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Parmênides e Frege: um breve estudo sobre as relações entre o Poema Sobre a Natureza e as INveStIgaçõeS LógIcaS Rafael Huguenin* [email protected] reSuMo O presente texto tem como objetivo estabelecer algumas relações entre o poema de Parmênides e as Investigações Lógicas, de Frege. Mais especificamente, nosso objetivo é iluminar certos aspectos do poema de Parmênides por meio de uma comparação com certas noções utilizadas por Frege para caracterizar aspectos centrais de seu pensamento. Palavras-chave Parmênides, Frege, ser, metafísica, oralidade, linguagem. abStract The aim of this paper is to establish some relationships between Parmenides’ Poem and Frege’s Logical Investigations. More specifically, our objective is to illuminate some aspects of the Parmenides’ Poem by comparing it to certain notions used by Frege in his Logical Investigations. Keywords Parmenides, Frege, being, metaphysics, orality, language. krIterIon, Belo Horizonte, nº 127, Jun./2013, p. 7-24 * Professor de Filosofia da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro. Artigo recebido em 14/09/2011 e aprovado em 26/12/2011. artIgoS

Parmênides e frege: um breve estudo sobre as relações entre o

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Parmecircnides e Frege um breve estudo sobre as relaccedilotildees

entre o Poema Sobre a Naturezae as INveStIgaccedilotildeeS LoacutegIcaS

Rafael Huguenin rafahugueningmailcom

reSuMo O presente texto tem como objetivo estabelecer algumas relaccedilotildees entre o poema de Parmecircnides e as Investigaccedilotildees Loacutegicas de Frege Mais especificamente nosso objetivo eacute iluminar certos aspectos do poema de Parmecircnides por meio de uma comparaccedilatildeo com certas noccedilotildees utilizadas por Frege para caracterizar aspectos centrais de seu pensamento

Palavras-chave Parmecircnides Frege ser metafiacutesica oralidade linguagem

abStract The aim of this paper is to establish some relationships between Parmenidesrsquo Poem and Fregersquos Logical Investigations More specifically our objective is to illuminate some aspects of the Parmenidesrsquo Poem by comparing it to certain notions used by Frege in his Logical Investigations

Keywords Parmenides Frege being metaphysics orality language

krIterIon Belo Horizonte nordm 127 Jun2013 p 7-24

ProfessordeFilosofiadaFundaccedilatildeodeApoioagraveEscolaTeacutecnicadoRiodeJaneiroArtigorecebidoem14092011eaprovadoem26122011

artIgoS

Rafael Huguenin8

ξυνὸν δὲ μοί ἐστιν ὁππόθεν ἄρξωμαι τόθι γὰρ πάλιν ἵξομαι αὖθις

Eacute comum para mim

onde comeccedilo pois ali voltarei novamente

(Parmecircnides B2 51-2)

You say I am repeating Something I have said before I shall say it again

(t S eliot Four Quartets)

o presente texto tem como principal objetivo estabelecer algumas relaccedilotildees entre o poema de Parmecircnides e as Investigaccedilotildees Loacutegicas de Frege Mais especificamente nosso objetivo eacute iluminar certos aspectos do obscuro poema de Parmecircnides por meio de uma comparaccedilatildeo com noccedilotildees utilizadas por Frege para caracterizar aspectos centrais de seu pensamento Antes poreacutem de estendermo-nos na circunscriccedilatildeo deste tema propriamente dito faz-se necessaacuterio justificar natildeo apenas a relaccedilatildeo para muitos inusitada entre Frege e Parmecircnides mas a proacutepria perspectiva que orienta nosso trabalho geral de pesquisa e este texto em particular perspectiva esta que consiste em investigar questotildees da filosofia antiga por meio do emprego de recursos e teacutecnicas desenvolvidas pela tradiccedilatildeo da filosofia analiacutetica Ainda que nos paiacuteses anglo-saxotildees esta perspectiva seja comum e extremamente frutiacutefera no Brasil ela ainda eacute vista com certa reserva sobretudo pelos estudiosos de filosofia antiga ligados agrave filosofia francesa A questatildeo que ora se coloca portanto consiste em justificar esta perspectiva mesma Pois bem seraacute que a filosofia analiacutetica pode auxiliar o estudioso da filosofia antiga

Eacute verdade que o trabalho de interpretaccedilatildeo e anaacutelise dos textos filosoacuteficos antigos pode se beneficiar imensamente das teacutecnicas de anaacutelise loacutegica e semacircntica que foram desenvolvidas no acircmbito da tradiccedilatildeo analiacutetica1 no entanto ao lanccedilar matildeo destas teacutecnicas natildeo seria exagero afirmar que nos encontramos em uma posiccedilatildeo privilegiada para compreender os filoacutesofos antigos ou seja seraacute que de posse destas teacutecnicas mesmas estamos mais bem equipados para reconhecer os meacuteritos e insuficiecircncias no tratamento

1 AprofessoraMauraIgleacutesiasemartigointituladoA Relaccedilatildeo entre Natildeo-Ser como Negativo e o Natildeo-Ser como Falso no Sofista de Platatildeo (InO Que nos Faz Pensar n1119978)reconheceosganhosinterpretativosdautilizaccedilatildeodeumaperspectivaanaliacuteticaldquoquandoPlatatildeoAristoacutetelesousejaquemforestiverfalandodisso[dequestotildeesdelinguagem]aabordagemlsquoanaliacuteticarsquoeacutenomeuentenderamaisadequadasenatildeoauacutenicaadequadaparaentenderoquesepassanostextosrdquo

9PaRMecircnIdes e FRege

antigo de certas questotildees filosoacuteficas Ainda que seja uma extravagacircncia sustentar que podemos compreender os filoacutesofos antigos melhor do que os seus proacuteprios contemporacircneos2 e ateacute mesmo melhor do que estes proacuteprios filoacutesofos haacute um fundo de plausibilidade nesta posiccedilatildeo conforme tentaremos mostrar nas linhas que seguem

Suponhamos duas sentenccedilas s e srsquo ambas expressas por frases em grego tatildeo similares na sintaxe superficial e no vocabulaacuterio que cada uma delas pode ser lida indistintamente como se fosse a outra ou seja trata-se de sentenccedilas ambiacuteguas3 de modo que enquanto s por um lado pode ser tomada como consistente com outras sentenccedilas jaacute assumidas por um filoacutesofo em um dado contexto argumentativo a sentenccedila srsquo por outro lado se revela inconsistente equipados com um aparato apropriado que nos permita deixar expliacutecitas as diferenccedilas entre s e srsquo e as consequecircncias resultantes da aceitaccedilatildeo de uma ou de outra seremos capazes de sustentar e mostrar com mais seguranccedila que em determinado passo de um argumento no qual um filoacutesofo antigo natildeo tem nenhum interesse em assumir algo diferente de s esta sentenccedila entatildeo deve ser atribuiacuteda a ele ou seja eacute exatamente s o que ele quis dizer

Sem as ferramentas apropriadas que elucidem formalmente as diferenccedilas entre s e srsquo corre-se o risco de negligenciar estas diferenccedilas mesmas encorajando assim a interpretaccedilatildeo da sentenccedila em questatildeo como srsquo em contextos nos quais natildeo haacute elementos suficientes para a exclusatildeo desta leitura neste caso portanto guardadas as devidas proporccedilotildees torna-se inteiramente plausiacutevel a afirmaccedilatildeo de que munidos dos recursos contemporacircneos de anaacutelise loacutegica e semacircntica podemos em certo sentido compreender um filoacutesofo antigo de modo mais claro e privilegiado ndash e talvez melhor ateacute que esses proacuteprios filoacutesofos ndash uma vez que somos capazes de (i) compreender com mais clareza o que ele quis dizer em uma dada sentenccedila por meio de um inventaacuterio formal de suas possibilidades loacutegicas de interpretaccedilatildeo e (ii) avaliar as vantagens e as desvantagens loacutegicas de sentenccedilas incautamente construiacutedas4

2 EstaeacuteaposiccedilatildeoporexemplodeFernandoFerreiraemseuartigoOn the Parmenidean Misconception (InPhilosophiegeschichte und logische Analysen219974)noqualsustentaqueldquohojenosencontramosnuma posiccedilatildeo incomparavelmente superior agrave dos antigos para apreciar as sutilezas da questatildeoParmeniacutedeardquo

3 Ou seja lanccedilando matildeo aqui de uma expressatildeo cunhada por Gilbert Ryle no artigo Expressotildees Sistematicamente Enganadoras (InEnsaiosColeccedilatildeo Os PensadoresTradBalthazarBarbosaFilhoSatildeoPauloAbrilCultural197511)trata-sedesentenccedilassistematicamenteenganadorasnamedidaemqueldquosatildeoexpressasnumaformasintaacuteticainapropriadaaosfatosregistradoseaocontraacuterioapropriadaafatosdeumaformaloacutegicainteiramentediversadadosfatosregistradosrdquosugerindoassimaalgumaspessoasqueoestadodecoisasexpressopelasentenccedilaemquestatildeoeacutediferentedoquedefatoeacute

4 OargumentodesteparaacutegrafoedoanteriorconsisteemumresumodaposiccedilatildeoassumidaporGregoryVlastosnaIntroduccedilatildeoqueescreveuparaacoletacircneadeartigosintituladaPlato I A Collection of Critical

Rafael Huguenin10

no entanto o uso indiscriminado destes recursos pode nos levar facilmente a projetar sobre o texto antigo uma seacuterie de distinccedilotildees conceituais que foram desenvolvidas ao longo de mais de dois milecircnios de discussotildees filosoacuteficas resultando em interpretaccedilotildees perigosamente anacrocircnicas Para evitar este problema devemos buscar o equiliacutebrio muitas vezes tecircnue entre explicaccedilotildees filosoficamente vaacutelidas para os nossos padrotildees e o maacuteximo possiacutevel de evidecircncias histoacutericas e filoloacutegicas Aleacutem disso devemos tambeacutem nos esforccedilar ao maacuteximo para trazer agrave tona mais elementos para a devida formulaccedilatildeo dos problemas e estes elementos nem sempre estatildeo expliacutecitos nos textos trazer mais elementos para a interpretaccedilatildeo significa natildeo apenas estabelecer maiores pontos de contato entre as partes do texto mas tambeacutem relacionar o proacuteprio texto com o horizonte cultural do qual ele emerge sobretudo no que diz respeito agraves assunccedilotildees conceituais taacutecitas que formam as bases mesmas do esquema conceitual de um grego daquele periacuteodo Muitas vezes estas assunccedilotildees por nos serem demasiadamente oacutebvias ou talvez extravagantes satildeo negligenciadas impossibilitando natildeo soacute a devida compreensatildeo dos problemas colocados nos textos mas ateacute mesmo por que constituiacuteam efetivamente problemas

Devemos levar em conta tambeacutem que no campo geral dos estudos claacutessicos e mais especificamente no campo do estudo de textos claacutessicos de filosofia que consiste basicamente em uma tarefa de interpretaccedilatildeo de textos oferecer alternativas de interpretaccedilatildeo em adiccedilatildeo agraves que se encontram no centro das discussotildees5 eacute uma das uacutenicas formas de aumentar o conteuacutedo empiacuterico disponiacutevel dando a este campo de estudo um caraacuteter mais cientiacutefico desde que se respeite o jaacute mencionado equiliacutebrio entre evidecircncias contextuais-filoloacutegicas e explicaccedilotildees filosoficamente vaacutelidas Sendo assim se relacionarmos o texto de Parmecircnides com o contexto cultural no qual foi composto e aleacutem disso nos esforccedilarmos em considerar certas passagens importantes agrave luz dos recursos de anaacutelise hoje disponiacuteveis entatildeo teremos mais elementos para oferecer uma interpretaccedilatildeo filosoficamente satisfatoacuteria

Essays (Plato I A Collection of Critical Essays Metaphysics and EpistemologyNotreDameUniversityofNotreDame19781-5)

5 Trata-sedeumamenccedilatildeo feitaporAlexanderMourelatosemseuartigoSome Alternative in Interpreting Parmenides(InThe Monistv6219795)aopluralismo tolerantequesegundoFeyerabendcaracterizaametodologiacientiacuteficaNocasodainterpretaccedilatildeodopoemadeParmecircnidesMourelatossustentaqueaumentar o conteuacutedo empiacuterico disponiacutevel significa ldquoto make connections with the epic tradition themediumwhichheemploysinhispoetrytomakeconnectionswithhisphilosophicalpredecessorsandsuccessorsmostimportantlytomakecontactonasmanypointsaspossiblewiththe150orsolinesofthepoemthathavebeenpreservedrdquo

11PaRMecircnIdes e FRege

As consideraccedilotildees acima norteiam nosso trabalho de interpretaccedilatildeo dos textos da filosofia antiga nosso principal campo de estudo A partir desta perspectiva desenvolvemos nos uacuteltimos anos uma interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides que tem como principal objetivo reavaliar a posiccedilatildeo deste autor como um filoacutesofo imbuiacutedo exclusivamente de preocupaccedilotildees metafiacutesicas Assim em um artigo recentemente publicado propusemos que a maior preocupaccedilatildeo de Parmecircnides natildeo era propriamente oferecer uma teoria geral da realidade mas estabelecer uma sintaxe apropriada do discurso filosoacutefico entatildeo nascente esta preocupaccedilatildeo teria conduzido Parmecircnides a adotar a estrutura predicativa como a mais indicada ao discurso filosoacutefico Para isso ele precisou reforccedilar contando principalmente com recursos poeacuteticos alguns aspectos filosoficamente importantes desta construccedilatildeo em especial o caraacuteter durativo eterno imutaacutevel e objetivo do verbo ser em uma predicaccedilatildeo que se apresenta como veiacuteculo de discurso cientiacutefico e filosoacutefico

no presente texto portanto retornaremos mais uma vez a este tema com o objetivo de iluminaacute-lo a partir de outra perspectiva Partimos do pressuposto de que a noccedilatildeo de predicaccedilatildeo exerce um papel fundamental natildeo apenas no que diz respeito aos temas discutidos no poema de Parmecircnides mas em toda a histoacuteria da filosofia Afinal ldquotratar toda sentenccedila da linguagem natural e da loacutegica como uma predicaccedilatildeordquo natildeo eacute apenas uma simples ldquovariaccedilatildeo sobre um tema fregeanordquo6 nem mesmo apenas um aspecto crucial para o projeto de encarar a loacutegica como uma expressatildeo da realidade mas a forma fundamental de expressar a ciecircncia e o conhecimento em geral7 nas paacuteginas que seguem tentaremos oferecer a partir de uma perspectiva histoacuterica uma pequena contribuiccedilatildeo a esta temaacutetica encarando o poema de Parmecircnides como o primeiro texto no qual a predicaccedilatildeo eacute instaurada ou para utilizar uma expressatildeo mais fraca no qual a predicaccedilatildeo eacute tematizada Sendo assim a partir de uma lista de construccedilotildees logicamente possiacuteveis para a tese inicial de Parmecircnides destacaremos em (I) qual foi a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente em (II) tentaremos reforccedilar esta interpretaccedilatildeo relacionando alguns aspectos do poema de Parmecircnides com algumas posiccedilotildees assumidas por Frege em Investigaccedilotildees Loacutegicas

6 Estaspassagens foramextraiacutedasdo textodoprofessorOswaldoChateaubriand intituladoThe Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes (InGreimannDirk(ed)Grazer Philosophische Studien Essays on Fregersquos Conception of Truthn75v12007203

7 VeraesserespeitooartigodeUweMeixnerintituladoFrom Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas(InMetaphysica International Journal for Ontology and Metaphysicsn102009199-214)Segundoesteautoremvirtudedaeconomiaedasimplicidadequecaracterizamodiscursocientiacuteficosentenccedilaspredicativassimplesexercemumpapelindispensaacutevel

Rafael Huguenin12

I

no fragmento B2 do poema de Parmecircnides satildeo apresentados dois caminhos de investigaccedilatildeo (i) ldquoum ltcaminhogt que eacute e que natildeo eacute natildeo serrdquo (ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) caminho de persuasatildeo que sempre acompanha a verdade e (ii) ldquooutro ltcaminhogt que natildeo eacute e que necessariamente eacute natildeo serrdquo (ἡ δrsquo ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι)8 caminho vedado e completamente inescrutaacutevel Analisemos brevemente as duas sentenccedilas As expressotildees ὅπως e ὡς podem ser traduzidas tanto como conjunccedilotildees ou como adveacuterbios o que nos daacute respectivamente duas possibilidades de traduccedilatildeo ldquoum ltcaminho que dizgt que eacuterdquo ou ainda ldquoum ltcaminho que dizgt como eacuterdquo em (i) e (ii) optamos por traduzi-las como conjunccedilotildees Deste modo elas introduzem novas sentenccedilas neste caso trata-se de sentenccedilas constituiacutedas unicamente pelo verbo ser (ἔστι) sem qualquer sujeito ou predicado expliacutecito Assim o primeiro caminho de investigaccedilatildeo eacute aquele que diz simplesmente ldquoeacuterdquo Mas o que eacute que eacute ou seja qual eacute o sujeito para as quatro ocorrecircncias do verbo ser na terceira pessoa do singular do presente ativo (ἔστι) Qual eacute o uso do verbo ser que nos fornece a interpretaccedilatildeo apropriada desta passagem

Simplifiquemos a questatildeo Ao inveacutes de nos indagarmos pelos ldquosentidos originaacuteriosrdquo do verbo ser pensemos simplesmente em algumas construccedilotildees logicamente possiacuteveis Pois bem quais satildeo as construccedilotildees logicamente possiacuteveis para um ldquoeacuterdquo (ἔστιν) em uma sentenccedila sem nenhum sujeito ou predicado expliacutecito neste ponto faz-se oportuno lanccedilar matildeo de alguns recursos de anaacutelise conforme mencionados no iniacutecio do artigo Sendo assim elencaremos abaixo sem nenhuma pretensatildeo de exaustividade algumas possibilidades de construccedilatildeo As possibilidades satildeo apresentadas em uma notaccedilatildeo loacutegica e em sentenccedilas equivalentes em portuguecircs seguidas de alguns comentaacuterios explicativos9

(1) ltagt existe Utilizamos sentenccedilas com esta estrutura quando afirmamos por exemplo ldquoele existerdquo ou ainda ldquoisto existerdquo referindo-se a pessoas ou objetos cuja identidade permanece momentaneamente indeterminada ou obscura temos aqui uma espeacutecie de sentenccedila eliacuteptica sem um sujeito expliacutecito sujeito este que pode no entanto ser determinado facilmente a partir do contexto precedente ou subsequente trata-se de uma

8 A traduccedilatildeo das passagens em grego quando natildeo apresentarem nenhuma indicaccedilatildeo em contraacuterioeacute de nossa responsabilidadeComobasepara as referecircncias ao texto parmeniacutedico tomamoso textoestabelecido na ediccedilatildeo Diels-Kranz (Die Fragmente der Vorsokratiker 3 v Zuumlrich WeidemannscheVerlagsbuchhandlung2004)

9 EstapartedoartigoeacuteumresumodaanaacutelisemaiscompletaoferecidaporMourelatosnoapecircndiceIIdeRoute of Parmecircnides(LasVegasParmenidesPublishing2007)

13PaRMecircnIdes e FRege

sentenccedila na qual tanto o sujeito quanto o predicado possuem um sentido definido ou seja ambos podem ser vistos como constantes

(2) ($x)Fx existe um x tal que x eacute F ou seja existe pelo menos uma coisa (ou um objeto ou um item) que possui uma certa propriedade Quando dizemos por exemplo ldquoexiste algo que eacute animalrdquo ou ainda ldquohaacute um objeto que eacute uma canetardquo o que temos aqui natildeo eacute exatamente a atribuiccedilatildeo de uma propriedade a um dado objeto mas apenas a asserccedilatildeo de que existe pelo menos uma coisa que eacute caracterizada por uma descriccedilatildeo especiacutefica o predicado neste caso pode ser compreendido como uma constante enquanto o sujeito eacute uma variaacutevel ligada a um quantificador existencial neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada pelo quantificador de modo que o ltagt que em (1) aparece como o sujeito eacute analisado aqui como o predicado F

(3) ($x)x existe existe um x tal que x existe Utilizamos sentenccedilas desta forma quando queremos sustentar de modo geral que algum objeto existe que haacute uma coisa que existe que haacute pelo menos um objeto existente neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia ocorre novamente como o predicado ou seja ela aparece na posiccedilatildeo ocupada por F em (2) Assim a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe

