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Paradigmas em criminologia e relações raciais 500 Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 500-526, 2016. PARADIGMAS EM CRIMINOLOGIA E RELAÇÕES RACIAIS PARADIGMS IN CRIMINOLOGY AND RACE RELATIONS Resumo O texto trata, num primeiro momento, das mudanças do paradigma na Criminologia e da relação entre Criminologia e racismo para propor a existência de três grandes momentos relativos ao debate acerca da questão criminal e das relações raciais: primeiro, a emergência do paradigma etiológico e sua relação com as teorias raciais; segundo, o surgimento do paradigma da reação social e sua compatibilidade com as teorias críticas ao racismo; terceiro, a compreensão sobre a seletividade do sistema penal e o cinismo político da sociedade em relação aos seus efeitos. Depois,aprofundando a relação já explorada entre Paradigmas na Criminologia e Paradigmas em Relações Raciais, o texto pretende entender como diferentes paradigmas em Criminologia podem ser pensados a partir do uso do conceito de raça e da construção de perspectivas críticas do racismo. Nesse contexto, o presente texto explora, sobretudo, o nascimento da Criminologia como ciência na década de 1870 com a Escola Positiva Italiana. Descreve-se, portanto, o modo como essa ciência defendeu a existência de uma criminalidade diferencial dos negros e indígenas que era explicada/justificada com o argumento da inferioridade racial. No mesmo passo, busca-se destacar quais eram as tensões ideológicas e políticas que marcaram as mudanças internas nesse modelo e quais estratégias elas propõem em relação às dimensões de poder inerentes aos discursos penais. Palavras-chave. Criminologia. Racismo. Escola Positiva. Criminologia Crítica. Seletividade. Evandro Piza Duarte Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).Professor de Direito Processual Penal e Criminologia na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO Nas últimas três décadas, a construção de dados sobre o quesito raça/cor foi determinante para os estudos sobre os padrões de relações raciais no Brasil e na construção de soluções para as desigualdades raciais, no plano das políticas públicas e do sistema jurídico (DUARTE, 2011). Interpretações, a partir da história e de análises sociológicas, influenciaram soluções jurídicas em nossa Corte Constitucional (DUARTE; SCOTTI, 2013).Não obstante, ainda são raros os estudos das dinâmicas entre sistemas de justiça e relações raciais (DUARTE; SCOTTI, 2013). A coleta e a análise de dados no âmbito do sistema de justiça criminal distribuídos por raça/cor (OSÓRIO, 2004; PETRUCCELI, 2007) sugerem a apresentação de como a

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Paradigmas em criminologia e relações raciais

500 Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 500-526, 2016.

PARADIGMAS EM CRIMINOLOGIA E RELAÇÕES RACIAIS PARADIGMS IN CRIMINOLOGY AND RACE RELATIONS

Resumo

O texto trata, num primeiro momento, das mudanças do paradigma na Criminologia e da relação entre Criminologia e racismo para propor a existência de três grandes momentos relativos ao debate acerca da questão criminal e das relações raciais: primeiro, a emergência do paradigma etiológico e sua relação com as teorias raciais; segundo, o surgimento do paradigma da reação social e sua compatibilidade com as teorias críticas ao racismo; terceiro, a compreensão sobre a seletividade do sistema penal e o cinismo político da sociedade em relação aos seus efeitos. Depois,aprofundando a relação já explorada entre Paradigmas na Criminologia e Paradigmas em Relações Raciais, o texto pretende entender como diferentes paradigmas em Criminologia podem ser pensados a partir do uso do conceito de raça e da construção de perspectivas críticas do racismo. Nesse contexto, o presente texto explora, sobretudo, o nascimento da Criminologia como ciência na

década de 1870 com a Escola Positiva Italiana. Descreve-se, portanto, o modo como essa ciência defendeu a existência de uma criminalidade diferencial dos negros e indígenas que era explicada/justificada com o argumento da inferioridade racial. No mesmo passo, busca-se destacar quais eram as tensões ideológicas e políticas que marcaram as mudanças internas nesse modelo e quais estratégias elas propõem em relação às dimensões de poder inerentes aos discursos penais. Palavras-chave. Criminologia. Racismo. Escola Positiva. Criminologia Crítica. Seletividade.

Evandro Piza Duarte Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).Professor de Direito Processual Penal e Criminologia na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Nas últimas três décadas, a construção de dados sobre o quesito raça/cor foi

determinante para os estudos sobre os padrões de relações raciais no Brasil e na construção de

soluções para as desigualdades raciais, no plano das políticas públicas e do sistema jurídico

(DUARTE, 2011). Interpretações, a partir da história e de análises sociológicas, influenciaram

soluções jurídicas em nossa Corte Constitucional (DUARTE; SCOTTI, 2013).Não obstante,

ainda são raros os estudos das dinâmicas entre sistemas de justiça e relações raciais

(DUARTE; SCOTTI, 2013).

A coleta e a análise de dados no âmbito do sistema de justiça criminal distribuídos

por raça/cor (OSÓRIO, 2004; PETRUCCELI, 2007) sugerem a apresentação de como a

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literatura no campo da Criminologia (Sociologia Criminal)1 construiu uma “gramática” capaz

de apresentar os pontos centrais dessa questão.

Inicialmente, revisitamos os debates propostos, de um lado, por Andrade (1996,

2003), Baratta (1999) e Cohen (1988) sobre as mudanças em paradigma em Criminologia -

segundoo qual, no âmbito dessa ciência, teria havido uma passagem do paradigma etiológico

(centrado na busca das causas da criminalidade a partir da análise dos encarcerados) para o

paradigma da reação social (centrado nos processos de criminalização primária e secundária,

bem como na compreensão do poder de definição de quem são os considerados criminosos), o

que, em resumo, significou a mudança de preocupação com os controlados (selecionados

como criminosos) para os controladores (integrantes do sistema penal) – e, de outro por

Greene&Gabbidon (2012) e Duarte (2002) sobre a relação entre Criminologia e Racismo - no

qual se apresentam os vínculos entre raça e explicações sobre a criminalidade, ou ainda, entre

racismo e explicações sobre a discriminação na teoria criminológica e na atuação do sistema

penal.

A partir desses dois debates, destacamos a existência de três grandes momentos no

que se refere ao tema da questão criminal em suas implicações com as relações raciais:

inicialmente, a emergência do paradigma etiológico que propôs o vinculo entre criminalidade

e raça, ou seja, apresentamos o modo como as teorias da raça estão vinculadas ao nascimento

das explicações sobre a origem cientifica da criminalidade; depois, a construção do paradigma

da reação social e sua compatibilidade com as teorias críticas ao racismo, ou seja,

demonstramos como as críticas dirigidas ao controle social, sobretudo a partir dos anos de

1960, são compatíveis com perspectivas críticas ao racismo; e, por fim, abordamos o

momento paradoxal de aumento da compreensão sobre a seletividade do sistema penal e, ao

mesmo tempo, de cinismo político social em relação aos efeitos danosos do uso da

maquinaria penal como uma forma de gestão dos conflitos sociais.

A tentativa de explicitar a relação entre paradigmas em criminologia e paradigmas

sobre a questão racial impõe a necessidade de manter, de modo transversal, as seguintes

1 Conforme afirma Baratta (1999, p. 23): “O objeto da sociologia jurídico-penal corresponde às três categorias de comportamentos objeto da sociologia jurídica em geral. A sociologia jurídico-penal estudará, pois, em primeiro lugar, as ações e os comportamentos normativos que consistem na formação e na aplicação de um sistema penal dado; em segundo lugar, estudará os efeitos do sistema entendido como aspecto ‘institucional’ da reação ao comportamento desviante e do correspondente controle social.A terceira categoria de ações e comportamentos abrangidos pela sociologia jurídico-penal compreenderá, ao contrário (a) as reações não-institucionais ao comportamento desviante, entendidas como um aspecto integrante do controle social do desvio, em concorrência com as reações institucionais estudadas nos dois primeiros aspectos e (b) em nível de abstração mais elevado, as conexões entre um sistema penal dado e a correspondente estrutura econômico social.”.

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perguntas: a) Pode-se falar, efetivamente, em uma revolução de paradigmas sobre a questão

racial? b) Há distinções entre teorias sobre as raças e teorias sobre o racismo? c) A

Criminologia foi influenciada pelas teorias raciais? De que modo na Criminologia se

estabeleceram as relações entre criminalidade e raça?

