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Junho 2012 | N°4 | ISSN 2179-2275 Parque Linear Fiat Lux Desenho de Eduardo Pizarro Parques lineares na cidade de São Paulo

Parques lineares - USP · Green Infrastructure Project in the River Basin of Judas creek, São Paulo – SP, Brazil Marcos Silverio ANÁLISE DO PROJETO PARQUE LINEAR DO CÓRREGO DO

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Junho 2012 | N°4 | ISSN 2179-2275

Parque Linear Fiat LuxDesenho de Eduardo Pizarro

Parques linearesna cidade de São Paulo

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REVISTA LABVERDEV. I - Nº 4

LABVERDE - Laboratório VERDEFAUUSP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

da Universidade de São Paulo

JUNHO 2012ISSN 2179-2275

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Ficha Catalográfica

Serviço de Biblioteca e Informação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

Revista LABVERDE, V.I, N° 4

LABVERDE- Laboratório Verde

Rua do Lago, 876 - Cidade Universitária, Bairro do Butantã

CEP: 05508-900 São Paulo-SP

Tel: (11) 3091-4535

Capa: Mariana Oshima Menegon

Desenho: Eduardo Pizarro

e-mail: [email protected]

Home page: www.usp.br/fau/depprojeto/revistalabverde

REVISTA LABVERDE/ Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urba-

nismo. Departamento de Projeto. LABVERDE- Laboratório Verde – v.1, n.4 (2012)- .

– São Paulo: FAUUSP, 2012 –

Semestral

v.: cm.

v.1, n.4, jun. 2012

ISSN: 2179-2275

1. Arquitetura – Periódicos 2. Planejamento Ambiental 3. Desenho Ambiental 4. Sus-

tentabilidade I. Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Departamento de Projeto. LABVERDE. II. Título

CDD 712

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nº 04 | São Paulo, Junho de 2012

Revista LABVERDEJunho - 2012ISSN: 2179-2275

Universidade de São PauloJoão Grandino Rodas (Reitor)Hélio Nogueira da Cruz (Vice-Reitor)

Faculdade de Arquitetura e UrbanismoMarcelo de Andrade Romero (Diretor)Maria Cristina da Silva Leme (Vice-Diretora)

Editor ResponsávelMaria de Assunção Ribeiro Franco

Comissão EditorialDenise DuarteMárcia Peinado AlucciMaria de Assunção Ribeiro FrancoPaulo Renato Mesquita PellegrinoSaide Kahtouni

Conselho EditorialCatharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima (FAUUSP)Cecília Polacow Herzog (FAUUFRJ)Denise Duarte (FAUUSP)Demóstenes Ferreira da Silva Filho (ESALQ)Eduardo de Jesus Rodrigues (FAUUUSP)Eugenio Fernandes Queiroga (FAUUSP)Euler Sandeville Júnior (FAUUSP)Fábio Mariz Gonçalves (FAUUSP)Giovanna Teixeira Damis Vital (UFU)

Helena Aparecida Ayoub Silva (FAUUSP)José Carlos Ferreira (UNL-Portugal)João Reis Machado (UNL-Portugal)João Sette Whitaker (FAUUSP)Larissa Leite Tosetti (ESALQ)Lourdes Zunino Rosa (FAUUFRJ)Marcelo de Andrade Romero (FAUUSP)Márcia Peinado Alucci (FAUUSP)Maria Ângela Faggin Pereira Leite (FAUUSP)Maria Cecília França Lourenço (FAUUSP)Maria de Assunção Ribeiro Franco (FAUUSP)Maria de Lourdes Pereira Fonseca (UFABC)Miranda M. E. Martinelli Magnoli (FAUUSP)Paulo Renato Mesquita Pellegrino (FAUUSP)Saide Kahtouni (FAUUFRJ)Silvio Soares Macedo (FAUUSP)Vladimir Bartalini (FAUUSP)

ColaboradoresAntonio FrancoOscar Utescher

Desenvolvimento de webEdson MouraMariana Oshima Menegon

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Revista LABVERDE

SUMÁRIO

1. EDITORIAL

Maria de Assunção Ribeiro Franco

2. ARTIGOS

ANÁLISE DA COBERTURA ARBÓREA, FRAGMENTOS E CONEXÕES NO DISTRITO DE SÃO DOMINGOS (SÃO PAULO, BRASIL)Analysis of the tree cover, fragments and connections in São Domingos district (São Paulo, Brazil)Léa Yamaguchi Dobbert e Sabrina Mieko Viana

APLICAÇÃO DO DESENHO AMBIENTAL PARA A BACIA DO CÓRREGO DAS CORUJAS: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES NA IMPLANTAÇÃO DE UM PARQUE LINEARApplication of environmental design for Corujas Creek basin: potential and limitations for a linear park implementationEduardo Mendes de Oliveira, Mariana Corrêa Soares e Ramon Stock Bonzi

RESERVA LEGAL ÀS MARGENS DE CURSO D’ÁGUA NAS CIDADES BRASILEIRAS: PRESERVAÇÃO E PROTEÇÃO DE UM ECOSSISTEMALegal Reserve on the banks of watercourse in Brazilian cities: preservation and protection of an ecosystemSaulo Ferraz Alves Medeiros

PARQUE LINEAR DO SAPÉ: O DESCOMPASSO ENTRE CONSCIÊNCIA E AÇÃOSapé Linear Park: the gap between awareness and actionEduardo Pimentel Pizarro e Suzana Sanches Lino

PARQUE LINEAR DO CANIVETE SOB UMA PERSPECTIVA DO DESENHO AMBIENTALCanivete Linear Park under a perspective of Environmental DesignGiorgia Yoshiko Rossignolo Suzumura

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nº 04 | São Paulo, Junho de 2012

IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS UNIDADES PAISAGÍSTICAS NO SUBDISTRITO DO BUTANTÃIdentification and evaluation of landscape units in Butantã subdistrict Ana Cristina Gaspar

INFRAESTRUTURA VERDE: APLICABILIDADE DO CONCEITO NO BAIRRO CITY AMÉRICA, SÃO PAULO – SP, BRASILGreen infrastructure: applicability of the concept in City America neighborhood, São Paulo – SP, BrazilClaudete Gebara J. Callegaro

PROJETO DE INFRAESTRUTURA VERDE NA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO JUDAS, SÃO PAULO, SPGreen Infrastructure Project in the River Basin of Judas creek, São Paulo – SP, BrazilMarcos Silverio

ANÁLISE DO PROJETO PARQUE LINEAR DO CÓRREGO DO BISPOAnalysis of the Bispo Creek Linear Park ProjectIsménia Andrade e Natacha Ferreira

NATUREZA E SOCIEDADE: NOVOS URBANISMOS E UM VELHO DILEMANature and Society: new urbanisms and an old dilemmaJosé Otávio Lotufo

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Revista LABVERDE

3. ENTREVISTAS

ROSÉLIA MIKIE IKEDAParques Lineares na Cidade de São Paulo

4. DEPOIMENTOS

PAULO RENATO MESQUITA PELLEGRINOUma máquina trituradora de projetos: a experiência de reurbanização de uma praça pública

5. COMUNICADOS

Normas para Apresentação de Trabalhos

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1. EDITORIAL

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Revista LABVERDE

EDITORIAL

Este número traz o resultado da experiência didático-pedagógica de produção de ar-tigos científicos, realizada pelo LABVERDE junto à disciplina de Pós-Graduação da FAU-USP, a AUP-5853 Desenho Ambiental, no correr do primeiro semestre de 2012. Os alunos da disciplina, agrupados em quatro equipes, foram motivados a pesquisar sobre temas como: “Parques Lineares na Cidade de São Paulo”, sua legislação de apoio, inserção em bacias hidrográficas e estudos das tipologias de áreas verdes presentes em seus entornos. Para tanto foram realizadas atividades como aulas teó-ricas sobre Desenho Ambiental e temas propostos, visitas a campo e seminários de: leituras programadas; apresentações de propostas de pesquisa; resumo de artigos, produzidos individualmente ou em grupo e, finalmente, a apresentação de propostas de Planejamento e Desenho Ambiental para os Parques Lineares em foco.

Como áreas de estudo principais foram escolhidos: dois parques, na Zona Norte, jun-to à fronteira do Parque Estadual da Cantareira (Bairro Cachoeirinha), um parque na zona Noroeste, na bacia do córrego Fiat-Lux (Bairro City América), dois parques na Zona Oeste, um na bacia do córrego das Corujas (Bairro de Pinheiros) e o outro no baixo curso do Ribeirão Pirajuçara (Bairro do Butantã, junto à Cidade Universitária).

A Revista LABVERDE Nº 04 foi, portanto, dedicada a esse esforço didático-pedagógi-co reunindo ao todo dez artigos: sendo oito deles discorrendo sobre os temas propos-tos no início das atividades da disciplina; um artigo sobre um estudo de “unidades de paisagem”, feito no Bairro do Butantã pela aluna Ana Cristina Gaspar; e outro sobre a polêmica que atualmente movimenta inúmeras discussões nas escolas de arquitetura americanas, lideradas pela Universidade de Harvard, que é a do impasse entre as linhas teóricas sobre intervenções urbanas denominadas - “Novo Urbanismo” e “Lan-dscape Urbanismo”, de autoria do arquiteto e doutorando José Otávio Lotufo.

A Revista traz também o depoimento do Professor Paulo Pellegrino, pesquisador in-tegrante do LABVERDE, sobre uma das facetas do exercício da atividade profissional da Arquitetura Paisagística em nossa sociedade, na atualidade, tendo por referência a recente intervenção paisagística na reforma da Praça Dolores Ibarruri, junto ao cór-rego das Corujas, trabalho de sua autoria em parceria com a arquiteta paisagista Elza Niero.

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A entrevista deste número foi realizada junto à arquiteta Rosélia Mikie Ikeda, diretora do DEPLAN (Departamento de Planejamento Ambiental), da SVMA (Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura da Cidade de São Paulo), também sobre o tema - “Parques Lineares na Cidade de São Paulo”- pelos alunos integrantes do LABVER-DE: Eduardo Mendes de Oliveira, Mariana Corrêa Soares e Ramon Stock Bonzi.

A home do site e a capa da Revista LABVERDE Nº 04, trazem imagens de uma das propostas apresentadas no último seminário da disciplina AUP-5853 Desenho Am-biental, de autoria do grupo de alunos que pesquisou sobre a bacia do Córrego Fiat Lux: Claudete Callegaro, Eduardo Pizarro, Léa Dobbert, Sabrina Mieko e Saulo Me-deiros. A mesma proposta também foi apresentada no Encontro da Área de Paisagem e Ambiente, do Curso de Pós-Graduação da FAU-USP, ocorrida no dia 20 de junho último, na FAU-Vila Penteado.

Desejo a todos uma boa leitura!

Maria de Assunção Ribeiro FrancoEditora da Revista Labverde

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2. ARTIGOS

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ARTIGO Nº1ANÁLISE DA COBERTURA ARBÓREA, FRAGMENTOS E CONEXÕES NO

DISTRITO SÃO DOMINGOS (SÃO PAULO, BRASIL)Analysis of the tree cover, fragments and connections in São Domingos district

(São Paulo, Brazil)Léa Yamaguchi Dobbert e Sabrina Mieko Viana

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ANÁLISE DA COBERTURA ARBÓREA, FRAGMENTOS E CONEXÕES NO DISTRITO SÃO DOMINGOS (SÃO PAULO, BRASIL)

Léa Yamaguchi Dobbert1 e Sabrina Mieko Viana2

1 Arquiteta, doutoranda em Recursos Florestais pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”

da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: [email protected]

2 Bióloga, doutoranda em Recursos Florestais pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”

da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: [email protected]

Resumo

O crescimento desordenado das áreas urbanas, decorrente da especulação imobiliá-ria e da falta de um planejamento que leve em conta a dinâmica dos ecossistemas, é um dos maiores fatores que levam à fragmentação dos habitats naturais. Consideran-do a conectividade dos ambientes como importante fator para a melhoria da qualidade ambiental local ao promover o aumento da resiliência do ecossistema urbano, esta pesquisa teve como principal objetivo traçar um diagnóstico do uso e ocupação do solo, com ênfase na vegetação arbórea, assim como possibilidades de conexão entre fragmentos florestais, em especial os Parques Cidade de Toronto e São Domingos, no distrito de São Domingos, SP. O método utilizado baseou-se no uso de fotointerpre-tação, a partir de imagens de satélite do ano de 2007, onde foram detectadas áreas já existentes e potenciais para uso como redes de conexão entre as grandes áreas vegetadas no tecido urbano da área de estudo. Concluímos que a conexão entre os fragmentos existentes na área em estudo permitirá a construção de uma grande rede favorecendo considerável aumento da biodiversidade. Além disso, a metodologia aqui utilizada poderá ser adotada em projetos destinados ao traçado de estratégias para interligação da vegetação no tecido urbano.

Palavras-chave: Floresta urbana, Resiliência urbana, Conectividade, Corredores verdes

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nº 04 | São Paulo, Junho de 2012

ANALYSIS OF THE TREE COVER, FRAGMENTS AND CONNECTIONS IN SÃO DOMINGOS DISTRICT (SÃO PAULO, BRAZIL)

Abstract

The disorderly growth of urban areas, due to speculation and lack of planning that takes into account the dynamics of ecosystems, is one of the biggest factors that lead to fragmentation of natural habitats. In regard to the connectivity of the environment, an important factor for improving local environmental quality by promoting the increa-sed resilience of the urban ecosystem, this study aimed to map out a diagnosis of the use and occupation of land, with an emphasis on vegetation, as well as possibilities connection between forest fragments, especially the City of Toronto and São Domin-gos Parks, in São Domingos District, SP. The method used in this research was based on photointerpretation, from satellite images of 2007, where we founded existing and potential areas for a network connection between the large vegetated areas in the urban fabric in our study area. We conclude that, the connection between the existing fragments will allow the construction of a large network favoring considerable increa-se biodiversity. Furthermore, the methodology used here can be adopted in projects aimed at tracing strategies for interconnection of vegetation in another urban areas.

Keywords: Urban forest, Urban resilience, Connectivity, Green corridors

INTRODUÇÃO

Os sistemas urbanos, classificados como heterotróficos por consumirem uma grande quantidade de recursos, superando em muito a capacidade de suporte do ambiente, são considerados como um dos principais responsáveis pela produção de uma grande pegada ecológica na matriz das paisagens agrícolas e naturais (ODUM e BARRET, 2008). A complexidade desses sistemas desafia aqueles que buscam compreendê-los e propor soluções para os graves problemas gerados pela própria lógica da ocupação do espaço urbano e a subversão das forças naturais (SPIRN, 1995).

As rápidas mudanças ocorridas na ocupação das cidades, quase sempre pensadas somente em nível local e voltadas para a estética, sem a preocupação ou o conheci-mento sobre o funcionamento dos ecossistemas, são uma das grandes responsáveis

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pela perda de biodiversidade, fragmentação dos habitats e, por fim, pela diminuição ou perda de serviços ecossistêmicos (COLDING, 2007).

Em estudo sobre a melhoria da biodiversidade e da resiliência, Colding (2007) sugere o princípio da Complementação Ecológica do Uso do Solo (CEUS), no qual diferentes manchas verdes urbanas são agrupadas de forma a interagirem de forma sinérgica na promoção da biodiversidade. Com base nessa premissa, o alargamento dos habitats e a promoção da biodiversidade nas cidades poderiam ser alcançados com o arranjo espacial de vários tipos de manchas de verde urbano, próximas umas das outras, en-volvendo, inclusive, o uso de quintais, jardins e ruas bem arborizadas, por conterem, muitas vezes, elevada biodiversidade.

A crescente urbanização e o consequente desaparecimento da vegetação nativa e de animais, aliados à crise de energia e à degradação do meio ambiente, levaram-nos a uma reflexão sobre as relações entre o homem e o meio ambiente: as relações ecoló-gicas e os modos de sobrevivência (HOUGH, 1989). O traçado urbano do pós-guerra, ao criar paisagens que valorizam o automóvel em detrimento dos pedestres, demons-tra a força mercantilista e o ideal das rodovias.

A desnaturalização da paisagem imposta por uma sociedade alienada dos valores ambientais contribuiu para a perda da singularidade da paisagem urbana, reduzin-do sua história, tornando- a homogênea (MENDOZA, 2004). Nesse sentido, Michael Hough (1989) busca traçar um novo desenho da cidade visando torná-la mais sau-dável, na medida em que promove a convivência de maneira sustentável entre o ser humano e outras formas de vida.

A paisagem urbana, detentora de grande potencial econômico e tecnológico, continua a se render à pressão do mercado imobiliário. A falta de um planejamento que leve em conta a dinâmica dos ecossistemas representa um agravante para a fragmentação dos habitats naturais e a consequente perda de resiliência ambiental.

Nesse contexto, uma nova abordagem do planejamento ambiental, fundamentada na elaboração de cenários ambientais, é proposta por Franco (2001). Na perspectiva da autora, os cenários seriam a “projeção de uma situação futura, para o meio ambiente, tendo em vista a solução de um problema ou a melhora de uma condição presente indesejável ou insatisfatória.”

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Faz-se necessário, portanto, que as cidades adotem outra forma de desenvolvimento com sustentabilidade visando à redução da crescente pressão exercida sobre seu es-paço físico. Com o intuito de apresentar propostas para minimizar os efeitos nocivos da urbanização e sugerir conexões entre fragmentos de áreas verdes, Frischenbruder e Pelegrino (2006) realizaram uma pesquisa em algumas cidades da região sudeste do Brasil. Nesse estudo, os autores analisaram diversas áreas de acordo com seu potencial a fim de propor a implantação de greenways (caminhos verdes) em áreas urbanas como uma estratégia para promover a sustentabilidade do meio ambiente.

Alguns atributos chave dos greenways, apontados por Ahern (1995), referem-se à sua configuração linear, sua multifuncionalidade e ao seu potencial de sustentabilidade do meio ambiente na medida em que concilia o uso social da paisagem e a preservação do ambiente natural. Amorim (2011), em estudo realizado na cidade de São Paulo, com o auxilio de técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto, também prioriza áreas potenciais para se tornarem corredores verdes, com intuito de melhorar a qualidade ambiental dentro da malha urbana.

É importante, quando se avaliam soluções para o espaço urbano, como a de implanta-ção de caminhos verdes, destacar o papel da vegetação como um fator termorregula-dor do microclima, pois contribui de forma considerável no controle da radiação solar, na temperatura, na umidade do ar, na ação dos ventos e das chuvas e inclusive na me-lhoria da qualidade do ar, ao amenizar sua poluição (MASCARÓ e MASCARÓ, 2009).

A preocupação com aspectos ambientais nas cidades é, sem dúvida, crescente. En-tretanto a dificuldade de se estabelecerem critérios e padrões para avaliação de áreas verdes, de forma quanti-qualitativa, bem como de se avaliar a relação dessas áreas com sua população, observando sua distribuição em áreas urbanas, motiva a busca por novas formas de se analisar a qualidade do desenho urbano, inclusive da floresta urbana (SILVA FILHO, 2005).

O estudo aqui apresentado propõe um olhar para paisagem baseado no uso do solo, sua cobertura vegetal e os fenômenos da atividade humana que, de forma direta ou indireta, interferem no meio ambiente.

O principal objetivo desta pesquisa é analisar o espaço ocupado na região do bairro Parque São Domingos (São Paulo, Brasil) e traçar alternativas e soluções que prio-

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Revista LABVERDE

rizem a interligação de fragmentos florestais com uso de corredores verdes urbanos, em áreas potenciais de forma a melhorar a qualidade ambiental da região e a resili-ência urbana.

MATERIAIS E MÉTODOS

Área de estudo

A área selecionada para este estudo está localizada na zona Noroeste da cidade de São Paulo e sua delimitação englobou parte da área dos bairros Parque São Domin-gos e City América, contido entre as microbacias do córrego Fiat Lux e Cintra, de forma a englobar dois importantes parques da região, o Cidade de Toronto e o São Domingos (Figuras 1 e 2). Ao todo a área analisada possui 2,58 km2.

Figura 1: Área de estudo com indicação das principais vias do entorno e hidrografia.

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Figura 2: Área de estudo, com destaque para os parques Cidade de Toronto e São Domingos

O histórico de ocupação do distrito Parque São Domingos remonta a meados do sé-culo XIX, quando a área pertencia à fazenda do Coronel Anastácio de Freitas Tranco-so, posteriormente comprada pelo Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar e sua esposa, a Marquesa de Santos. Já em 1917, a fazenda foi comprada pela empresa Armour frigoríficos e loteada a partir da década de 1950 pelas empresas Novo Mundo Investi-mentos e Cia. City (PMSP, 2012a).

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A região é caracterizada por ser compostas predominantemente de bairros residen-ciais de alto padrão (City América) em sua porção mais próxima ao Parque Cidade de Toronto, e de classe média nos mais próximos da área do Parque São Domingos e Avenida do Anastácio. Nesta última localização concentram-se as áreas de serviços e comércio da região. A proximidade com duas das principais saídas da capital rumo ao interior paulista, a rodovia dos Bandeirantes ao leste e Anhanguera ao sul/sudoeste é também pontos marcantes da área de estudo. A porção sudeste é limitada principal-mente pelo Rio Tietê e suas vias marginais.

Os principais e maiores parques são o Cidade de Toronto, adjacente à rodovia dos Bandeirantes e o São Domingos ao centro da área de estudo. O primeiro possui apro-ximadamente 110.000m2 e conforme Archangeletti (1993), seu projeto nasceu a partir de um programa de cooperação técnica entre profissionais brasileiros e canadenses, cujo projeto foi desenvolvido em 1989.

O parque está em terreno predominantemente inclinado, em uma área remanescente do loteamento City America, anteriormente degradada por atividades de mineração (Archangeletti, 1993). O projeto possui como característica marcante a construção de paisagens canadenses, com a inserção de espécies nativas daquele país e o wadding pool, típico de parques canadenses. A presença de áreas de brejo e seus bancos de macrófitas aquáticas emersas à montante e à jusante do lago alimentado pelo Córre-go do Fiat Lux também, existentes antes da implantação do parque foram mantidos e desempenham importante papel na manutenção da fauna, especialmente de aves.

O parque São Domingos, cuja instalação data do ano de 1980, originou-se de uma área remanescente do plano de arruamento da região datado de 1953, que era utili-zado pela população como campo de futebol (PMSP, 2012b). O parque é composto de 80.000 m2, composto por área de lazer com mesas, campo de futebol, vôlei, anfite-atros e bosque com espécies nativas e exóticas, referido como importante abrigo de avifauna (PMSP, 2012b).

Análise do uso e ocupação do solo

Para quantificação, qualificação e análise espacial dos componentes de uso e ocu-pação do solo realizou-se um mapeamento do uso e ocupação dos solos, na região selecionada, por meio de fotointerpretação (FITZ, 2008). Para tanto, foram utilizadas

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imagens de altíssima resolução espacial do software Google Earth Pro, advindas do satélite Geoeye-1, coletadas em dezembro de 2007. O trabalho de vetorização das diferentes classes de uso e ocupação do solo foi transferido e realizado em ambiente SIG, com escala de trabalho de 1:1.000, que eventualmente foi ampliada para locali-zação de detalhes.

Uma vez que o foco deste trabalho é a vegetação e áreas com potencial para forma-ção de corredores ou redes interligando entre maciços arbóreos, foram levantadas três classes de uso e ocupação do solo: copas de árvores, vegetação herbácea e solo exposto. Adicionalmente também foram demarcadas as principais vias da região (Rodovia dos Bandeirantes, Anhanguera e Avenida do Anastácio) e pela importância ecológica, também foram levantados os corpos d´água (lagos e córregos) e as áreas de brejo.

Para confecção dos mapas utilizados neste estudo foram utilizados como referência dados obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010) para os limites da área urbana e rodovias, enquanto os dados referentes à hidrografia forneci-dos pela Agência Nacional de Águas – ANA (2010)

Também foram realizadas 3 visitas de campo em entre os meses de maio e abril de 2012 para registro fotográfico, análise do local e seus principais parques, assim como para a conferência dos alvos analisados nas imagens de satélite.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De toda área analisada, 0,44km2 é coberta com copas de árvores, o que corresponde a 16,96% da região selecionada. As classes de vegetação herbácea e solo exposto ocupam respectivamente 0,78 km2 e 0,06 km2. As porcentagens obtidas são apresen-tadas na Figura 3.

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Revista LABVERDE

Figura 3: Porcentagens de ocupação das classes copa de árvores, relvado e solo exposto no trecho

selecionado do Distrito Parque são Domingos.

Segundo Oke (1973 apud LOMBARDO, 1985) para se obter um balanço térmico ade-quado nas áreas urbanas, seria necessário no mínimo uma porcentagem de 30% de cobertura vegetal, valor este, superior ao encontrado neste estudo. Entretanto, alguns estudos chamam a atenção de que os valores “ideais” de cobertura arbórea devem ser ajustados de forma específica de cidade para cidade e deveriam ser estipulados somente após uma avaliação do que já existe na área, do tipo de ocupação (zona residencial, industrial, comercial) e até mesmo o tipo de vegetação pré-existente (NO-WAK, 1996).

Por exemplo, para os Estados Unidos, a American Forests (2011) considera metas diferenciadas por zonas de ocupação (residenciais suburbanas, urbanas e distritos financeiros/comerciais) e também por região do país. Para as áreas metropolitanas do Mississippi e ao noroeste na costa do Pacífico, a maior porcentagem de cobertura é destinada para as áreas residenciais (50%) sendo recomendada a porcentagem mé-dia na soma de todas as zonas em 40%. Já para as áreas metropolitanas ao sudeste e ao oeste (regiões mais secas) a meta é estipulada em 25% na média geral e 35% para áreas residenciais. Para o Brasil ainda não são conhecidos estudos que avaliem esta necessidade, levando em conta as especificidades dos nossos biomas, bem distintos daqueles do Hemisfério Norte.

Além dos valores absolutos, a distribuição da cobertura arbórea e os arranjos dentro da área em questão também devem ser observados, pois isso interfere na qualidade

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da cobertura arbórea, se considerarmos, por exemplo, o grau de isolamento ou conec-tividade entre as manchas.

Na figura 4 é apresentado o mapa temático gerado pela fotointerpretação da área, onde são mostradas as classes de uso e ocupação de solo considerado neste estudo. Á partir desta imagem em conjunto com as visitas em campo, foram analisadas as áreas existentes e potenciais para ampliação da cobertura arbórea, além das possibi-lidades de conexão entre estas.

Com relação as áreas com potencial para ampliação da cobertura arbórea, verificou-se a porcentagem de 30,51% de áreas classificadas como “relvado” (vegetação não arbó-rea), com contribuição mais significativa de uma área de da antiga sede da Fazenda Anastácio e das faixas na borda da rodovia. Dentre as maiores manchas de vegetação arbórea, em área privada, destaca-se onde outrora funcionou a sede da empresa de fertilizantes Manah, com 56.700 m2 de cobertura arbórea (Figuras 5, 6 e 7).

Em visita a campo, contatou-se que a área da antiga Fazenda do Anastácio, com aproximadamente 140.000m2, que contribui com aproximadamente 17,74% do total obtido para a classe relvado, está abandonada há longo período de tempo. O pré-dio existente hoje dentro da área foi construído na década de 1920 e já serviu como hospedaria, local de treinamento de cavalos e clube de lazer para funcionários do frigorífico Armour (PATARRA, 2012). Esta área apresenta grande potencial para re-qualificação, com incremento de vegetação nativa, promovendo a biodiversidade e o maior equilíbrio do ecossistema, e até mesmo como centro integrado para atividades culturais, educativas e de lazer para a população local, com ênfase na preservação de uma parte importante da história do bairro. Entretanto, segundo notícias veiculadas em fevereiro de 2012 (PATARRA, 2012), a construção ainda estaria em processo de tombamento, e a área onde a mesma se encontra, teria sido vendida a uma incorpo-radora americana, que tem planos erguer um shopping e vários prédios residenciais no terreno.

