PARADIGMAS DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    1/116

    DOUGLAS LEONARDO COSTA MAIA

    PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO, PARA O

    ESTUDO DA INTERVENO ESTATAL, POR DIREO, SOBRE A

    ORDEM ECONMICA BRASILEIRA

    MARLIA2007

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    2/116

    DOUGLAS LEONARDO COSTA MAIA

    PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO, PARA O

    ESTUDO DA INTERVENO ESTATAL, POR DIREO, SOBRE A

    ORDEM ECONMICA BRASILEIRA

    Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado emDireito da Universidade de Marlia, como exignciaparcial para a obteno do grau de Mestre em Direito,

    sob orientao da Profa. Dra. Marlene Kempfer Bassoli.

    MARLIA

    2007

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    3/116

    Autor: Douglas Leonardo Costa Maia

    Ttulo: Paradigmas da Anlise Econmica do Direito, para o estudo da intervenoestatal, por direo, sobre a ordem econmica brasileira.

    Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade deMarlia, rea de concentrao Empreendimentos Econmicos, Desenvolvimento eMudana Social, sob a orientao da Profa. Dra. Marlene Kempfer Bassoli.

    Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______

    _________________________________________Prof.(a) Dr.(a)Orientador (a)

    __________________________________________Prof.(a) Dr.(a)

    __________________________________________Prof.(a) Dr.(a)

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    4/116

    minha irm Brbara, que exemplo deesforo pessoal e inteligncia.

    A meus pais, Joo e Neuza, que muitas vezes,ao abdicarem de seus sonhos, me possibilitaram sonhar.

    Ao Andr, o melhor filho que uma pessoa poderia ter.E minha esposa Veruska - com todo o

    amor que houver nesta vida -, que mesmo no familiarizadacom termos, expresses e contedos deste trabalho,

    , certamente, quem melhor o compreender.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    5/116

    Agradeo a Profa. Marlene Kempfer Bassoli,pela pacincia e generosidade com que me orientou.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    6/116

    Que outros se orgulhem dos livros que escreveram,eu me orgulho daqueles que li.

    Jorge Luiz Borges

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    7/116

    PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO, PARA

    O ESTUDO DA INTERVENO ESTATAL, POR DIREO,SOBRE A ORDEM ECONMICA BRASILEIRA.

    Resumo:Assente na doutrina a noo de que o Direito Econmico rene as normas jurdicasque regulam as relaes econmicas a partir da interveno do Estado sobre aEconomia. A efetividade desta atribuio estatal, voltada a proporcionar bem-estar aosindivduos, questionada. As respostas a este desafio apostam para vrias causas.Uma das possveis leituras deste problema a partir da Anlise Econmica do Direito.Os paradigmas desta opo interpretativa repousam na racionalidade econmica que

    indica entre seus valores a busca pela eficincia em seu amplo sentido. Sob aspecto daHermenutica vrios so os caminhos para a interpretao, sendo assim, este estudoinvestiga a interveno do Estado nas relaes econmicas considerando a figura dohomos economicus, ou seja, do indivduo cujas aes sempre racionais derivamexclusivamente de seus interesses econmicos dentro da sociedade. Este homem temsuas condutas pautadas em incentivos que venham a aflorar seus interesses pessoais.Para tanto foram considerados os pressupostos filosficos de Jeremy Bentham(Utilitarismo); sociolgicos de Max Weber (Teoria do Comportamento Econmico); eeconmicos de Adam Smith (Liberalismo). Destacou-se, ainda, o conceito de AnliseEconmica do Direito, sua evoluo histria, suas funes (normativa e positiva), suasperspectivas. As crticas contra a funo normativa da Anlise Econmica do Direitotm como ncleo a tbua de valores hednicos desta racionalidade, que coloca noprimeiro plano a eficincia e no necessariamente a justia, valor este que, porunanimidade dos estudiosos do Direito, o mais importante para o ordenamento

    jurdico. Finalmente traou-se um paralelo entre a Anlise Econmica do Direito e aInterveno do Estado sobre a Economia, por meio de Direo, considerando-se ociclo econmico da produo, circulao, repartio e consumo, a fim de sedemonstrar que a Anlise Econmica do Direito pode, por meio de sua racionalidade,contribuir para a efetividade da interveno estatal, uma vez que os destinatriosdestas normas se movem por interesses de eficincia econmica.

    Palavras Chaves: Anlise Econmica do Direito, Interveno do Estado na OrdemEconmica, Direito.

    .

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    8/116

    PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO, PARA

    O ESTUDO DA INTERVENO ESTATAL, POR DIREO,SOBRE A ORDEM ECONMICA BRASILEIRA.

    Abstract:

    It seats is in the doctrine the notion of that the Economic law congregates the rules oflaw that regulate the economic relations from the intervention of the State on theEconomy. The effectiveness of this state attribution, come back to provide well-beingto the individuals, is questioned. The answers to this challenge bet for some causes.One of the possible readings of this problem is from the Economic Analysis of the

    Right. The paradigms of this interpretativa option rest in the economic rationality thatit indicates enters its values the search for the felt efficiency in its ample one. Underaspect of the Hermeneutics several are the ways for the interpretation, being thus, thisstudy investigate the intervention of the State in the economic relations considering thefigure of the homos economicus, that is, of the individual whose always rationalactions derive exclusively from its economic interests inside of the society. This manhas its behaviors based in incentives that come to arise its personal interests. For thephilosophical estimated ones of Jeremy Bentham had been in such a way considered(Utilitarian); sociological of Max Weber (Theory of the Economic Behavior); eeconomic of Adam Smith (Liberalism). It was distinguished, still, the concept ofEconomic Analysis of the Right, its evolution history, its functions (normative and

    positive), its perspectives. The critical ones against the normative function of theEconomic Analysis of the Right have as nucleus the board of pleasured values of thisrationality, that not necessarily places in the first plan the efficiency and justice, valuethis that, for unamimity of the scholars of the Right, is most important for the legalsystem. Finally a parallel was traced enters the Economic Analysis of the Right andthe Intervention of the State on the Economy, by means of Direction, considering itselfthe economic cycle of the production, circulation, distribution and consumption, inorder to demonstrate itself that the Economic Analysis of the Right can, by means ofits rationality, to contribute for the effectiveness of the state intervention, a time thatthe addressees of these norms if move for interests of economic efficiency.

    Words Keys: Law and Economic, Intervention of the State in the Economic Order,Law.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    9/116

    SUMRIO

    INTRODUO..............................................................................................................01

    1 ENFOQUE DOGMTICO E ZETTICO PARA A CONSTRUO DO

    CONHECIMENTO JURDICO ..................................................................................03

    1.1 DOGMTICA...........................................................................................................05

    1.1.1 Teoria da Norma.....................................................................................................05

    1.1.2 Teoria da Interpretao...........................................................................................081.1.3 Teoria da Deciso...................................................................................................13

    1.2 ZETTICA JURDICA.............................................................................................14

    2 PRESSUPOSTOS FILOSFICOS, SOCIOLGICOS E ECONMICOS DO

    RACIONALIMO ECONMICO................................................................................18

    2.1 PRECEDENTE FILOSFICO: UTILITARISMO DE JEREMY BENTHAM.......20

    2.2 PRECEDENTE SOCIOLGICO: AO RACIONAL ORIENTADA PELO FIM

    SEGUNDO MAX WEBER.............................................................................................23

    2.3 PRECEDENTE ECONMICO: LIBERALISMO DE ADAM SMITH...................26

    3 ANLISE ECONMICA DO DIREITO.................................................................30

    3.1. CONCEITO DE ANLISE ECONMICA DO DIREITO.....................................31

    3.2. HISTRICO.............................................................................................................37

    3.2.1. Gary Becker...........................................................................................................37

    3.2.2. Ronald Coase.........................................................................................................41

    3.2.3. Guido Calabresi.....................................................................................................45

    3.2.4. Richard Posner.......................................................................................................47

    3.3. METODOLOGIA DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO...........................50

    3.3.1. Raciocnio Generalizante.......................................................................................51

    3.3.2. Raciocnio Analtico..............................................................................................52

    3.4. CONCEPES DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO...............................53

    3.4.1. Anlise Positiva.....................................................................................................54

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    10/116

    3.4.2. Anlise Normativa.................................................................................................56

    3.5. PERSPECTIVAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO. ..........................58

    3.5.1. Neo-Institucional....................................................................................................583.5.2. Eleio Pblica.......................................................................................................61

    3.5.3. Estudo Crtico do Direito.......................................................................................64

    3.6. CRTICAS ANLISE ECONMICA DO DIREITO.........................................67

    4. INTERVENAO, POR DIREO, DO ESTADO SOBRE A ECONOMIA.....70

    4.1. INTERVENO SOBRE A ECONOMIA..............................................................70

    4.2. INTERVENO POR DIREO E A ANLISE ECONMICA DODIREITO..........................................................................................................................73

    4.2.1 Norma Distorciva....................................................................................................73

    4.2.2. Normas Corretivas.................................................................................................75

    4.2.3. Normas Fundantes.................................................................................................78

    4.3. ANLISE ECONMICA DAS NORMAS QUE REGULAM A ORDEM

    ECONMICA.................................................................................................................79

    4.3.1. Produo................................................................................................................80

    4.3.1.1. Recursos Naturais ou matria-prima...................................................................80

    4.3.1.2. Trabalho..............................................................................................................82

    4.3.1.3. Capital.................................................................................................................83

    4.3.1.4. Organizao........................................................................................................87

    4.3.2. Circulao..............................................................................................................88

    4.3.2.1. Livre Concorrncia.............................................................................................89

    4.3.2.2. Transaes e Pagamentos....................................................................................90

    4.3.3. Repartio..............................................................................................................92

    4.3.3.1. Poltica Salarial...................................................................................................93

    4.3.3.1. Legitimao dos lucros.......................................................................................94

    4.3.4 Consumo.................................................................................................................95

    CONCLUSO................................................................................................................97

    REFERNCIAS...........................................................................................................100

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    11/116

    INTRODUO

    A cincia do mundo ps-moderno, alicerada no paradigma da complexidade,

    comea a pautar-se pelo princpio de que no se pode compreender qualquer das partes desta

    cincia, sem que se tenha alguma compreenso de como funciona o seu todo. Para esta nova

    Cincia o todo no apenas a soma das partes.

    Acumulam-se os sinais deste paradigma cientfico, que, outrossim, aponta para

    um revigoramento do conhecimento, superando o arcaico modelo da cincia do mundomoderno, que lastreava-se na fragmentao da cincia e simplificao da realidade.