Nesse contexto, iniciamos esse debate propondo exploraro nascimento da

Criminologia como ciência (paradigma etiológico), na década de 1870 com a Escola Positiva

Italiana. Descrevemos o modo como criminólogos positivistas defenderam a existência de

uma criminalidade diferencial dos negros e indígenas que era explicada/justificada com o

argumento da inferioridade racial, isto é, de acordo com tal argumentação, eles seriam mais

criminosos porque mais inferiores que outros grupos raciais. No mesmo passo, buscamos

destacar quais as tensões ideológicas e políticas que marcaram as mudanças internas nesse

modelo e quais estratégias elas propõem em relação às dimensões de poder inerentes aos

discursos penais.

UMA HIPÓTESE INICIAL: A COMPATIBILIDADE ENTRE AS MUDANÇAS DE PARADIGMAS NA CRIMINOLOGIA E AS MUDANÇAS DE PARADIGMAS SOBRE A QUESTÃO RACIAL

O debate anteriormente proposto por Andrade (1996, 2003), Baratta (1999) e Cohen

(1988) sobre as mudanças em paradigma em Criminologia e por Greene& Gabbidon (2012) e

Duarte (2002) sobre a relação entre Criminologia e Racismo sugerem a existência de três

grandes momentos no debate sobre a questão criminal e as relações raciais: A emergência do

paradigma etiológico em seu vínculo com as teorias da raça, a construção do paradigma da

reação social e sua compatibilidade com as teorias críticas ao racismo, e, por fim, o momento

paradoxal de compreensão sobre a seletividade do sistema penal e cinismo político social em

relação aos seus efeitos.

O primeiro momento inicia com o nascimento da Criminologia como ciência

(Paradigma Etiológico), na década de 1870 com a Escola Positiva Italiana, e a consolidação

do uso de “instituições totais” como estratégia central para resolver os problemas definidos

como criminais. (ANDRADE, 1996, 2003; BARATTA, 1999) Nele, como demonstramos ao

tratarmos da recepção da Escola Positiva no Brasil, havia uma estreita vinculação entre teorias

da raça e teorias da criminalidade. Logo, os criminólogos positivistas acreditavam existir uma

criminalidade diferencial dos afrodescendentes e indígenas que era explicada/justificada com

o argumento da inferioridade racial, ou seja, os afrodescendentes e indígenas seriam mais

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criminosos porque mais inferiores que outros grupos raciais. (DUARTE, 2002). Nesse

momento, portanto, as teorias sobre a criminalidades eram um exemplo evidente de racismo

(ARENDT, 1989; BARROS, 2009). Nesse sentido, segundo Mateucci (1993, p.1061):

O termo racismo se entende, não a descrição da diversidade das raças ou dos grupos étnicos humanos, realizada pela antropologia física ou pela biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e, principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente científicos, para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa a justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se consideram inferiores.

De fato, a crítica a esse racismo teórico evidenciou o uso e a construção da diferença

como marcador de poder, demonstrando o “processo de racialização” operado no âmbito da

cultural europeia e das relações coloniais (HALL, 2006). Logo, permitiu identificar a raça

como um problema de sociedades que passaram a hierarquizar sistematicamente as

diferenças. (BANTON, 1991; MUNANGA, 2004; SEGATO, 2005).2

O segundo momento, portanto, ocorre a partir da década de 1960 e tem sido descrito

como uma “revolução de paradigmas científicos” no âmbito da Criminologia (passagem do

paradigma etiológico ao paradigma da reação social) e, de modo mais amplo, como marcado

por um “impulso desestruturador de desconstrução e deslegitimação do sistema penal” e seus

paradigmas, bem como pela crítica do encarceramento como método de abordagem do

conflito social. Caracterizou-se, sobretudo, pela emergência de um período de denúncia da

violência institucional e da desigualdade de tratamento no sistema de justiça criminal, e por

uma estreita vinculação entre teorias críticas do racismo e teorias sobre as funções reais do

sistema penal.

Há, portanto, uma mudança decisiva que conduz à descrença das teorias sobre a raça:

o reconhecimento de que objeto de estudo deve ser o racismo, ao invés da raça, ou seja, de

que o estudo dos comportamentos dos grupos raciais (essencializados em suas identidades)

deve dar lugar ao estudo do sistema de poder que exclui determinados grupos sociais.Neste

contexto, ao contrário do que ocorria anteriormente, o uso da raça pelos agentes públicos para

a identificação de criminosos é denunciado como uma dimensão do racismo, um aspecto da

seletividade desse sistema. Os conceitos de vulnerabilidade e seletividade passam a ser

decisivos nesse contexto. Os afrodescendentes e indígenas não seriam mais criminosos, mas

2Nesse sentido, segundo Guimarães (1999, p. 105) hoje: “Racismo pode, ademais, referir-se não apenas a doutrinas, mas a atitudes (tratar diferencialmente as pessoas de diferentes raças e culturas, ou seja, discriminar) e a preferências (hierarquizar gostos e valores estéticos de acordo com a ideia de raça ou de cultura, de modo a inferiorizar sistematicamente características fenotípicas raciais ou características culturais)”

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seriam mais vulneráveis diante da ação de seletividade dos agentes do sistema de justiça

criminal. (ANDRADE, 1996, 2003; BARATTA, 1999; FOUCAULT, 1991)3

Ao agir no interior dos sistemas de justiça criminal, a seletividade opera de forma

quantitativa e qualitativa, determinado as condutas a serem criminalizadas (aquelas mais

frequentes entre as classes mais vulneráveis) e as pessoas a serem etiquetadas. Nesse último

aspecto, a atuação racista das agências de controle penal tem sido apontada como um

elemento fundamental na criminalização da população negra, especialmente dos jovens

pobres na periferia. (ZAFFARONI, 1991, p. 15; ADORNO, 1995)

O terceiro momento sobre o debate é marcado pela convivência contraditória da

defesa de propostas de desencarceramento, descriminalização e despenalização,

fundamentadas em diversos movimentos de política criminal (abolicionismo, minimalismo,

garantismo etc.) e a bifurcação do sistema de justiça criminal, com o crescimento da

população submetida sob a forma de medidas de coerção que resultam ou não em

encarceramento, e, ao final, pelo aumento da seletividade do sistema penal contra os mesmos

grupos vulneráveis. (ANDRADE, 1996, 2003; COHEN, 1984; 1988). Nesse contexto, o

encarceramento foi acompanhado de perspectivas de melhorias técnicas da administração da

justiça, do discurso sobre “Lei e Ordem” e da difusão da ideia de controle do risco dentro de

um modelo de justiça atuarial (FORMIGA, 2010; MATTOS, 2012; RAMOS, 2005; SILVA,

2009). Malgrado a pouca presença de discursos abertamente racistas, as agências de controle

penal continuam discriminatórias. (DUARTE, 2002; FLAUZINA, 2008; GOMES, 2005).

O PARADIGMA ETIOLÓGICO COMO PROJEÇÃO DAS TEORIAS DA RAÇA NO SÉCULO XIX (TIPO RACIAL E DARWINISMO SOCIAL)

A construção do conceito de raça no âmbito da ciência foi um processo longo.

Banton (1977, p. 29) definiu-o como um “processo de racialização do ocidente e do mundo”,

ou seja, um processo social “pelo qual se desenvolveu um modo de categorização, aplicado

com hesitação nos trabalhos históricos europeus, e depois, mais confiadamente, às populações

do mundo no qual um novo uso da palavra raça fazia dela uma categoria física 3A visão sobre a criminalidade e as perguntas dirigidas ao campo penal se alteram substancialmente. Andrade (2003, p. 207) ilustra essa passagem: “Desta forma, ao invés de indagar, como a Criminologia tradicional, ‘quem é criminoso ?’, ‘por que é que o criminoso comete crime ?’, o labelling passa a indagar ‘quem é definido como desviante ?’ ‘por que determinados indivíduos são definidos como tais ?’, ‘em que condições um indivíduo pode se tornar objeto de uma definição ?’, ‘que efeito decorre desta definição sobre o indivíduo ?’ ‘quem define quem ?’ e, enfim, com base em que leis sociais se distribui e concentra o poder de definição ?”

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negligenciando-se como o termo era anteriormente utilizado”4. No século XVIII, a palavra

“raça” era principalmente usada para a descendência comum de um conjunto de pessoas

(linhagem); as suas características distintivas eram tidas por assentes e usava-se a categoria

“raça” para explicar como a conseguiram. As diferenças entre raças derivariam das

circunstâncias da sua história e, embora se mantivessem através de gerações, não eram fixas.

