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Paradoxos da Gestão
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PARADOXOS DA GESTÃO
PROFESSOR JEAN BARTOLI
Professor no IBMEC SP
Publicado na revista Melhor Gestão de Pessoas, ISSN 1518-2150,
ANO 15, N.239, outubro 2007, p. 58-62
Nesse artigo, gostaria de examinar três temas muito presentes nas
discussões organizacionais. O meu objetivo é contribuir para a transformar
algumas afirmações, que podem soar como chavões, em questionamentos,
contribuindo para uma m aior reflexão tanto dos gestores como dos
profissionais de Recursos Humanos.
AGREGAR VALOR: POR QUÊ? PARA QUÊ?
Observa-se entre os profissionais da área de Recursos Humanos a
preocupação de repensar seu papel dentro das organizações para tornar sua
atuação mais efetiva. Para atingir tal objetivo, a pergunta mais óbvia parece
ser: como agregar valor à organização?
Voltemos à Grécia 25 séculos atrás. Era uma época de realizações
técnicas e artísticas, de violência e de crise moral em que se discutia
principalmente como fazer as coisas e como convencer as pessoas.
Destacavam-se os sofistas, intelectuais recrutados para o ensino da retórica
utilizada com o instrumento de convencimento. Nessa crise de sentido, surgiu
Sócrates que começou a perguntar: para que fazer determinadas coisas?
Para que fabricar uma espada? O que devemos fazer com ela? O importante,
segundo ele, não era tanto como fazer: era saber o que fazer. É o nosso
maior problema hoje: o que fazer ante os desafios que enfrentamos na
administração das pessoas? Assim sendo, a pergunta “como agregar valor?”
não pode prescindir de uma outra pergunta: “Por que e para quem agregar
valor?” É uma fonte de angústia, se não formos capazes de tirá-la de uma
perspectiva simplesmente econômico-financeira para analisa-la do ponto de
vista humano.
Cabe lembrar que o valor é sempre atribuído às realidades objetivas a
partir de critérios subjetivos, éticos, sociais e políticos. A opção de correr
atrás da tecnologia e de submeter-nos ao ritmo ditado pelas coisas, na sua
dimensão de mercadorias, foi fruto de muitas decisões tomadas por muitos
seres humanos. A estes, organizados em sociedade política, cabe saber se
querem sobreviver para produzir ou se querem fazer e criar para alcançar
maior plenitude de vida. Portanto, antes de nos perguntarmos: como agregar
valor? é preciso nos perguntarmos o que entendemos por valor e qual tipo de
valor queremos construir. Neste ponto, nos deparamos com o segundo tema.
OBJETIVIDADE? SUBJETIVIDADE?
No mundo empresarial, existe uma aparente primazia dos fatores
objetivos sobre os subjetivos, porque as empresas buscam resultados
financeiros. Contudo, achar que ter bons números é suficiente para saber o
que fazer e convencer as pessoas do que precisa ser feito pode proceder de
uma visão um tanto ingênua! Uma informação, um número ou uma pesquisa,
que parecem pertencer ao mundo da objetividade, passam a ter significado
quando interpretados. As pessoas interpretam esses números não só a partir
de critérios objetivos, mas também em função de interesses, de valores de
cada um e em função do poder que cada um exercita na organização: todos
esses fatores têm dimensões subjetivas! É o paradoxo do mundo
empresarial: querer pertencer ao mundo objetivo dos resultados mensuráveis
e ser refém da subjetividade dos seus protagonistas! Segundo Robert
Johnson, a pessoa madura é aquela que sabe lidar com os paradoxos e o
paradoxo é uma contradição aparente: em vez de escolher entre duas
alternativas é preciso perceber que essas duas alternativas são
complementares e apresentam dois aspectos da mesma realidade1. Talvez
seja este o momento para que os gestores, assessorados pelos profissionais
de Recursos Humanos, demonstrem sua maturidade e aceitem lidar com
paradoxos. Não se trata de escolher entre uma visão humanista e uma
1 JOHNSON, Robert A., Magia interior, como dominar o lado sombrio da psique, São
Paulo, Mercuryo, 1996
prática de negócios, nem entre “agregar valor” e “cuidar das pessoas”.
Parece uma prática intelectual consolidada pensar por exclusão: perenidade
ou mudança, teoria ou prática, centralização ou descentralização,
objetividade ou subjetividade etc. O desafio para os gestores é que sua visão
de negócios não seja uma visão humanista, mas sim humana! E o humano é
sempre paradoxal! Aliás, nosso terceiro tema é mais um paradoxo para as
empresas lidarem!
RAZÃO OU SENTIMENTO? RACIONALIDADE INSTRUMENTAL
E RACIONALIDADE ÉTICA.