Observou-se também que na região delimitada entre a Avenida Anastácio e a rodovia dos Bandeirantes, que compreende boa parte do bairro de alto padrão City América, há maior quantidade de áreas permeáveis (relvado e solos expostos), provavelmente terrenos ainda aguardando valorização do mercado para posterior venda. Olhando a oeste da Avenida Anastácio, a quantidade de áreas livres é bem menor, assim como de áreas com cobertura arbórea significativa, à exceção do Parque São Domingos.

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Figura 4: Mapa temático do trecho estudado no Distrito São Domingos.

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Figura 5: Localização das áreas da antiga sede da Fazenda Anastácio e antiga sede da empresa de

fertilizantes Manah.

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Figuras 6 e 7: Antiga sede da fazenda Anastácio, defronte o Parque Cidade de Toronto e trecho da área

pertencente à antiga sede da empresa de fertilizantes Manah, em frente a Avenida Anastácio. Fonte:

Sabrina Mieko Viana, 2012.

A análise do mapa temático também possibilitou verificar, ao menos na escala de tra-balho desta fotointerpretação, que a quantidade de quintais com cobertura arbórea na região é escasso. Como forma de melhorar a cobertura arbórea e as possibilidades de formação de uma rede de corredores, poderiam ser estimulados os plantios, principal-mente de espécies frutíferas, nestes quintais e jardins, levando em conta a diversida-de da avifauna que já vive nas áreas dos Parques São Domingos e Cidade de Toronto. De acordo com Melles et al. (2003) o tamanho dos fragmentos observados dentro das áreas urbanas exercem grande influência na diversidade da avifauna, assim como a presença de fontes de água (rios, lagos, córregos) e a presença de quintais com es-pécies frutíferas, que acabam exercendo papel importante complementar para manu-tenção das aves e sua diversidade nas cidades. Além dos quintais, outra possibilidade a ser considerada são as pequenas praças existentes na área (figura 8), algumas já bem enriquecidas com vegetação e que poderiam ser multiplicadas em algumas das áreas vazias disponíveis, principalmente naquelas oeste da Avenida do Anastácio.

Outro ponto relevante da região em termos ecológicos é a presença de áreas alagá-veis, brejos ou wetlands no entorno do lago do Parque Cidade de Toronto, cuja fun-ção ecológica demonstra-se como importante na biodiversidade local (BRAGION et al. 2010). Estas áreas úmidas são elementos enriquecedores do ambiente, e por se tratar de um ecótono, ou seja, uma região de interação entre um ambiente aquático e terrestre e que, portanto, abriga organismos das comunidades em sobreposição, mais aqueles que são restritos ao ambiente do ecótono (ESTEVES, 1998; ODUM e BARRET, 2008).

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Por fim, como regiões com maior potencial para interligação das manchas de vege-tação arbórea, tanto das existentes como potenciais, está a arborização viária e os caminhos dos Córregos Fiat Lux e São Domingos, cujas principais possibilidades de corredores são traçadas na Figura 9.

Dentre os principais corredores já existentes identificados, estão aqueles na Avenida Anastácio, que praticamente já se conecta com a área da Manah, e da Avenida Char-les de Gaulle que se aproxima mais do Parque São Domingos. Outro grande trecho seria a faixa que ladeia a Rodovia dos Bandeirantes, correspondente ao curso do Cór-rego Fiat Lux, que hoje é corre parte de seu trajeto em galerias ocultas sob grandes faixas de área verde, muitas com acesso dificultado ao público. Há ainda uma quarta possibilidade, que não está totalmente englobada na área desta pesquisa e que mere-ceria uma análise mais aprofundada por outros estudos, que é faixa de identificada na classe relvado, sob uma linha de alta tensão, facilmente identificada na região acima das áreas da Manah e Parque São Domingos. Entre estes grandes eixos sugere-se a extensão e interligação entre eles e as massas de vegetação por ruas menores, com ênfase na arborização viária e a presença nas laterais mais próximas de quintais e pequenas praças.

Figura 8: Exemplo de pequena praça

no bairro City América, do lado leste

da Avenida Anastácio. Fonte: Sabrina

Mieko Viana, 2012.

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Figura 9: Traçado de áreas potenciais para se tornarem corredores verdes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos resultados indica que a região já possui uma cobertura arbórea razo-ável, comparada a outras regiões da cidade, muito em função da presença de dois parques próximos uns dos outros e a presença de áreas particulares, uma já com vegetação exuberante e bem desenvolvida e outra com potencial para tal. A configura-ção das calçadas no entrono, permite que a arborização viária seja privilegiada como área para formação de corredores interligando estes fragmentos entre si e ampliando assim algumas funções ecológicas locais, como ampliação de locais para abrigo e alimentação da fauna – em especial a de aves.

Dada a importância dos quintais e jardins arborizados, especialmente com espécies frutíferas, pode também servir como estratégia para ampliar algumas das funções dos corredores, aumentando assim a resiliência naquela área. Esta mesma estratégia também poderia ser adotada em pequenas praças, algumas já existentes no local es-tudado e também com a criação de mais algumas delas nos terrenos disponíveis, prin-cipalmente no lado oeste da Avenida do Anastácio onde há menor cobertura arbórea.

Com a conexão dos fragmentos existentes, aliada à arborização de áreas ociosas pode-se elevar consideravelmente a biodiversidade, construindo assim uma grande rede espalhada por todo bairro.

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ARTIGO Nº2APLICAÇÃO DO DESENHO AMBIENTAL PARA A BACIA DO CÓRREGO DAS CORUJAS: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES NA IMPLANTAÇÃO DE UM

PARQUE LINEARApplication of environmental design for Corujas Creek basin: potential and

limitations for a linear park implementationEduardo Mendes de Oliveira, Mariana Corrêa Soares e Ramon Stock Bonzi

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APLICAÇÃO DO DESENHO AMBIENTAL PARA A BACIA DO CÓRREGO DAS CORUJAS: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES NA IMPLANTAÇÃO DE UM

PARQUE LINEAR

Eduardo Mendes de Oliveira1, Mariana Corrêa2 Soares e Ramon Stock Bonzi3

1 Arquiteto na Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA) da cidade de São Paulo,

membro da Câmara Técnica de Legislação Urbanística (CTLU) da Prefeitura de São Paulo e

especialista em conforto ambiental pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected]

2 Arquiteta paisagista, consultora em planejamento ambiental, graduada pela Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP) e mestranda em Paisagem e

Ambiente na pós graduação da FAUUSP. E-mail: [email protected]

3 Jardineiro paisagista, professor de jardinagem, especialista em meio ambiente e sociedade pela

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) e mestrando na FAUUSP. Email:

[email protected]

Resumo

A partir da contextualização sobre a necessidade de novos paradigmas de planeja-mento urbano capazes de conciliar a ocupação humana com a conservação das bases biofísicas dos territórios são apresentados dois arcabouços teóricos nesse sentido: o Desenho Ambiental e a Infraestrutura Verde. Estuda-se a aplicação dessas ideias em uma área densamente urbanizada: a bacia hidrográfica do Córrego das Corujas, na zona Oeste da cidade de São Paulo. Da análise da situação atual desse curso d’água são apontadas as limitações e as potencialidades paisagísticas e urbanísticas de seu entorno, chegando-se a diretrizes capazes de incrementar a presença do Córrego das Corujas na paisagem urbana. Discorre-se ainda sobre os serviços socioambientais decorrentes de possíveis intervenções ao longo de seu traçado, notadamente, a cria-ção de parques lineares e corredores verdes.

Palavras-chave: Desenho Ambiental, Infraestrutura verde, Parques Lineares, Córre-go das Corujas, Drenagem urbana.

APPLICATION OF ENVIRONMENTAL DESIGN FOR THE CORUJAS WApplication

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APPLICATION OF ENVIRONMENTAL DESIGN FOR CORUJAS CREEK BASIN: POTENTIAL AND LIMITATIONS FOR A LINEAR PARK IMPLEMENTATION

Abstract

From the context of the need for new paradigms of urban planning capable of reconcil-ing human occupation and the conservation of the biophysical bases of the territories are presented two theoretical frameworks in this regard: the Environmental Design and Green Infrastructure. This study presents the application of these ideas in a densely urbanized area: the basin of the Corujas Creek, on the western zone of Sao Paulo city. The analysis of the current situation of this stream are pointed out the limitations and potential of urbanism and landscape of its surroundings, coming to guidelines can increase the presence of the Corujas Creek in the urban landscape. It also talks about the social and environmental services related to possible interventions along its route, notably the creation of linear parks and greenways.

Key words: Environmental Design, Green Infrastructure, Linear Parks, the Corujas Creek, urban drainage.

INTRODUÇÃO

A questão ambiental tem conseguido ganhar espaço na cidade de São Paulo, graças à pressão da população e da sociedade civil organizada, resultando em um nítido mo-vimento de valorização do verde.

No entanto, ainda parece prevalecer a ideia da cidade dissociada da natureza, um equívoco como nos ensinam autores como Spirn (1995), Hough (1998) e McHarg (2000). Fruto do processo histórico de “ruptura progressiva entre o homem e o entor-no” (Santos, 1994, p. 05), a dicotomia homem/natureza revela-se com muita clareza na relação que nós, habitantes de São Paulo, estabelecemos com os nossos rios. Como afirma Bartalini, “o poder público tem uma tradição de desprezo aos rios, canali-zando-os e ocupando as áreas de várzea” (2009). Já a população comumente associa os corpos d’água a aspectos negativos como esgoto e inundações (2006).

Estas concepções de mundo penetraram também a esfera tecnocientífica, como pode

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ser observado no pouco valor que as práticas projetuais e de planeamento urbano costumam conferir aos suportes físicos dos territórios.

As consequências são evidentes: a pequena importância conferida à topografia, hi-drografia, geologia e vegetação durante a ocupação do território está fortemente liga-da a problemas atuais como inundações, deslizamentos, ilhas de calor, baixa umidade do ar, altos níveis de ozônio e poluição atmosférica, entre outros.

Ademais, neste cenário de “emergência socioambiental” (Veiga, 2007, p. 10), o se-tor de construção civil tem sido cada vez mais recriminado por sua baixa eficiência energética, consumo exacerbado de recursos naturais e alta emissão de CO2. Enten-demos que é questão de tempo para que os ambientes construídos, e não mais os combustíveis fósseis, sejam considerados os grandes vilões do meio ambiente1.

É neste complexo contexto que o Desenho Ambiental e a Infraestrutura Verde sina-lizam com ideias e conceitos que, ao reconhecer as potencialidades e as limitações colocadas pelas bases físicas dos territórios, são capazes de conectar pessoas, es-paços livres e a(s) natureza(s) nas cidades, ajudando assim na construção de uma sociedade mais “sustentável”.

DESENHO AMBIENTAL

Franco (1997) explica que a expressão Desenho Ambiental remete a “Environmental Design” e “exprime uma intenção de projeto que transcende as questões estéticas, culturais e funcionais de que trata o paisagismo” (p. 10).

O início dessa escola pode ser rastreado até o pós-segunda guerra, quando a dimen-são da crise ambiental desencadeou uma “nova linha de trabalho para os arquitetos paisagistas, baseado na visão ecológica do mundo”. (ibid, p.31).

1 Basta lembrar a narração de abertura da série de documentários E2 Series, da PBS, exibida

no Brasil pela Management TV: “They use 40% of the world’s energy, emit 50% of its greenhouse

gases. “They” are not the cars we drive. “They” are the buildings where we work, live, and grow.

Buildings designed with an unconscious disregard for nature. Adopting sustainable alternatives is not

only a matter of progress, it’s a matter of survival”.

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Seus fundadores são os arquitetos Ian L. McHarg e L. Halprin. Ao comentar sobre a importância do seminal Design with Nature, de McHarg, Magalhães afirma que o livro, com seu método de sobreposição de mapas temáticos (layer cake), ainda é uma refe-rência para o ordenamento do território:

McHarg começa por fazer o inventário ecológico da área de estudo, através de factores que considera indicadores representativos dos processos naturais. Em função destes factores, determina a capa-cidade intrínseca do território para a implantação das actividades humanas. (...) Esta capacidade era representada em cartas especí-ficas para cada uso (...) A integração das diversas cartas de aptidão era realizada a partir de uma matriz de incompatibilidades dos vários usos do solo considerados, dando origem a uma carta síntese que informava sobre a aptidão do solo aos vários tipos de atividade, (...) incluindo os usos múltiplos possíveis. (2001, p. 261)

Como podemos observar, McHarg incorporou ao planejamento urbano uma nova di-mensão: a ecológica. Com isso, o Desenho Ambiental inseriu a ideia de processo nas práticas de projeto e de planejamento, conforme explica Franco:

O Desenho Ambiental pressupõe o conceito ecossistêmico em que a ação antrópica esteja incluída, bem como a idéia de nega-entropia inserida na ciclagem dos recursos, na preservação e na conserva-ção ambientais. Isso no plano sócio-cultural se traduz pela otimi-zação dos recursos energéticos e participação comunitária, tanto no processo da criação das propostas para o ambiente quanto no monitoramento na gestão destas na fase posterior, ou pós-projeto (uso e avaliação pós-ocupação). (1997, p.11)

Vale destacar que nessa verdadeira revolução do planejamento urbano e regional (Franco, 1997, p. 32), McHarg conferiu lugar de destaque para o papel das bacias hidrográficas.

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INFRAESTRUTURA VERDE

Emergindo da base teórica da Ecologia da Paisagem, o termo Infraestrutura Verde surge em meados dos anos 90 (Firehock, 2010, p.01) como “uma maneira de reco-nhecer e aproveitar os serviços que a natureza pode realizar no ambiente urbano” (Cormier & Pellegrino, 2008).

Segundo Ferreira e Machado (2010) a infra-estrutura verde é definida por uma rede de áreas naturais e áreas abertas (open spaces) fundamentais para o funcionamento ecológico do território, contribuindo para a preservação dos ecossistemas naturais, da vida selvagem, para a qualidade do ar e da água e para a qualidade de vida dos cidadãos. (p. 69)

Além de evidenciar que o paisagismo pode ser mais que o mero embelezamento das cidades, a Infraestrutura Verde é dotada de grande potencial educacional uma vez que suas tipologias emulam ou evidenciam os processos da natureza. Ao aceitarmos a afirmação de Hough (1998) de que “fazer visíveis os processos é um componente essencial da consciência ambiental e uma base necessária para a ação” (p. 30), a Infraestrutura Verde desponta, ainda, como potencialmente motivadora de profundas mudanças sociais.

Segundo Cormier e Pellegrino (2008, p. 139) “os projetos de infra-estrutura verde po-dem ser os trabalhos mais duradouros de nosso tempo, se pudermos conectá-los às pessoas”.

Franco problematiza o conceito ao apontar que Infraestrutura Verde “significa diferen-tes coisas dependendo do contexto no qual ele é empregado” (2010, p. 141). Para a autora, no Planejamento e Desenho Ambiental a Infraestrutura Verde pode ser enten-dida como uma rede interconectada de áreas verdes naturais e outros espaços aber-tos que conservam valores e funções ecológicas, sustentam ar e água limpos e ampla variedade de benefícios para as pessoas e a vida selvagem que deverão nortear as ações de planejamento e desenvolvimento territoriais que deve garantir a existência dos processos vivos no presente e no futuro. (ibid)

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Benedict e McMahon chamam a atenção de que a infraestrutura verde também abar-ca elementos naturais que não se restringem à vegetação: “Os sistemas naturais pro-tegidos por uma rede de infraestrutura verde não são todos verdes. Rios e córregos são elementos críticos de quase todos os sistemas de Infraestrutura Verde” (2006, p. 14, tradução nossa)2.

A ÁREA DE ESTUDO

Nascendo próximo ao chamado espigão da Avenida Paulista, na zona oeste da cida-de de São Paulo, o Córrego das Corujas separa os bairros de Vila Madalena e Vila Beatriz, e, à jusante estabelece a fronteira entre Pinheiros e Alto de Pinheiros. Após percorrer cerca de 2.800 metros, o Corujas deságua no Rio Pinheiros.

A região circunscrita por sua bacia hidrográfica é caracterizada por baixa verticaliza-ção, vias arborizadas, calçamento irregular, topografia por vezes acidentada, sobre-tudo nas imediações da Avenida Heitor Penteado. De perfil residencial, o “Vale das Corujas” é habitado, majoritariamente, pela classe média alta.

2 “Moreover, the natural systems protected by a green infrastructure network are not all green.

Rivers and streams are critical elements of almost any green infrastructure system.”

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Figuras 1, 2 e 3: Umidade constante em muro de contenção e bica improvisada em escadaria da Rua

Orós sinalizam região da nascente.

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O Córrego das Corujas foi retificado na década de 40, pouco depois da Companhia City começar o arruamento para o loteamento do Alto de Pinheiros, em 19373. Hoje se encontra totalmente tamponado, exceto em um pequeno trecho em que o ribeirão “banha” a Praça Dolores Ibarruri e o recém-inaugurado Parque das Corujas, parque linear contíguo, de 2.000 m², entregue pela subprefeitura de Pinheiros em dezembro de 2011.

Figuras 4, 5 e 6: córrego inicia sua jornada canalizado sob o canteiro central na Avenida das Corujas,

para se revelar na Praça Dolores Ibarruri.

3 Informação disponível em: < http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/

subprefeituras/pinheiros/historico/index.php?p=472>. Acesso em 26 de abril de 2012.

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A Praça Dolores Ibarruri, uma área de 24.000 m² mais conhecida como Praça das Corujas, tem sido frequentemente considerada referência para projetos paisagísticos, seja por conta da presença de elementos da chamada Infraestrutura Verde para a drenagem urbana, seja pela participação da comunidade, conforme relata Martins:

Em 2006, de modo a revitalizar a área, tornando-a mais movimen-tada e segura, um conjunto de moradores do entorno imediato da praça se reuniram em busca de propostas para um novo projeto que transformasse a área em um espaço recreativo agradável para a população do bairro, ao mesmo tempo em que resolvesse questões com relação à poluição do córrego canalizado e aos problemas de inundações e drenagem pluvial do perímetro de intervenção. (2012, p. 29).

Embora apresente alguns problemas, como veremos mais adiante, a Praça das Co-rujas é sem dúvida um marco na transição do manejo das águas pluviais em São Paulo, um sinal de que o higienismo do século XX pode estar com seus dias contados. Conforme apurou Martins, após a revitalização da praça em 2009 e 2010, ocasião em que ganhou elementos de infraestrutura verde, houve diminuição nos episódios de alagamento junto à Rua Pascoal Vita (p.59). Além disso, segundo moradores da área e visitantes frequentes da praça, o projeto paisagístico parece ter se tornado um local agradável e atrativo, de uso intenso para passeio de adultos, crianças e seus animais de estimação. (...) Todos concordam que a praça tornou-se referencial no bairro, fa-cilitou o convívio e o passeio na área e valorizou de modo substancial as casas da região. (ibid) .

Nas visitas de campo foi possível confirmar as impressões de Martins de que os usu-ários da Praça estão muito satisfeitos com ela.

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Figuras 7, 8 e 9: piso drenante e biovaletas - elementos de infraestrutura verde presentes na Praça

Dolores Ibarruri.

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Na área de estudo também é possível identificar outro elemento que desempenha um papel fundamental na superação do modelo higienista4 de drenagem urbana, embora, paradoxalmente, ainda opere em sua lógica: o Programa Córrego Limpo, ação conjun-ta do Governo de São Paulo, Prefeitura e Sabesp com vistas a sanear 300 córregos no município de São Paulo.

Sobre a qualidade da água que o programa pretende alcançar, Travassos explica que a meta referencial para os rios é relativa à classe 3 da resolução 357 do Conama, uma água que possa ser convertida em potável a partir de um tratamento simples. (...) Esse padrão possibilita também a recreação, a irrigação e a pesca, uma vez que exige a ausência de substâncias tóxicas na água. (2010, p. 137).

Evidentemente, águas nessas condições possibilitam que projetos de parques linea-res não se limitem a mostrar seus rios e córregos – o que já não deixa de ser um feito notável – mas também possibilita que as águas se tornem elementos passíveis de uso, contribuindo para a efetiva (e afetiva) apropriação desses espaços pela popula-ção.

Em dezembro de 2011 o Programa deu como concluída a sua intervenção no Córrego das Corujas, em seu montante trecho a céu aberto (Avenida Corujas até Rua Romeu Perroti)5. No entanto, em visita a campo, foi registrado (fig.11) o que parecia ser des-pejo de esgoto no trecho em que o ribeirão corre a céu aberto, junto no Parque das Corujas.

4 Franco (1997, p. 78) explica que “o movimento higienista desde suas origens (fins do séc.

XVIII), valeu-se da ‘teoria dos meios’. Esta insistia em que os males eram advindos da estagnação de

todo o tipo – água, lixo e homens. Dessa forma a circulação transformou-se na palavra de ordem da

engenharia sanitária”. Isso permite entender porque, aparentemente, todo o sistema de drenagem de

São Paulo parece ter sido pensado de modo a fazer a água ‘sumir’ o mais rapidamente possível de

nossa vista.

5 Segundo o site <http://www.corregolimpo.com.br/corregolimpo/areas_despoluidas/areas_

despoluidas.asp>. Acessado em 26 de abril de 2012.

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Figura 10: o recém-inaugurado Parque das Corujas.

Figura 11: córrego limpo?

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PARQUES LINEARES – CORREDORES VERDES

A criação de espaços verdes públicos, consubstanciados naquilo que a literatura cha-ma de caminhos verdes6, originalmente “greenways”, atende adequadamente à dupla função de criar áreas que atendam a demandas urbanas, mas que possam conviver com cheias periódicas.

Do ponto de vista histórico, os projetos de Olmsted são considerados precursores da prática dos caminhos verdes, assim como os de Howard, com sua teoria de cidades jardim.

Apesar da manutenção do termo historicamente construído e sobre o qual se encontra uma vasta bibliografia conceitual e empírica, recentemente o conceito universal de ca-minhos verdes evoluiu desta ideia para a de corredores verdes e, mais recentemente ainda, passa a integrar uma nova categoria, a infraestrutura verde7. No Brasil, segun-do Travassos (2010), dá-se o nome de parques lineares às áreas verdes lindeiras aos rios ou a outras estruturas lineares nos espaços urbanos, ou corredores ecológicos, quando no âmbito regional e fora de malhas urbanas.

No município de São Paulo, a partir de uma “pesquisa e análise de aplicação de ins-trumentos em planejamento urbano ambiental” 8, que define e conceitua as tipologias do Sistema de Espaços Livres e Áreas Verdes – SELAV, os órgãos responsáveis da

6 Os “greenways”, na literatura chamados de caminhos verdes, segundo Ahern (1995), podem

ser conceituados como redes de terrenos que contem elementos planejados, desenhados e geridos

para múltiplos objetivos, inclusos ai o ecológico, o recreacional, o cultural, o estético, entre outros.

7 “Conceito emergente de planejamento e desenho principalmente estruturado por uma rede

híbrida hidrológica e de drenagem, completando e ligando áreas verdes existentes com infraestrutura

construída, fornecendo funções ecológicas”. (AHERN, 2008, apud INVERDE, 2010.)

8 O Departamento de Parques e Áreas Verdes – DEPAVE, da Secretaria Municipal do Verde

e Meio Ambiente (SVMA) solicitou ao Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LabHab) uma pesquisa

que define o Sistema de Espaços Livres e Áreas Verdes _ SELAV_ como o conjunto dos espaços

públicos ou particulares vegetados, considerados de interesse público para o satisfatório cumprimento

de finalidades paisagísticas, ecológico-ambientais, funcionais, produtivas, de lazer e práticas de

sociabilidade. A pesquisa define, as possíveis tipologias e parâmetros para as áreas verdes urbanas.

Estabelece ainda as finalidades de cada uma delas para o município de São Paulo.

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prefeitura, admitem como definição de caminho verde, “área verde linear associada ao tráfego de pedestres” (p.21) Assim, por definição, no município, o termo caminhos verdes passa a designar as calçadas devidamente arborizadas, com larguras defini-das pelo Programa Calçadas Verdes, desde que sejam permeáveis em, pelo menos, 60% das suas áreas.

Ainda de acordo com o SELAV, o termo parque linear, designa “o parque linear da rede hídrica, que é área verde associada à rede hídrica” (p.16). Os objetivos dos parques lineares são: proteger ou recuperar os ecossistemas lindeiros aos cursos e corpos d’água, conectar áreas verdes e espaços livres de um modo geral, controlar enchentes e prover áreas verdes para o lazer.

O presente artigo adota, a partir deste ponto, para caminhos verdes e parques lineares as definições do SELAV e para se referir de forma genérica às áreas verdes urbanas que tenham como característica espacial principal a linearidade e que formem redes criando vínculos e conexões em escalas diversas, utilizará a terminação corredores verdes.

Admite que redes de corredores verdes são espaços livres lineares que ligam grandes áreas não lineares ou grandes manchas de espaços naturais, constituindo sistemas de espaços, planejados, projetados e geridos para diversas finalidades, incluindo ob-jetivos ecológicos, recreativos, culturais, estéticos e produtivos, compatíveis com o conceito de sustentabilidade. (Ferreira, Machado, 2010)

Uma contribuição relevante à classificação dos “greenways”, aqui denominados cor-redores verdes, é proposta por Ahern (1995). O autor discorre acerca de algumas ideias-chave importantes para a compreensão do conceito e suas possíveis classifi-cações da mesma forma que embasam as perspectivas discutidas no presente artigo: que os corredores verdes têm como característica espacial principal a linearidade; que a rede criada por esses caminhos deve criar vínculos e conexões espaciais em várias escalas; que são predominantemente multifuncionais; que a estratégia de pla-nejamento deve levar em conta as questões ambientais e econômicas (o autor não cita as questões sociais a não ser que estejam compreendidas nas ambientais, mas vale ressaltar que são relevantes para o presente artigo); e que os corredores verdes devem ser considerados como um complemento do planejamento físico e de paisa-gem, e não como seu substituto. (Ahern apud Travassos, 2010)

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Na busca por uma adequação aos novos paradigmas propostos pelo planejamento ambiental urbano, o parque linear9 constitui a principal estratégia de intervenção do Programa de Recuperação Ambiental de Cursos d’Água e Fundos de Vale e o princi-pal elemento da Rede Hídrica Estrutural, estabelecidos no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo – PDE. (São Paulo, 2002.)

A partir da introdução, contextualização e das definições acima esclarecidas, a ques-tão que se coloca é a cerca do desafio que representa a aplicação prática dos con-ceitos abordados em um córrego localizado em meio a uma ocupação urbana densa, regular e bem consolidada e que detém a maior parte do seu curso canalizado e tamponado. Há trechos do córrego onde não se tem nem mesmo vestígios de sua passagem, posto que a ocupação deu-se de modo indiferente às limitações e poten-cialidades do sítio natural original da micro bacia em estudo.

MOBILIDADE URBANA

Sob uma ótica histórica, Searns (1995) estabelece três gerações de “greenways”10, a primeira geração tem início antes do século 16 e vai até a década de 1960 e está intimamente vinculada à questão do patrimônio. Na segunda geração, entre a década de 1960 e 1985, a ênfase dos projetos de “greenways” era trazer a natureza para a cidade, mas também uma resposta à demanda de rotas não motorizadas, como al-ternativa à dominação do transporte individual, o automóvel. A terceira geração que permanece até hoje passou a compreender usos múltiplos em seus objetivos e tornou a questão ambiental praticamente obrigatória no equacionamento dos projetos urba-nos. (Travassos, 2010)

A classificação de Searns evidencia em que período a demanda pela circulação não motorizada tornou-se imperativa. Hoje, esta possibilidade está diretamente associada à qualidade de vida que uma cidade pode garantir aos seus habitantes.