Entretanto, no século XIX, “raça torna-se um meio de classificar as pessoas por essas

características”, passando a significar “uma qualidade física inerente”.

Essa passagem, transformando o uso da palavra raça, insere-se na construção do

saber classificatório no âmbito das ciências naturais (FOUCAULT, 2007). Carlos Lineu foi o

responsável pela taxonomia de animais e vegetais, mas não chegou a criar o conceito de raça

humana. “A primeira classificação racial” pode ser atribuída a Johann Friedrich Blumenbach

(1752-1840)” (GREENE, 2012, p. 01). Esses primeiros estudos convergiram na construção da

teoria dos tipos permanentes, consolidada no início dos 1800, e que concebeu a humanidade

dividida em “raças”.

A categoria “raça”, construída como pressuposto quase inquestionável na história da

ciência, passou a servir à compreensão da diversidade humana e, principalmente, para

demarcar a “inferioridade das populações não-europeias” (BANTON, 1977, p. 29). Assistia-

se ao nascimento de um paradigma científico, pois a construção da categoria implicava um

conjunto de “problemas” a serem “resolvidos” pelos intelectuais da época (KUHN, 1996; p.

218-220)5: “Como se explicar a razão destas diferenças raciais. Seriam umas raças superiores

a outras? Ou suceder-se-iam as raças na liderança da humanidade? Ou teria cada raça uma

contribuição peculiar a dar à humanidade? Em qualquer caso, tratava-se sempre de descobrir a

natureza da raça.” (BANTON, 1977, p.22). Arthur Gobineau resumiu da seguinte forma o

problema central do paradigma racial: “Há, entre as raças humanas, diferenças de valor

intrínseco, efetivamente importantes, que possam ser apreciadas?”A solução para essa

pergunta recorria à própria ideia de uma desigualdade entre as raças e ao argumento de que os

povos negros e os nativos das Américas seriam inferiores (GOBINEAU, 1967, p. 58).

4 O processo de racialização não pode ser confundido com a gênese do racismo. Na base da articulação dos diversos discursos sobre a raça e na validade social que passam a adquirir estava a experiência da conquista europeia no século XV. O processo de racialização foi mais do que um processo de categorização no plano da alta cultura europeia. Compreendeu um processo social de hierarquização e construção de diferenças nas sociedades modernas. 5 Segundo a definição dada por Thomas Kuhn, paradigmas seriam “as realizações científicas universalmente reconhecidas que durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. Sobre os desenvolvimentos do conceito, cf.: KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996, p. 13 e ss.

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O desenvolvimento desse paradigma, porém, comportou rupturas internas. De fato,

três fases marcam o desenvolvimento das teorias raciais: a) a da tipologia racial; b) do

darwinismo social; c) dos estudos proto-sociológicos. As duas primeiras emergiram de

descobertas no reino biológico e estão associadas à noção negativa em que o termo raça foi

inicialmente empregado e ao surgimento de sua forma derivada, o racismo. Ambas negaram a

cisão entre corpo e alma, assim como apresentaram o antagonismo inter-racial como um fato

implantado na natureza das raças. Por sua vez, a terceira fase, surgida da tentativa dos

investigadores americanos de formularem explicações sociológicas para aquilo que

acreditavam constituir problemas sociais, está associada à desconstrução da ideologia da

desigualdade-inferioridade presente nas teorias antecedentes e foi impulsionada pelos

movimentos de emancipação dos grupos sociais racialmente rotulados como inferiores. Os

estudos sociológicos se desenvolveram em direção a uma virada no âmbito daquele

paradigma, pois passaram a propor o estudo do racismo como processo de exclusão, ao invés

do estudo da raça. (BANTON, 1977, p. 22). Portanto, no interior do debate sobre as raças

humanas presenciamos o surgimento de teorias da raça (teoria dos tipos permanentes e

darwinismo social) e teorias sobre o racismo.

Os estudos proto-sociológicos iniciaram uma viragem dentro do uso da palavra raça.

A partir desse momento ela passa a indicar um grupo de indivíduos que foram submetidos a

relações de poder semelhante, ou melhor, um topos que pode ser utilizado politicamente

apenas pelas vítimas do racismo instaurado a partir do colonialismo e da escravidão. De igual

modo, a palavra racismo, que antes indicava “uma teoria sobre as raças”, passa a servir para

denunciá-la. (DUARTE, 2011).

As teorias sobre o estudo do racismo (como processo de exclusão) representaram

uma verdadeira revolução científica no campo dos estudos sobre relações raciais: deslocaram

sua atenção para o modo como grupos humanos construíram e reforçaram relações de poder a

partir de práticas e discursos sobre a diferença. É a partir, portanto, das teorias sobre o

racismo que se pode compreender a história das teorias raciais como um artefato histórico das

relações de poder, ao invés de ver a história do racismo como a história da dinâmica das

raças.

O nascimento da Criminologia, entretanto, foi contemporâneo ao desenvolvimento

da Teoria dos Tipos e do Darwinismo Social, ou seja, às primeiras teorias da raça. Foram

esses dois grupos de teorias que constituíram os conceitos centrais e as hipóteses explicativas

da Criminologia. As imbricações entre teorias da raça e teorias sobre o criminoso e a

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criminalidade são tão decisivas que se pode sugerir que há apenas uma diferença de

especialização, ao invés de autonomia científica. As teorias sobre a raça e as teorias sobre a

criminalidade vincularam-se, operacionalmente, às novas dimensões do Estado

Moderno/Colonial. Após a era das revoluções, o uso dos aparelhos de Estado Moderno

permitiu que o controle social fosse pensado como uma prática de domínio sobre a vida

(bipoder), enfatizando, conforme o contexto determinados aspectos, no âmbito interno

(criminalidade) e externo (raça) e, no caso dos Estados Coloniais, de modo paradoxal, a

síntese raça/criminalidade para tratar de sua população.

Inicialmente, para ilustrar esse intercâmbio constitutivo do campo de conhecimento

das “ciências criminais” é imprescindível considerar o conceito de tipo, utilizado para

designar o tipo racial e, posteriormente, de tipo criminal.

A noção de tipo racial continha uma contradição fundamental desde seu surgimento.

Apesar de se inscrever na tradição científica do “academicismo do século XIX”, tendente à

elaboração de diversas tipologias classificatórias no reino animal e vegetal, de forma

conveniente, a noção não estava ligada a qualquer nível classificatório peculiar na Zoologia.

Desse modo, tornava-se fácil a referência a físicos característicos de determinadas nações,

tipos de conformação cranianaou dizer que um crânio se aproximava do tipo Negrosem ter de

estabelecer em que consistia exatamente esse tipo. Em geral, os tipologistas usaram o tipo

racial como um sinônimo de espécie, enquanto os zoólogos mais modernos, ao utilizarem o

conceito de raça, aplicavam-no à subespécie. A diferença, neste caso, se funda no

reconhecimento de que há uma origem comum a todos os humanos, não se podendo falar em

espécies humanas (BANTON, 1977, p. 40, 60).

Tal paradoxo “aparente” na elaboração da noção de tipo denunciava os seus futuros

usos, pois permitiu a coincidência e construção de um “senso comum” europeu sobre raça.

Não se tratava apenas de evidenciar diferenças com base no conhecimento científico de uma

época, mas de construir diferenças e de fazê-las coincidir com características das populações

não-europeias que foram oprimidas pelo colonialismo. A problemática já podia ser percebida

à época e somente o apelo ao “senso comum”, pressuposto distante da ciência experimental

nascente, permitiu a sua sobrevivência. O paradoxo “real” da noção de tipo foi a circularidade

de sua argumentação, onde a diferença é o pressuposto do qual se parte e a conclusão que se

pretende afirmar. Em outras palavras, o paradoxo do conceito de raça era inerente a sua

constituição.

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A descoberta da raça somente foi possível com o ocultamento, garantida por um

pacto racista, da sua irracionalidade. De fato, o seu distanciamento das regras classificatórias

da época era conhecido desde o início e nunca foi um mero erro de cientistas marcados por

suas boas intenções para com a compreensão da condição humana. Desde o seu surgimento, a

raça foi um conceito político, servia para justificar relações de poder. 6

A contradição intrínseca do conceito de raça (jamais ter tido correspondência com os

critérios classificatórios da biologia) impede, portanto, que se fale de um desenvolvimento

científico interno de sua estrutura conceitual, lançando uma profunda desconfiança sobre a

utilização de conceitos como o de existência de revoluções científicas no âmbito de um

paradigma científico. As mudanças entre os teóricos refletem mais a sua inserção em

concepções científicas ou filosóficas mais amplas, as idiossincrasias de cada pesquisador e,

sobretudo, as tensões políticas relacionadas aos povos que foram racializados. De modo

direto: quem afirma que as ciências naturais descobriram que a raça não é um conceito válido

para a classificação biológica está mentindo ou é um ignorante sobre a história da ciência.