    Os cientistas especializaram-se de tal modo que os resultados de suas

    investigaes apresentam particularidades de interesses apenas a pequenssimas comunidades

    e que deles podem valer-se.

    A combater esta fragmentao do conhecimento, passaram a surgir

    investigaes de carter interdisciplinar. O presente trabalho tambm busca esta

    interdisciplinariedade, fundindo, em uma s pesquisa, conhecimentos da Cincia do Direito e

    da Cincia Econmica.

    A hermenutica jurdica no mais desconsidera as teorias econmicas, quando

    o objeto jurdico a investigar envolve as relaes econmicas. No pode o jurista, contentar-se

    com a anlise interpretativa de uma norma jurdica de contedo econmico, sem acurar para o

    fato de que esta norma tem um destinatrio: o agir do homo economicus.

    Buscou-se, com esta investigao, fazer uma aproximao, desta teoria

    econmica que fala do racionalismo econmico, com a Cincia Jurdica para avaliar a

    influencia desta racionalidade na construo de normas jurdicas.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    12/116

    Este trabalho estruturado de forma a que o leitor possa, inicialmente, ter

    conhecimento, de como o fenmeno jurdico apreendido pela Cincia do Direito. Para tanto,

    se explicitar como so seus enfoques dogmticos e zetticos.

    Tambm se far um estudo a respeito da teoria econmica fundada no

    racionalismo econmico, ocasio em que se buscar revelar seus precedentes filosficos,

    sociolgicos e econmicos, com o fim de elencar os paradigmas da Anlise Econmica do

    Direito.

    Tais investigaes so muito prestigiadas nos EUA e Europa, e pouco tratadasno Brasil. Talvez se possa creditar a um preconceito que os juristas nacionais ainda tenham

    diante dos desafios da interdisciplinaridade.

    A partir das lies obtidas com a Anlise Econmica do Direito, tratar-se-

    destes, que podem ser empregados no estudo da interveno, por direo, do Estado na Ordem

    Econmica, para propiciar maior efetividade a esta atribuio estatal.

    Se far a Analise Econmica das disposies legais que guardam pertinncia

    com o ciclo econmico: produo, circulao, repartio e consumo, buscando. Neste

    processo analtico se buscar identificar as conseqncias, para este ciclo, que decorrem dos

    regramentos a que ele se sujeito, e se estes regramentos estimulam ou desestimulam-no.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    13/116

    1. ENFOQUE DOGMTICO E ZETTICO PARA A CONSTRUO DO

    CONHECIMENTO JURDICO

    Em 27 de maro de 2006, o Superior Tribunal de Justia1 decidiu questo

    referente a no obrigao de um pai reparar a dor moral de um filho, em razo de abandono

    moral.

    Ao ser reconhecida a impossibilidade de se responder por danos morais, doisargumentos foram fundamentais: i) no caso de abandono ou descumprimento injustificado do

    dever de sustento, guarda e educao dos filhos, a legislao prev como punio a perda do

    poder familiar, antigo ptrio-poder, sendo esta a mais grave pena civil a ser imputada a um

    pai, tendo, a mesma, evidente carter punitivo e dissuasrio, mostrando eficientemente aos

    indivduos que o Direito e a sociedade no se compadecem com a conduta do abandono, o

    que, por si s, j impossibilitaria a responsabilidade civil decorrente do abandono moral; ii)

    aps a condenao no dever de indenizar por abandono moral, o pai, via de regra, no teria

    mais ambiente para reconstruir o relacionamento ou ao contrrio, se veria definitivamente

    afastado do filho pela barreira erguida durante o processo conflituoso.

    O segundo destes fundamentos tem como ponto de partida uma evidncia

    (frgil ou plena, mas que admitida como verificvel ou comprovvel e por isso , ao menos

    momentaneamente, questionvel), de que o dever de indenizar pelo dano moral afastaria pai e

    filho. O primeiro dos raciocnios, ao contrrio, parte de uma premissa estabelecida como

    inquestionvel: a Lei j prev que a sano pelo abandono moral a perda do poder familiar,

    por isso no se pode falar, tambm, no dever de indenizar.

    No primeiro dos enfoques, o Magistrado, age como um intrprete e aplicador

    da lei, j no segundo no h simples interpretao e aplicao da lei, mas sim a averiguao

    de qual conseqncia social provvel caso se admitisse a responsabilizao civil do pai que

    abandona o filho.

    1 Recurso Especial n 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonalves, STJ/DJU de 27/03/06, p. 299.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    14/116

    A partir da anlise desta deciso judicial revelam-se os enfoques feitos

    construo de um raciocnio jurdico, e que a luz dos ensinamentos de Theodor Viehweg2

    , sodenominados de Zettico (zetein, questiona) e Dogmtico (dokein, no questiona).

    No Brasil, um dos primeiros juristas a tratar deste assunto foi Tercio Sampaio

    Ferraz Jr, destacando que:

    embora entre a Zettica e a Dogmtica no haja uma linha divisria radical (todainvestigao acentua mais um enfoque ou em outro, mas sempre tem os dois), a sua

    diferena importante. O enfoque dogmtico revela o ato de opinar e ressalvaalguma das opinies. O Zettico, ao contrrio, desintegra, dissolve as opinies,pondo-as em dvida. Questes Zetticas tem uma funo especulativa explicita eso infinitas. Questes Dogmticas tem uma funo diretiva explicita e so finitas.Nas primeiras, o problema tematizado configurado como um ser (que algo?).Nas segundas, a situao nelas captadas se configura como um dever-ser (comodeve-ser algo?). Por isso, o enfoque Zettico visa a saber o que uma coisa. J oenfoque dogmtico se preocupa em possibilitar uma deciso e orientar a ao 3.

    Este autor elucida suscitando a problemtica que envolve Deus, tanto na

    Filosofia, quanto Teologia. A primeira, num enfoque zettico, pode pr em dvida a suaexistncia, pode questionar at mesmo as premissas da investigao, perguntando-se inclusive

    se a questo sobre Deus tem algum sentido. Nestes termos, o seu questionamento infinito,

    pois at admite uma questo sobre a prpria questo. A segunda, num enfoque dogmtico,

    parte da existncia de Deus como uma premissa inatacvel. E se for uma teologia crist, parte

    da Bblia como uma fonte que no pode ser desprezada. Seu questionamento , pois, finito.

    Assim, enquanto a Filosofia se revela como um saber especulativo, sem compromissos

    imediatos com a ao, o mesmo no acontece com a Teologia, que tem de estar voltada para a

    orientao da ao nos problemas humanos em relao a Deus4.

    2 VIEHWEG, Theodor. Systemprobleme in Rechtsdogmatik und Rechtsforschung. In: Rechtsphilosophie und Rhetorische Rechtstheorie: Gesammelte Kleine Schriften. Baden-Baden: Nomos, 1995, p. 97-106. H umaverso em espanhol em VIEHWEG, Theodor. Problemas Sistmicos en la Dogmtica Jurdica y en laInvestigacin Jurdica. In: Tpica y filosofa del derecho. 2. ed. Traduo de Jorge M. Sea. Barcelona: Gedisa,1997, p. 71-85, e versao brasileira para Topik und Jurisprudenz de Tercio Sampaio Ferraz Jr. Braslia:

    Departamento de Imprensa Nacional, 1979.3 FERRAZ Jr. Tercio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito, So Paulo, Editora Atlas, 1994, p. 41.4 Op. Cit., p. 41.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    15/116

    Normalmente, e em evidente equvoco, se identifica aquele primeiro

    argumento, o dogmtico, como se fosse jurdico, enquanto que o segundo, o zettico, por ser

    mais sociolgico, como se estranho Cincia do Direito, ou argumento extrajurdico.

    Os dois enfoques que se faz questo para saber se um pai deve ser

    responsabilizado civilmente por conta de abandono moral de um filho, so jurdicos.

    Distinguindo-se porque um tem mais carga dogmtica, enquanto o outro, mais carga zettica.

    1.1. DOGMTICA

    A funo primordial da Dogmtica Jurdica a determinao e a descrio

    das normas jurdicas que integram certa ordem jurdica5. Neste nvel tem-se a cincia

    jurdica cuja preocupao precpua gira em torno de trs questes, a saber: O que uma

    norma? Como se interpreta essa norma? Qual o mtodo para a criao da norma geral e

    abstrata, ou individual e concreta? Questes essas respondidas, respectivamente, pela Teoria

    da Norma, pela Teoria da Interpretao e pela Teoria da Deciso.

    1.1.1. Teoria da Norma

    A Teoria da Norma assunto tratado por vrios autores, sendo que um dos

    primeiros a realizar um estudo profundo a respeito da norma foi Hans Kelsen. Reconhece que

    com o termo norma se quer significar algo que deve ser ou acontecer, especialmente que

    um homem se deve conduzir de determinada maneira6.

    Esta norma tem estrutura lgica composta de uma hiptese (antecedente) e um

    conseqente, essa ligao feita mediante dois elementos: 1) dados determinados

    5 DIAZ, Jos Ramn Cossio. Derecho y Anlisis Econmico. Mxico: Edio conjunta do Instituto TecnolgicoAutnomo do Mxico e Fondo de Cultura Econmica, 2002, p. 176.6 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. J. B Machado. 6 ed. So Paulo: Editora Martins Fontes, 2003,p. 5.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    16/116

    pressupostos (norma secundria); 2) deve efetuar-se um ato de coero, sempre na forma

    estabelecida pela ordem jurdica (norma primria). Se A no cumpre a prestao, deve ser-lhe

    aplicada uma sano. Ou, simplificadamente: quando A , deve ser B7

    .

    Carlos Cssio, um dos estudiosos sobre a Teoria da Norma tambm se vale da

    estruturao lgica e do mesmo arqutipo kelseniano. Contudo apresenta uma formulao

    mais ampla. A norma jurdica completa, para este autor, tem dois membros, aos quais props

    chama-los de endonorma (conceituao da prestao) e perinorma (conceituao da sano).

    Usualmente se tem a sano, que inerente a todas as normas, como umapunio. Ocorre, no entanto, que nem sempre uma sano tem este perfil, havendo aquelas,

    conceituadas por Miguel Reale, como sanes premiais, que oferecem um benefcio ao

    destinatrio.

    Esclarece este autor que:

    [...] atualmente, excogitam-se tcnicas mais aperfeioadas para obter-se ocumprimento das normas jurdicas, atravs no de sanes intimidatrias, mas simatravs de processos que possam influir no sentido da adeso espontnea dosobrigados, como os que propiciam incentivos e vantagens8.

