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Documentos de habilitao e documentos de qualificao nos procedimentos de formao de contratos pblicos

Marco Real Martins Advogado

Miguel Assis Raimundo Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Advogado

Sumrio: 1. Introduo e colocao do problema 2. A separao entre as fases procedimentais de qualificao, avaliao de propostas e habilitao 2.1. Anlise do sujeito proponente e avaliao da sua proposta: fundamentos para uma separao 2.2. A distino entre qualificao e habilitao em busca de um critrio operativo 3. Distino entre (documentos de) habilitao e (documentos destinados ) qualificao: posio adoptada 4. Um teste ao critrio: a exigncia de certificao por normas de qualidade ou ambientais.

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1. INTRODUO E RAZO DE ORDEM

I. O objecto do presente trabalho consiste na aproximao a um critrio distintivo entre documentos de habilitao e documentos destinados qualificao no mbito de procedimentos de formao de contratos pblicos regulados pelo Cdigo dos Contratos Pblicos1. Para o efeito ser adoptada a seguinte razo de ordem: (i) enunciado do problema; (ii) anlise das razes e dos critrios para a separao entre a fase de habilitao do adjudicatrio e a fase de qualificao dos candidatos no contexto dos procedimentos de formao de contratos pblicos; (iii) num terceiro momento, apresentaremos a nossa prpria posio sobre o critrio distintivo entre (documentos de) habilitao e (documentos destinados ) qualificao; (iv) finalmente, procuraremos confrontar os resultados da nossa indagao com uma situao que tem sido apresentada como exemplo de caso de fronteira entre habilitao e qualificao.

II. Uma das matrias de maior controvrsia na actual dogmtica da contratao pblica a distino entre documentos de habilitao (artigo 81. do Cdigo dos Contratos Pblicos, de ora em diante, CCP) e documentos destinados qualificao (artigo 168. do CCP), nomeadamente no que diz respeito sua funo e liberdade da entidade adjudicante de exigir a sua apresentao. Uma abordagem integrada desta questo ter de partir, necessariamente, da considerao das fases procedimentais distintas em que aqueles documentos se inserem, a saber, a fase de qualificao dos candidatos (no concurso limitado por prvia qualificao, artigos 165. e ss. e Seco II do Captulo III da Parte II do CCP; no procedimento de negociao, artigos 193. e ss. e Seco II do Captulo III da Parte II do CCP; no dilogo concorrencial, artigos 204. e ss. e Seco II do Captulo V da Parte II do CCP; refira-se ainda o caso especfico de ajuste directo com fase de qualificao

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Aprovado pelo Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declarao de Rectificao n. 18-A/2008, de 28 de Maro, e j alterado pelos Decretos-Leis n.os 223/2009, de 11 de Setembro (que alterou o diploma preambular), e 278/2009, de 2 de Outubro. Sobre as alteraes introduzidas por este ltimo diploma (algumas delas em matrias conexas com o objecto do presente texto), v. MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Alteraes ao Cdigo dos Contratos Pblicos - o Decreto-Lei n. 278/2009, de 2 de Outubro, in O Direito, ano 141, (IV), 2009, pp. 887-910. 2

previsto na alnea a) do n. 1 do artigo 24. do CCP) e a fase de habilitao do(s) adjudicatrio(s) (Captulo VIII da Parte II do CCP). A ttulo introdutrio, importa igualmente notar que a questo que ora nos ocupa mereceu acrescidas importncia e notoriedade (prtica e terica) com a entrada em vigor do CCP. De facto, no ensejo de estabelecer uma mais ntida distino entre o concurso limitado por prvia qualificao e o concurso pblico, o legislador nacional optou por reservar a fase de qualificao por excelncia para aquele primeiro procedimento (sem prejuzo de a mesma fase se encontrar em outros procedimentos, cfr. supra), depurando, nessa medida, o regime procedimental do concurso pblico, apenas sujeito a uma fase de habilitao do adjudicatrio (cfr. infra). Tal opo polticolegislativa consistiu num contundente corte com o regime que decorria dos Decretos-Lei n.os 59/99 e 197/99, que tornavam o concurso pblico numa forma atenuada de concurso limitado2. De igual forma, no CCP o conceito de habilitao foi igualmente revisto em abono do seu verdadeiro significado3: contrariamente ao que sucedia nos diplomas legislativos atrs mencionados, e que at entrada em vigor do CCP constituram a matriz da contratao pblica portuguesa, a expresso habilitao no mais usada indiferenciadamente (quer para a demonstrao da habilitao legal, quer tambm para a demonstrao da capacidade econmico-financeira e tcnica); no CCP a habilitao no tem qualquer relao com a demonstrao da capacidade tcnica e financeira, mas tos com a averiguao da aptido do adjudicatrio (quer demonstrao da titularidade de habilitao legal para a execuo de determinado contrato, quer demonstrao da inexistncia de qualquer impedimento contratao), encontrando-se os documentos de habilitao elencados no artigo 81. do CCP. Mutatis mutandis, o mesmo se diga a propsito dos documentos destinados qualificao, os quais viram o seu o respectivo significado e finalidade clarificados com a entrada em vigor do CCP (cfr. artigo 168 CCP).

2. A SEPARAO ENTRE QUALIFICAO, AVALIAO DE PROPOSTAS E HABILITAO

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MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, O concurso pblico no Cdigo dos Contratos Pblicos, IN PEDRO GONALVES (COORD.), Estudos de Contratao Pblica, vol. I, Coimbra: CEDIPRE/Coimbra Editora, 2008, pp. 181-227, 187. 3 Um pouco imagem do conceito de adjudicao, nem sempre utilizado com o rigor devido, hoje vertido no artigo 73. do CCP. 3

2.1. Anlise do sujeito proponente e avaliao da sua proposta: fundamentos para uma separao

I. Ao dispor sobre os factores e eventuais subfactores que densificam o critrio da proposta economicamente mais vantajosa, o n. 1 do artigo 75. do CCP esclarece que devem abranger todos os aspectos da execuo do contrato submetidos concorrncia e apenas estes no podendo dizer respeito, directa ou indirectamente, a situaes, qualidades, caractersticas ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes. A formulao do preceito precipita a ideia de que se trata de um limite negativo a observar em sede de avaliao de propostas4: est definitivamente arredada da fase de anlise e avaliao das propostas a considerao de quaisquer factores que lhes sejam (s propostas) estranhos, relevando esses aspectos apenas e exclusivamente na fase de qualificao dos candidatos5. A ratio daquele normativo clara: visa-se evitar que consideraes relativas aos concorrentes possam prejudicar ou contaminar, desde logo em termos de igualdade (e comparabilidade), a avaliao das propostas, sob pena de se poder distorcer, com alguma facilidade, os resultados ou pontuaes obtidas. () Por isso, o juzo (subjectivo) sobre o preenchimento dos requisitos de aptido tcnica e financeira dos concorrentes passou a preceder a apreciao (objectiva) das suas propostas6. Desta forma, os esquemas concorrenciais de formao de contratos pblicos assumem aquela que a sua verdadeira vocao, de certa forma idealizante, de conseguir tratar os proponentes sem fazer acepo de qualidades pessoais; ao procurar separar os aspectos de apreciao do proponente dos aspectos da qualidade da sua proposta, vinca-se uma ideia, um desiderato, que faz parte, desde sempre, do discurso legitimador dos esquemas abertos e concorrenciais de contratao: a ideia de que um pequeno4