Não há descoberta naquilo que sempre foi passível de conhecimento. A raça nunca teve valor

pela sua validade científica no plano dos conceitos sobre a natureza, mas, sobretudo, pelas

relações de poder que era capaz de justificar ou dinamizar. A biologia, a genética, ou outro

saber classificatório não pode provar, agora, a igualdade das raças, simplesmente porque ela

não pode provar a existência da raça. A raça existe tão somente no plano das simbolizações

consolidadas e no saber prático de dominação existente na sociedade ocidental nos últimos

cinco séculos. Nem a biologia ou a genética tem algo a dizer sobre isso. Mais útil seria

investigar a história da biologia e da genética e seus vínculos com a supremacia branca

(DUARTE, 2011).

Isso não significa que a constituição de um universo conceitual científico sobre as

“raças humanas” não tenha sido relevante. Ao contrário, ele foi decisivo para a produção de

novos e específicos efeitos políticos. A teoria dos tipos, na sua forma pura, defendia a

existência de um número limitado de tipos permanentes de diferentes origens (hipótese

poligenista) e, em sua posição radical, que os híbridos seriam, ao final, estéreis. Todavia, a

sua frágil posição diante da diversidade das formas humanas fez com que seus expoentes

admitissem algumas possibilidades de mudança. A miscigenação, por exemplo, implicava 6 Não obstante, segundo Michel Banton, a concepção dos tipos raciais tornou-se mais central para o debate sobre a raça do que a tentativa de classificar as pessoas de diversas regiões e, embora contrastasse com o aparelho conceptual elaborado por Darwin, foi, em seguida, reelaborada no seio da perspectiva evolucionista. (BANTON, 1977, p. 40)

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dizer, neste contexto de mediação, que houve, em tempos idos, raças puras e que os

cruzamentos provocavam a degeneração. (BANTON, 1977, p.104). O relacionamento sexual

e a reprodução entre grupos nativos, escravizados e conquistadores era um “fato” bem

conhecido pelos europeus, nativos americanos e africanos desde, no mínimo, o século XIV,

pois, desde então as migrações nunca cessaram. A reprodução forçada já tinha sido

extensamente utilizada como um dispositivo de controle da vida, como na consolidação da

regra de que o filho de uma escrava era, por conseguinte, escravo. As burocracias imperiais

valorizavam, em determinados contextos, alguns desses grupos como forma de hostilizar os

locais ou criar uma burocracia colonial. Gerir e recriar diferenças era estruturante da empresa

colonial. Todavia, no século XIX, o neocolonialismo impunha para novos países imperialistas

a necessidade de convivência direta entre minorias europeias e maiorias subjugadas. Neste

contexto, a necessidade de pensar um novo status aos denominados híbridos tornava-se mais

evidente, eles eram incorporados à teoria, na medida em que também eram incorporados aos

arranjos nas relações de poder entre metrópole e colônias, sobretudo inglesas e francesas.

Num primeiro momento, contudo, o darwinismo social iria provocar conflitos com a

teoria dos tipos, sobretudo quanto à hipótese sobre a origem do homem. No século XIX, os

cientistas dividiam-se entre monogenistas e poligenistas. Os primeiros defendiam uma origem

comum dos diversos grupos humanos e os segundos advogavam a existência de origens

diferenciadas para as raças humanas. (SCHWARCZ, 1993). Os integrantes da Teoria dos

Tipos foram essencialmente defensores da poligenia. Os novos adeptos do Darwinismo

defenderam a monogenia. Não obstante, “a essência do pensamento poligenista é preservada

numa moldura darwinista”. Nesta fase, as teorias racistas adquiriam uma “nova

respeitabilidade conceitual”, isso porque o arcabouço conceitual elaborado por Darwin era

marcado pelo uso do método científico. Essa passagem tornou possível, porém, continuar a

citar toda a “evidência” da anatomia comparada, frenologia, fisiologia e etnografia histórica

(SKIDMORE, 1976, p. 68-69). A principal diferença estava em que o darwinismo descreveu

as relações entre as raças como um fato biologicamente determinado, mas de um modo menos

mecânico, e fez nascer um saber que poderia ser utilizado para “resolver” “o problema racial”.

Para os darwinistas, a seleção natural criaria raças puras a partir da diversidade. Ao mesmo

tempo, a mudança biológica estaria ao lado do progresso humano, desde que se adotassem

medidas de eugenia (BANTON, 1977, p. 101). Em outras palavras, as teorias do darwinismo

social colocaram a raça em movimento na medida em que os tradicionais impérios coloniais

de Portugal e Espanha foram atacados por lutas internas.

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Os fundadores da Criminologia foram influenciados pela Teoria dos Tipos em vários

aspectos: a) a transposição do conceito de tipo racial para o de tipo criminoso e a consequente

aproximação entre inferioridade racial e inferioridade dos criminosos; b) a utilização da

hipótese da recapitulação embrionária para explicar, não apenas a inferioridade das raças, mas

a inferioridade do homem criminoso (daí a hipótese lombrosiana e neolombrosiana sobre o

atavismo); c) uma utilização arbitrária de fatores que tratavam da degeneração humana, com

preponderância das causas biológicas, embora fossem admitidas as causas sociais; d) a

preocupação com uma administração das populações em seus aspectos físicos e morais; e)

uma proximidade de estilo, pois ambas combinaram, por exemplo, literatura e ciência

(DUARTE, 2002).

Por sua vez, o Darwinismo Social7 foi decisivo para a Criminologia, nos seguintes

aspectos: a) a ênfase na competição e na seleção (a primeira justificava a hierarquia pelos

graus de capacidade e a segunda recomendava a eliminação dos menos capazes); b) a hipótese

explicativa acentuava o caráter instrumental do saber científico, permitindo falar, em nome da

ciência, em profilaxia social, das raças e da criminalidade; c) de igual modo, o perecimento

das raças inferiores era um problema social para a garantia da evolução e uma consequência

inquestionável dessa mesma evolução; d) logo, era possível propor intervenções estatais,

marcadas pelo intento de fazer perecer as raças inferiores, como se tais políticas não fossem

uma opção política, mas mera consequência das características da natureza reconhecidas pela

ciência (DUARTE, 2002).

7 As concepções de Darwin acerca da hereditariedade forneceram um dos pressupostos centrais da eugenia da época, influenciando a denominada “ideologia do branqueamento” e o “senso comum” sobre a mistura de raças predominante entre os brasileiros. A ideologia do branqueamento propôs que as raças se relacionavam e, desse relacionamento, adviria um “produto” melhorado, sobretudo pela predominância do sangue branco adaptado pelo toque dos sangues das raças negras e indígenas, inferiores em termos civilizatórios, mas melhor adaptadas ao clima. (DUARTE, 2002). Segundo Michel Banton, Darwin não era um apóstolo do racismo, mas, diferentemente de Mendel, que explicitou a importância dos genes nas características da descendência, subscrevia uma teoria da hereditariedade do tipo “mistura”, na qual um caráter herdado aparece como uma combinação dos atributos dos pais. Assim, se uma pessoa inteligente se casasse com outra estúpida, as qualidades da primeira perder-se-iam totalmente na geração seguinte. Para que os efeitos “benéficos” de novas variações não se perdessem rapidamente, a seleção teria de ser drástica, para ser eficaz. Desta forma, a sua má apresentação talvez tenha dado uma enorme urgência e uma boa recomendação ao darwinismo social. (BANTON, 1977, p. 117)

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O USO DAS TEORIAS RACIAIS NA ESCOLA POSITIVA ITALIANA: LOMBROSO, FERRI E GARÓFALO

A Criminologia, em sua especialização científica, compreende as teorias

desenvolvidas no âmbito do positivismo naturalista, entre o final do século XIX e as primeiras

décadas do século XX, em particular, a Escola Sociológica francesa (Gabriel Tarde), a Escola

Social na Alemanha (Franz von Listz) e, especialmente, a Escola Positiva na Itália (Césare

Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garófalo). A novidade da nova disciplina estava na forma de

abordar o problema da criminalidade, pois pretendia individualizar os “sinais antropológicos

da criminalidade no indivíduo encarcerado”. (BARATTA, 1991, p. 24)

Césare Lombrosofoi quem mais levou a sério a identificação entre tipo racial e

criminoso. A pergunta central de seu trabalho era: Por que são criminosos “os criminosos”?