(4) ($x)f x existe pelo menos um objeto que eacute ____ existe um ____ neste exemplo temos um predicado completamente indefinido Deste modo natildeo temos aqui estritamente falando uma proposiccedilatildeo genuiacutena uma vez que a sentenccedila nada diz realmente mas apenas representa a forma geral de uma asserccedilatildeo de existecircncia da qual (2) eacute uma instacircncia

(5) f x ldquo____ eacute ____rdquo temos aqui um esquema geral da predicaccedilatildeo com as lacunas vazias indicando a posiccedilatildeo do sujeito e do predicado esta construccedilatildeo assemelha-se a (4) com a exceccedilatildeo de que neste caso tanto o predicado quanto o sujeito satildeo inteiramente indefinidos de modo que o que estaacute em jogo aqui eacute uma espeacutecie de esquema geral ou simplesmente metalinguiacutestico de asserccedilotildees puramente atributivas

De posse desta relaccedilatildeo de possibilidades loacutegicas digamos assim podemos classificar as diversas interpretaccedilotildees oferecidas pelos especialistas e a partir delas melhor marcar a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente Com isso natildeo aprofundaremos a discussatildeo sobre os meacuteritos e desvantagens de cada possibilidade ou mesmo se elas se confirmam a partir de evidecircncias textuais Limitar-nos-emos a passar em revista cada possibilidade e indicar quando for o caso os aspectos que nos interessam

As opccedilotildees (1) e (2) satildeo pressupostas por todos aqueles que acreditam que o sujeito do ldquoeacuterdquo inicial deve ser revelado gradualmente a partir da leitura

Rafael Huguenin14

e do entendimento das partes subsequentes do poema Destacamos como exemplos desta interpretaccedilatildeo Burnet Guthrie e owen segundo os quais o sujeito deve ser interpretado respectivamente como ldquoo corpordquo ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) ou simplesmente ldquoo que pode ser dito ou pensadordquo o principal argumento contra esta interpretaccedilatildeo consiste em sustentar que se Parmecircnides tivesse realmente um sujeito em mente para o verbo natildeo faria sentido forccedilar os seus leitores a adivinhaacute-lo a partir das partes subsequentes do texto Por que manter o sujeito deliberadamente oculto Qual seria o sentido desta omissatildeo Aleacutem disso dependendo do sujeito escolhido o argumento pode ser lido como uma tautologia Por exemplo se o sujeito para o ldquoeacuterdquo for simplesmente ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) a tese inicial de Parmecircnides se transforma em uma tautologia ldquoo que eacute eacuterdquo ldquoeacute o que eacuterdquo (τό ἐὸν ἐστίν) ou simplesmente ldquoo ser eacuterdquo (τό ἐὸν εἶναι) ora seraacute que uma tautologia deste tipo pode servir como ponto de partida inicial para o argumento de Parmecircnides

A opccedilatildeo (3) eacute adotada por todos os que interpretam o ldquoeacuterdquo (ἔστιν) inicial do argumento de Parmecircnides no sentido ldquoimpessoalrdquo em analogia com verbos como ldquochoverdquo (βρέχει) ou ldquonevardquo (νίφει) A analogia no entanto natildeo nos parece muito esclarecedora uma vez que podemos analisar ldquochoverdquo como um caso especial de (2) ou seja como ($x)Fx ou simplesmente ldquohaacute pelo menos um objeto que eacute chuvardquo10 na verdade os proponentes desta interpretaccedilatildeo dentre os quais destacamos Herman Fraumlnkel11 querem dizer outra coisa todos eles no fundo tratam o ldquoeacuterdquo como um caso de asserccedilatildeo existencial na qual o ldquoexisterdquo funciona como o predicado uma vez que o sentido provaacutevel de uma sentenccedila com essa forma pode ser entendido simplesmente como ldquohaacute existecircnciardquo no entanto como jaacute mencionamos algumas linhas acima em (3) a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada duplamente tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe de modo que a expressatildeo eacute tambeacutem tautoloacutegica como alguns casos de (2) com sujeitos especiacuteficos como ldquoo que eacuterdquo ldquoo enterdquo ou simplesmente ldquoo serrdquo

Ateacute recentemente poucos autores adotaram (4) e (5) como anaacutelises do ldquoeacuterdquo inicial de Parmecircnides o precursor deste tipo de interpretaccedilatildeo foi o italiano Guido Calogero em seu livro studi sullrsquo eleatismo12 publicado em

10 ReconhecemosqueaanaacutelisedesentenccedilascomoldquochoverdquoouldquonevardquoeacutecomplexaaleacutemdeultrapassaroescoporestritodopresenteartigoSendoassimoexemplooferecidodeveservistocomoumameraaproximaccedilatildeo como uma descriccedilatildeo provisoacuteria que tem como objetivo salientar a impropriedade daanalogiaentreumldquoeacuterdquoimpessoaleverboscomoldquochoverdquoouldquonevardquo

11 VeraesserespeitooclaacutessicoartigodeHermanFraumlnkelintituladoStudies in Parmenides (InAllenREandFurleyDJStudies in Presocratic Philosophy The Eleatic and PluralistLondonRoutledgeampKeganPaul19751-47)

12 CalogeroGuidoStudi sullrsquo eleatismoRomeTipografiadelSenato1932

15PaRMecircnIdes e FRege

1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

Rafael Huguenin16

como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

Rafael Huguenin18

ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

Rafael Huguenin22

pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

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Rafael Huguenin24

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Rafael Huguenin8

ξυνὸν δὲ μοί ἐστιν ὁππόθεν ἄρξωμαι τόθι γὰρ πάλιν ἵξομαι αὖθις

Eacute comum para mim

onde comeccedilo pois ali voltarei novamente

(Parmecircnides B2 51-2)

You say I am repeating Something I have said before I shall say it again

(t S eliot Four Quartets)

o presente texto tem como principal objetivo estabelecer algumas relaccedilotildees entre o poema de Parmecircnides e as Investigaccedilotildees Loacutegicas de Frege Mais especificamente nosso objetivo eacute iluminar certos aspectos do obscuro poema de Parmecircnides por meio de uma comparaccedilatildeo com noccedilotildees utilizadas por Frege para caracterizar aspectos centrais de seu pensamento Antes poreacutem de estendermo-nos na circunscriccedilatildeo deste tema propriamente dito faz-se necessaacuterio justificar natildeo apenas a relaccedilatildeo para muitos inusitada entre Frege e Parmecircnides mas a proacutepria perspectiva que orienta nosso trabalho geral de pesquisa e este texto em particular perspectiva esta que consiste em investigar questotildees da filosofia antiga por meio do emprego de recursos e teacutecnicas desenvolvidas pela tradiccedilatildeo da filosofia analiacutetica Ainda que nos paiacuteses anglo-saxotildees esta perspectiva seja comum e extremamente frutiacutefera no Brasil ela ainda eacute vista com certa reserva sobretudo pelos estudiosos de filosofia antiga ligados agrave filosofia francesa A questatildeo que ora se coloca portanto consiste em justificar esta perspectiva mesma Pois bem seraacute que a filosofia analiacutetica pode auxiliar o estudioso da filosofia antiga

Eacute verdade que o trabalho de interpretaccedilatildeo e anaacutelise dos textos filosoacuteficos antigos pode se beneficiar imensamente das teacutecnicas de anaacutelise loacutegica e semacircntica que foram desenvolvidas no acircmbito da tradiccedilatildeo analiacutetica1 no entanto ao lanccedilar matildeo destas teacutecnicas natildeo seria exagero afirmar que nos encontramos em uma posiccedilatildeo privilegiada para compreender os filoacutesofos antigos ou seja seraacute que de posse destas teacutecnicas mesmas estamos mais bem equipados para reconhecer os meacuteritos e insuficiecircncias no tratamento

1 AprofessoraMauraIgleacutesiasemartigointituladoA Relaccedilatildeo entre Natildeo-Ser como Negativo e o Natildeo-Ser como Falso no Sofista de Platatildeo (InO Que nos Faz Pensar n1119978)reconheceosganhosinterpretativosdautilizaccedilatildeodeumaperspectivaanaliacuteticaldquoquandoPlatatildeoAristoacutetelesousejaquemforestiverfalandodisso[dequestotildeesdelinguagem]aabordagemlsquoanaliacuteticarsquoeacutenomeuentenderamaisadequadasenatildeoauacutenicaadequadaparaentenderoquesepassanostextosrdquo

9PaRMecircnIdes e FRege

antigo de certas questotildees filosoacuteficas Ainda que seja uma extravagacircncia sustentar que podemos compreender os filoacutesofos antigos melhor do que os seus proacuteprios contemporacircneos2 e ateacute mesmo melhor do que estes proacuteprios filoacutesofos haacute um fundo de plausibilidade nesta posiccedilatildeo conforme tentaremos mostrar nas linhas que seguem

Suponhamos duas sentenccedilas s e srsquo ambas expressas por frases em grego tatildeo similares na sintaxe superficial e no vocabulaacuterio que cada uma delas pode ser lida indistintamente como se fosse a outra ou seja trata-se de sentenccedilas ambiacuteguas3 de modo que enquanto s por um lado pode ser tomada como consistente com outras sentenccedilas jaacute assumidas por um filoacutesofo em um dado contexto argumentativo a sentenccedila srsquo por outro lado se revela inconsistente equipados com um aparato apropriado que nos permita deixar expliacutecitas as diferenccedilas entre s e srsquo e as consequecircncias resultantes da aceitaccedilatildeo de uma ou de outra seremos capazes de sustentar e mostrar com mais seguranccedila que em determinado passo de um argumento no qual um filoacutesofo antigo natildeo tem nenhum interesse em assumir algo diferente de s esta sentenccedila entatildeo deve ser atribuiacuteda a ele ou seja eacute exatamente s o que ele quis dizer

Sem as ferramentas apropriadas que elucidem formalmente as diferenccedilas entre s e srsquo corre-se o risco de negligenciar estas diferenccedilas mesmas encorajando assim a interpretaccedilatildeo da sentenccedila em questatildeo como srsquo em contextos nos quais natildeo haacute elementos suficientes para a exclusatildeo desta leitura neste caso portanto guardadas as devidas proporccedilotildees torna-se inteiramente plausiacutevel a afirmaccedilatildeo de que munidos dos recursos contemporacircneos de anaacutelise loacutegica e semacircntica podemos em certo sentido compreender um filoacutesofo antigo de modo mais claro e privilegiado ndash e talvez melhor ateacute que esses proacuteprios filoacutesofos ndash uma vez que somos capazes de (i) compreender com mais clareza o que ele quis dizer em uma dada sentenccedila por meio de um inventaacuterio formal de suas possibilidades loacutegicas de interpretaccedilatildeo e (ii) avaliar as vantagens e as desvantagens loacutegicas de sentenccedilas incautamente construiacutedas4

2 EstaeacuteaposiccedilatildeoporexemplodeFernandoFerreiraemseuartigoOn the Parmenidean Misconception (InPhilosophiegeschichte und logische Analysen219974)noqualsustentaqueldquohojenosencontramosnuma posiccedilatildeo incomparavelmente superior agrave dos antigos para apreciar as sutilezas da questatildeoParmeniacutedeardquo

3 Ou seja lanccedilando matildeo aqui de uma expressatildeo cunhada por Gilbert Ryle no artigo Expressotildees Sistematicamente Enganadoras (InEnsaiosColeccedilatildeo Os PensadoresTradBalthazarBarbosaFilhoSatildeoPauloAbrilCultural197511)trata-sedesentenccedilassistematicamenteenganadorasnamedidaemqueldquosatildeoexpressasnumaformasintaacuteticainapropriadaaosfatosregistradoseaocontraacuterioapropriadaafatosdeumaformaloacutegicainteiramentediversadadosfatosregistradosrdquosugerindoassimaalgumaspessoasqueoestadodecoisasexpressopelasentenccedilaemquestatildeoeacutediferentedoquedefatoeacute

4 OargumentodesteparaacutegrafoedoanteriorconsisteemumresumodaposiccedilatildeoassumidaporGregoryVlastosnaIntroduccedilatildeoqueescreveuparaacoletacircneadeartigosintituladaPlato I A Collection of Critical

Rafael Huguenin10

no entanto o uso indiscriminado destes recursos pode nos levar facilmente a projetar sobre o texto antigo uma seacuterie de distinccedilotildees conceituais que foram desenvolvidas ao longo de mais de dois milecircnios de discussotildees filosoacuteficas resultando em interpretaccedilotildees perigosamente anacrocircnicas Para evitar este problema devemos buscar o equiliacutebrio muitas vezes tecircnue entre explicaccedilotildees filosoficamente vaacutelidas para os nossos padrotildees e o maacuteximo possiacutevel de evidecircncias histoacutericas e filoloacutegicas Aleacutem disso devemos tambeacutem nos esforccedilar ao maacuteximo para trazer agrave tona mais elementos para a devida formulaccedilatildeo dos problemas e estes elementos nem sempre estatildeo expliacutecitos nos textos trazer mais elementos para a interpretaccedilatildeo significa natildeo apenas estabelecer maiores pontos de contato entre as partes do texto mas tambeacutem relacionar o proacuteprio texto com o horizonte cultural do qual ele emerge sobretudo no que diz respeito agraves assunccedilotildees conceituais taacutecitas que formam as bases mesmas do esquema conceitual de um grego daquele periacuteodo Muitas vezes estas assunccedilotildees por nos serem demasiadamente oacutebvias ou talvez extravagantes satildeo negligenciadas impossibilitando natildeo soacute a devida compreensatildeo dos problemas colocados nos textos mas ateacute mesmo por que constituiacuteam efetivamente problemas

Devemos levar em conta tambeacutem que no campo geral dos estudos claacutessicos e mais especificamente no campo do estudo de textos claacutessicos de filosofia que consiste basicamente em uma tarefa de interpretaccedilatildeo de textos oferecer alternativas de interpretaccedilatildeo em adiccedilatildeo agraves que se encontram no centro das discussotildees5 eacute uma das uacutenicas formas de aumentar o conteuacutedo empiacuterico disponiacutevel dando a este campo de estudo um caraacuteter mais cientiacutefico desde que se respeite o jaacute mencionado equiliacutebrio entre evidecircncias contextuais-filoloacutegicas e explicaccedilotildees filosoficamente vaacutelidas Sendo assim se relacionarmos o texto de Parmecircnides com o contexto cultural no qual foi composto e aleacutem disso nos esforccedilarmos em considerar certas passagens importantes agrave luz dos recursos de anaacutelise hoje disponiacuteveis entatildeo teremos mais elementos para oferecer uma interpretaccedilatildeo filosoficamente satisfatoacuteria

Essays (Plato I A Collection of Critical Essays Metaphysics and EpistemologyNotreDameUniversityofNotreDame19781-5)

5 Trata-sedeumamenccedilatildeo feitaporAlexanderMourelatosemseuartigoSome Alternative in Interpreting Parmenides(InThe Monistv6219795)aopluralismo tolerantequesegundoFeyerabendcaracterizaametodologiacientiacuteficaNocasodainterpretaccedilatildeodopoemadeParmecircnidesMourelatossustentaqueaumentar o conteuacutedo empiacuterico disponiacutevel significa ldquoto make connections with the epic tradition themediumwhichheemploysinhispoetrytomakeconnectionswithhisphilosophicalpredecessorsandsuccessorsmostimportantlytomakecontactonasmanypointsaspossiblewiththe150orsolinesofthepoemthathavebeenpreservedrdquo

11PaRMecircnIdes e FRege

As consideraccedilotildees acima norteiam nosso trabalho de interpretaccedilatildeo dos textos da filosofia antiga nosso principal campo de estudo A partir desta perspectiva desenvolvemos nos uacuteltimos anos uma interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides que tem como principal objetivo reavaliar a posiccedilatildeo deste autor como um filoacutesofo imbuiacutedo exclusivamente de preocupaccedilotildees metafiacutesicas Assim em um artigo recentemente publicado propusemos que a maior preocupaccedilatildeo de Parmecircnides natildeo era propriamente oferecer uma teoria geral da realidade mas estabelecer uma sintaxe apropriada do discurso filosoacutefico entatildeo nascente esta preocupaccedilatildeo teria conduzido Parmecircnides a adotar a estrutura predicativa como a mais indicada ao discurso filosoacutefico Para isso ele precisou reforccedilar contando principalmente com recursos poeacuteticos alguns aspectos filosoficamente importantes desta construccedilatildeo em especial o caraacuteter durativo eterno imutaacutevel e objetivo do verbo ser em uma predicaccedilatildeo que se apresenta como veiacuteculo de discurso cientiacutefico e filosoacutefico

no presente texto portanto retornaremos mais uma vez a este tema com o objetivo de iluminaacute-lo a partir de outra perspectiva Partimos do pressuposto de que a noccedilatildeo de predicaccedilatildeo exerce um papel fundamental natildeo apenas no que diz respeito aos temas discutidos no poema de Parmecircnides mas em toda a histoacuteria da filosofia Afinal ldquotratar toda sentenccedila da linguagem natural e da loacutegica como uma predicaccedilatildeordquo natildeo eacute apenas uma simples ldquovariaccedilatildeo sobre um tema fregeanordquo6 nem mesmo apenas um aspecto crucial para o projeto de encarar a loacutegica como uma expressatildeo da realidade mas a forma fundamental de expressar a ciecircncia e o conhecimento em geral7 nas paacuteginas que seguem tentaremos oferecer a partir de uma perspectiva histoacuterica uma pequena contribuiccedilatildeo a esta temaacutetica encarando o poema de Parmecircnides como o primeiro texto no qual a predicaccedilatildeo eacute instaurada ou para utilizar uma expressatildeo mais fraca no qual a predicaccedilatildeo eacute tematizada Sendo assim a partir de uma lista de construccedilotildees logicamente possiacuteveis para a tese inicial de Parmecircnides destacaremos em (I) qual foi a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente em (II) tentaremos reforccedilar esta interpretaccedilatildeo relacionando alguns aspectos do poema de Parmecircnides com algumas posiccedilotildees assumidas por Frege em Investigaccedilotildees Loacutegicas

6 Estaspassagens foramextraiacutedasdo textodoprofessorOswaldoChateaubriand intituladoThe Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes (InGreimannDirk(ed)Grazer Philosophische Studien Essays on Fregersquos Conception of Truthn75v12007203

7 VeraesserespeitooartigodeUweMeixnerintituladoFrom Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas(InMetaphysica International Journal for Ontology and Metaphysicsn102009199-214)Segundoesteautoremvirtudedaeconomiaedasimplicidadequecaracterizamodiscursocientiacuteficosentenccedilaspredicativassimplesexercemumpapelindispensaacutevel

Rafael Huguenin12

I

no fragmento B2 do poema de Parmecircnides satildeo apresentados dois caminhos de investigaccedilatildeo (i) ldquoum ltcaminhogt que eacute e que natildeo eacute natildeo serrdquo (ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) caminho de persuasatildeo que sempre acompanha a verdade e (ii) ldquooutro ltcaminhogt que natildeo eacute e que necessariamente eacute natildeo serrdquo (ἡ δrsquo ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι)8 caminho vedado e completamente inescrutaacutevel Analisemos brevemente as duas sentenccedilas As expressotildees ὅπως e ὡς podem ser traduzidas tanto como conjunccedilotildees ou como adveacuterbios o que nos daacute respectivamente duas possibilidades de traduccedilatildeo ldquoum ltcaminho que dizgt que eacuterdquo ou ainda ldquoum ltcaminho que dizgt como eacuterdquo em (i) e (ii) optamos por traduzi-las como conjunccedilotildees Deste modo elas introduzem novas sentenccedilas neste caso trata-se de sentenccedilas constituiacutedas unicamente pelo verbo ser (ἔστι) sem qualquer sujeito ou predicado expliacutecito Assim o primeiro caminho de investigaccedilatildeo eacute aquele que diz simplesmente ldquoeacuterdquo Mas o que eacute que eacute ou seja qual eacute o sujeito para as quatro ocorrecircncias do verbo ser na terceira pessoa do singular do presente ativo (ἔστι) Qual eacute o uso do verbo ser que nos fornece a interpretaccedilatildeo apropriada desta passagem