Na verdade, o teor da norma contida na parte final do artigo 75., n. 1 do CCP no inovador no ordenamento jurdico portugus: em especial, vejam-se os artigos 98. e 100., n. 3 do Decreto-lei n. 59/99, de 2 de Maro, artigos 55., n. 3 e 105. do Decreto-lei n. 197/99, de 8 de Junho. Antes, porm, j no Decreto-lei n. 55/95, de 29 de Maro (cfr. artigos 46. e 47.), ainda que em termos algo mitigados, porquanto naquele diploma no se destrinava com absoluta evidncia a funo procedimental destes requisitos (de capacidade financeira e tcnica) e a dos critrios de adjudicao. 5 Cfr. ANA GOUVEIA MARTINS, O concurso limitado por prvia qualificao, IN PEDRO GONALVES (COORD.), Estudos de Contratao Pblica, vol. I, Coimbra: CEDIPRE/Coimbra Editora, 2008, pp. 229274, 267. 6 MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e outros procedimentos de adjudicao administrativa. Das Fontes s Garantias, Coimbra: Almedina, 1998, 339. Todavia, no claro o que estes Autores entendem por apreciao (objectiva) das suas propostas, sabendo-se que muitos dos factores de avaliao (maxime, a qualidade) comportam, ou podem comportar, em maior ou menor medida, alguma margem de livre apreciao necessariamente subjectiva por parte do Jri, ainda que balizada, quando muito, pelos princpios gerais da actividade administrativa. 4

empresrio tem hipteses reais de vencer em concurso uma empresa de grande poderio econmico, porque o esquema concursal igualiza-os; transforma-os, ainda que temporariamente, em competidores em igualdade de circunstncias, ao tratar apenas de comparar a qualidade das suas propostas, abstraindo das suas realizaes passadas e dos seus meios presentes. Todo o programa desta separao est sintetizado no n. 2 do artigo 187 do CCP, a propsito da passagem entre qualificao e fase de apresentao de propostas, no concurso limitado: Os candidatos qualificados passam fase seguinte em condies de igualdade. Neste ponto, o legislador do CCP traou uma linha de continuidade com o regime dos diplomas anteriores, onde a anlise dos requisitos do sujeito e a avaliao da sua proposta ocorriam em fases procedimentais distintas quanto ao escopo e contedo no domnio do procedimento da contratao pblica, claramente separadas no que tange ritologia procedimental7. O legislador portugus no podia, alis, proceder de outro modo, uma vez que o Direito europeu dos contratos pblicos impe igualmente uma separao entre as actividades de seleco (em sentido lato) dos participantes no procedimento e de avaliao das respectivas propostas. As condies de seleco de entidades visam verificar a aptido dos operadores econmicos para este efeito, com base em critrios relativos capacidade econmica e financeira, bem como aos conhecimentos ou capacidades profissionais e tcnicas. A Directiva n. 2004/18/CE, de 31 de Maro, prev em vrias passagens a necessidade de seleco dos concorrentes8. Desta forma, visa-se garantir que os concorrentes renem as condies necessrias, do ponto de vista tcnico e financeiro, para poderem ser co-contratantes9 das entidades adjudicantes, de forma a assegurar a boa execuo do contrato, bem como, em segunda linha, a prpria utilidade do procedimento adjudicatrio. Com efeito, em maior ou menor medida, qualquer procedimento jurdico-pblico de formao de contratos convoca uma srie de recursos (financeiros e humanos), da

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TCAS 2J 10-09-2009 (CRISTINA DOS SANTOS), proc. 4216/08. Como sublinha o acrdo, essa diferena era ainda mais marcada em sede de procedimentos pr-contratuais para a celebrao de contratos de empreitada e concesso de obras pblicas, onde o Decreto-Lei n. 59/99 diferenciava os dois momentos prevendo uma comisso diferente para cada um deles, soluo porventura excessiva, que foi abandonada pelo CCP. 8 Cfr. Considerando (39) e artigo 44.. Cfr. ainda os artigos 29. a 32. da Directiva n. 92/50/CEE, 24. a 27. e 29. da Directiva n. 93/37/CEE, e 20. a 23. da Directiva n. 93/36/CEE. 9 Neste sentido se deixou dito no acrdo TJCE Holst Itlia, de 02-12-1999, Proc. n. C-176/98, que esta fase de seleco tem por objectivo garantir que o proponente dispor efectivamente, durante o perodo coberto pelo contrato, dos meios, qualquer que seja a sua natureza, por ele invocados. 5

entidade adjudicante e dos concorrentes (ou candidatos), perante os quais se entende deverem existir especiais precaues, que podem no ser convenientemente atendidas atravs de outros mecanismos de estmulo do cumprimento e penalizao do incumprimento (v.g., em sede de eventual execuo da cauo, aplicao de penalidades ou de mecanismos de incumprimento contratual). A fase de qualificao dos concorrentes (ou candidatos) permite assim, desde logo, fazer uma primeira triagem, sendo, neste sentido, uma garantia adicional da utilidade do procedimento: sem prejuzo de quaisquer alteraes supervenientes, no ser por falta de capacidade econmica e tcnica que qualquer adjudicatrio no estar em condies de executar o contrato, deste modo se garantindo que o procedimento no foi tempo perdido. Importa igualmente sublinhar que os critrios legais de qualificao de concorrentes (e de candidatos) ou de seleco qualitativa, na terminologia comunitria so apenas aqueles que esto expressamente previstos em letra de lei: a capacidade econmica e financeira e a capacidade tcnica. No outros. Alis, como julgou o TJCE no acrdo Lottomatica10, estas disposies enumeram taxativa e imperativamente os critrios de seleco qualitativa e de atribuio do contrato11. Torna-se, pois, imprescindvel delimitar os elementos que podem e devem ser considerados, em especial, para efeitos de avaliao da capacidade tcnica, dos elementos que apenas podem e devem ser tidos em conta na fase de habilitao do adjudicatrio, e, bem assim, daqueloutros ainda que corporizam eventuais factores (e subfactores) que densificam o critrio de adjudicao da proposta economicamente mais vantajosa.

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Acrdo TJCE Lottomatica, de 26-04-1994, Proc. n. C-272/91. Sobre estes aspectos, V. CLUDIA VIANA, Os princpios comunitrios na contratao pblica, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 484-506. 11 Coisa diferente so os meios comprovativos da capacidade econmico-financeira (cfr. o elenco no taxativo de meios de prova previsto no n. 1 e a clusula geral do n. 5, do artigo 47. da Directiva n. 2004/18/CE; v. ainda, entre outros, acrdo TJCE CEI/Bellini, de 09-07-1987, Procs. n.os 27/86, 28/86 e 29/86) e tcnica (contrariamente ao que sucede a propsito da comprovao da capacidade financeira, a Directiva 2004/18/CE prev, no n. 2 do artigo 48., o elenco taxativo de meios de prova da capacidade tcnica que a entidade pode requerer, nos termos do n. 6 do mesmo normativo). Sobre esta questo, numa perspectiva de direito comunitrio, V. VIANA, Os princpios comunitrios, 496-498, e SUE ARROWSMITH, The Law of Public and Utilities Procurement, London: Thomson/Sweet and Maxwell, 2005, 730. O legislador nacional no se pronunciou inequivocamente sobre esta matria, apenas prevendo na alnea j), do n. 1, do artigo 164. do CCP que o programa do concurso limitado por prvia qualificao deve indicar [o]s documentos destinados qualificao dos candidatos, norma cujo teor dever ser cotejado com os normativos comunitrios supra mencionados, em obedincia ao princpio da interpretao conforme do direito interno com o direito comunitrio. Em sentido prximo ao nosso entendimento, reportando-se a uma necessidade de articulao daquele normativo com a enunciao fechada dos meios de prova admitidos pela directiva, cfr. GOUVEIA MARTINS, O concurso limitado, 265266. 6