Ou: Por que “os encarcerados” são homens criminosos? A resposta foi dada com análise

empírica nas prisões italianas. Na época, a antropologia física já pregava a divisão da espécie

humana em raças inferiores e superiores. Logo, o autor italiano supôs descobrir uma

semelhança física entre o homem criminoso e o homem primitivo/selvagem. Daí sua

pretensão de ter criado uma nova ciência, a Antropologia Criminal. Ela corresponderia,

guardadas as diferenciações quanto ao objeto, à Antropologia Física (a antropologia racista

geral), preocupada com a investigação das diferenças entre as raças. Sua originalidade está em

adiantar uma hipótese explicativa da delinquência, o atavismo. Ela indicava o reaparecimento

acidental de caracteres ancestrais desaparecidos no curso da espécie humana, manifestando-se

tanto nos aspectos craniais quanto em outros anatômicos, fisiológicos e mentais.

(MIRAILLES, 1983, p. 55). O Criminoso era o selvagem por atavismo, aquele que, em meio

à civilização, comportava-se como um elemento exógeno próprio do passado ou de outras

civilizações “atrasadas”.O estudo antropológico tomava como ponto de partida os caracteres

“anatômicos” para, em seguida, analisar os seus aspectos “biológicos e psicológicos”,

incluindo a comparação com os “normais” da mesma região e com os “selvagens”. O modelo

explicativo, de base biológica, inicia na análise da simplicidade das formas de vida, animal e

vegetal, até alcançar a complexidade da vida humana, onde reconhece diferentes graus de

evolução entre raças superiores e inferiores. Entre as formas de vida, haveria uma espécie de

hierarquia de capacidades orgânicas, porém, os organismos superiores, durante seu

desenvolvimento embrionário, reproduziriam essas diferentes fases evolutivas.

(LOMBROSO, 1887, p. 109, 127, 191)

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A primeira obra do mestre, cujo título indica a inserção da Criminologia, “L’uomo

Bianco e L’uomo di Colore” (1859), conteria a sua convicção originária de que o belo, digno

de ser humano, somente poderia ser branco8. De igual modo, demonstra como a Antropologia

Criminal surgiu da Antropologia Física. Lombroso aproxima-se do modelo proposto por

Cuvier, da hierarquia dos tipos raciais, e por seu discípulo Smith, da recapitulação

embrionária. Está mais próximo de Gobineau do que de Darwin e Spencer (ZAFFARONI,

1988). O tipo criminal, apresentado com recurso à casuística e à estatística, equivale ao tipo

racial. Após afirmar que a capacidade craniana é menor no indivíduo criminoso, pondera que

as raças humanas primitivas, segundo Darwin, apresentariam estruturas que as aproximam aos

animais mais do que as modernas. A capacidade craniana, por sua vez, seria geralmente

inferior “no selvagem ou no homem de cor”. O estudo das “anomalias” demonstraria a

proximidade maior do delinquente do selvagem do que em relação em ao louco. O autor

pretendia ter encontrado a “prova anatômica da estratificação da delinquência, isto é, a

tendência nos culpados em herdar as formas, não somente do homem selvagem, pré-histórico,

mas também do homem antigo, histórico.” (LOMBROSO, 1887, p. 124,130,131,133).

Um dos fatos subtraídos da história oficial dessa “ciência” é o de que a tese do

atavismo como origem da delinquência da Antropologia Criminal foi subtraída da hipótese

sobre a recapitulação embrionária da Antropologia Física. Sem comprovação empírica nos

estudos anatômicos, mesmo assim, ela foi vitoriosa, pois os “chavões” reproduziam o senso

comum europeu sobre a inferioridade dos povos do resto do mundo. Nesse contexto, não

deixa de ser relevante a simplificação dos grupos raciais empreendida pelo jovem Lombroso,

a humanidade estava dividida entre a raça branca e a de cor. Eis aí, em seus traços

fundamentais, a distinção colonial. Ao se valer da Teoria do Tipo Racial para a compreensão

etiológica do delito, constrói uma escala de explicações segundo o modelo positivista de

complexidade proposto pela Zoologia, a partir da qual ele aproxima diversos estereótipos de

seu tempo. O resultado é a própria representação do poder implantado na sociedade capitalista

ou a representação da hierarquia das diferenças que ela instaura e intenta reproduzir. As

analogias lombrosianas aproximam os encarcerados (criminalizados ou reclusos psiquiátricos)

que estavam submetidos à degradação do sistema penal, em primeiro lugar, às classes pobres

dos países centrais submetidas à degradação do sistema capitalista; em segundo lugar, aos

selvagens, ou seja, aos povos submetidos ao processo de incorporação compulsória, e

8Para a edição original, cf.: LOMBROSO, Cesare. L’Uomo Bianco e L’Uomo di Colore. Firenze: Fratelli Bocca, 1892. 2ª ed.

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constantemente negados em sua diversidade estética e cultural; em terceiro lugar, às crianças

que eram submetidas dentro e fora da família às novas formas de disciplina da sociedade

industrial. Suas analogias também associam a criminalidade à prostituição, à

homossexualidade, às populações ciganas, aos intelectuais revolucionários, aos deficientes

físicos, etc. (LOMBROSO, 1887)

Rafael Garófalo (1852-1934), autor de “Criminologia”, deu nome à nascente ciência.

Apoiado em Darwin e Spencer, ele construirá, segundo Zaffaroni (1991), uma ideologia

idealista, mal disfarçada de ciência, que é a melhor síntese escrita das racionalizações para

todas as violações de direitos humanos ao largo da história e, quiçá, parcialmente superada

apenas por alguns autores nacional-socialistas. O conceito central de sua obra foi o de delito

natural, cuja finalidade era refutar a objeção de que o objeto de análise da nova ciência (o

crime/ o criminoso) era variável no tempo e no espaço, e, como tal, historicamente construído.

A historicidade do objeto era obstáculo a impedir que fosse conferido à Criminologia o

estatuto epistemológico de ciência natural e objetiva, nos moldes do positivismo. A resposta

do autor foi propor que dois sentimentos fundamentais (piedade e probidade), supostamente

inerentes à natureza humana, eram atacados em qualquer crime, independentemente da época

ou da sociedade. A variação na definição concreta dos comportamentos considerados

criminosos decorreria apenas do grau de evolução ou de degeneração de cada grupo racial em

relação a esses sentimentos. Segundo Garófalo o hábito mental seria legado hereditariamente

às gerações. Logo, raça e civilização não poderiam ser dissociadas, pois as conquistas da

civilização seriam traduzidas em melhorias transmitidas hereditariamente. As raças

possuiriam “uma certa soma de instintos morais inatos, não devidos ao raciocínio individual,

mas ao tipo físico, patrimônio hereditário comum.” O senso moral seria “orgânico”,

“hereditário e congênito”, criado na espécie por “evolução hereditária”. Ele poderia ser

deficiente nos “indivíduos de entendimento fraco”, perder-se por “doença” ou faltar

inteiramente por “monstruosidade de organismo”. Constituiria o patrimônio da parte

civilizada da espécie humana, vale dizer, da raça branca europeia. Essa “exclusividade” era

justificada pelo autor com a hipótese da degeneração, pois “a razão” não era “um atributo

primitivo e originário da natureza humana, mas um produto da evolução” e que se não

estenderia às “raças bárbaras e selvagens”. (GARÓFALO, 1925, p. 32-35)

Enfim, o discurso de Garófalo sobre o Delito Natural, absurdamente elogiado em

manuais de Direito Penal, converge para a justificação da Conquista. Defende o extermínio

dos povos não europeus, sob o fundamento de que eles eram desiguais e que, portanto, nesses

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casos, a piedade europeia não poderia se manifestar. Com a noção racista de “anomalia

moral” ele pretendeu “esclarecer”, muito mais do que Lombroso, quem participava no

consenso sobre os valores (“as raças superiores”), a quem pertenciam tais valores (“às raças

superiores”) e quem eram aqueles que “naturalmente” os violavam (“as raças inferiores”). No

mesmo passo, Garófalo dedicou-se a formular soluções práticas para a construção de um

sistema penal autoritário preocupado com a “eugenia social”. Diversas formas de violência

estatal, incluindo a pena de morte, eram propostas para as ações de profilaxia racial. Ao

mesmo tempo, tais formas de violência eram tidas como fenômenos naturais, ou seja, o

Estado estaria apenas “reproduzindo” as leis da “seleção natural” ao escolher determinados

indivíduos ou grupos para eliminá-los.

