pacto de união só pode ser revogado se aque· les e este terceiro frente ao qual as partes estão obrigadas se puserem de acordo.

Não é possível romper algo que nunca existiu: o contrato entre súditos e so­berano. E, mesmo que considerássemos essa hipótese, ela é absurda: os súditos não podem estabelecer um contrato com o soberano pois não são uma pessoa (são uma multidão) antes de se reunirem em assembléia, pois se fossem já seriam o Estado! Qualquer pacto anterior ao estabelecimento do poder soberano, não precisaria ser respeitado por este exatamente por suas características. b) absoluto: Esse poder absoluto é "o maior que os homens tenham direito a con­ferir: tão grande que nenhum mortal pode ter sobre si mesmo um maior". E esse "direito absoluto do principal governante exige tanta obediência quanto é preciso

<'idem, ibidem. capo X. § 1. <9idem, ibidem. parte lI. capo V1. § 1. '''Veja-se a esse respeito o texto de Norberto Bobbio, lhomas Hobbes. RJ. Campus. 1991.

INSTITUIÇÃO TOlED<

para governar a cidade dido em vão. (...) sem t:

se teria constituído a ci as leis da natureza se is, ferente do exigido pela Deus"j2. Só há um limitl

Como tem poder ditos, pode decidir a m~

justo, ou seja, aquilo qUI

"... pertel vés das q zar, e qt qualque1 propried. todos os/. menteprl necessári der, tende meum e t mo nas a,

Resumindo: o podl terística do pacto social: um tem individualmente c) indivisível: como foi vi: como a força e o direito, I cumprindo diferentes tare há soberania sem haver u de funções. Da mesma fo poder de julgar e o de ex executar em outrem, na~

"ao mesm< para todos, possasabe'l o que injw que deve SE

"De Cive, capo V1. § 13. "idem. ibidem. "Leviatã. capo XV1II. p. 114.

Page 19: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO

estado, cada um pode desfrutar, em nitado. Fora dele, qualquer homem te matar outro; nele, ninguém o tem ')verno civil, estamos protegidos por pelo poder de todos. Fora dele, nin­de seus labores; nele, todos o têm ga­

e, assistimos ao domínio das paixões, ~ndície, da solidão da barbárie, da ig­~ ao domínio da razão, da paz, da se­gcência, da sociedade, da elegância, • 114Mla.

nia tem três características fundamen­io pacto social.: I significa - além de deter a totalidade :ercê-Io de maneira absoluta pelo con­os os direitos. Só a partir dessa renún­antes do pacto, apenas uma multidão, >berano: antes do pacto social, o povo Ilquer, mas se compõe de muitos ho­ltade e seu juízo peculiar acerca de to­

ecido entre os indivíduos singulares e evogado se todos estivessem de acor­)"í(l. Em sendo uma multidão, de nada povo (universitas). Além dessa dificul­o o contrato foi estabelecido entre os eunião só pode ser revogado se aque­io obrigadas se puserem de acordo. existiu: o contrato entre súditos e so­lipótese, ela é absurda: os súditos não no pois não são uma pessoa (são uma ia, pois se fossem já seriam o Estado! io poder soberano, não precisaria ser cterísticas. :jue os homens tenham direito a con­~r sobre si mesmo um maior". E esse ge tanta obediência quanto é preciso

lobbes. RJ: Campus, 1991

para governar a cidade, isto é, tanta que faça o poder supremo não ter sido conce­dido em vão. (...) sem tal obediência se frustaria o direito da cidade, e, portanto, não se teria constituído a cidade"". Porém, obediência absoluta não significa agir contra as leis da natureza se isso me for ordenado pelo soberano, pois ao agir de modo di­ferente do exigido pela reta razão, peca-se "contra as leis de natureza, isto é, contra Deus"52 Só há um limite para a obediência: o direito à vida.

