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1 PARECER Leonardo Varella Giannetti Advogado em Belo Horizonte. Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Consulta-nos determinada empresa detentora de concessão de serviços público sobre a incidência ou não de imposto de renda nas desapropriações que a mesma está promovendo. Para a resposta, faz-se necessário, primeiramente, definir as matérias envolvidas na presente consulta. 1. Da desapropriação Segundo HELY LOPES MEIRELLES, “desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória de bens particulares (ou públicos de grau inferior) para o Poder Público ou seus delegados, por necessidade de interesse ou utilidade pública, ou ainda por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.” 1 No direito positivo, atualmente, há várias hipóteses de desapropriação permitida, merecendo destaque no presente caso somente aquela decorrente de necessidade ou utilidade pública, prevista no Decreto-lei n° 3.365/41 2 . 1 MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo, p. 492 apud BESERRA, Marcelo. Desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 13. 2 Segundo KIYOSHI HARADA, “a Carta Magna prevê a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante pagamento prévio da justa indenização em dinheiro, conforme art. 5°, XXIV; faculta a desapropriação por contrariedade ao Plano Diretor da cidade, mediante pagamento do real valor da indenização em títulos da dívida pública municipal, segundo o art. 182, § 4°, inciso III; permite a desapropriação, por interesse social para a reforma agrária, de imóvel rural que não esteja cumprindo a função social da propriedade, mediante pagamento da justa indenização em títulos da dívida agrária, conforme previsto no art. 184; finalmente, impõe à União o dever de expropriar glebas onde forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, sem qualquer indenização.” (in Desapropriação – Doutrina e prática. 4ª.ed São Paulo: Atlas, 2002,p. 35).

PARECER- IR - desapropriação

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PARECER

Leonardo Varella Giannetti

Advogado em Belo Horizonte. Pós-graduado em

Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.

Consulta-nos determinada empresa detentora de concessão de

serviços público sobre a incidência ou não de imposto de renda nas

desapropriações que a mesma está promovendo.

Para a resposta, faz-se necessário, primeiramente, definir as

matérias envolvidas na presente consulta.

1. Da desapropriação

Segundo HELY LOPES MEIRELLES, “desapropriação ou

expropriação é a transferência compulsória de bens particulares (ou públicos

de grau inferior) para o Poder Público ou seus delegados, por necessidade

de interesse ou utilidade pública, ou ainda por interesse social, mediante

prévia e justa indenização em dinheiro.” 1

No direito positivo, atualmente, há várias hipóteses de

desapropriação permitida, merecendo destaque no presente caso somente

aquela decorrente de necessidade ou utilidade pública, prevista no

Decreto-lei n° 3.365/41 2.

1 MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo, p. 492 apud BESERRA, Marcelo. Desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 13. 2 Segundo KIYOSHI HARADA, “a Carta Magna prevê a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante pagamento prévio da justa indenização em dinheiro, conforme art. 5°, XXIV; faculta a desapropriação por contrariedade ao Plano Diretor da cidade, mediante pagamento do real valor da indenização em títulos da dívida pública municipal, segundo o art. 182, § 4°, inciso III; permite a desapropriação, por interesse social para a reforma agrária, de imóvel rural que não esteja cumprindo a função social da propriedade, mediante pagamento da justa indenização em títulos da dívida agrária, conforme previsto no art. 184; finalmente, impõe à União o dever de expropriar glebas onde forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, sem qualquer indenização.” (in Desapropriação – Doutrina e prática. 4ª.ed São Paulo: Atlas, 2002,p. 35).

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Em razão da preponderância do interesse público sobre o

privado, o proprietário de um bem (no caso em particular, de imóveis) fica

obrigado a transferir-lhe a propriedade, mediante justa e prévia

indenização.

A transferência ocorre de forma compulsória, precedida de um

ato administrativo declarando de interesse público o bem objetivado,

denominado decreto expropriatório, no qual exterioriza a vontade da

Administração Pública de deflagrar o procedimento expropriatório 3.

Segundo MARCELO BESERRA, apesar de não retirar a

propriedade e não se confundir com a desapropriação em si, “o primeiro

corolário da publicação do decreto expropriatório é o de franquear à

administração pública direito de adentrar nos imóveis desapropriados,

podendo, se necessário e em caso de resistência, utilizar-se de força policial,

visando proceder aos estudos e levantamentos das características do bem,

seja do terreno, das acessões ou benfeitorias, conforme dispõe o art. 7° do

Dec.-Lei 3.365/41.” 4

O particular que terá seu imóvel expropriado não poderá se

opor ao ato da expropriante em razão de sua exclusiva vontade. Na ação

de desapropriação, caberá a ele discutir tão somente o preço (com exceção

de questões processuais preliminares) – art. 20, Dec.-lei 3365/41 –

podendo, através de outra medida judicial, impugnar o decreto

expropriatório caso o mesmo não atenda aos pressupostos legais para

edição dos atos administrativos.

Tudo isso demonstra o caráter especial e peculiar da

desapropriação, instituto regido pela supremacia do interesse público

sobre o privado, que merece tratamento adequado também na esfera

tributária.

3 Conferir HARADA, ob.cit. p. 77; BESERRA, ob. cit. 21. 4 Conferir BESERRA, ob. cit. p. 22.

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2. Do imposto de renda

2.1. Generalidade

Para sabermos se há incidência tributária sobre verbas

indenizatórias, necessário analisarmos antes o fato gerador do imposto

sobre a renda e proventos de qualquer natureza, previsto pelo artigo 153,

III, da Constituição Federal de 1988.

No atual sistema constitucional tributário, cabe à lei

complementar estabelecer as normas gerais sobre o fato gerador, a base de

cálculo e o contribuinte dos impostos previstos na constituição (CF, art.

146, III, a).

Por isso, o Código Tributário Nacional foi recepcionado pela

atual Constituição Federal como lei complementar, tendo estabelecido em

seu artigo 43 o seguinte:

"Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior."