Simplifiquemos a questatildeo Ao inveacutes de nos indagarmos pelos ldquosentidos originaacuteriosrdquo do verbo ser pensemos simplesmente em algumas construccedilotildees logicamente possiacuteveis Pois bem quais satildeo as construccedilotildees logicamente possiacuteveis para um ldquoeacuterdquo (ἔστιν) em uma sentenccedila sem nenhum sujeito ou predicado expliacutecito neste ponto faz-se oportuno lanccedilar matildeo de alguns recursos de anaacutelise conforme mencionados no iniacutecio do artigo Sendo assim elencaremos abaixo sem nenhuma pretensatildeo de exaustividade algumas possibilidades de construccedilatildeo As possibilidades satildeo apresentadas em uma notaccedilatildeo loacutegica e em sentenccedilas equivalentes em portuguecircs seguidas de alguns comentaacuterios explicativos9

(1) ltagt existe Utilizamos sentenccedilas com esta estrutura quando afirmamos por exemplo ldquoele existerdquo ou ainda ldquoisto existerdquo referindo-se a pessoas ou objetos cuja identidade permanece momentaneamente indeterminada ou obscura temos aqui uma espeacutecie de sentenccedila eliacuteptica sem um sujeito expliacutecito sujeito este que pode no entanto ser determinado facilmente a partir do contexto precedente ou subsequente trata-se de uma

8 A traduccedilatildeo das passagens em grego quando natildeo apresentarem nenhuma indicaccedilatildeo em contraacuterioeacute de nossa responsabilidadeComobasepara as referecircncias ao texto parmeniacutedico tomamoso textoestabelecido na ediccedilatildeo Diels-Kranz (Die Fragmente der Vorsokratiker 3 v Zuumlrich WeidemannscheVerlagsbuchhandlung2004)

9 EstapartedoartigoeacuteumresumodaanaacutelisemaiscompletaoferecidaporMourelatosnoapecircndiceIIdeRoute of Parmecircnides(LasVegasParmenidesPublishing2007)

13PaRMecircnIdes e FRege

sentenccedila na qual tanto o sujeito quanto o predicado possuem um sentido definido ou seja ambos podem ser vistos como constantes

(2) ($x)Fx existe um x tal que x eacute F ou seja existe pelo menos uma coisa (ou um objeto ou um item) que possui uma certa propriedade Quando dizemos por exemplo ldquoexiste algo que eacute animalrdquo ou ainda ldquohaacute um objeto que eacute uma canetardquo o que temos aqui natildeo eacute exatamente a atribuiccedilatildeo de uma propriedade a um dado objeto mas apenas a asserccedilatildeo de que existe pelo menos uma coisa que eacute caracterizada por uma descriccedilatildeo especiacutefica o predicado neste caso pode ser compreendido como uma constante enquanto o sujeito eacute uma variaacutevel ligada a um quantificador existencial neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada pelo quantificador de modo que o ltagt que em (1) aparece como o sujeito eacute analisado aqui como o predicado F

(3) ($x)x existe existe um x tal que x existe Utilizamos sentenccedilas desta forma quando queremos sustentar de modo geral que algum objeto existe que haacute uma coisa que existe que haacute pelo menos um objeto existente neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia ocorre novamente como o predicado ou seja ela aparece na posiccedilatildeo ocupada por F em (2) Assim a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe

(4) ($x)f x existe pelo menos um objeto que eacute ____ existe um ____ neste exemplo temos um predicado completamente indefinido Deste modo natildeo temos aqui estritamente falando uma proposiccedilatildeo genuiacutena uma vez que a sentenccedila nada diz realmente mas apenas representa a forma geral de uma asserccedilatildeo de existecircncia da qual (2) eacute uma instacircncia

(5) f x ldquo____ eacute ____rdquo temos aqui um esquema geral da predicaccedilatildeo com as lacunas vazias indicando a posiccedilatildeo do sujeito e do predicado esta construccedilatildeo assemelha-se a (4) com a exceccedilatildeo de que neste caso tanto o predicado quanto o sujeito satildeo inteiramente indefinidos de modo que o que estaacute em jogo aqui eacute uma espeacutecie de esquema geral ou simplesmente metalinguiacutestico de asserccedilotildees puramente atributivas

De posse desta relaccedilatildeo de possibilidades loacutegicas digamos assim podemos classificar as diversas interpretaccedilotildees oferecidas pelos especialistas e a partir delas melhor marcar a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente Com isso natildeo aprofundaremos a discussatildeo sobre os meacuteritos e desvantagens de cada possibilidade ou mesmo se elas se confirmam a partir de evidecircncias textuais Limitar-nos-emos a passar em revista cada possibilidade e indicar quando for o caso os aspectos que nos interessam

As opccedilotildees (1) e (2) satildeo pressupostas por todos aqueles que acreditam que o sujeito do ldquoeacuterdquo inicial deve ser revelado gradualmente a partir da leitura

Rafael Huguenin14

e do entendimento das partes subsequentes do poema Destacamos como exemplos desta interpretaccedilatildeo Burnet Guthrie e owen segundo os quais o sujeito deve ser interpretado respectivamente como ldquoo corpordquo ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) ou simplesmente ldquoo que pode ser dito ou pensadordquo o principal argumento contra esta interpretaccedilatildeo consiste em sustentar que se Parmecircnides tivesse realmente um sujeito em mente para o verbo natildeo faria sentido forccedilar os seus leitores a adivinhaacute-lo a partir das partes subsequentes do texto Por que manter o sujeito deliberadamente oculto Qual seria o sentido desta omissatildeo Aleacutem disso dependendo do sujeito escolhido o argumento pode ser lido como uma tautologia Por exemplo se o sujeito para o ldquoeacuterdquo for simplesmente ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) a tese inicial de Parmecircnides se transforma em uma tautologia ldquoo que eacute eacuterdquo ldquoeacute o que eacuterdquo (τό ἐὸν ἐστίν) ou simplesmente ldquoo ser eacuterdquo (τό ἐὸν εἶναι) ora seraacute que uma tautologia deste tipo pode servir como ponto de partida inicial para o argumento de Parmecircnides

A opccedilatildeo (3) eacute adotada por todos os que interpretam o ldquoeacuterdquo (ἔστιν) inicial do argumento de Parmecircnides no sentido ldquoimpessoalrdquo em analogia com verbos como ldquochoverdquo (βρέχει) ou ldquonevardquo (νίφει) A analogia no entanto natildeo nos parece muito esclarecedora uma vez que podemos analisar ldquochoverdquo como um caso especial de (2) ou seja como ($x)Fx ou simplesmente ldquohaacute pelo menos um objeto que eacute chuvardquo10 na verdade os proponentes desta interpretaccedilatildeo dentre os quais destacamos Herman Fraumlnkel11 querem dizer outra coisa todos eles no fundo tratam o ldquoeacuterdquo como um caso de asserccedilatildeo existencial na qual o ldquoexisterdquo funciona como o predicado uma vez que o sentido provaacutevel de uma sentenccedila com essa forma pode ser entendido simplesmente como ldquohaacute existecircnciardquo no entanto como jaacute mencionamos algumas linhas acima em (3) a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada duplamente tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe de modo que a expressatildeo eacute tambeacutem tautoloacutegica como alguns casos de (2) com sujeitos especiacuteficos como ldquoo que eacuterdquo ldquoo enterdquo ou simplesmente ldquoo serrdquo

Ateacute recentemente poucos autores adotaram (4) e (5) como anaacutelises do ldquoeacuterdquo inicial de Parmecircnides o precursor deste tipo de interpretaccedilatildeo foi o italiano Guido Calogero em seu livro studi sullrsquo eleatismo12 publicado em

10 ReconhecemosqueaanaacutelisedesentenccedilascomoldquochoverdquoouldquonevardquoeacutecomplexaaleacutemdeultrapassaroescoporestritodopresenteartigoSendoassimoexemplooferecidodeveservistocomoumameraaproximaccedilatildeo como uma descriccedilatildeo provisoacuteria que tem como objetivo salientar a impropriedade daanalogiaentreumldquoeacuterdquoimpessoaleverboscomoldquochoverdquoouldquonevardquo

11 VeraesserespeitooclaacutessicoartigodeHermanFraumlnkelintituladoStudies in Parmenides (InAllenREandFurleyDJStudies in Presocratic Philosophy The Eleatic and PluralistLondonRoutledgeampKeganPaul19751-47)

12 CalogeroGuidoStudi sullrsquo eleatismoRomeTipografiadelSenato1932

15PaRMecircnIdes e FRege

1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

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como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

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ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

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exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

Rafael Huguenin22

pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

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MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

9PaRMecircnIdes e FRege

antigo de certas questotildees filosoacuteficas Ainda que seja uma extravagacircncia sustentar que podemos compreender os filoacutesofos antigos melhor do que os seus proacuteprios contemporacircneos2 e ateacute mesmo melhor do que estes proacuteprios filoacutesofos haacute um fundo de plausibilidade nesta posiccedilatildeo conforme tentaremos mostrar nas linhas que seguem

Suponhamos duas sentenccedilas s e srsquo ambas expressas por frases em grego tatildeo similares na sintaxe superficial e no vocabulaacuterio que cada uma delas pode ser lida indistintamente como se fosse a outra ou seja trata-se de sentenccedilas ambiacuteguas3 de modo que enquanto s por um lado pode ser tomada como consistente com outras sentenccedilas jaacute assumidas por um filoacutesofo em um dado contexto argumentativo a sentenccedila srsquo por outro lado se revela inconsistente equipados com um aparato apropriado que nos permita deixar expliacutecitas as diferenccedilas entre s e srsquo e as consequecircncias resultantes da aceitaccedilatildeo de uma ou de outra seremos capazes de sustentar e mostrar com mais seguranccedila que em determinado passo de um argumento no qual um filoacutesofo antigo natildeo tem nenhum interesse em assumir algo diferente de s esta sentenccedila entatildeo deve ser atribuiacuteda a ele ou seja eacute exatamente s o que ele quis dizer

Sem as ferramentas apropriadas que elucidem formalmente as diferenccedilas entre s e srsquo corre-se o risco de negligenciar estas diferenccedilas mesmas encorajando assim a interpretaccedilatildeo da sentenccedila em questatildeo como srsquo em contextos nos quais natildeo haacute elementos suficientes para a exclusatildeo desta leitura neste caso portanto guardadas as devidas proporccedilotildees torna-se inteiramente plausiacutevel a afirmaccedilatildeo de que munidos dos recursos contemporacircneos de anaacutelise loacutegica e semacircntica podemos em certo sentido compreender um filoacutesofo antigo de modo mais claro e privilegiado ndash e talvez melhor ateacute que esses proacuteprios filoacutesofos ndash uma vez que somos capazes de (i) compreender com mais clareza o que ele quis dizer em uma dada sentenccedila por meio de um inventaacuterio formal de suas possibilidades loacutegicas de interpretaccedilatildeo e (ii) avaliar as vantagens e as desvantagens loacutegicas de sentenccedilas incautamente construiacutedas4

2 EstaeacuteaposiccedilatildeoporexemplodeFernandoFerreiraemseuartigoOn the Parmenidean Misconception (InPhilosophiegeschichte und logische Analysen219974)noqualsustentaqueldquohojenosencontramosnuma posiccedilatildeo incomparavelmente superior agrave dos antigos para apreciar as sutilezas da questatildeoParmeniacutedeardquo

3 Ou seja lanccedilando matildeo aqui de uma expressatildeo cunhada por Gilbert Ryle no artigo Expressotildees Sistematicamente Enganadoras (InEnsaiosColeccedilatildeo Os PensadoresTradBalthazarBarbosaFilhoSatildeoPauloAbrilCultural197511)trata-sedesentenccedilassistematicamenteenganadorasnamedidaemqueldquosatildeoexpressasnumaformasintaacuteticainapropriadaaosfatosregistradoseaocontraacuterioapropriadaafatosdeumaformaloacutegicainteiramentediversadadosfatosregistradosrdquosugerindoassimaalgumaspessoasqueoestadodecoisasexpressopelasentenccedilaemquestatildeoeacutediferentedoquedefatoeacute

4 OargumentodesteparaacutegrafoedoanteriorconsisteemumresumodaposiccedilatildeoassumidaporGregoryVlastosnaIntroduccedilatildeoqueescreveuparaacoletacircneadeartigosintituladaPlato I A Collection of Critical

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no entanto o uso indiscriminado destes recursos pode nos levar facilmente a projetar sobre o texto antigo uma seacuterie de distinccedilotildees conceituais que foram desenvolvidas ao longo de mais de dois milecircnios de discussotildees filosoacuteficas resultando em interpretaccedilotildees perigosamente anacrocircnicas Para evitar este problema devemos buscar o equiliacutebrio muitas vezes tecircnue entre explicaccedilotildees filosoficamente vaacutelidas para os nossos padrotildees e o maacuteximo possiacutevel de evidecircncias histoacutericas e filoloacutegicas Aleacutem disso devemos tambeacutem nos esforccedilar ao maacuteximo para trazer agrave tona mais elementos para a devida formulaccedilatildeo dos problemas e estes elementos nem sempre estatildeo expliacutecitos nos textos trazer mais elementos para a interpretaccedilatildeo significa natildeo apenas estabelecer maiores pontos de contato entre as partes do texto mas tambeacutem relacionar o proacuteprio texto com o horizonte cultural do qual ele emerge sobretudo no que diz respeito agraves assunccedilotildees conceituais taacutecitas que formam as bases mesmas do esquema conceitual de um grego daquele periacuteodo Muitas vezes estas assunccedilotildees por nos serem demasiadamente oacutebvias ou talvez extravagantes satildeo negligenciadas impossibilitando natildeo soacute a devida compreensatildeo dos problemas colocados nos textos mas ateacute mesmo por que constituiacuteam efetivamente problemas

Devemos levar em conta tambeacutem que no campo geral dos estudos claacutessicos e mais especificamente no campo do estudo de textos claacutessicos de filosofia que consiste basicamente em uma tarefa de interpretaccedilatildeo de textos oferecer alternativas de interpretaccedilatildeo em adiccedilatildeo agraves que se encontram no centro das discussotildees5 eacute uma das uacutenicas formas de aumentar o conteuacutedo empiacuterico disponiacutevel dando a este campo de estudo um caraacuteter mais cientiacutefico desde que se respeite o jaacute mencionado equiliacutebrio entre evidecircncias contextuais-filoloacutegicas e explicaccedilotildees filosoficamente vaacutelidas Sendo assim se relacionarmos o texto de Parmecircnides com o contexto cultural no qual foi composto e aleacutem disso nos esforccedilarmos em considerar certas passagens importantes agrave luz dos recursos de anaacutelise hoje disponiacuteveis entatildeo teremos mais elementos para oferecer uma interpretaccedilatildeo filosoficamente satisfatoacuteria

Essays (Plato I A Collection of Critical Essays Metaphysics and EpistemologyNotreDameUniversityofNotreDame19781-5)

5 Trata-sedeumamenccedilatildeo feitaporAlexanderMourelatosemseuartigoSome Alternative in Interpreting Parmenides(InThe Monistv6219795)aopluralismo tolerantequesegundoFeyerabendcaracterizaametodologiacientiacuteficaNocasodainterpretaccedilatildeodopoemadeParmecircnidesMourelatossustentaqueaumentar o conteuacutedo empiacuterico disponiacutevel significa ldquoto make connections with the epic tradition themediumwhichheemploysinhispoetrytomakeconnectionswithhisphilosophicalpredecessorsandsuccessorsmostimportantlytomakecontactonasmanypointsaspossiblewiththe150orsolinesofthepoemthathavebeenpreservedrdquo

11PaRMecircnIdes e FRege

As consideraccedilotildees acima norteiam nosso trabalho de interpretaccedilatildeo dos textos da filosofia antiga nosso principal campo de estudo A partir desta perspectiva desenvolvemos nos uacuteltimos anos uma interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides que tem como principal objetivo reavaliar a posiccedilatildeo deste autor como um filoacutesofo imbuiacutedo exclusivamente de preocupaccedilotildees metafiacutesicas Assim em um artigo recentemente publicado propusemos que a maior preocupaccedilatildeo de Parmecircnides natildeo era propriamente oferecer uma teoria geral da realidade mas estabelecer uma sintaxe apropriada do discurso filosoacutefico entatildeo nascente esta preocupaccedilatildeo teria conduzido Parmecircnides a adotar a estrutura predicativa como a mais indicada ao discurso filosoacutefico Para isso ele precisou reforccedilar contando principalmente com recursos poeacuteticos alguns aspectos filosoficamente importantes desta construccedilatildeo em especial o caraacuteter durativo eterno imutaacutevel e objetivo do verbo ser em uma predicaccedilatildeo que se apresenta como veiacuteculo de discurso cientiacutefico e filosoacutefico

no presente texto portanto retornaremos mais uma vez a este tema com o objetivo de iluminaacute-lo a partir de outra perspectiva Partimos do pressuposto de que a noccedilatildeo de predicaccedilatildeo exerce um papel fundamental natildeo apenas no que diz respeito aos temas discutidos no poema de Parmecircnides mas em toda a histoacuteria da filosofia Afinal ldquotratar toda sentenccedila da linguagem natural e da loacutegica como uma predicaccedilatildeordquo natildeo eacute apenas uma simples ldquovariaccedilatildeo sobre um tema fregeanordquo6 nem mesmo apenas um aspecto crucial para o projeto de encarar a loacutegica como uma expressatildeo da realidade mas a forma fundamental de expressar a ciecircncia e o conhecimento em geral7 nas paacuteginas que seguem tentaremos oferecer a partir de uma perspectiva histoacuterica uma pequena contribuiccedilatildeo a esta temaacutetica encarando o poema de Parmecircnides como o primeiro texto no qual a predicaccedilatildeo eacute instaurada ou para utilizar uma expressatildeo mais fraca no qual a predicaccedilatildeo eacute tematizada Sendo assim a partir de uma lista de construccedilotildees logicamente possiacuteveis para a tese inicial de Parmecircnides destacaremos em (I) qual foi a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente em (II) tentaremos reforccedilar esta interpretaccedilatildeo relacionando alguns aspectos do poema de Parmecircnides com algumas posiccedilotildees assumidas por Frege em Investigaccedilotildees Loacutegicas

6 Estaspassagens foramextraiacutedasdo textodoprofessorOswaldoChateaubriand intituladoThe Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes (InGreimannDirk(ed)Grazer Philosophische Studien Essays on Fregersquos Conception of Truthn75v12007203

7 VeraesserespeitooartigodeUweMeixnerintituladoFrom Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas(InMetaphysica International Journal for Ontology and Metaphysicsn102009199-214)Segundoesteautoremvirtudedaeconomiaedasimplicidadequecaracterizamodiscursocientiacuteficosentenccedilaspredicativassimplesexercemumpapelindispensaacutevel

Rafael Huguenin12

I

no fragmento B2 do poema de Parmecircnides satildeo apresentados dois caminhos de investigaccedilatildeo (i) ldquoum ltcaminhogt que eacute e que natildeo eacute natildeo serrdquo (ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) caminho de persuasatildeo que sempre acompanha a verdade e (ii) ldquooutro ltcaminhogt que natildeo eacute e que necessariamente eacute natildeo serrdquo (ἡ δrsquo ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι)8 caminho vedado e completamente inescrutaacutevel Analisemos brevemente as duas sentenccedilas As expressotildees ὅπως e ὡς podem ser traduzidas tanto como conjunccedilotildees ou como adveacuterbios o que nos daacute respectivamente duas possibilidades de traduccedilatildeo ldquoum ltcaminho que dizgt que eacuterdquo ou ainda ldquoum ltcaminho que dizgt como eacuterdquo em (i) e (ii) optamos por traduzi-las como conjunccedilotildees Deste modo elas introduzem novas sentenccedilas neste caso trata-se de sentenccedilas constituiacutedas unicamente pelo verbo ser (ἔστι) sem qualquer sujeito ou predicado expliacutecito Assim o primeiro caminho de investigaccedilatildeo eacute aquele que diz simplesmente ldquoeacuterdquo Mas o que eacute que eacute ou seja qual eacute o sujeito para as quatro ocorrecircncias do verbo ser na terceira pessoa do singular do presente ativo (ἔστι) Qual eacute o uso do verbo ser que nos fornece a interpretaccedilatildeo apropriada desta passagem

Simplifiquemos a questatildeo Ao inveacutes de nos indagarmos pelos ldquosentidos originaacuteriosrdquo do verbo ser pensemos simplesmente em algumas construccedilotildees logicamente possiacuteveis Pois bem quais satildeo as construccedilotildees logicamente possiacuteveis para um ldquoeacuterdquo (ἔστιν) em uma sentenccedila sem nenhum sujeito ou predicado expliacutecito neste ponto faz-se oportuno lanccedilar matildeo de alguns recursos de anaacutelise conforme mencionados no iniacutecio do artigo Sendo assim elencaremos abaixo sem nenhuma pretensatildeo de exaustividade algumas possibilidades de construccedilatildeo As possibilidades satildeo apresentadas em uma notaccedilatildeo loacutegica e em sentenccedilas equivalentes em portuguecircs seguidas de alguns comentaacuterios explicativos9