As considerações anteriores podem parecer um elenco de boas
intenções e de sentimentos bonitos m as pouco eficazes quando o modelo
atual de globalização econômica parece ser insubstituível. O exerc ício da
racionalidade consistiria em ver o mundo pela lente da objetividade, da
eficácia, dos resultados mensuráveis e do bem-estar atingível pela produção
e pelo consumo. É profundamente diferente de outras utopias coletivas
construídas a partir da subjetividade das pessoas, da tomada de consciência
de outras finalidades, de outras dimensões da liberdade e de outros modos
de exercer a racionalidade. Na realidade, não existe conflito entre razão e
emoção. Existem conflitos entre vários usos da razão ditados por vários
sentimentos e emoções conflitantes. Talvez, a grande angústia
contemporânea diga respeito à compreensão e ao uso da razão, à vista das
atrocidades e das barbarias cometidas na história contemporânea em nome
da racionalidade eficaz da engenharia social2. O instrumento extraordinário
que é a razão humana “funciona” de vários modos, como ilustrado pelo
seguinte quadro3:
2 c itando alguns autores que exploram esta trilha: Zygmunt Bauman, Hanna Arendt,
Tzvetan Todorov etc.
3 Este quadro é uma simplificação do quadro apresentado por Christophe Dejours em
DEJOURS, Christophe, O fator humano, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas editora,
1997 p.69
RACIONALIDADE CAMPO VALIDAÇÃO
Instrumental: em relação a
um objetivo
OBJETIVO Resultado
Ética:em relação a normas
e valores
SOCIAL Justiça
Aí vai um desafio especial para os profissionais de Recursos
Humanos: ser responsáveis pela tomada de consciência da organização, e
de todos os seus protagonistas, de que a racionalidade instrumental sem a
racionalidade ética leva a um impasse. Usar a razão na sua dimensão
instrumental sem referências éticas é negar a condição humana e tentar
construir a organização sobre alguns pressupostos que, no passado e no
campo político, tiveram um desfecho totalitário. Esta preocupação não é de
hoje. Antígone, heroína de uma peça de Sófocles escrita vinte e cinco
séculos atrás, morre por querer sepultar seus dois irmãos: o que morreu
dignamente e o que não morreu dignamente; ela não faz diferença porque
ama os dois e considera que a dignidade humana de cada um não pode ser
definida somente por critérios coletivos de “competência” social, no caso
ditados pelo rei de Tebas. Ainda hoje, essa peça emociona porque apresenta
uma questão chave: qual é o preço que estou disposto a pagar para afirmar
minha humanidade frente a exigências coletivas que invadem determinados
limites? A característica mais importante da consciência talvez seja a de ser
uma espécie de sensor capaz de captar limites. Afinal, quais são as práticas
que podem apontar um caminho para uma organização sadia ou pavimentar
a estrada organizacional rumo ao inferno?
CONCLUINDO?
É sempre difícil concluir uma reflexão sobre tema tão complexo como o
do papel do gestor no momento atual das organizações. Após o atentado às
duas torres do World Trade Center, Paul Krugman4, compara o impacto do
desmoronamento da Enron ao sentimento de pânico após o atentado às duas
torres:
“Foi um acontecim ento chocante. Com velocidade incrível, nossa
percepção sobre o mundo e sobre nós mesmos mudou. Parece que antes
vivíamos em uma espécie de cega inocência, sem um senso verdadeiro
quanto aos perigos que nos aguardavam. E terminamos despertando de
maneira brutal: tudo mudou. Não, não estou falando sobre o 11 de
setembro. Estou falando sobre o escândalo da Enron. (...)Eu prevejo que,
nos próximos anos, a Enron, e não o 11 de setembro, terminará por ser
vista como um importante ponto de inflexão na história da sociedade dos
Estados Unidos. (...) A E nron parecia ser uma companhia com histórico
comprovado. Seus executivos pareciam espertos, mas sólidos, homens
bem apessoados. Parecia ser um a empresa com um grande espírito de
equipe, um senso de lealdade mútua. Mas ela terminou por explodir.”
Uma falsa percepção do fenômeno “sucesso” pelas empresas pode
traduzir-se pelo falso dilema de escolher entre sua identidade e a im agem
que querem projetar. O esfacelamento de uma imagem baseada na
interpretação fantasiosa de números é produto do despertar amargo de um
sonho que virou pesadelo porque foi construído sobre a cobiça, o roubo e a
desfaçatez. No fim da história, porém, números reais acabam pondo fim a
qualquer dúvida, mostrando que atitudes subjetivas baseadas em premissas
éticas falsas levam à implosão de qualquer gigante com pés de barro!
4 KRUGMAN, Paul, O grande marco divisor, Folha de São Paulo, 30/01/2002
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