Da análise do dispositivo supra transcrito, percebemos que, ao

conceituar renda e proventos de qualquer natureza, o CTN, em verdade,

definiu como fato gerador do tributo o acréscimo patrimonial,

denominando-o renda quando decorrente do capital, do trabalho, ou da

combinação de ambos, e proventos de qualquer natureza, nos demais

casos.

Mas o que é acréscimo patrimonial ? Nesse ponto, mister se

faz tecer algumas considerações acerca da noção de patrimônio.

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O patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma

pessoa, apreciáveis em dinheiro. Nesse sentido a opinião de SILVIO

RODRIGUES: "O patrimônio de um indivíduo é representado pelo acervo de

seus bens, conversíveis em dinheiro. Há, visceralmente ligada à noção de

patrimônio, a idéia de valor econômico, suscetível de ser cambiado, de ser

convertido em pecúnia." 5.

Os professores RODOLFO PAMPLONA FILHO e PABLO

STOLZE GAGLIANO, em sua obra Novo Curso de Direito Civil, lecionam que

o patrimônio engloba o complexo de direitos reais e obrigacionais de uma

pessoa, ficando de lado todos os outros que não têm valor pecuniário, nem

podem ser cedidos, como os direitos de família e os direitos puros de

personalidade, por isso mesmo chamados direitos extrapatrimoniais 6 .

Nesse contexto, só haverá acréscimo patrimonial se houver a

incorporação de riqueza nova (direitos reais ou obrigacionais) ao

patrimônio existente, pois essa é a única maneira de aumentá-lo

monetariamente.

Para a solução da presente consulta importa somente uma

faceta do fato gerador do IR, qual seja, a existência de acréscimo

patrimonial, não sendo necessário, para este trabalho, ser tratada outras

questões pertinentes a este tributo, como a disponibilidade econômica 7.

5 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 30. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 111. 6 GAGLIANO, Pablo Stolzee e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, 1. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 261 e 262. 7 No que diz respeito à aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de riqueza nova e líquida, nos socorremos às lições do professor Hugo de Brito, que nos ensina decorrer a disponibilidade econômica do recebimento do valor que se vem a acrescentar ao patrimônio do contribuinte, ao passo que a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte passa a dispor, embora este não lhe esteja ainda nas mãos. Lembra, ainda, o ilustre jurista que o fato gerador deste imposto não é a renda, mas a aquisição da disponibilidade da renda ou dos proventos de qualquer natureza. Assim, conclui, não ser suficiente, para que alguém se torne devedor deste imposto, auferir renda ou proventos. É preciso que se tenha adquirido a disponibilidade que não se caracteriza pelo fato de ter o adquirente da renda ação para sua cobrança. Não basta ser credor da renda se esta não está disponível, e a disponibilidade pressupõe ausência de obstáculos jurídicos a serem removidos. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 20. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 271 a 273).

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Pois bem, da leitura do art. 43 do CTN emerge claramente a idéia

de que a tributação sobre a renda somente pode incidir sobre o acréscimo

decorrente da riqueza nova usufruída, não bastando a entrada de

qualquer numerário em favor do contribuinte.

Conforme ilustram as lições de JOSÉ ARTUR LIMA

GONÇALVES8, MISABEL DERZI 9, ALIOMAR BALEEIRO 10 e ROBERTO

QUIROGA MOSQUERA 11 , no Direito Tributário Brasileiro, o conceito jurídico

mais adequado de renda é o de acréscimo patrimonial.

JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES, após analisar e distinguir os

vários conceitos próximos de renda, traduz, sinteticamente, o conteúdo

semântico do conceito constitucionalmente pressuposto de renda da seguinte

maneira:

“(i) saldo positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo de um dado (iii) período.” 12

E sobre a noção de saldo positivo, assim dispõe o citado Autor:

“A idéia de saldo positivo traduz a noção de “plus’, de extra, de algo a mais, de acréscimo. Fácil perceber, preliminarmente, que essas noções representam dados relativos, dados que pressupõem a sua comparação com outro ou outros. Deveras, se não se constata acréscimo, não se vislumbra “plus”, a não ser a partir de um dado preestabelecido, sobre o qual o acréscimo, o “plus”, possa ser reputado como havido. …

8 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 2002, 171/207. 9 DERZI, Misabel Abreu Machado. “Tributação da Renda versus Tributação do Patrimônio’ in Imposto de Renda – Questões Atuais e Emergentes. Coord. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 1995, p.99/115. 10 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11.ed. atual. Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 281/291. 11 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Dialética, 1996, p. 94/119. 12 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 179.

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Renda haverá, portanto, quando houver sido detectado um acréscimo, um ‘plus’; tenha ele, ou não, sido consumido; seja ele, ou não, representado por instrumentos monetários, direitos, ou por bens, imateriais ou físicos, móveis ou imóveis.” 13

Nota-se, assim, na idéia central de renda como algo novo, que

vem acrescer o patrimônio e não apenas substituí-lo, a necessidade de se

tributar tão-somente o ACRÉSCIMO, sendo inconfundível com o patrimônio

de onde promana. 14

E não poderia ser diferente, pois toda essa idéia de acréscimo

evidencia possuir a renda um caráter dinâmico, ao passo que no patrimônio

está presente a idéia de estático. Existe tributação em seu sentido estático

quando o legislador elege, como realidades fáticas passíveis de incidência

tributária, elementos do patrimônio quando estes não sofrem mutação. 15

Para exemplificar, a Constituição atribuiu, entre outros casos,

competência aos Entes Públicos para tributar – através dos impostos (IPTU,

ITR, IPVA) – a simples permanência do patrimônio, ou seja, aquelas hipóteses

em que não há circulação ou transmissão jurídica de seus elementos.

Nesses casos, o legislador toma como fatos denotadores de

capacidade contributiva a simples circunstância do contribuinte ser dono,

manter direitos patrimoniais. Não é necessário que o mesmo circule ou que

haja sua transmissão ou transferência.

Logo, nessas hipóteses não há ingresso (‘entrada’) ou decréscimo

(‘saída’) de direitos ou obrigações.