(1) ltagt existe Utilizamos sentenccedilas com esta estrutura quando afirmamos por exemplo ldquoele existerdquo ou ainda ldquoisto existerdquo referindo-se a pessoas ou objetos cuja identidade permanece momentaneamente indeterminada ou obscura temos aqui uma espeacutecie de sentenccedila eliacuteptica sem um sujeito expliacutecito sujeito este que pode no entanto ser determinado facilmente a partir do contexto precedente ou subsequente trata-se de uma

8 A traduccedilatildeo das passagens em grego quando natildeo apresentarem nenhuma indicaccedilatildeo em contraacuterioeacute de nossa responsabilidadeComobasepara as referecircncias ao texto parmeniacutedico tomamoso textoestabelecido na ediccedilatildeo Diels-Kranz (Die Fragmente der Vorsokratiker 3 v Zuumlrich WeidemannscheVerlagsbuchhandlung2004)

9 EstapartedoartigoeacuteumresumodaanaacutelisemaiscompletaoferecidaporMourelatosnoapecircndiceIIdeRoute of Parmecircnides(LasVegasParmenidesPublishing2007)

13PaRMecircnIdes e FRege

sentenccedila na qual tanto o sujeito quanto o predicado possuem um sentido definido ou seja ambos podem ser vistos como constantes

(2) ($x)Fx existe um x tal que x eacute F ou seja existe pelo menos uma coisa (ou um objeto ou um item) que possui uma certa propriedade Quando dizemos por exemplo ldquoexiste algo que eacute animalrdquo ou ainda ldquohaacute um objeto que eacute uma canetardquo o que temos aqui natildeo eacute exatamente a atribuiccedilatildeo de uma propriedade a um dado objeto mas apenas a asserccedilatildeo de que existe pelo menos uma coisa que eacute caracterizada por uma descriccedilatildeo especiacutefica o predicado neste caso pode ser compreendido como uma constante enquanto o sujeito eacute uma variaacutevel ligada a um quantificador existencial neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada pelo quantificador de modo que o ltagt que em (1) aparece como o sujeito eacute analisado aqui como o predicado F

(3) ($x)x existe existe um x tal que x existe Utilizamos sentenccedilas desta forma quando queremos sustentar de modo geral que algum objeto existe que haacute uma coisa que existe que haacute pelo menos um objeto existente neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia ocorre novamente como o predicado ou seja ela aparece na posiccedilatildeo ocupada por F em (2) Assim a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe

(4) ($x)f x existe pelo menos um objeto que eacute ____ existe um ____ neste exemplo temos um predicado completamente indefinido Deste modo natildeo temos aqui estritamente falando uma proposiccedilatildeo genuiacutena uma vez que a sentenccedila nada diz realmente mas apenas representa a forma geral de uma asserccedilatildeo de existecircncia da qual (2) eacute uma instacircncia

(5) f x ldquo____ eacute ____rdquo temos aqui um esquema geral da predicaccedilatildeo com as lacunas vazias indicando a posiccedilatildeo do sujeito e do predicado esta construccedilatildeo assemelha-se a (4) com a exceccedilatildeo de que neste caso tanto o predicado quanto o sujeito satildeo inteiramente indefinidos de modo que o que estaacute em jogo aqui eacute uma espeacutecie de esquema geral ou simplesmente metalinguiacutestico de asserccedilotildees puramente atributivas

De posse desta relaccedilatildeo de possibilidades loacutegicas digamos assim podemos classificar as diversas interpretaccedilotildees oferecidas pelos especialistas e a partir delas melhor marcar a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente Com isso natildeo aprofundaremos a discussatildeo sobre os meacuteritos e desvantagens de cada possibilidade ou mesmo se elas se confirmam a partir de evidecircncias textuais Limitar-nos-emos a passar em revista cada possibilidade e indicar quando for o caso os aspectos que nos interessam

As opccedilotildees (1) e (2) satildeo pressupostas por todos aqueles que acreditam que o sujeito do ldquoeacuterdquo inicial deve ser revelado gradualmente a partir da leitura

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e do entendimento das partes subsequentes do poema Destacamos como exemplos desta interpretaccedilatildeo Burnet Guthrie e owen segundo os quais o sujeito deve ser interpretado respectivamente como ldquoo corpordquo ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) ou simplesmente ldquoo que pode ser dito ou pensadordquo o principal argumento contra esta interpretaccedilatildeo consiste em sustentar que se Parmecircnides tivesse realmente um sujeito em mente para o verbo natildeo faria sentido forccedilar os seus leitores a adivinhaacute-lo a partir das partes subsequentes do texto Por que manter o sujeito deliberadamente oculto Qual seria o sentido desta omissatildeo Aleacutem disso dependendo do sujeito escolhido o argumento pode ser lido como uma tautologia Por exemplo se o sujeito para o ldquoeacuterdquo for simplesmente ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) a tese inicial de Parmecircnides se transforma em uma tautologia ldquoo que eacute eacuterdquo ldquoeacute o que eacuterdquo (τό ἐὸν ἐστίν) ou simplesmente ldquoo ser eacuterdquo (τό ἐὸν εἶναι) ora seraacute que uma tautologia deste tipo pode servir como ponto de partida inicial para o argumento de Parmecircnides

A opccedilatildeo (3) eacute adotada por todos os que interpretam o ldquoeacuterdquo (ἔστιν) inicial do argumento de Parmecircnides no sentido ldquoimpessoalrdquo em analogia com verbos como ldquochoverdquo (βρέχει) ou ldquonevardquo (νίφει) A analogia no entanto natildeo nos parece muito esclarecedora uma vez que podemos analisar ldquochoverdquo como um caso especial de (2) ou seja como ($x)Fx ou simplesmente ldquohaacute pelo menos um objeto que eacute chuvardquo10 na verdade os proponentes desta interpretaccedilatildeo dentre os quais destacamos Herman Fraumlnkel11 querem dizer outra coisa todos eles no fundo tratam o ldquoeacuterdquo como um caso de asserccedilatildeo existencial na qual o ldquoexisterdquo funciona como o predicado uma vez que o sentido provaacutevel de uma sentenccedila com essa forma pode ser entendido simplesmente como ldquohaacute existecircnciardquo no entanto como jaacute mencionamos algumas linhas acima em (3) a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada duplamente tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe de modo que a expressatildeo eacute tambeacutem tautoloacutegica como alguns casos de (2) com sujeitos especiacuteficos como ldquoo que eacuterdquo ldquoo enterdquo ou simplesmente ldquoo serrdquo

Ateacute recentemente poucos autores adotaram (4) e (5) como anaacutelises do ldquoeacuterdquo inicial de Parmecircnides o precursor deste tipo de interpretaccedilatildeo foi o italiano Guido Calogero em seu livro studi sullrsquo eleatismo12 publicado em

10 ReconhecemosqueaanaacutelisedesentenccedilascomoldquochoverdquoouldquonevardquoeacutecomplexaaleacutemdeultrapassaroescoporestritodopresenteartigoSendoassimoexemplooferecidodeveservistocomoumameraaproximaccedilatildeo como uma descriccedilatildeo provisoacuteria que tem como objetivo salientar a impropriedade daanalogiaentreumldquoeacuterdquoimpessoaleverboscomoldquochoverdquoouldquonevardquo

11 VeraesserespeitooclaacutessicoartigodeHermanFraumlnkelintituladoStudies in Parmenides (InAllenREandFurleyDJStudies in Presocratic Philosophy The Eleatic and PluralistLondonRoutledgeampKeganPaul19751-47)

12 CalogeroGuidoStudi sullrsquo eleatismoRomeTipografiadelSenato1932

15PaRMecircnIdes e FRege

1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

Rafael Huguenin16

como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

Rafael Huguenin18

ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

Rafael Huguenin22

pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

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Rafael Huguenin24

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Rafael Huguenin10

no entanto o uso indiscriminado destes recursos pode nos levar facilmente a projetar sobre o texto antigo uma seacuterie de distinccedilotildees conceituais que foram desenvolvidas ao longo de mais de dois milecircnios de discussotildees filosoacuteficas resultando em interpretaccedilotildees perigosamente anacrocircnicas Para evitar este problema devemos buscar o equiliacutebrio muitas vezes tecircnue entre explicaccedilotildees filosoficamente vaacutelidas para os nossos padrotildees e o maacuteximo possiacutevel de evidecircncias histoacutericas e filoloacutegicas Aleacutem disso devemos tambeacutem nos esforccedilar ao maacuteximo para trazer agrave tona mais elementos para a devida formulaccedilatildeo dos problemas e estes elementos nem sempre estatildeo expliacutecitos nos textos trazer mais elementos para a interpretaccedilatildeo significa natildeo apenas estabelecer maiores pontos de contato entre as partes do texto mas tambeacutem relacionar o proacuteprio texto com o horizonte cultural do qual ele emerge sobretudo no que diz respeito agraves assunccedilotildees conceituais taacutecitas que formam as bases mesmas do esquema conceitual de um grego daquele periacuteodo Muitas vezes estas assunccedilotildees por nos serem demasiadamente oacutebvias ou talvez extravagantes satildeo negligenciadas impossibilitando natildeo soacute a devida compreensatildeo dos problemas colocados nos textos mas ateacute mesmo por que constituiacuteam efetivamente problemas

Devemos levar em conta tambeacutem que no campo geral dos estudos claacutessicos e mais especificamente no campo do estudo de textos claacutessicos de filosofia que consiste basicamente em uma tarefa de interpretaccedilatildeo de textos oferecer alternativas de interpretaccedilatildeo em adiccedilatildeo agraves que se encontram no centro das discussotildees5 eacute uma das uacutenicas formas de aumentar o conteuacutedo empiacuterico disponiacutevel dando a este campo de estudo um caraacuteter mais cientiacutefico desde que se respeite o jaacute mencionado equiliacutebrio entre evidecircncias contextuais-filoloacutegicas e explicaccedilotildees filosoficamente vaacutelidas Sendo assim se relacionarmos o texto de Parmecircnides com o contexto cultural no qual foi composto e aleacutem disso nos esforccedilarmos em considerar certas passagens importantes agrave luz dos recursos de anaacutelise hoje disponiacuteveis entatildeo teremos mais elementos para oferecer uma interpretaccedilatildeo filosoficamente satisfatoacuteria

Essays (Plato I A Collection of Critical Essays Metaphysics and EpistemologyNotreDameUniversityofNotreDame19781-5)

5 Trata-sedeumamenccedilatildeo feitaporAlexanderMourelatosemseuartigoSome Alternative in Interpreting Parmenides(InThe Monistv6219795)aopluralismo tolerantequesegundoFeyerabendcaracterizaametodologiacientiacuteficaNocasodainterpretaccedilatildeodopoemadeParmecircnidesMourelatossustentaqueaumentar o conteuacutedo empiacuterico disponiacutevel significa ldquoto make connections with the epic tradition themediumwhichheemploysinhispoetrytomakeconnectionswithhisphilosophicalpredecessorsandsuccessorsmostimportantlytomakecontactonasmanypointsaspossiblewiththe150orsolinesofthepoemthathavebeenpreservedrdquo

11PaRMecircnIdes e FRege

As consideraccedilotildees acima norteiam nosso trabalho de interpretaccedilatildeo dos textos da filosofia antiga nosso principal campo de estudo A partir desta perspectiva desenvolvemos nos uacuteltimos anos uma interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides que tem como principal objetivo reavaliar a posiccedilatildeo deste autor como um filoacutesofo imbuiacutedo exclusivamente de preocupaccedilotildees metafiacutesicas Assim em um artigo recentemente publicado propusemos que a maior preocupaccedilatildeo de Parmecircnides natildeo era propriamente oferecer uma teoria geral da realidade mas estabelecer uma sintaxe apropriada do discurso filosoacutefico entatildeo nascente esta preocupaccedilatildeo teria conduzido Parmecircnides a adotar a estrutura predicativa como a mais indicada ao discurso filosoacutefico Para isso ele precisou reforccedilar contando principalmente com recursos poeacuteticos alguns aspectos filosoficamente importantes desta construccedilatildeo em especial o caraacuteter durativo eterno imutaacutevel e objetivo do verbo ser em uma predicaccedilatildeo que se apresenta como veiacuteculo de discurso cientiacutefico e filosoacutefico

no presente texto portanto retornaremos mais uma vez a este tema com o objetivo de iluminaacute-lo a partir de outra perspectiva Partimos do pressuposto de que a noccedilatildeo de predicaccedilatildeo exerce um papel fundamental natildeo apenas no que diz respeito aos temas discutidos no poema de Parmecircnides mas em toda a histoacuteria da filosofia Afinal ldquotratar toda sentenccedila da linguagem natural e da loacutegica como uma predicaccedilatildeordquo natildeo eacute apenas uma simples ldquovariaccedilatildeo sobre um tema fregeanordquo6 nem mesmo apenas um aspecto crucial para o projeto de encarar a loacutegica como uma expressatildeo da realidade mas a forma fundamental de expressar a ciecircncia e o conhecimento em geral7 nas paacuteginas que seguem tentaremos oferecer a partir de uma perspectiva histoacuterica uma pequena contribuiccedilatildeo a esta temaacutetica encarando o poema de Parmecircnides como o primeiro texto no qual a predicaccedilatildeo eacute instaurada ou para utilizar uma expressatildeo mais fraca no qual a predicaccedilatildeo eacute tematizada Sendo assim a partir de uma lista de construccedilotildees logicamente possiacuteveis para a tese inicial de Parmecircnides destacaremos em (I) qual foi a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente em (II) tentaremos reforccedilar esta interpretaccedilatildeo relacionando alguns aspectos do poema de Parmecircnides com algumas posiccedilotildees assumidas por Frege em Investigaccedilotildees Loacutegicas

6 Estaspassagens foramextraiacutedasdo textodoprofessorOswaldoChateaubriand intituladoThe Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes (InGreimannDirk(ed)Grazer Philosophische Studien Essays on Fregersquos Conception of Truthn75v12007203

7 VeraesserespeitooartigodeUweMeixnerintituladoFrom Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas(InMetaphysica International Journal for Ontology and Metaphysicsn102009199-214)Segundoesteautoremvirtudedaeconomiaedasimplicidadequecaracterizamodiscursocientiacuteficosentenccedilaspredicativassimplesexercemumpapelindispensaacutevel

Rafael Huguenin12

I

no fragmento B2 do poema de Parmecircnides satildeo apresentados dois caminhos de investigaccedilatildeo (i) ldquoum ltcaminhogt que eacute e que natildeo eacute natildeo serrdquo (ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) caminho de persuasatildeo que sempre acompanha a verdade e (ii) ldquooutro ltcaminhogt que natildeo eacute e que necessariamente eacute natildeo serrdquo (ἡ δrsquo ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι)8 caminho vedado e completamente inescrutaacutevel Analisemos brevemente as duas sentenccedilas As expressotildees ὅπως e ὡς podem ser traduzidas tanto como conjunccedilotildees ou como adveacuterbios o que nos daacute respectivamente duas possibilidades de traduccedilatildeo ldquoum ltcaminho que dizgt que eacuterdquo ou ainda ldquoum ltcaminho que dizgt como eacuterdquo em (i) e (ii) optamos por traduzi-las como conjunccedilotildees Deste modo elas introduzem novas sentenccedilas neste caso trata-se de sentenccedilas constituiacutedas unicamente pelo verbo ser (ἔστι) sem qualquer sujeito ou predicado expliacutecito Assim o primeiro caminho de investigaccedilatildeo eacute aquele que diz simplesmente ldquoeacuterdquo Mas o que eacute que eacute ou seja qual eacute o sujeito para as quatro ocorrecircncias do verbo ser na terceira pessoa do singular do presente ativo (ἔστι) Qual eacute o uso do verbo ser que nos fornece a interpretaccedilatildeo apropriada desta passagem

Simplifiquemos a questatildeo Ao inveacutes de nos indagarmos pelos ldquosentidos originaacuteriosrdquo do verbo ser pensemos simplesmente em algumas construccedilotildees logicamente possiacuteveis Pois bem quais satildeo as construccedilotildees logicamente possiacuteveis para um ldquoeacuterdquo (ἔστιν) em uma sentenccedila sem nenhum sujeito ou predicado expliacutecito neste ponto faz-se oportuno lanccedilar matildeo de alguns recursos de anaacutelise conforme mencionados no iniacutecio do artigo Sendo assim elencaremos abaixo sem nenhuma pretensatildeo de exaustividade algumas possibilidades de construccedilatildeo As possibilidades satildeo apresentadas em uma notaccedilatildeo loacutegica e em sentenccedilas equivalentes em portuguecircs seguidas de alguns comentaacuterios explicativos9

(1) ltagt existe Utilizamos sentenccedilas com esta estrutura quando afirmamos por exemplo ldquoele existerdquo ou ainda ldquoisto existerdquo referindo-se a pessoas ou objetos cuja identidade permanece momentaneamente indeterminada ou obscura temos aqui uma espeacutecie de sentenccedila eliacuteptica sem um sujeito expliacutecito sujeito este que pode no entanto ser determinado facilmente a partir do contexto precedente ou subsequente trata-se de uma

8 A traduccedilatildeo das passagens em grego quando natildeo apresentarem nenhuma indicaccedilatildeo em contraacuterioeacute de nossa responsabilidadeComobasepara as referecircncias ao texto parmeniacutedico tomamoso textoestabelecido na ediccedilatildeo Diels-Kranz (Die Fragmente der Vorsokratiker 3 v Zuumlrich WeidemannscheVerlagsbuchhandlung2004)

9 EstapartedoartigoeacuteumresumodaanaacutelisemaiscompletaoferecidaporMourelatosnoapecircndiceIIdeRoute of Parmecircnides(LasVegasParmenidesPublishing2007)

13PaRMecircnIdes e FRege

sentenccedila na qual tanto o sujeito quanto o predicado possuem um sentido definido ou seja ambos podem ser vistos como constantes

(2) ($x)Fx existe um x tal que x eacute F ou seja existe pelo menos uma coisa (ou um objeto ou um item) que possui uma certa propriedade Quando dizemos por exemplo ldquoexiste algo que eacute animalrdquo ou ainda ldquohaacute um objeto que eacute uma canetardquo o que temos aqui natildeo eacute exatamente a atribuiccedilatildeo de uma propriedade a um dado objeto mas apenas a asserccedilatildeo de que existe pelo menos uma coisa que eacute caracterizada por uma descriccedilatildeo especiacutefica o predicado neste caso pode ser compreendido como uma constante enquanto o sujeito eacute uma variaacutevel ligada a um quantificador existencial neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada pelo quantificador de modo que o ltagt que em (1) aparece como o sujeito eacute analisado aqui como o predicado F

(3) ($x)x existe existe um x tal que x existe Utilizamos sentenccedilas desta forma quando queremos sustentar de modo geral que algum objeto existe que haacute uma coisa que existe que haacute pelo menos um objeto existente neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia ocorre novamente como o predicado ou seja ela aparece na posiccedilatildeo ocupada por F em (2) Assim a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe

(4) ($x)f x existe pelo menos um objeto que eacute ____ existe um ____ neste exemplo temos um predicado completamente indefinido Deste modo natildeo temos aqui estritamente falando uma proposiccedilatildeo genuiacutena uma vez que a sentenccedila nada diz realmente mas apenas representa a forma geral de uma asserccedilatildeo de existecircncia da qual (2) eacute uma instacircncia

(5) f x ldquo____ eacute ____rdquo temos aqui um esquema geral da predicaccedilatildeo com as lacunas vazias indicando a posiccedilatildeo do sujeito e do predicado esta construccedilatildeo assemelha-se a (4) com a exceccedilatildeo de que neste caso tanto o predicado quanto o sujeito satildeo inteiramente indefinidos de modo que o que estaacute em jogo aqui eacute uma espeacutecie de esquema geral ou simplesmente metalinguiacutestico de asserccedilotildees puramente atributivas

De posse desta relaccedilatildeo de possibilidades loacutegicas digamos assim podemos classificar as diversas interpretaccedilotildees oferecidas pelos especialistas e a partir delas melhor marcar a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente Com isso natildeo aprofundaremos a discussatildeo sobre os meacuteritos e desvantagens de cada possibilidade ou mesmo se elas se confirmam a partir de evidecircncias textuais Limitar-nos-emos a passar em revista cada possibilidade e indicar quando for o caso os aspectos que nos interessam