9 Entenda-se pelo termo parque linear aqui utilizado, a definição do SELAV acima descrita.

10 “Greenways” aqui se refere ao termo geral historicamente construído, neste artigo traduzido

por corredor verde.

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Em São Paulo as peculiaridades do desenho urbano, propiciam a existência de con-sideráveis extensões de terra, de sobras do traçado viário, de propriedade pública ou particular, sem destinação. Segundo Pereira Leite (2011), a proposição de uma alter-nativa viável de deslocamento que não negue, mas reduza o impacto ambiental do sistema viário no desenho e planejamento urbano é condição para desonerar áreas atualmente comprometidas com a circulação de veículos e impedidas de desempe-nhar funções ambientais e sociais. Calçadas largas (com caminhos verdes) viabilizan-do um sistema contínuo de circulação de pedestres e, onde haja a possibilidade, de ciclovias que respondam aos excessos do sistema viário e da engenharia de tráfego integram uma proposta de modernização que não se propõe apenas a adotar novas e efêmeras formas e conceitos de espaço público, mas que limita o uso do automóvel como principal força motriz do desenho da cidade. (Pereira Leite, 2011. p. 169)

PROJETOS INSTALADOS NA ÁREA

A Praça Dolores Ibarruri foi revitalizada nos anos de 2009 e 2010. Com projeto dos ar-quitetos Paulo Pellegrino e Elza Niero e estudo hidrológico realizado por professores do departamento de hidráulica da POLI-USP, a praça foi pensada para receber uma série de intervenções da chamada infraestrutura verde a fim proporcionar a retenção e infiltração local de águas pluviais e o retardamento do escoamento superficial. Trata-se de uma estratégia para evitar sobrecargas nas galerias de águas pluviais, cada vez mais pressionadas pelo processo de impermeabilização da cidade, mas que não se limita a isso: além de ajudar no controle às enchentes, as tipologias de infraestrutura verde também desempenham outras funções tais como conforto ambiental, suporte à biodiversidade e notadamente a redução da poluição difusa das águas por meio da vegetação.

Conforme levantado por Martins (2012), o projeto original sofreu uma série de modifi-cações. Essas comprometem parcialmente a eficiência da infraestrutura verde implan-tada o que tem por consequência final o prejuízo do usuário da praça.

O projeto original previa as seguintes intervenções ligadas às funções de drenagem:

◊ a captação das águas da chuva vindas das ruas próximas seria conduzida por meio de biovaletas para lagoas pluviais, conectadas ao Córrego das Co-rujas por meio de vertedouros e gabião para os episódios de extravasamento.

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◊ pavimento permeável assentados em colchões drenantes.

◊ plantio de forrações e arbustos nos taludes do córrego, a fim de promover contenção e ‘renaturalização’.

Figura 12: projeto executivo de drenagem. Fonte: arquitetos do projeto.

Figura 13: projeto paisagístico executivo. Fonte: Arquitetos do projeto.

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Martins relata que “empecilhos não possibilitaram que a construção integral do projeto executivo fosse conduzida como especificado pelos arquitetos e engenheiros contra-tados” (p. 43).

Em relação às obras relacionadas a funções de drenagem, Martins identificou as se-guintes mudanças:

◊ parte das biovaletas foram concretadas.

◊ as lagoas pluviais não foram executadas.

◊ modificações nos pisos drenantes.

◊ instalação de valetas convencionais não previstas no projeto.

◊ espécies vegetais previstas em projeto não foram plantadas ou foram subs-tituídas por outras.

◊ não foram feitas as alterações em calçadas a fim de direcionar a água da rua para as biovaletas.

Figura 14: projeto paisagístico as-built. Fonte: Martins (2012).

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Durante visita a campo foi possível observar alguns problemas que parecem direta-mente ligados à não observação do projeto original:

Figura 15: assoreamento do córrego. Figura 16: solapamento com exposição da armação.

Figura 17: devido à falta de vegetação adequada, pisos estão frequentemente cheios de terra trazidos

pelas águas das chuvas.

Especialmente reveladora foi uma visita a campo durante a forte chuva do dia 12 de abril de 2012, quando a estação pluviométrica junto à ponte da Cidade Universitária registrou a queda de 41,60 mm entre as 16h45 e as 21h25 (informações do SAISP – Sistema de Alertas a Inundações de São Paulo).

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Foi possível entender com clareza o caminho das águas e identificar os impactos que a alteração imposta ao projeto original infligiu sobre a Praça Dolores Ibarruri.

Em um primeiro momento, saltou aos olhos a rapidez com que o nível do Córrego das Corujas subiu da sua habitual lâmina d’água que não ultrapassa os 20 cm para mais de 2 metros de altura. Em questão de 15 minutos, a água já extrapolava o canal, car-regando vegetação, terra, sedimentos – e lixo – das margens.

Figuras 18 e 19: lâmina d´água típica (foto de 03 de abril de 2012) e durante a chuva de 12 de abril

de 2012.

A ausência das lagoas pluviais previstas em projeto aliada à concretagem de biova-letas aumentaram o escoamento superficial, acelerando-o até. O resultado pode ser observado no claro processo de erosão nas margens do córrego. Esta evidencia ain-da a importância do plantio de vegetação às margens.

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Figuras 20, 21 e 22: erosão de talude e velocidade da água nas ‘biovaletas’ concretadas.

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Constatou-se, ainda, que as galerias de águas pluviais estão sobrecarregadas, o que foi possível observar pelo refluxo dos bueiros. Em um deles a pressão da água foi tão forte que deslocou sua pesada tampa.

Figuras 23 e 24: sinais claros de que as galerias de águas pluviais estão sobrecarregadas.

Identificou-se também a necessidade de se repensar a calha do córrego. Além da já relatada altura que a água atingiu rapidamente, que por muito pouco não se sobre-pôs à ponte da Rua Pascoal Vita, foi possível observar no começo da chuva que a velocidade do curso d’água no trecho em que o córrego recebeu muro de gabião é visivelmente menor do que no trecho em que o córrego foi concretado. Além da re-dução da velocidade, muros de gabião possuem a vantagem de aceitar vegetação, notadamente as que surgem espontaneamente, incrementando assim a capacidade de resiliência da praça.

Figuras 25 e 26: nível máximo do rio durante a chuva e alguns minutos antes de seu pico.

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Figura 27: projeto apresentado pela subprefeitura de Pinheiros. Fonte: Associação Toca das Corujas

Vila Beatriz. Disponível em < http://atcvb.blogspot.com.br/>. Acessado em 04/05/2012.

O Parque das Corujas, concluído em janeiro de 2012, foi concebido a partir da deman-da de uma associação de moradores da Vila Beatriz11 e teve como objetivo o uso de uma gleba remanescente, na qual o córrego permanecia a céu aberto. Gleba esta que constituía uma das “sobras” de terrenos produzidas pela lógica da ocupação urbana que até então tinha os córregos como obstáculos ou incômodos à expansão urbana.

O projeto do parque contempla usos múltiplos em seus objetivos: a melhoria da drena-gem, evitando que as casas do entorno sofressem com enchentes nas fortes chuvas e o uso para lazer e circulação não motorizada da gleba remanescente, até então de-gradada e com aspecto de abandono. Trata-se de uma gleba estreita e que se esten-de ao longo de cerca de 160m do curso d’água, a jusante da Praça Dolores Ibarruri.

11 Associação Toca das Corujas Vila Beatriz.

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Na instalação do parque foi construído ao longo do córrego um caminho adequado às normas de acessibilidade universal e uma calha de gabião. Em visita à área durante a forte chuva do dia 12 de abril de 2012 foi perceptível a redução da velocidade da en-xurrada em função do gabião, se comparado ao trecho em que a calha é de concreto. Notou-se, ainda, um aparente melhor dimensionamento da calha do córrego que não extrapolou seus limites, diferente do que se observava no trecho do mesmo córrego na Praça Dolores Ibarruri, a montante do parque, onde a calha do córrego aparenta ser mais estreita. O parque contempla ainda alguns equipamentos de uma Academia da Terceira Idade – ATI e possui três acessos que levam a diferentes ruas do entorno.

Um item do parque que se destaca negativamente é a falta de arborização de modo a dar continuidade ao potencial corredor verde ao longo do curso d’água. Outro aspecto negativo do ponto de vista da drenagem urbana é que o caminho de pedestres foi construído com piso impermeável enquanto poderia garantir a percolação das chuvas. No gramado ao longo do caminho, até o presente momento, encontram-se apenas em um pequeno trecho palmáceas arbustivas e exóticas e uma mangueira, ambas previamente existentes no local.

Figuras 28 e 29: o passeio de pedestres de piso impermeável e a falta de arborização do Parque

das Corujas.

CÓRREGO DAS CORUJAS: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES

A jusante do parque o córrego apresenta-se canalizado e tamponado em toda a sua extensão, até a chegada ao Rio Pinheiros. Na maior parte do seu curso, percorre gale-rias sob o sistema viário, mas em duas localidades específicas - no trecho subsequen-te ao parque, sob o restante da quadra, e após o sacolão da Rua Isabel de Castela – percorre galerias subterrâneas intraquadra. Neste último trecho, encontra-se sob o

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pátio de estacionamento descoberto de um conjunto de prédios. Vale destacar que o estacionamento é de piso impermeável e apresenta um canteiro central sobre um trecho parcial do córrego. Em levantamento cadastral dos terrenos realizado na pre-sente pesquisa, constatou-se a propriedade privada dos lotes sob os quais o córrego foi canalizado nesses trechos.

A partir desse ponto, segue sob ruas até chegar na Rua Frederico Herman Junior, a qual percorre sob um canteiro central por toda a sua extensão – de aproximadamente 650m.

Os córregos tamponados são ocultados na já consolidada densa malha urbana da ci-dade. Da forma como discorre Bartalini (2011), eles tornam-se impedidos de se apre-sentar plenamente no mundo dos fenômenos visíveis e as marcas de sua presença tornam-se indiretas e muitas vezes imperceptíveis.

No Córrego das Corujas não é diferente. Assim, a reflexão que se propõe parte dos novos paradigmas do planejamento ambiental urbano, e indaga acerca de uma pos-sível releitura do Córrego.

Não se propõe uma restauração ecológica propriamente dita, pois é notável que na densa malha urbana em que se encontra o córrego não haveria espaço nem con-dições para tamanha alteração em um meio com suas características naturais tão modificadas. Sabe-se, no entanto, que há outras formas de se resgatar a memória do córrego, mais adequadas à situação em que se encontra.

Travassos (2010) conceitua técnicas a cerca das quais se ancora a reflexão aqui in-tencionada ao citar uma prática que pode ser considerada de restauração e que tem ganhado adeptos ao redor do mundo, o “daylightining” (Pinkham, 2000; 2002) ou “tra-zer à luz”. “As atividades relacionadas a essa prática abarcam desde tirar de galerias fechadas rios que estavam canalizados, recuperando-os em diversas gradações, até a simples indicação de que sob determinada rua passa um rio”.

Esta última estratégia é explorada de maneira até mesmo poética por Bartalini em seu trabalho sobre os córregos ocultos, o qual inspira parte da reflexão aqui proposta.

A concepção deste trabalho teve início com visitas a campo nas quais o córrego em estudo foi percorrido em sua totalidade. Assim, foi identificada a área de suas nascen-

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tes e investigados seus vestígios até a chegada ao seu trecho a céu aberto. Foram observados e analisados os projetos já implantados nos trechos em que o córrego encontra-se aberto, ainda que canalizado e então, rastreando seus vestígios, foi loca-lizado e às vezes deduzido o restante do seu percurso oculto.

Figura 30: a bacia hidrográfica e o Córrego das Corujas com fotos ilustrando as diversas situações em

que se encontra.

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A partir dessa investigação pretende-se propor uma reflexão a cerca da possibilidade de abrir o córrego nos trechos em que a operação se torna possível sem o prejuízo do entorno construído, ou mesmo do sistema viário já consolidado, e de revelar visu-almente sua passagem nos trechos em que se mostre menos viável o destampona-mento.

De acordo com Bartalini, “o córrego oculto, para comparecer na paisagem, não exi-giria nem o literal vir à tona (...) na leitura dos seus vestígios / imagens. Já plenas de significados, essas imagens, ao integrarem as inúmeras paisagens possíveis, provo-cam a recorrência do córrego.” (Bartalini, 2011, p.179)

Do ponto de vista biótico, indaga-se a cerca da possibilidade de se fazer um corre-dor verde ao longo de todo o curso d’água. Isso poderia se dar na forma de parques lineares nos trechos da Praça Dolores Ibarruri e do Parque das Corujas, na possível reabertura do córrego no canteiro central da Rua Frederico Herman Junior somado à uma arborização adequada de seu entorno direto neste trecho. No restante do seu percurso, através de uma intervenção capaz de revelar aos olhos a passagem do córrego, a arborização das calçadas e a constituição de um percurso adequado à cir-culação não motorizada.

Desta forma, o Córrego das Corujas seria inserido na rede de percursos e corredores verdes já contemplada no atual Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, de acordo com a análise a seguir.

IMPACTO AMBIENTAL

Segundo Sánchez (2008), Impacto Ambiental é a diferença entre a provável situação futura de um indicador ambiental e sua situação presente, ou seja, a alteração de um determinado aspecto de qualidade ambiental através da implantação de um projeto.

A avaliação da qualidade ambiental parte sempre do Diagnóstico Ambiental que reúne indicadores do meio físico, do meio biótico e do meio sócio-econômico.

No âmbito de projetos que visem a recuperação ambiental da Bacia do Córrego da Corujas, pode-se tomar como referência três momentos distintos para se avaliar o impacto ambiental nos padrões de qualidade ambiental local.

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O primeiro momento diz respeito à situação anterior à implantação do Parque das Corujas e da reformulação da Praça Dolores Ibarruri. O segundo momento representa a situação atual. E o terceiro momento uma situação futura hipotética que contemple outras medidas de recuperação do córrego.

Antes da implantação do Parque das Corujas e da reformulação da Praça Dolores Ibarruri, a bacia do Córrego das Corujas apresentava uma situação muito semelhante à de diversos córregos da cidade de São Paulo localizados em meio à malha urba-na consolidada, cuja função principal é de drenagem urbana e de recebimento de esgoto. As primeiras, e mais significativas, alterações em sua situação natural foram a retificação e canalização do córrego, que ocorreram a partir da década de 40, e o recebimento de detritos e esgotos através do sistema de drenagem e de esgotos, que ocorreram gradativamente através da ocupação urbana.

Tais medidas levaram a impactos ambientais negativos significantes nos meios físico, biótico e sócio-econômico.

Em termos físicos, a retificação e a canalização do córrego acarretou em um dese-quilíbrio hidrológico na sub-bacia do Córrego das Corujas e tal impacto, associado a medidas semelhantes em outros córregos e rios da cidade, ocasionou uma alteração permanente de grande magnitude na Bacia do Rio Pinheiros. O resultado mais sig-nificativo desta ação é a ocorrência de alagamentos em diversos pontos. Já o lança-mento de detritos, carreados pelo sistema de drenagem, e o lançamento de esgotos resultaram em açoreamento e perda da qualidade das águas.

Em se tratando do meio biótico, as medidas tomadas ao longo da segunda metade do séc. XX, levaram à perda da vegetação ciliar do córrego e ao comprometimento da diversidade biológica associada não apenas às matas ciliares, mas também aos organismos presentes na águas antes próprias para o habitat de diversas espécies e agora comprometidas pelo lançamento de diversas substâncias poluentes.

Com relação à situação social e econômica da população do entorno, considera-se que em um primeiro momento, a retificação do córrego levou a uma valorização da região que permitiu o desenvolvimento de loteamentos que valorizaram economica-mente a área através da possibilidade da ocupação de meandros, que antes não permitiam a ocupação devido à geometria do curso d’água e ao regime hidrológico. Entretanto, posteriormente, percebeu-se que a alteração passou a ocasionar alaga-

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mentos em diversos locais, fator que ocasiona desvalorização. Da mesma forma, o abandono de áreas verdes remanescentes, pela população e pelo poder público, le-vou ao aumento de ocorrências policiais na área, conforme relato de moradores. As-sociados, estes fatores tendem a ocasionar impacto negativo tanto em termos sociais como econômicos.

Num segundo momento, através da implantação do Parque das Corujas e da refor-mulação da Praça Dolores Ibarruri, houve uma melhora significativa em termos de qualidade ambiental já que a implantação dos dois projetos por pressão da sociedade civil local organizada levou não apenas à revitalização de áreas verdes abandonadas pelo poder público, mas também à inclusão de um trecho do córrego no programa Córrego Limpo, da Sabesp. A inclusão no programa da Sabesp buscou a melhoria da qualidade da água do curso d’água, através identificação e eliminação de pontos de lançamento de esgoto clandestino no sistema de drenagem que deságua no córrego. Hoje, apesar ainda a presença de lançamento de substâncias poluentes nas águas do Córrego das Corujas, é possível encontrar peixes de pequeno porte e outras espécies que retornaram ao curso d’água.

Da mesma forma, o projeto de revitalização da Praça Dolores Ibarruri, reivindicação de associações de moradores da região, teve por meta a recuperação da capacidade hidráulica do córrego, a adoção de medidas não convencionais de drenagem urbana e a implantação de caminhos e equipamentos para uso público. A implantação do projeto levou a melhorias no meio físico através da diminuição de enchentes, ao meio biótico através de um novo projeto paisagístico que se focou na utilização de espé-cies da flora nativa, e a melhorias sociais e econômicas decorrentes do aumento da segurança local ocasionado pela apropriação dos espaços livres pela população que os utiliza para lazer.

Em consequência da reformulação da Praça Dolores Ibarruri, a Subprefeitura de Pi-nheiros atendeu a solicitação das associações de bairro para a implantação do Par-que das Corujas. Apesar de contar com dimensões bem mais modestas que a Praça Dolores Ibarruri, o projeto do parque buscou os mesmos resultados obtidos no outro projeto.

Em conjunto, a implantação do Programa do Córrego Limpo e a execução dos proje-tos do Parque das Corujas e da nova Praça Dolores Ibarruri resultaram em impacto ambiental positivo, com melhoria de diversos aspectos sócio-ambientais. Além disso,

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tais ganhos geraram repercussão na mídia, fato que auxiliou na conscientização da importância da valorização de fatores ambientais no desenvolvimento urbano e sua ligação com o aumento da qualidade de vida dos cidadãos.

CONCLUSÃO

A partir da análise dos projetos implantados na Praça Dolores Ibarruri e no Parque das Corujas foi possível concluir que o conceito de Desenho Ambiental pode ser aplicado com sucesso em áreas de ocupação urbana consolidada.

A possibilidade da propagação das medidas, amparadas nos novos paradigmas de Desenho e Planejamento Ambiental em outros trechos do córrego, leva a crer que ha-verá melhoria de qualidade ambiental significativa não apenas no entorno do Córrego das Corujas, mas em toda a sua microbacia e possivelmente nas microbacias vizinhas dos Córregos Verde e Belini. Com a implantação de uma ligação verde entre espaços verdes significativos haverá, por consequência, melhoria na Bacia do Rio Pinheiros. A possibilidade de ligar a cumeeira da bacia na Avenida Heitor Penteado com o corre-dor verde da Avenida Pedroso de Morais e, posteriormente, com as margens do Rio Pinheiros, interligando bacias vizinhas, representa um impacto de alto grau de impor-tância para o Sistema de Áreas Verdes e para a Rede Hídrica Ambiental da cidade. Tal Sistema de Infraestrutura Verde harmoniza-se, portanto, com as propostas previstas no Plano Diretor Estratégico do Município.

Conclui-se que apesar das problemáticas citadas em torno da implantação dos pro-jetos da Praça Dolores Ibarruri e do Parque das Corujas o impacto socioambiental das intervenções é claramente positivo e a adoção de novos paradigmas de desenho ambiental representa avanços rumo a um desenvolvimento urbano mais sustentável.

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ARTIGO Nº3RESERVA LEGAL ÀS MARGENS DE CURSO D’ÁGUA NAS CIDADES

BRASILEIRAS: PRESERVAÇÃO E PROTEÇÃO DE UM ECOSSISTEMALegal Reserve on the banks of watercourse in Brazilian cities: preservation and

protection of an ecosystemSaulo Ferraz Alves Medeiros

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RESERVA LEGAL ÀS MARGENS DE CURSO D’ÁGUA NAS CIDADES BRASILEIRAS: PRESERVAÇÃO E PROTEÇÃO DE UM ECOSSISTEMA

Saulo Ferraz Alves Medeiros

Bacharel em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Presbiteriana Mackenzie – 2002; Servidor

Efetivo da Prefeitura do Município de São Paulo – 2006; Especialista em Gestão Ambiental –

Universidade Nove de Julho – 2010; Especialista em Habitação e Cidade – Faculdade de Arquitetura

e Urbanismo Escola da Cidade – 2011; E-mail: [email protected]

Resumo

Qual a relação entre reserva legal às margens de curso d’água nas cidades brasilei-ras e o meio antrópico? Restringimos-nos a tratar o ecossistema à margem de cursos d’água em área urbana dentro do território nacional, analisando normas legais e as-pectos ecológicos relacionados ao problema de pesquisa. Por hipótese, os corredores verdes nas cidades são focos de qualidade da vida humana, sob diversos aspectos, diretos e indiretos, consequência da preservação e proteção da biota. Tomamos a qualificação urbanística sob a ótica ambiental, com a conservação dos recursos natu-rais em área urbana, quebrando o paradigma da canalização de rios, córregos e uso de margens exclusivamente voltado para o sistema viário. O método de trabalho foi baseado na revisão teórica das referências bibliográficas. Os resultados obtidos cor-roboram com a hipótese gerada de que a reserva legal às margens de curso d’água nas cidades brasileiras influenciam positivamente o desenvolvimento sustentável do ecossistema urbano.

Palavras chave: Legislação Ambiental e Urbanística; Conservação dos Recursos na-turais; Sustentabilidade; Parque Linear; Bacia Hidrográfica.

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LEGAL RESERVE ON THE BANKS OF WATERCOURSE IN BRAZILIAN CITIES: PRESERVATION AND PROTECTION OF AN ECOSYSTEM

Abstract

What is the relationship between legal reserve on the banks of waterway in Brazilian cities and the human environment? We restrict ourselves to treat the ecosystem at the edge of waterways in urban areas within the national territory, analyzing the legal and ecological aspects related to the research problem. By hypothesis, green corridors in cities are hotbeds of quality of human life, in many ways, direct and indirect conse-quence of the preservation and protection of biota. We qualifying urban environment from the ambient perspective, with conservation of natural resources in urban areas, breaking the paradigm of the canalization of rivers, streams and use of banks exclu-sively focused on the road system. The working method was based on a review of theoretical references. The results corroborate the hypothesis that generated the legal reserve on the banks of waterway in Brazilian cities positively influence the develop-ment of sustainable urban ecosystem.

Keywords: Environmental Law and Urban Planning; Conservation of Natural Re-sources; Sustainability; Linear Park; Hydrographic Basin.

APRESENTAÇÃO

O ser humano depende de serviços ambientais como condição para sua sobrevivên-cia. Para facilitar a ocorrência destas condições foram criados os aglomerados huma-nos. Na verdade, foi a partir da formação dos aglomerados urbanos que as relações ser humano e natureza se tornaram mais complexas.(DIAS, 2004, p. 249)

Na verdade, o ecossistema urbano é um meio ambiente artificializado por ação hu-mana, porém, conectado ao meio ambiente natural, mantendo um certo equilíbrio entre si, como ocorre em outros ecossistemas. As modificações antropomórficas não eximem os habitantes do meio ambiente urbano do cuidado com os recursos naturais, tendo em vista a escassez dos mesmos, pois sabemos que a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra. Sabemos que todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família.(ANEXO 9. In: DIAS, 2004, p. 516)

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Desse modo, notamos que as noções de dependência do ser humano e da natureza foram observadas nas civilizações mais primitivas, entretanto, hoje, muitos habitantes das grandes cidades do mundo parecem que se esqueceram de que não tecemos o tecido da vida, somos simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizermos ao tecido faremos a nós mesmo.(ANEXO 9. In: DIAS, 2004, p. 516)

No Brasil, as áreas de terreno permeáveis e alagáveis encontradas às margens de curso d’água foram entendidos como obstáculos ao perfeito desenvolvimento das ci-dades, pelo menos na maioria dos processos de urbanização. Como característica presente na urbanização brasileira, podemos citar a implantação de avenidas nas margens dos cursos d’água, substituindo a mata ciliar por vias impermeabilizadas.(LUCAS, 2009, p. 22)

Segundo especialistas, a história do urbanismo brasileiro originou-se de práticas oriundas dos povos Ibéricos, para os quais a ocupação dos topos de morro, das áreas ciliares e várzeas era uma situação mais do que normal, e determinada segundo os padrões urbanísticos e sanitários da era medieval e moderna.(MIRANDA, 2008, p. 1)

Historicamente, as cidades brasileiras que sofreram maior influência Ibérica em sua colonização, promoveram a ocupação do solo com suas casas construídas às mar-gens dos rios, e de costas para eles, escondendo-o da paisagem, reforçando a idéia de insalubridade dos mesmos.(MIRANDA, 2008, p. 1)

Entretanto, os prejuízos desta concepção de cidade são sentidos hoje, de forma di-reta, pelas populações que convivem com as enchentes, e de forma indireta afetam negativamente aspectos econômicos, sociais e culturais das cidades. A impermeabi-lização do solo viria a se tornar sinônimo de salubridade e de desenvolvimento social para as cidades brasileiras, com a ajuda do carro, cuja presença estava ligada ao progresso econômico. Entretanto, os diversos males desta prática seriam crescentes na mesma proporção das cidades.

Após quinhentos anos de ocupação, urbana e rural em áreas de várzeas, há apenas vinte anos temos uma legislação ambiental restritiva. Esta tardou a acompanhar o pensamento de preservação do meio ambiente e na maioria dos casos incentivou à ocupação de margens de rios e córregos em nome da salubridade. Trata-se de um

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paradoxo, porque sabendo que a impermeabilização do solo poderia causar de um número maior de enchentes e conseqüentes problemas de saúde para população.(MIRANDA, 2008, p. 1)

O município de São Paulo desempenhou um papel importante no processo de ur-banização de outras cidades do território nacional, isto porque, tendo em vista seu papel na economia do país e importância que se dá ao aspecto econômico, suas política públicas serviram de exemplo para outras cidades. Em 1929, a implantação do Plano de Avenidas, que teve início durante a administração de Prestes Maia, foi um Plano modelo em que a política de eficiência na circulação, baseado no sistema radio-concêntrico de vias arteriais, torna-se-ia sinônimo de modernidade e salubrida-de.(LUCAS, 2009, p. 22)

O Plano Urbanístico Básico, ocorrido em 1969, viria a reafirmar a importância das avenidas de fundo de vale, por seu baixo custo e topografia suave, como suporte para o sistema viário na cidade, embora não mais apoiado no sistema radio-concêntrico.(LUCAS, 2009, p. 23)

A impermeabilização crescente de margens de cursos d’água e fundos de vale urba-nos resultante destes planos agravou o quadro de enchentes na cidade. Citando a região do Aricanduva, as cheias trouxeram prejuízo não apenas às populações ribei-rinhas, mas também as linhas do Metrô e CPTM que passam pela região, trazendo prejuízos econômicos, além de problemas de saúde.(LUCAS, 2009, p. 23)

Outras cidades pelo Brasil seguiram o exemplo de São Paulo, com a ambição de acompanhar o desenvolvimento econômico do país, contudo, o que se viu desde en-tão, foi à ocupação de Áreas de Preservação Permanente e fundos de vale pelo siste-ma viário como prática comum na maioria das cidades.(LUCAS, 2009, p. 22)

A retificação e canalização de rios ganharam, desde então, status de modernidade e salubridade. Entretanto, o inevitável agravamento das enchentes, logo começar a in-comodar os habitantes que convivem freqüentemente com o problema. Mesmo com a ocorrência freqüente de enchentes, as políticas públicas continuam voltadas às obras de canalização, retificação de rios e córregos, construção de pontes e viadutos e incentivo ao transporte individual motorizado. Com a crescente educação ambiental, começamos a tomar condições de cobrar atitudes coerentes com o desenvolvimento sustentável.