De outro lado, há a tributação no sentido dinâmico, que ocorre

quando o legislador leva em consideração a “realidade econômica de haver

13 GONÇALVES, ob.cit. p. 180. 14 Conf. além dos autores já citados, BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11.ed. atual. Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 290/291. 15 Conf. MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Dialética, 1996, p. 95.

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ingressos, circulação, transferência, transmissão e cessão de elementos

patrimoniais.” 16

O ponto central e relevante para o Estado, in casu, é justamente

a ‘mutação de elementos pertencentes ao patrimônio ou, mesmo, a mutação do

patrimônio na sua inteireza.”, como bem lembra ROBERTO QUIROGA

MOSQUERA 17

Nesse contexto, apresenta-se o imposto sobre a renda, pois esta

última representa os acréscimos decorrentes de ingressos ao patrimônio do

contribuinte. Para que ocorra a tributação por este tributo, há,

necessariamente, a prévia transferência de recursos entre pessoas, havendo

uma mutação dos elementos patrimoniais.

Porém, se o caráter dinâmico do imposto é facilmente percebido

pela existência prévia de entradas e saídas no patrimônio do contribuinte, é

certo que somente essa transferência não basta para que haja a tributação via

imposto de renda.

É necessário mais, pois este tributo está centrado na figura do

saldo positivo, que somente ocorre diante da comparação, em certo período de

tempo, das entradas (ingressos) e saídas de bens e direitos percebíveis ou

transformáveis em dinheiro.

As simples transferências entre o patrimônio de pessoas já são

tributadas por outros impostos. Como exemplo, a alienação de um imóvel,

saindo o bem de um patrimônio para outro, é tributada pelo Municípios,

através do imposto inter vivos (art. 156, II, CF). De outro lado, a transferência

de bens em decorrência da morte ou mesmo por doação já é onerada pelo

imposto de competência dos Estados-Membros e Distrito Federal (art. 155, I,

CF). E, para concluir, o consumo e a prestação de serviços também já são

tributados, o primeiro via IPI e ICMS, o segundo através de ISS.

16 Conf. MOSQUERA, ob. cit.. 96. 17 MOSQUERA, ob. cit.. 96.

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E quem demonstra a necessidade desse incremento é justamente

a base de cálculo do tributo, que dimensiona e representa elementos

patrimoniais dos indivíduos, dando, ainda, a grandeza do aspecto material da

hipótese de incidência.

Por isso, razão assiste ao Prof. ROBERTO QUIROGA MOSQUERA

ao asseverar que:

“Dentre aqueles impostos que oneram o patrimônio no seu aspecto dinâmico, o único a incidir sobre a mutação patrimonial que corresponde a um acréscimo (não mero ingresso) nos elementos patrimoniais, é o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Usando outro falar: a base de cálculo do aludido imposto é o valor correspondente ao ACRÉSCIMO de elementos patrimoniais e não o valor dos elementos já integrantes do patrimônio. O imposto incide sobre a riqueza nova, original, primária, assim entendida a riqueza que passa a integrar o patrimônio dos indivíduos em certo momento. A palavra “renda” e a expressão “proventos de qualquer natureza” traduzem acréscimo patrimonial, incremento de elementos ao conjunto de direitos reais e pessoais já pertencentes a determinados indivíduos. A realidade fática “acréscimo de elemento patrimonial” não apresenta significação semelhante a “ingresso de elemento patrimonial’; são realidades distintas.” 18

A jurisprudência do STJ também acompanha esse entendimento.

Assevera o Min. GARCIA VIEIRA que “deve o tributo incidir sobre os ganhos ou

proventos que causem aumento de patrimônio; ou seja, sobre numerário

que venha a somar àquele que já seja propriedade do contribuinte.” 19

E o Min. MILTON LUIZ PEREIRA, com apoio em texto escrito por

ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, ainda na vigência da Constituição de 1967, ao

acompanhar o voto do Ministro acima citado, diz que:

“… que significa a expressão ‘renda e proventos de qualquer natureza’ ? Ou, por outro giro verbal: será que qualquer importância recebida, seja a que título for, pode ser alcançada pelo IR ? entendemos que não.

18 MOSQUERA, ob.cit.. 102/103. 19 STJ – 1ª Turma – REsp 34.988-0/SP, rel. Min. Garcia Vieira, in RSTJ 72/184.

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Obviamente, o art. 21, IV, da Lei Maior, não deu ao legislador ordinário da União liberdade para tributar o que lhe aprouver. Pelo contrário, conferiu-lhe apenas o direito de tributar a renda e os proventos de qualquer natureza. Melhor esclarecendo, o IR só pode alcançar a aquisição de disponibilidade de riqueza nova, vale dizer, o acréscimo patrimonial, experimentado durante certo período. Logo, não é qualquer entrada de dinheiro nos cofres de uma pessoa (física ou jurídica) que pode ser alcançada pelo IR, mas, tão-somente, os ‘acréscimos patrimoniais’, isto é, “a aquisição de disponibilidade de riqueza nova”, como averba, com precisão, Rubens Gomes de Souza. Tudo que não tipificar ganhos durante um período, mas simples transformações de riqueza, não se enquadra na área traçada pelo art. 21 IV, da CF.” 20

O próprio STF, em sessão plenária, ao julgar o RE 117.887-6,

deu a orientação aqui registrada:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA – CONCEITO. Lei nº 4.506, de 30.XI.64, art. 38, CF/46, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; CTN, art. 43. I – Rendas e proventos de qualquer natureza: o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que decorrem mediante o ingresso ou auferimento de algo, a título oneroso. C.F., 1946, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43. II – Inconstitucionalidade do art. 38 da Lei 4.506/64, que instituiu adicional de 7% de imposto de renda sobre lucros distribuídos. III – R.E. conhecido e provido.” 21

Visto o conceito constitucional e legal desse tributo, vejamos

as questões pertinentes à sua incidência nas desapropriações.

2.2. Do imposto de renda nas desapropriações – legislação

A legislação federal que regula o imposto de renda, ao tratar

das desapropriações, a coloca como espécie de alienação, salientando que

20 STJ – 1ª Turma – REsp 34.988-0/SP, rel. Min. Garcia Vieira, in RSTJ 72/188-189. 21 STF – Pleno – RE 117887-6/SP, rel. Min. Carlos Velloso, j. 11.02.93, DJU 23.04.93.