As opccedilotildees (1) e (2) satildeo pressupostas por todos aqueles que acreditam que o sujeito do ldquoeacuterdquo inicial deve ser revelado gradualmente a partir da leitura

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e do entendimento das partes subsequentes do poema Destacamos como exemplos desta interpretaccedilatildeo Burnet Guthrie e owen segundo os quais o sujeito deve ser interpretado respectivamente como ldquoo corpordquo ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) ou simplesmente ldquoo que pode ser dito ou pensadordquo o principal argumento contra esta interpretaccedilatildeo consiste em sustentar que se Parmecircnides tivesse realmente um sujeito em mente para o verbo natildeo faria sentido forccedilar os seus leitores a adivinhaacute-lo a partir das partes subsequentes do texto Por que manter o sujeito deliberadamente oculto Qual seria o sentido desta omissatildeo Aleacutem disso dependendo do sujeito escolhido o argumento pode ser lido como uma tautologia Por exemplo se o sujeito para o ldquoeacuterdquo for simplesmente ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) a tese inicial de Parmecircnides se transforma em uma tautologia ldquoo que eacute eacuterdquo ldquoeacute o que eacuterdquo (τό ἐὸν ἐστίν) ou simplesmente ldquoo ser eacuterdquo (τό ἐὸν εἶναι) ora seraacute que uma tautologia deste tipo pode servir como ponto de partida inicial para o argumento de Parmecircnides

A opccedilatildeo (3) eacute adotada por todos os que interpretam o ldquoeacuterdquo (ἔστιν) inicial do argumento de Parmecircnides no sentido ldquoimpessoalrdquo em analogia com verbos como ldquochoverdquo (βρέχει) ou ldquonevardquo (νίφει) A analogia no entanto natildeo nos parece muito esclarecedora uma vez que podemos analisar ldquochoverdquo como um caso especial de (2) ou seja como ($x)Fx ou simplesmente ldquohaacute pelo menos um objeto que eacute chuvardquo10 na verdade os proponentes desta interpretaccedilatildeo dentre os quais destacamos Herman Fraumlnkel11 querem dizer outra coisa todos eles no fundo tratam o ldquoeacuterdquo como um caso de asserccedilatildeo existencial na qual o ldquoexisterdquo funciona como o predicado uma vez que o sentido provaacutevel de uma sentenccedila com essa forma pode ser entendido simplesmente como ldquohaacute existecircnciardquo no entanto como jaacute mencionamos algumas linhas acima em (3) a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada duplamente tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe de modo que a expressatildeo eacute tambeacutem tautoloacutegica como alguns casos de (2) com sujeitos especiacuteficos como ldquoo que eacuterdquo ldquoo enterdquo ou simplesmente ldquoo serrdquo

Ateacute recentemente poucos autores adotaram (4) e (5) como anaacutelises do ldquoeacuterdquo inicial de Parmecircnides o precursor deste tipo de interpretaccedilatildeo foi o italiano Guido Calogero em seu livro studi sullrsquo eleatismo12 publicado em

10 ReconhecemosqueaanaacutelisedesentenccedilascomoldquochoverdquoouldquonevardquoeacutecomplexaaleacutemdeultrapassaroescoporestritodopresenteartigoSendoassimoexemplooferecidodeveservistocomoumameraaproximaccedilatildeo como uma descriccedilatildeo provisoacuteria que tem como objetivo salientar a impropriedade daanalogiaentreumldquoeacuterdquoimpessoaleverboscomoldquochoverdquoouldquonevardquo

11 VeraesserespeitooclaacutessicoartigodeHermanFraumlnkelintituladoStudies in Parmenides (InAllenREandFurleyDJStudies in Presocratic Philosophy The Eleatic and PluralistLondonRoutledgeampKeganPaul19751-47)

12 CalogeroGuidoStudi sullrsquo eleatismoRomeTipografiadelSenato1932

15PaRMecircnIdes e FRege

1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

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como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

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ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

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fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

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exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

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Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

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referecircncias bibliograacuteficas

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As consideraccedilotildees acima norteiam nosso trabalho de interpretaccedilatildeo dos textos da filosofia antiga nosso principal campo de estudo A partir desta perspectiva desenvolvemos nos uacuteltimos anos uma interpretaccedilatildeo do poema de Parmecircnides que tem como principal objetivo reavaliar a posiccedilatildeo deste autor como um filoacutesofo imbuiacutedo exclusivamente de preocupaccedilotildees metafiacutesicas Assim em um artigo recentemente publicado propusemos que a maior preocupaccedilatildeo de Parmecircnides natildeo era propriamente oferecer uma teoria geral da realidade mas estabelecer uma sintaxe apropriada do discurso filosoacutefico entatildeo nascente esta preocupaccedilatildeo teria conduzido Parmecircnides a adotar a estrutura predicativa como a mais indicada ao discurso filosoacutefico Para isso ele precisou reforccedilar contando principalmente com recursos poeacuteticos alguns aspectos filosoficamente importantes desta construccedilatildeo em especial o caraacuteter durativo eterno imutaacutevel e objetivo do verbo ser em uma predicaccedilatildeo que se apresenta como veiacuteculo de discurso cientiacutefico e filosoacutefico

no presente texto portanto retornaremos mais uma vez a este tema com o objetivo de iluminaacute-lo a partir de outra perspectiva Partimos do pressuposto de que a noccedilatildeo de predicaccedilatildeo exerce um papel fundamental natildeo apenas no que diz respeito aos temas discutidos no poema de Parmecircnides mas em toda a histoacuteria da filosofia Afinal ldquotratar toda sentenccedila da linguagem natural e da loacutegica como uma predicaccedilatildeordquo natildeo eacute apenas uma simples ldquovariaccedilatildeo sobre um tema fregeanordquo6 nem mesmo apenas um aspecto crucial para o projeto de encarar a loacutegica como uma expressatildeo da realidade mas a forma fundamental de expressar a ciecircncia e o conhecimento em geral7 nas paacuteginas que seguem tentaremos oferecer a partir de uma perspectiva histoacuterica uma pequena contribuiccedilatildeo a esta temaacutetica encarando o poema de Parmecircnides como o primeiro texto no qual a predicaccedilatildeo eacute instaurada ou para utilizar uma expressatildeo mais fraca no qual a predicaccedilatildeo eacute tematizada Sendo assim a partir de uma lista de construccedilotildees logicamente possiacuteveis para a tese inicial de Parmecircnides destacaremos em (I) qual foi a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente em (II) tentaremos reforccedilar esta interpretaccedilatildeo relacionando alguns aspectos do poema de Parmecircnides com algumas posiccedilotildees assumidas por Frege em Investigaccedilotildees Loacutegicas

6 Estaspassagens foramextraiacutedasdo textodoprofessorOswaldoChateaubriand intituladoThe Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes (InGreimannDirk(ed)Grazer Philosophische Studien Essays on Fregersquos Conception of Truthn75v12007203

7 VeraesserespeitooartigodeUweMeixnerintituladoFrom Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas(InMetaphysica International Journal for Ontology and Metaphysicsn102009199-214)Segundoesteautoremvirtudedaeconomiaedasimplicidadequecaracterizamodiscursocientiacuteficosentenccedilaspredicativassimplesexercemumpapelindispensaacutevel

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I

no fragmento B2 do poema de Parmecircnides satildeo apresentados dois caminhos de investigaccedilatildeo (i) ldquoum ltcaminhogt que eacute e que natildeo eacute natildeo serrdquo (ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) caminho de persuasatildeo que sempre acompanha a verdade e (ii) ldquooutro ltcaminhogt que natildeo eacute e que necessariamente eacute natildeo serrdquo (ἡ δrsquo ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι)8 caminho vedado e completamente inescrutaacutevel Analisemos brevemente as duas sentenccedilas As expressotildees ὅπως e ὡς podem ser traduzidas tanto como conjunccedilotildees ou como adveacuterbios o que nos daacute respectivamente duas possibilidades de traduccedilatildeo ldquoum ltcaminho que dizgt que eacuterdquo ou ainda ldquoum ltcaminho que dizgt como eacuterdquo em (i) e (ii) optamos por traduzi-las como conjunccedilotildees Deste modo elas introduzem novas sentenccedilas neste caso trata-se de sentenccedilas constituiacutedas unicamente pelo verbo ser (ἔστι) sem qualquer sujeito ou predicado expliacutecito Assim o primeiro caminho de investigaccedilatildeo eacute aquele que diz simplesmente ldquoeacuterdquo Mas o que eacute que eacute ou seja qual eacute o sujeito para as quatro ocorrecircncias do verbo ser na terceira pessoa do singular do presente ativo (ἔστι) Qual eacute o uso do verbo ser que nos fornece a interpretaccedilatildeo apropriada desta passagem

Simplifiquemos a questatildeo Ao inveacutes de nos indagarmos pelos ldquosentidos originaacuteriosrdquo do verbo ser pensemos simplesmente em algumas construccedilotildees logicamente possiacuteveis Pois bem quais satildeo as construccedilotildees logicamente possiacuteveis para um ldquoeacuterdquo (ἔστιν) em uma sentenccedila sem nenhum sujeito ou predicado expliacutecito neste ponto faz-se oportuno lanccedilar matildeo de alguns recursos de anaacutelise conforme mencionados no iniacutecio do artigo Sendo assim elencaremos abaixo sem nenhuma pretensatildeo de exaustividade algumas possibilidades de construccedilatildeo As possibilidades satildeo apresentadas em uma notaccedilatildeo loacutegica e em sentenccedilas equivalentes em portuguecircs seguidas de alguns comentaacuterios explicativos9

(1) ltagt existe Utilizamos sentenccedilas com esta estrutura quando afirmamos por exemplo ldquoele existerdquo ou ainda ldquoisto existerdquo referindo-se a pessoas ou objetos cuja identidade permanece momentaneamente indeterminada ou obscura temos aqui uma espeacutecie de sentenccedila eliacuteptica sem um sujeito expliacutecito sujeito este que pode no entanto ser determinado facilmente a partir do contexto precedente ou subsequente trata-se de uma

8 A traduccedilatildeo das passagens em grego quando natildeo apresentarem nenhuma indicaccedilatildeo em contraacuterioeacute de nossa responsabilidadeComobasepara as referecircncias ao texto parmeniacutedico tomamoso textoestabelecido na ediccedilatildeo Diels-Kranz (Die Fragmente der Vorsokratiker 3 v Zuumlrich WeidemannscheVerlagsbuchhandlung2004)

9 EstapartedoartigoeacuteumresumodaanaacutelisemaiscompletaoferecidaporMourelatosnoapecircndiceIIdeRoute of Parmecircnides(LasVegasParmenidesPublishing2007)

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sentenccedila na qual tanto o sujeito quanto o predicado possuem um sentido definido ou seja ambos podem ser vistos como constantes

(2) ($x)Fx existe um x tal que x eacute F ou seja existe pelo menos uma coisa (ou um objeto ou um item) que possui uma certa propriedade Quando dizemos por exemplo ldquoexiste algo que eacute animalrdquo ou ainda ldquohaacute um objeto que eacute uma canetardquo o que temos aqui natildeo eacute exatamente a atribuiccedilatildeo de uma propriedade a um dado objeto mas apenas a asserccedilatildeo de que existe pelo menos uma coisa que eacute caracterizada por uma descriccedilatildeo especiacutefica o predicado neste caso pode ser compreendido como uma constante enquanto o sujeito eacute uma variaacutevel ligada a um quantificador existencial neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada pelo quantificador de modo que o ltagt que em (1) aparece como o sujeito eacute analisado aqui como o predicado F

(3) ($x)x existe existe um x tal que x existe Utilizamos sentenccedilas desta forma quando queremos sustentar de modo geral que algum objeto existe que haacute uma coisa que existe que haacute pelo menos um objeto existente neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia ocorre novamente como o predicado ou seja ela aparece na posiccedilatildeo ocupada por F em (2) Assim a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe

(4) ($x)f x existe pelo menos um objeto que eacute ____ existe um ____ neste exemplo temos um predicado completamente indefinido Deste modo natildeo temos aqui estritamente falando uma proposiccedilatildeo genuiacutena uma vez que a sentenccedila nada diz realmente mas apenas representa a forma geral de uma asserccedilatildeo de existecircncia da qual (2) eacute uma instacircncia

(5) f x ldquo____ eacute ____rdquo temos aqui um esquema geral da predicaccedilatildeo com as lacunas vazias indicando a posiccedilatildeo do sujeito e do predicado esta construccedilatildeo assemelha-se a (4) com a exceccedilatildeo de que neste caso tanto o predicado quanto o sujeito satildeo inteiramente indefinidos de modo que o que estaacute em jogo aqui eacute uma espeacutecie de esquema geral ou simplesmente metalinguiacutestico de asserccedilotildees puramente atributivas

De posse desta relaccedilatildeo de possibilidades loacutegicas digamos assim podemos classificar as diversas interpretaccedilotildees oferecidas pelos especialistas e a partir delas melhor marcar a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente Com isso natildeo aprofundaremos a discussatildeo sobre os meacuteritos e desvantagens de cada possibilidade ou mesmo se elas se confirmam a partir de evidecircncias textuais Limitar-nos-emos a passar em revista cada possibilidade e indicar quando for o caso os aspectos que nos interessam

As opccedilotildees (1) e (2) satildeo pressupostas por todos aqueles que acreditam que o sujeito do ldquoeacuterdquo inicial deve ser revelado gradualmente a partir da leitura

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e do entendimento das partes subsequentes do poema Destacamos como exemplos desta interpretaccedilatildeo Burnet Guthrie e owen segundo os quais o sujeito deve ser interpretado respectivamente como ldquoo corpordquo ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) ou simplesmente ldquoo que pode ser dito ou pensadordquo o principal argumento contra esta interpretaccedilatildeo consiste em sustentar que se Parmecircnides tivesse realmente um sujeito em mente para o verbo natildeo faria sentido forccedilar os seus leitores a adivinhaacute-lo a partir das partes subsequentes do texto Por que manter o sujeito deliberadamente oculto Qual seria o sentido desta omissatildeo Aleacutem disso dependendo do sujeito escolhido o argumento pode ser lido como uma tautologia Por exemplo se o sujeito para o ldquoeacuterdquo for simplesmente ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) a tese inicial de Parmecircnides se transforma em uma tautologia ldquoo que eacute eacuterdquo ldquoeacute o que eacuterdquo (τό ἐὸν ἐστίν) ou simplesmente ldquoo ser eacuterdquo (τό ἐὸν εἶναι) ora seraacute que uma tautologia deste tipo pode servir como ponto de partida inicial para o argumento de Parmecircnides

A opccedilatildeo (3) eacute adotada por todos os que interpretam o ldquoeacuterdquo (ἔστιν) inicial do argumento de Parmecircnides no sentido ldquoimpessoalrdquo em analogia com verbos como ldquochoverdquo (βρέχει) ou ldquonevardquo (νίφει) A analogia no entanto natildeo nos parece muito esclarecedora uma vez que podemos analisar ldquochoverdquo como um caso especial de (2) ou seja como ($x)Fx ou simplesmente ldquohaacute pelo menos um objeto que eacute chuvardquo10 na verdade os proponentes desta interpretaccedilatildeo dentre os quais destacamos Herman Fraumlnkel11 querem dizer outra coisa todos eles no fundo tratam o ldquoeacuterdquo como um caso de asserccedilatildeo existencial na qual o ldquoexisterdquo funciona como o predicado uma vez que o sentido provaacutevel de uma sentenccedila com essa forma pode ser entendido simplesmente como ldquohaacute existecircnciardquo no entanto como jaacute mencionamos algumas linhas acima em (3) a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada duplamente tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe de modo que a expressatildeo eacute tambeacutem tautoloacutegica como alguns casos de (2) com sujeitos especiacuteficos como ldquoo que eacuterdquo ldquoo enterdquo ou simplesmente ldquoo serrdquo

Ateacute recentemente poucos autores adotaram (4) e (5) como anaacutelises do ldquoeacuterdquo inicial de Parmecircnides o precursor deste tipo de interpretaccedilatildeo foi o italiano Guido Calogero em seu livro studi sullrsquo eleatismo12 publicado em

10 ReconhecemosqueaanaacutelisedesentenccedilascomoldquochoverdquoouldquonevardquoeacutecomplexaaleacutemdeultrapassaroescoporestritodopresenteartigoSendoassimoexemplooferecidodeveservistocomoumameraaproximaccedilatildeo como uma descriccedilatildeo provisoacuteria que tem como objetivo salientar a impropriedade daanalogiaentreumldquoeacuterdquoimpessoaleverboscomoldquochoverdquoouldquonevardquo

11 VeraesserespeitooclaacutessicoartigodeHermanFraumlnkelintituladoStudies in Parmenides (InAllenREandFurleyDJStudies in Presocratic Philosophy The Eleatic and PluralistLondonRoutledgeampKeganPaul19751-47)

12 CalogeroGuidoStudi sullrsquo eleatismoRomeTipografiadelSenato1932

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1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

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como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

Rafael Huguenin18

ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

Rafael Huguenin22

pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

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Rafael Huguenin24

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Rafael Huguenin12

I

no fragmento B2 do poema de Parmecircnides satildeo apresentados dois caminhos de investigaccedilatildeo (i) ldquoum ltcaminhogt que eacute e que natildeo eacute natildeo serrdquo (ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι) caminho de persuasatildeo que sempre acompanha a verdade e (ii) ldquooutro ltcaminhogt que natildeo eacute e que necessariamente eacute natildeo serrdquo (ἡ δrsquo ὡς οὐκ ἔστιν τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι)8 caminho vedado e completamente inescrutaacutevel Analisemos brevemente as duas sentenccedilas As expressotildees ὅπως e ὡς podem ser traduzidas tanto como conjunccedilotildees ou como adveacuterbios o que nos daacute respectivamente duas possibilidades de traduccedilatildeo ldquoum ltcaminho que dizgt que eacuterdquo ou ainda ldquoum ltcaminho que dizgt como eacuterdquo em (i) e (ii) optamos por traduzi-las como conjunccedilotildees Deste modo elas introduzem novas sentenccedilas neste caso trata-se de sentenccedilas constituiacutedas unicamente pelo verbo ser (ἔστι) sem qualquer sujeito ou predicado expliacutecito Assim o primeiro caminho de investigaccedilatildeo eacute aquele que diz simplesmente ldquoeacuterdquo Mas o que eacute que eacute ou seja qual eacute o sujeito para as quatro ocorrecircncias do verbo ser na terceira pessoa do singular do presente ativo (ἔστι) Qual eacute o uso do verbo ser que nos fornece a interpretaccedilatildeo apropriada desta passagem

Simplifiquemos a questatildeo Ao inveacutes de nos indagarmos pelos ldquosentidos originaacuteriosrdquo do verbo ser pensemos simplesmente em algumas construccedilotildees logicamente possiacuteveis Pois bem quais satildeo as construccedilotildees logicamente possiacuteveis para um ldquoeacuterdquo (ἔστιν) em uma sentenccedila sem nenhum sujeito ou predicado expliacutecito neste ponto faz-se oportuno lanccedilar matildeo de alguns recursos de anaacutelise conforme mencionados no iniacutecio do artigo Sendo assim elencaremos abaixo sem nenhuma pretensatildeo de exaustividade algumas possibilidades de construccedilatildeo As possibilidades satildeo apresentadas em uma notaccedilatildeo loacutegica e em sentenccedilas equivalentes em portuguecircs seguidas de alguns comentaacuterios explicativos9

(1) ltagt existe Utilizamos sentenccedilas com esta estrutura quando afirmamos por exemplo ldquoele existerdquo ou ainda ldquoisto existerdquo referindo-se a pessoas ou objetos cuja identidade permanece momentaneamente indeterminada ou obscura temos aqui uma espeacutecie de sentenccedila eliacuteptica sem um sujeito expliacutecito sujeito este que pode no entanto ser determinado facilmente a partir do contexto precedente ou subsequente trata-se de uma

8 A traduccedilatildeo das passagens em grego quando natildeo apresentarem nenhuma indicaccedilatildeo em contraacuterioeacute de nossa responsabilidadeComobasepara as referecircncias ao texto parmeniacutedico tomamoso textoestabelecido na ediccedilatildeo Diels-Kranz (Die Fragmente der Vorsokratiker 3 v Zuumlrich WeidemannscheVerlagsbuchhandlung2004)