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Hoje temos plena consciência de que todo desenvolvimento que vise uma economia de curto, médio e longo prazo deverá partir de fatores de equilíbrio ambiental, uma vez que a grande maioria dos desastres na natureza, provocados pelo homem, ocorrem em decorrência da práxis econômica do lucro rápido e fácil, fruto de uma sociedade oposta à natureza, construída por muitas gerações, resultado de uma política urbana que vem de muitos anos, baseada na construção de pontes, viadutos e piscinões.(FRANCO, 1997, p. 133)

O ECOSSISTEMA ÀS MARGENS DE CURSO D’ÁGUA

Os fundos de vale são áreas naturalmente alagáveis ao longo de curso d’água que promovem o equilíbrio responsável pela manutenção deste ecossistema. As florestas encontradas nestas regiões possuem nomenclatura variada, entre elas a mais aceita é mata ciliar, cuja definição técnica da biologia veremos a seguir:

Existem varias definições sobre a mata ciliar.[...] Fitoecologicamen-te falando, trata-se de toda a formação florestal que se encontrar às margens de cursos d’água, independentemente de sua área ou região de ocorrência e de sua composição florística. Em se tratando do território brasileiro, este conceito de florestas ou matas ciliares acaba tendo uma abrangência enorme, quase que total, já que po-dem ser encontradas, de uma forma ou de outra, em todos os domí-nios morfoclimáticos e fitogeográficos do país.Esse tipo de vegetação ocorre nas porções de terreno que incluem tanto a ribanceira de um rio, como também as superfícies de inunda-ção, indo até às margens do corpo d’água (YANG, 2005, p. 7)

A preservação e proteção da mata ciliar no contexto urbano são tão importantes ou até mais importante que em área rural, tendo em vista que a simples existência deste ecossistema colabora para limpeza dos cursos d’água, controle de cheias, controle com clima e da temperatura, controle da umidade do ar, controle da expansão urbana, remoção de impurezas do ar, além de melhorar a paisagem do ambiente urbano cola-borando beneficamente com aspectos culturais e econômicos da cidade.

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Além disso, do ponto da bacia hidrográfica, a mata ciliar também tem uma função importante. O fundo de várzea urbano, ou seja, a porção do terreno que inclui a riban-ceira do rio, a planície de inundação, com suas condições de solo próprias e a vege-tação que nesta região ocorre, é um sistema que funciona como regulador do fluxo de água, sedimentos e nutrientes entre os terrenos mais altos da bacia hidrográfica e o ecossistema aquático.(YANG, 2005, p. 9)

Também devemos considerar que o fator psicológico da existência de uma mata ciliar e da preservação e proteção das margens do curso d’água em área urbana exerce sobre as pessoas, colaborando para formação de uma cultura voltada para os princí-pios de conservação dos recursos naturais. Do contrario, a canalização de rios diminui importância da natureza em relação aos demais valores humanos.

Além desses fatores esse tipo de vegetação também contribui para a geração do escoamento direto, ou seja, o volume de água que causa o aumento rápido da vazão de microbacias durante e imedia-tamente após a ocorrência de uma chuva.A vegetação ciliar contribui também para o aumento da capacidade de armazenamento da água na bacia ao longo da zona ripária, o que contribui para o aumento da vazão na estação seca do ano.Não se pode esquecer também da importância que a mata ciliar tem no controle da qualidade da água influenciando diretamente.(YANG, 2005, p. 10)

Hoje, podemos dizer que a preservação e proteção da mata ciliar nos fundos de vale urbanos começam como uma preocupação ecológica de manutenção da flora e da fauna, mas acaba, consequentemente, beneficiando o ser humano que depende de um meio ambiente equilibrado para sobreviver.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS: FAIXA NON AEDIFICANDI E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

O Código de Águas, Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, foi o primeiro ins-trumento jurídico que legislou sobre as faixas ao longo de cursos d’água, entretanto tratava-se de reserva de Faixa non aedificandi, não possuindo cunho de proteção do meio ambiente, mas apenas de manutenção e acesso aos cursos d’água.

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O objetivo do Código seria, portando, voltado para questões administrativas, como a criação de servidões de trânsito às margens de cursos d’água navegáveis, para as quais estipulava uma faixa de quinze metros, ou não navegáveis, de dez metros. Há o estabelecimento de faixas não edificáveis, mas as mesmas não estavam vinculadas à proteção das matas ciliares.(LUCAS, 2009, p. 32)

Em 1979, o Governo Federal editou a importante sobre legislação sobre o Parcela-mento do Solo Urbano, servindo de referencia para os novos loteamentos e desmem-bramentos que surgissem a partir de então. Com relação à faixa marginal a cursos d’água a Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, estabeleceu em seu artigo 4º faixa non aedificandi de 15 metros ao longo de cada margem.(LUCAS, 2009, p. 35).

Entretanto, observamos na mesma Lei que a Faixa non aedificandi não exigível ape-nas para curso d’água, mas também pode ser reservados às margens de uma ferrovia, duto, canalização, rodovia, área de interesse público, etc. Assim sendo, a imposição é ato administrativo do Poder Público que deve ser respeitado pelo proprietário de um terreno, seja privado ou público, com simples objetivo de guardar acesso a um local de interesse público, para manutenção do mesmo, sem avançar em qualquer conceito de preservação ou proteção ambiental.

Assim, podemos afirmar que o objetivo da criação dessas faixas não edificáveis nem de longe possuem o condão de proteção ambiental, mas simplesmente de ação ad-ministrativa de limpeza dos corpos hídricos, de ações emergenciais, e sanitárias.(MI-RANDA, 2008, p. 3)

Quanto à semântica do termo Faixa non aedificandi: Faixa é um pedaço longo e estrei-to de terreno, ou seja, possui comprimento maior em relação a sua largura (HOUAISS, 2001, p. 1300); “Non é a negação do modo da realidade, do indicativo e da oração principal, sendo, entretanto, também encontrada antes do subjuntivo com valor condi-cional” (FARIA, 2001, p. 223); Aedifico significa construir, edificar; aedificium, edifício, casa; aedificatio, construção, edificação, ato de construir; aedificator, construtor, edifi-cador.(FARIA, 2001, p. 5)

Contudo, o termo non aedificandi é uma expressão latina que poderíamos traduzir como vedado edificar. Entendemos que o conceito legal de Faixa non aedificandi é um ato administrativo proibitivo apenas quando ao direito de edificar num pedaço de terreno de um proprietário qualquer.

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Por outro lado, o conceito de Área de Preservação Permanente foi introduzido a partir do Novo Código Florestal, Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que substitui o primeiro Código Florestal Brasileiro, Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, do Governo Provisório de Getúlio Vargas.

O Novo Código Florestal de 1965 é mais detalhado que o Código de 1934, não só em relação às definições das faixas, mas também em suas especificidades. Defini-se como Área de Preservação Permanente as matas ciliares localizadas às margens de cursos d’água, por sua função de proteção dos corpos d’água, prevenindo, entre ou-tros, erosão e assoreamento. No entanto, na redação original as faixas eram menos restritivas que as atuais, a partir de cinco metros. A expressão Área de Preservação Permanente passou a ser utilizada no texto legal, embora algumas áreas não possu-íssem delimitação de faixa expressa na lei.(LUCAS, 2009, p. 34)

O Código Florestal de 1965 sofreu importantes alterações, especialmente com a edi-ção da Lei nº 7.511, de 7 de julho de 1986, que amplia as Áreas de Preservação Per-manente, a partir de trinta metros, sendo mais coerente com a proteção e preservação das matas ciliares e áreas de fundo de vale; a Lei nº7.803, de 18 de julho de 1989, que inclui as áreas urbanas como aplicáveis na reserva de Área de Preservação Per-manente e define que as faixas de proteção deveriam ser marcadas a partir do nível mais alto do curso d’água; a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que acrescenta o conceito de que não seria necessária a presença de floresta alguma para que as margens de um curso d’água fosse considerada Área de Preservação Permanente.

A partir dessa importante definição da Medida Provisória nº 2.166-67, a utilização do argumento de que grande parte das faixas marginais a cursos d’águas localizadas em área urbana consolidada não poderia ser definida como Área de Preservação Per-manente, já que não haveria vegetação a preservar, ou seja, a Área de Preservação Permanente estaria descaracterizada pela simples ausência de vegetação, deixou de encontrar amparo legal, tornando-se obrigatória a reserva em quaisquer circunstân-cias.(LUCAS, 2009, p. 38)

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A Medida Provisória nº 2.166-67 define no seu primeiro artigo, para todos os efeitos do Código Florestal o termo Área de Preservação Permanente como aquela área “co-berta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.

Quanto à semântica do termo Área de Preservação Permanente: Área é uma “ex-tensão mais ou menos limitada de espaço, território ou superfície” (HOUAISS, 2001, p. 281); Preservação é o “ato ou efeito de preservar [...] série de ações cujo objetivo é garantir a integridade e a perenidade de algo; defesa, salvaguarda, conservação” (HOUAISS, 2001, p. 2292); Permanente é aquilo “que permanece no tempo; duradou-ro, estável [...] que é definitivo”.(HOUAISS, 2001, p. 2192)

Concluímos que Área de Preservação Permanente é uma extensão, mais ou menos limitada de um terreno, seja público ou privado, que deve ser preservada de modo definitivo para conservação da fauna e da flora, cujo objetivo é garantir o equilíbrio de ecossistemas.

Neste ponto do presente estudo faz-se interessante mencionar o artigo quarto da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que exige “ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maio-res exigências da legislação específica”, fazendo ressalva explícita quanto a maiores exigências estabelecidas por legislação específica. Desse modo é inquestionável a aplicação da norma urbana, de caráter administrativo, e a norma especifica ambiental, quanto à reserva de Área de Preservação Permanente.(MIRANDA, 2008, p. 4)

Alguns autores, especialistas no direito ambiental, indicam que houve uma ampliação dos limites de proteção ambiental criados pela Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979, com relação a Faixa non aedificandi de quinze metros, em razão da edição da Lei 7.511, de 7 de julho de 1986, que altera o Código Florestal aumentando para trinta me-tros a Área de Preservação Permanente para os rios com largura de até dez metros.(MACHADO, 2005, p. 719)

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Contudo, tendo defendemos que os conceitos de Faixa non aedificandi e Área de Preservação Permanente são materialmente distintos. O primeiro trata de edificação e planejamento urbano; o segundo, de preservação e proteção ambiental. A aplicação de um não exclui a aplicação do outro.

[...] Um parâmetro não se confunde com o outro. Embora tratem de limites de ocupação de margens de rios, o artigo segundo do Có-digo Florestal trata da PRESERVAÇÃO de matas ciliares e demais vegetação em APP, já a Lei 6.766/79 trata, especificamente, de uso do solo para EDIFICAÇÃO urbana.Os objetos de ambas as leis são diversos: um é ambiental o outro urbanístico. Essas duas ciências, embora com estreita correlação no meio das cidades, não espelham a mesma visão.A Lei ambiental indica as áreas de interesse ambiental que devam ser protegidas da intervenção humana, preservando-se a vida sil-vestre e natural nos seus espaços, a preservação dos recursos hí-dricos, a estabilidade geológica e o fluxo gênico.A Lei urbanística trata de áreas que não podem sofrer, em hipótese alguma, edificação, dentro dos critérios da engenharia civil, sendo a intenção do diploma legal garantir segurança humana na ocupação dos espaços urbanos, evitando o convívio de pessoas em áreas de instabilidade. São critérios de segurança humana na ocupação do solo, associados à critérios de melhoria da paisagem urbana e da saúde coletiva.Ou seja, o Código Florestal trata em preservação das matas ciliares, visando a garantia das funções ambientais dos espaços e vegeta-ção ciliar, conforme já indicado acima; A Lei de Parcelamento do Solo Urbano indica as restrições edilícias nesses espaços, visando a segurança, a saúde social e a harmonia arquitetônica nas ocupa-ções humanas.(MIRANDA, 2008, p. 4)

Na atividade do projeto de urbanismo e arquitetura devemos considerar a comple-mentaridade destes dois conceitos jurídicos em corredores verdes, formando área verdes lineares potenciais para serem utilizados numa rede ecológica contínua de proteção da vegetação, assim como de recursos naturais.(FRIEDRICH, 2007, p. 75)

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Nas cidades brasileiras, a carência de reserva de Faixa non aedificandi e Área de Pre-servação Permanente em áreas urbanas resultaram em vários problemas ambientais urbanos, que podemos citar: o alto grau de impermeabilização do solo provoca, nos períodos de chuva, aumento de enchentes com a ocorrência de mortes e doenças ocasionadas dessas tragédias, além dos prejuízos para economia, e, nos períodos de seca, baixa umidade do ar com aumento do número de atendimentos hospitalares devido ao acréscimo de doenças relacionadas; a massificação do uso do transporte individual motorizado colabora para a deterioração da qualidade do ar e do clima, com a formação de ilhas de calor e a ocorrência cada vez mais freqüente de variações bruscas de temperatura; a desvalorização do espaço urbano; a produção em larga escala de resíduos sólidos e efluentes que não recebem tratamento adequado, etc.(LUCAS, 2009, p. 40)

Contudo, vimos que a legislação prevê a reserva de Faixa non aedificandi e Área de Preservação Permanente, que somadas beneficiam a biota e, conseqüentemente, trazem melhorias para as áreas de saúde, economia e cultura das pessoas que vivem nas cidades.

USO E OCUPAÇÃO SUSTENTÁVEL: ZONEAMENTO AMBIENTAL

O planejamento sustentável de uma cidade deve considerar a manutenção das matas ciliares e a preservação da área de fundo de vale com devido uso apropriado, pois se sabe, o impedimento do uso do solo só deve atrair ações indesejadas, como a de-sobediência às leis e ocupações desordenadas, tendo em vista que a fiscalização do Poder Público não é capaz de impedir todo ato de ocupação ilegal, dada a dimensão do problema.(FRIEDRICH, 2007, p. 77)

O zoneamento urbano é um instrumento jurídico de controle e ordenação do uso e ocupação de um aglomerado humano. Através deste instrumento, o espaço urbano é classificado em territórios chamados zonas de uso, nas quais serão estabelecidas as modalidades de uso e ocupação do solo. O marco inicial do zoneamento urbano é o artigo 182, § 1º, da Constituição Federal de 1988, que determina ser competência do Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, a política de desenvolvimento e expansão urbana, em que deverá constar o projeto de ordenamento urbano, com a previsão das vias, zoneamento e espaços verdes.(MORAES, 2006, p. 73)

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Dentro dos preceitos constitucionais do artigo 225 de que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sa-dia qualidade de vida”, cabe ao Poder Público defender o interesse comum de preser-vação e proteção do meio ambiente e como resposta a essa demanda surge um novo instrumento jurídico chamado de zoneamento ambiental urbano, que visa o controle e ordenação do uso e ocupação do ambiente urbano com especial atenção para a preservação, proteção e recuperação do equilíbrio ecológico nas cidades.

O conceito de zoneamento ambiental vai ao encontro do conceito de desenvolvimento sustentável, pois leva em consideração a escassez dos recursos naturais e a neces-sidade de preservação para as futuras gerações. Contudo, o zoneamento ambiental não pretende o simples ordenamento de uso e ocupação do solo da cidade, mas o alcance da qualidade de vida atingida pela utilização racional dos recursos naturais dentro de um território, classificado pelas suas peculiaridades e pelas atividades ali desenvolvidas.(MORAES, 2006, p. 73)

A figura do zoneamento ambiental amplia o conceito, porque não será mais apenas um zoneamento urbano, como instrumento que preconiza uma estrutura mais orgânica para as cidades, dado que não se limita ao ambiente destas, mas não muda a sua essência nem a sua natureza. Dá mais ênfase à proteção de áreas de significativo interesse ambiental, mas ainda assim continua a ser zoneamento de uso e ocupação do solo, sempre no interesse do bem-estar e da realização da qualidade de vida da população (SILVA, 1994, p. 181).

O zoneamento ambiental urbano vai definir a melhor forma de ocupar, de maneira sustentável, as áreas de interesse ambiental de forma a criar usos para estas áreas, qualificando urbanística e ambientalmente com equipamentos voltados à utilidade pú-blica, conservando os recursos naturais.

As propostas de uso e ocupações do solo em áreas de fundo de vale urbanos com-patíveis com os conceitos de preservação e proteção são por exemplo: a circulação não motorizada – por passeios de pavimento permeável e ciclovias – parques lineares para o lazer ativo e contemplativo, agricultura sustentável, feiras de comércio local, etc. O lazer também tem o objetivo de integrar o indivíduo ao grupo a que pertence na

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comunidade, desenvolvendo, por intermédio de iniciativas educacionais e recreativas, boas relações humanas, nas quais tenta instigar sentimentos de segurança emocional e geração de capital social.(FRIEDRICH, 2007, p. 120)

O parque linear é uma oportunidade que as cidades têm de reestruturar sua concep-ção a partir de novos paradigmas. A recuperação dos fundos de vale através deste instrumento estabelece uma nova lógica de valoração econômica para a cidade por meio da restauração dos seus bens ambientais e humanos. O desenvolvimento sus-tentável das cidades é um problema recente que o Poder Público deve equacionar. A conservação ambiental só pode ocorrer mediante a planos e planejamento de uso adequado para cada região. A simples demarcação de Área de Preservação Per-manente ou de Faixa non aedificandi não garante que aquele local vá cumprir sua função de preservação e proteção do ecossistema. Sabemos que a capacidade de fiscalização do meio ambiente é limitada, portanto, devemos lembrar que o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 impôs não só ao Poder Público, mas também “à co-letividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

PARADIGMA SANITARISTA E RENATURALIZAÇÃO

A partir de 1987, com a elaboração do Relatório de Brundtland, a introdução do con-ceito de desenvolvimento sustentável começou a tomar importância no planejamen-to das cidades que, então, passaram a considerar os aspectos ambientais. Nossos representantes no governo introduziram o componente ambiental nos seus planos e ações e, da mesma forma, a sociedade iniciou as cobranças de atitudes coerentes com o desenvolvimento sustentável.

Até então, o planejamento das cidades dificilmente se preocupava com a conservação dos recursos naturais, privilegiando o desenvolvimento econômico e a expansão ter-ritorial sem limites. Podemos dizer que os debates sobre a questão apresentam mu-danças, indicando os aspectos benéficos da manutenção das características naturais dos rios, ou ao menos mais próximas delas.(LUCAS, 2009, p. 24)

A recuperação de áreas degradadas é, portanto, uma conseqüência do uso incorreto da paisagem urbana e fundamentalmente dos solos, sendo apenas uma tentativa limi-tada de remediar um dano que na maioria das vezes poderia ter sido evitado.(YANG, 2005, p. 12)

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No exterior, podemos citar alguns exemplos dessa mudança de pa-radigma. A agencia de proteção ambiental dos Estados Unidos – En-vironmental Protection Agency – conta com um programa específico voltado para a recuperação das áreas de várzea e sua vegetação. O país gastou mais de 15 bilhões de dólares em 30.000 projetos envolvendo restauração de rios e alagados entre 1990 e 2006.No Japão, a partir da década de 70 surgiram os primeiros ‘rios-par-que aquafílicos’ – parques lineares implantados sobre cursos d’água que visavam, principalmente, permitir que houvesse novamente uma familiarização das crianças com a presença de água no cená-rio urbano.Houve, inclusive, a reversão na canalização de alguns córregos, com a recuperação das formas e meandros às margens dos cursos d’água e o restabelecimento das condições naturais para o cresci-mento da flora e fauna originais – utilizando-se para isso de mate-riais como pedras e estacas de madeira (visando permitir a forma-ção de poços e correntezas necessários para alguns ecossistemas). Esse processo é conhecido como restauração ou renaturalização dos rios.Atualmente, essa prática pode ser definida como a tendência adota-da para a intervenção em rios urbanos no país, que no período entre 1991 e 2006 teria implantado mais de 23.000 projetos (LUCAS, 2009, p. 24).

Experiência semelhante foi realizada em Seul, na Coréia, com a recente renaturali-zação do rio Cheonggyecheon, cuja divulgação na imprensa brasileira e internacional causou interesse de especialistas em engenharia ambiental. O curso d’água, que cor-ta a capital coreana, foi canalizado na década de 60 para a implantação de um viaduto expresso no centro da cidade. Em 2002 teve início a implantação de um projeto de renaturalização, implantado em 4 anos, envolvendo a demolição de 6 km de viaduto, o destamponamento e restauração do rio e o investimento em sistemas de tratamento de esgoto.(LUCAS, 2009, p. 28)

São exemplos de qualificação urbanística e ambiental, visando recuperar a qualidade de vida em área urbana, procurando o equilíbrio entre o meio ambiente natural e arti-ficial, lembrando que não seria necessário este investimento se o principio da precau-ção tivesse sido empregado e a degradação ambiental não tivesse ocorrido.

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Contudo, no Brasil ainda não há experiências significativas de restauração de cursos d’água ou intervenções que rompam com o paradigma saneamento, canalização e sistema viário. Devemos lembrar, no entanto, que a adoção da concepção de recupe-ração, tanto da qualidade das águas quanto das várzeas dos rios urbanos, já encontra respaldo na legislação. Os projetos envolvendo a renaturalização e restaurações de margens de cursos d’água urbanas devem considerar a escala local e seus aspectos específicos, não necessariamente seguindo diretrizes de projetos bem sucedidos no exterior.(LUCAS, 2009, p. 30)

SUPRESSÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

A Constituição Federal de 1988 já previa a proteção jurídica especial às florestas de preservação permanente e às reservas florestais. Entretanto, as alterações das ca-racterísticas destes espaços protegidos só poderiam ocorrer mediante amplo debate social que culminem em Lei.

Nem todos os espaços estão submetidos à mesma proteção jurídica. Os que gozarem de uma especial proteção – como os destinados às florestas de preservação permanente e às reservas legais florestais – só poderão ser alterados e suprimidos através de lei. Lei especí-fica para cada caso. A Constituição não está impedindo totalmente que a lei suprima ou altere esses espaços, mas indica procedimento específico para a transformação, que é o processo legislativo. Os constituintes manifestaram a vontade do povo brasileiro de que haja maior tempo e maior discussão quando se pretenda suprimir ou al-terar os espaços protegidos e seus componentes.O art. 225, § 1º, III, da CF, que introduziu a inovação sobre os es-paços protegidos e seus componentes, não tem sido devidamente compreendido e implementado. O Poder Legislativo precisa discutir sobre um bem que está caracterizado como ‘permanente’. Uma flo-resta de preservação permanente não é para ser suprimida ou al-terada precipitadamente, a todo momento ou ao sabor do interesse somente do partido político que administre o meio ambiente.A implementação do art. 225, § 1º, III, da CF poderá acarretar certa demora na apreciação do pedido de supressão de uma floresta de preservação permanente. Contudo, é de ser ponderado que uma

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vegetação de tal importância não se elimina todos os dias. A seca que expulsa as pessoas e os desmoronamentos que matam têm como uma de suas causas o corte da vegetação de preservação permanente. O processo legislativo dá chance de maior participação social para a decisão de manter ou suprimir a vegetação.(MACHADO, 2005, p. 722)

Entretanto, o amplo debate previsto na Constituição Federal de 1988 sobre a utilização de Áreas de Preservação Permanente culminou considerando que é mais importante resolver as questões econômicas e sociais nas cidades, como o déficit habitacional, do que a conservação dos recursos naturais, com a edição da Resolução CONAMA nº 369.

A Resolução CONAMA nº 369, de 28 de março de 2006 dispõe sobre os casos ex-cepcionais que possibilitam a intervenção ou a supressão de vegetação em área de preservação permanente, definidos como: de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental.

A resolução, em seu artigo 2º, inclui a regularização fundiária sus-tentável em área urbana como um dos casos de intervenções em área de preservação permanente que podem ser autorizadas pelo órgão ambiental por razões de interesse social.De acordo com o artigo 4º, a intervenção em APP localizada em área urbana dependerá de autorização do órgão ambiental competente. Para municípios que possuam Conselho de Meio Ambiente com ca-ráter deliberativo e Plano Diretor ou Lei de Diretrizes Urbanas, a autorização será do órgão ambiental municipal, com anuência pré-via do órgão ambiental estadual. Caso contrário, a autorização será feita pelo órgão ambiental estadual.Para obter a autorização, o requerente deve comprovar a inexis-tência de alternativa técnica e locacional, inexistência de risco de agravamento de enchentes e erosões (art. 3º).No artigo 5º, a resolução prevê que o órgão ambiental competente estabelecerá as medidas de caráter compensatório e mitigador a serem adotadas pelo requerente. As medidas de caráter compen-satório deverão ocorrer na mesma sub-bacia, preferencialmente na área de influência do empreendimento ou nas cabeceiras dos rios.

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A compensação consiste, de acordo com o artigo 4º § 2º, na re-cuperação ou recomposição da área de preservação permanente. (LUCAS, 2009, p. 100).

Dentro dos preceitos constitucionais do artigo 225, a Resolução CONAMA nº 369, de 28 de março de 2006 toma importante lugar no uso e ocupação de Áreas de Preser-vação Permanente urbana, com força de Lei, dispondo sobre os casos que possibi-litam a intervenção ou a supressão de vegetação nas mesmas. De qualquer forma, cabe lembrar que a Constituição Federal de 1988 foi clara ao determinar o principio da prevenção e precaução ao meio ambiente, que consiste em dizer que não somos responsáveis somente pelos danos ambientais que conhecemos, mas que também deveríamos duvidar, aplicando em certos casos a prevenção e a precaução, dado a incerteza do dano ambiental que pode ocorrer.(MACHADO, 2005, p. 72)

Entendemos que a supressão de Área de Preservação Permanente deve ser pensada como último recurso, pois a interferência humana neste delicado ecossistema pode le-var a prejuízos ainda desconhecidos pela humanidade. O nosso planeta levou bilhões de anos para desenvolver a vida como conhecemos. Muitos aspectos dessa vida ain-da estão por ser descoberto e muito pode se perder antes de ser conhecermos.

De fato, a prevenção é preceito fundamental, uma vez que os danos ambientais, na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis. Para tanto, basta pensar: como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar os efeitos de Chernobyl? Ou, de que forma resti-tuir uma floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de ecossistemas diferentes, cada um com o seu essencial papel na natureza? (FIORILLO, 2003, p. 36)

O princípio da prevenção e a precaução entendem que diante da impotência do siste-ma jurídico, incapaz de restabelecer, em igualdade de condições, uma situação idênti-ca à anterior, deve se adotar o princípio da prevenção, com medidas de precaução ao dano ambiental, como sustentáculo do direito ambiental, consubstanciando-se como objetivo fundamental do direito.(FIORILLO, 2003, p. 36)

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Assim, lembramos que nossa Constituição Federal de 1988 expressamente adotou o princípio da prevenção e a precaução, ao preceituar, no seu artigo 225, o dever do Poder Público e da coletividade de proteger e preservar o meio ambiente para as pre-sentes e futuras gerações.(FIORILLO, 2003, p. 37)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de mudança de paradigma do saneamento, canalização e sistema viário às margens de rios e córregos é um fato que estamos observando hoje em muitas cidades do mundo. Trata-se de um processo lento que demanda investimento em educação ambiental para formação de pessoas conscientes de seu papel no equilíbrio do meio ambiente, que tenham condições de cobrar de suas representantes ações coerentes com os planos de desenvolvimento sustentável das cidades.