Deve ainda sublinhar-se que a separao entre as operaes de qualificao (anlise de candidaturas) e de avaliao de propostas bidireccional: ou seja, se verdade, como vimos, que na fase de avaliao das propostas no podem ser tidos em conta aspectos que se reportem s caractersticas, qualidades e capacidades do sujeito proponente, tambm a inversa verdadeira. Com efeito, na fase de qualificao, o legislador afirma lapidarmente essa separao, ao estatuir no artigo 184, n. 2, alnea h) do CCP que o jri de um concurso limitado por prvia qualificao, no relatrio preliminar da fase de qualificao, deve propor a excluso de qualquer candidatura que seja constituda por documentos destinados qualificao que contenham qualquer referncia indiciadora de algum dos atributos da proposta: trata-se de mais uma manifestao do princpio da separao estanque entre qualificao e avaliao da proposta. Tanto ilegal, na fase de qualificao, beneficiar uma candidatura em razo de uma boa proposta, como ilegal, na fase de avaliao das propostas, beneficiar uma proposta em razo de um bom proponente. Assim, a este propsito, continua a ser actual, no presente estdio de evoluo do Direito portugus e europeu dos contratos pblicos, o paradigmtico entendimento vertido no acrdo Beentjes12, onde se determina que a verificao da aptido () [fases de qualificao, e, em alguma medida, de habilitao] e a adjudicao [rectius, a fase de avaliao das propostas] so duas operaes diferentes13 (interpolaes e12

Acrdo TJCE Beentjes, de 20-09-1988, acima citado. O Supremo Tribunal Administrativo portugus tambm j se pronunciou sobre assunto: STA 2S 02-03-2004 (SO PEDRO), Proc. n. 58/04, com anotao de CLUDIA VIANA, A avaliao da capacidade econmica e financeira nos procedimentos de contratao pblica. Anotao do Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 2.3.2004, P. 58/04, Cadernos de Justia Administrativa, (61), Janeiro/Fevereiro 2007, pp. 41-62, 13 Nem sempre isso sucedeu na legislao nacional. Tome-se como exemplo o disposto no histrico Decreto-Lei n 405/93, de 10 de Dezembro, do qual no resultava a subdiviso da fase de anlise e apreciao dos concorrentes e das propostas, em duas operaes distintas e autnomas, uma de avaliao qualitativa dos concorrentes e outra das propostas, razo pela qual no tinha transposto correctamente a Directiva n. 93/37/CEE. A deficiente transposio da Directiva n. 93/37/CEE foi notada pela Comisso Europeia e originou a publicao do Despacho MOPTC 63/94XII, de 30 de Dezembro de 1994, que pretendeu ser um despacho interpretativo. Neste Despacho comea-se por considerar que o Decreto-Lei n 405/93, de 10-12, prev um primeiro exame formal sobre a existncia dos elementos documentais exigidos pela Lei e pelo programa do concurso, remetendo para um segundo momento a anlise e apreciao dos concorrentes e das propostas, com vista adjudicao, para depois se diferenciar, dentro do segundo momento, duas operaes distintas, uma primeira relativa anlise da aptido dos concorrentes e outra apreciao das propostas com vista adjudicao. Ou seja, embora no DecretoLei n 405/93 no se encontrem previstas duas fases formalmente autonomizadas para verificao da aptido dos concorrentes e para a apreciao das propostas, as comisses de apreciao devem ter presente que se trata de duas operaes distintas e sequenciais do processo de concurso. Por conseguinte, o Despacho MOPTC 63/94XII, em conformidade com as directivas europeias data em vigor, determina a autonomizao de uma fase de seleco qualitativa dos concorrentes, procedendo-se verificao da sua aptido com base em critrios de capacidade econmica, financeira e tcnica. Pelo exposto, dificilmente se poder aceitar que o Despacho MOPTC 63/94 XII ter sido um mero diploma interpretativo, configurando, ao invs, um diploma inovador. 7

itlicos nossos). Semelhante entendimento foi reiterado repetidas vezes pelo Tribunal de Justia: vejam-se os acrdos Gesellschaft14 e Lianakis15. Neste ltimo aresto, o Tribunal afirmou taxativamente que so excludos como critrios de adjudicao os critrios que no visam identificar a proposta economicamente mais vantajosa, mas que esto ligados essencialmente apreciao da aptido dos proponentes para executar o contrato em questo; assim, o Tribunal concluiu que os factores tidos em conta para efeitos de aplicao do critrio de adjudicao no procedimento que foi objecto de questo prejudicial, ao referirem-se principalmente experincia, s qualificaes e aos meios susceptveis de garantir uma boa execuo do contrato em questo, eram incompatveis com o Direito comunitrio, tendo em conta a referida separao entre avaliao da proposta e qualidades do proponente16. 2.2. A distino entre qualificao e habilitao em busca de um critrio operativo

I. Todavia, nem sempre a fronteira entre a avaliao (da proposta), a qualificao e a habilitao se revela ntida. No obstante, para todos os efeitos, devem aquelas fases ser dogmaticamente conceptualizadas como fases distintas, sem prejuzo de algumas zonas cinzentas que entre as mesmas possam existir, como veremos adiante. Assim, na habilitao, que s tem lugar na parte final do procedimento e apenas exigvel ao adjudicatrio, por motivos de desburocratizao e de celeridade procedimental17, poderemos distinguir duas sub-fases, sem que entre as mesmas exista qualquer tipo de precedncia:

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Acrdo TJCE Gesellschaft, de 19-06-2003, Proc. n. C-315/01, onde tambm se afirma que a verificao da aptido dos fornecedores para entregar os produtos objecto do contrato a adjudicar e a adjudicao so duas operaes diferentes no mbito da adjudicao de um contrato pblico. 15 Acrdo TJCE Lianakis, de 24-01-2008, Proc. C-532/06, n. 26. 16 Acrdo TJCE Lianakis, de 24-01-2008, Proc. C-532/06, n.s 29-32. 17 Este modelo de habilitao foi introduzido pelo CCP, pois no modelo anterior ao Cdigo, o cumprimento do nus da habilitao era exigido de todos os concorrentes. JORGE ANDRADE DA SILVA, Cdigo dos Contratos Pblicos Comentado e Anotado, 2 ed., Coimbra: Almedina, 2009, nota ao artigo 81, considera esta alterao uma das mais salientes que o CCP veio trazer em sede de procedimentos de formao. De um ponto de vista diferente, questionando-se acerca da compatibilidade desta opo com o Direito Europeu, mas concluindo, a final, pela viabilidade da soluo, veja-se CLUDIA VIANA, A qualificao dos operadores econmicos nos procedimentos de contratao pblica, in PEDRO GONALVES (Coord.), Estudos de Contratao Pblica, vol. II, Coimbra: CEDIPRE/Coimbra Editora, 2010, pp. 153-196 (especialmente 158-159). 8

(i) Uma sub-fase em que se procede a uma comprovao essencialmente negativa relativa ao preenchimento por parte do adjudicatrio dos requisitos negativos de falta de idoneidade profissional ou pessoal, bem como uma verificao do cumprimento de requisitos gerais respeitantes ao cumprimento de obrigaes fiscais e sociais18; e

(ii) Uma sub-fase em que se procede a uma comprovao positiva de que o adjudicatrio detentor das habilitaes legais necessrias para o exerccio de determinada actividade ou profisso (v.g., certificados de inscrio em listas oficiais de fornecedores, cdulas profissionais, alvars, etc.)19.