Enrico Ferri (1856-1929), como reproduzido fartamente na literatura sobre o tema,

propôs uma nova tipologia criminal em substituição à tese de Lombroso e um ambicioso

programa de política-criminal, baseado nos substitutivos penais. Ele advogava a distinção

entre fatores antropológicos ou individuais (constituição orgânica, sua constituição psíquica,

características pessoais como raça, idade, sexo, estado civil etc.), fatores físicos ou telúricos

(clima, estações, temperatura etc.) e fatores sociais (densidade da população, opinião pública,

família, moral, religião, educação, alcoolismo etc.) (ANDRADE, 1994, p. 135-137;

MOLINA, 1992, p. 121). Dispôs os criminosos em cinco classes: louco, nato, habitual, de

ocasião e por paixão. A seguir, relacionou os fatores da criminalidade com as diferentes

classes de criminosos: os fatores físicos agiriam de forma idêntica sobre todas as categorias;

os antropológicos prevaleceriam na atividade criminosa dos delinquentes natos, loucos e por

ímpeto de paixão; os fatores sociais predominariam na dos delinquentes de ocasião e por

hábito adquirido (SODRÉ, 1963, p.143, 210-214).

A PASSAGEM DA ANTROPOLOGIA PARA A SOCIOLOGIA CRIMINAL: A ESTRATÉGIA DISCURSIVA DO MULTIFATORIALISMO NA CONTINUIDADE DO RACISMO

A passagem da Antropologia para a Sociologia Criminal (e do tipo criminal único

para a pluralidade de tipos criminais), contudo, não era apenas um movimento evolutivo

“interno” da nascente ciência. Ao invés disso, estava relacionada a condições históricas mais

gerais. A teorização lombrosiana possuía o inconveniente de estar próxima de Gobineau,

distante do evolucionismo, e, portanto, insuficientemente adaptada à dinâmica social burguesa

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515 Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 500-526, 2016.

(ZAFFARONI, 1993, p.167)9. Lombroso, ao aproximar o tipo criminoso ao tipo racial, fazia

com que seu discurso correspondesse a um modelo de sociedade não apenas estático, mas

também fundado numa eterna repetição de fases anteriores. Entretanto, as ideologias

biológicas fixas não se adequavam às mutantes necessidades do mercado, como também ao

colonialismo em sua etapa antiescravista. Elas eram incompatíveis com o sentimento de

otimismo quanto à vitória do progresso que as ideologias capitalistas tentavam impor, e

insuficientes para tratarem dos novos problemas na ordem do controle social que o

desenvolvimento da sociedade capitalista urbano-industrial trazia. (ZAFFARONI, 1993, p.

167)

Nesse contexto, o “novo” debate proposto pelo multifatorialismo sobre a teoria do

“criminoso nato” e as causas da criminalidade não representou uma ruptura com o modelo

etiológico, tampouco uma contestação da legitimidade dos estudos empíricos baseados na

população institucionalizada, mas apenas a incorporação de elementos spencerianos

(ZAFFARONI, 1993, p.167). Ele trazia uma maior “plasticidade” para o discurso

criminológico. No modelo multifatorial, a explicação causal “raça-criminalidade” e a

identificação “criminoso-selvagem” são aparentemente contestadas10. A ruptura, porém, foi

de superfície, pois manteve o modelo etiológico de Criminologia e os fundamentos da

ideologia da Defesa Social. A passagem da hipótese monocausal para o multifatorialismo com

a criação de inúmeros tipos criminais dependeu do abandono da Teoria dos Tipos

Permanentes em favor do Darwinismo Social.

O discurso racial, entretanto, não foi atacado em seus fundamentos, embora tenha

sido deslocado em sua importância. O criminoso continuava a ser um “anormal”

(ANDRADE, 1994, p.135-139; ZAFFARONI, 1993, p. 168) 11 e o crime: “a expressão

genuína da sua personalidade” (FERRI, 1931, p.197-205). Dessa forma, o modelo

multifatorial representou, ao invés da possibilidade de uma explicação mais completa do

9 Roberto Lyra parece discordar desta posição, embora afirme que “a escola (positiva) sofreu a inspiração de HAECKEL, SPENCER e, sobretudo, DARWIN“ (LYRA; ARAÚJO JUNIOR, 1992). Em sua opinião, Lombroso teria sofrido mais a influência de Darwin. A confusão em se pensar neste ou naquele autor como influência já estava na constituição da noção de tipo racial, num primeiro momento com as teorias da tipologia racial e, num segundo, quando ela se transforma com a noção de evolução. No entanto, Lombroso está mais próximo do primeiro momento, como afirma Zaffaroni (1993, p.167). 10A referência a Ferri, como tendo construído o modelo multifatorial, não implica afirmar que Lombroso não tenha levado em consideração outros fatores (psicológicos e sociais) além do atavismo. Veja-se a esse respeito LYRA (ano); ARAÚJO JUNIOR (1992, p. 42); BARRATTA (1991, p.32). 11Segundo LYRA FILHO: “Aquela atitude intelectual (determinismo) era tão difundida que a ela não escaparam, sequer, os que se atribuíam o rótulo de socialista. É o caso de Ferri preparando um coktail de DARWIN, SPENCER e MARX, como se fossem complementares, e extraindo dessa mistura uma espécie de progressismo idílico.” (1972, p.16)

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fenômeno delitivo, a renúncia definitiva a qualquer explicação coerente. Em outras palavras:

em Lombroso sobreviveria à intenção de produzir uma ciência marcada pela coerência,

conforme os parâmetros do positivismo. Porém, a hipótese de Ferri abandona, na prática, tal

pretensão. Se as causas são múltiplas e se são indefinidas as relações entre elas, tudo é causa e

coisa alguma merece esse nome. A este propósito, Roberto Lyra Filho já havia afirmado que:

“Hoje, restam os fragmentos desossados da teoria primitiva, sempre refratários à unificação.

Em si, já constituem imagens distorcidas, enquanto pretensamente explicativas do homem e

da sociedade ou, mesmo, incorretamente descritivas desses mesmos aspectos da realidade,

quando, em desespero de causa, renunciam à explicação” (LYRA FILHO, 1972, p.47).

Entretanto, se não houve uma ruptura com o discurso racista, há uma adequação importante,

pois o indivíduo, não o grupo, passou a ser o foco das investigações. Eis a mudança central. A

sociologia criminal de Ferri radicalizou a proposta de estudo do caso e da especificação das

soluções que eram dadas a cada “tipo” de criminoso e de criminalidade. Acompanhou a

tendência de individualização. Era no indivíduo que a raça deveria ser examinada, não mais

no grupo social. O homem criminoso era a versão da ciência burguesa para a noção burguesa

e humanitária de indivíduo (ELIAS, 1994). A repercussão das causas gerais na análise de

indivíduos permitia conciliar a necessidade de tomar o indivíduo como ponto de partida e, ao

mesmo tempo, considerá-lo como pertencente a um grupo de prováveis infratores. Indivíduo e

série (classes) de indivíduos nunca foram termos incompatíveis (FOUCAULT, 2007). A

necessidade crescente de racionalização do controle exercido sobre as massas urbanas foi

decisiva para essa transformação.

O ponto comum entre individualização e apreensão do comportamento de grupos

sociais foi a recuperação e a laicização do conceito de suspeição. Tal conceito emergiu no

início da Modernidade nas práticas da Inquisição (FERRAJOLI, 2002; CARVALHO, 1996) e

vinculava-se à inquisição geral. A inquisição geral consistia no uso da delação e da

identificação de comportamentos dos prováveis hereges e precedia as práticas de investigação

sobre indivíduos determinados. O segredo do conhecimento e dos procedimentos religiosos

de investigação foi substituído pelo fechamento do discurso científico. Há correspondência e

continuidade entre o saber do sensor e o do especialista criminólogo, sobretudo quando se

observa seu mecanismo cumulativo, seu juízo de prognose e sua legitimidade decorrente de

sua circulação restrita.

O conceito de suspeição inquisitorial foi acoplado ao de periculosidade.