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o produto positivo da diferença entre o valor pago e o montante para sua

aquisição será tributado como ganho de capital.

Consiste a alienação na transferência de domínio de um bem a

título oneroso ou gratuito. E segundo o art. 3°, § 2° da lei 7.713/88,

“considera-se ganho de capital o resultado da soma dos ganhos auferidos

no mês, decorrentes da alienação de bens ou direitos de qualquer natureza

sendo o ganho a diferença positiva entre o valor da alienação de bens ou

direitos e o respectivo custo de aquisição.”

O próprio Regulamento do Imposto de Renda em vigor (Decreto

3000 – RIR/99), ao tratar da tributação das pessoas físicas, dispõe em seu

art. 117 que "está sujeito ao pagamento do imposto de que trata este

Título a pessoa física que auferir ganhos de capital na alienação de

bens e direitos de qualquer natureza”

E ainda, o § 4° do mesmo dispositivo regulamentar, repetindo

o texto do § 3° do art. 3° da Lei 7.713/88, prevê o seguinte:

“na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.”

Para as pessoas jurídicas, o tratamento não é diferente.

Segundo o art. 418, “serão classificados como ganhos ou perdas de capital,

e computados na determinação do lucro real, os resultados na alienação, na

desapropriação, na baixa por perecimento, extinção, desgaste,

obsolescência ou exaustão, ou na liquidação de bens do ativo permanente.”

Seguem o mesmo tratamento os ganhos de capital percebidos por pessoas

jurídicas optantes pelo lucro presumido (art. 521 e seguintes, RIR/99).

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No tocante a esse tema, contempla a lei, no caso de pessoa

física, algumas hipóteses de isenção do IR, tais como o “ganho de capital

auferido na alienação de bens e direitos de pequeno valor, cujo preço

unitário de alienação, no mês em que esta se realizar, seja igual ou inferior

a vinte mil reais” (art. 22, Lei 9250/95; art. 39, II, RIR/99) ou mesmo o

“ganho de capital auferido na alienação do único imóvel que o titular

possua, cujo valor da alienação seja de até quatrocentos e quarenta mil

reais, desde que não tenha sido realizada qualquer outra alienação nos

últimos cinco anos” (art. 23, Lei 9250/95; art. 39, III, RIR/99).

Estipula o art. 22, parágrafo único, da lei 7.713/88 (repetido

no art. 39, XXI, RIR/99) ainda, uma isenção de IR relativa à indenização

em virtude de desapropriação para fins de reforma agrária, quando

auferida pelo desapropriado.

Tal artigo de lei era despiciendo, uma vez que a hipótese

assinalada já é tratada na Constituição Federal, instituindo verdadeira

imunidade (art. 184, § 5°, CR/88).

As próprias Instruções Normativas n° 31/96 e 84/96, que

regulam a tributação do imposto de renda das pessoas físicas, seguem as

disposições legais hierarquicamente superiores.

E somente para complementar, a Superintendência Regional

da Receita Federal da 7ª Região, na recente solução de consulta n° 160, de

29 de abril de 2004, entendeu que “há incidência do imposto de renda

sobre o ganho de capital auferido no recebimento de indenização em

virtude de desapropriação de imóvel”.

Entretanto, é importante verificar a adequação desses

dispositivos legais frente ao art. 43 do CTN e o art. 153, III, da CR/88.

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2.3. Do imposto de renda nas desapropriações – interpretação

Como dito em tópico anterior, o conceito de renda está

atrelado ao acréscimo patrimonial obtido em razão do capital, do

trabalho ou da combinação de ambos.

No caso das desapropriações, em razão de sua

compulsoriedade - haja vista que o expropriado está obrigado a alienar seu

bem – a contrapartida recebida em dinheiro pelo desapossamento terá

natureza indenizatória, como a própria Constituição assim prevê 22. Logo,

tal parcela terá finalidade única de recompor o patrimônio expropriado,

não representando assim riqueza nova ou mesmo qualquer acréscimo.

Para De Plácido e Silva, a indenização, em sentido genérico:

"quer exprimir toda compensação ou retribuição monetária feita por uma pessoa a outrem, para a reembolsar de despesas feitas ou para a ressarcir de perdas tidas. E neste sentido, indenização tanto se refere ao reembolso de quantias que alguém despendeu por conta de outrem, ao pagamento feito para recompensa do que se fez ou para reparação de prejuízo ou dano que se tenha causado a outrem. … Traz a finalidade de integrar o patrimônio da pessoa daquilo de que se desfalcou pelos desembolsos, de recompô-lo pelas perdas ou prejuízos sofridos (danos), …. … Várias circunstâncias podem motivar a indenização. Onde haja um interesse ou um prejuízo a reparar, que se mostre um desfalque ou diminuição do patrimônio de alguém, decorrente do fato ou ato, ou mesmo da omissão de outrem, que tenha sido causa desse desfalque ou dessa diminuição, há a indenização. … Ela vem, assim, para integrar o patrimônio do que se viu desfalcado ou diminuído." 23

22 Art. 5°, XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.” 23 In Vocabulário Jurídico. Vol. II, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 815/816.

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Esse conceito também é prestigiado pela jurisprudência pátria

em diversos julgados. 24

Leciona a Profª. MISABEL DERZI que “será inconstitucional,

então, a lei federal que tribute a receita representativa de mera reposição de

bens patrimoniais (por terem sido objeto de aplicação de capital da pessoa),

como pagamento de capital ou reembolso das despesas feitas para

produção da receita, inclusive ‘royalties’. Nem se pode tributar a

alienação do bem, que é mera reposição do capital investido, se não

houve ganho real. Muito menos é tributável a verdadeira e própria

indenização, que é simples recomposição de perdas patrimoniais.” 25

Conforme já definiu a jurisprudência, em diversos casos, se a

verba paga tiver natureza indenizatória, não incidirá o imposto de renda 26.