A qualificação do meio urbano pode ser feita a partir de uma nova ótica, em que o ecossistema de rios, córregos, áreas permeáveis, matas ciliares e fundos de vale são valorizados com uso e ocupação apropriado ao tipo de solo, a partir de zoneamento ambiental urbano adequado, equipamentos de lazer e cultura entre outros, ao invés de uma legislação puramente proibitiva que acaba sendo descumprida face ao fraco poder de fiscalização do Poder Público.

O desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras, com o respeito dos ecossis-temas, é uma meta tangível, sendo que, a reserva legal às margens de curso d’água urbano é prevista na forma de Faixa non aedificandi, sob a visão edilícia na forma observada pela Lei do Parcelamento do Solo Urbano; e Área de Preservação Perma-nente, de maneira mais ampla, sob a visão ambiental de preservação e proteção do meio ambiente, inclusive urbano, no Código Florestal.

A qualificação urbanística e ambiental com a conservação dos recursos naturais deve a meta do urbanista e do arquiteto. Historicamente, o desprezo a este fato acarretou diversos problemas com os quais convivemos hoje. Ainda há tempo para revertermos esta situação. Métodos desenvolvidos pela engenharia ambiental possibilitam a recu-peração e renaturalização de margens de cursos de água urbanos, já experimentados em algumas partes do mundo com grande êxito.

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O urbanismo contemporâneo nas cidades brasileiras deve atentar para o novo concei-to de salubridade em área urbana; algo como a utilização dos recursos naturais com sabedoria, com o mínimo de degradação ambiental, mantendo o equilíbrio natural dos ecossistemas, respeitando o ciclo natural de autolimpeza do meio ambiente.

REFERÊNCIAS

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_______. O Presidente da República. CARDOSO, Fernando Henrique. Medida Provi-sória Federal n. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001. Altera os arts. 1º, 4º, 14, 16 e 44, e acresce dispositivos à Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o novo Código Florestal, bem como altera o art. 10 da Lei n. 9.393, de 19 de dezem-bro de 1996, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, e dá outras providências. Brasília, 24 de agosto de 2001. D.O.U. de 25/8/2001.

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ARTIGO Nº4PARQUE LINEAR DO SAPÉ: O DESCOMPASSO ENTRE CONSCIÊNCIA E AÇÃO

Sapé Linear Park: the gap between awareness and actionEduardo Pimentel Pizarro e Suzana Sanches Lino

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PARQUE LINEAR DO SAPÉ: O DESCOMPASSO ENTRE CONSCIÊNCIA E AÇÃO

Eduardo Pimentel Pizarro¹ e Suzana Sanches Lino²

1 Arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Mestrando em Tecnologia da Arquitetura pela Fauusp. Email: [email protected]

2 Arquiteta e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Braz Cubas de

Mogi das Cruzes. Email:[email protected]

Resumo A partir do Programa dos 100 Parques, lançado pela Prefeitura do Município de São Paulo em 2008, é destacada a leitura do projeto e implantação do Parque Linear do Sapé, na Zona Oeste do município. O Estudo de caso suscita reflexões acerca da pro-dução destes parques e sua relação com o homem urbano, observando-se como são inseridos, nos projetos de parques lineares, as questões de ecologia, águas urbanas e processos naturais.

Palavras-chave: infraestrutura verde, parque linear, córrego do Sapé, Programa 100 Parques, ecologia urbana, água urbana.

SAPÉ LINEAR PARK: THE GAP BETWEEN AWARENESS AND ACTION

Abstract

From the Program of the 100 Parks, launched by the Municipality of Sao Paulo in 2008, is highlighted reading the design and implementation of the Sape’s Greenway, in the western zone of the municipality. The case study raises thoughts about the production of these parks and theirs relationship to the urban man, observing how they are inser-ted in the greenways’ projects, issues of ecology, urban water and natural processes.

Keywords: green infrastructure, greenway, Sape’s stream, 100 Parks Program, urban ecology, urban water.

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INTRODUÇÃO

Estima-se que, em 2050, 75% da população global seja urbana1. Atualmente, no Brasil, 84,35%2 o é. Quando se trata do Município de São Paulo, esta porcentagem atinge 98,94%3. De fato, as cidades são hoje e, nas próximas décadas, o “palco dos acontecimentos”, onde se concentram as atividades econômicas, políticas, sociais, culturais, além das oportunidades e conflitos. Contudo, como estão sendo produzidas, neste panorama, as cidades, em especial as brasileiras? É premente, portanto, a ne-cessidade de pararmos para pensar, discutir, propor e projetar cidade.

Essencial para o debate e desenho de cidade é o seu Sistema de Espaços Livres, a ser encarado como real infraestrutura urbana, uma Infraestrutura Verde. Entretanto, surge outra indagação: onde está a questão ambiental na lógica de construção das cidades brasileiras? Parece ainda ser pertinente o que Michael Hough diz acerca da relação estabelecida entre homem e seu meio (cidade + natureza, ou cidade x natu-reza), na medida em que “os conceitos humanidade e natureza tem sido entendidos durante muito tempo como problemas separados.”4 (HOUGH, 1998, p.09, tradução nossa). E esta deficiente abordagem da questão ambiental urbana faz-se presente nas ideologias e iniciativas públicas, privadas e da população urbana de um modo geral.

Uma das tentativas de inserção da problemática ambiental na escala urbana de maior repercussão dos últimos anos, pela Prefeitura do Município de São Paulo, é o Pro-grama 100 Parques, lançado em 2008. De acordo com o Programa, a intenção seria partir dos 34 parques municipais existentes em 2005 (15 milhões m² de área protegi-da), para 60 parques (24 milhões m²) em 2009, concluindo em 2012, com um total de 100 parques municipais (50 milhões m²)5. Todavia, o saldo atual é de 81 parques im-plantados no município. Dos 50 parques lineares previstos em 2008, pela campanha

1 BURDETT, Ricky. “City-thinking for City-building” In ROSA, Marcos. “Microplanejamento.

Práticas urbanas criativas”. São Paulo, Editora Cultura, 2011.

2 IBGE 2010.

3 IBGE 2010.

4 “los conceptos humanidad y la naturaleza se ha entendido durante mucho tiempo como

temas separados.” (HOUGH, 1998, p.09).

5 Site da Secretaria Municipal do Verde e do Meio-ambiente: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/

secretarias/meio-ambiente/parques/programa_100_parques.

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eleitoral de Kassab, 24 foram concluídos e a previsão é de mais 6 até o fim do ano6. Há um déficit, portanto, de 20 parques lineares.

Neste programa municipal destaca-se a concepção de Parques Lineares que, como mecanismos “anti-enchentes”, em uma visão significativamente mecanicista. Apesar disso, de acordo com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, os parques lineares “[...] constituem uma nova diretriz infraestrutural, definindo faixas de utilidade pública ao longo dos cursos d’água com o objetivo de implantação de uma infraestrutura ver-de de recuperação ambiental e lazer.” “Nova diretriz”? Só se pensarmos a escala de Brasil, talvez nem assim. Olmsted, nos EUA, já em 1865, experimenta a implantação dos princípios dos parques lineares, por meio da intervenção Strawberry Creek. Além disso, em quê, realmente, reside esta preferência pelos parques lineares, na sua im-portância ecológica e urbana, ou na facilidade de implantação? Estes parque lineares conformam uma real infraestrutura verde, que manchas ecológicas eles buscam co-nectar e fortalecer?

Além disso, em que medida este programa contribui, efetivamente, para a cidade, levando-se em conta as esferas ambiental, social e humana, principalmente, nas di-versas escalas? Até que ponto esta iniciativa, junto a tantas outras, não passam de uma estratégia que articula, simplesmente, um montante de dados, números e marke-ting político?

A partir destas provocações propõe-se a leitura de um dos primeiros parques lineares implantados, mas ainda em processo de implantação, segundo esta política, o Parque Linear do Sapé, na Zona Oeste de São Paulo.

PARQUE LINEAR DO SAPÉ

O Parque Linear do Sapé foi projetado ao longo do córrego de mesmo nome, inserido na bacia do ribeirão do Jaguaré, no Distrito Rio Pequeno, Subprefeitura do Butantã. O parque se estende desde a Rodovia Raposo Tavares, onde nasce o córrego, até a Avenida Escola Politécnica, onde o córrego desemboca no Ribeirão do Jaguaré.

6 Dados da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente.

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Figuras 01: localização do distrito Rio Pequeno no Município de São Paulo. Figura 02: localização da

área total de intervenção do Parque Linear do Sapé. Fonte: base do Google Earth e trabalho gráfico

dos autores.

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Figura 03: delimitação da Sub-Bacia

do Córrego do Sapé, e destaque da

rede hídrica. Fonte: base do Google

Earth e trabalho gráfico dos autores.

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O parque é viabilizado pela instauração de compensação ambiental. Os novos par-ques municipais de São Paulo são produzidos a partir de três principais alternativas, com verbas da Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA), do Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), ou por meio de Termos de Compensação Ambiental (TAC). A estratégia do TAC é empregada desde 2006, como parte do Programa de Recupe-ração Ambiental dos Cursos D’água e Fundos de Vale, proposto pelo Plano Diretor Estratégico de 2002. No caso específico do Parque Linear do Sapé, do custo aproxi-mado de 5 milhões (referente ao primeiro trecho), parte foi assumida pela SVMA e o restante por duas empresas imobiliárias que, ao cortarem árvores para construção de um conjunto habitacional no Morumbi, efetivaram esta compensação. Neste ponto, surge a questão: não seria melhor que estas empresas tivessem de fazer uma con-trapartida nas proximidades do local de intervenção, no Morumbi, neste caso? Além disso, em que medida esta política de compensação, com construção de parques por parte da iniciativa privada, não contribui para o decréscimo de sua qualidade e aplica-ção de parâmetros comerciais aos espaços livres públicos?

O Parque Linear do Sapé também está inserido no Programa Córrego Limpo, lançado em 2007 por uma parceria entre Prefeitura do Município de São Paulo e Governo do Estado, por meio da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). A intenção do projeto é reverter a degradação dos córregos urbanos. Até o final de 2011, foram “despoluídos” 103 córregos e a previsão é de mais 49 até o final do ano7.

O parque, originalmente, tencionava dar um uso a uma área desocupada junto ao trecho inicial do Córrego do Sapé, entre a rodovia e a Rua Calixto Garcia. Posterior-mente, junto a outras secretarias municipais, acordou-se a necessidade de estender o parque até a Avenida Escola Politécnica, atravessando uma área favelada, com habi-tação em áreas de risco, degradação e desvalorização dos recursos hídricos.

A primeira fase de implantação, original, portanto, foi iniciada em 2005 e concluída em 2009, ocupando uma área de 26.240 m²8, com uma extensão de aproximadamente 500m9.

7 Sabesp, Programa Córrego Limpo.

8 Prefeitura de São Paulo.

9 Medição a partir de Google Earth.

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A fase seguinte, em processo de desapropriação e intervenção, intervém na Favela do Sapé, que se estende até a Avenida Escola Politécnica, completando um parque linear com extensão de 2Km, aproximadamente.

Figura 04: planta de pisos e equipa-

mentos, 1ª fase do Parque Linear do

Sapé. Fonte: Depave.

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Figura 05: planta de paisagismo, 1ª fase do Parque Linear do Sapé. Fonte: Depave.

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PROJETO DAS ÁGUAS

Michael Hough relata que “A forma urbana revela sua história natural e humana, e o ciclo contínuo dos processos naturais”10(HOUGH, 1998, p.18, tradução nossa); Con-tudo, “O ambiente urbano nos isola dos processos naturais e humanos que susten-tam a vida”11(HOUGH, 1998, p.15, tradução nossa); Por fim, “Grande parte de nossa existência diária passamos em lugares desenhados para encubrir os processos que sustentam a vida, o que contribui, possivelmente mais que qualquer fator, para o em-pobrecimento sensorial do entorno em que vivemos.”12 (HOUGH, 1998, p.29, tradução nossa)

As palavras de Hough são vistas, concretamente, na primeira fase do Parque Linear do Sapé, já implantada. O modo com que o projeto se apropria das águas e as rela-ciona ao meio urbano merece uma discussão.

O projeto manteve expostos os córregos nas extremidades da área. Entretanto, no trecho intermediário do parque, ao invés de levar a água à luz, o projeto instalou “equi-pamentos de lazer”, duas quadras poliesportivas, pista de skate e playground. O rio permanece oculto por mais de 200m, dificultando a leitura dos processos naturais na cidade. Não seria adequada uma estratégia intermediária, talvez com a realocação de uma quadra poliesportiva e exposição do córrego?

10 “El camino a un lugar revela su historia natural y humana, y el ciclo continuo de los procesos

naturales.” (HOUGH, 1998, p.18)

11 “El medio ambiente urbano en el aislamento de los procesos naturales y humanos que

sustentan la vida” (HOUGH, 1998, p.15)

12 “Gran parte de nuestra existencia cotidiana pasado en lugares destinados a encubrir

los procesos que sustentan la vida, lo que contribuye, quizás más que cualquier otro factor, el

emprobecimiento del medio ambiente sensorial en el que vivimos.” (HOUGH, 1998, p.29)

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Figura 06: Parque Linear do Sapé implantado (1ª fase) e sua relação com a água. Fonte: base de

Google Earth e trabalho gráfico dos autores.

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Figuras 07, 08 e 09: sequência de imagens da primeira fase do Parque Linear do Sapé, a jusante do

córrego do Sapé. Fonte: visita no dia 15/05/2012.

Não basta delinear, parcialmente, o caminho das águas. Apenas a partir da compreen-são do relevo e do caminho das águas e, portanto, das dinâmicas ambientais, é que a população compreenderá, efetivamente o meio em vive. E, uma vez compreendendo-o, passará a respeitá-lo e se sentir parte dele.

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Os corpos d’água expostos são delimitados por muros de gabião. Esta alternativa é válida frente às paredes concretadas impermeáveis, na medida em que permitem a troca de fluidos e crescimento de formas vegetais espontâneas. Contudo, seria mais interessante se o córrego pudesse não estar condicionado por estes muros, livre, na-tural, dinâmico, redesenhando constantemente seus contornos, ao longo do tempo e na oscilação entre períodos de cheia e seca. Mas a alternativa de gabião parece ter sido adotada para conter o processo de erosão, uma vez que as margens são estrei-tas, o que resultaria em barrancos muito íngremes.

Figuras 10: o rio delineado com gabiões, no

Parque Linear do Sapé. Fonte: visita no dia

15/05/2012.

Figura 11: “rio naturalizado” no Jardim Botânico

de São Paulo. Fonte: bonsprojetosdepaisagem.

blogspot.com.

Apesar de inapreensível, o parque abriga a nascente do córrego, nascente esta que surge a partir de um par de tubos de concreto, trazendo consigo dejetos materiais, uma imagem nada “triunfal” ou emblemática em referência à sua função ecológica. A população permanece, desta forma, em dúvida: de onde vem a água? é água ou é esgoto?

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Figuras 12 e 13: as “tubulações” do córrego. Figura 12 com destaque para a “nascente”. Fonte: visita

no dia 15/05/2012.

Observando-se o córrego, percebe-se, portanto, “a mão pesada do homem”, que ten-tou, de uma certa forma, requalificá-lo. Para a população da favela e do entorno, o rio “está bonito” assim. A maior preocupação destes homens é diminuir o risco de en-chentes que invadem as ruas e suas casas, levando consigo o lixo que eles mesmos ali despejaram. Na verdade, a população não se incomodaria se o rio fosse inteira-mente tamponado.

A água é ainda encarada como simples máquina urbana, brotando de encanamentos e esvaindo-se por eles. O córrego presta-se ao recebimento direto da água pluvial que, depois de escoar por calçadas e ruas, chega, por encanamentos subterrâneos ou canaletas superficiais, ao córrego, trazendo impurezas. Uma das funções das mar-gens do parque linear, aliás, seria, por meio de diversos estratos vegetais, permitir uma filtragem desta água suja antes de entrar em contato com a água limpa do corpo d’água, a priori.

Figuras 14 e 15: águas pluviais descarregadas diretamente no córrego. Fonte: visita no dia 15/05/2012.

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Aliás, a preocupação com a vegetação e sua diversidade é parca, no parque implan-tado. Grande parte da vegetação é pré-existente, como se torna visível pela compa-ração das imagens aéreas. As áreas junto aos equipamentos esportivos e à favela do Sapé são desprovidas de qualquer vegetação que não seja rasteira. Mesmo o restante do parque não possui estratos intermediários de vegetação, essenciais para a filtragem das águas.

Figura 16: vegetação rasteira e arbórea pré-existente. Figura 17: margens do córrego apenas com

gramíneas. Fonte: visita no dia 15/05/2012.

No projeto destes parques lineares, o rio é apenas mais um elemento, secundário. A intervenção não leva a água como dado de projeto.A água não é explorada como elemento urbano, tanto para conscientização ambiental, quanto para o uso recreativo, por exemplo, principalmente na medida em que os pequenos rios estão em processo de despoluição.

LÓGICA DE PROJETO

Com relação aos materiais empregados no parque linear, qualquer empreendimento privado ou praça no outro extremo da cidade, ou até mesmo em outros estados do país, terá este mesmo piso permeável padrão. É interessante a preocupação com a multiplicação das áreas permeáveis no meio urbano, mas não seria válido buscar alternativas menos impessoais, talvez relacionadas a uma produção local, com coo-perativas de moradores?

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Figuras 18 e 19: materiais, percursos e estado de conservação do parque. Fonte: visita no dia 15/05/2012.

As próprias dimensões dos caminhos são questionáveis. No trecho inicial do parque, a largura do piso não passa de 1m13, largura inadequada à passagem confortável de mais de um pedestre por um passeio público. No restante do parque as dimensões são suficientes, principalmente pela existência de percursos alternativos. A acessibili-dade universal adequadamente projetada, parece não ter sido idealmente implantada.

O estado de conservação e manutenção do parque é bom, sem lixo ou dejetos acu-mulados, vegetação bem cuidada, equipamentos públicos preservados. Este estado é resultado da intervenção pública na limpeza e manutenção e da relação estabelecida entre o espaço público e seu usuário.

Os parques lineares ao longo de corpos d’água seguem, em verdade, a mesma lógica de qualquer praça pública e até mesmo de qualquer térreo de condomínio residencial fechado. Estes parques são, em essência, um desenho de piso que mescla planos de relvados e peças semipermeáveis coloridas, sobre o qual são dispostos uma série de equipamentos de apreciação, recreação e esportes.

Não há desenho de espaço público. Há desenho de disposição de equipamentos, que se tornam, em si, a função e o fator atrativo do parque. Se não fossem colocados os equipamentos, ou o espaço permaneceria vazio, apenas como espaço de circulação, ou a população buscaria se apropriar dele, ressignificando-o14 e dando-o, propriamen-te, um uso.

13 Medida in loco.

14 Conceito de ressignificação: FRANCO, Fernando de Mello. “Contrários e complementares.”

In ROSA, Marcos. Microplanejamento. Práticas urbanas criativas. São Paulo, Editora Cultura, 2011.

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Assim como trata Paola Berenstein Jacques15, estamos em um processo de espetacu-larização da cidade e, especialmente, de seus espaços públicos, pontos estratégicos para que se alcance tal objetivo. A construção destes espaços se faz, portanto, por práticas homogeneizadoras, com criação de cenários e espaços desencarnados.

Figura 20: Parque Linear do Sapé. Fonte: visita no dia 15/05/2012. Figura 21: Shopping Downtown,

Barra da Tijuca, RJ. Fonte: visita em Maio/2011.

Também ocorre hoje um tipo de mimetismo às avessas nos espaços públicos: não é raro encontrarmos recentes projetos ditos de ‘revi-talização’, como praças públicas, por exemplo, que imitam as ditas ‘praças’ dos shoppings (em particular, os materiais empregados, a paginação do piso e o cercamento), exatamente o contrário do ocor-rido nas galerias e primeiros centros comerciais que mimetizavam os espaços públicos urbanos, as suas ruas e praças tradicionais. Hoje, paradoxalmente, a referência de espaço público dito ‘de quali-dade’ passa a ser um espaço privado, na maior parte das vezes, um espaço interno, cercado e com segurança privada.(JACQUES, p.164 apud ROSA, 2011).

Ainda com relação à produção dos parques lineares junto a corpos d’água, existe uma “brecha”, em lei, comumente empregada pelo poder público municipal a seu fa-vor. As canalizações de córregos com extensão inferior a 1Km são dispensados de licenciamento ambiental, EIA-RIMA16. Desta forma, é dada preferência à intervenção

15 JACQUES, Paola Berenstein. Microrresistências urbanas: por um urbanismo incorporado. In

ROSA, Marcos. Microplanejamento. Práticas urbanas criativas. São Paulo, Editora Cultura, 2011.

16 Resolução n° 61/CADES/2001.

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em córregos de menor extensão, relacionados a “pequenos parques lineares”, que assemelham-se a praças, deixando de desempenhar muitas das funções inerentes a um parque linear, tanto na articulação e fortalecimento de manchas da matriz verde em meio à matriz cinza, quanto na melhoria da qualidade das águas urbanas. Esta manobra é ainda mais interessante ao poder público na medida em que multiplica-se o número de parques lineares implantados. O número de parques é explorado, portan-to, como estratégia de marketing político. Os parques correm o risco de se resumirem a meros números, desconsiderando-se a importância de sua qualidade ambiental, social, humana, e sua relevância para as diversas escalas, desde o entorno imediato, à escala da bacia e da metrópole como um todo.

SEGUNDA FASE

A segunda fase de intervenção no Sapé, em processo de implantação, prevê o pro-longamento do parque linear em meio à Favela do Sapé. Esta favela é composta por mais de 2.000 barracos, com uma estimativa populacional de 10.000 pessoas, de modo que a intervenção já tenha decorrido na remoção de 340 famílias e realocação de outras 43017. A população, autointitulada Comunidade do Sapé, está organizada em torno a reuniões e um blog, para disseminação e discussão dos novos aconteci-mentos.

Figuras 22 e 23: situação do córrego antes do início das obras da 2ª fase. Fonte: comunidadesape.

blogspot.com.br.

17 Dados da Comunidade do Sapé: comunidadesape.blogspot.com.

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Figura 24: o processo de implantação da 2ª fase do parque. Fonte: visita no dia 15/05/2012. Figura 25:

“árvore indo pelo ralo”. Fonte: comunidadesape.blogspot.com.br.

A avaliação que se tem do parque é positiva. O parque é encarado como uma solução para as recorrentes enchentes. Uma moradora, Cristiane, relata: “Enfrentamos muitas enchentes. A cada chuva as pessoas ficam sem nada.”18 A questão que ganha maior vulto entre os populares é a realocação de famílias e o aluguel social insuficiente.

CONCLUSÃO A construção das cidades brasileiras e de suas infraestruturas, inclusive a verde, é resultado da sobreposição de diferentes compreensões, interesses e ações, por par-te de atores públicos e privados, coletivos ou individuais. Apesar das diferenças, é comum a todos uma consciência fragmentada dos processos naturais e da relação estabelecida entre cidade e natureza e seu distanciamento de uma ação efetiva pau-tada pelos conceitos ecológicos. Neste ponto reside, de fato, o cerne do problema ambiental das grandes cidades brasileiras e, em especial, São Paulo.

Buscando-se um exemplo em outro parque municipal, em pesquisa19 elaborada pela administração do Parque Cidade de Toronto, em Pirituba, enquanto 100% dos entre-vistados certificam a importância de se passar informações sobre a preservação do meio ambiente, 99,45% não gostaria de colaborar voluntariamente com o parque. As

18 www.comunidadedosape.blogspot.com.br.

19 Pesquisa realizada nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2012, com 183 visitantes

entrevistados.

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pessoas, hoje, sabem falar de algumas questões ambientais, superficialmente. Entre-tanto, não sabem como intervir efetiva e concretamente, de forma conjunta. E isto não é exclusivo da população, é recorrente, também, nos âmbitos de intervenção público e privado.

Apesar de todas as críticas que se podem fazer em torno à intervenção pública na criação destes novos parques, este ator não deve ser, excessivamente, “diabolizado”. Este setor, em diferentes medidas, em parceria com o poder privado e a população, está, no fundo, empenhado, ao menos tentando. Não deve, portanto, ser tirado seu mérito, porque este existe e muitos são os exemplos notáveis de bons projetos e ma-nutenção de espaços livres na cidade.

Da mesma maneira, nós, arquitetos, urbanistas, paisagistas e pesquisadores, das antigas e novas gerações, não estamos fora desta lógica de reprodução do espaço urbano e devemos, portanto, assumir nossa parcela de “culpa”. Mas é de nós, prin-cipalmente, que deve partir uma atitude questionadora, provocadora e propositiva. Vamos todos, então, tentar.

REFERÊNCIAS

BURDETT, Ricky. “Pensar a cidade para construir a cidade”. In ROSA, Marcos L.. “Micro Planejamento. Práticas urbanas criativas”. Editora Cultura, São Paulo, 2011;

FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Desenho Ambiental - Introdução à Arquitetura da Paisagem com o Paradigma Ecológico. São Paulo, Annablume, 1997, 224 p;

FRANCO, Fernando de Mello. “Contrários e complementares.” In ROSA, Marcos. Mi-croplanejamento. Práticas urbanas criativas. São Paulo, Editora Cultura, 2011.

HOUGH, Michael. “Naturaleza y Ciudad. Planificación Urbana y Procesos Ecológi-cos”. Barcelona, Gustavo Gili, 1998, 308 p;

JACQUES, Paola Berenstein. “Microrresistências urbanas: por um urbanismo incorpo-rado”. In ROSA, Marcos L.. “Micro Planejamento. Práticas urbanas criativas”. Editora Cultura, São Paulo, 2011;

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LOTUFO, José Otávio. “Habitação social para a cidade sustentável”. São Paulo, Dis-sertação de Mestrado, 2011, 155p.

ROGERS, Richard. “Cidades para um pequeno planeta”. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2001;

Sites pesquisados

www.prefeitura.sp.gov.br, acesso em 10/05/2012, às 21:30;

www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente, acesso em 11/05/2012, às 15:00;

www.corregolimpo.com.br, acesso em 14/05/2012, às 14:30;

www.ibge.gov.br/censo2010/, acesso em 05/05/2012, às 9:30;

comunidadesape.blogspot.com, acesso em 15/05/2012, às 14:00;

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ARTIGO Nº5PARQUE LINEAR DO CANIVETE SOB UMA PERSPECTIVA DO

DESENHO AMBIENTALCanivete Linear Park under a perspective of Environmental Design

Giorgia Yoshiko Rossignolo Suzumura

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PARQUE LINEAR DO CANIVETE SOB UMA PERSPECTIVA DO DESENHO AMBIENTAL

Giorgia Yoshiko Rossignolo Suzumura

Arquiteta e Urbanista pela FAU-USJT; Licenciatura pela FATEC- SP; Professora e Coordenadora do

curso técnico de Edificações do IFSP – Campus Itapetininga. E-mail: [email protected]

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar através de visita feita ao Parque Linear do Cani-vete verificando se este segue os conceitos dos projetos de parque lineares quanto ao Desenho Ambiental, além de identificar a recuperação e melhorias ocorridas in loco por sua implantação e os problemas identificados no local e registrados em fotos quanto ao gerenciamento e manejo do parque.