    Dentre os juristas brasileiros, Andr Franco Montoro, apresenta esta mesma

    crtica, e faz questo de consignar que a descrio de uma norma jurdica deve incluir todos os

    seus efeitos, isto , no apenas a sano ou castigo decorrente do no cumprimento da

    obrigao, como tambm as conseqncias jurdicas positivas decorrentes da obrigao9.

    Ainda, a respeito deste assunto, vale explicitar o critrio formal de

    classificao das normas, criado por Norberto Bobbio10.

    7 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. J. B Machado. 6 ed. So Paulo: Editora Martins Fontes, 2003,p. 119-120.8 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito, 23 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 75-6.9 MONTORO, Andr Franco. Estudos de Filosofia do Direito, 2. ed., So Paulo: Editora Saraiva, 1995, p. 199.10 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurdica, Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti,Bauru: EDIPRO Edies Profissionais Ltda, 2001. p. 180.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    17/116

    Para Bobbio, levando-se em considerao o fato de que so imprescindveis a

    uma norma o sujeito, a quem ela se dirige, e o objeto da prescrio, a ao prescrita, as

    proposies teriam quatro classes:

    a) prescries com destinatrio universal: as normas no so dirigidas a uma pessoa concreta,

    mas a uma classe de pessoas;

    b) prescries com destinatrio singular: as normas so dirigidas a uma pessoa concreta;

    c) prescrio com ao universal: a ao prescrita se repete no tempo e vale para todosaqueles comportamentos que se enquadrem na ao-tipo;

    d) prescrio com ao singular: uma vez cumprida a prescrio ela perde a eficcia.

    Mais adiante este autor denomina como gerais as normas que so universais

    em relao ao destinatrio, e abstratas aquelas que so universais em relao ao. Enquanto

    que seriam normas individuais, as que tm destinatrio individual, e concreta a de ao

    singular.

    Normas Gerais e Abstratas so, portanto, as normas introduzidas por leis,

    princpios, regulamentos. Enquanto que normas Individuais e Concretas so normas contidas

    em decises judiciais, lanamentos tributrios, e autos de infrao.

    1.1.2. Teoria da Interpretao

    Toda norma jurdica construda a partir de um texto vertido em linguagem. O

    que, por si s, exige sua interpretao, mecanismo atravs do qual se mostrar seu sentido

    verdadeiro.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    18/116

    Este ato de interpretar, que se situa no plano dogmtico, aquele pelo qual o

    sujeito, enquanto desentranha o sentido da norma jurdica, com vistas sua aplicao

    potencial ou natural, participa do fenmeno jurdico11

    .

    Frise-se que deste conceito se extrai a relevante idia segundo a qual, pelo ato

    de interpretao, se participa do fenmeno jurdico.

    Decorre do carter participativo e criativo, nsito interpretao jurdica, a

    ilao de que esta atividade no tem contorno exclusivamente cognitivo: interpretar no

    mero ato de conhecimento; mas sim volitivo, na medida em que interpretar ato de vontade,inclusive porque:

    Na aplicao do Direito por um rgo jurdico, a interpretao cognoscitiva (obtidapor uma operao de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato devontade que o rgo aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidadesreveladas atravs daquela mesma interpretao cognoscitiva12.

    A fim de se impedir abusos neste ato volitivo, e at certo ponto discricionrio13

    pertinente interpretao, evitandose, por conseguinte, aplicao da polmica lio do JuizOswald Baudot: A lei se interpreta. Ela dir o que quiserdes que ela diga14. A Cincia do

    Direito desenvolveu mtodos, ou em outras palavras, limites, e espcies, ao processo

    interpretativo, os quais fazem parte daquilo que compe, juntamente com mtodos de

    integrao e aplicao do Direito, a Hermenutica Jurdica.

    A interpretao uma s, no se fraciona15, contudo ao exerccio do processo

    interpretativo encontram-se limites.

    O primeiro destes limites o gramatical, inclusive porque a interpretao,

    segundo Karl Larenz, , pois, a compreenso do sentido literal possvel das palavras da

    11 COELHO, Luiz Fernando. Lgica Jurdica e Interpretao das Lei, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1979,p. 57.12 Op. Cit, p. 394.13 CALLEJN, Maria Luisa Balaguer. Interpretacin de La Constituicin Y Ordenamiento Jurdico. Madri:Editora Tecno S/A, 1997, p. 91.14 Idia proferida em discurso a juizes recm empossados na Frana de 1810.15 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito, 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,1999, p 106.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    19/116

    norma, pelo que uma interpretao que no se situe j no mbito do sentido literal possvel j

    no interpretao, mas modificao do sentido16.

    Este limite, com que se depara o intrprete, portanto, a prpria literalidade do

    texto, no podendo seguir em uma exegese minimamente cientifica, se, para concluir uma

    interpretao tal qual entende correta, transformar o sentido do texto objeto da interpretao.

    Contudo, tal limitao exegtica, no pode conduzir ao efeito nocivo de o

    intrprete contentar-se com a expresso gramatical do texto normativo.

    H, tambm o mtodo interpretativo lgico, que aponta limites exegese, os

    quais encontram-se nos princpios cientfico da Lgica, enunciados por Luiz Fernando

    Coelho17:

    i) Princpio da Identidade: uma coisa idntica a si mesma e no ao seu contrrio;

    ii) Princpio da contrariedade: o contrrio do que verdadeiro falso; a mesma coisa no

    pode, ao mesmo tempo, ser e no ser;

    iii) princpio do terceiro excludo: entre duas proposies contraditrias, no h outra opo

    entre a verdadeira e a falsa;

    iv) princpio da razo suficiente: nada ocorre sem que haja uma causa ou razo determinante,

    fundamentando os princpios da metodologia cientfica, a saber:

    iv.1) princpio da causalidade: toda mudana pressupe uma causa;

    iv.2) princpio do determinismo natural: sob idnticas circunstancias, as mesmas causas

    produzem os mesmos efeitos;

    16 ALMEIDA JR, Fernando Osrio. Interpretao Conforme a Constituio e Direito Tributrio. So Paulo:Editora Dialtica, 2002, p. 39.17 COELHO, Luiz Fernando. Lgica Jurdica e Interpretao das Lei, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1979,p. 76-7.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    20/116

    iv.3) princpio da finalidade: toda atividade se dirige a um fim.

    Apesar de os fatos da vida, que so os regulados pelo Direito, seremabsolutamente complexos e nem sempre lgicos, para a interpretao jurdica um imperativo

    o estabelecimento de limites lgicos. Se os fatos da vida no se regulam pela lgica, como se

    disse acima, a regulao destes atos no pode reneg-la, inclusive porque ao se aceitar

    interpretaes ilgicas, seguramente se conduziro, a concluses tambm ilgicas, em

    evidente prejuzo aos destinatrios da norma.

    A par destes dois mtodos, existe, ainda, o processo interpretativo histrico,pelo qual o exegeta se foca na occasio legis, isto , na razo histria da norma, reconstituindo

    seu contedo original, via pesquisa de documentos pertinentes elaborao da lei, tentando

    descobrir a inteno real do legislador (mens legislatoris).

    Este processo, no entanto, desconsidera o fato de que ao exegeta o que

    realmente tem relevncia a inteno da lei (mens legis), inclusive porque nem todos os fatos

    que motivaram a criao da lei so importantes, haja vista que os fatos e situaes podem

    estar sobremodo distantes do presente, razo pela qual perdem sua consistncia e

    importncia18.

    No se pode, ademais, desconsiderar, dentre os mtodos interpretativos, o

    teleolgico. Para a compreenso deste mtodo relevante ter-se conhecimento que toda

    norma apresenta um desses trs modais denticos: permitido, proibido e obrigatrio. Na

    interpretao teleolgica o intrprete visa, por meio de sua ao interpretativa, verificar se

    este modal previsto na norma foi alcanado, isto , se se pode concluir, pelo raciocnio

    interpretativo, que esteja refletindo, a norma j interpretada, uma regra de permisso, de

    proibio ou de obrigatoriedade, conforme o caso.

    18 MELO, Jos Eduardo Soares de. Interpretao e Integrao da Legislao Tributria.In: Curso de DireitoTributrio. Vol. I, 5 ed, So Paulo: Editora Cejup, 1997, p. 165.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    21/116

    Carlos Maximiliano enftico ao dizer que denominado de teleolgico o

    processo que dirige a interpretao conforme o fim colimado pelo dispositivo, ou pelo

    Direito19

    .

    Do conceito apresentado por este jurista, advm uma faceta relevantssima

    deste mtodo interpretativo, qual seja o de que, por meio dele d-se a direo da

    interpretao, ou seja o interprete parte das conseqncias avaliadas das normas e retorna

    para o interior do sistema20. Este processo, em razo desta situao, propicia uma maior

    participao do intrprete na caracterizao do sentido da norma.

    Por fim h o mtodo interpretativo sistemtico. A diviso do Direito em ramos

    feita para fins exclusivamente didticos, inclusive porque no existe um legislador para o

    Direito Civil, ou um legislador para o Direito Penal.

    Decorre da unicidade do Direito, o fato de que a interpretao no pode

    desconsiderar as relaes de subordinao e coordenao que governam a coexistncia das

    normas21, no pode se ter, por exemplo, um conceito de propriedade, quando se analisa

    matria de Direito Civil, e outro conceito de propriedade, quando se perquire tema de

    Direito Tributrio.

    Interessante exemplo de interpretao sistemtica aquela revelada anlise

    do previsto no Art. 150, 7 da Constituio Federal. Expliquemo-la de modo absolutamente

    sinttico: a interpretao sistemtica exige que a Lei, que regule a substituio tributria pra

    frente, seja uma Lei Complementar, e no Lei Ordinria, visto que este dispositivo

    constitucional esta inserido em seo pertinente Limitao Constitucional ao Poder de

    Tributar, a qual, por sua vez, somente pode ser regulada por Lei Complementar, nos termos

    do Art. 146, II da Constituio Federal.

    19 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito, 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,1999, p.153.20 Op. cit, p 293.21 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio, Editora Saraiva, So Paulo, 1985, p. 56.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    22/116

    A par destes mtodos interpretativos, no se pode descurar para o fato de que,

    quanto a seu resultado ou resultado, a interpretao pode ser de trs espcies22: i)

    especificadora; ii) restritiva; iii) extensiva.

    A interpretao especificadora no tem nada a ver com uma interpretao que

    especifica (descreve de modo preciso) o sentido da norma, ao contrrio, o que esta

    interpretao faz presumir que o sentido da norma cabe na letra do seu enunciado23.

    A denominao especificadora refere-se, ento, no apenas ao resultado do

    processo exegtico, mas tambm ao processo em si, economia de pensamento do intrprete.