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Paradigmas em criminologia e relações raciais

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Inicialmente, Garófalo propôs o uso do termo temibilidade para indicar o temor que

sentimos diante do comportamento de indivíduos criminosos. Ferri, por sua vez, insistiu que o

temor social revelava apenas um aspecto subjetivo do problema, propondo que se deveria

considerar a periculosidade, ou seja, a potencialidade, auferida objetivamente pela nova

ciência, de um indivíduo vir a praticar crimes. Medo e juízo de prognose foram os dois

elementos centrais desse novo conceito. Eles representaram a tensão não resolvida entre

espetáculo e disciplina. O que se pretendia era a possibilidade de contenção do medo pela

administração do risco, porém essa racionalização reenviava aos estereótipos irrracionais e

realimentava o medo. Entretanto, havia novidades nesse conceito: a) a unidade imaginada

entre os membros de uma sociedade boa não dependia da utilização de conceitos

transcendentais, a ordem era uma ordem humana; b) neste caso, os criminólogos insistiam em

apreendê-la como uma ordem natural, ao invés de uma ordem jurídica cuja legitimidade

pudesse decorrer do procedimento legislativo democrático; c) o discurso do medo era

institucionalizado nas estruturas do Estado, não se tratava do medo das forças da natureza,

mas do medo do outro (já presente no discurso hobbesiano), mas, sobretudo, da massa, do

irracional que poderia ameaçar a ordem constituída ou pressuposta. O medo passa a ser

“administrado” pela ciência a partir da suspeita.

Na obra de Ferri, o discurso sobre o homem criminoso converge para a defesa de

uma intervenção crescente do Estado sobre o social. A política criminal transforma-se num

capítulo da política social. Logo em seguida, toda a política social é concebida como uma

política criminal. Ou seja, o foco da justificativa para as intervenções deixa de ser o homem

como portador de direitos para ser a necessidade da própria ordem. No lugar da

universalidade do homem, a Criminologia coloca a universalidade do medo e o potencial

redentor da ciência. Foram tais características que levaram Ferri a ser conhecido com um

socialista. De fato, na memória histórica do período, ele é visto como um defensor, por

exemplo, da educação, numa época em que o perecimento simples e “natural” dos inferiores

era uma recomendação do pensamento dominante, a exemplo do que pregava a esse respeito

Spencer (1885) que estabelecia vínculos entre liberalismo econômico e racismo. Entretanto,

Ferri jamais pensou a educação como um direito, ela era apenas um método capaz de impedir

a manifestação do perigo de um indivíduo. A educação servia como direito apenas do cidadão

ordeiro, sobretudo o proprietário, que se defendia da agressividade potencial dos criminosos.

Educação para que os excluídos não cruzassem a fronteira da ordem e atacassem a

propriedade privada. Nesse modelo, retomando Kant, o excluído é um meio, não um fim em

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Paradigmas em criminologia e relações raciais

518 Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 500-526, 2016.

si mesmo. Por sua vez, o suspeito é aquele que está na fronteira da ordem, enquanto o

criminoso já se opôs a ela. Porém, como essa ordem é essencialmente desigual. Logo, aquele

que não pode integrar-se à ordem deve ser submetido continuamente a esse lugar de fronteira.

É daí o caráter circular das políticas de identificação de potenciais criminosos e o tratamento

de potenciais criminosos como “verdadeiros” criminosos. A violência que funda a exclusão

deve se manifestar sempre para constituir continuamente as fronteiras dessa exclusão.

DO TIPO RACIAL AO TIPO CRIMINOSO OU DA SEGREGAÇÃO COLONIAL À POLÍTICA CRIMINAL

Enfim, para se compreender a intersecção entre Teorias da Raça e Teorias da

Criminalidade, cinco argumentos são decisivos: a) O caráter artificial do conceito científico

de tipo racial diante dos parâmetros de cientificidade à época de seu surgimento. Logo, a ideia

de raça recebeu sua força da capacidade de agregar percepções do senso comum (em outras

palavras, à época do surgimento do conceito de raça humana, nada “na” ciência autorizava o

uso que foi feito pelos cientistas. A raça jamais foi um “erro” científico, pois sempre foi uma

decisão “política” dentro da ciência); b) A explicação da hierarquia entre as raças a partir de

uma teoria do desenvolvimento embrionário das espécies, segundo a qual uma raça “inferior”

corresponderia a uma fase anterior do desenvolvimento de uma raça mais “evoluída”, esteve

diretamente associada às hipóteses do atavismo e de outras explicações biológicas; c) A

incompreensão de grande parte dos teóricos raciais (e dos criminólogos) dos mecanismos de

transmissão hereditária, embora ele já fosse conhecido na época. Logo, a hereditariedade ora

significava “herança” que poderia ser determinada pela raça “superior” ora “maldição” da

presença de caracteres da raça “inferior”. Foi descrita como um produto da mistura de sangue

e não da combinação de genética. d) O caráter instrumental que adquiriam as Teorias da Raça,

recomendando ações de profilaxia social e a indiferença para com o perecimento “dos

inferiores”. A Criminologia radicaliza esse caráter instrumental. Nesse contexto é

compreensível a redução dos direitos do homem (universal) e das políticas públicas sociais

(gerais) às políticas de prevenção da criminalidade. A política criminal e a política racial

foram profiláticas, eugênicas, higienistas, genocidas etc. e) Havia um vínculo ideológico e

prático, pois ambas eram resposta ao medo e construções simbólicas que dele derivavam,

propondo formas práticas de controle dos designados como inferiores ou dissidentes.

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De volta à especificidade do debate criminológico. O modelo proposto por Ferri

representará uma novidade diante da perspectiva de relacionar indivíduo e raça no controle

social12.A mudança pode ser percebida no modo pelo qual o individualismo burguês marcou o

surgimento das formas de controle social. A Escola Clássica havia construído o Direito Penal

do fato. Partiu da concepção filosófica sobre a igualdade do gênero humano, fundamentou a

responsabilidade penal na liberdade e encontrou na elaboração da teoria do crime a sua tarefa

principal. Estava preocupada em descrever as condições segundo as quais um indivíduo

poderia ser responsabilizado por um ato tido como criminoso. A Escola Positiva, ao contrário,

centraria a sua atenção no autor do crime. Ou seja, ocupava-se em compreender o homem

criminoso, modulando, conforme sua “personalidade”, a pena e todas as medidas tomadas no

combate à criminalidade. Se o indivíduo foi para a primeira o limite do poder, para a segunda

será o ponto de partida para organizar o poder de modo mais eficaz, circunstância em que

eficácia equivaleria à submissão à ordem capitalista. O individualismo, marca do direito

burguês, deveria ser o caminho que o Direito Penal do autor iria trilhar13. Porém, o discurso

sobre o tipo criminal, defendido por Lombroso e Garófalo apontava, como afirmou Tarde

(1956, p.66 a 72), para o grupo social (a casta), pois o primeiro vinculou o tipo criminal ao

tipo antropológico e o segundo defendeu a equivalência entre o Direito Penal e os tipos

humanos ( cada fase da evolução humana corresponderia a um Direito Penal adequado).

Dessa forma, a desigualdade era “vivenciada” no discurso, tal qual nas formações sociais

precedentes, organizadas por castas, ordens ou estamentos, onde o Direito era “explicitamente

não universal e desigual” (GORENDER, 1990, p. 30). Logo, a desigualdade diferia da

desigualdade atual, garantida pelo funcionamento real do sistema penal, mediante a

operacionalização de estereótipos que não estão inscritos na lei, mas nas “teorias de todos os

dias” dos agentes do sistema, em especial, das agências policiais. Na teoria jurídica e na lei,

restam os conceitos que permitem operacionalizar tais formas de sujeição, como o conceito de

suspeição. Assim, as novas representações substituem o medo das raças inferiores pelo

conceito laico e “impessoal” de periculosidade.

12 Restaria para os teóricos periféricos, como Nina Rodrigues, a partir da premissa concreta de suas sociedades marcadas pela diversidade racial e não apenas pela formulação teórica genérica, formular uma proposta de controle social baseada nos agrupamentos raciais e não no indivíduo. 13 Segundo Monreal(1988, p.131-132), com a Revolução Francesa implantam-se, juridicamente, todos os mecanismos para fazer perdurar o individualismo e todo o sistema legal dos grandes códigos que estavam a serviço de uma concepção político-social bem determinada: a liberal-individualista.Sobre o individualismo no direito burguês veja-se:; MOREIRA (1978, p. 73-87); WOLKMER (1994, p.21-58).

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520 Cadernos do CEAS, Salvador, n. 238, p. 500-526, 2016.