Logo, o pagamento da indenização não constitui renda, pois

não há nenhum acréscimo patrimonial, mas mera recomposição do

patrimônio. No caso da desapropriação, paga-se determinado valor do

24 Conferir TRF - 3ª Região - 4ª Turma - AMS 94.03.062347-0/SP, rel. Juíza Lúcia Figueiredo, DJ 17/06/1997, p. 44532: "Tributário. Mandado de segurança. Rescisão de contrato de trabalho. Servidor público. Férias proporcionais não gozadas. Conceitos de Indenização e de renda ou proventos de qualquer natureza. Retenção de imposto de renda na fonte. … - indenizar significa repor o patrimônio no estado anterior em que se encontrava antes do dano, compensar alguém da perda de alguma coisa que, voluntariamente, não perderia. Implica dever, obrigação da parte de quem paga, e direito, crédito, da parte de quem recebe. - o fato gerador do imposto nominado no artigo 43 do Código Tributário é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, este último termo entendido como os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda. - férias indenizadas tem natureza de ressarcimento, de compensação, Vale dizer, incluem-se no conceito de indenização e não no conceito de renda ou proventos de qualquer natureza, não se impondo a tributação. - deslinde da controvérsia que não se prende ao exame da lei n 7.713/88 que, tão-somente, abrigou as indenizações por acidentes de Trabalho e o aviso prévio pagos por despedida ou rescisão do Contrato de trabalho até o limite estabelecido na lei. - apelação da união não conhecida e remessa oficial desprovida." 25 DERZI, Misabel Abreu Machado. In BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 287. 26 Conferir STF - 1ª Turma - RE 188684, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ 07.06.02, p. 95

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desfalque patrimonial decorrente da transferência compulsória do bem

objeto da expropriação 27.

Merece ser frisado que o fato de estar prevista a imunidade de

IR nas desapropriações para fins de reforma agrária (art. 184, § 5º, CR/88)

não quer dizer que nas demais espécies de expropriação o citado tributo

irá incidir.

Mesmo se essa imunidade não existisse, não haveria a

incidência do IR nesta desapropriação, sendo, portanto, desnecessária tal

previsão para fins de imposto de renda.

Na verdade, o que a imunidade prevista no § 5º do artigo 184

quis alcançar era a desoneração da transferência da propriedade, que não

poderia ser tributada por qualquer imposto federal - inclusive aquele que

eventualmente viesse a ser criado pela União no exercício de sua

competência residual (art. 154, I, CR/88) - ou por imposto estadual ou

municipal.

Nesse sentido entendeu a 6ª Turma do TRF da 3ª Região,

asseverando que "o fato do art. 184, § 5º, da Constituição Federal

determinar imunidade tributária das operações financeiras decorrente de

desapropriação para fins de reforma agrária, não legitima a cobrança de

Imposto de Renda sobre os valores recebidos a título de indenização por

expropriação de imóvel por necessidade ou utilidade pública ou interesse

social", uma vez que "o valor resultante da indenização não constitui receita

tampouco acréscimo ao patrimônio do contribuinte, não existindo, portanto,

lucro a ser tributado." 28

27 Neste sentido, com indicação de jurisprudência, conferir CARVALHO, Fábio Junqueira e MURGEL, Maria Inês. IRPJ - Teoria e prática jurídica. São Paulo: Dialética, 1999, p. 342/346. 28 REOMS - remessa ex officio em mandado de segurança - nº 89030176901/SP, rel. Juíza Consuelo Yoshida, DJU 17/10/2003, p. 474.

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15

Isso porque, como já dito, toda e qualquer indenização que

visa a recomposição patrimonial pela perda de direitos não configura

aquisição de riqueza nova, não havendo que se falar em qualquer regra

isentiva, mas sim em hipótese de não incidência do imposto de renda.

Todo o entendimento ora traçado alcança tanto as

desapropriações amigáveis 29 como as judiciais. Isso porque, em toda

desapropriação, de qualquer espécie, a alienação não ocorre em razão de

um negócio jurídico, mas sim em face de um ato administrativo de

império, que, de forma compulsória, determina a transferência do bem.

A única diferença entre a desapropriação amigável e a judicial

é que na primeira não se faz necessário provocar o Poder Judiciário para

que o expropriante veja satisfeita sua pretensão. Isso porque, caso o

expropriado não concorde com o preço ofertado, estará sujeito à respectiva

ação, em que será proferida decisão declarando a transferência da

propriedade diante do pagamento da indenização.

Importante dizer que, nos casos de desapropriação amigável,

não haverá compra e venda, mas sim o pagamento de indenização pela

expropriação. A escritura será de desapropriação, não de compra e venda,

pois o único ato de vontade existente foi o de concordância do expropriado

com o preço oferecido, diante da compulsoriedade inerente ao instituto.

Não se está adquirindo um bem em razão de um contrato

firmado em virtude da autonomia das vontades em que se estabelecem

direitos e obrigações a ambas as partes, mas sim em face da

compulsoriedade inerente à desapropriação.

29 Segundo KIYOSHI HARADA, “a desapropriação pode efetivar-se amigavelmente, isto é, por escritura pública, sempre que houver concordância do expropriado quando ao valor da justa indenização.” (ob.cit. p. 80)

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16

2.4 A Jurisprudência dos Tribunais a respeito da matéria

A jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos Tribunais

Regionais Federais já pacificaram a não incidência de IR na indenização

percebida em razão de desapropriação, sendo aplicado, ainda, o enunciado

nº 39 do extinto Tribunal Federal de Recursos, que assim dispõe:

"Não está sujeita ao imposto de renda a indenização recebida por pessoa jurídica em decorrência de desapropriação amigável ou judicial."

Para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - apesar de poucos

arestos sobre a questão, muitos deles proferidos antes mesmo da atual

Constituição Federal - verifica-se que a indenização recebida em razão de

desapropriação não é objeto de tributação pelo imposto de renda, pois está

fora de seu campo de incidência.