    Esta espcie interpretativa corolrio do brocardo jurdico in clasis cessat

    intepretatio (Lei clara no carece de interpretao), o qual, atualmente j no tido mais por

    cientificamente vlido, tendo em vista o fato de que o descobrimento do contedo, sentido e

    alcance de uma norma, deve ser feito tanto quelas defeituosas, quanto as isentas de defeito.

    A interpretao independe da tcnica redacional do criador da norma jurdica,

    esteja ele nas funes tpicas de um juiz, um administrador, ou um legislador.

    O intrprete, ao notar que o sentido da norma jurdica, no corresponde a

    latitude do previsto no texto, restringe-o. utilizao desta espcie de interpretao, se nota

    que o intrprete deve atentar para o fato de que o texto da norma diz mais do que deveria

    dizer.

    A rigor da melhor tcnica, como explica Amlcar Arajo Falco, o que vale

    tambm interpretao extensiva, no existe uma exegese que restrinja o sentido da norma, o

    que h a interpretao que restabelece o sentido da norma atentando a seu esprito (mens

    legis), at mesmo porque toda e qualquer espcie de interpretao deve ter carter

    22 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito, 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,1999, p. 19723 Op. Cit., p. 293.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    23/116

    exclusivamente declaratrio24. Ao estabelecimento do sentido correto da norma plenamente

    lcito ao intrprete, que ele restrinja o alcance do texto normativo.

    H, tambm, casos em que a letra da lei diz menos que o seu sentido. Nesta

    hiptese o intrprete deve ampliar o sentido da norma a fim de alcanar a mens legis.

    1.1.3. Teoria da Deciso

    tema concernente dogmtica, a matria pertinente a qual norma se decidir

    pela criao, qual norma ter o condo de absorver a insegurana jurdica nsita relao

    conflitiva, quanto as normas individuais e concretas, e qual a norma que externar os

    objetivos previstos em uma Constituio, e que dependem de regulamentao por meio de

    normas gerais e abstratas.

    O jurista Recasns Siches25 sustenta que aquele que decide deve submeter-se

    lgica do razovel, e explica as fases por que passa o aplicador da Lei (julgador ou

    administrador) para chegar deciso: i) analisa os fatos; ii) avaliar a prova; iii) confrontar

    com a lei; iv) faz aportes de circunstncias extralegais; v) pondera as conseqncias de sua

    deciso; vii) e, depois de passar e repassar por esse complexo de fatores, chega finalmente

    sua concluso por intuio intelectiva, momento em que a questo se esclarece e fixada uma

    posio.

    A este processo de filtragem de fatos, avaliao de provas e confrontao dos

    fatos com a lei, nosso ordenamento jurdico, estabelece minucioso regramento por meio de

    normas de Processo Civil, Processo Penal e Processo trabalhista.

    O aporte de circunstancias extralegais e a ponderao de conseqncias da

    deciso criao das normas individuais e concretas, nosso ordenamento indica regras

    24 FALCO, Amlcar de Arajo. Fato Gerador da Obrigao Tributria. 6 ed. Rio de Janeiro: EditoraForense, 2002, p. 32.25 SICHES, Luis Recasens. Tratado General de Filosofia Del Derecho. 4 ed. Cidade do Mxico: EditorialPorrua, S.A.: 1970, p. 218.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    24/116

    informando que a deciso deve atender aos fins sociais que a lei se dirige e s exigncias do

    bem comum26.

    Por bvio que a dogmtica da deciso existe tambm s normas Gerais e

    Abstratas, porque, a construo silogstica dedutiva, prpria sentena judicial e ao ato

    administrativo, em que (a) a norma geral funciona como premissa maior; (b) a descrio do

    caso conflitivo, como premissa menor; e (c) a concluso, como ato decisrio stricto sensu27,

    tambm aplicar-se-ia ao processo legislativo no sentido de que o legislador, ao emanar leis,

    aplica a Constituio28.

    A lei ser sempre fruto de uma deciso a respeito de como se d a aplicao da

    Constituio. Toda lei, sob pena de inconstitucionalidade, deve guardar plena relao de

    subordinao aos ditames constitucionais. Toda norma geral e abstrata vlida uma norma

    que encontra respaldo na Constituio.

    A deciso sobre criao da norma geral de abstrata que, em ltima analise, a

    prpria deciso a respeito de como se d o desdobramento da Constituio, respeita limites

    matrias e formais.

    Materiais no sentido de que a norma geral e abstrata deve ser compatvel com a

    Constituio, e formal, na medida em que esta norma tambm deve observar o processo

    legislativo prprio sua criao.

    1.2. ZETTICA JURDICA

    dogmtica o conjunto normativo objeto exclusivo do Direito, enquanto

    Cincia. A zettica, contudo, quebra esta relao monoplica que o Direito-Cincia, tem para

    com o Direito-Norma, e oferece, este, como objeto de estudos de outras cincias: filosofia,

    26 Art. 5 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil.27 FERRAZ Jr. Tercio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito, So Paulo, Editora Atlas, 1994, p. 315.28 Op. Cit, p. 315.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    25/116

    sociologia, economia e outras. Tais conhecimentos, por conta disso, passam a ser

    denominadas de Sociologia do Direito, Antropologia do Direito, Psicologia do Direito e

    Filosofia do Direito29

    .

    Em virtude da Zettica, o estudo do Direito quebra paradigmas, alis,

    ultrapassa os dogmas, que caracterizam a dogmtica.

    Um exemplo pode trazer mais clareza s idias aqui oferecidas: A

    Responsabilidade Civil do Estado, em seu estudo dogmtico, parte da interpretao que se

    pode dar ao estabelecido no Art. 37, 6 da Constituio Federal, e, desta interpretao, sesabe que o Brasil adotou a Teoria do Risco Presumido, a significar que o Estado responsvel

    objetivamente, sem a demonstrao de culpa, pelos atos culposos ou no, que seus agentes

    praticarem. Por outro lado, um economista, em seu estudo zettico, poderia analisar este texto

    constitucional e concluir que o mesmo absolutamente equivocado, j que em um pas com

    gravssimos problemas financeiros, que refletem em desfavor da comunidade, em especial da

    menos abastada, no se poderia adotar esta teoria, mxime porque a mesma somente teria

    razo de ser para pases com capacidade de suportar esta carga de despesa.

    O esboo dogmtico, portanto, se contenta, em sua investigao, com aquilo

    que dogma com o previsto na norma, enquanto que o zettico, enfrenta este dogma e o

    questiona, sendo, efetivamente jurdico, nos explica Tercio Sampaio Ferraz Jr, porque de suas

    concluses podemos tirar conseqncias para a soluo normativa de conflitos30.

    As conseqncias da norma, que quase nunca so estudadas pela dogmtica,

    mas que seguramente so apontadas pela Zettica, influenciam tanto a criao da norma geral

    e abstrata, quanto da norma concreta e individual.

    Pode-se lanar outro exemplo para ilustrar como se utilizaria do conhecimento

    zettico criao de normas gerais e abstratas.

    29 FERRAZ Jr. Tercio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito, So Paulo, Editora Atlas, 1994. p. 44.30 Op. Cit., p. 46.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    26/116

    Por meio das premissas dogmticas do Art. 155, da CF, com redao anterior

    Emenda Constitucional n 33/2001, chegou-se concluso de que era inconstitucional a

    incidncia do ICMS sobre a importao de mercadorias. Todavia, zeteticamente, estaconcluso merece questionamento de ordem econmica-concorrencial, na medida em que a

    mesma, desconsiderou que a no incidncia do ICMS sobre produtos importados,

    representaria menor capacidade competitiva das empresas nacionais, visto que estas teriam

    este custo de produo, e aquelas no.

    A investigao zettica mostrou ao Poder Constituinte Derivado que novel

    norma constitucional geral e abstrata, deveria ser criada para que se garantisse o equilbrioentre o produto nacional e o importado.

    A zettica classificada, inicialmente, em relao a seus limites, em emprica

    ou analtica. Esta diviso comporta subclassificao, que feita levando-se em considerao a

    aplicao tcnica dos seus resultados, advindo, disto, a possibilidade de tanto a zettica-

    emprica, quanto a zettica-analtica, serem, ainda, ou pura ou aplicada31.

    Por meio da Zettica emprica tem-se aquela investigao cientifica que se

    pode demonstrar via experincia, sendo que aquela de aplicao pura busca uma

    investigao de caracterstica especulativa, sem se preocupar se seus resultados deveriam ser

    ou no aplicados na realidade. A sociologia do direito, a antropologia jurdica, a psicologia

    jurdica, a economia poltica, fazem parte desta classe de estudo zettico.

    Nesta seara se busca averiguar a efetividade social do direito, ou seja, como se

    comportam, os destinatrios do direito, em face de determinado regramento, se, conforme

    explica Pontes de Miranda, a norma, alm de incidir, o que infalvel, aplicada pelos seus

    destinatrios32.

    A Zetticica emprica aplicada, por sua vez, se difere da pura, em virtude de

    que os resultados da investigao, so aplicados, fazendo parte desta espcie de conhecimento

    31 FERRAZ Jr. Tercio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito, So Paulo, Editora Atlas, 1994, p. 44.32 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, tomo I, Rio deJaneiro: Borsoi, 1954, p. 35.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    27/116

    jurdico a criminologia, a psicologia forense, a penalogia, a medicina legal, a poltica

    legislativa.

    Quanto Zettica analtica pura, a investigao ultrapassa os limites da

    experincia, para se situar no nvel da teoria do conhecimento, da lgica ou da prpria

    metafsica, sendo que seus resultados no so elaborados para uma aplicao prtica, sendo

    exemplos desta espcie a filosofia do direito e a metodologia jurdica.

    Por fim, cabe sublinhar que com a Zettica analtica aplicada, o resultado do

    processo de conhecimento no emprico tem aplicao tcnica voltada realidade, tal qualocorre com a Teoria Geral do Direito.

    Neste Captulo se buscou uma aproximao da Cincia do Direito, e de como

    ela, usualmente estudada, se trazendo de modo absolutamente sinttico o que a dogmtica

    e a zettica jurdica.

    Anlise Econmica do Direito, estes enfoques so importantes, contudo, ela

    acrescenta, aos mesmos, um outro ingrediente prprio Cincia Econmica, que o

    racionalismo econmico.

    Este racionalismo econmico, que ser estudado no prximo captulo,

    mediante suas perspectivas filosficas, sociolgicas e econmicas, d novas cores

    compreenso do fenmeno jurdico.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    28/116

    2. PRESSUPOSTOS FILOSFICOS, SOCIOLGICOS E ECONMICOS DO

    RACIONALIMO ECONMICO.