Em qualquer destas sub-fases da fase de habilitao, a doutrina tem entendido inexistir qualquer juzo avaliativo por parte do jri20. Por sua vez, na fase de qualificao dos candidatos, o jri do procedimento procederia a uma efectiva avaliao da capacidade tcnica e/ou financeira dos candidatos (cfr. infra). Ora, uma das opes de fundo do legislador nacional do CCP foi, como vimos, a de determinar que de entre os dois procedimentos concursais, apenas um deles tenha fase de qualificao: o concurso limitado por prvia qualificao21/22. Por outras palavras: no mais se verifica a qualificao de concorrentes, mas apenas e s de candidatos.18 19

Cfr. artigos 55., alneas a) a i) e 81., n. 1, alnea a), do CCP. Cfr. artigo 81., n.os 2 a 4 e 6 a 8 do CCP. 20 Neste sentido, GOUVEIA MARTINS, O concurso limitado, 240. 21 Consideremos, contudo, uma excepo a esta regra: o procedimento de ajuste directo com fundamento material ao abrigo da (2. parte da) alnea a), do n. 1, do artigo 24. do CCP, caso este em que, verificados os seus pressupostos aplicativos, se enxerta naquele procedimento uma fase de qualificao das entidades convidadas. Tambm nos restritos procedimentos de negociao e de dilogo concorrencial est prevista uma fase de qualificao. 22 Esta opo do legislador explicada, desde logo, pela inteno de estabelecer uma distino mais ntida entre o concurso pblico e o concurso limitado, distino essa em crise nos (revogados) Decretos-lei n.os 197/99 e 59/99, na medida em que o concurso pblico pressupunha uma fase de qualificao dos concorrentes, tornando o mais das vezes desnecessrio (na vertente do princpio da proporcionalidade) o recurso ao concurso limitado. Simultaneamente, pretendeu o legislador conferir s entidades adjudicantes uma maior liberdade de escolha do procedimento (cfr. artigo 18. do CCP: a escolha do procedimento livre, ainda que condicione o valor do contrato a celebrar), balizada por critrios de proporcionalidade, afastando, no que ao concurso limitado por prvia qualificao concerne, as limitaes decorrentes da letra dos artigos 80., n. 2 do Decreto-Lei n. 197/99 e 122. do Decreto-Lei n. 59/99, os quais apelavam, como sabido, complexidade tcnica (em ambos os casos) ou ao montante envolvido (apenas no primeiro daqueles diplomas legislativos) do/no contrato a celebrar. Note-se, porm, que aquelas referncias legislativas, hoje histricas, mantm plena actualidade, na medida em que constituem tpicos (no vinculativos, evidentemente) de fundamentao da escolha do procedimento por parte das entidades adjudicantes, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 38. do CCP, quer pela sedimentao a nvel legislativo que os mesmos comportam (reconhecida, alis no Prembulo do Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro: matriz da contratao pblica portuguesa nos ltimos anos) quer ainda porque, luz do princpio da proporcionalidade, conforme referido, se apresentam prima facie ndices de fundamentao vlidos. 9

Quando a entidade adjudicante escolhe o concurso pblico, procede a um apelo genrico concorrncia, manifestando ou publicitando apenas a sua inteno de receber propostas, para escolher a melhor, desinteressando-se quase totalmente do respectivo proponente23, devendo, pois, entender-se que se basta com a habilitao do adjudicatrio. Sempre que a entidade adjudicante pretenda avaliar a capacidade tcnica e/ou financeira dos concorrentes (sem prejuzo da capacidade eventualmente revelada em sede de habilitao, cfr. infra), o procedimento adequado o concurso limitado por prvia qualificao. por esta razo que em nenhum caso, ao longo de todo o CCP, existe obrigatoriedade de escolha do concurso limitado para a formao de um contrato pblico: a adopo do concurso limitado depende apenas do juzo casustico de adequao (no mbito do princpio da proporcionalidade) que o rgo competente para a deciso de contratar faa em relao concreta necessidade que visa suprir com o contrato a celebrar e idoneidade do meio procedimental escolhido para o efeito, nos termos gerais previstos no artigo 38. do CCP. Isto porque o legislador do CCP consagra uma verdadeira alternatividade entre a utilizao do concurso pblico e concurso limitado por prvia qualificao, verificando-se que os mesmos (procedimentos) permitem exactamente a celebrao dos mesmos contratos [v., para a demonstrao desta assero, os artigos 19., alnea b), 20., n. 1, alnea b) e n. 2, 21., n. 1, alnea b), e 28., todos do CCP].

II. O critrio distintivo entre a sub-fase da habilitao mencionada em (ii) supra e a fase de qualificao aparenta ser, em suma, o da ausncia de qualquer juzo avaliativo naquela, mas meramente certificativo. Ao invs, na fase de qualificao (no concurso limitado por prvia qualificao) esse juzo avaliativo necessariamente teria que ocorrer e incidir sobre a aptido dos candidatos24. Do nosso ponto de vista, aquele critrio operativo quando estejamos perante o designado modelo de avaliao complexo, apelidado de sistema de seleco25, segundo o qual no so qualificados todos os candidatos que preencham os requisitos mnimos, mas apenas aqueles de entre esses que sejam ordenados nos primeiros lugares,

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Neste sentido, OLAZABAL CABRAL, O concurso pblico no CCP, 185-186. Neste sentido, GOUVEIA MARTINS, O concurso limitado, 239-240. 25 Cfr. artigo 181. do CCP. 10

segundo o critrio da maior capacidade tcnica e financeira (aplicando mutatis mutandis o modelo de avaliao previsto no artigo 139. ex vi artigo 181., n. 2 do CCP). Duvidamos, porm, da efectividade de tal critrio perante um modelo de qualificao simples, de acordo com o qual so qualificados todos os candidatos que preencham os requisitos mnimos26 de capacidade tcnica e/ou de capacidade financeira27. Pergunta-se: neste ltimo modelo de qualificao, qual o alcance da actividade avaliativa do jri? Muito diminuta, seno mesmo, regra geral, inexistente: tratando-se de um modelo (simples) de cariz binrio, que funciona numa lgica de tudo ou nada, sim ou no, o jri ter, na grande maioria dos casos, se no em todos, apenas que aferir ou certificar (e no j avaliar) se/que os candidatos preenchem os requisitos mnimos de capacidade tcnica e/ou financeira previstos no programa do procedimento28 se sim, so convidados a apresentar uma proposta, se no, no so convidados , sem que para o efeito tenha que emitir um juzo materialmente avaliativo sobre os documentos de qualificao apresentados.