Como tem poder absoluto, embora o objetivo do soberano seja o bem dos Sú' ditos, pode decidir a maneira como alcançá-lo. Decorre, então, do soberano o que é justo, ou seja, aquilo que ele determina que se obedeça e, a propriedade particular;

"... pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras atra­vés das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode go­zar, e quais as ações que pode praticar, sem ser molestado por qualquer de seus concidadãos: é a isto que os homens chamam propriedade. Porque antes da constituição do poder soberano ( ..) todos os homens tinham direito a todas as coisas, o que necessaria­mente provocava a guerra. porlanto esta propn'edade, dado que é necessán'a àpaz e depende do poder soberano, é um ato desse po­der, tendo em vista a pazpública. Essas regras de propn'edade (ou meum e tuum), tal como o bom e o mau, ou o legítimo e o ilegíti­mo nas ações dos súditos, são as leis civis". 53

Resumindo: o poder soberano é absoluto porque decorre da segunda carac­terística do pacto social: atribuir a um terceiro acima das partes o poder que cada um tem individualmente em estado de natureza. c) indivisível: como foi visto, apenas uma pessoa concentra todos os poderes, bem como a força e o direito, logo, o poder é uno; caso contrário, teríamos vários órgãos cumprindo diferentes tarefas, mas não mais um único poder, uma única pessoa. Não há soberania sem haver unidade e só esta garante a paz. Não há, portanto, divisão de funções. Da mesma forma, não há divisão de poderes, cabendo ao soberano o poder de julgar e o de executar, pois, se esse poder "estivesse em alguém, e o de executar em outrem, nada se faria"; igualmente o poder de legislar, cabendo

"ao mesmo poder prinCIpal estabelecer algumas regras comuns para todos, e declará-las de público, de modo que todo indivíduo possa saber o que pode se chamado seu ou de outrem, o que justo, o que injusto, honesto, desonesto, bom, mau, isto é, em resumo, o que deve ser feito e o que deve ser evitado no curso da nossa vida

"De Cive. capo V1. § 13­"idem. ibidem. "Leviatã. capo XVllI, p. 114.

127

Page 20: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

,~ "

INSTITUlÇÃO TOLEDO DE ENSINO128

em comum. Essas regras e medidas são usualmente denominadas leis civis, ou leis da cidade, por serem as ordens de quem possui o poder supremo na cidade". 54

Por isso Hobbes aborda esse tema no capítulo XXIX do Leviatã, sob o título de: Das coisas que enfraquecem ou levam à dissolução de um Estado, mostrando as "enfermidades" de um Estado que levam à sua morte. Entre elas, existe uma

"contrária à essência do Estado, que é esta: opoder soberano pode ser dividido. Pois em que consiste dividir o poder de um estado se­não em dissolvê-lo, uma vez que os poderes divididos se destroem mutuamente uns aos outros? E para estas doutrinas os homens apoiam-se prinCIpalmente em alguns daqueles que, fazendo das leis sua profissão, tentam torná-las dependentes de seu própn'o sa­ber e não do poder legislativo". 55 (Igualmente o capo XII da Parte 11 do De Cive, dedica-se à discussão sobre a dissolução do governo; ver principalmente itens 1,3,4,5,6).

Mais uma vez Hobbes chega à mesma conclusão: da mesma forma que as 2 primeiras características são necessárias, também sem a unidade não se mantém a soberania. Dessa forma, opõem-se àqueles que seguindo Aristóteles, defendiam a teoria da divisão dos poderes, apoiada na teoria clássica do governo misto, ou seja, uma mistura entre as três formas positivas de governo - a monarquia, a aristocracia e a democracia. Porque aquele terceiro favorecido é uma pessoa, a soberania não pode ser dividida: essa é a terceira característica do contrato estabelecido.

Como lembra Bobbio, "o círculo se fecha,,56: só há poder soberano se a vonta­de e o poder supremo se identificam, sendo a unidade do Estado garantida apenas por esse poder máximo, enquanto potência racional artificialmente criada pelos ho­mens para governá·los. Éeste o sentido da belíssima Introdução do Leviatã, onde Hobbes descreve a criação dessa pessoa artificial que é o Estado."

Para concluir, podemos agora refletir sobre o sentido do paradigma do jusna­turalismo moderno do ponto de vista da soberania - tema desta aula - e sua relação com a questão da justiça - tema do curso.