    A Estatstica tem uma regra denominada de Lei dos Grandes Nmeros, sendo

    que, por conta desta, em uma amostragem a diferena entre o valor real e o valor encontrado

    diminui medida que aumenta o nmero de amostras. Em outras palavras, a freqncia de

    determinados acontecimentos, observada em um grande nmero de casos anlogos, tende a se

    estabilizar cada vez mais, medida que aumenta o nmero de casos observados.

    Em razo disto, a Cincia Econmica, estabelece seus postulados, ciente, que

    as regras por ela indicadas tratam-se de verdadeiras probabilidades que tendem a ocorrer.

    Partindo-se desta premissa, a Economia, que pode ser conceituada como a

    cincia social que estuda a administrao dos recursos escassos entre usos alternativos e fins

    competitivos33, cria teorias econmicas.

    Estas teorias visam explicar o comportamento humano, e apresentam-se como

    simples encadeamentos do raciocnio lgico. Sobre elas se pode esclarecer ainda que:

    Baseados nos postulados da teoria existente, formulam-se as hipteses a respeito decomo qualquer realidade se comporta. Deduzem-se as implicaes e os resultadosdecorrentes dessas hipteses e confrontam-se com a evidencia dos dados deobservao coletados da realidade. Finalmente, desse confronto tiram-se asconcluses: ou a teoria explica satisfatoriamente o comportamento da realidadeeconmica ou deve-se formular uma teoria alternativa e mais adequada34.

    Dentre as teorias econmicas, a que de perto nos interessa a do racionalismo

    econmico, que acabou, outrossim, criando a figura do homo economicus, ou seja, do

    individuo cujas aes sempre racionais derivam exclusivamente de seus interesses

    econmicos dentro da sociedade35.

    33 PINHO, Diva Benevides; VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandolval de. Manual de Economia. 4. Ed.So Paulo: Editora Saraiva, 2003, p 5.34 Op. Cit., p. 5.35 PINHO, Diva Benevides; VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandolval de. Manual de Economia. 4. Ed.So Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 5.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    29/116

    bem verdade que a premissa de que a busca do auto-interesse uma atitude

    racional, poderia excluir, deste conceito um leque de aes orientadas por valores ticos,

    inclusive porque considerar qualquer afastamento da maximizao do auto-interesse uma

    prova de irracionalidade tem de implicar uma rejeio do papel da tica na real tomada de

    deciso36.

    Entrementes, o suposto implcito no racionalismo econmico, e

    tradicionalmente adotado pelos economistas, o de que o comportamento econmico real

    consiste efetivamente em atos orientados apenas pela busca do interesse pessoal. Assume-se,

    neste sentido, que o conceito de racionalidade como maximizao do auto-interesse uma

    boa descrio do que as pessoas efetivamente fazem, ao menos quando lidam com questes

    econmicas.

    Abram-se parnteses para se mencionar que psicologia, existem duas teorias

    distintas para a explicao de como se d o comportamento. A Psicolgica

    Comportamental, capitaneada por Burrhus Frederic Skiner defende que as causas do

    comportamento so condies externas das quais o comportamento funo37, e a teoria

    psicanaltica, liderada por Sigmund Freud, para quem o comportamento acondicionado pelo

    inconsciente, ou seja, de uma instncia ou um sistema constitudo por contedos recalcados

    que escampam s outras instncias, o pr-consciente e o consciente38.

    Dentre estas teorias a que melhormente informa o comportamento do homem

    econmico a comportamental, justamente porque a psicanaltica, ao condicionar ocomportamento ao inconsciente, e no racionalidade, pode mostrar-se conflituosa com o

    agir deste homo economicus.

    36 SEN, Amartya. Sobre tica e economia. So Paulo: Companhia das Letras, So Paulo, 1999, p. 31.37 SKINER, Burrhus Frederic. Cincia e Comportamento Humano. Traduo Joo Carlos Todorov e RodolphoAzzi. So Paulo: Editora Martins Fontes., 1981, p; 45.38 ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionrio de Psicanlise. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editora, 1997, p. 375.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    30/116

    No se pode esquecer, ademais, que nova teoria busca minimizar o

    racionalismo do homo economicus, se trata da Teoria do Prospecto, com a qual o psiclogo

    Daniel Kahenman, em 2002, venceu o Prmio Nobel de Economia.

    Daniel Kahenman juntamente com Amos Tversky, economista morto em 1996,

    e por isso no premiado com o Nobel de Economia, buscam demonstrar que:

    [...] na hora de correr um risco ou de evit-lo, nossa deciso no guiada apenaspela considerao de chances efetivas de sucesso ou fracasso, mas outros fatoresmenos racionais (em particular, o medo de perder) tornam-se determinantes...quando se trata de ganhar, nossa averso ao risco muito maior do que quando setrata de perder. Em outras palavras, no para ganhar, mas para no perder queestamos dispostos a mais sacrifcio.39

    De toda sorte, o que vale que o ser humano, a suas aes, orienta-se por

    critrios de custo benefcio, revelando, em suas aes, um comportamento que revela um

    padro projetvel40, podendo-se prever, que suas atitudes ele obedecera a orientao acima

    mencionada. .

    Este modo de conduta racionalmente econmica, de que se ocupa o homo

    economicus, tem precedentes filosficos, econmicos e sociolgicos, que embasam a Anlise

    Econmica do Direito.

    2.1. PRECEDENTE FILOSFICO: UTILITARISMO DE JEREMY BENTHAM

    Jeremy Bentham foi um dos primeiros tericos a estudar o Homem

    Econmico, o que se deu entre o perodo de 1786 a 1804, quando escreveu Uma Introduo

    ao Princpio da Moral e da Legislao.

    39 CALLIGARIS, Contador. O fim do ano e o medo de perder, Folha de So Paulo, 29.12.2005, p. E-8.40 HOLLIS, Martin; NELL, Edward J. O Homem Econmico Racional: Uma Crtica da EconomiaNeoclssica.Rio de Janeiro:, Editora Zahar, 1977, p. 83.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    31/116

    Segundo Bentham41, o homem um ser econmico, independentemente de

    estar praticando atos de comrcio ou no, eis que ele: i) deseja a felicidade tanto no xito,

    quanto no fracasso; ii) considera, seus interesses, predominantes sobre os demais; iii) suaconduta social rege-se por parmetro concernente a auto-preferncia; iv) o homem tem

    conscincia que outros homens tambm atuam baseados na auto-preferncia.

    bem verdade que, nem todos os homens agem assim, contudo, e relembrando

    a Lei dos Grandes Nmeros, no h como se negar que as descries do agir humano,

    levantadas por este filsofo, so absolutamente condizentes com o mundo em que vivemos.

    A ps-modernidade fortemente influenciada pelas premissas apontadas por

    Bentham, tanto que, se no fosse assim, no seria necessria a instituio de mecanismos de

    controle social, limitadores da busca da satisfao pessoal, mecanismos esses que, no

    esqueamos, so criados por aqueles que tm esse controle social, e os criam tambm para

    aumentar sua satisfao, at mesmo porque os governos que elegemos, no fundo, so

    correias de transmisso das decises e das necessidades do poder econmico42.

    Bentham, aps apontar que a natureza colocou o gnero humano sob o domnio

    de dois soberanos: a dor e o prazer, apresenta o que vem a ser o Utilitarismo.

    Utilitarismo ou o Princpio da Utilidade aquele princpio que aprova ou

    desaprova qualquer ao, segundo a tendncia que tem a aumentar ou a diminuir a felicidade

    da pessoa cujo interesse est em jogo 43.

    O utilitarismo, portanto, explica a conduta humana de acordo com critrios de

    prazer/felicidade e dor/sofrimento. As pessoas atuam maximizao de sua felicidade/prazer,

    se afastando, sempre que possvel de acontecimentos que lhe tragam dor/sofrimento.

    41 LALAGUNA, Paloma Durn Y. Una aproximacin al Anlisis Econmico Del Derecho. Granada(Espanha): Editorial Comares, 1992, p. 40.42 SARAMAGO, Jos. Saramago Questiona Iluso do Mundo Democrtico.http://agenciacartamaior.uol.com.br//agencia.asp?coluna=reportagens&id=2218 , acesso 23.02.2007.43 BENTHAM, Jeremy. Uma Introduo aos Princpios da Moral e da Legislao. traduo Luiz JooBarana. So Paulo: Editora Victor Civita, 1984, p. 4.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    32/116

    Assim, uma ao estar em conformidade com o princpio da utilidade, quando

    a tendncia que ela tem para aumentar a felicidade for maior do que qualquer tendncia que

    tenha a diminu-la.

    Bentham, em seus estudos, oferece dois princpios que ele os denomina como

    contrrios ao da utilidade, que so: o Princpio do Ascetismo e o Princpio da Simpatia e da

    Antipatia.

    Quanto ao primeiro destes princpios este autor explica que:

    O princpio do ascetismo foi ideado, ao que parece, por certo especuladoresapressados que, tendo percebido __ ou imaginado __ que certos prazeres, quandocolhidos ou desfrutados em certas circunstancias, trazem como conseqncia alongo prazo, dores maiores do que o prazer desfrutado, utilizaram este pretexto paraimpugnar tudo aquilo que se apresenta sob o nome de prazer. Depois de chegaremat este ponto, e esquecendo o ponto do qual haviam partido, tais espectadoresavanaram mais, chegando ao ponto de considerar meritrio enamorar-se da dor44.

    Este Princpio do Ascetismo, de larga utilizao em doutrinas religiosas, que

    pregam que o sofrimento em vida conduzir felicidade aps a morte, no ,necessariamente, como denominado por Bentham, um princpio contrrio ao do Utilitarismo,

    mas sim apenas um modo de aplicao deste princpio, at mesmo porque o sofrimento atual

    feito em favor de um prazer futuro.

    Por sua vez o Princpio da Antipatia e da Simpatia, que deveriam exercer

    influncia, segundo o prprio Bentham, sobre aes governamentais, aquele princpio que

    aprova ou desaprova certas aes, no na medida em que estas tendem a aumentar ou adiminuir a felicidade da parte interessada, mas simplesmente pelo fato de que algum se sente

    disposto a aprov-la ou reprov-la45.