III. Assim, em termos metodolgicos, poderamos equacionar, em abstracto, trs nveis diferentes de qualificao (em sentido amplo):

(i) No primeiro nvel, encontramos a fase de habilitao do adjudicatrio. Efectivamente, tal como a interpretamos, a fase de habilitao do adjudicatrio, regulada no Captulo VIII do Ttulo II da Parte II do CCP, constitui um grau mnimo ou grau zero da qualificao, na medida em que a habilitao de per si reveladora de uma determinada capacidade tcnica (e em alguns casos, tambm financeira) do adjudicatrio. Por exemplo, um adjudicatrio que apresente um certificado de inscrio em lista oficial de fornecedores de bens mveis, nos termos e para os efeitos previstos no n. 4 do artigo 81. do CCP, beneficia, em princpio, de uma cauo de qualidade mnima (efectuada por uma terceira entidade), a qual pode ser considerada suficiente pela entidade26 27

Cfr. artigos 179. do CCP. Quando o anncio de concurso limitado for publicado no JOUE, a qualificao dos candidatos tem de recair sobre ambas as capacidades: tcnica e financeira ao passo que, quando o referido anncio no for publicado no JOUE, a qualificao pode ser efectuada apenas em funo da capacidade tcnica ou apenas em funo da capacidade financeira; cfr. artigo 164., n. 5 do CCP. 28 Com efeito, esta aferio da capacidade tcnica e/ou financeira aproxima-se, eufemsticamente diramos, da actividade de verificao documental tambm designada por qualificao dos concorrentes prevista nos artigos 98. do Decreto-lei n. 59/99, de 2 de Maro, e 105. do Decreto-lei n. 197/99, de 8 de Junho. 11

adjudicante. O mesmo se diga, mutatis mutandis, de um empreiteiro adjudicatrio que apresenta o respectivo alvar ou ttulo de registo, nos termos e para os efeitos previstos nos nmeros 2 e 3 do mesmo artigo: a emisso destes documentos necessariamente foi precedida por uma fase de aferio da capacidade tcnica e financeira daquele empreiteiro para a realizao de determinadas obras pblicas (em funo da classe), tendo esse juzo (avaliativo) sido feito pelo Instituto da Construo e do Imobilirio, I.P; donde, tambm neste caso se poder com alguma segurana afirmar que existe aqui, em maior ou menor medida, alguns laivos de uma actividade tpica de qualificao29;

(ii) No segundo nvel, o modelo simples de qualificao. Damos aqui por integralmente reproduzidas as dvidas atrs enunciadas quanto tnue (ou inexistente: tudo depende do critrio distintivo adoptado) distino entre a aferio da capacidade tcnica neste modelo binrio de qualificao e a existente na fase de habilitao. Em ltima anlise, a fronteira traada pelo legislador entre estes dois momentos (de habilitao e de qualificao simples) no substancial, mas meramente formal e pragmtica: os documentos ditos de habilitao (cfr. (i) supra) s alcanam esse qualificativo se ex lege forem considerados como documentos comprovativos da titularidade das habilitaes () exigidas30. A consequncia do exposto ser analisada adiante, mais detidamente, a propsito da considerao das normas de qualidade;

(iii) Finalmente, no terceiro nvel, a qualificao em sentido prprio, corporizada no modelo de avaliao complexo, reservada para os casos em que a entidade adjudicante entende que o cumprimento do contrato a celebrar exige especiais cuidados na determinao do co-contratante. Em ltima anlise, estamos aqui, grosso modo, perante o tradicional mbito do concurso limitado por prvia qualificao, ou seja, os casos em que a complexidade tcnica ou o montante29

Assim, veja-se o disposto em matria de idoneidade, capacidade tcnica e capacidade econmica e financeira, para a concesso e manuteno na actividade de construo, nos artigos 7. a 11., 18., 19. e 31. do Decreto-Lei n. 12/2004, de 9 de Janeiro, que estabelece o regime jurdico de ingresso e permanncia na actividade da construo. 30 Cfr. artigo 81., n. 6, in fine do CCP. 12

envolvido exijam uma pr-avaliao das capacidades tcnicas, comerciais, financeiras e administrativas dos concorrentes31.

IV. Um parntesis apenas para a este propsito se questionar se este ltimo nvel [o nvel (iii)] no deveria ser, no o tradicional, mas, pelo contrrio, o actual mbito do concurso limitado de qualificao, por referncia ao mbito do concurso pblico. A dvida justifica-se, de facto, porquanto a soluo plasmada no CCP (de inexistncia de fase de qualificao, ou talvez melhor, de um momento, autnomo ou no, de aferio de capacidade tcnica ou financeira, no concurso pblico), no obstante apresentar vantagens inegveis (quer em termos de celeridade e economia procedimental, quer em termos de concorrncia, por permitir um mais amplo e quase incondicionado apelo genrico aos diversos operadores econmicos,

independentemente das respectivas identidades), susceptvel de gerar alguma incongruncia quando interpretada conjuntamente com a Directiva n. 2004/18/CE e em especial, com o seu artigo 44.. O n. 1 do artigo 44. da Directiva dispe que Os contratos so adjudicados com base nos critrios estabelecidos nos artigos 53. e 55., tendo em conta o artigo 24., aps verificada a aptido dos operadores econmicos no excludos ao abrigo dos artigos 45. e 46., pelas entidades adjudicantes de acordo com os critrios relativos capacidade econmica e financeira, aos conhecimentos ou capacidades profissionais e tcnicos referidos nos artigos 47. a 52. e, eventualmente, com as regras e critrios no discriminatrios referidos no n. 3. O entendimento do legislador comunitrio parece, assim, apontar no sentido de que sempre seria imposta, em concurso pblico, a aferio da capacidade tcnica e financeira dos proponentes, tal como resulta do n. 2 do mesmo artigo 44. da Directiva, de acordo com a qual [a]s entidades adjudicantes podero exigir nveis mnimos de capacidade tcnica e financeira; pode ainda citar-se em abono deste entendimento o Considerando (39) da Directiva; o que permite levantar a questo de saber se a transposio efectuada pelo CCP conforme com os elementos mnimos que fazem parte da regulao (propositadamente incompleta, para permitir margem de manobra aos legisladores nacionais) do procedimento de concurso pblico contida na Directiva.