É verdadeira hipótese de não incidência, como ilustra o

julgado abaixo:

"REPRESENTAÇÃO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO INCISO II, DO PARÁGRAFO 2, DO ART. 1º, DO DECRETO-LEI FEDERAL Nº 1641, DE 7.12.1978, QUE INCLUI A DESAPROPRIAÇÃO ENTRE AS MODALIDADES DE ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS, SUSCETÍVEIS DE GERAR LUCRO A PESSOA FÍSICA E, ASSIM, RENDIMENTO TRIBUTÁVEL PELO IMPOSTO DE RENDA. NÃO HÁ, NA DESAPROPRIAÇÃO, TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE, POR QUALQUER NEGÓCIO JURÍDICO DE DIREITO PRIVADO. NÃO SUCEDE, AÍ, VENDA DE BEM AO PODER EXPROPRIANTE. NÃO SE CONFIGURA, OUTROSSIM, A NOÇÃO DE PREÇO COMO CONTRAPRESTAÇÃO PRETENDIDA PELO PROPRIETÁRIO, 'MODO PRIVATO'. O 'QUANTUM' AUFERIDO PELO TITULAR DA PROPRIEDADE EXPROPRIADA É, TÃO SÓ, FORMA DE REPOSIÇÃO, EM SEU PATRIMÔNIO, DO JUSTO VALOR DO BEM, QUE PERDEU, POR NECESSIDADE OU UTILIDADE PÚBLICA OU POR INTERESSE SOCIAL. TAL O SENTIDO DA 'JUSTA INDENIZAÇÃO' PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO (ART. 153, PARÁGRAFO 22). NÃO PODE, ASSIM, SER REDUZIDA A JUSTA INDENIZAÇÃO PELA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. REPRESENTAÇÃO PROCEDENTE, PARA DECLARAR A

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17

INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO 'DESAPROPRIAÇÃO', CONTIDA NO ART. 1, PARÁGRAFO 2, INCISO II, DO DECRETO-LEI N. 1641/78." 30

Apesar desse precedente ser anterior à presente Constituição,

seu entendimento ainda permanece, tendo sido recentemente aplicado pelo

Min. CÉZAR PELUSO ao decidir, no dia 06/09/2004, o AI 471331:

DECISÃO: 1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu processamento de recurso extraordinário contra acórdão que entendeu que o valor de indenização paga em ação de desapropriação, não configura rendimentos a ensejar o fato gerador do imposto sobre a renda. No recurso extraordinário, o recorrente alega violação ao disposto nos artigos 150, VI e 158, I, da Constituição da República. 2. Inadmissível o recurso. O conceito de rendimentos não está na Constituição, mas na legislação infraconstitucional, de forma que seria necessário o exame desta para divergir do acórdão impugnado, que entendeu que o valor da indenização em ação de desapropriação não configura rendimentos para fins de imposto de renda. Ora, é pacífica a jurisprudência desta Corte, no sentido de se não admitir, em RE, alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República. Ademais, o Tribunal Pleno já enfrentou questão assemelhada, quando do julgamento da Representação nº 1.260-3, rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 18.11.88, que tem a seguinte ementa: "Representação. Argüição de inconstitucionalidade parcial do inciso II, do parágrafo 2º, do art. 1º, do Decreto-lei federal nº 1.641, de 7.12.1978, que inclui a desapropriação entre as modalidades de alienação de imóveis, suscetíveis de gerar lucro à pessoa física e, assim, rendimento tributável pelo imposto de renda. Não há, na desapropriação, transferência da propriedade, por qualquer negócio jurídico de direito privado. Não sucede, aí, venda do bem ao Poder expropriante. Não se configura, outrossim, a noção de preço, como contraprestação pretendida pelo proprietário, modo privato. O quantum auferido pelo titular da propriedade expropriada é, tão-só, forma de reposição, em seu patrimônio, do justo valor do bem, que perdeu, por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social. Tal o sentido da "justa indenização" prevista na Constituição (art. 153, § 22). Não pode, assim, ser reduzida a justiça indenização pela incidência do imposto de renda.

30 STF - Pleno, Rp 1260, rel. Min. Néri da Silveira, unânime, j. 13.08.87, DJU 18.11.88, p. 30023.

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18

Representação procedente, para declarar a inconstitucionalidade da expressão desapropriação", contida no art. 1º, § 2º, inciso II, do Decreto-lei nº 1641/78." 3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei nº 8.038, de 28.05.90, e art. 557 do CPC). Publique-se. Int.. Brasília, 6 de setembro de 2004. Ministro CEZAR PELUSO Relator"

Ainda nesse sentido: RE 72014/SP, rel. Min. DJACI FALCÃO,

RTJ 74/783; RE 92253, rel. Min. CUNHA PEIXOTO, RTJ 95/1354, tendo o

último deixado expresso o seguinte:

"IMPOSTO DE RENDA INCIDENTE SOBRE A DIFERENÇA ENTRE O VALOR DE CUSTO E O DA INDENIZAÇÃO, POR DESAPROPRIAÇÃO, DE IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE PESSOA JURÍDICA. O VALOR DA INDENIZAÇÃO RECEBIDA POR PESSOA JURÍDICA, EM DESAPROPRIAÇÃO, NÃO SE COMPREENDE NO CONCEITO DE 'TRANSAÇÃO EVENTUAL', SENDO INVIÁVEL A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA, NOS TERMOS DO ART. 150, PAR. 22 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 27, PAR 2 DA LEI DE DESAPROPRIAÇÕES. PRECEDENTES DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO PELA LETRA 'D' E PROVIDO, PARA RESTABELECER A SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, CONCESSIVA DA SEGURANÇA."

Também acompanha esse entendimento, de forma pacífica, o

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em diversos arestos, que seguem

abaixo transcritos:

"IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO - INDENIZAÇÃO - DESAPROPRIAÇÃO - JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS - SÚMULA Nº 39 DO TFR.

A indenização decorrente de desapropriação não é ganho de capital, nem acréscimo dele.

A propriedade é transferida ao poder público pelo valor determinado pela justiça a título de indenização. Não ocorre venda nem lucro, é reposição do valor do bem atingido. Este é o bom entendimento da súmula nº 39 do TFR prestigiado por esta alta Corte de Justiça (Resps nºs 47.449-3-SP e 54.155-7-SP).