    Pelo Princpio da Antipatia ou da Simpatia, que uma ressalva ao princpio

    utilitarista, a conduta humana no , ou ao menos deveria ser, orientada por critrios

    44 BENTHAM, Jeremy. Uma Introduo aos Princpios da Moral e da Legislao. traduo Luiz JooBarana. So Paulo: Editora Victor Civita, 1984,p. 9.45 Op. cit., p. 9.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    33/116

    concernentes ao binmio prazer/dor, quando as decises a serem tomadas no afetem

    diretamente a parte que a toma.

    Finalmente cabe rememorar que Bentham aponta que quatro46 so as fontes do

    prazer e da dor:

    i) fsica: quando o prazer ou a dor ocorrem na vida presente, e no curso ordinrio da natureza,

    independentemente da ao divina ou de outro ser humano;

    ii) poltica: quando esta causada de acordo com a vontade do Poder do governo existente noEstado;

    iii) moral ou popular:quando a dor ou o prazer so denotados a pessoas que por acaso

    ocupam lugar de destaque na comunidade, segundo disposio espontnea de cada pessoa, e

    no de acordo com regras pr-estabelecidas;

    iv) religiosa: a dor ou o prazer dependem da vontade divina, quer na presente vida, quer na

    vida futura.

    Esse utilitarismo, por sua vez, orienta no apenas a conduta individual do

    homem, mas sim sua conduta social, conforme se ver na seqncia.

    2.2. PRECEDENTE SOCIOLGICO: AO RACIONAL ORIENTADA PELO FIM

    SEGUNDO MAX WEBER

    Ao estudo do comportamento do homo economicus, cogente que se considere

    o mesmo no exclusivamente como um sujeito isolado, mas sim como um grupo social, ou

    seja, uma coleo de seres, na medida em que esto a imitar-se entre si ou em quem sem

    46 BENTHAM, Jeremy. Uma Introduo aos Princpios da Moral e da Legislao. traduo Luiz JooBarana. So Paulo: Editora Victor Civita, 1984, p. 13.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    34/116

    atualmente se imitarem, se parecem uns com os outros, sendo seus traos comuns cpias

    antigas de um mesmo modelo47.

    O comportamento do grupo social, que se caracteriza justamente onde h ao

    recproca entre os indivduos, o objeto de estudo da sociologia. Max Weber (1864-1920), de

    maneira assertiva, explica que considera-se como Sociologia a cincia voltada para a

    compreenso e para a interpretao do comportamento social48, que por sua vez a ao

    referente ao comportamento de outrem e orientada na direo de sujeitos agentes49.

    O comportamento do indivduo, nos grupos sociais resultante de fatores eforas que sobre ele se exercer50. O Homem um ser econmico em virtude de foras que

    influenciam sua ao, mais precisamente as foras apontadas pelos Utilitaristas, e que

    caracterizam este homo economicus. Recapitulando-as: i) desejo de felicidade; ii)

    predominncia de seus interesses; iii) conduta social ordenada pela auto-preferncia; iv)

    conscincia que outros homens tambm atuam baseados na auto-preferncia.

    Este comportamento social, ou ao social, para Max Weber, pode ser de

    quatro espcies:

    i) racional orientada pelo valor: pela crena no valor intrnseco incondicional, de ordem

    tica, esttica, religiosa ou qualquer outra qualquer, de um comportamento determinado que

    vale por si mesmo e independente do resultado51;

    ii) racional orientada pelo fim: so motivadas por expectativas no comportamento tanto de

    objetos do mundo exterior, como de outros homens, e utilizando essas expectativas como

    condies ou meios para se alcanar o fim prprio, racionalmente sopesado e perseguido 52;

    47 TARDE, Gabriel; BIRBNBAUM, Pierre; CHAZEL, Fraois (coordenao). O que uma sociedade: TeoriaSociolgica. Traduo Gislea Stock de Souza e Hlio de Souza. So Paulo: Editora da Universidade de SoPaulo, 1977, p. 18.48 CASTRO, Celso Pinheiro de. Sociologia do Direito. 2. Edio, So Paulo: Editora Atlas, 1985, p. 63.49WEBER, Max. Economia e Sociedade, Vol. 1, 3. edio, Traduo Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa,Braslia: Editora UNB, 1994,p. 63.50Op. cit., p. 18.51 Op. cit., p. 22.52 WEBER, Max. Economia e Sociedade, Vol. 1, 3. edio, Traduo Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa,Braslia: Editora UNB, 1994, p. 20.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    35/116

    iii) tradicional: o comportamento originado em costume inveterado53 (ex. a massa de

    todas as atividades familiares);

    iv) afetiva: o comportamento emocional, decorrente de paixes e sentimentos atuais 54. O

    comportamento ocorre como um esforo consciente para aliviar um sentimento.

    A ao racional orientada pelo fim, embasa aquilo que Weber considera como

    a ao econmica, que aquela que guarda sintonia com o racionalismo econmico: uma

    ao deve chamar-se economicamente orientada na medida em que seu sentido subjetivoesta orientado pelo desejo de obter certas utilidades55, utilidades estas que so entendidas

    como probabilidade (reais ou supostas) concretas e particulares de aplicabilidade presente ou

    futura, consideradas como tais por um ou vrios agentes econmicos56.

    Weber, portanto, reconhece que o racionalismo um fato no apenas

    econmico, mas sim sociolgico, j que, por conta de seus estudos, se pode perceber que a

    conduta social orienta-se por este critrio.

    Ao se reconhecer a vertente sociolgica do racionalismo, e mais do que isso,

    ao se reconhecer a prpria ao econmica dos grupos sociais, possvel se concluir que esta

    conduta no exclusiva dos agentes econmicos, entendido este termo em seu sentido estrito,

    ou seja, daqueles agentes que participam diretamente do ciclo econmico que engloba a

    produo, circulao, consumo e repartio, mas sim do grupo social que pauta sua ao por

    critrios utilitaristas.

    Evidentemente no exclusiva dos agentes econmicos acima mencionados a

    ao orientada pelo fim, ou seno a ao econmica, mas sim de todos membros que compe

    sociedades utilitaristas.

    53 Op. cit., p. 22.54Op. cit., p. 22.55 Op. Cit. p. 46.56 Op. Cit. p. 41.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    36/116

    A Anlise Econmica do Direito se destina a estes grupos sociais, eis que estes

    respondem s normas balizadas nestes critrios utilitaristas.

    2.3. PRECEDENTE ECONMICO: LIBERALISMO DE ADAM SMITH

    O Precedente Econmico da Anlise Econmica do Direito encontra-se em

    Adam Smith, que j em 1776, publicou sua mais relevante obra: A Riqueza das Naes.

    Sua obra, considerada, juntamente com as de Karl Marx e John Maynard

    Keynes, uma das mais importantes da Cincia Econmica, j retratava o racionalismo do

    homo economicus.

    Adam Smith estrutura sua doutrina sobre trs pilares57:

    i) O impulso psicolgico primordial do homem, como ser econmico, o af de lucro;

    ii) H a existncia de uma ordem natural no universo, por meio da qual os empenhos

    individuais se conjugam para conseguir o bem comum;

    iii) O melhor programa deixar que o processo econmico d-se por sua conta.

    Por certo se todos querem o lucro individual, conforme presume Adam Smith,

    bvio que isto implicar num problema social, residente em como uma sociedade evitaria

    que indivduos movidos pelo prprio interesse, em busca de seus lucros, acabem atacando

    seus concidados?

    Para Adam Smith, esta sociedade que tem motivaes no-sociais, como a

    melhoria prpria, pode ser socialmente funcional em virtude de mecanismo centrados no

    sistema concorrencial. Para este economista:

    57 LALAGUNA, Paloma Durn Y. Una aproximacin al Anlisis Econmico Del Derecho. Granada(Espanha): Editorial Comares, 1992, p. 24.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    37/116

    cada pessoa em busca de melhorar a si mesma, sem pensar nos demais, depara-secom uma legio de outras pessoas com motivaes semelhantes. Como resultado

    cada agente do mercado, ao comprar e vender, forado a equiparar seus preos aosoferecidos pela concorrncia58.

    Robert Helbroner e Lester Thurow lembram que para Smith, alm desta

    funo, o mercado concorrencial tambm teria outra relevantssima, que a conduo da

    produo dos bens que a sociedade quer, nas quantidades que ela quer, sem que ningum

    jamais emita qualquer ordem a respeito59, visto que as presses do mercado consumidor

    que dirigem, como se existisse uma Mo Invisvel, as atividades egostas dos indivduos, o

    que os levaria por caminhos socialmente responsveis.

    Em sntese, a idia do laissez-faire, defendida por Smith, seria socialmente til

    porque: i) a concorrncia transformaria o comportamento de auto-interesse; ii) a Mo

    Invisvel garantiria que a sociedade se mantivesse nos trilhos, posto que os detentores dos

    meios de produo apenas produziriam exclusivamente aqueles bens e servios que a

    sociedade necessita.

    D-se, todavia, que no Sc. XX, com estudo da Teoria dos Jogos, mais

    precisamente sobre o Dilema do Prisioneiro, se desmantelou a concluso que defendia Adam

    Smith, mormente porque se sabe que a busca do melhor por parte de cada concorrente produz

    um resultado no timo do ponto de vista do conjunto dos concorrentes.

    O dilema do prisioneiro a situao em que dois comparsas, A e B, so pegos

    cometendo um crime. Levados delegacia e colocados em celas separadas, o delegado lhesdiz que a polcia possui evidncia suficiente para mant-los presos por um ano, mas no o

    bastante para uma condenao mais pesada. Porm, se um confessar e concordar em depor

    contra seu cmplice, ficar livre por ter colaborado, e o outro ir para a cadeia por 3 anos. J

    se ambos confessarem o crime, cada um sofrer uma pena de dois anos.

    58 HEILBRONER, Robert e THUROW, Lester.Entenda a Economia: Tudo o que voc precisa saber sobrecomo funciona e para onde vai a economia. Traduo Toms Rosa Bueno. Rio de Janeiro: Editora Campus,2001, p. 31.59 Op. cit. p. 31.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    38/116

    As decises so simultneas e um no sabe nada sobre a deciso do outro. O

    dilema do prisioneiro mostra que, em cada deciso, o prisioneiro pode satisfazer o seu prprio

    interesse (trair) ou atender ao interesse do grupo (cooperar). Aqui esto as possibilidadesorganizadas em ordem:

    B coopera B trai

    A coopera1 ano para A

    1 ano para B

    3 anos para A

    B fica livre

    A traiA fica livre

    3 anos para B

    2 anos para A

    2 anos para B

    Para qualquer um dos prisioneiros, o melhor resultado possvel trair e seu

    parceiro ficar calado. E at mesmo se seu parceiro trair, o prisioneiro ainda lucra por no

    cooperar tambm, j que ficando em silncio pegar trs anos de cadeia, enquanto que,

    confessando, s pegar dois. Em outras palavras, seja qual for a opo do parceiro, o

    prisioneiro se sai melhor traindo.