31

Cfr. artigo 80., n. 2, 2. parte do Decreto-lei n. 197/99, de 8 de Junho. 13

Embora com dvidas, podemos talvez dizer que o legislador nacional procurou acautelar-se nesta matria, ao assegurar, como vimos acima, que existe uma relao de fungibilidade plena entre concurso pblico e concurso limitado. Com efeito, ao admitir, para todos os efeitos, que as entidades adjudicantes possam sempre escolher livremente (embora respeitando o princpio da proporcionalidade) entre o concurso pblico e o concurso limitado por prvia qualificao, o legislador portugus procurou assegurar, na prtica, o mesmo resultado que o artigo 44., n.os 1 e 2, da Directiva 2004/18/CE quer acautelar: a possibilidade de aferir sempre, em procedimento concursal, a capacidade tcnica ou financeira. S que enquanto o legislador comunitrio consegue esse resultado prevendo a possibilidade de, em todos os procedimentos, introduzir essa apreciao, o legislador nacional, limitando-a a alguns dos procedimentos disponveis, tenta obter o mesmo resultado ao consagrar a fungibilidade ou intercambialidade entre os procedimentos onde essa apreciao possvel e aqueles onde no . Pode colocar-se, contudo, a questo de saber se a inteno do legislador foi integralmente conseguida, tendo em conta que mesmo no modelo escolhido, existe sempre uma diferena relevante face opo comunitria: que enquanto no concurso pblico da Directiva a fase de seleco qualitativa simplesmente um momento prvio avaliao das propostas, no constituindo uma fase procedimental autnoma, no Direito portugus s h seleco qualitativa no modelo de duas fases: fase de qualificao e fase de apresentao de proposta, por aqueles que tenham sido qualificados. Em alternativa ao modelo que escolheu, poderia o legislador nacional ter reservado o mecanismo a que chamou modelo simples de qualificao para o procedimento de concurso pblico, aplicando apenas nos concursos limitados aquilo a que chama sistema complexo de qualificao; essa soluo, simultaneamente, representaria uma lgica de continuidade com os Decretos-Lei n.os 59/99 e 197/99, ao mesmo tempo que dissiparia quaisquer dvidas de incompatibilidade com o preceituado na directiva, e tem precedente no Code des Marchs Publics francs, aprovado atravs do Decreto 2006/975, de 1 de Agosto (cfr. artigo 45.). No foi, porm, esta a opo acolhida pelo legislador nacional, com as vantagens e desvantagens atrs expendidas.

V. A propsito ainda da distino entre documentos de habilitao e documentos destinados qualificao, uma dvida levantada por um preceito que primeira vista no apresenta a complexidade que no entanto revelada por uma leitura mais atenta.

14

Dispe, com efeito, o n. 6 do artigo 81 (artigo que o CCP dedica matria dos documentos de habilitao): Independentemente do objecto do contrato a celebrar, o adjudicatrio deve ainda apresentar os documentos de habilitao que o programa do procedimento exija, nomeadamente, no caso de se tratar de um procedimento de formao de um contrato de aquisio de servios, quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitaes legalmente exigidas para a prestao dos servios em causa. A questo mais pertinente a este propsito a de saber quais os documentos de habilitao que o programa do procedimento pode exigir, nos termos do n. 6 do artigo 81. do CCP, e que tipo de repercusses tem esta norma bastante aberta no sistema da habilitao previsto no Cdigo. Pronunciando-se sobre esta questo, MARGARIDA OLAZABAL CABRAL afirma ser absolutamente claro que o artigo 132., por remisso do 81., n. 6, ao permitir que o programa de concurso exija documentos de habilitao, no est a autorizar a que no concurso pblico se exijam requisitos de capacidade tcnica ()32. Esta opinio parece-nos de partilhar no que respeita ao princpio que lhe subjaz, pois seria realmente estranho que o legislador se preocupasse em retirar da tramitao do concurso pblico a possibilidade de diferenciar capacidade tcnica e financeira, e depois viesse, de forma enviesada, acabar por consagrar resultado semelhante, com a agravante de que aqui seria uma qualificao ps-adjudicao. Contudo, o facto de partilharmos essa opinio deixa em grande medida por resolver o problema essencial: o de saber que tipo de documentos podem ser exigidos ao abrigo desta norma. A norma parece demonstrar a insuficincia, em ltima anlise, de um critrio de distino entre documentos de habilitao e documentos destinados qualificao que assente apenas na indicao taxativa, feita pelo legislador, de uns e de outros; porque se o legislador no d qualquer indicao sobre quais os documentos em causa, antes se expressa por meio de uma clusula aberta (como acontece no n. 6 do artigo 81), o intrprete obrigado a procurar um critrio distintivo que seja substancial ou material, e no apenas formal, como seria o critrio da enumerao legal.

32

OLAZABAL CABRAL, O concurso pblico no CCP, 186. 15

O legislador auxilia em parte a compreenso do sentido do n. 6 do artigo 81., ao referir-se (de modo claramente exemplificativo33) a certos documentos em sede de habilitao dos prestadores de servios que podem ser exigidos de acordo com esta norma. Assim, em face da formulao da parte final do mencionado normativo, temos por certo que quaisquer cdulas profissionais, que habilitam para o exerccio de uma profisso (de advogados, solicitadores, arquitectos, engenheiros, clnicos, tcnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, etc.) ou documentos que titulem a autorizao para o exerccio de determinada actividade de prestao de servios 34 podem ser exigidos pelas entidades adjudicantes em sede de habilitao. No entanto, pensamos possvel acrescentar aos casos referidos no artigo 81., n. 6, pelo menos algumas situaes onde a habilitao legal susceptvel de ser exigida diz respeito no prestao de servios, mas sim possibilidade de fabrico e/ou fornecimento de certos bens mveis, ao abrigo de contratos de aquisio ou de locao desse tipo de bens. Existem, com efeito, certos bens mveis cujos fornecedores necessitam de actos autorizativos prvios sua comercializao ou ao seu fabrico35. Nestes casos, o acto autorizativo no tem por objecto uma habilitao para o exerccio de uma actividade de prestao de servios mas de fornecimento de bens. Repare-se que embora haja proximidade, do que se trata aqui sempre da aferio de qualidades ou requisitos do prprio adjudicatrio (por isso se trata de habilitao sua), e no dos bens por si propostos no mbito do procedimento, pois a existncia de possibilidade legal de circulao dos bens (no caso dos medicamentos, a autorizao de introduo no mercado; no caso dos dispositivos mdicos, a marcao CE, e assim por diante) , parece, algo que pode e deve ser exigido no mbito do prprio procedimento a todos os concorrentes que apresentem proposta e acompanhando a mesma, determinando a falta de demonstrao da existncia de tal aptido dos bens levar excluso da proposta do respectivo concorrente, nos termos do artigo 70., n. 2, alnea f) do CCP.

33

Tambm neste sentido, GONALO GUERRA TAVARES/NUNO MONTEIRO DENTE, Cdigo dos Contratos Pblicos Comentado, Vol. I - Regime da Contratao Pblica, Coimbra: Almedina, 2009, p. 302. 34 Veja-se, por exemplo, o alvar e licenas necessrias para o exerccio da actividade de segurana privada, nos termos do Decreto-Lei n. 35/2004, de 21 de Fevereiro, com as alteraes introduzidas pelo o Decreto-Lei n. 198/2005 de 10 de Novembro, e a Portaria n. 786/2004 de 9 de Julho; ou a certificao das empresas de manuteno de ascensores (EMA), nicas entidades que podem prestar servios de manuteno e reparao de elevadores, nos termos do Decreto-Lei n. 320/2002, de 28 de Dezembro. 35 Os medicamentos (Decreto-Lei n. 176/2006, de 30 de Agosto), os dispositivos mdicos (Decreto-Lei n. 145/2009, de 17 de Junho, em vigor a partir de 21 de Maro de 2010) e as armas de fogo (Lei n. 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redaco dada pela Lei n. 19/2009, de 6 de Maio, que a republicou) so alguns exemplos. 16

Em tese, e procurando um critrio genrico, diramos que podem ser exigidos, ao abrigo do artigo 81., n. 6, todos aqueles documentos cuja simples emisso atesta de forma directa e imediata uma mera realidade (a existncia de uma determinada capacidade ou habilitao legais), sem necessidade de recurso a quaisquer juzos avaliativos de ndole subjectiva, os quais devem ser preferencialmente emitidos por terceiras entidades (remetendo assim, na prtica, o juzo avaliativo para uma entidade distinta da do jri e acolhendo esse juzo). Esta soluo , de resto, de algum modo corroborada no lugar paralelo previsto nos n.os 2 a 4 do mesmo artigo. Em especial, no que respeita ao alvar ou ttulos de registo emitidos pelo Instituto da Construo e do Imobilirio, I.P., a aferio dessas habilitaes (para a execuo de um contrato de empreitada de obras pblicas ou de concesso de obras pblicas) feita por aquela entidade pblica, no pelo jri do procedimento; este ltimo apenas ter que proceder a uma anlise formal daquele documento, de forma a verificar se o mesmo se encontra vlido e eficaz36. O nico obstculo a esta interpretao seria, como acima se deixou exposto, o critrio formal e pragmtico da comprovao da titularidade das habilitaes legalmente exigidas. Tal critrio deixa antever algumas incoerncias na sua aplicao a algumas situaes concretas, como veremos em seguida.