Palavras chave: Parque Linear do Canivete, gerenciamento, manejo, corredores ver-des, desenho ambiental.

CANIVETE LINEAR PARK UNDER A PERSPECTIVE OF ENVIRONMENTAL DESIGN

Abstract

This article aims to analyze the visit made by the Parque Linear do Canivete to make sure it follows the concepts of linear park projects on the Environmental Design, and for identify the recovery and improvements have taken place on the spot by its im-plementation and issues identified in the local and recorded in photos about the park management.

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INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado de um trabalho feito para a disciplina de Desenho Ambiental no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universi-dade de São Paulo, aula esta ministrada pela professora doutora Maria de Assunção Ribeiro Franco.

Como proposta da disciplina, primeiramente, foram estudadas algumas referências bi-bliográficas para melhor entendimento sobre os diversos assuntos abordados no âm-bito do desenho ambiental, com isso, em aula, foram feitas algumas apresentações sobre os levantamentos bibliográficos analisados e, sendo assim, houve um maior e melhor entendimento sobre esta linha de pesquisa.

Após a análise dos conceitos bibliográficos levantados, alguns estudos de casos fo-ram levantados pela professora para que os alunos da disciplina pudessem analisar e propor medidas de melhorias para os casos.

Um dos estudos de casos escolhidos para ser analisado foi o Parque do Bispo situado próximo a Serra da Cantareira que atualmente encontra-se ainda em execução.

Próximo a este parque encontra-se o Parque Linear do Canivete, já executado e muito comentado, com isso, atraindo ainda mais a atenção para a sua análise de projeto e visão de melhorias.

E esse foi um dos motivos que visou a idealização deste artigo, verificar a análise do projeto do parque linear do canivete analisando se este segue os conceitos de dese-nho ambiental e como está a situação do local com a sua implantação, verificando assim se foram executadas melhorias no entorno após a implantação do parque.

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PARQUE LINEAR DO CANIVETE

O Parque Linear do Canivete está situado à Avenida Deputado Cantídio Sampaio e Avenida Hugo Ítalo Merigo no Jardim Damasceno, Brasilândia na cidade de São Pau-lo. Este bairro originou-se de um desmembramento de sítios e chácaras que havia no início do século XX. Os sítios, que antes existiam, com o tempo foram tornando-se loteamentos irregulares. Nos anos 90 a infraestrutura de comércio, bancos e serviços começaram a se estabelecer, acentuando-se sua expansão a partir de 2007.

O bairro apresenta deficiência no sistema de transporte, devido às vias inadequadas e es-treitas. Destaca-se a baixa qualidade de vida e precariedade das moradias, com uma taxa de criminalidade alta, ocasionada principalmente pelo tráfico de drogas.

O projeto deste parque linear faz parte do projeto 100 parques da prefeitura de São Paulo, baseado nas diretrizes do Plano Diretor Estratégico, o Programa 100 Parques para São Paulo trata da expansão de áreas verdes com os seguintes objetivos:

◊ construir um banco de terras públicas prestadoras de serviços ambientais;

◊ iniciar um plano de adaptação ao novo cenário de mudanças climáticas.

O critério de escolha das localizações para implantação dos futuros parques deste programa foi embasado na identificação de áreas públicas existentes, assim como áreas ambientalmente frágeis, principalmente concentradas nos extremos sul e norte do município, bem como aquelas produtoras de água e de fundos de vale.

Sobre a implantação do Parque Linear Canivete, na região da Cantareira, o objetivo principal deste foi a recuperação de um quilômetro do córrego e de suas margens, além da proteção destas, a readequação do sistema de esgoto e de iluminação pú-blica, de pavimentação das ruas e construção de passeios e calçadas e plantio de árvores.

A área localizada no Jardim Damasceno era ocupada por dois grandes assentamen-tos irregulares, um na encosta e outro junto ao córrego onde cerca de 600 famílias viviam em situação de risco, estas famílias foram removidas para possibilitar a recu-peração da área.

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O projeto do Parque contava com dois playgrounds, cinco quiosques, áreas de ativi-dade física adequadas para a terceira idade, pequena arquibancada, mesas e bancos, praça-mirante, pista de skate, quadra poliesportiva, campo de terra, áreas gramadas para atividades múltiplas e pista de caminhada.

O desenho do parque do Canivete demonstra a sua preocupação e intenção de recu-perar uma área degradada pela ocupação irregular e precária, além de tentar impedir o avanço das construções em áreas de risco em encostas e córrego e proteger a Serra da Cantareira.

Para tratarmos do âmbito do desenho ambiental do projeto do parque do canivete, antes de tudo deveremos abordar alguns conceitos que demonstram a situação ante-riormente encontrada na área em questão para analisarmos o projeto do parque e sua proposta de implantação.

Como já foi relatada, a área que atualmente encontra-se o parque linear do canivete era uma área onde se encontravam habitações irregulares e precárias em áreas de risco, encosta e córrego.

Na foto abaixo é possível notar a pressão que a ocupação irregular fazia na paisagem e degradava a área do córrego e arredores.

Figura 1: panorama anterior: Favela sobre o córrego. Fonte: SVMA - 2011

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Revista LABVERDE

O local apresentava um processo de urbanização acelerado e completamente desor-denado, apresentando construções precárias, ilegais e geralmente edificadas com restos de madeira, materiais construtivos ou com blocos assentados sem reboco.

A enorme densidade de construções era interligada apenas por vielas estreitas, sem nenhuma área livre e verde entre elas.

Além disso, este local tratava-se de uma ocupação que se não fosse colocado um limite físico para o crescimento das suas habitações irregulares e desordenadas, esta poderia acabar chegando ao limite dos resquícios da Mata Atlântica, situada na Serra da Cantareira conforme podemos ver nas imagens abaixo.

Figura 2: relação entre o

Parque Linear do Canivete e

a Serra da Cantareira – Fon-

te: SVMA - 2011

Figura 3: perímetro do Par-

que Linear do Canivete –

Fonte: SVMA - 2011

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A característica do local se dava por uma ocupação irregular em área pública, onde se encontravam uma alta concentração de habitações precárias (barracos e autoconstru-ção) em área de risco e APP (Área de Preservação Permanente).

As habitações promoviam baixa qualidade de vida para seus moradores, onde não existia coleta de lixo e esgoto e os detritos eram despejados diretamente no córrego.

De acordo com HOUGH, a forma urbana é resultado de um constante e dinâmico pro-cesso evolutivo, determinado tanto pelos processos naturais, quanto pelos humanos, com suas forças econômicas, políticas, demográficas e sociais.

FRIEDRICH, evidencia que o que tem sido observado são legislações restritivas quan-to a proteção de mananciais e ocupação de áreas ambientais”(...)“A conseqüência deste ato são invasões de área, loteamentos irregulares, depósitos de lixo clandesti-nos, entre outros. Ao introduzir as restrições do uso do solo é necessário que a legis-lação dê alternativa econômica ao proprietário da terra ou o município deve comprar a propriedade”.

Vendo isso, a solução para evitar tais conseqüências, a prefeitura de São Paulo visou propor um parque linear para a área do córrego do Canivete, que entrou no Programa dos 100 parques, visando minimizar o impacto gerado na área, melhorando a quali-dade do córrego e da mata, garantindo assim a desocupação das construções irregu-lares na área propondo uma solução que valorizasse o meio ambiente e a paisagem, além de garantir uma melhoria de vida para a população local, com a utilização do parque para as pessoas que vivem no entorno.

Em meio urbano, a mata ciliar pode muitas vezes minimizar o pro-cesso de poluição, contendo, filtrando e purificando a água. Além disto, uma mata ciliar preservada pode contribuir para a contenção dos processos erosivos nas encostas íngremes que contornam os cursos d’água. (FRIEDRICH, 2007, p. 87)

O conceito de corredor é considerado um dos elementos fundamen-tais da estrutura da paisagem no domínio da disciplina da Ecologia da Paisagem (...). (FRIEDRICH, 2007, p. 91)

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Revista LABVERDE

BARTALINI, constata que a ideia de associar rios a áreas verdes não é nova. Os urba-nistas Saturnino de Brito, Ulhôa Cintra e Prestes Maia propuseram parques ao longo do Tietê. Antes deles, em 1918, Barry Parker propôs um cinturão verde junto aos rios. E, em 1950, quando surgiram os planos para retificação do Pinheiros, Robert Moses tentou convencer as autoridades da importância de manter uma área verde ao longo do rio.

DESENHO AMBIENTAL

Segundo FRANCO (2001), o Desenho Ambiental em sua visão interativa com diversas áreas do conhecimento, tendo à disposição tecnologias de ponta, os novos instrumen-tos para projetos ambientais, representa uma mudança radical na arte de projetar.

A linguagem do Desenho Ambiental tem por base os princípios de desenho respon-sáveis pela ecologia ou pela geração de oportunidades de suprir necessidades urba-nas em função dos recursos existentes, inclui conceitos de processo e mudança, tais como: a economia do meio, a educação ambiental e a valorização do meio ambiente, que integre o homem aos processos naturais.

Parque Linear, por suas características associadas à rede hídrica, deve atender a fina-lidades paisagísticas e ecológico-ambientais, além das de lazer e sociabilidade.

Segundo o relatório 2 dos instrumentos Legais Necessários à Implantação de Par-ques Lineares da Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, o artigo 106, Parque Linear é definido como:

intervenções urbanísticas que visam recuperar para os cidadãos a consciência do sítio natural em que vivem, ampliando progressiva-mente as áreas verdes .

A recuperação da consciência do sítio natural, por sua vez, é uma diretriz que deve ser atrelada a programas de educação ambiental.

O Parque Linear se caracteriza fundamentalmente como uma intervenção urbanística associada à rede hídrica e por isso tem características diferenciadas de um parque convencional e que tem como objetivos:

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◊ Proteger ou recuperar os ecossistemas lindeiros aos cursos e corpos d’água;

◊ Conectar áreas verdes e espaços livres de um modo geral;

◊ Controlar enchentes;

◊ Prover áreas verdes para o lazer.

Nesse sentido, deve-se sempre buscar a implantação de espaços visando dar uma continuidade a caminhos verdes e à cobertura vegetal e arborização ao longo do curso hídrico, combinando espaços onde a zona equipada pode ter maior área, se assemelhando a um parque nuclear convencional, e espaços onde a faixa é mais es-treita, limitando-se a áreas de preservação da mata ciliar e caminhos verdes, quando possível. A continuidade no tratamento da paisagem ao longo do curso hídrico visa não apenas a recuperação ambiental, mas também a valorização dos cursos d’água como elemento estrutural.

Por isso o desenho ambiental tem a proposta de zonas de amortecimento ou buffer zones para preservação das margens dos rios, onde as matas ciliares são aquelas que protegem os corpos d’água, mantendo a biodiversidade ao longo dos córregos. Essas áreas de vegetação nativa à beira de rios cumprem função relevante ao impe-direm o assoreamento das represas e dos reservatórios, causado pela erosão do solo a seu montante.

De acordo com VALERI E SÊNO, para a integração dos aspectos jurídicos e técnicos referentes aos corredores ecológicos, é necessária a conceituação jurídica de alguns termos:

◊ Área de preservação permanente: área protegida, coberta ou não por vege-tação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.

◊ Unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, in-cluindo as águas jurisdicionais, com características relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites defi-nidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias

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Revista LABVERDE

adequadas de proteção.

◊ Manejo: todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas;

◊ Recuperação: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original;

◊ Restauração: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original;

◊ Zoneamento: definição de setores ou zonas em uma unidade de conserva-ção com objetivos de manejo e normas específicos, com o propósito de pro-porcionar os meios e as condições para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz;

◊ Plano de manejo: documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zo-neamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade;

◊ Zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade;

◊ Corredores ecológicos: porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de ge-nes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolo-nização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais.

De acordo com FERREIRA E MACHADO, os corredores verdes constituem uma com-ponente importante da Estrutura Ecológica, consistindo num instrumento eficaz de requalificação ambiental de territórios degradados e ecologicamente sensíveis. As re-

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des de Corredores Verdes são espaços livres lineares que ligam grandes áreas não lineares ou grandes manchas de espaços naturais, constituindo sistemas de espaços, planejados, projetados e geridos para diversas finalidades, incluindo objetivos eco-lógicos, recreativos, culturais, estéticos e produtivos, compatíveis com o conceito de sustentabilidade.

A Rede de Corredores Verdes pode, não só proteger os recursos existentes, como também compatibilizá-los com a atividade humana, contribuindo para uma melhor qualidade da paisagem e de vida da população que tem como objetivos fundamen-tais:

◊ A delimitação de áreas com elevado valor ecológico cultural e paisagístico;

◊ A definição de uma rede de corredores verdes com ramificações no tecido urbano;

◊ A proteção dos recursos e a sua compatibilização com a atividade humana;

◊ Contribuir para uma melhor qualidade da paisagem e de vida da população.

As Redes de Corredores Verdes em ambiente urbano deverão permitir a integração de áreas de maior valor ecológico numa estrutura desenhada e organizada, criando novas componentes e potenciando ligações através dos subsistemas territoriais fun-damentais que funcionam como infra-estruturas:

◊ Infra-estrutura azul (circulação da água);

◊ Infra-estrutura verde (produção de biomassa);

◊ Infra-estrutura cultural (paisagem e elementos culturais);

◊ Infra-estrutura de mobilidade sustentável (não motorizada).

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UMA PERSPECTIVA DO DESENHO AMBIENTAL

Analisando o projeto do Parque Linear do Canivete, nota-se que este não segue as diretrizes básicas do desenho ambiental. Como se pode notar pelo projeto e visita ao local, o objetivo foi dar vida às margens do córrego, pavimentando-as e propondo área de caminhada, recreação e esportes, mas sabe-se que isso não uma proposta de recuperação da paisagem pelo desenho ambiental.

Antes de qualquer intervenção e proposta deveria haver uma preocupação maior com os resquícios da mata atlântica, o córrego em si com o seu desenho e extensão e principalmente pela sua recuperação e do entorno.

De acordo com a proposta do desenho ambiental ao longo do córrego do Canivete deveria existir um corredor de mata ciliar ao longo das margens para garantir a con-servação e proteção do ambiente e biodiversidade da mata atlântica, criando assim uma buffer zone ou zonas de amortecimento, e aí sim, depois destas poderiam ser criadas as áreas de esporte, lazer e recreação para os moradores do entorno, garan-tindo assim uma faixa de proteção entre o córrego, a mata atlântica e a urbanização

De acordo com BONILHA, as matas ciliares são responsáveis pela filtragem super-ficial dos sedimentos carregados pela chuva, bem como pela estabilização das mar-gens dos rios, minimizando a erosão natural do solo, ao mesmo tempo abastecem permanentemente os cursos d’água com matéria orgânica.

Na proposta do parque linear do Canivete tratou-se da recuperação e preservação de uma Área de Preservação Ambiental com alto índice de degradação ambiental, o parque funciona como barreira entre a APP e o núcleo habitacional, garantindo assim o saneamento do curso d’água, como o nível de qualidade das águas e recuperação das APPs, urbanizar as áreas com assentamentos precários, melhorar a qualidade de vida reconfigurando o traçado urbano de acordo com proposta de implantação de áreas voltadas ao lazer e esporte para a população local.

Mas, na proposta de recuperação da área onde deviam remover as construções pre-cárias e irregulares sobre o córrego o projeto de implantação do parque foi muito bem sucedido. Obviamente é nítida a recuperação do local, o projeto do Parque Linear do Canivete pode não seguir a risca os conceitos de desenho ambiental para parques lineares, mas com certeza melhorou e muito a região e com isso levou uma melhor

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qualidade de vida a população local proporcionando lazer, esporte e cultura, além de garantir com o parque uma barreira para interromper o avanço da urbanização em direção a Serra da Cantareira onde temos resquícios da mata atlântica na cidade de São Paulo.

Figura 4: ocupação em áreas de risco, encosta e córregos. Fonte: SVMA - 2011

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Figura 5: projeto do parque após remoção do risco. Fonte: SVMA – 2011

Figura 6: vista geral Parque Linear e a Cantarei-

ra. Foto: SVMA – 2011

Figura 7: vista geral parque e entorno. Foto:

SVMA – 2011

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PROBLEMAS DE GERENCIAMENTO E MANEJO DO PARQUE LINEARDO CANIVETE

Em visita ao parque linear do canivete pôde-se notar a falta de gerenciamento e ma-nutenção do parque, ficou óbvio que não se pode pensar apenas em fazer o projeto, mas sim se deve garantir que o mesmo possa se sustentar e manter uma paisagem e infra-estrutura adequada.

BONILHA, cita que é muito importante tomar as medidas adequadas para a disposi-ção dos resíduos sólidos e campanhas de educação ambiental para a conservação da qualidade da água.

Figura 8: Canivete - Feira da Saúde 2010. Foto:

SVMA – 2011

Figura 9: cotidiano caminhada matina UBS iní-

cio. Foto: SVMA – 2011

Figura 10: cotidiano caminhada matinal UBS.

Foto: SVMA – 2011

Figura 11: vista aérea - impacto positivo na re-

gião. Foto: SVMA – 2011

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Verificou-se in loco que o uso é mais voltado para o esporte pelo uso da quadra onde muitas pessoas encontravam-se. O maior problema diagnosticado foi à falta de cons-cientização ambiental pelos usuários, pois o local encontrava-se sujo, com deposição de resíduos ao longo das margens do rio e até mesmo dentro do próprio, e também principalmente a falta de fiscalização e gerenciamento do Parque Linear do Canivete para garantir o pleno funcionamento e objetivo desteOutro fator relevante aos pro-blemas encontrados no local foi a proximidade das construções ao longo do córrego, além de ser encontradas construções irregulares na margem do rio.

Para visualizar tais evidências relacionadas acima, foram registradas fotos abaixo que mostram os problemas encontrados in loco para análise da implantação, utilização e gerenciamento do parque.

Figura 12: deságue do córrego do Bananal cana-

lizado. Foto: Giorgia Suzumura – abril/2012

Figura 14: vista dos resíduos despejados no

córrego do Canivete. Foto: Giorgia Suzumura –

abril/2012

Figura 13: vista da chegada do córrego canaliza-

do. Foto: Giorgia Suzumura – abril/2012

Figura 15: margem do córrego do Canivete com

despejo de resíduos. Foto: Giorgia Suzumura –

abril/2012

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Figura 16: Parque Linear do Canivete. Foto: Gior-

gia Suzumura – abril 2012

Figura 17: vista do Parque Linear do Canivete

com muros pichados e carro estacionado em local

impróprio. Foto: Giorgia Suzumura – abril 2012

Figura 18: vista do córrego entra as habitações

precárias e irregulares e as habitações sociais.

Foto: Giorgia Suzumura – abril 2012

Figura 19: passarela sobre o córrego e cabeceira

de cama jogada às margens do rio. Foto: Giorgia

Suzumura – abril 2012

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Figura 21: vista das habitações sociais muito

próximas ao córrego. Foto: Giorgia Suzumura –

abril 2012.

Figura 22: vista do riacho do canivete com cons-

trução irregular ao fundo. – Foto: Giorgia Suzumu-

ra – abril 2012

Figura 20: pavimentação do Parque Linear. Foto:

Giorgia Suzumura – abril 2012

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Figura 23: vista do play-

ground do parque linear e ao

fundo a serra da Cantareira.

Foto: Giorgia Suzumura –

abril 2012-05-20

O que ficou claro na visita in loco ao Parque Linear do Canivete é que não adianta somente executar o projeto de parque lineares e melhorias para recuperação de áre-as, mas sim deve haver uma gestão pública que considere a capacidade do poder público executivo em equipar e manter os parques lineares, sendo este a subprefei-tura ou então a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, e sem dúvida, deve haver uma conscientização das pessoas que utilizam o local para manter ao longo do tempo o que foi proposto desde o inicio. A cultura da população do entorno deste local deve ser melhorada para que várias gerações possam aproveitar as melhorias feitas pela implantação do projeto do Parque Linear do Canivete visando tanto a parte social, ambiental, cultural, lazer, esportes e entre outros.

Figura 24: passagem impedida do passeio pú-

blico pelo depósito de lixo no local. Foto: Giorgia

Suzumura – abril 2012.

Figura 25: Vista da degradação pelo despejo de

lixo ao logo do passeio público e margens do cór-

rego. Foto: Giorgia Suzumura - 2012.

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CONCLUSÃO

Analisando este parque linear como recuperação de uma área degradada, o projeto foi realmente importante para a melhoria da região. A proposta deste parque linear não remete exatamente aos conceitos de um projeto de desenho ambiental, mas no intuito de melhorias para as questões levantadas, este foi bem sucedido.

O projeto do parque poderia ter seguido os conceitos de desenho ambiental quanto as propostas de revegetações, recuos das construções, matas ciliares como zonas de amortecimento ao córrego, preservação do mesmo e áreas permeáveis ao longo do parque, mas em visita ao local notamos que isso não foi bem seguido. Mas é im-portante relatar que diante das situações verificadas anteriormente por pesquisas e levantamento do local, hoje este se encontra bem melhor, a implantação do parque linear do canivete garantiu um uso para esporte, lazer e cultura para a população e é claro uma melhor da qualidade de vida para todos que vivem e desfrutam do seu entorno.

Lembrando também que ficou nítida a falta de gerenciamento e manejo do Parque Li-near do Canivete, necessitando mais atenção dos órgãos competentes e das pessoas que utilizam para manter a qualidade e funcionalidade do mesmo.

Antes Depois

Figuras 26 e 27: Fonte: http://www.slideshare.net/chicomacena/intervenes-em-reas-de-risco-no-muni-

cpio-de-so-paulo. Acessado em 20 de abril de 2012.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BONILHA, Iraúna. A água e os rios na cidade: Elementos para o projeto ecológico da pai-sagem. Paisagem e Ambiente – Ensaios. São Paulo: FAUUSP, n.22, p. 172-179, 2006.

FRIEDRICH, Daniela. A visão ambiental no planejamento e gestão de parques line-ares em áreas de fundo de vale urbana. In: O parque linear como instrumento de planejamento e gestão das áreas de fundo de vale urbanas. Porto Alegre, 2007. p. 66-100. Dissertação (Mestre em Planejamento Urbano e Regional) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

FERREIRA, José Carlos; MACHADO, João Reis. Infra-estruturas verdes para um fu-turo urbano sustentável. O contributo da estrutura ecológica e dos corredores verdes. Revista LabVerde: nº1, 2010.

FRANCO, M. A. R. . Desenho Ambiental uma Introdução à Arquitetura da Paisagem com o Paradigma Ecológico. 2ª. ed. São Paulo: Annablume, 2008. v. 01. 224 p

FRANCO, M. A. R. . Planejamento Ambiental para a Cidade Sustentável. 2ª. ed. São Paulo: Annablume, 2001. v. 01. 296 p

HOUGH, Michael. Naturaleza y Ciudad. Planificación Urbana y Processos Ecológicos. Barcelona, Gustavo Gili, 1998, 308p.

SECRETARIA DO VERDE E MEIO AMBIENTE. Instrumentos Legais Necessários à Implantação de Parques Lineares. São Paulo, 2006.

SECRETARIA DO VERDE E MEIO AMBIENTE. Parque da Borda da Cantareira. São Paulo, 2011.

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Revista LABVERDE

VALERI, Ségio; SÊNO, Mirela. A importância dos corredores ecológicos para a fauna e a sustentabilidade de remanescentes florestais.

http://www.slideshare.net/chicomacena/intervenes-em-reas-de-risco-no-municpio-de-so-paulo. Acessado em 20 de abril de 2012.

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ARTIGO Nº6IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS UNIDADES PAISAGÍSTICAS NO

SUBDISTRITO DO BUTANTÃIdentification and evaluation of landscape units in Butantã subdistrict

Ana Cristina Gaspar

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IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS UNIDADES PAISAGÍSTICAS NO SUBDISTRITO BUTANTÃ

Ana Cristina Gaspar

Licenciatura em Ciências da Engenharia do Ambiente pela FCT-UNL. Mestranda em Engenharia do

Ambiente pela FCT-UNL – E-mail: [email protected]

Resumo

O presente artigo faz uma avaliação das unidades paisagísticas no Subdistrito Butan-tã com o objectivo de oferecer melhores bases de planeamento para futuros projectos e planos. Da realização deste trabalho salienta-se a importância da utilização de SIG que facilitam a interpretação dos dados e diminuem o tempo despendido na sua ava-liação. Da conclusão da identificação e avaliação das unidades paisagísticas eviden-cia-se a importância que a Cidade Universitária tem no subdistrito e o maior potencial de protecção da paisagem local que esta unidade apresenta. Quanto ao potencial de urbanização, é a unidade “Residencial vertical – fundo de vale” que adquire um valor mais elevado.Assim, estas unidades devem admitir uma correcta gestão, benefician-do a qualidade de vida da população residente e contribuindo para a diminuição dos problemas de uma rápida expansão urbana e sem planeamento.

Palavras-chave: avaliação da paisagem, crescimento urbano, paisagem, potencial de protecção da paisagem local, potencial de urbanização, Subdistrito Butantã, unida-des paisagísticas.

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IDENTIFICATION AND EVALUATION OF LANDSCAPE UNITS IN BUTANTÃ SUBDISTRICT

Abstract

This article assesses the landscape units in Subdistrict Butantã in order to provide bet-ter basis for planning future projects and plans. Of this study highlight the importance of using GIS to facilitate the interpretation of the data and decrease the time spent in the evaluation.Completion of the identification and assessment of landscape units hi-ghlights the importance the University City is in the subdistrict and the greater potential for protection of local landscape features that this unit. As for the potential of urbaniza-tion, the unit is “Vertical Residential - valley bottom” that acquires a higher value. Thus, these units must admit a proper management, enhance the quality of life of residents and contributing to reducing problems of rapid urban expansion and unplanned.

Keywords: assessment of landscape,urban growth, landscape, potential protection of the local landscape, potential of urbanization, Subdistrict Butantã, landscape units.

INTRODUÇÃO

O crescimento acentuado de uma metrópole acarreta consequências para todo o sis-tema natural e urbano da região, que necessitam de ser preferencialmente evitados ou, posteriormente, mitigados. A cidade de São Paulo sofreu uma rápida expansão urbana, que pôs em causa a evolução saudável da paisagem.

Neste âmbito, o presente artigo pretende identificar e avaliar as unidades paisagís-ticas doSub-distrito Butantã de modo a contribuir para um melhor conhecimento da paisagem da zona, tendo em vista futuras intervenções.

Actualmente, o facto de haver uma multiplicidade de matérias teóricas e práticas so-bre a paisagem e a sua avaliação, leva a uma ausência de consenso e sistematização ao nível de conceitos e metodologias. Assim, as diferentes definições de paisagem reflectem a diversidade de disciplinas que abordam esta temática mas que, simulta-neamente contribuem para a sua evolução e dificuldade de interpretação.

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(…) qualquer paisagem invoca diversas memórias e associações na mente humana, pelo que a palavra em si mesma implica diferentes significados. (Lyle, 1999)

Assim como Lyle (1999),Barreiros(2005) e Magalhães(2007) também defendem que a paisagem é um objecto de estudo no qual os profissionais identificam a matéria mais interessante para investigar. Deste modo, torna-se complicado e mais complexo atri-buir uma única definição que esteja em concordância com as premissas de todos os que estudam e se interessam por esta matéria. Forman e Godron (1986) afirmam que uma paisagem é caracterizada como “uma unidade distinta e mensurável, definida pelo seu padrão de agrupamentos de ecossistemas em interacção, desenvolvimento geomorfológico, regimes de perturbação e evolução”.

Neste sentido, Barreiros (2005) esquematizou o conceito de paisagem (Figura 1) como sendo sistemas não herméticos, existindo constantes transferências e em evolução.