Vivenciar a desigualdade no discurso jurídico significava, antes de tudo, revelá-la,

expô-la e, portanto, assumir o conflito social, ainda que de forma limitada, porque era sobre a

base da superioridade/inferioridade racial que o conflito era colocado. De outra parte, a ideia

de tipo criminal, assim como a de tipo racial, não pode ser separada de determinadas práticas

sociais modernas. A construção do criminoso “tipo criminal” somente foi possível com a

exposição absoluta dos encarcerados ao “olhar dos especialistas”, ou seja, a partir de uma

relação concreta de poder que se estabelecia nas prisões, transformadas em jaulas destinadas à

observação de “novas espécies”. Na medida em que a prática do sistema provocava efeitos

semelhantes sobre os indivíduos, poder-se-ia falar em características semelhantes. O mesmo

efeito era conseguido com a tendência a perseguir condutas e a capturar indivíduos de

determinados extratos. Por sua vez, as estatísticas populacionais complementavam o quadro

para apreensão do que seria o comportamento do tipo médio entre determinadas categorias

sociais. A exposição presente nas penitenciárias era semelhante àquela que permitiu o

surgimento do tipo racial. A “colônia”, fundada na relação de poder existente entre

colonizado e colonizador, assemelhou-se a uma instituição de sequestro. O monopólio da

palavra pelo colonizador demonstra a presença de um poder de nominação do Outro, muito

semelhante à rotulação criminal. De igual modo, a desaculturação e a criação de uma

subcultura decorrente da institucionalização são outros fenômenos semelhantes aos

encontrados nas colônias. Nesse espectro, a Criminologia racista, ao aproximar o criminoso e

o “selvagem”, adquire novos contornos. Ela foi uma ideologia que confundirá a agressividade

e a alienação do homem sujeito ao processo de colonização com sua intrínseca maldade,

classificando como modo de ser criminal todas as formas de sobrevivência à realidade

colonial, as adaptações aos modelos impostos e à violência classificatória sofrida, mas,

sobretudo, toda a diversidade humana biológica distinta dos padrões europeus e todas as

formas de expressão cultural capazes de possibilitar respostas, ainda que simbólicas, à perda

da identidade diante do processo colonizador. 14

O tipo criminal não foi uma mera categorização de indivíduos, mas a construção

discursiva que delimitava, transformava e atuava sobre conflitos sociais. Da mesma forma, o

tipo racial não foi apenas um rótulo arbitrário, mas um modo de representar e intervir sobre

conflitos sociais. De outra parte, a transposição e a equivalência entre tipo criminal e racial

não significou uma identidade absoluta. O racismo do discurso criminológico pode ser

14 Sobre o processo de despersonalização, dessocialização, dessexualização e desciviliação do escravo, veja-se MEILLASSOUX (1995, p. 78, 91).

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considerado uma das inúmeras facetas do racismo, mas ele vivenciou e se acoplou a

diferentes e novas relações de poder. Não pode haver uma simples identidade entre ambos os

discursos, pois os termos de comparação não são absolutamente não-contraditórios. Tanto o

discurso racial quanto o discurso criminológico foram construídos com base numa “insensatez

intrínseca”, e sua perpetuação não se deve à coerência argumentativa que puderam transmitir.

O discurso criminológico, assim como o racial, reproduziam, com maior ou menor

intensidade, a exclusão e a vontade de disciplinamento dos que não se conformavam aos

padrões estéticos e sexuais e, ainda, das mulheres, das crianças e dos alienados.

Reproduziram, portanto, um senso comum e prático, sempre contextuais e mutantes. Num

momento, por exemplo, se falava da degeneração pela falta de educação, noutro pela presença

da embriaguez ocorrida nos “sambas”. A consequência essencial da transposição operada com

o nascimento da Criminologia foi o fato de que as teorias raciais científicas encontraram, no

seio da Criminologia positivista, na sua aliança entre ciência e técnica, a possibilidade de

deslocar a problemática das diferenças raciais e da superioridade da “raça branca europeia”,

desde um problema de justificação da ordem atual para a implementação de uma política de

controle social efetivo. O que o racismo ganhou, ao se transformar em ciência da

criminalidade, foi sua dimensão instrumental. De igual modo, a possibilidade de convivência

com discursos sobre a neutralidade de aplicação da lei.

CONCLUSÃO

No seio das sociedades centrais, o racismo obteve sucesso quando permitiu a

implantação de práticas de domínio burocrático. O surgimento da burocracia europeia, porém,

não pode ser dissociado do aprendizado acumulado nos processos mais gerais de controle das

populações não-europeias. O domínio sobre os corpos e a vida (bios) de vastos conjuntos

populacionais dependeu de um aprendizado e de um retorno a um estado de natureza no qual

a cultura local não fosse uma barreira às novas práticas de controle(ARENDT, 1989). Aqui,

mais do que na Europa, os europeus puderam aprender a administração do domínio da vida

(biopolítica). Em certa medida, a Criminologia foi um dos primeiros frutos desse ciclo de

poder mundial que permitiu a construção dos Estados Nacionais e dos Impérios Coloniais.

Ao se retomar as mudanças de paradigmas no âmbito da Criminologia e o impulso

desestruturador de suas concepções tradicionais (ANDRADE, 1994; CAPELLER, 1992;

COHEN, 1988; CARVALHO, 2008), conclui-se que os estudos sociológicos, com a

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construção de explicações sobre o racismo e seu diálogo (até agora insuficiente ) com a

passagem do Paradigma Etiológico para o Paradigma da Reação Social na Criminologia,

iniciam o distanciamento do debate etiológico presente no paradigma racial, negando tanto a

pergunta sobre as supostas causas de uma inferioridade de negros e indígenas quanto a

pergunta sobre as supostas causas de um caráter criminoso desses grupos. A pesquisa sobre a

variável raça como fator criminógeno não tem qualquer fundamento teórico válido. Porém, a

pesquisa sobre o porquê e como os sistemas penais modernos passaram a incluir tal variável

como determinante na seleção de determinados grupos sociais adquire ampla importância.

Todavia, também essa problematização depende de uma perspectiva teórica sobre a natureza

das relações inter-raciais. Nesse sentido, o ponto de vista adotado é o de compreender “raça”

como uma categoria sociológica complexa e historicamente construída (raça como

dispositivo)15; portanto, opõe-se a uma teoria das raças de cunho biologicista e, ao mesmo

tempo, a uma posição teórica que coloque o estudo sobre as práticas raciais como secundárias

diante de outras práticas de exclusão presentes nas sociedades modernas. No contexto

brasileiro, defende-se que as relações raciais não podem ser abordadas a partir da ideia de

consenso, presente na ideologia da democracia racial, mas devem ser encontradas na análise

de estratégias racistas diferenciadas, segundo as condições locais de organização das relações

de poder. Por fim, as teorias sobre o racismo devem conduzir a Criminologia Crítica para uma

teoria complexa sobre as relações de poder, superando-se as concepções economicistas da

teoria social.

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15 O conceito de raça como dispositivo pode ser encontrado em: DUARTE; Evandro Piza; GUIMARÃES, Johnatan Razen Ferreira; COSTA ARGOLO, Pedro Henrique. Quem quer ser Madame Satã? Raça e homossexualidade no discurso médico-legal da primeira metade do século XX. Criminologia e Cinema: narrativas sobre violência. São Paulo: Marcial Pons; Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, 2016.

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Abstract At first, this paper adresses the shifts in the criminological paradigm and the relation between Criminology and Racism in order to defend the existence of three great moments relative to the debate on the criminal matter and race relations. Initially, there is the emergency of the ethiological paradigm and its relation to the racial theories. Secondly, there is the appearance of the social reaction paradigm and its compatibility with the critical theories of racism. In third place, there is the apprehension about the selectivity of the criminal system and society’s political cynicism in relation to its effects. Afterwards, by deepening the already addressed relationship between Criminological Paradigms and Race Relation Paradigms. In such context, this work explores the birth of Criminology as a science during the 1870’s with the Italian Positive School. It alvo describes how positivist criminologists defended the existence of a different crime pattern for black and indigenous people that was explained/justified by the argument of racial inferiority. According to this train of thought, the lower the racial group, the more it would commit crimes. In this very sense, I seek to highlight the political and ideological tensions that marked the internal shifts in this model and which strategies they propose regarding the dimensions of power inherent to the criminal speech. Key words. Criminology. Racism. Positive School. Critical Criminology. Selectivity.