3. DISTINO ENTRE (DOCUMENTOS DE) HABILITAO E (DOCUMENTOS DESTINADOS) QUALIFICAO: POSIO ADOPTADA

Num esforo de sistematizao e sntese, poderamos afirmar que os documentos de habilitao podem distinguir-se dos documentos destinados qualificao em funo de quatro critrios distintos:

(i)

o do sujeito;

(ii) o do momento procedimental da apresentao; (iii) o do fim; (iv) o da natureza da actividade de anlise dos documentos.

36

Alis, vigora um princpio de proibio da dupla avaliao: a entidade adjudicante no pode repetir a avaliao que para os efeitos de emisso de um acto autorizativo de exerccio de uma actividade j tenha sido feita pela entidade competente para a emisso desse acto. Caso seja exigido pelo objecto do contrato a celebrar e proporcional, pode a entidade adjudicante, contudo, estabelecer para um dado procedimento requisitos mais exigentes do que os que o agente econmico tem de cumprir para o acesso actividade. Neste sentido, veja-se o artigo 165, n. 4 do CCP. 17

De acordo com o critrio do sujeito, os documentos de habilitao so apenas apresentados pelo adjudicatrio37; j os documentos destinados qualificao so apresentados por todos os candidatos38. Nos termos do critrio do momento procedimental da apresentao, os documentos de habilitao so apresentados aps a notificao da deciso de adjudicao 39; os documentos destinados qualificao so apresentados juntamente com a candidatura 40, antes da fase de apresentao e anlise das propostas41. Considerando o critrio do fim, podemos afirmar que os documentos de habilitao destinam-se a certificar quer a permisso para o exerccio de determinada actividade quer a inexistncia de quaisquer impedimentos contratao; j os documentos destinados qualificao destinam-se a aferir a capacidade tcnica e/ou financeira dos candidatos. Finalmente, o critrio que para ns marca decisivamente a fronteira entre estes dois tipos de documentos e permite resolver casos de fronteira o ltimo que enuncimos: o da natureza da actividade de anlise dos documentos. Segundo este critrio, o limite inultrapassvel para se considerar um documento de habilitao ser a desnecessidade da existncia de um juzo avaliativo (a priori, e no a posteriori) por parte do jri, mas meramente certificativo. Nesse caso j no estaramos no campo da qualificao proprio sensu. A interpretao de um documento destinado qualificao pressupe uma actividade intelectual com um sentido dentico positivo ou negativo, de modo a confirmar ou a infirmar a capacidade tcnica e/ou financeira do candidato, em termos de equipamento, pessoal, mtodos, materiais ou de capacidade de mobilizao de meios financeiros para o integral cumprimento do contrato em causa42. Ao invs, a actividade intelectual subjacente considerao de um documento de habilitao ser, em princpio, neutra do ponto de vista dentico, ou seja, a habilitao pressupe apenas uma verificao do preenchimento dos requisitos gerais respeitantes ao cumprimento de obrigaes fiscais e sociais e dos requisitos (negativos) de falta de idoneidade profissional ou pessoal, bem como dos requisitos concernentes ao exerccio de uma37 38

Cfr. artigos 77., n. 2, promio, in fine e 81. a 86. do CCP. Cfr. artigos 164., n. 1, alneas i), 168., n. 1 e 170. do CCP. 39 Cfr. artigos 77., n. 2, alnea a) e 81. do CCP. 40 Cfr. artigos 164., n. 1, alneas i), 168., n. 1, 170., 172. a 175. do CCP. 41 Apenas so convidados a apresentar proposta os candidatos qualificados (artigo 189. e ss. do CCP), neste momento ocorrendo uma alterao subjectiva activa da parte dos candidatos, os quais, uma vez qualificados e tendo apresentado a respectiva proposta, passam a ser designados por concorrentes (artigos 52. e 53. do CCP). 42 GOUVEIA MARTINS, O concurso limitado, 240. 18

determinada profisso ou actividade43, um juzo meramente certificativo, como dissemos.

4. UM

TESTE AO CRITRIO: A EXIGNCIA DE CERTIFICAO POR NORMAS DE

QUALIDADE E DE GESTO AMBIENTAL

I. Uma situao particular, pela sua importncia prtica (rectius, estatstica) e terica (pelas dificuldades dogmticas que comporta neste mbito) constitui o comprovativo da certificao de uma empresa por normas de qualidade ou de gesto ambiental; comum, sobretudo, a exigncia de certificao pela norma da qualidade ISO 9001, ou pelas normas ISO da srie 14000, em matria ambiental, ou pelas normas europeias equivalentes (da nomenclatura EN). Podem estes documentos (e no fundo, as qualidades positivas que eles atestam) ser exigidos a ttulo de documentos de habilitao? E podem esses mesmos documentos ser exigidos a ttulo de documentos destinados qualificao, atentas as manifestaes do princpio da proporcionalidade constantes dos n.os 1 e 3 do artigo 165. do CCP?

II. Poderia pensar-se que o facto de os artigos 49. e 50. da Directiva 2004/18/CE se debruarem expressamente sobre a exigncia de certificao por normas de qualidade ou ambientais seria indcio de que esta matria teria um tratamento jurdico suficiente. No entanto, mesmo uma anlise superficial demonstra que a referncia que o legislador comunitrio apresenta nesses artigos pautada pela ambiguidade e deixa aos legisladores nacionais praticamente toda a dificuldade de operacionalizao prtica dos casos em que pode ser exigido o cumprimento de tais normas pelos participantes em procedimentos pr-contratuais. Com efeito, os nicos problemas resolvidos pelas normas dos referidos artigos da Directiva 2004/18/CE so, em primeiro lugar, o da admissibilidade da exigncia de cumprimento, em procedimentos pr-contratuais, de normas de qualidade e/ou ambientais, que depende da proporcionalidade e adequao dessas exigncias ao objecto que a entidade adjudicante visa contratar (limitando-se aqui a Directiva a recolher um entendimento doutrinal e jurisprudencial consolidado44);43 44

GOUVEIA MARTINS, O concurso limitado, 239. Cf. MARTA REBELO, A dimenso ambiental das regras comunitrias de contratao pblica: os critrios de adjudicao relativos proteco do ambiente na jurisprudncia do TJCE, in Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente, (n 20, Dezembro 2003), 2003, pp. 81-96; CLUDIA VIANA, Os princpios comunitrios na contratao pblica, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 555 ss. 19

e em segundo lugar, a indicao de que o padro de referncia em termos deste tipo de norma tcnica deve ser um padro europeu, embora no se excluindo normas no europeias de funo equivalente. Tudo o resto, como dissemos, fica por resolver, designadamente, o estatuto que a exigncia de cumprimento dessas normas pode assumir: com efeito, da Directiva no resulta claro se estamos perante um conjunto diferenciado de requisitos de capacidade tcnica (o que os colocaria em sede de qualificao), ou perante critrios susceptveis de integrao na definio do critrio de adjudicao da proposta economicamente mais vantajosa (o que os tornaria relevantes apenas para a avaliao das propostas), ou ainda perante ndices que podem ter qualquer uma dessas utilizaes, consoante o enquadramento que lhes seja dado pela entidade adjudicante nas peas procedimentais.