Os juros compensatórios e moratórios integram a indenização." 31

31 STJ - 1ª Turma - REsp 130194/SP, rel. Min. Garcia Vieira, j. 06/10/97, RSTJ 102/117

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"Desapropriação - Indenização - Imposto de renda - Não incidência. A indenização decorrente de desapropriação não apresenta nenhum ganho ou acréscimo de capital e sobre ela não incide o imposto de renda. Recurso provido." 32

Tributário. Desapropriação. Não Incidência do Imposto de Renda. Lei 7.713/88 (arts. 3., § 2º e 22, Parágrafo único). 1. O imposto incidente sobre "renda e proventos de qualquer natureza" alcança a "disponibilidade nova", fato inexistente na desapropriação causadora da obrigação de indenizar pela diminuição patrimonial (propriedade), reparando ou compensando pecuniariamente os danos sofridos, sem aumentar o patrimônio anterior ao gravame expropriatório. Na desapropriação não ocorre a transferencia de propriedade por qualquer forma de negócio jurídico amoldado ao direito privado e não se configura o aumento da capacidade contributiva. O Imposto de Renda não incide sobre o valor indenizatório. 2. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso improvido." 33

Recentemente, a Min. DENISE ARRUDA reiterou esse

entendimento, ao julgar o AG 571.294/SC, DJU 31.08.2004 34.

Importante dizer que também as parcelas referentes aos juros

de mora e aos compensatórios também não são tributadas, pois

integram a indenização, como já definiu a jurisprudência do STJ:

32 STJ - 1ª Turma - REsp 156772/RJ, rel. Min. Garcia Vieira, j. 10/03/98, DJ 04.05.98, p. 103. 33 STJ - REsp 118534/RS, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 19.12.97, p. 67455. 34 Assim consta no voto da Min. DENISA ARRUDA: "Ademais, ainda que fosse vencido esse óbice, O STF já entendeu que não pode ser reduzida a justa indenização pela incidência do imposto de renda, pois, nesse caso, o valor auferido pelo titular da propriedade expropriada é apenas uma forma de reposição em seu patrimônio, do justo valor do bem, que perdeu por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social (STF-RP 1.260/DF, Tribunal Pleno, Min. Néri da Silveira, DJ de 18.11.1988). No mesmo sentido, os seguintes precedentes desta Corte: AG 443.630/PR, Min. José Delgado, DJ de 1.8.2002; REsp 617.900/PR, Min. Luiz Fux, DJ de 1.3.2004; REsp 156.772/RJ, 1ª Turma, Min. Garcia Vieira, DJ de 4.5.1998, esse último assim ementado: "DESAPROPRIAÇÃO - INDENIZAÇÃO - IMPOSTO DE RENDA - NÃO INCIDÊNCIA. A INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE DESAPROPRIAÇÃO NÃO APRESENTA NENHUM GANHO OU ACRÉSCIMO DE CAPITAL E SOBRE ELA NÃO INCIDE O IMPOSTO DE RENDA. RECURSO PROVIDO". 3. Pelo exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 30 de junho de 2004. MINISTRA DENISE ARRUDA".

Page 20: PARECER- IR - desapropriação

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"JUROS COMPENSATÓRIOS - INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA - IMPOSSIBILIDADE. Os juros compensatórios são as compensações ao expropriado pela perda antecipada de sua posse e do direito de uso e gozo de sua propriedade. Integram a indenização e não são renda ou produto do capital ou do trabalho. Recurso conhecido e improvido." 35 Tributário - Desapropriação - Juros compensatórios - Não incidência do imposto de renda - Constituição Federal, artigos 153, III, 5.,XXIV, e 182, par. 3. - Leis nums. 7.713/1988 e 8.218/1991 -Súmulas 012 e 102/STF. 1. Os juros compensatórios não configuram, como os moratórios, a objetiva remuneração do capital, mas o valor indenizatório pecuniário, devido pela antecipada perda do uso e gozo decorrente do apossamento de bem expropriado pela administração publica. Integram, pois, a indenização pela perda da propriedade do bem expropriado. 2. O imposto incidente sobre "renda e proventos de qualquer natureza", alcança a "disponibilidade nova", inexistente na desapropriação causadora da obrigação de indenizar pela perda de direitos (da propriedade), reparando ou compensando pecuniariamente os danos sofridos, sem aumentar o patrimônio anterior ao gravame expropriatório. Não ocorre a alteração da capacidade contributiva. Os juros moratórios, na desapropriação também integram a indenização. 3. A titulo de incidência do imposto de renda é ilegal a retenção na fonte de parcelas correspondentes aos juros compensatórios e moratórios integrativos do "justo preço" do bem expropriado. 4. Recurso improvido." 36 "TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - DESAPROPRIAÇÃO DIRETA - JUROS COMPESATÓRIOS E MORATÓRIOS - NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO - PRECEDENTES. Os juros compensatórios e moratórios integram a indenização por expropriação, não constituindo renda; portanto, não podem ser tributáveis. Recurso especial não conhecido." 37

35 STJ - 1ª Turma - REsp 54155/PS, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 21.11.94, p. 31728. 36 STJ - 1ª Turma - REsp 94224/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 27/08/1996, DJ 30/09/1996, p. 36600 37 STJ - 2ª Turma - REsp 208477/RS, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 15/05/2001, DJ 25.06.2001, p. 158.

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21

Em igual sentido: RMS 11392/RJ, rel. Min. Paulo Medina, j.

17.10.2002, DJ 13.10.2003, p. 312.