Figura 1: representação esquemática da abordagem conceptual de Paisagem. Fonte: Barreiros, 2005

Da figura anterior verifica-se que fazem parte de uma paisagem as componentes fí-sicas do próprio sistema ecológico e cultural. São estas componentes que permitem que a paisagem adquira uma identidade e especificidade, de onde fazem parte as componentes internas e externas. No entanto, todas estas características são únicas do indivíduo que a vivencia e, por isso, a paisagem nunca será entendida e vista de igual forma, por duas pessoas.

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Já Magalhães (2007) afirma que uma paisagem não é mais do que o arranjo espacial dos elementos constituintes de uma paisagem – o mosaico.A autora também defende que a paisagem pode ser reconhecida como as apropriações e transformações ope-radas no passado. Assim, os elementos constituintes da paisagem devem assumir um carácter mais permanente, devendo-se evitar a sua deterioração sob o risco de estes se perderem de uma forma definitiva.

Assim, é importante reconhecer que, actualmente, a paisagem já não é entendida como um sistema com fronteiras estanques, e que não se concebe por meio das dualidades que caracterizam a típica divisão de natureza vs cultura, cidade vs cam-po ou paisagem vs arquitectura. A abordagem de que a paisagem tem um carácter dinâmico, não sendo um realidade estática é importante, devido às transformações que esta pode sofrer ao nível da organizaçao espacial dos elementos que a compõem (Magalhães, 2007).

A função principal da paisagem é o fluxo de pessoas, animais, materiais, energia, água e plantas. Neste âmbito, a utilização de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) é fundamental pois permite entender a relação entre os elementos da paisagem e as suas influências. A incorporação do conhecimento da ecologia com o planeamen-to da paisagem contribuem para uma abordagem de um planeamento da paisagem. Para além disso, o conhecimento sobre o tema e os métodos e técnicas de planea-mento devem ser aplicados a todas as actividades humanas. Sendo assim, é possível afirmar que a paisagem é um fenómeno complexo, sendo constituída por uma área relativamente homogénea no que respeita à forma e processos activos (unidades paisagísticas).

Do ponto de vista estrutural, todas as paisagens são constituídas por três elementos universais, que se articulam através de processos naturais e da utilização que deles fazem os grupos humanos: matriz, machas e corredores. Ainda é possível referir as bordas- estrutura que é capaz de ligar todos os outros elementos e só se conserva através do contacto entre eles. Assim, a borda corresponde a uma porção da mancha, corredor ou matriz onde o ambiente difere significativamente a partir do interior. Logo, se há uma maior diversidade estrutural (diferentes alturas e tipos de vegetação), as bordas também podem ter uma maior diversidade (Center, 2010).

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De acordo com Forman e Godron(1986)e Harris eGallagher(1989)inJack(1995) o futu-ro das paisagens passa por conceberestrategicamente uma estrutura com manchas, corredores e steppingstones de modo a conectar as manchas isoladas e reverter os efeitos da fragmentação.

Neste sentido, e de acordo com os mesmos autores, a textura – organização espacial que gera um arranjo espacial – expressa-se por um arranjo repetitivo formado pelo mosaico de manchas e os seus corredores, dispostos numa matriz de fundo(Forman & Godron, 1986). Já Magalhães (2007) afirma que a estrutura de uma paisagem con-siste num padrão das distribuições dos elementos e esse mesmo padrão da paisagem influencia os processos ecológicos e as suas características. Esses elementos têm a capacidade de se relacionar e interligar, avançando e recuando, nunca havendo tér-mino nessa evolução. Por isso, a estrutura da paisagem tem uma relação estreita com a abundância do biótopo e da sua diversidade.

De acordo com Forman e Godron (1986) existem três características que compõem a paisagem:

◊ Estrutura: é o produto do relacionamento espacial entre os distintos ecos-sistemas ou elementos presentes. Ou seja, é o arranjo ou padrão espacial da paisagem seja tamanho, forma ou número e tipo de configurações dos ecossistemas.

◊ Função: caracteriza-se pelas interacções entre os elementos espaciais, re-presentados pelos fluxos de energia, materiais e espécies entre os ecossis-temas que fazem parte de uma paisagem.

◊ Mudança: é dada pela alteração na estrutura e na função do mosaico ecoló-gico através de um horizonte temporal.

Zonneveld (1979) in Filho (1998) é o primeiro a definir unidade de paisagem como sendo um conceito fundamental na Ecologia da Paisagem.

Uma unidade de paisagem, sendo um conjunto tangível de relacio-namentos internos e externos, fornece as bases para o estudo das inter-relações topológicas e corológicas.Zonneveld (1979) in Filho(1998)

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Segundo o mesmo autor, a unidade de paisagem é a expressão da paisagem de acor-do com uma visão sistémica, podendo ser definida como um extensão de superfície da Terra ecologicamente homogéneo a uma certa escala de interesse. O termo homogé-neo é utilizado na sua definição e significa que os gradientes internos não podem ser distinguidos ou então possuem um padrão distinto em relação às unidades vizinhas. De acordo com Forman e Godron (1986), o fragmento mais homogéneo, dentro de um elemento de paisagem heterogéneo é denominado de tessela (tesserae), repre-sentando a menor unidade homogénea visível na escala espacial de uma paisagem.

A definição de unidade de paisagem tem como base as características mais percep-tíveis num mapeamento como o relevo, a litologia, o clima, o solo, a estrutura ecoló-gica, a vegetação e as alterações antrópicas. Esta análise multifacetada permite a compreensão da paisagem e a sua melhor análise. Os autoresCastro e Lopes(2009)identificam os factores que estão na origem da formação da paisagem, visualizada na Figura 2.

Figura 2: relação entre os principais factores determinantes da paisagem. Fonte: Castro e Lopes, 2009

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Como se observa pela figura anterior, existe um contributo dos factores naturais e culturais que formam as paisagens naturais e culturais. Da combinação destas duas paisagens resulta a paisagem em si, composta pela estrutura e ocupação do solo e a vegetação/ solo.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

As metrópoles são o resultado de um desenvolvimento urbano fruto dos impactes da evolução da industrialização Bruna, Goldemberg e Roméro (2000) e após séculos de urbanização centrada no litoral, o Brasil começou a mostrar sinais de mudança. Se-gundo Maricato (2006) em 1970, o Brasil tinha cinco metrópoles com mais de 1 M de hab e, de acordo com Filho, Barros, Hallak, e Gandú (2004), a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é a maior área urbana brasileira onde tem havido uma degra-dação ambiental significativa.

Segundo Tucci (2005) este crescimento urbano tem-se dado principalmente nos paí-ses em desenvolvimento de uma forma insustentável. Como consequência existe uma deterioração da qualidade de vida e do meio ambiente. No Brasil, a população urbana é de 77% (47% da população total do globo), o que agrava ainda mais os problemas das grandes metrópoles. Como o planeamento urbano é realizado para as áreas da cidade ocupadas pela população de renda média e alta, existe uma ocupação sobre as áreas de risco por parte da população de baixo rendimento.

A criação das metrópoles no Brasil veio a concretizar-se devido a variados factores como a descentralização da indústria, a expansão do agronegócio e da exploração de minérios e madeira. Neste âmbito, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), em 2002, era responsável pela 23% da produção industrial do país (Maricato, 2006).

A RMSP é constituída pelo Município de SP e mais 38 municípios, que se agrupam em torno da capital do Estado e, foi criada pela Lei complementar número 14 de 08 de Ju-nho de 1973, sendo que actualmente é composto por quinze Regiões Administrativas. Estes 39 municípios que integram a RMSP representam 3,24 % do total do território do Estado, numa área de 8,051 km2, concentrando 48, 04% da população de todo o Estado (Bógus & Pasternak, 2009).

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O distrito do Butantã, localizado no extremo oeste de São Paulo, possui uma área aproximada de 12,5 km2 e é constituído pelos Subdistritos Butantã. Rio Pequeno, Vila Sônia, Morumbi e Raposo Tavares, tal como identificado na seguinte figura. É o Sus-bdistrito Butantã que será o objecto de estudo deste artigo.

Figura 3: subdistritos presentes no distrito de Butantã. Bases: CEM e Emplasa (ortofotomapas 1:5000

de 2007).

MATERIAL E MÉTODOS

Tendo em conta o desenvolvimento das unidades paisagísticas presentes no subdis-trito Butantã foi desenvolvida a metodologia apresentada na figura 4. Esta metodolo-gia divide-se em três fases que apresentam a respectiva explicação seguidamente.

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Figura 4: metodologia utilizada

1 Pesquisa bibliográfica, definições e conceitos

Numa primeira fase procedeu-se à pesquisa bibliográfica, caracterizada por ser uma etapa teórico-conceitual, onde foram definidos os objectivos do presente trabalho. Depois de se definir os conceitos-chave para a total percepção do artigo, efectuou-se uma pesquisa sobre a região e o Subdistrito Butantã. Esta informação foi disponibili-zada, maioritariamente, no site da subprefeitura de Butantã e pelo Google Earth.

2 Tratamento da Informação Geográfica

Para o tratamento da informação geográfica recorreu-se ao software QGIS (1.7.4), a ortofotomapas de 2007, ao Google Earth e a informação disponibilizada pelo CESAD e pelo CEM (Centro de Estudos da Metrópole).O CESAD disponibiliza informação fornecida pela Emplasa, CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Ur-bano) eo sistema de coordenadas utilizado foi o SAD 69/ UTM zone 23S.

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2.1 Carta do uso do solo

Identificação do uso do solo a partir da informação disponibilizada pelos ortofotoma-pas 1:5000 de 2007, da Emplasa, Carta de Uso do Solo Predominante de 2005 da Subprefeitura do Butantã e do Google Earth.

2.1 Carta das unidades paisagísticas

Para a obtenção da informação relativa às unidades paisagísticas foi cruzada a infor-mação das curvas de nível e do uso do solo do subdistrito Butantã. Para tal, recorreu-se a ferramentas de geoprocessamento do software QGIS (1.7.4) que foram, poste-riormente, interpretadas.

3 Avaliação das unidades paisagísticas

Nesta etapa, foi desenvolvida uma avaliação às unidades identificadas na fase ante-rior através da realização das tabelas de atribuição de valores para uso urbano e atri-buição de valores para a conservação da paisagem. As tabelas apresentadas nesta fase foram fornecidas pela disciplina Planejamento da Paisagem - AUP-062,.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A realização deste artigo originou a realização de cartas essenciais para a elaboração de trabalhos futuros no subdistrito Butantã. A figura seguinte mostra a primeira carta utilizada para a formação das unidades paisagísticas e representa as curvas de nível presentes neste subdistrito.

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Figura 5: curvas de nível do Subdistrito Butantã. Bases: Emplasa (ortofotomapas 1:5000 de 2007) e CEM.

Pela figura observa-se que a Cidade Universitária, situada a norte de Butantã, apre-senta um declive relativamente baixo, ao contrário na zona Sul do Subdistrito. Verifi-cou-se que as curvas de nível variam entre 720m a 805m dentro da área estudada e que esta apresenta pouca homogeneidade relativamente a este parâmetro.

A carta de Uso de Solo do Butantã está representada na figura 6 e foram observados doze diferentes usos para o Subdistrito estudado.

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Figura 6: uso do Solo do Subdistrito Butantã. Bases: Carta de Uso do Solo Predominante de 2005 da

Subprefeitura do Butantã, Empala (ortofotomapas 1:5000 de 2007).

Observa-se que existe uma predominância de residências horizontais de médio/alto padrão neste subdistrito e apenas uma região encontrada que se caracterize por ser um conjunto de residências horizontais de baixo padrão. As rodovias são evidencia-das por fazerem a ligação de Este a Oeste, funcionando como corredores. O Rio Pi-nheiros (curso de água) mostra-se como uma das limitações do Butantã, a nordeste, acompanhando a marginal Pinheiros.

O uso do solo que mais se destaca é a Cidade Universitáriaque ocupa toda a região norte. Mesmo sendo uma mancha compacta, a Cidade Universitária contém outros usos, dentro dela. Assim, para a Cidade Universitária funcionar apenas como uma única mancha, não foram incluídas e avaliadas os restantes usos dentro desta área. Existe, portanto uma percentagem de vegetação arbustiva e de rodovias que não fo-ram incluídas nesta avaliação para não retirar percentagem de ocupação da mancha Cidade Universitária. No entanto, são se pode deixar de referir a grande percentagem de vegetação arbórea e de rodovias presentes neste tipo de uso do solo.

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A mancha caracterizada por ser vegetação arbustiva e arbórea aparece pontualmen-te, sendo que não apresenta uma grande abundância neste subdistrito. No entanto, à escala utilizada não foi possível ter em conta todo tipo de vegetação (incluindo rastei-ras e herbáceas) e toda a vegetação presente em ruas e estradas.

A figura seguinte representa o cruzamento da informação dos usos do solo observa-dos e das curvas de nível defundo de vale, encosta e topo de morro, originando assim a carta das unidades paisagísticas presentes neste subdistrito.

Figura 7: unidades paisagísticas no Subdistrito Butantã. Carta de Uso do Solo Predominante de 2005

da Subprefeitura do Butantã, Empala (ortofotomapas 1:5000 de 2007).

Para a melhor percepção das unidades paisagísticas foram combinadas alguns usos do solo identificados na figura 6. Assim, o uso “residencial horizontal de baixo padrão” e “residencial horizontal de médio/alto padrão” sofreram uma junção, tal como “indús-trias e armazéns”, “comércio e serviços” e “equipamentos públicos”.

Como se pode observar pela figura anterior a unidade paisagísticas mais expressiva continua a ser a cidade universitária com características de fundo de vale. A unida-de “Cidade Universitária – encosta” está localizada nas zonas de vegetação intensa identificada e referida anteriormente, mas ausente na carta de usos do solo. É de sa-

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lientar que a rodovia foi sempre construída em fundo de vale, ao contrário de todas as outras unidades identificadas. Como era de esperar, o curso de água e a raia olímpica situam-se em declives baixos e não existe nenhuma vegetação arbustiva e arbórea em topo de morro (excepto a da Cidade Universitária e que não foi contabilizada).

Para a avaliação das unidades paisagísticas foram completadas as tabelas seguintes, relativas ao uso urbano (tabela 1) e à paisagem local (tabela 2). Relativamente ao peso atribuído, o menor (valor nulo) quer dizer que não existe a característica estuda-da, e o máximo (um, dois ou três) a sua presença.

Tabela 1: peso e característica de cada unidade paisagística. Fonte: Adaptado do programa da disci-

plina AUP-062.

Relativamente à aptidão para a urbanização, as residências situadas em encosta apresentam um valor mais baixo comparativamente às similares em fundo de vale e topo de morro devido às dificuldades que o declive acentuado oferece às construções de urbanizações. A unidade que apresenta o valor mais alto é o comércio – topo de morro e o menor é o curso de água e raia olímpica, situado em fundo de vale.

A unidade que apresenta um maior potencial para a expansão urbana é a rodovia, que não obedece a nenhum critério de protecção de áreas sensíveis e foi construída em cima de cursos de água e as unidades residencial horizontal – fundo de vale e resi-dencial vertical – tipo de morro, que apresentam tendências à sua expansão.

Quanto à contiguidade a áreas urbanizadas e vectores de urbanização é a Cidade Universitária – encosta e topo de morro que apresentam menores valores (nulos), ao contrário das residências verticais fundo de vale e topo de morro que chegam a atingir 1,8 valores em 2. A existência de infra-estruturas e serviços urbanos é nula na Cidade Universitária – encosta e toma o valor 0,8 nas unidades Cidade Universitária – topo de morro, residencial horizontal – encosta e residencial horizontal – fundo de vale.

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A característica “Possibilidade de criação de espaços de preservação, conservação, recreação e lazer” atinge o valor 2,8 na unidade paisagística Cidade Universitária – encosta e é máxima na vegetação arbustiva e arbórea na encosta e em fundo de vale. No entanto, esta característica toma valores mínimos nas residências horizontais – topo de morro e residências verticais – topo de morro.

Somando todos os valores, o total atribuído resulta num maior ou menor potencial de urbanização. Sendo assim, é a unidade paisagística “Residencial vertical – fundo de vale” que apresenta um maior potencial de urbanização, ao contrário da “Cidade Uni-versitária – encosta” que apresenta o valor mais baixo para uso urbano.

A tabela seguinte apresenta os valores para a conservação da paisagem local, apre-sentando o resultado relativamente ao maior e menor potencial de protecção ambien-tal.

Tabela 2: atribuição de valores para conservação da paisagem local.Fonte: Adaptado do programa da

disciplina AUP-062.

A característica relativa à integridade das áreas de vegetação (biodiversidade) toma os valores mais elevados nas unidades “Cidade Universitária – encosta” e “Vegetação arbórea e arbustiva – encosta e fundo de vale; ao contrário da “Rodovia – fundo de vale” que apresenta valores nulos e do comércio e das residenciais verticais que tam-bém apresentam valores baixos.

Continua a ser a “Cidade Universitária – encosta, topo de morro e fundo de vale” e “Vegetação arbustiva e arbórea – encosta e fundo de vale” que apresentam os valo-res mais elevados mas desta vez para a característica de possibilidade de criação de corredores ecológicos; e é o Comércio que apresenta uma possibilidade da criação destas estruturas mais baixa.

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Relativamente à característica integridade da vegetação, a “Cidade Universitária – encosta” está muito próxima do valor máximo, e a Rodovia muito próxima do mais baixo. Ou seja, esta unidade não apresenta integridade praticamente nenhuma com a vegetação. Relativamente à integridade dos rios e córregos, é esta característica que apresenta uma média de atribuição de valores mais baixos. Isto porque o subdistrito de Butantã, apresenta uma clara deficiência de urbanização integrando e conserva-dos os rios e córregos, sendo mesmo construídos em cima destes, rodovias e estra-das. Esta situação leva a uma canalização dos rios de modo a facilitar este tipo de construção. A própria unidade “Curso de água e raia olímpica – fundo de vale” tem um valor baixo devido à ausência de integração deste com o espaço ambiente envolven-te. É notável a falta de planeamento aquando da construção da marginal Pinheiros e à consideração deste curso de água como um recurso interessante e importante para toda a população.

É a unidade paisagística “Rodovia – fundo de vale” que apresenta o menor valor (zero) para a característica de valores cénicos e culturais, ao contrário do comércio e das residências verticais que apresentam valores mais altos. Quanto aos habitats significativos para a fauna, a própria Cidade Universitária apresenta valores altos mas é o curso de água que apresenta o valor máximo, ao contrário da rodovia onde o valor é nulo.

A Cidade Universitária e a vegetação arbustiva e arbórea contem as manchas mais re-presentativas para a vegetação, contrastando com o valor da rodovia – fundo de vale. Relativamente à características “Resiliência dos ecossistemas”, o comportamento das unidades na característica anterior é semelhante, ou seja, mais elevado para a cidade universitária e vegetação arbustiva e arbórea e mais baixo para a rodovia.

Quanto ao potencial de amortecimento de impactes ambientais, as residências apre-sentam geralmente valores baixos por serem sensíveis a catástrofes naturais e a cidade universitária – topo de morro é a que apresenta um valor mais alto.

Assim sendo, e somando os valores atribuídos a todas as unidades paisagísticas para cada uma das características, verifica-se que é a “Cidade Universitária – encosta” que tem um potencial maior para a protecção da paisagem local, e é a “Rodovia – fundo de vale” que presenta um menor potencial de protecção da paisagem.

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CONCLUSÃO

A realização deste artigo permite que trabalhos futuros tenham um planeamento mais robusto, contribuindo assim para a melhor qualidade de vida dos moradores do Sub-distrito Butantã e, indirectamente, do Distrito Butantã. Assim, é de frisar a importância de um planeamento da paisagem, que deve ter em conta as unidades paisagísticas da área de estudo.

Neste âmbito, é importante discutir a importância dos SIG que facilitam e ajudam na interpretação de qualquer atributo e permite um menor gasto de recursos humanos e materiais. No entanto, aquando a realização deste trabalho, houve alguns obstáculos que impediram a avaliação totalmente correcta destas unidades. Isto porque as bases cartográficas continham alguns erros e algumas delas estavam mal georreferenciadas ou incompletas. Para além deste tipo de erros, o facto do preenchimento das tabelas de avaliação ser totalmente individual e de acordo daopinião de quem as avalia, torna essa conclusão subjectiva. Outra limitação encontrada no decorrer deste trabalho foi o facto dos usos do solo identificados não corresponderem à realidade actual, visto a informação recolhida ser um cruzamento entre mapas de 2012 (Google Earth) e de 2007 (ortofotomapas da Emplasa).

Relativamente à carta dos usos do solo do subdistrito Butantã conclui-se que é a Ci-dade Universitária que apresenta uma maior expressão na área de estudo e que, por isso, deve ter uma especial atenção para a sua gestão, visto poder influenciar uma maior área. Já a vegetação de mata e de capoeira deve ser conservada e mantida de modo a poder recuperar de quaisquer impactes ambientais que possam sofrer. Deste modo, é reduzida a permeabilização do subdistrito, diminuindo também as enchentes que tanto danificam meios materiais e humanos. No entanto, as residências também se apresentam em grande parte do subdistrito, acompanhadas de pouca vegetação e espaços verdes.

Quanto à avaliação das unidades paisagísticas, a que apresenta um maior potencial de urbanização é a “Residencial vertical – fundo de vale”. Assim, é esta unidade que deve ter um maior investimento, tendo sempre em conta um correcto planeamento ambiental. Contrariamente, é a unidade “Cidade Universitária – encosta” que possui os menores valores para potencial de urbanização, sendo que deve acarretar uma correcta gestão aquando a urbanização da zona.

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Relativamente à atribuição de valores para a conservação da paisagem local é a “Ci-dade Universitária – encosta” que apresenta um registo maior, sendo por isso a que mais potencial tem para a protecção da paisagem local; assim, esta contribui para o aumento da biodiversidade e de espaço verde no Subdistrito. Contrariamente, a “Ro-dovia – fundo de vale” apresenta um menor potencial de paisagem, pelo que se torna menos significativa para a protecção deste parâmetro, no Subdistrito Butantã.

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Revista LABVERDE

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Sites pesquisados

http://www.centrodametropole.org.br/

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/butanta/historico/

Programa da disciplina AUP-062.

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ARTIGO Nº7INFRA-ESTRUTURA VERDE: APLICABILIDADE DO CONCEITO NO BAIRRO CITY

AMÉRICA, SÃO PAULO - SP, BRASILGreen infrastructure: applicability of the concept in City America

neighborhood, São Paulo – SP, BrazilClaudete Gebara J. Callegaro

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INFRA-ESTRUTURA VERDE: APLICABILIDADE DO CONCEITO NO BAIRRO CITY AMÉRICA, SÃO PAULO - SP, BRASIL

Claudete Gebara J. Callegaro

Arquiteta e Urbanista (FAUUSP-1975), Bacharel em Turismo (Morumbi-1974), Especialista em

Docência para o Curso Superior de Turismo e Hotelaria (SENAC-SP-2003), Profissional autônoma

atuante no Brasil, em especial na Região Metropolitana de São Paulo -

Email: [email protected]

Resumo

Este ensaio reúne alguns conceitos que entrelaçam pontos de vista de ciências natu-rais e sociais aplicadas, de maneira a se ter uma noção do novo modelo urbanístico que vem se instalando, com centro na estrutura paisagística de cada região. Observa estratégias aplicadas para participação da população local na manutenção de equipa-mentos verdes; sem esgotar o tema, apresenta uma análise preliminar sobre as con-dições existentes no bairro City América, região noroeste do Município de São Paulo, apontando algumas possibilidades de implantação de Infra-estrutura Verde no local.

Palavras-chave: Sustentabilidade, Modelo Urbanístico, Estrutura Ecológica, Infra-es-trutura Verde, Caminhos Verdes, Paisagismo, Bairro City América, Córrego Fiat Lux, Parque Cidade de Toronto.

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GREEN INFRASTRUCTURE: APPLICABILITY OF THE CONCEPT IN CITY AMERICA NEIGHBORHOOD, SÃO PAULO – SP, BRAZIL

Abstract

This paper brings together some concepts that interweave the perspective of nature and social sciences, in order to get an idea of the new urban model that has been ins-talling, considering the landscape structure of each region. Notes strategies applied in order to local people participate in the maintenance of green equipment; without exhausting the subject, presents a preliminary analysis of existing conditions in a nei-ghborhood called City America, northwest of São Paulo, and points out some possible deployment of Green Infrastructure in place.

Key-words: Sustainability, Urban Model, Ecological Structure, Green Infrastructure, Gre-enways, Landscaping, City America neighborhood, Fiat Lux Creek, Park City of Toronto.

INTRODUÇÃO

Arquitetos que somos, ficamos muitas vezes às voltas com a incógnita de como cons-truir lugares em que o ser humano possa viver em plenitude. Se até algum tempo atrás bastava que se atendessem quesitos como funcionalidade, conforto, segurança e beleza, hoje a questão do aproveitamento e reaproveitamento dos recursos do local e no local é, também, fundamental. Mas, como transformar essa nova necessidade em elemento de projeto e convencer a sociedade a bancar sua implantação?

Da década de 1960 para cá, intensificaram-se as teorias sobre um novo urbanismo baseado na ecologia dos lugares. Hough1, McHarg2 e outros, em suas análises te-óricas e proposições práticas, propõem as primeiras tentativas contemporâneas de reconciliar a natureza e a cidade; reapresentam os caminhos verdes numa escala pú-blica e com múltiplas funções, inclusive de complementação dos processos naturais na cidade, reforçando a necessidade de arquitetos e planejadores trabalharem juntos.

1 MCHARG, Ian L. Design with Nature. New York: Natural History Press, 1969.

2 HOUGH, Michael. City Form and Natural Process. New York: Routledge, 1989.

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Revista LABVERDE

Esse novo modelo evoluiu e se disseminou na década de 1990, batizado com termino-logias diversas - Infra-estrutura Verde, Greenways, Caminhos Verdes, Parques Line-ares, Corredores Verdes, Estrutura Ecológica –, cuja definição nem sempre coincide, mas indica o conceito implícito.

A discussão teórica sobre conceitos e definições relacionados a Ecologia, Paisagem, Paisagismo, Sistema, Rede, Ecossistema, Resiliência ficará para outra ocasião. Nes-te ensaio, nos concentraremos em apoiar a ideia, popularmente expressa como Infra-Estrutura Verde, analisando seus aspectos positivos e algumas das dificuldades que teremos para sua implantação em nossa cultura.

Emprestaremos como campo para observações e ponderações os loteamentos City América I e II, bairros-jardim da zona noroeste de São Paulo. A estrutura paisagística da região é relativamente clara, os espaços amplos e o padrão de ocupação alto. Supõe-se que esse cenário facilite as intervenções sugeridas, que, até o presente, limitam-se apenas a este ensaio acadêmico.

ALGUMAS EXPERIÊNCIAS PELO MUNDO

A consideração da ecologia humana no planejamento territorial é muito alta na Euro-pa, especialmente na Escandinávia e na Alemanha; o sistema extrapola os núcleos urbanos consolidados, pois, de um lado alimentos, energia e outros recursos provêm de regiões externas, e de outro dejetos e produção são exportados. Os estudos ba-seiam-se em três componentes ou sub-sistemas - história cultural, características abióticas e recursos bióticos – e têm influenciado o planejamento regional, com ga-nhos na proteção dos recursos naturais, no aumento da qualidade de vida, no reforço do sentimento de identidade do lugar.