III. A resposta primeira questo acima colocada (a de saber se a certificao por normas de qualidade ou ambientais pode ser exigida como documento de habilitao) oferece algumas reservas. Isto porque, conforme atrs j se indiciou, a actividade intelectual que a apreciao deste documento reclama por parte do jri no substancialmente diferente daquela que ocorre aquando da anlise de qualquer um dos documentos de habilitao expressamente mencionados nos nmeros 2 a 4 do artigo 81. do CCP, assim como de qualquer um dos documentos que atestem a existncia dos requisitos mnimos exigidos num sistema de qualificao simples (artigos 165. e 179. do CCP). Com efeito, a fronteira traada pelo legislador entre estes dois momentos (de habilitao e de qualificao simples) no substancial, mas meramente formal e legalista: os documentos ditos de habilitao s comungam desse qualificativo se ex lege forem considerados como tal45. Assim, em regra, o comprovativo da certificao de uma empresa pela norma da qualidade ISO 9001 (ou outra semelhante), no dever ser solicitado pelas entidades adjudicantes em sede de habilitao do(s) adjudicatrio(s), porquanto esse documento no ser, em princpio, legalmente exigido para titular (e conceder) as habilitaes necessrias prestao dos servios em causa. Contudo, no se considera abrangida por esta limitao a situao em que a certificao diz respeito, no propriamente ao prestador, mas ao processo de fabrico de certo bem ou ao modo de prestao de certo servio, pois nesses casos, o pedido da certificao ainda referente avaliao do bem

45

Cfr. artigo 81., n. 6, in fine do CCP. 20

e no avaliao do prestador (e por isso, como vimos acima em geral, poder at ser exigido em sede de apresentao de proposta). Por outro lado, tambm no de afastar a hiptese de em qualquer sector de actividade econmica, devidamente regulado por lei, se prever a obrigatoriedade de os respectivos operadores econmicos terem que ser detentores de certificao por quaisquer normas de qualidade ou ambientais, pela norma de qualidade ISO 9001, por exemplo. Nestes ltimos casos, j se admitiria a hiptese de qualquer entidade adjudicante exigir a apresentao desse comprovativo de certificao em sede de habilitao, nos termos dos artigos artigo 81., n. 6 e 132., n. 1, alnea f) do CCP, desde que esse documento esteja directamente relacionado com o objecto do contrato a celebrar.

IV. Por sua vez, quanto questo de saber se estes mesmos documentos podem ser exigidos a ttulo de documentos destinados qualificao, atentas as manifestaes do princpio da proporcionalidade constantes dos n.os 1 e 3 do artigo 165. do CCP, a resposta, em princpio, ser afirmativa; veja-se nesse sentido o prprio artigo 165., n. 1, alnea c), in fine, quando refere os sistemas de controlo de qualidade, e alnea d), que se refere capacidade dos candidatos adoptarem medidas de gesto ambiental no mbito da execuo do contrato a celebrar. Deve considerar-se que a entidade adjudicante dispor nesta sede de uma discricionariedade considervel na seleco dos documentos que lhe permitam aferir o nvel mnimo de capacidade tcnica dos candidatos, sempre em observncia da exigncia de conexo interna entre os elementos exigidos, os requisitos de capacidade tcnica e financeira e o objecto do contrato. No obstante, e por analogia de situaes com o disposto no artigo 49., n. 2, alneas a) e b), e n.os 4, 5 e 13, todos do CCP, em matria de especificaes tcnicas do caderno de encargos, deve entender-se, em nossa opinio, que a definio de capacidade tcnica mnima por remisso para a certificao de acordo com normas tcnicas deve sempre considerar-se como contendo a meno ou equivalente, permitindo por isso a qualquer candidato provar que, embora no seja certificado de acordo com as normas X, certificado de acordo com as normas Z, que permitem atestar os mesmos nveis de capacidade tcnica daquelas primeiras normas. Recorde-se que o resultado de qualquer exigncia de condies de admisso ao procedimento no pode configurar uma discriminao injustificadamente restritiva da concorrncia; e seria esse o resultado se a entidade adjudicante pudesse limitar o universo dos participantes no procedimento queles que estivessem certificados de21

acordo com a norma de qualidade tal ou tal, porque actualmente, a actividade de certificao de qualidade desenvolvida em mercado livre. Mais do que outra coisa, a exigncia de certificao por quaisquer normas de qualidade ou de gesto ambiental (quer em sede de especificaes tcnicas dos bens ou servios a prestar, quer em sede de definio de requisitos mnimos de capacidade tcnica) constitui uma forma de a entidade adjudicante estabelecer padres ou estales de qualidade; dito de outra forma, a remisso para a certificao , no fundo, uma forma cmoda de remeter para o que est por detrs da certificao (o tal padro de qualidade), que o que verdadeiramente interessa entidade adjudicante. Isto leva, em linha recta, s consequncias afirmadas nos n.os 4, 5 e 13 do artigo 49., que nessa medida devem ser estendidas, por analogia, aos requisitos mnimos de capacidade por remisso para certificao por normas tcnicas, fixados em concurso limitado ou outro procedimento que disponha de uma fase de qualificao. Por outro lado, ainda no tocante a limitaes liberdade de escolha dos requisitos mnimos de capacidade tcnica por referncia a certificaes, a entidade adjudicante no poder exigir um documento que ateste a certificao por determinado conjunto de normas (por exemplo, de controlo de qualidade) se esse documento no for adequado e proporcional natureza das prestaes objecto do contrato a celebrar. Se no for respeitado este crivo da adequao e proporcionalidade, a pea procedimental onde essa exigncia seja feita invlida e os interessados em apresentar candidatura podem requerer judicialmente que tal meno seja eliminada (recorde-se alis o artigo 100, n. 2, do CPTA, que se serve dos requisitos de capacidade tcnica como um dos exemplos de possvel ilegalidade das peas procedimentais). Nem se julga que contra este entendimento possa ser invocado um esvaziamento do modelo complexo de qualificao: este modelo mantm intocada a sua finalidade, de maior exigncia na qualificao, para contratos de especial complexidade, assim como para aqueles casos em que se verifica uma necessidade objectiva, por parte da entidade adjudicante, de reduzir o nmero de candidatos para um nvel justificado pela necessidade de equilbrio entre as caractersticas especficas do processo de adjudicao e os meios requeridos para a sua realizao46, por exemplo, quando pela complexidade do objecto do procedimento, fosse desmesurada, em termos de ponderao de custobenefcio, a tarefa de avaliar mais do que um certo nmero de propostas.46

Cfr. Considerando (40) e artigo 44., n. 3 da Directiva 2004/18/ CE (ver ainda o artigo 54., n. 3 da Directiva, 2004/17/CE, de 31 de Maro, relativamente aos sectores especiais). 22