    O nico problema que ambos chegaro a essa concluso: a escolha racional

    trair. Essa lgica vai, desta forma, proporcionar a ambos dois anos de cadeia. Se os dois

    cooperassem, haveria um ganho maior para todos, mas a otimizao dos resultados no o

    que acontece60.

    Todavia, o que vale frisar, que Adam Smith, para desenvolver sua teoria, tem

    por ponto de partida o racionalismo econmico, que tambm o ponto de partida da AnliseEconmica do Direito.

    Com estas breves noes a respeito do racionalismo econmico se pode

    aprofundar no estudo da Anlise Econmica do Direito, o que ser levado cabo no prximo

    captulo.

    60 (http://www.mat.puc-rio.br/~inicient/3_jogos/dilema.htm, acesso em 04.09.2006)

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    39/116

    As matrias tratadas neste Captulo e no anterior so relevantes Anlise

    Econmica do Direito, visto que ela utiliza-se de ambos. No se pode pretender uma

    investigao deste assunto sem se ter de modo claro um conhecimento, ainda que sucinto,sobre a Cincia do Direito e o Racionalismo Econmico.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    40/116

    3. ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    Cada qual dos dois maiores tericos do Direito do Sc. XX, Hart e Kelsen,

    apresentam posies a respeito dos motivos pelo qual as pessoas cumprem regras jurdicas, ou

    melhor, porque razo o direito ordena a conduta humana.

    Kelsen61 credita esta ordenao da conduta humana, ao fato de o Direito ser

    uma ordem coativa, ou seja, as pessoas obedeceriam a norma por receio da sano nela

    inserida, ou seno, no caso das sanes premias, para alcanar a conseqncia deladecorrente.

    Hebert L. A. Hart, a seu turno, sustenta que a maior parte das ordens mais

    frequentemente obedecida do que desobedecida pela maior parte dos afetados, por um hbito

    geral de obedincia62.

    O antagonismo destas posies exige que tomemos posio a respeito de qual

    delas teria pertinncia Anlise Econmica do Direito. evidencia, aceitar que o homem tem

    um comportamento jurdico, to somente por conta do hbito de obedincia, conforme

    defendido por Hart, no reflete os pressupostos racionalistas tratados no captulo anterior, o

    que, implica, por conseguinte, que seqncia de nossa investigao, aquiesamos a linha

    argumentativa sustenta por Kelsen.

    O Homem teria este habito de obedincia apenas at o ponto em que a norma

    no destoasse de seu interesse prprio. A partir do momento que a norma passasse a conflitar

    com seu interesse, ele, o Homem, analisaria o custo de desobedecer esta norma, e apenas

    assim no agiria se o risco desta sano no compensasse o eventual benefcio oriundo de

    uma ao (ou omissa) no condizente com a norma.

    61KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. J. B Machado. 6 ed. So Paulo: Editora Martins Fontes, 2003,p. 186.62 HART, Hebert L. A. O Conceito de Direito. Traduo A. Ribeiro Mendes, 2. Edio, Lisboa: EditoraFundao Calouste Gulbenkian, 1994, p. 27.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    41/116

    Estabelecendo-se, portanto, a premissa de que o cumprimento de normas

    jurdicas corolrio de medida racional, prossegue-se neste trabalho indicado o conceito de

    Anlise Econmica do Direito.

    3.1. CONCEITO DE ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    Aps a exposio das vises dogmtica e zettica da cincia do Direito, bem

    como do que vem a ser o racionalismo econmico, podemos aprofundar nossos estudos a fimde se indicar o que vem a ser a Anlise Econmica do Direito, que, para alguns, tida como o

    progresso mais importante no campo do direito nos ltimos 50 anos63.

    Podemos suscitar uma primeira aproximao a respeito do que seja a Anlise

    Econmica do Direito via Direito Econmico, posto que enquanto o Direito Econmico tem

    por objeto o regramento das aes econmicas pelo Direito, a Anlise Econmica do Direito,

    ao revs, trata da compreenso das normas jurdicas utilizando-se de regras econmicas.

    Em termos prximos a este Letcio Jansen sustenta que:

    ... assim como o Direito Econmico trata da interveno do Estado no domnioeconmico (versando, de um modo geral, sobre normas de organizao), a AnliseEconmica do Direito, voltada prioritariamente, para o exame das normas deconduta, dedicar-se-ia ao estudo da interveno da Economia no Estado64.

    Guiomar T. Estrella Faria, em uma das pioneiras obras nacionais a respeito daAnlise Econmica do Direito, aps questionar se a Anlise, para ela Interpretao,

    Econmica do Direito significaria a tentativa de compreender o universo jurdico partindo de

    pressupostos econmicos, ou melhor, sob o enfoque, o ngulo de viso do econmica65,

    63 ROEMER, Andrs. Introduccin al anlisis econmico del derecho. Traduo Jos Luis Prez Hernndez.3 Reimpresso, Cidade do Mxico: Editoras Instituto Tecnolgico Autnomo de Mxico, Sociedad Mexicana deGeografia y Estadstica y Fondo de Cultura Econmica, 2001, p. 3.64 JANSEN, Letcio. Introducao Economia Jurdica, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003, p.3-4.65 FARIA, Guiomar T. Estrella Faria. Interpretao Econmica do Direito. Porto Alegre: Editora Livraria doAdvogado, 1994, p. 13.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    42/116

    conclui que este movimento filosfico refere-se a aplicao do raciocnio econmico

    problemtica jurdica66.

    Jos Ramn Cosso Daz, por sua vez explica que a anlise econmica do

    direito no constitui uma anlise do tipo normativa, mas sim um mtodo para analisar aquelas

    condutas humanas que se encontrem relacionadas, de algum modo, com o direito67.

    Robet Cooter e Thomas Ulen, para explicar o que vem a ser a Anlise

    Econmica do Direito, consignam que Generalizando, podemos dizer que a economia

    oferece uma teoria do comportamento para prever como respondero os indivduos ante asdisposies legais68.

    A Anlise Econmica do Direito, que em ingls conhecida por Law and

    Economics, e em espanhol Derecho y Economia ou Anlisis Econmico del Derecho, ,

    portanto, o movimento filosfico que visa analisar, com base no racionalismo econmico, o

    comportamento humano decorrente de uma norma jurdica (seja ela geral e abstrata, seja

    individual e concreta).

    A Anlise Econmica do Direito procura dar resposta a duas perguntas69:

    Como se v afetado o comportamento dos indivduos e das instituies pelas normas legais? e

    Em termos de medidas de bem-estar social definidas de forma rigorosa, quais so as melhores

    normas e como se podem comparar diferentes normas legais?

    Um exemplo pode ilustrar o que vem a ser a Anlise Econmica do Direito: O

    novo Cdigo Civil Brasileiro, em seu Art.1336, 1, estabelece que no caso deinadimplemento da taxa de condomnio, se poder cobrar to somente uma multa de 2% (dois

    por cento) sobre o valor devido.

    66 Op. cit. p. 14.67 DIAZ, Jos Ramn Cossio. Derecho y Anlisis Econmico. Mxico: Edio conjunta do InstitutoTecnolgico Autnomo do Mxico e Fondo de Cultura Econmica, 2002, p. 228.68 COOTER, Robert y ULEN, Thomas. Derecho y Economa. Traduo Eduardo L. Surez. 1 Reimpresso,Cidade do Mxico: Editora Fondo de Cultura Econmica., 1999, p 14.69 GAROUPA, Nuno. Faculdade de Direito Anlise Econmica do Direito. sitehttp://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/NG_MA_430_aedfdhandout.html , acesso em 04 dez 2006.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    43/116

    A dogmtica tradicional (via Teorias da Interpretao) ao analisar este texto de

    Lei buscar responder as seguintes questes: 1) O que a taxa de condomnio? 2) O que

    inadimplemento? 3) O que multa? 4) Qual o valor mximo da multa? 5) Qual aconseqncia ao Condomnio que cobrar de seus condminos inadimplentes uma multa

    superior a 2%?

    J a Anlise Econmica do Direito estaria satisfeita em responder as seguintes

    questes: 1) Qual a inteno da Lei ao prever uma multa de 2% (dois por cento) em caso de

    inadimplemento de uma taxa de condomnio? 2) Esta taxa, neste percentual, induzir a

    adimplncia ou inadimplncia da taxa de Condomnio? 3) Est lei est sendo eficiente para ofim a que se destina?

    A Anlise Econmica do Direito responderia a estas questes da seguinte

    maneira:

    1) A Lei, ao prever uma multa de 2% (dois por cento) pretende fortalecer a

    estrutura condominial, favorecendo o adimplemento de taxas por aqueles condminos

    inadimplentes;

    2) Esta taxa induzir, no mnimo, a que as pessoas tenham menos cautelas

    quanto ao pagamento deste condomnio (entre o pagamento desta taxa e de outro dbito cuja

    sano mais grave preferiro o pagamento deste ltimo);

    3) Esta Lei no eficiente ao prever uma multa to baixa porque o risco de

    inadimplncia, seno esta mesma, vai ser to grande que redundar no enfraquecimento da

    estrutura condominial, posto que quanto menos pessoas quitarem a taxa de condomnio,

    menores sero os benefcios que este poder implementar (ou maior os valores devidos pelos

    condminos bons pagadores, o que por certo, lhes induzir ao abandono deste regime de

    propriedade).

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    44/116

    A Anlise Econmica do Direito, v-se pelo exemplo supra, est preocupada

    no necessariamente com aquilo que pode ser descrito, em determinada regra, mas sim com

    aquilo que acontecer, em razo desta regra.

    Nem se imagine, pelo exemplo acima apontado, que Anlise Econmica do

    Direito, o Art.1336, 1 do Cdigo Civil que prev uma multa de 2% (dois por cento)

    ineficiente porque favorece o devedor. Muito pelo contrrio, e um outro exemplo pode-se

    elucidar esta questo.

    Suponha que o Art.1336, 1 do Cdigo Civil passe a ter a seguinte redao:A multa pelo no pagamento da taxa de condomnio ser de 100% (cem por cento) desta.

    O AED, respondendo as mesmas questes acima apontadas chegar s

    seguintes concluses.