9 EstapartedoartigoeacuteumresumodaanaacutelisemaiscompletaoferecidaporMourelatosnoapecircndiceIIdeRoute of Parmecircnides(LasVegasParmenidesPublishing2007)

13PaRMecircnIdes e FRege

sentenccedila na qual tanto o sujeito quanto o predicado possuem um sentido definido ou seja ambos podem ser vistos como constantes

(2) ($x)Fx existe um x tal que x eacute F ou seja existe pelo menos uma coisa (ou um objeto ou um item) que possui uma certa propriedade Quando dizemos por exemplo ldquoexiste algo que eacute animalrdquo ou ainda ldquohaacute um objeto que eacute uma canetardquo o que temos aqui natildeo eacute exatamente a atribuiccedilatildeo de uma propriedade a um dado objeto mas apenas a asserccedilatildeo de que existe pelo menos uma coisa que eacute caracterizada por uma descriccedilatildeo especiacutefica o predicado neste caso pode ser compreendido como uma constante enquanto o sujeito eacute uma variaacutevel ligada a um quantificador existencial neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada pelo quantificador de modo que o ltagt que em (1) aparece como o sujeito eacute analisado aqui como o predicado F

(3) ($x)x existe existe um x tal que x existe Utilizamos sentenccedilas desta forma quando queremos sustentar de modo geral que algum objeto existe que haacute uma coisa que existe que haacute pelo menos um objeto existente neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia ocorre novamente como o predicado ou seja ela aparece na posiccedilatildeo ocupada por F em (2) Assim a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe

(4) ($x)f x existe pelo menos um objeto que eacute ____ existe um ____ neste exemplo temos um predicado completamente indefinido Deste modo natildeo temos aqui estritamente falando uma proposiccedilatildeo genuiacutena uma vez que a sentenccedila nada diz realmente mas apenas representa a forma geral de uma asserccedilatildeo de existecircncia da qual (2) eacute uma instacircncia

(5) f x ldquo____ eacute ____rdquo temos aqui um esquema geral da predicaccedilatildeo com as lacunas vazias indicando a posiccedilatildeo do sujeito e do predicado esta construccedilatildeo assemelha-se a (4) com a exceccedilatildeo de que neste caso tanto o predicado quanto o sujeito satildeo inteiramente indefinidos de modo que o que estaacute em jogo aqui eacute uma espeacutecie de esquema geral ou simplesmente metalinguiacutestico de asserccedilotildees puramente atributivas

De posse desta relaccedilatildeo de possibilidades loacutegicas digamos assim podemos classificar as diversas interpretaccedilotildees oferecidas pelos especialistas e a partir delas melhor marcar a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente Com isso natildeo aprofundaremos a discussatildeo sobre os meacuteritos e desvantagens de cada possibilidade ou mesmo se elas se confirmam a partir de evidecircncias textuais Limitar-nos-emos a passar em revista cada possibilidade e indicar quando for o caso os aspectos que nos interessam

As opccedilotildees (1) e (2) satildeo pressupostas por todos aqueles que acreditam que o sujeito do ldquoeacuterdquo inicial deve ser revelado gradualmente a partir da leitura

Rafael Huguenin14

e do entendimento das partes subsequentes do poema Destacamos como exemplos desta interpretaccedilatildeo Burnet Guthrie e owen segundo os quais o sujeito deve ser interpretado respectivamente como ldquoo corpordquo ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) ou simplesmente ldquoo que pode ser dito ou pensadordquo o principal argumento contra esta interpretaccedilatildeo consiste em sustentar que se Parmecircnides tivesse realmente um sujeito em mente para o verbo natildeo faria sentido forccedilar os seus leitores a adivinhaacute-lo a partir das partes subsequentes do texto Por que manter o sujeito deliberadamente oculto Qual seria o sentido desta omissatildeo Aleacutem disso dependendo do sujeito escolhido o argumento pode ser lido como uma tautologia Por exemplo se o sujeito para o ldquoeacuterdquo for simplesmente ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) a tese inicial de Parmecircnides se transforma em uma tautologia ldquoo que eacute eacuterdquo ldquoeacute o que eacuterdquo (τό ἐὸν ἐστίν) ou simplesmente ldquoo ser eacuterdquo (τό ἐὸν εἶναι) ora seraacute que uma tautologia deste tipo pode servir como ponto de partida inicial para o argumento de Parmecircnides

A opccedilatildeo (3) eacute adotada por todos os que interpretam o ldquoeacuterdquo (ἔστιν) inicial do argumento de Parmecircnides no sentido ldquoimpessoalrdquo em analogia com verbos como ldquochoverdquo (βρέχει) ou ldquonevardquo (νίφει) A analogia no entanto natildeo nos parece muito esclarecedora uma vez que podemos analisar ldquochoverdquo como um caso especial de (2) ou seja como ($x)Fx ou simplesmente ldquohaacute pelo menos um objeto que eacute chuvardquo10 na verdade os proponentes desta interpretaccedilatildeo dentre os quais destacamos Herman Fraumlnkel11 querem dizer outra coisa todos eles no fundo tratam o ldquoeacuterdquo como um caso de asserccedilatildeo existencial na qual o ldquoexisterdquo funciona como o predicado uma vez que o sentido provaacutevel de uma sentenccedila com essa forma pode ser entendido simplesmente como ldquohaacute existecircnciardquo no entanto como jaacute mencionamos algumas linhas acima em (3) a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada duplamente tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe de modo que a expressatildeo eacute tambeacutem tautoloacutegica como alguns casos de (2) com sujeitos especiacuteficos como ldquoo que eacuterdquo ldquoo enterdquo ou simplesmente ldquoo serrdquo

Ateacute recentemente poucos autores adotaram (4) e (5) como anaacutelises do ldquoeacuterdquo inicial de Parmecircnides o precursor deste tipo de interpretaccedilatildeo foi o italiano Guido Calogero em seu livro studi sullrsquo eleatismo12 publicado em

10 ReconhecemosqueaanaacutelisedesentenccedilascomoldquochoverdquoouldquonevardquoeacutecomplexaaleacutemdeultrapassaroescoporestritodopresenteartigoSendoassimoexemplooferecidodeveservistocomoumameraaproximaccedilatildeo como uma descriccedilatildeo provisoacuteria que tem como objetivo salientar a impropriedade daanalogiaentreumldquoeacuterdquoimpessoaleverboscomoldquochoverdquoouldquonevardquo

11 VeraesserespeitooclaacutessicoartigodeHermanFraumlnkelintituladoStudies in Parmenides (InAllenREandFurleyDJStudies in Presocratic Philosophy The Eleatic and PluralistLondonRoutledgeampKeganPaul19751-47)

12 CalogeroGuidoStudi sullrsquo eleatismoRomeTipografiadelSenato1932

15PaRMecircnIdes e FRege

1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

Rafael Huguenin16

como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

Rafael Huguenin18

ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

Rafael Huguenin22

pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

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Rafael Huguenin24

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13PaRMecircnIdes e FRege

sentenccedila na qual tanto o sujeito quanto o predicado possuem um sentido definido ou seja ambos podem ser vistos como constantes

(2) ($x)Fx existe um x tal que x eacute F ou seja existe pelo menos uma coisa (ou um objeto ou um item) que possui uma certa propriedade Quando dizemos por exemplo ldquoexiste algo que eacute animalrdquo ou ainda ldquohaacute um objeto que eacute uma canetardquo o que temos aqui natildeo eacute exatamente a atribuiccedilatildeo de uma propriedade a um dado objeto mas apenas a asserccedilatildeo de que existe pelo menos uma coisa que eacute caracterizada por uma descriccedilatildeo especiacutefica o predicado neste caso pode ser compreendido como uma constante enquanto o sujeito eacute uma variaacutevel ligada a um quantificador existencial neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada pelo quantificador de modo que o ltagt que em (1) aparece como o sujeito eacute analisado aqui como o predicado F

(3) ($x)x existe existe um x tal que x existe Utilizamos sentenccedilas desta forma quando queremos sustentar de modo geral que algum objeto existe que haacute uma coisa que existe que haacute pelo menos um objeto existente neste exemplo a noccedilatildeo de existecircncia ocorre novamente como o predicado ou seja ela aparece na posiccedilatildeo ocupada por F em (2) Assim a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe

(4) ($x)f x existe pelo menos um objeto que eacute ____ existe um ____ neste exemplo temos um predicado completamente indefinido Deste modo natildeo temos aqui estritamente falando uma proposiccedilatildeo genuiacutena uma vez que a sentenccedila nada diz realmente mas apenas representa a forma geral de uma asserccedilatildeo de existecircncia da qual (2) eacute uma instacircncia

(5) f x ldquo____ eacute ____rdquo temos aqui um esquema geral da predicaccedilatildeo com as lacunas vazias indicando a posiccedilatildeo do sujeito e do predicado esta construccedilatildeo assemelha-se a (4) com a exceccedilatildeo de que neste caso tanto o predicado quanto o sujeito satildeo inteiramente indefinidos de modo que o que estaacute em jogo aqui eacute uma espeacutecie de esquema geral ou simplesmente metalinguiacutestico de asserccedilotildees puramente atributivas

De posse desta relaccedilatildeo de possibilidades loacutegicas digamos assim podemos classificar as diversas interpretaccedilotildees oferecidas pelos especialistas e a partir delas melhor marcar a posiccedilatildeo que assumimos anteriormente Com isso natildeo aprofundaremos a discussatildeo sobre os meacuteritos e desvantagens de cada possibilidade ou mesmo se elas se confirmam a partir de evidecircncias textuais Limitar-nos-emos a passar em revista cada possibilidade e indicar quando for o caso os aspectos que nos interessam

As opccedilotildees (1) e (2) satildeo pressupostas por todos aqueles que acreditam que o sujeito do ldquoeacuterdquo inicial deve ser revelado gradualmente a partir da leitura

Rafael Huguenin14

e do entendimento das partes subsequentes do poema Destacamos como exemplos desta interpretaccedilatildeo Burnet Guthrie e owen segundo os quais o sujeito deve ser interpretado respectivamente como ldquoo corpordquo ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) ou simplesmente ldquoo que pode ser dito ou pensadordquo o principal argumento contra esta interpretaccedilatildeo consiste em sustentar que se Parmecircnides tivesse realmente um sujeito em mente para o verbo natildeo faria sentido forccedilar os seus leitores a adivinhaacute-lo a partir das partes subsequentes do texto Por que manter o sujeito deliberadamente oculto Qual seria o sentido desta omissatildeo Aleacutem disso dependendo do sujeito escolhido o argumento pode ser lido como uma tautologia Por exemplo se o sujeito para o ldquoeacuterdquo for simplesmente ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) a tese inicial de Parmecircnides se transforma em uma tautologia ldquoo que eacute eacuterdquo ldquoeacute o que eacuterdquo (τό ἐὸν ἐστίν) ou simplesmente ldquoo ser eacuterdquo (τό ἐὸν εἶναι) ora seraacute que uma tautologia deste tipo pode servir como ponto de partida inicial para o argumento de Parmecircnides

A opccedilatildeo (3) eacute adotada por todos os que interpretam o ldquoeacuterdquo (ἔστιν) inicial do argumento de Parmecircnides no sentido ldquoimpessoalrdquo em analogia com verbos como ldquochoverdquo (βρέχει) ou ldquonevardquo (νίφει) A analogia no entanto natildeo nos parece muito esclarecedora uma vez que podemos analisar ldquochoverdquo como um caso especial de (2) ou seja como ($x)Fx ou simplesmente ldquohaacute pelo menos um objeto que eacute chuvardquo10 na verdade os proponentes desta interpretaccedilatildeo dentre os quais destacamos Herman Fraumlnkel11 querem dizer outra coisa todos eles no fundo tratam o ldquoeacuterdquo como um caso de asserccedilatildeo existencial na qual o ldquoexisterdquo funciona como o predicado uma vez que o sentido provaacutevel de uma sentenccedila com essa forma pode ser entendido simplesmente como ldquohaacute existecircnciardquo no entanto como jaacute mencionamos algumas linhas acima em (3) a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada duplamente tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe de modo que a expressatildeo eacute tambeacutem tautoloacutegica como alguns casos de (2) com sujeitos especiacuteficos como ldquoo que eacuterdquo ldquoo enterdquo ou simplesmente ldquoo serrdquo

Ateacute recentemente poucos autores adotaram (4) e (5) como anaacutelises do ldquoeacuterdquo inicial de Parmecircnides o precursor deste tipo de interpretaccedilatildeo foi o italiano Guido Calogero em seu livro studi sullrsquo eleatismo12 publicado em

10 ReconhecemosqueaanaacutelisedesentenccedilascomoldquochoverdquoouldquonevardquoeacutecomplexaaleacutemdeultrapassaroescoporestritodopresenteartigoSendoassimoexemplooferecidodeveservistocomoumameraaproximaccedilatildeo como uma descriccedilatildeo provisoacuteria que tem como objetivo salientar a impropriedade daanalogiaentreumldquoeacuterdquoimpessoaleverboscomoldquochoverdquoouldquonevardquo

11 VeraesserespeitooclaacutessicoartigodeHermanFraumlnkelintituladoStudies in Parmenides (InAllenREandFurleyDJStudies in Presocratic Philosophy The Eleatic and PluralistLondonRoutledgeampKeganPaul19751-47)

12 CalogeroGuidoStudi sullrsquo eleatismoRomeTipografiadelSenato1932

15PaRMecircnIdes e FRege

1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

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como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

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ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

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fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

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exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

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Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

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MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

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e do entendimento das partes subsequentes do poema Destacamos como exemplos desta interpretaccedilatildeo Burnet Guthrie e owen segundo os quais o sujeito deve ser interpretado respectivamente como ldquoo corpordquo ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) ou simplesmente ldquoo que pode ser dito ou pensadordquo o principal argumento contra esta interpretaccedilatildeo consiste em sustentar que se Parmecircnides tivesse realmente um sujeito em mente para o verbo natildeo faria sentido forccedilar os seus leitores a adivinhaacute-lo a partir das partes subsequentes do texto Por que manter o sujeito deliberadamente oculto Qual seria o sentido desta omissatildeo Aleacutem disso dependendo do sujeito escolhido o argumento pode ser lido como uma tautologia Por exemplo se o sujeito para o ldquoeacuterdquo for simplesmente ldquoo que eacuterdquo (τό ἐὸν) a tese inicial de Parmecircnides se transforma em uma tautologia ldquoo que eacute eacuterdquo ldquoeacute o que eacuterdquo (τό ἐὸν ἐστίν) ou simplesmente ldquoo ser eacuterdquo (τό ἐὸν εἶναι) ora seraacute que uma tautologia deste tipo pode servir como ponto de partida inicial para o argumento de Parmecircnides

A opccedilatildeo (3) eacute adotada por todos os que interpretam o ldquoeacuterdquo (ἔστιν) inicial do argumento de Parmecircnides no sentido ldquoimpessoalrdquo em analogia com verbos como ldquochoverdquo (βρέχει) ou ldquonevardquo (νίφει) A analogia no entanto natildeo nos parece muito esclarecedora uma vez que podemos analisar ldquochoverdquo como um caso especial de (2) ou seja como ($x)Fx ou simplesmente ldquohaacute pelo menos um objeto que eacute chuvardquo10 na verdade os proponentes desta interpretaccedilatildeo dentre os quais destacamos Herman Fraumlnkel11 querem dizer outra coisa todos eles no fundo tratam o ldquoeacuterdquo como um caso de asserccedilatildeo existencial na qual o ldquoexisterdquo funciona como o predicado uma vez que o sentido provaacutevel de uma sentenccedila com essa forma pode ser entendido simplesmente como ldquohaacute existecircnciardquo no entanto como jaacute mencionamos algumas linhas acima em (3) a noccedilatildeo de existecircncia eacute indicada duplamente tanto pelo quantificador quanto pelo predicado existe de modo que a expressatildeo eacute tambeacutem tautoloacutegica como alguns casos de (2) com sujeitos especiacuteficos como ldquoo que eacuterdquo ldquoo enterdquo ou simplesmente ldquoo serrdquo

Ateacute recentemente poucos autores adotaram (4) e (5) como anaacutelises do ldquoeacuterdquo inicial de Parmecircnides o precursor deste tipo de interpretaccedilatildeo foi o italiano Guido Calogero em seu livro studi sullrsquo eleatismo12 publicado em

10 ReconhecemosqueaanaacutelisedesentenccedilascomoldquochoverdquoouldquonevardquoeacutecomplexaaleacutemdeultrapassaroescoporestritodopresenteartigoSendoassimoexemplooferecidodeveservistocomoumameraaproximaccedilatildeo como uma descriccedilatildeo provisoacuteria que tem como objetivo salientar a impropriedade daanalogiaentreumldquoeacuterdquoimpessoaleverboscomoldquochoverdquoouldquonevardquo

11 VeraesserespeitooclaacutessicoartigodeHermanFraumlnkelintituladoStudies in Parmenides (InAllenREandFurleyDJStudies in Presocratic Philosophy The Eleatic and PluralistLondonRoutledgeampKeganPaul19751-47)

12 CalogeroGuidoStudi sullrsquo eleatismoRomeTipografiadelSenato1932

15PaRMecircnIdes e FRege

1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

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como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

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ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

Rafael Huguenin22

pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

BeLL David - Fregersquos Theory of Judgement new York oxford University Press 1979BroWn Lesley - The Verb lsquoto bersquo in greek philosophy some remarks In eVerSon Stephen (ed) Language Companion to ancient thought 3 Cambridge Cambridge University Press 1994 p 212-236BUrnet John - early greek Philosophy new York Meridian Books 1957CALoGero Guido - studi sullrsquo eleatismo rome tipografia del Senato 1932CHAteAUBrIAnD oswaldo - The Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes In GreIMAnn Dirk (ed) grazer Philosophische studien essays on Fregersquos Conception of Truth n 75 v 1 2007 p 119-215____________ - Logical Forms Campinas UnicampCLe 2005DIeLS H amp krAnZ W - die Fragmente der Vorsokratiker 3 vols Berlin Weidmann 1974DUMMet Michael - Frege Philosophy of Language new Work Harper amp row 1973FerreIrA Fernando - On the Parmenidean Misconception In Philosophiegeschichte und logische analyse 2 1999 p 37-49FrAumlnkeL Herman - studies in Parmenides In Allen r e and Furley D J - studies in Presocratic Philosophy The eleatic and Pluralist London routledge amp kegan Paul 1975 p 1-46FreGe Gottlob - Investigaccedilotildees Loacutegicas e outros ensaios org trad e notas de Paulo Alcoforado In Cadernos de Traduccedilatildeo n 7 Satildeo Paulo USP 2001____________ - Begriffsschrift trad por P t Geach In Translations from the Philosophical Writings of gottlob Frege edited by Geach P and Black M oxford Blackwell 1960____________ - sobre o sentido e a Referecircncia In Loacutegica e Filosofia da Linguagem Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 59-86FUrtH Montgomery - elements of eleatic Ontology In IrWIn terence (ed) - Philosophy Before socrates new York Garland Publishing 1995 p 263-284GUtHrIe W k C - a History of greek Philosophy 6 vols Cambridge Cambridge University Press 1977-1981HAVeLoCk eric - The greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HUGUenIn rafael - sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides In siacutentese ndash Revista de Filosofia v 36 n 115 2009 p 197-218IGLeSIAS Maura - a Relaccedilatildeo entre o natildeo ser como negativo e o natildeo ser como Falso no sofista de Platatildeo In O que nos faz pensar n 11 v 2 1997 p 5-44MeIXner Uwe - From Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas In Metaphysica International Journal for Ontology and Metaphysics n 10 2009 p 199-214