Da mesma maneira que propõe fundamentar cientificamente a política, tam­bém a justiça· o mais importante dos conceitos da vida civil58 - deve ser pensado sob

"De Cíve, capo VI. § la. "Leviatã. capo XXIX. p. 198/199. Igualmente o capo XII da Parte II do De Cil'e. dedica-se iJ discussão sobre a disso­lução do governo: ver principalmente itens 1.3.4,';.6 "BOBBIO. N. op. Cit.. capo 2. 'Veja-se a esse respeito: LÍlro de ]ó, capo 40, vm. 20/28; Le\1atã, Glp. XVI: Renato]. Ribeiro, Amarca do Leviatã, capo I. ''Ver a esse respeito a carta dedicatória do De Cive.

INSTITUIÇÃO TOLEDO

essa ótica, Assim como li, justiça são equívocas: po outra quando se refererr sobre a justiça/injustiça c aquele par conceitual CO!

Um ato é justo ou [ ber se o comportamento sua prática implica,ou nãt

Porque as normas c social, não mais serão re: pode estabelecer princípi, de, definindo o bem e o bem e do mal, do certo e justiça representa o respe inversamente, a injustiça ( direito garantido por um I

;'SKINNER, Q. Razão e retórica na filo:

Page 21: PARADIGMA DO JUSNATURALISMO MODERNO: A … · ... lESTÃO DA SOBERANIA NO PENSAMENTO DE THOMAS HOBBES . 1 . ... Hobbes deduz sua ciência política de conceitos e definições correspondentes

[NSTlTUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

'idas são usualmente denominadas , serem as ordens de quem possui o

lpítulo XXIX do Leviatã, sob o título solução de um Estado, mostrando as morte. Entre elas, existe uma

~, que é esta: o poder soberano pode ste dividir o poder de um estado se­ue os poderes divididos se destroem E para estas doutrinas os homens alguns daqueles que, fazendo das

-:l-las dependentes de seu próprio sa­.;; (Igualmente o capo XlI da Parte II são sobre a dissolução do governo; 5,6).

onclusão: da mesma forma que as 2 ém sem a unidade não se mantém a e seguindo Aristóteles, defendiam a a clássica do governo misto, ou seja, 50verno -a monarquia, a aristocracia cido é uma pessoa, a soberania não :a do contrato estabelecido. ,,;6: só há poder soberano se a vonta­unidade do Estado garantida apenas :ional artificialmente criada pelos ho­líssima Introdução do Leviatã, onde á1 que é o Estado.;­re o sentido do paradigma do jusna­ania - tema desta aula - e sua relação

~ntar cientificamente a política, tam­da vida civil;íl -deve ser pensado sob

do De Cive. dedica-se àdiscussão sobre a disso-

I. XVI; Renaro J Ribeiro, Amarca do Leviatã. Glp. L

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

essa ótica. Assim como "as palavras justo e injusto", também as palavras "justiça e in­justiça são equívocas: porque significam uma coisa quando são atribuídas a pessoas, outra quando se referem a ações". Hobbes não propõe ao seu leitor uma reflexão sobre a justiça/injustiça como um atributo ou não das pessoas; interessa-lhe pensar aquele par conceitual como uma propriedade ou não das ações.

Um ato é justo ou não, quando um pacto é quebrado: "a questão moral de sa­ber se o comportamento foi justo ou injusto reduz-se à questão factual de saber se sua prática implica ou não a quebra de uma promessa ou de um pacto".j9

Porque as normas que regulamentarão a vida dos indivíduos a partir do pacto social, não mais serão resultado da lei do mais forte mas, da lei civil, a única que pode estabelecer princípios de convivência entre os componentes daquela socieda­de, definindo o bem e o mal, não mais a natureza das coisas será a reveladora do bem e do mal, do certo e do errado, do justo e do injusto mas, as leis do Estado. A justiça representa o respeito a um direito fundamentado na legitimidade do pacto; inversamente, a injustiça (iniuria, sine iure, injúria), representa o desrespeito a um direito garantido por um pacto anterior.

"SKINNER. Q. Razão e retórica na filosofia de Hobbes. SP: UNESP, 1999.

129