    1) A Lei, ao prever uma multa de 100% (cem por cento) pretende fortalecer a

    estrutura condominial;

    2) Esta taxa induzir, no mnimo, a que as pessoas afastem-se de estruturas

    condominiais, eis que estas (em razo desta multa to alta) teriam custos altssimos em razo

    de um eventual inadimplemento, cujo risco no compensa os benefcios que o condomnio

    pode oferecer;

    3) Esta Lei no eficiente ao prever uma multa to alta porque o risco de

    inadimplncia afasta as pessoas desta estrutura, redundando, mais uma vez, no

    enfraquecimento da estrutura condominial, posto que quanto menos pessoas o quitarem,

    menores sero os benefcios que este poder implementar (ou maior os valores devidos pelos

    condminos remanescentes).

    Nota-se, que de comum h entre estes dois exemplos que em ambos se busca

    analisar a conduta social decorrente do regramento, e mais do que isto, partindo-se, para tanto,

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    45/116

    da premissa (inerente AED), de que esta conduta social vinculada racionalidade

    econmica.

    Do exemplo acima mencionado, se pode notar que a Anlise Econmica do

    Direito, no est restrita aos ramos jurdicos que tenham estrita pertinncia ao ciclo

    econmico (produo, circulao, consumo e repartio), podendo, ao revs, sua aplicao

    dispersar-se a todos os ramos do direito, eis que em todos estes se visa regular a conduta

    humana.

    Steven Shavell, professor de Anlise Econmica do Direito na Universidade deHarvard, ao tratar de tema pertinente a O Direito Penal e o Uso timo de Sanes no

    Monetrias como Medida de Despersuao, indica que:

    uma das partes cometera ou no um ato, na realidade __ muito embora seja ou nosocialmente desejvel que o faa __, dependendo de sua percepo da possibilidadede sofrer uma sano monetria ou no monetria. Uma das partes cometer um atose, e somente se, a sano esperada for menor que o benefcio que ele possa obter.Se decidir no cometer um ato, se dir que foi dissuadido70.

    Em Responsabilidade Civil, tambm se v uma enormidade de tema que

    podem ser informados pela Anlise Econmica do Direito. Como, por exemplo, ao se

    estabelecer critrios de quantificao da indenizao por Danos Morais, dando a esta, na

    expresso de Caio Mrio da Silva Pereira71, a par de um carter compensatrio e punitivo, um

    carter intimidativo, j que este carter que poder desestimular aes ofensivas honra das

    pessoas.

    Ainda para se investigar a Anlise Econmica da Responsabilidade Civil, o

    economista Hal R. Varian, professor da Universidade da Califrnia apresenta valioso

    esclarecimento a respeito da Anlise Econmica da Responsabilidade Civil. Explica este autor

    que as regras de responsabilidade civil impe certos custos ao atropelador em caso de

    70 SHAVELL, Steven; ROEMER, Andrs (compilador). El Derecho Penal Y El Uso ptimo de Sanciones NoMonetarias como Medida de Disuasin, in Direito Y Economa: Una Revisin de la Literatura, Cidade doMxico: Editoras Centro de Estudos de Governabilidad Y Polticas Pblicas, Instituto Tecnolgico Autnomo de

    Mxico y Fondo de Cultura Econmica, 2000, p 439.71 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol III, 3. Ed, Rio deJaneiro: Editora Forense, 1994, p. 207.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    46/116

    acidente, e o modo como esses custos so impostos influenciar o nvel de cuidado do

    atropelador72. Assim, este atropelador, teria comportamentos distintos, de acordo com o tipo

    de responsabilizao que lhe seria atribudo.

    Vejamos:

    i) Nenhuma Responsabilidade: o atropelador querer apenas minimizar seus prprios custos,

    sem se preocupar com os danos causados vtima, j que ele sempre escolher o nvel mais

    baixo de cuidado, posto que isto o que exclusivamente representa seus custos, o que no

    socialmente eficiente;

    ii) Responsabilidade Objetiva: Nesta hiptese, j que o atropelador responder,

    independentemente de culpa, pelos prejuzos decorrentes do acidente, ele escolher um nvel

    de cuidado cujo custo compense o no envolvimento no sinistro, nvel este que podemos

    considerar como socialmente eficiente;

    iii) Responsabilidade Subjetiva: Ao ser responsabilizado o atropelador, to-somente quando

    agir culposamente, este escolher uma conduta cujo custo de sua ao no-culposa, seja

    inferior ao custo risco de arcar com o acidente, sendo esta, conduta, assim, socialmente

    eficiente.

    A Anlise Econmica do Direito, portanto, traz, ao mundo jurdico, critrios

    para a identificao e conseqente previso, de qual conduta ser tomada pelo destinatrio da

    norma, considerando-o, por conseguinte, como uma pessoa de carne e osso, j que suas aes

    so racionalmente econmicas.

    Ao se aceitar a Anlise Econmica para o Direito Brasileiro, pode-se, no

    mnimo, olhar para o fenmeno jurdico com outros olhos. A averiguao puramente

    dogmtica de temas jurdicos mostra-se superficial. Estudar qualquer ramo jurdico no Brasil,

    sem se atentar que o comportamento do destinatrio desta norma ser balizado, por exemplo,

    72 VARIAN, Hal. R. Microeconomia: Princpios Bsicos. traduo Ricardo Inojosa. 4 edio americana, Riode Janeiro: Editora Campus, 1999, p.627.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    47/116

    pela vantagem que este possui em razo da morosidade de nosso Poder Judicirio, assunto

    prprio a este novel movimento filosfico.

    A Anlise Econmica do Direito questiona se a sano (pena) apontada na

    norma , efetivamente, uma penalidade. Se o custo que o infrator arcara pelo descumprimento

    de uma regra, , factualmente, um prejuzo.

    3.2. HISTRICO

    A Anlise Econmica do Direito tem sua origem no Realismo Jurdico dos

    Estados Unidos da Amrica. Realismo Jurdico este que se caracterizava pela compreenso do

    Direito a partir das decises judiciais. Por conta deste realismo:

    O juiz tem postura mais ativa. Ele no revela nem descobre a lei; ele a cria. Orealismo jurdico marcado por intenso ceticismo. Duvida-se das possibilidades de

    decises jurdicas produzidas de acordo com regras especficas, pois a realidadeseria muito complexa e fluida para ser governada por normas de direito73.

    O movimento da Anlise Econmica do Direito, portanto, decorre da

    insatisfao com estudos puramente dogmticos que se fazia do fenmeno jurdico.

    Aps a dcada de 1950, nos Estados Unidos da Amrica, surgem os primeiros

    estudos a respeito da Anlise Econmica do Direito. Apresentemos os quatro autores que

    historicamente mais se destacaram na aplicao do racionalismo econmico, ao tratamento dequestes jurdicas:

    3.2.1. Gary Becker

    73 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direto nos Estados Unidos. So Paulo: Editora Manole, 2004, p. 230.

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    48/116

    O Economista da Universidade de Chicago, Gary Becker, em 1955, com sua

    tese de Doutorado denominada The Economics of Discrimination (publicada apenas em

    1957), foi o primeiro autor a fazer uma Anlise Econmica do Direito.

    Os trabalhos deste autor, que lhe renderam, em 1992, o prmio Nobel de

    Economia, justamente por ter estendido o domnio da anlise microeconmica para uma

    escala de comportamento humano e interaes, incluindo comportamento extra-mercado.

    Suas principais teses referem-se a: Teoria da Discriminao; Conduta Humana e Interpretao

    Econmica da Pena.

    Por conta da Teoria da Discriminao, se constata que o estudo da

    discriminao inicia a anlise da posio econmica das minorias, dedicando uma grande

    parte dele para o mbito laboral e de um modo muito explcito para a relao entre negros e

    brancos74.

    De modo absolutamente sinttico, a idia de Gary Becker gira em torno da

    racionalidade econmica decorrente de discriminaes salariais por parte do empregador, que,

    por exemplo, quitaria maiores salrios a branco do que a negros, ou a homens em detrimento

    de mulheres.

    Para uma melhor compreenso, de se recordar que o comportamento

    discriminatrio est inversamente relacionado aos lucros das firmas uma vez que ao agir dessa

    maneira, demonstra que o empregador est disposto a pagar, seja direta ou indiretamente, na

    forma de uma reduo nos lucros, por estar associado a algum grupo ao invs de outro.

    Num mercado competitivo, essa situao no deveria persistir porque as firmas

    que no discriminam teriam vantagens ao contratar os trabalhadores discriminados,

    oferecendo-lhes menores salrios se comparados aos pagos pelas firmas discriminatrias.

    Assim, trata-se de uma situao que no deveria perdurar por muito tempo75.

    74 LALAGUNA, Paloma Durn Y. Una aproximacin al Anlisis Econmico Del Derecho. Granada(Espanha): Editorial Comares, 1992, p. 91.75 JACINTO, Paulo de Andrade. Diferenciais de salrios por gnero na indstria avcola da regio Sul doBrasil: uma anlise com micro dados. Revista de Economia e Sociologia Rural, vol 43, Braslia, 2005, p. 3

  • 8/4/2019 PARADIGMAS DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO

    49/116

    Para Becker, esta discriminao no teria fundamento racional algum, no

    entanto, mesmo assim, e nisto que precisamente repouso o ineditismo de sua teoria, se

    constatou a necessidade de uma aproximao quantitativa de variveis que no sonecessariamente pecunirias, iniciando o estudo por uma perspectiva econmica, de questes

    que at ento no haviam sido consideradas com tal.

    Passou-se a estudar, pela economia, uma questo sociolgica pertinente a

    motivao da discriminao, que, para Becker, repousa exclusivamente no gosto/prazer que

    este empregador teria pela discriminao.

    Tambm fez parte, dos estudos do Gary Becker, a Teoria da Conduta Humana.

    O que foi levada a cabo no seu livro The Economic Approach to Human Behavior (1976).

    Nesta obra, se parte da premissa de que o homo economicus uma constatao que inadmite

    retificaes.

    Portanto, seria a preferncia pessoal quem definiria os diferentes aspectos da

    vida humana, sendo, por conta disso, possvel estudar ou inclusive predizer as respostas

    humanas aos diferentes estmulos76.

    Conclui, a partir disso, Becker, que os trs elementos que constituem a

    economia podem aplicar-se a toda a conduta humana. Seriam estes elementos: i) o

    comportamento maximizador do bem-estar pessoal; ii) o equilbrio do mercado; iii) as

    preferncias estveis.

    Deste livro de Becker surgem afirmaes como a de que:

    a abordagem econmica uma abordagem global, aplicvel a todo ocomportamento humano, envolva ele preos de mercado ou preos sombraimputados, decises repetidas ou pouco freqentes, decises maiores ou menores,fins emocionais ou mecnicos, pessoas ricas ou pobres, homens ou mulhe