Rafael Huguenin24

MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

15PaRMecircnIdes e FRege

1932 ele foi um dos primeiros a propor que os ldquocaminhos de investigaccedilatildeordquo no fragmento B2 devem ser compreendidas antes como formas gerais ou esquemas de juiacutezos ou sentenccedilas do que como juiacutezos e sentenccedilas propriamente ditos Calogero no entanto tambeacutem foi um dos que sustentou que Parmecircnides teria confundido os sentidos existenciais e predicativos do verbo grego ser uma tese que aleacutem de altamente discutiacutevel atribui a um grande filoacutesofo um equiacutevoco relativamente simples ou seja de acordo com esta interpretaccedilatildeo ele teria confundido (4) e (5) Mais recentemente em um artigo13 que foi publicado em 1968 e se tornou influente Montgomery Furth defende uma posiccedilatildeo semelhante mas sem atribuir a Parmecircnides qualquer tipo de confusatildeo ou equiacutevoco Segundo este autor o argumento inicial de Parmecircnides pode ser lido coerentemente tanto como (4) ou (5) este artigo pode ser tomado como um protoacutetipo do que Mourelatos definiu como a interpretaccedilatildeo standard14 de Parmecircnides estabelecida nos anos 1960 e 1970 em virtude de sua claridade e economia esta interpretaccedilatildeo se tornou a interpretaccedilatildeo padratildeo de Parmecircnides em liacutengua inglesa

o exemplo (5) foi adotado por Alexander Mourelatos no claacutessico The Route of Parmenides15 livro indispensaacutevel em qualquer bibliografia sobre o eleata A interpretaccedilatildeo deste autor pode ser vista como um caso especial de (5) ou seja como uma construccedilatildeo na qual as expressotildees ὅπως ἔστιν e ὡς ἐστι do fragmento B22 satildeo traduzidas adverbialmente (ldquocomo ____ eacuterdquo) Segundo Mourelatos esta possibilidade de traduccedilatildeo eacute equivalente ao que ele denomina predicaccedilatildeo especulativa um esquema geral para sentenccedilas cosmoloacutegicas do seguinte tipo ldquo____ eacute ____rdquo neste caso natildeo apenas o sujeito da predicaccedilatildeo foi omitido por Parmecircnides mas tambeacutem o predicado neste sentido (5) pode ser analisado como uma combinaccedilatildeo de ldquof xrdquo e ldquoX = Yrdquo na qual Y funciona

13 FurthMontgomery Elements of Eleatic Ontology InIrwinTerence(ed)Philosophy Before SocratesNewYorkGarlandPublishing1995263-284

14 TranscrevemosaseguiremvirtudedesuaimportacircnciaumapassagemdoartigodeMourelatosintituladoSome Alternatives in Interpreting Parmenides (InThe Monistv6219793-4)ldquoIntheworkofinterpretingParmenideswehavewitnessedinthelsquosixtiesandlsquoseventiesinEnglishlanguagescholarshipthatrarestphenomenainthestudyofancientphilosophytheemergenceofaconsensusFourinterpretativesthesesnowseemquitewidelyshared(a)ParmenidesdeliberatelysupressesthesubjectofestilsquoisrsquooreinailsquotobersquoinhisstatementofthetwolsquoroutesrsquoofB2hisintentionbeingtoallowthesubjecttobecomegraduallyspecifiedastheargumentunfolds(b)Thenegativerouteouk esti lsquoisnotrsquoosmecirc einaildquonottoberdquo isbannedbecausesentencesthatadheretoitfailtorefer(semanticallyspeaking)toactualentities(c)Theargumentdoesnotdependonaconfusionbetweenthelsquoisrsquoofpredicationandthelsquoisrsquoofexistence(d)Intherelevantcontextsestiandeinaiinvolvealsquofusedrsquoorlsquoveridicalrsquouseoftheverblsquotobersquoinotherwordsestioreinaihavetheforceoflsquoisactualrsquoorlsquoobtainsrsquoorlsquoisthecasersquoenvisagingavariablesubjectxthatrangesoverstate-of-affairsrdquo

15 MourelatosAlexanderPDThe Route of ParmenidesLasVegasParmenidesPublishing2007

Rafael Huguenin16

como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

Rafael Huguenin18

ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

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Rafael Huguenin24

MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

Rafael Huguenin16

como explanans Para que este ponto fique mais claro faz-se necessaacuterio resumir brevemente a posiccedilatildeo do autor

Mourelatos acredita que Parmecircnides daacute continuidade agraves reflexotildees cosmoloacutegicas de seus antecessores Assim ele interpreta as ocorrecircncias do verbo ser no fragmento B2 como um suporte proposicional para especulaccedilotildees cosmoloacutegicas A via positiva sustenta que ldquoX eacute realmente Yrdquo onde X representa o explanandum e Y o explanans o verbo ser nesta construccedilatildeo funciona entatildeo como uma rota ou uma via que nos transporta da identidade manifesta de uma coisa para sua natureza ou identidade teoacuterica subjacente conforme ilustram os seguintes exemplos ldquoraio eacute descarga eleacutetricardquo ldquomesa eacute nuvem de eleacutetronsrdquo ldquopedras satildeo realmente arrdquo (Anaxiacutemenes) ou ainda ldquomundo eacute realmente fogordquo (Heraacuteclito) neste contexto a via negativa que sustenta que ldquoX eacute realmente natildeo-Yrdquo eacute vaga demais pois aponta para outro lado que natildeo a natureza profunda de X o verbo ser neste caso funcionaria como um hiacutebrido de predicaccedilatildeo e identidade de modo que os valores de Y dizem respeito a indiviacuteduos e natildeo a propriedades A rejeiccedilatildeo da via negativa nesta perspectiva eacute uma rejeiccedilatildeo de predicados constitutivos utilizados para especificar a natureza intriacutenseca de um dado elemento16

em um artigo intitulado sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides17 tentamos oferecer uma interpretaccedilatildeo do argumento inicial do poema a partir do exemplo (5) neste trabalho sugerimos que Parmecircnides realizando uma tarefa antes metodoloacutegica do que metafiacutesica em um sentido mais amplo foi o primeiro filoacutesofo que pensou a predicaccedilatildeo como a forma baacutesica do discurso filosoacutefico Para isso propusemos uma leitura puramente predicativa da enunciaccedilatildeo das duas vias no fragmento B2 e uma interpretaccedilatildeo dos sinais (σήματα) do ser no fragmento B8 natildeo como caracteriacutesticas do Ser com maiuacutescula isto eacute do ser metafiacutesico mas do ser do juiacutezo que introduz assertividade utilizados como recursos poeacuteticos para enfatizar que o que estava em jogo era uma busca ou mesmo uma instauraccedilatildeo de uma nova sintaxe entendida entatildeo como uma espeacutecie de asserccedilatildeo forte mais apropriada para veicular o conhecimento cientiacutefico e filosoacutefico entatildeo nascente

Um dos elementos fundamentais para a compreensatildeo desta transformaccedilatildeo eacute a funccedilatildeo do verbo grego ser nas construccedilotildees predicativas que denota natildeo exatamente um ato um evento ou uma presenccedila conforme alguns estudiosos

16 Paramais informaccedilotildeesaesse respeitoconsultaroThe Route of Parmenides (LasVegasParmenidesPublishing2007)emespecialocapiacutetulo3intituladoThe Vagueness of What-is-notetambeacutemolivrodePatriciaCurdintituladoThe Legacy of Parmenides(LasVegasParmenidesPublishing2004)

17 Huguenin RafaelSugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides InSiacutentese ndash Revista de Filosofiav36n1152009197-218

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

Rafael Huguenin18

ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

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fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

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Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

BeLL David - Fregersquos Theory of Judgement new York oxford University Press 1979BroWn Lesley - The Verb lsquoto bersquo in greek philosophy some remarks In eVerSon Stephen (ed) Language Companion to ancient thought 3 Cambridge Cambridge University Press 1994 p 212-236BUrnet John - early greek Philosophy new York Meridian Books 1957CALoGero Guido - studi sullrsquo eleatismo rome tipografia del Senato 1932CHAteAUBrIAnD oswaldo - The Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes In GreIMAnn Dirk (ed) grazer Philosophische studien essays on Fregersquos Conception of Truth n 75 v 1 2007 p 119-215____________ - Logical Forms Campinas UnicampCLe 2005DIeLS H amp krAnZ W - die Fragmente der Vorsokratiker 3 vols Berlin Weidmann 1974DUMMet Michael - Frege Philosophy of Language new Work Harper amp row 1973FerreIrA Fernando - On the Parmenidean Misconception In Philosophiegeschichte und logische analyse 2 1999 p 37-49FrAumlnkeL Herman - studies in Parmenides In Allen r e and Furley D J - studies in Presocratic Philosophy The eleatic and Pluralist London routledge amp kegan Paul 1975 p 1-46FreGe Gottlob - Investigaccedilotildees Loacutegicas e outros ensaios org trad e notas de Paulo Alcoforado In Cadernos de Traduccedilatildeo n 7 Satildeo Paulo USP 2001____________ - Begriffsschrift trad por P t Geach In Translations from the Philosophical Writings of gottlob Frege edited by Geach P and Black M oxford Blackwell 1960____________ - sobre o sentido e a Referecircncia In Loacutegica e Filosofia da Linguagem Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 59-86FUrtH Montgomery - elements of eleatic Ontology In IrWIn terence (ed) - Philosophy Before socrates new York Garland Publishing 1995 p 263-284GUtHrIe W k C - a History of greek Philosophy 6 vols Cambridge Cambridge University Press 1977-1981HAVeLoCk eric - The greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HUGUenIn rafael - sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides In siacutentese ndash Revista de Filosofia v 36 n 115 2009 p 197-218IGLeSIAS Maura - a Relaccedilatildeo entre o natildeo ser como negativo e o natildeo ser como Falso no sofista de Platatildeo In O que nos faz pensar n 11 v 2 1997 p 5-44MeIXner Uwe - From Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas In Metaphysica International Journal for Ontology and Metaphysics n 10 2009 p 199-214

Rafael Huguenin24

MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

17PaRMecircnIdes e FRege

sugerem serem seus sentidos primaacuterios ou originaacuterios mas tatildeo somente uma espeacutecie de operaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou simplesmente de ligaccedilatildeo entre dois elementos indicando uma relaccedilatildeo de composiccedilatildeo ou de unidade de complexos que eacute ao mesmo tempo abstrata e imutaacutevel18 neste ponto relacionamos o poema de Parmecircnides com certas assunccedilotildees subjacentes aos usos antigos do verbo ser assunccedilotildees estas que Parmecircnides tentava superar associando aos usos do verbo um caraacuteter riacutegido fixo e imutaacutevel Como se sabe no fragmento B8 a noccedilatildeo de ser eacute caracterizada como algo (a) ingecircnito (ἀγένητον) e indestrutiacutevel (ἀνώλεθρόν) (b) uno (ἕν) todo do mesmo (ὁμοῦ πᾶν) isto eacute homogecircneo ou simplesmente indivisiacutevel (c) imoacutevel ou estaacutevel (ἀτρεμὲς) (d) completo ou sem fim (τέλειον) nos fragmentos B3 e B6 temos uma assimilaccedilatildeo entre as noccedilotildees de ser de linguagem (λέγειν) e de pensamento (νοεῖν) ora eacute justamente com base na assimilaccedilatildeo destes aspectos que tentaremos salientar as relaccedilotildees entre Frege e Parmecircnides em alguns de seus trabalhos o autor de Begriffsschrift parece caracterizar a noccedilatildeo de pensamento de modo muito semelhante agrave maneira como Parmecircnides caracteriza as noccedilotildees fundamentais de seu poema filosoacutefico

II

Dependendo da forma como interpretamos os termos envolvidos nas formulaccedilotildees dos dois filoacutesofos natildeo seria inapropriado sugerir que Parmecircnides e Frege caracterizam certas noccedilotildees centrais de seus pensamentos a partir de intuiccedilotildees semelhantes sobretudo no que diz respeito agraves relaccedilotildees que ambos estabelecem entre as noccedilotildees de pensamento ser verdade predicaccedilatildeo e asserccedilatildeo no entanto antes de nos lanccedilarmos agrave tarefa deveras arriscada de avaliar estas semelhanccedilas mesmas devemos fazer algumas ressalvas Levando em conta o grau de refinamento teacutecnico e complexidade que caracteriza o pensamento de Frege comparaacute-lo com Parmecircnides que exerceu sua atividade nos primoacuterdios do pensamento filosoacutefico seria algo temeraacuterio Pensamos aqui em especial nos recursos formais utilizados por Frege e na sua hierarquia

18 OwenemseuartigoPlato and Parmenides on the Timeless Present tambeacutemchamaatenccedilatildeoparaestepontoldquothefactthatagrammaticaltensecanbedetachedfromitstense-affiliationsandputtoatenselessuseissomethingthatmustbediscoveredatsometimebysomebodyorsomesetofpeoplerdquo(InLogic Science and DialeticIthacaNYCornellUniversityPress198627)OusodoverboserparaestefimeacutedestacadoporHavelockldquotheverbtobeusedtoconnectthemmustbeinvestedwiththefunctionofdenotingnotanactoraneventbuta relationshipwhich isboth logicalandstaticorasPlatowouldsay lsquoimmovablersquo (The Greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its Substance in Plato CambridgeHarvardUniversityPress1978233)

Rafael Huguenin18

ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

BeLL David - Fregersquos Theory of Judgement new York oxford University Press 1979BroWn Lesley - The Verb lsquoto bersquo in greek philosophy some remarks In eVerSon Stephen (ed) Language Companion to ancient thought 3 Cambridge Cambridge University Press 1994 p 212-236BUrnet John - early greek Philosophy new York Meridian Books 1957CALoGero Guido - studi sullrsquo eleatismo rome tipografia del Senato 1932CHAteAUBrIAnD oswaldo - The Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes In GreIMAnn Dirk (ed) grazer Philosophische studien essays on Fregersquos Conception of Truth n 75 v 1 2007 p 119-215____________ - Logical Forms Campinas UnicampCLe 2005DIeLS H amp krAnZ W - die Fragmente der Vorsokratiker 3 vols Berlin Weidmann 1974DUMMet Michael - Frege Philosophy of Language new Work Harper amp row 1973FerreIrA Fernando - On the Parmenidean Misconception In Philosophiegeschichte und logische analyse 2 1999 p 37-49FrAumlnkeL Herman - studies in Parmenides In Allen r e and Furley D J - studies in Presocratic Philosophy The eleatic and Pluralist London routledge amp kegan Paul 1975 p 1-46FreGe Gottlob - Investigaccedilotildees Loacutegicas e outros ensaios org trad e notas de Paulo Alcoforado In Cadernos de Traduccedilatildeo n 7 Satildeo Paulo USP 2001____________ - Begriffsschrift trad por P t Geach In Translations from the Philosophical Writings of gottlob Frege edited by Geach P and Black M oxford Blackwell 1960____________ - sobre o sentido e a Referecircncia In Loacutegica e Filosofia da Linguagem Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 59-86FUrtH Montgomery - elements of eleatic Ontology In IrWIn terence (ed) - Philosophy Before socrates new York Garland Publishing 1995 p 263-284GUtHrIe W k C - a History of greek Philosophy 6 vols Cambridge Cambridge University Press 1977-1981HAVeLoCk eric - The greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HUGUenIn rafael - sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides In siacutentese ndash Revista de Filosofia v 36 n 115 2009 p 197-218IGLeSIAS Maura - a Relaccedilatildeo entre o natildeo ser como negativo e o natildeo ser como Falso no sofista de Platatildeo In O que nos faz pensar n 11 v 2 1997 p 5-44MeIXner Uwe - From Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas In Metaphysica International Journal for Ontology and Metaphysics n 10 2009 p 199-214

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MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

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ontoloacutegica que natildeo encontra paralelo na filosofia antiga19 Mas se o interesse de Parmecircnides era mais restrito como defendemos entatildeo podemos comparar suas intuiccedilotildees sobre certas noccedilotildees com as intuiccedilotildees de Frege Afinal em alguns de seus trabalhos o autor de sobre o sentido e a Referecircncia parece abandonar por alguns momentos a ecircnfase nos aspectos formais da linguagem abordando questotildees que dizem respeito agrave linguagem humana em geral

ora um dos textos de Frege que mais pode ser utilizado em apoio agrave presente investigaccedilatildeo satildeo as chamadas Investigaccedilotildees Loacutegicas20 (Logischen Untersuchungen) esta obra eacute composta por quatro textos especiacuteficos (a saber O Pensamento a negaccedilatildeo Pensamentos Compostos e generalidade Loacutegica) escritos a partir de 1914 quando Frege comeccedila a duvidar do alcance de sua tese logicista esta obra nos revela um Frege trabalhando em uma perspectiva menos formal mais exploratoacuteria e filosoacutefica estes ensaios foram concebidos em grande parte como um ataque agrave utilizaccedilatildeo de noccedilotildees psicoloacutegicas e subjetivas na loacutegica e na fundamentaccedilatildeo da matemaacutetica nas palavras do proacuteprio Frege trata-se de ldquoimpedir que se apaguem as fronteiras entre a psicologia e a loacutegicardquo21 Aleacutem disso se levarmos em conta com David Bell que nestes textos Frege ldquoestaacute primariamente interessado na possibilidade da comunicaccedilatildeo humana (hellip) e natildeo na construccedilatildeo de uma notaccedilatildeo apropriada para a deduccedilatildeo e a expressatildeo das lsquoverdades de razatildeorsquordquo22 entatildeo a comparaccedilatildeo com Parmecircnides de eleacuteia natildeo eacute de todo inapropriada

em O Pensamento (der gedanke) por exemplo Frege caracteriza a noccedilatildeo de pensamento em termos quase parmeniacutedicos Apoacutes afirmar ldquosem querer dar uma definiccedilatildeordquo que pensamento eacute ldquoalgo sobre o qual se pode perguntar pela verdaderdquo23 Frege caracteriza o pensamento como um tipo de entidade eterna incriada imutaacutevel e natildeo passiacutevel de alteraccedilatildeo pela atividade humana ou seja pensamentos natildeo existem nem no mundo material externo nem nas consciecircncias subjetivas mas em uma espeacutecie de ldquoterceiro domiacuteniordquo Segundo um exemplo do proacuteprio Frege ldquoo pensamento que expressamos no teorema de Pitaacutegoras eacute intemporalmente verdadeiro verdadeiro independentemente do

19 VeraesserespeitooEpiacutelogodosegundovolumedeLogical Forms(CampinasUnicampCLE2005)emespecialoscomentaacuteriosdapaacutegina471e472quesustentamqueFregeaointroduzirsuahierarquiadefunccedilotildeeseobjetosrealizouaprimeiratentativacoerentedeestruturarasformasloacutegicasematemaacuteticas

20 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP2001

21 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200110

22 BellDavidFregersquos Theory of JudgementNewYorkOxfordUniversityPress197910823 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200113

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

Rafael Huguenin20

exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

21PaRMecircnIdes e FRege

Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

Rafael Huguenin22

pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

23PaRMecircnIdes e FRege

referecircncias bibliograacuteficas

BeLL David - Fregersquos Theory of Judgement new York oxford University Press 1979BroWn Lesley - The Verb lsquoto bersquo in greek philosophy some remarks In eVerSon Stephen (ed) Language Companion to ancient thought 3 Cambridge Cambridge University Press 1994 p 212-236BUrnet John - early greek Philosophy new York Meridian Books 1957CALoGero Guido - studi sullrsquo eleatismo rome tipografia del Senato 1932CHAteAUBrIAnD oswaldo - The Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes In GreIMAnn Dirk (ed) grazer Philosophische studien essays on Fregersquos Conception of Truth n 75 v 1 2007 p 119-215____________ - Logical Forms Campinas UnicampCLe 2005DIeLS H amp krAnZ W - die Fragmente der Vorsokratiker 3 vols Berlin Weidmann 1974DUMMet Michael - Frege Philosophy of Language new Work Harper amp row 1973FerreIrA Fernando - On the Parmenidean Misconception In Philosophiegeschichte und logische analyse 2 1999 p 37-49FrAumlnkeL Herman - studies in Parmenides In Allen r e and Furley D J - studies in Presocratic Philosophy The eleatic and Pluralist London routledge amp kegan Paul 1975 p 1-46FreGe Gottlob - Investigaccedilotildees Loacutegicas e outros ensaios org trad e notas de Paulo Alcoforado In Cadernos de Traduccedilatildeo n 7 Satildeo Paulo USP 2001____________ - Begriffsschrift trad por P t Geach In Translations from the Philosophical Writings of gottlob Frege edited by Geach P and Black M oxford Blackwell 1960____________ - sobre o sentido e a Referecircncia In Loacutegica e Filosofia da Linguagem Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 59-86FUrtH Montgomery - elements of eleatic Ontology In IrWIn terence (ed) - Philosophy Before socrates new York Garland Publishing 1995 p 263-284GUtHrIe W k C - a History of greek Philosophy 6 vols Cambridge Cambridge University Press 1977-1981HAVeLoCk eric - The greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HUGUenIn rafael - sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides In siacutentese ndash Revista de Filosofia v 36 n 115 2009 p 197-218IGLeSIAS Maura - a Relaccedilatildeo entre o natildeo ser como negativo e o natildeo ser como Falso no sofista de Platatildeo In O que nos faz pensar n 11 v 2 1997 p 5-44MeIXner Uwe - From Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas In Metaphysica International Journal for Ontology and Metaphysics n 10 2009 p 199-214