E não é só: a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais

acompanham esse entendimento, conforme ilustram os julgados abaixo:

"TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - INCIDÊNCIA SOBRE INDENIZAÇÃO EXPROPRIATÓRIA - SÚMULA 39, TFR, DL 1.641/78. 1. A posição hoje sufragada pela doutrina e jurisprudência é a de que a desapropriação é ato de império, fato do príncipe, e não alienação forçada. 2. Por ter a indenização finalidade de substituição do bem tomado pelo Poder Público, não se pode falar em lucro. 3. Não incide sobre a indenização expropriatória Imposto de Renda. 4. Recurso e remessa oficial improvidos." 38 "TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. JUSTA INDENIZAÇÃO. NÃO-INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA. 1 - Para ressarcir o desfalque ocorrido no patrimônio do desapropriado a Constituição Federal prevê o pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro, a qual não constitui fato gerador de Imposto Sobre a Renda, a teor do previsto no art. 43 do Código Tributário Nacional. 2 A posição hoje sufragada pela doutrina e jurisprudência é a de que a desapropriação é ato de império, fato do príncipe, e não alienação forçada. Por ter a indenização finalidade de substituição do bem tomado pelo Poder Público, não se pode falar em lucro (AC 95.0131682/DF, DJU de 24/10/96, Juíza Eliana Calmon). 3 - Não está sujeita ao Imposto de Renda a indenização recebida por pessoa jurídica, em decorrência de desapropriação amigável ou judicial (Súmula 39 do TFR). 4-Apelação e remessa oficial não providas." 39 "TRIBUTÁRIO - DESAPROPRIAÇÃO - INDENIZAÇÃO - NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA.

38 TRF - 1ª Região - 4ª Turma - AC 95.01.31681-5/DF; rel. Juíza Eliana Calmon, DJU 24/10/1996, p.81020. 39 TRF - 3ª Região - 4ª Turma -AC 90.03.030720-2/SP Órgão Julgador: rel. Juiz Andrade Martins, j. 6/12/1998; DJU 13/10/2000, p. 592.

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1. Mandado de segurança impetrado com o objetivo de inibir a exigência do Imposto de Renda sobre a diferença entre o valor da indenização expropriatória e o custo dos imóveis desapropriados. A indenização decorrente de desapropriação não representa nenhum ganho ou acréscimo de capital. O proprietário é obrigado a transferir ao Poder Público o imóvel pelo preço determinado, recebendo, em troca, a indenização pelo valor de mercado. Não é uma venda e não existe lucro. Súmula nº 39, do extinto Tribunal Federal de Recursos. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Agravo de instrumento a que se nega provimento." 40

2.5. Da jurisprudência administrativa do Conselho de

Contribuintes do Ministério da Fazenda

Por fim, é importante frisar que a jurisprudência majoritária

do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda já pacificou o

entendimento anteriormente descrito.

Diversos precedentes, inclusive da CÂMARA SUPERIOR DE

RECURSOS FISCAIS, tratando não só de pessoas físicas, como de pessoas

jurídicas, frisam a não incidência do IR sobre a indenização recebida

em virtude de desapropriação, qualquer seja a espécie, anulando, assim,

diversas autuações feitas pelos agentes da Receita Federal:

"IRPF – GANHO DE CAPITAL – DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA – A desapropriação é ato coativo do Estado, que, na satisfação do interesse público, expropria bem privado, mediante justa e prévia indenização (art. 5º, XXIV da CF). Assim sendo, o valor recebido não está sujeito a incidência de imposto de renda e consequentemente apuração de ganho de capital, eis que não se cogita de negócio jurídico, mas simples indenização pela perda involuntária do patrimônio. Recurso improvido." 41

40 TRF - 4ª Região - 3ª Turma - AG 2002.04.01.057344-3, rel. Juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, j. 06/05/2003, DJU 21/05/2003, p. 568. 41 CC - CSRF - acórdão nº 01-04.918, PTA 10410.000303/00-73, rel. Cons. Wilfrido Augusto Marques, j. 12/04/2004.

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IRPF - GANHO DE CAPITAL - DESAPROPRIAÇÃO - Desapropriar é ato de Estado, não configurando negócio jurídico de âmbito privado. A indenização do bem desapropriado é mera reposição patrimonial, não se sujeitando à incidência tributária, sob pena de diminuí-la. IRPF - DESAPROPRIAÇÃO - VIGÊNCIA DA EC0 1, de 1969 - DIREITO ADQUIRIDO - Se a desapropriação ocorreu na vigência da Emenda Constitucional 12, de 1978, ainda que o pagamento indenizatório respectivo tenha ocorrido na vigência da CF, de 1988, independentemente de quaisquer outras considerações o direito adquirido à isenção tributária remanesce como garantia constitucional (CF/88, art. 5, XXVI). IRPF - DESAPROPRIAÇÃO - INDENIZAÇÃO - JUROS - Em matéria de desapropriação, eventuais juros componentes do montante indenizatório, sejam compensatórios, sejam moratórios, integram o ressarcimento, não podendo igualmente ser tributados. Recurso provido." 42

IRPF - GANHO DE CAPITAL - IMÓVEIS - DESAPROPRIAÇÃO - Não se sujeita à tributação o lucro decorrente de desapropriação de imóvel porquanto o valor recebido pelo expropriado não passa de mera reposição com característica indenizatória, sendo certo, também, que a imposição do tributo, ao desfalcar o preço, desnatura o conceito de "justa indenização em dinheiro" que condiciona e dá validade ao ato do poder expropriante. Recurso provido." 43

3. Conclusão

Diante de todo o exposto, concluímos que não incide o

imposto de renda sobre as indenizações pagas pela expropriante em

razão das desapropriações que vem promovendo, seja através de

desapropriação amigável, em que é lavrada escritura de desapropriação,

seja em razão de desapropriação judicial, em que, ao final da ação, após

feito o pagamento da indenização, será expedida carta de adjudicação a

favor da expropriante.

42 1º CC/MF - 4ª Câmara - acórdão 104-18071, PTA 10820.001758/99-32, rel. Cons. Roberto William Gonçalves, j. 20/06/2001. 43 1º CC/MF - 4ª Câmara - acórdão 104-17127, PTA 10820.003091/96-14, rel. Cons. Remis Almeida Estol, j. 14/07/1999.

Page 24: PARECER- IR - desapropriação

24

Da mesma forma, não irá incidir o IR sobre os juros

moratórios e compensatórios pagos, uma vez ambos estarem incluídos na

indenização pela perda da propriedade do bem.

Este é o parecer, s.m.j.

Belo Horizonte, dezembro de 2004.