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MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

19PaRMecircnIdes e FRege

fato de que algueacutem o considere verdadeiro ou natildeordquo24 Aleacutem disso mais adiante no mesmo texto a noccedilatildeo de pensamento eacute tambeacutem caracterizada como algo ldquointemporal eterno e imutaacutevelrdquo25 Como compreender esta eternidade e imutabilidade Como devemos compreender este terceiro domiacutenio Ao inveacutes de compreendecirc-lo ao modo de um platonismo vulgar como uma espeacutecie de ldquooutro mundordquo podemos entender este domiacutenio como um conjunto de pensamentos completamente independente das ideias subjetivas e dos objetos do mundo exterior ou seja um domiacutenio que se caracteriza sobretudo por sua objetividade neste sentido falar em um ldquoterceiro domiacuteniordquo eacute falar simplesmente em uma espeacutecie de paradigma de objetividade

Mesmo pertencendo a um ldquoterceiro domiacuteniordquo a um domiacutenio imperceptiacutevel aos nossos sentidos ldquoo pensamento (hellip) veste-se com a roupagem perceptiacutevel da sentenccedilardquo26 os pensamentos portanto satildeo expressos por sentenccedilas Sentenccedilas podem ser vistas assim como a expressatildeo sensiacutevel de pensamentos Mais especificamente os pensamentos satildeo segundo Michael Dummet ldquoos sentidos de sentenccedilas indicativasrdquo27 Se levarmos em conta o seu caraacuteter fortemente objetivo eterno e imutaacutevel devemos assumir entatildeo que os pensamentos se expressam por meio de um tipo especiacutefico de sentenccedila chamadas sentenccedilas eternas Deste modo a proacutepria noccedilatildeo de pensamento se define a partir da noccedilatildeo de sentenccedila neste ponto no entanto a anaacutelise de Frege eacute extremamente refinada o que nos obriga a expor brevemente as distinccedilotildees que ele leva em conta

Segundo Frege uma sentenccedila assertiva conteacutem dois elementos o conteuacutedo e a asserccedilatildeo o conteuacutedo para Frege ldquoeacute o pensamento ou pelo menos conteacutem o pensamentordquo Como eacute possiacutevel ldquoexpressar um pensamento sem apresentaacute-lo como verdadeirordquo28 podemos distinguir um outro elemento na sentenccedila a asserccedilatildeo A asserccedilatildeo apresenta o pensamento como verdadeiro ou falso esta dupla distinccedilatildeo quase imperceptiacutevel na linguagem natural tem raiacutezes profundas na obra de Frege em Begriffsschrift estas noccedilotildees recebem notaccedilotildees distintas A barra horizontal ldquo rdquo chamada de barra de conteuacutedo (content-stroke) tem a funccedilatildeo de combinar ldquoos siacutembolos que seguem em um todordquo29 A barra vertical ldquordquo chamada barra de juiacutezo (judgment-stroke)

24 Ibidp2525 Ibidp3526 Ibidp1327 DummetMichaelFrege Philosophy of LanguageNewWorkHarperampRow197336528 FregeGottlobOpcit2001p1529 FregeGottlobBegriffsschrift (1879)TradporPTGeachInTranslations from the Philosophical Writings

of Gottlob FregeEditedbyGeachPandBlackMOxfordBlackwell19602

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exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

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Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

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referecircncias bibliograacuteficas

BeLL David - Fregersquos Theory of Judgement new York oxford University Press 1979BroWn Lesley - The Verb lsquoto bersquo in greek philosophy some remarks In eVerSon Stephen (ed) Language Companion to ancient thought 3 Cambridge Cambridge University Press 1994 p 212-236BUrnet John - early greek Philosophy new York Meridian Books 1957CALoGero Guido - studi sullrsquo eleatismo rome tipografia del Senato 1932CHAteAUBrIAnD oswaldo - The Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes In GreIMAnn Dirk (ed) grazer Philosophische studien essays on Fregersquos Conception of Truth n 75 v 1 2007 p 119-215____________ - Logical Forms Campinas UnicampCLe 2005DIeLS H amp krAnZ W - die Fragmente der Vorsokratiker 3 vols Berlin Weidmann 1974DUMMet Michael - Frege Philosophy of Language new Work Harper amp row 1973FerreIrA Fernando - On the Parmenidean Misconception In Philosophiegeschichte und logische analyse 2 1999 p 37-49FrAumlnkeL Herman - studies in Parmenides In Allen r e and Furley D J - studies in Presocratic Philosophy The eleatic and Pluralist London routledge amp kegan Paul 1975 p 1-46FreGe Gottlob - Investigaccedilotildees Loacutegicas e outros ensaios org trad e notas de Paulo Alcoforado In Cadernos de Traduccedilatildeo n 7 Satildeo Paulo USP 2001____________ - Begriffsschrift trad por P t Geach In Translations from the Philosophical Writings of gottlob Frege edited by Geach P and Black M oxford Blackwell 1960____________ - sobre o sentido e a Referecircncia In Loacutegica e Filosofia da Linguagem Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 59-86FUrtH Montgomery - elements of eleatic Ontology In IrWIn terence (ed) - Philosophy Before socrates new York Garland Publishing 1995 p 263-284GUtHrIe W k C - a History of greek Philosophy 6 vols Cambridge Cambridge University Press 1977-1981HAVeLoCk eric - The greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HUGUenIn rafael - sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides In siacutentese ndash Revista de Filosofia v 36 n 115 2009 p 197-218IGLeSIAS Maura - a Relaccedilatildeo entre o natildeo ser como negativo e o natildeo ser como Falso no sofista de Platatildeo In O que nos faz pensar n 11 v 2 1997 p 5-44MeIXner Uwe - From Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas In Metaphysica International Journal for Ontology and Metaphysics n 10 2009 p 199-214

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MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

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exerce o papel de asserir ou simplesmente ldquorelatar (relates) o todo assim formadordquo30 Deste modo para utilizarmos um exemplo do proacuteprio Frege se expressatildeo ldquo a rdquo simboliza a asserccedilatildeo completa ldquopoacutelos magneacuteticos opostos se atraemrdquo a expressatildeo ldquo a rdquo simboliza apenas um ldquomero complexo de ideiasrdquo31 ou seja algo como ldquoa circunstacircncia de que poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo ou ainda ldquoa proposiccedilatildeo segundo a qual poacutelos magneacuteticos se atraemrdquo Sendo assim a barra de conteuacutedo indica que a representa um pensamento uma proposiccedilatildeo ou um mero complexo de ideias que se refere a um valor de verdade A barra de juiacutezo por sua vez indica a asserccedilatildeo de a ou seja apresenta a como verdadeiro ou falso diz que a eacute o caso em outras palavras a barra de juiacutezo tem a funccedilatildeo de indicar o que Frege chama de forccedila assertiva

Grande parte destas distinccedilotildees feitas por Frege aplica-se a contextos especiacuteficos relativos agrave construccedilatildeo de uma linguagem formalizada Por outro lado em seu poema Parmecircnides enfrenta outro tipo de problemas problemas estes que dizem respeito agrave constituiccedilatildeo e fundamentaccedilatildeo do discurso filosoacutefico Apesar destas diferenccedilas no entanto encontramos em ambos os filoacutesofos uma preocupaccedilatildeo em garantir a objetividade de seus discursos no caso de Parmecircnides a linguagem natural era o uacutenico ponto de partida para o seu discurso filosoacutefico Mas conforme jaacute afirmamos algumas linhas acima nas Investigaccedilotildees Loacutegicas a preocupaccedilatildeo de Frege era mais geral e abrangente dizendo respeito agrave linguagem e ao pensamento como um todo o que justifica a abordagem aqui proposta

Seraacute possiacutevel entatildeo falar em forccedila assertiva na linguagem natural Qual eacute entatildeo a marca assertiva na linguagem natural Que componente de uma frase assertiva da linguagem natural exerce a funccedilatildeo de indicar a forccedila assertiva em algumas passagens Frege sustenta que a forccedila assertiva natildeo eacute expressa por nenhuma expressatildeo especiacutefica Segundo ele ldquoexpressamos o reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenccedila assertiva Para isso natildeo precisamos da palavra lsquoverdadeirorsquo e mesmo quando dela fazemos uso a forccedila assertiva natildeo se encontra propriamente nela mas na forma da sentenccedila assertivardquo32 Como compreender esta passagem o que significa afirmar que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila Para David Bell33 isto soacute pode significar que toda sentenccedila proferida no modo indicativo eacute naturalmente assertiva

30 Ibidp231 Ibidp232 FregeGottlobInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoIn

Cadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200115-1633 BellDavidOpcit1979120

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Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

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referecircncias bibliograacuteficas

BeLL David - Fregersquos Theory of Judgement new York oxford University Press 1979BroWn Lesley - The Verb lsquoto bersquo in greek philosophy some remarks In eVerSon Stephen (ed) Language Companion to ancient thought 3 Cambridge Cambridge University Press 1994 p 212-236BUrnet John - early greek Philosophy new York Meridian Books 1957CALoGero Guido - studi sullrsquo eleatismo rome tipografia del Senato 1932CHAteAUBrIAnD oswaldo - The Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes In GreIMAnn Dirk (ed) grazer Philosophische studien essays on Fregersquos Conception of Truth n 75 v 1 2007 p 119-215____________ - Logical Forms Campinas UnicampCLe 2005DIeLS H amp krAnZ W - die Fragmente der Vorsokratiker 3 vols Berlin Weidmann 1974DUMMet Michael - Frege Philosophy of Language new Work Harper amp row 1973FerreIrA Fernando - On the Parmenidean Misconception In Philosophiegeschichte und logische analyse 2 1999 p 37-49FrAumlnkeL Herman - studies in Parmenides In Allen r e and Furley D J - studies in Presocratic Philosophy The eleatic and Pluralist London routledge amp kegan Paul 1975 p 1-46FreGe Gottlob - Investigaccedilotildees Loacutegicas e outros ensaios org trad e notas de Paulo Alcoforado In Cadernos de Traduccedilatildeo n 7 Satildeo Paulo USP 2001____________ - Begriffsschrift trad por P t Geach In Translations from the Philosophical Writings of gottlob Frege edited by Geach P and Black M oxford Blackwell 1960____________ - sobre o sentido e a Referecircncia In Loacutegica e Filosofia da Linguagem Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 59-86FUrtH Montgomery - elements of eleatic Ontology In IrWIn terence (ed) - Philosophy Before socrates new York Garland Publishing 1995 p 263-284GUtHrIe W k C - a History of greek Philosophy 6 vols Cambridge Cambridge University Press 1977-1981HAVeLoCk eric - The greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HUGUenIn rafael - sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides In siacutentese ndash Revista de Filosofia v 36 n 115 2009 p 197-218IGLeSIAS Maura - a Relaccedilatildeo entre o natildeo ser como negativo e o natildeo ser como Falso no sofista de Platatildeo In O que nos faz pensar n 11 v 2 1997 p 5-44MeIXner Uwe - From Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas In Metaphysica International Journal for Ontology and Metaphysics n 10 2009 p 199-214

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MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

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Segundo Michael Dummet haacute uma espeacutecie de convenccedilatildeo geral determinando que toda vez que proferimos uma sentenccedila assertiva somos interpretados como se estiveacutessemos afirmando que esta sentenccedila eacute verdadeira Segundo este autor ldquoo elemento adicionalrdquo que indica esta forccedila assertiva de uma sentenccedila eacute a proacutepria ldquoconvenccedilatildeo que governa os seus empregos para fazer asserccedilotildeesrdquo34 Como jaacute mencionamos acima Frege sustenta que na linguagem natural a forccedila assertiva eacute dada pela forma da sentenccedila ora para que um dado proferimento possa ser reconhecido como um caso especiacutefico de asserccedilatildeo reconhecido por convenccedilatildeo ele deve assumir a forma especiacutefica de uma asserccedilatildeo Mesmo que Frege em algumas passagens natildeo tenha se preocupado em destacar um elemento especiacutefico que carrega a forccedila assertiva na linguagem natural este papel eacute exercido tradicionalmente pelos usos do verbo ser no indicativo presente o proacuteprio Frege parece indicar isto em outro texto

em um pequeno artigo intitulado ldquoDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicardquo (17 Kernsaumltze sur Logik) que apesar de natildeo integrar as Investigaccedilotildees Loacutegicas foi escrito no mesmo periacuteodo Frege indica as relaccedilotildees entre o uso predicativo do verbo ser e o pensamento ldquoa expressatildeo linguiacutestica para o que eacute caracteriacutestico do pensamento eacute a coacutepula ou a terminaccedilatildeo pessoal do verbordquo35 ou seja a coacutepula eacute vista como uma espeacutecie de criteacuterio gramatical para a expressatildeo de um pensamento na linguagem natural Frege natildeo afirma explicitamente que a coacutepula tambeacutem indica aleacutem do pensamento tambeacutem a asserccedilatildeo Mas nos parece claro que se esta forccedila assertiva eacute dada por convenccedilatildeo algo na sentenccedila deve possibilitar o seu reconhecimento como uma sentenccedila sobre a qual recai o conhecimento de uma convenccedilatildeo na verdade na linguagem natural na qual apesar da possibilidade nem sempre distinccedilotildees apropriadas satildeo feitas os dois elementos que destacamos algumas linhas acima (o conteuacutedo e a asserccedilatildeo) se sobrepotildeem Assim a sentenccedila que tem como elemento baacutesico a coacutepula eacute a expressatildeo linguiacutestica de um pensamento e tambeacutem da asserccedilatildeo do valor de verdade deste pensamento mesmo

talvez esteja fora de questatildeo afirmar que Parmecircnides possui escondidos em algum lugar de seus versos estas distinccedilotildees elaboradas por Frege Como afirmamos no iniacutecio do artigo nosso principal interesse eacute iluminar a partir da comparaccedilatildeo da reflexatildeo de dois grandes filoacutesofos sobre o mesmo tema um questatildeo fundamental da filosofia a saber as relaccedilotildees entre ser predicaccedilatildeo e

34 DummetMichaelOpcit197330535 FregeGottlobDezessete sentenccedilas baacutesicas da loacutegicaInInvestigaccedilotildees Loacutegicas e outros Ensaios(1919)OrgtradenotasdePauloAlcoforadoInCadernos de Traduccedilatildeon7SatildeoPauloUSP200195

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

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referecircncias bibliograacuteficas

BeLL David - Fregersquos Theory of Judgement new York oxford University Press 1979BroWn Lesley - The Verb lsquoto bersquo in greek philosophy some remarks In eVerSon Stephen (ed) Language Companion to ancient thought 3 Cambridge Cambridge University Press 1994 p 212-236BUrnet John - early greek Philosophy new York Meridian Books 1957CALoGero Guido - studi sullrsquo eleatismo rome tipografia del Senato 1932CHAteAUBrIAnD oswaldo - The Truth of Thoughts Variations on Fregean Themes In GreIMAnn Dirk (ed) grazer Philosophische studien essays on Fregersquos Conception of Truth n 75 v 1 2007 p 119-215____________ - Logical Forms Campinas UnicampCLe 2005DIeLS H amp krAnZ W - die Fragmente der Vorsokratiker 3 vols Berlin Weidmann 1974DUMMet Michael - Frege Philosophy of Language new Work Harper amp row 1973FerreIrA Fernando - On the Parmenidean Misconception In Philosophiegeschichte und logische analyse 2 1999 p 37-49FrAumlnkeL Herman - studies in Parmenides In Allen r e and Furley D J - studies in Presocratic Philosophy The eleatic and Pluralist London routledge amp kegan Paul 1975 p 1-46FreGe Gottlob - Investigaccedilotildees Loacutegicas e outros ensaios org trad e notas de Paulo Alcoforado In Cadernos de Traduccedilatildeo n 7 Satildeo Paulo USP 2001____________ - Begriffsschrift trad por P t Geach In Translations from the Philosophical Writings of gottlob Frege edited by Geach P and Black M oxford Blackwell 1960____________ - sobre o sentido e a Referecircncia In Loacutegica e Filosofia da Linguagem Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 59-86FUrtH Montgomery - elements of eleatic Ontology In IrWIn terence (ed) - Philosophy Before socrates new York Garland Publishing 1995 p 263-284GUtHrIe W k C - a History of greek Philosophy 6 vols Cambridge Cambridge University Press 1977-1981HAVeLoCk eric - The greek Concept of Justice From its shadow in Homer to Its substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HUGUenIn rafael - sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides In siacutentese ndash Revista de Filosofia v 36 n 115 2009 p 197-218IGLeSIAS Maura - a Relaccedilatildeo entre o natildeo ser como negativo e o natildeo ser como Falso no sofista de Platatildeo In O que nos faz pensar n 11 v 2 1997 p 5-44MeIXner Uwe - From Plato to Frege Paradigms of Predication in the History of Ideas In Metaphysica International Journal for Ontology and Metaphysics n 10 2009 p 199-214

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MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

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pensamento Se quiseacutessemos no entanto estabelecer uma comparaccedilatildeo vis-agrave-vis entre Parmecircnides e Frege deveriacuteamos dizer que no anuacutencio da via positiva em B2 os usos do verbo ser tecircm a funccedilatildeo natildeo apenas de indicar uma dada conexatildeo imutaacutevel e eterna de dois elementos em uma dada predicaccedilatildeo cientiacutefica ou filosoacutefica (o pensamento) mas tambeacutem a de indicar que esta conexatildeo em termos parmeniacutedicos ldquoacompanha a verdaderdquo (ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ B24) ou seja que ela eacute o caso (a asserccedilatildeo) em sugestotildees para a Interpretaccedilatildeo do Poema de Parmecircnides sustentamos que o verbo ser exercia justamente a funccedilatildeo de introduzir assertividade indicando de modo mais objetivo claro e fixo a ligaccedilatildeo entre os dois elementos da predicaccedilatildeo como se a via da verdade conduzisse do plano do pensamento para o plano do objetivo

conclusatildeo

talvez existam mais diferenccedilas do que semelhanccedilas entre Parmecircnides e Frege entre o poema sobre a natureza e as Investigaccedilotildees Loacutegicas em vista do objetivo visado pelo presente artigo no entanto apenas uma semelhanccedila justifica a abordagem aqui proposta Ambos os filoacutesofos se caracterizam pela objetividade que orienta os seus meacutetodos e propoacutesitos Quando falamos em objetividade natildeo estamos nos preocupando apenas com a plausibilidade ou a coerecircncia de uma teoria ou de um relato mas principalmente com a verdade destes relatos e teorias entre estas duas coisas fazemos uma espeacutecie de transiccedilatildeo para um plano mais objetivo em sentido e Referecircncia Frege sustenta que ldquoem todo juiacutezo ndash mesmo o mais evidente ndash o passo do plano dos pensamentos para o plano das referecircncias (do objetivo) jaacute foi dadordquo36 ou seja quando julgamentos satildeo formulados e asseridos fazemos uma passagem do niacutevel do pensamento (sentido) para o niacutevel do objetivo (referecircncia) uma vez que um julgamento natildeo consiste apenas na compreensatildeo do que eacute veiculado pelo pensamento mas em sua aceitaccedilatildeo ou acolhimento como pensamentos verdadeiros Mesmo que seja inviaacutevel extrair estas distinccedilotildees do poema de Parmecircnides podemos ao menos sustentar com seguranccedila que quando Parmecircnides sustenta que o que ldquoeacuterdquo deve ser encarado como algo eterno imutaacutevel e assim por diante ele estaacute iniciando uma via filosoacutefica que conduziraacute ateacute Frege

36 FregeGottlobSobre o Sentido e a Referecircncia(1892)InLoacutegica e Filosofia da LinguagemSatildeoPauloCultrix197869

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referecircncias bibliograacuteficas

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MoUreLAtoS Alexander - The Route of Parmenides Las Vegas Parmenides Publishing 2008____________ - some alternatives in Interpreting Parmenides In The Monist v 62 1979 p 111-132oWen G e L - Plato and Parmenides on the Timeless Present In Logic science and dialetic Ithaca nY Cornell University Press 1986 p 27-44rYLe Gilbert - expressotildees sistematicamente enganadoras In ensaios (Coleccedilatildeo Os Pensadores) trad Balthazar Barbosa Filho Satildeo Paulo Abril Cultural 1975VLAStoS Gregory - Introduction In Plato I a Collection of Critical essays Metaphysics and epistemology notre Dame University of notre Dame 1978

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referecircncias bibliograacuteficas

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