Cormier e Pellegrino3 relatam suas observações sobre a aplicação de modelos euro-peus de Infra-Estrutura Verde no Noroeste Pacífico - estados de Oregon e Washington, nos E.U.A., e província de Columbia Britânica, no Canadá. Nos bairros estudados,

3 CORMIER, Nathaniel S.; PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita. Infra-estrutura Verde: uma

estratégia paisagística para a água urbana. Paisagem e ambiente: ensaios. Universidade de São

Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: FAU, n. 25, p.127-142, 2008.

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espaços públicos e privados, de uso particular ou coletivo, foram incorporados indis-tintamente na implantação do sistema.

Também Ferreira e Machado4 mencionam que, na implantação de corredores verdes em Setubal, Portugal, as áreas foram classificadas em: uso predominantemente públi-co, de acesso restrito e privadas. O mix de áreas com base nessa condição de posse e acesso definiu o grau de exequibilidade e de sustentabilidade da proposta.

Esses e outros autores enfatizam que a participação ativa da população da região é fundamental na concepção de cada sistema, na implantação dos equipamentos e, principalmente, em sua manutenção contínua; essa participação complementa a tarefa governamental, especialmente em épocas de crise econômica, quando as do-tações orçamentárias públicas são reduzidas. Há, porém, que se promover a familia-ridade da sociedade com a ideia.

Cormier e Pellegrino, já referidos, sugerem alguns cuidados que devem ser tomados: clareza e didatismo dos projetos, divulgação irrestrita de técnicas para execução dos equipamentos mais simples (canteiros pluviais, p.ex.), inclusão de elementos da iden-tidade regional tanto físicos como culturais, agregação de valores estéticos e recrea-cionais à paisagem local.5

ESTRUTURA ECOLÓGICA

Pode-se considerar que a Estrutura Ecológica de uma região seja formada por três grandes sistemas (ou redes), cuja contemporização encontra um de seus maiores desafios nas áreas urbanas adensadas:

4 FERREIRA, José Carlos; MACHADO, João Reis. Infra-estruturas verdes para um futuro

urbano sustentável. O contributo da estrutura ecológica e dos corredores verdes. Revista LabVerde,

nº 1, outubro de 2010.

5 Pesquisando-se greenways na Internet, pode-se encontrar várias páginas mencionando

políticas públicas e associativas de incentivo, concursos entre vizinhanças, excursões didáticas

promovidas pelas escolas, placas explicativas sobre os propósitos de cada equipamento e sua

relação com o sistema implantado, e até empresas especializadas em sua administração.

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Revista LABVERDE

◊ Azul - circulação das águas,

◊ Verde – produção de biomassa,

◊ Vermelho (ou cinza) – cultura e circulação humana.

No que tange às questões de planejamento e projeto das redes azuis, precisamos lembrar que os rios são corredores naturais de vida. Bonilha6 refere-se a eles como elementos dinâmicos da paisagem, que podem ter variação de desenho, extensão, largura e profundidade, conectando diferentes terrenos, paisagens e ecossistemas. Suas sinuosidades naturais e as rugosidades das margens obstruem parcialmente o fluxo d’água, criando zonas de turbulência e de velocidade reduzida, onde se depo-sitam partículas e nutrientes, favorecendo, assim, a formação de habitats propícios à vida subaquática. Os ecossistemas marginais, como brejos, pântanos, mangues e matas ciliares, funcionam como corredores de movimentação da fauna; as matas ciliares filtram sedimentos carregados pela chuva, estabilizam as margens dos rios.

Travassos7 menciona a Agência Ambiental Europeia - EEA, que em 2001 elaborou um estudo sobre os usos sustentáveis da água na Europa, por avaliar que a urbaniza-ção seja uma das maiores responsáveis pelas modificações na hidrologia das bacias. Nesse relatório, dentre as principais premissas que países e regiões consideraram para o encaminhamento de políticas relacionadas às inundações (ou a riscos de), constavam: coordenação dos diversos órgãos envolvidos com o tema; tratamento da questão com realismo, encarando que não é possível eliminar por completo o risco de extravasamento dos corpos d’água; transparência, esclarecendo às comunidades os riscos que continuam presentes em cada medida tomada para mitigar inundações; entendimento de que a renovação do substrato é um processo natural, e é alcançada com o extravasamento acima do normal da água que carrega sedimentos.

6 BONILHA, Iraúna. A água e os rios na cidade: Elementos para o projeto ecológico da

paisagem. Paisagem e Ambiente – Ensaios. São Paulo: FAUUSP, n.22, p. 172-179, 2006.

7 TRAVASSOS, Luciana Rodrigues Fagnoni Costa. Revelando os Rios. Novos paradigmas

para a intervenção em fundos de vale urbanos na Cidade de São Paulo. São Paulo, Tese (doutorado)

– Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental – Universidade de São Paulo, 2010.

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Em relação à rede verde, Colding8 nos ensina que, segundo a Teoria da Biogeografia de Ilhas, o tamanho e a configuração do habitat exercem forte influência sobre indi-víduos, populações e comunidades e, consequentemente sobre a biodiversidade e a resiliência de um ambiente. Isto está ligado às necessidades de área de cada espécie para seu ciclo de vida, em especial as relacionadas à predação e à competição, dire-tamente ligadas à alimentação e à reprodução.

Colding também faz considerações sobre áreas de preservação dentro das cidades, que acabam sendo delimitadas com base em limites políticos e jurisdicionais, muitas vezes desconsiderando critérios biogeográficos. O resultado é que frequentemente áreas de preservação são pequenas e isoladas em meio a uma matriz urbana ou agrí-cola, colocando em risco a biodiversidade e a resilência da região. Essa condição pre-cisa ser compensada de alguma maneira para que se assegure a saúde do ambiente.

Dunning et al (1992), citados em Colding9, mencionam o princípio da Complemen-tação Ecológica do Uso do Solo – CEUS, como metodologia para correção de am-bientes degradados. O CEUS consiste no agrupamento de diferentes fragmentos de ecossistemas, de maneira a interagirem de maneira sinérgica na promoção da biodi-versidade e da resiliência; seu monitoramento constante é necessário para se evitar efeitos colaterais.

A detecção e a análise das complementaridades podem ser facilitadas com o uso de técnicas de Sensoriamento Remoto de Sistemas de Informação Geográfica – SIG, que também flexibilizam a simulação de situações projetadas para aumentar as fun-ções ecológicas nas cidades.

O drama se dá quando a rede vermelha é implantada sem considerar a existência das demais, verde e azul. Sobre a rede vermelha não nos estenderemos neste en-saio, uma vez que toda legislação urbanística conhecida trata do assunto e muitos temas relacionados estão entremeados no texto.

8 COLDING, J. ‘Ecological land-use complementation’ for building resilience in urban

ecosystems. Landscape and Urban Planning, v. 81, n.1-2, p.46-55, 2007.

9 Idem.

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Nas áreas urbanizadas, há que se promover o entrelaçamento dessas redes estabe-lecendo-se um sistema natural contínuo, que permita o desenvolvimento dos ecos-sistemas, a biodiversidade e a resiliência daquele território.

ESTRUTURA DA PAISAGEM

A Estrutura da Paisagem desenhada com base no conceito de Estrutura Ecológica considera três principais elementos de composição:

◊ Matriz, área extensa com cobertura predominante na paisagem natural;

◊ Manchas, áreas menos extensas que a matriz, não lineares, com cobertura homogênea, mas não necessariamente igual à da paisagem original;

◊ Corredores, também diversos da matriz, mas com configuração linear que, preferencialmente, liga matrizes e manchas.

A continuidade de quintais e jardins desempenha importante papel na formação das manchas verdes. Colding10 cita vários estudos que indicam a elevada biodiversidade existente nos quintais, a sua relação no aumento da fauna invertebrada, inclusive de espécies polinizadoras, e a importância dos quintais em áreas adjacentes a parques no aumento da diversidade de espécies de aves. Comenta, ainda, que os campos de golfe, comuns ao redor da cidade de Estocolmo, Suécia, permitem a instalação de vários tipos de habitats, como fragmentos de florestas originais da região, lagos, campos de areia; estes, quando bem manejados, contribuem para o aumento da bio-diversidade e abrigam, inclusive, espécies que controlam pestes agrícolas. Campi de universidades, parques urbanos, cemitérios, terrenos baldios e até mesmo ruas bem arborizadas também podem ser agrupados para se conseguir esse efeito. Conside-rando que algumas espécies existem em várias manchas, estas áreas ganham im-portância como “trampolins” entre um local e outro, favorecendo assim o fluxo gênico (troca de genes).

10 Idem.

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O conceito de corredor verde se adapta a várias escalas, abrangendo nesgas de terra contínuas ao longo de avenidas, parques lineares ao longo dos rios, corredores ecológicos inter-regionais. Convém que os corredores sejam interligados, de maneira a ganharem significado na complementação do planejamento funcional e paisagístico de uma região. Ahern, in Travassos11, concentrando-se na aplicação desse elemento às cidades, conceitua os caminhos verdes, ou greenways, como redes de terrenos que contém elementos planejados, desenhados e geridos para múltiplos objetivos: ecológico, recreacional, cultural, estético, entre outros.

Conforme Ferreira e Machado, os corredores verdes no projeto de Setubal foram organizados em três tipos: ecológico, de produção, de lazer/recreio/patrimônio. Isto, a nosso ver, deve ter facilitado a captação de recursos e o gerenciamento de uso e manutenção.

A Infra-estrutura Verde se aproveita de todos esses conceitos. Compõe-se de ele-mentos naturais e construídos, desde pequenos canteiros incrustados em passeios públicos até áreas naturais mais extensas; entrelaça-se com a malha urbana e os edi-fícios e se integra aos demais serviços. O caminho das águas é seu eixo; em escalas diversas, acompanha a água da chuva desde os telhados até o oceano.

Em Cormier e Pellegrino12, encontramos vários tipos de equipamentos construídos com base nos processos naturais, de maneira a compensar as alterações da natureza ocorridas em áreas urbanizadas e a minimizar os problemas decorrentes: teto verde, cisterna urbana, canteiro e jardim de chuva, biovaleta, lagoa pluvial. O ideal é que sejam conectados formando uma grade, de maneira a um ponto desta compen-sar a dificuldade de outro.

A assimilação do conceito de Infra-estrutura Verde pelos moradores, passantes e de-mais usuários de uma região é importante para a preservação da natureza na cidade, dentro da estratégia já mencionada. Contudo, além das questões funcionais, há que se incorporar sensorialmente o ambiente físico à vida das pessoas, de maneira a ca-tivá-las. Koch13, estudando os parques urbanos sul-americanos, observa que, sem os

11 TRAVASSOS (2010).

12 CORMIER E PELLEGRINO (2008).

13 KOCH, Mirtes Birer. Parques Urbanos Sul-Americanos: imaginação e imaginabilidade.

Dissertação de Mestrado apresentada em 2009 junto à FAUUSP.

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elementos construídos, os parques seriam refratários a nossa percepção, pois a natu-reza pura carece de significado para as pessoas comuns. Fragmentos da história e da cultura erigidos no meio natural criam associações e possibilitam a construção de uma narrativa.

Ferreira e Machado14 relatam as experiências portuguesas em Setubal e Lisboa, em que, com base nas matrizes, manchas e corredores, e na cultura de cada um dos lu-gares, foram identificados três sistemas projetuais específicos:

◊ Sistema de Linhas (rios, caminhos),

◊ Sistema de Pontos (construções de valor histórico, árvores notáveis, lugares característicos),

◊ Sistema de Áreas (massas arbóreas, áreas de alta densidade de pessoas ou de atividades, brejos).

Essa concepção tem muito a ver com as recomendações de Lynch15, para quem, para a boa percepção ambiental, os lugares precisam ter duas principais características marcantes: imaginabilidade (qualidade de evocar imagens fortes nos observadores, possível mediante os seguintes elementos: identidade, estrutura, significado) e legi-bilidade (qualidade de facilitar com que as partes da cidade sejam reconhecidas e organizadas num modelo coerente, possível mediante os seguintes elementos: cami-nhos, limites, bairros, pontos nodais, marcos). Outros estudiosos da área de percep-ção ambiental, como Rapoport16 e Cullen17, citados em Miossi18, complementam essa orientação, partindo da experimentação do ambiente com nossos múltiplos sentidos. Miossi também cita Kohlsdorf19 e nossa capacidade topoceptiva para apreensão do espaço a partir de sua configuração morfológica (orientação e identificação dos luga-res / coordenadas de situação).

14 FERREIRA E MACHADO (2010).

15 LYNCH, Kevin. The image of the city. Boston: MIT, Harvard College, 1980.

16 Refere-se a Amos Rapoport.

17 Refere-se a Gordon Cullen.

18 MIOSSI, Emilene. Percepção e identidade visual: uma proposta para o Centro de São

Paulo. Dissertação de Mestrado apresentada em 2005 junto à FAUUSP.

19 Refere-se a Maria Elaine Kohlsdorf.

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São observações sobre a natureza humana que nos dão pistas para que projetos e gestão de Infra-estrutura Verde tenham a participação da sociedade local e se tornem a obra durável.

CITY AMÉRICA

City América é um bairro-jardim, de padrão médio-alto, localizado na Região Metro-politana de São Paulo, Brasil. Fica na zona noroeste do Município de São Paulo, ao qual pertence, Distrito de São Domingos, atualmente gerenciado pela Sub-prefeitura de Pirituba-Jaraguá. A região abastece a Bacia Hidrográfica do Rio Tietê.

O loteamento ocupa 1,49 km² de terreno com topografia suave. Foi projetado e ini-ciado em 1970 pela Companhia City de urbanização, responsável por outros bairros-jardim da cidade, como Jardim América, Pacaembu, Alto de Pinheiros e Alto da Lapa, tendo sido implantado em duas etapas. As terras pertenciam anteriormente à Compa-nhia Armour, que as utilizava para criação de gado de corte.

Em 1992, foi criado o Parque Cidade de Toronto, em parceria e cooperação técnica entre as prefeituras de São Paulo e de Toronto, no Canadá. Essa iniciativa decorreu da insistência dos habitantes de City América, que desejavam melhoria das condições de segurança e conforto ao redor de lagoa existente no local, alimentada pelo Córrego Fiat Lux, nome de indústria tradicional instalada a jusante da lagoa.

Figura 1: Localização da re-

gião de City América. Elabo-

ração da autora sobre mapa

da Bacia Hidrográfica do

Alto Tietê. Fonte: http://www.

comiteat.sp.gov.br/MReg6.

htm, obtido em 20/05/2012.

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Revista LABVERDE

Figura 2: Foto panorâmica de City América e do Parque Cidade de Toronto. Fonte: http:/amcityamercia.

com.br, obtida em 15/05/2012.

A região é considerada área urbana, mas ainda preserva alguns resquícios da Mata Atlân-tica de origem, arborização farta, praças e áreas lineares verdes, mata ciliar ao longo do córrego, contrastando com bairros próximos extremamente densos e desertificados.20

City América ocupa a vertente oeste da bacia do Córrego Fiat Lux, contribuinte direto do Rio Tietê, bacia essa que ficou dividida pela Rodovia dos Bandeirantes; a vertente leste da bacia passou para o Distrito de Pirituba e praticamente não tem relação com o bairro.

As matrizes verdes da região fazem parte do bioma Mata Atlântica e sua perma-nência tem sido dificultosa em face da expansão de construções irregulares por suas encostas e de barreiras construídas, como ferrovia e rodovias que cortam a região a caminho do interior paulista, há muitas décadas. As principais matrizes são:

◊ Parque Estadual do Jaraguá, localizado a oeste da Rodovia dos Bandeiran-tes, que se conecta com o Parque Municipal Anhanguera,

20 Sugestão de consulta: https://maps.google.com.br/?ll=-23.492375,-46.736269&spn=0.05053

6,0.064888&t=k&z=14

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◊ Parque Estadual da Cantareira, na Zona Norte da cidade, um pouco mais distante e separado do primeiro pela Rodovia dos Bandeirantes.

Parques de porte menor e áreas verdes lineares públicas, sítios e clubes particulares, permitem, ainda, a conexão entre essas matrizes. O alargamento dos habitats e o favorecimento da biodiversidade nas cidades poderiam ser conseguidos com o arran-jo espacial de vários tipos de manchas verdes, próximas umas das outras como já sugerido em tópico anterior, sendo que as principais existentes são:

◊ Parque Municipal Cidade de Toronto, criado ao longo do Córrego Fiat Lux,

◊ Parque Municipal São Domingos, em bacia adjacente, separado do primeiro pela Avenida do Anastácio,

◊ Parque Municipal Vila dos Remédios, do outro lado da Rodovia Anhanguera,

◊ Parque Jardim Felicidade, do outro lado da Rodovia dos Bandeirantes.

Outras manchas podem ser vistas em foto de satélite e presencialmente, mas não chegamos a identificar os proprietários. Essas, em conjunto com ruas, jardins e faixas verdes do bairro poderiam expandir a mancha verde representada pelo parque local, ampliando o território das espécies que dão sustentação às redes azul e verde e au-mentando o bem-estar da população local e da vizinhança.

O bairro conta com corredores verdes, interligados entre si, mas sem conexão clara com as manchas verdes de outras bacias, com as matrizes e com elementos de ele-vado valor cultural para a região. São eles:

◊ Faixa de domínio da Linha de Transmissão de energia elétrica,

◊ Faixa de domínio do Córrego Fiat Lux,

◊ Área verde linear que acompanha o Córrego além dos limites do parque, tanto a montante quanto a jusante,

◊ Área verde contínua ao redor de City América.

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Revista LABVERDE

Figura 3: Principais elementos que compõem a Estrutura Ecológica da região. Ilustração da autora

sobre segmento do Macro-Zoneamento que faz parte da Lei 13885/04, obtido em 10/05/2012, em http://

ww2.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/desenvolvimentourbano/mapa/05_macrozoneamento.jpg

Poderíamos fazer uma simetria entre a estrutura paisagística com centro na natureza e a estrutura urbana com centro nas atividades humanas. Matrizes vermelhas ou po-los geradores de atividade humana, normalmente relacionados a comércio e servi-ços de porte regional, costumam comparecer como Zona de Centralidade nos mapas de zoneamento de uso e ocupação do solo de São Paulo, Lei 13885/04. Contudo, esse tipo de zona não consta nos mapas da Sub-prefeitura de Pirituba-Jaraguá, talvez para não incentivar seu desenvolvimento nas proximidades das áreas de preservação ambiental (matrizes verdes). O distrito vizinho, Pirituba, é bairro antigo, com muitas indústrias, estações de trem, hospitais e comércio que atraem pessoas de áreas além bairro. O Parque do Jaraguá faz parte do roteiro turístico municipal; há previsão de construção do estádio esportivo “Piritubão”, entre outras atrações que movimentam pessoas em dias úteis e em finais de semana e feriados.

Clubes e associações (Casa de Nassau, clubes de beisebol), antigas fábricas em transformação para fins culturais, podem ser entendidos como manchas vermelhas, assim como comércio e serviços em torno de pontos nodais e nas proximidades das matrizes.

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Os principais corredores vermelhos são:

◊ Rodovia dos Bandeirantes (SP 348) - Construída em época em que os estu-dos de avaliação de riscos ambientais ainda não eram obrigatórios, corres-ponde a uma grande cisão da paisagem, tanto visual quanto ecológica. Sob a rodovia, na altura da Linha de Transmissão de energia elétrica (km 14), existe passagem subterrânea para retorno de veículos, proibida para o trânsito de pedestres, ciclistas ou animais. A ligação entre as duas margens ocorre no-vamente no viaduto da Avenida Mutinga sobre a rodovia (km 17), que além do trânsito de automotores permite a passagem de pedestres e ciclistas, em-bora de maneira um tanto crítica. Passagem de animais entre as vertentes leste e oeste da bacia do Fiat Lux, não foram encontradas, tendo-nos sido informado pela AutoBAn que existem vários bueiros ao longo da rodovia, que não sabemos se apropriados para esse fim.

◊ Linha de Transmissão de energia elétrica – Conjunto de torres e cabos aé-reos que corta o loteamento e os bairros vizinhos. Pouco interfere no fluxo de pessoas ou animais, mas marcam bem a paisagem. Sua faixa de domínio é utilizada para cultivo de espécies vegetais para venda, campo de futebol, estacionamento de veículos de grande porte.

◊ Avenidas Mutinga e do Anastácio – Importantes vias coletoras ao longo das quais o comércio de instala. Fazem divisa com City América e correspondem ao divisor de águas entre a bacia do Fiat Lux e outros córregos a oeste e norte. A Av. Mutinga corta a Rodovia dos Bandeirantes no km 17 e foi a única via de ligação entre os dois lados da rodovia encontrada na bacia do Fiat Lux.

◊ Estrada Velha de Campinas (atual Av. Raimundo Pereira de Magalhães) – Importante via coletora, ao longo da qual comércio e serviços se desenvol-vem, inclusive os de grande porte, como hospitais e estações de trem.

◊ Ferrovia – Antiga Santos-Jundiaí, atual CPTM, que corta o território na mes-ma direção da Rodovia dos Bandeirantes e da Rodovia Anhanguera, no sen-tido Noroeste do Estado de São Paulo.

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Figura 4: Principais elementos da rede vermelha. Ilustração da autora sobre segmento do Macro-

Zoneamento que faz parte da Lei 13885/04, obtido em 10/05/2012 em http://ww2.prefeitura.sp.gov/

secretarias/desenvolvimentourbano/mapa/05_macrozoneamento.jpg

O Córrego Fiat Lux corre paralelamente à Rodovia dos Bandeirantes, desde as pro-ximidades da Avenida Mutinga até a lagoa do Parque Cidade de Toronto, onde é re-presado. Continua livre desse ponto até as proximidades da Avenida Marginal, onde é canalizado para acesso subterrâneo ao Rio Tietê. Há pontos desse trajeto em que o acesso ao córrego é dificultoso e outros em que ele faz parte da vivência da vizinhança.

Parte de suas nascentes permanece a leste da Rodovia dos Bandeirantes, sendo possível perceber sua localização pela característica do terreno visto da rodovia. A passagem sob a rodovia até esses pontos seria uma possibilidade de recuperação da conexão entre as bacias Fiat Lux e Pirituba.

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Figura 5: Lagoa do Parque Cidade de Toronto, formada pelo represamento do Córrego Fiat Lux, com

vista para montante. Foto da autora, feita em 11/04/2012.

Figura 6: Vista a jusante, da saída da lagoa por

trás de edifícios de bairro vizinho a City América

até a foz (marco da rodovia). Foto da autora, feita

em 11/04/2012.

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O sistema de drenagem de águas pluviais de City América pode ser considerado tra-dicional, com confinamento das águas em dutos, valetas, bueiros e demais elementos conhecidos, levando as águas desde o topo da bacia até o Córrego Fiat Lux, passan-do pela lagoa do Parque Cidade de Toronto.

O fato de se tratar de um bairro-jardim de uso exclusivamente residencial, de baixa densidade populacional e poder aquisitivo de médio a alto, faz de City América uma “ilha” nobre incrustada num padrão de ocupação mista de média e alta densidade, com público de classes menos favorecidas. A condição de “ilha” de bem-estar se con-sagra com a alta proporção de áreas verdes do local, que se destaca da pavimentação que domina a cidade.

Esses contrastes provavelmente sejam o principal motivo de os moradores investirem tanto em segurança patrimonial do loteamento, com acompanhamento de perto às pessoas estranhas ao lugar, como se pode perceber em nossa visita.

Os acessos ao loteamento são restritos, tanto para veículos quanto para pedestres. Além de crianças acompanhadas brincando do Parque, percebemos poucos mora-dores circulando pelo loteamento no horário da visita (entre 11 e 13 horas de uma segunda-feira). Nas áreas verdes lineares que cruzam e circundam o bairro, foram vistos alguns sinais de circuitos organizados para exercícios físicos.

Existe uma hierarquia de vias, sendo algumas distribuidoras e outras nitidamente de uso local, terminando em cul-de-sac. A largura das ruas varia, sendo mais estreitas nos pontos altos, alargando até o nível do Parque; o mesmo ocorre com os passeios, com vias e trechos de vias em que se tornam mais amplos.

Figura 7: Arruamento e área verde que

circunda o loteamento, com a Rodo-

via dos Bandeirantes à direita. Fonte:

http://maps.google.com,consultado em

10/05/2012.

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Figuras 8 e 9: City América, com vias largas e passeios ajardinados, pouco fluxo de veículos e existência

de espaços de reserva para implantação de infra-estrutura verde. Fotos feitas pela autora em 07/05/2012.

Figuras 10 e 11: Vias de bairros vizinhos, com fluxo de veículos, pouco conforto para pedestres e ausência

de reservas de áreas para implantação de infra-estrutura verde. Fotos feitas pela autora em 07/05/2012.

Muitas esquinas e cruzamentos apresentam áreas ajardinadas, aparentando serem cuidadas por pessoas ou grupos independentes. O mesmo ocorre com os trechos da área linear circundante do loteamento 21.

21 Estamos aguardando resposta a consulta feita à Associação Nova City America para

conhecer um pouco sobre o gerenciamento das áreas comuns públicas (e particulares), detalhes do

projeto original e opinião sobre a integração das áreas verdes existentes com o restante da região.

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RAZÕES PARA MUDANÇA

Apesar das incertezas decorrentes de nosso conhecimento ainda falho sobre rela-ções ambientais, a Infra-estrutura Verde pode ser medida, desenhada, controlada, contando, assim, com dotações orçamentárias, programas de educação, fiscalização, modelagem de equipamentos. Por apresentar uma lógica clara e trazer benefícios econômicos, ambientais e culturais superiores aos dos modelos antigos de sistema de coleta, disposição de águas pluviais e controle de enchentes, pode assumir um pata-mar de importância semelhante ao de sistemas públicos como transporte, educação, saúde, integrando-se às demais redes públicas.

A substituição, mesmo que parcial, da rede tradicional de drenagem pluvial em City América contribuiria para a diminuição da velocidade de vazão das águas para a la-goa existente no Parque Cidade de Toronto e, consequentemente, reduziria a cheia à jusante (Rio Tietê). Além disso, promoveria a filtragem da água e melhoraria as condições dos habitats que se instalam na lagoa e no corredor ao longo do Córrego Fiat Lux, com melhoria, inclusive, da qualidade da recreação possível nessas áreas.

As vias de City América têm espaço suficiente para adaptação de equipamentos ver-des, como canteiros pluviais, jardins de chuva e biovaletas, e até mesmo se for neces-sária a ocupação da pista carroçável para a construção de bacias de sedimentação dessas últimas, sem que isso prejudique o trânsito de pedestres e veículos. A escolha, o posicionamento e a integração desses equipamentos no arruamento existente preci-saria ser bem planejado, para se evitar transtornos e gastos desnecessários. Replica-da essa ação em outros bairros, conforme as possibilidades de cada um, se poderia beneficiar toda a cidade.

Considerando a pouca quantidade de equipamentos de lazer e de áreas verdes na cidade, seria benéfico para a região, que comunidades vizinhas também usufruíssem de City América para programas de educação ambiental, saúde, ciências, além de recreação, esportes e passagem entre bairros, a pé ou de bicicleta.

Isto poderia ser facilitado com a incorporação ao sistema verde da faixa de domínio das linhas de transmissão elétrica, que cruza transversalmente toda a região. Seria, também, interessante a criação passagens sob e sobre a Rodovia dos Bandeirantes,

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na altura do km 14, para conexão biológica dentro da bacia Fiat Lux e para passagem de pedestres e veículos não-motorizados entre os dois distritos eparados pela rodovia.22

A ampliação da mancha verde da região de City América, com a consequente aproxi-mação com as manchas São Domingos e Felicidade, talvez seja o objetivo mais rele-vante desta análise. Conforme o princípio da Complementação Ecológica tratado em capítulo anterior, as espécies locomovem-se entre as manchas (patches) do mosaico de uma paisagem com a finalidade de obterem recursos – alimentação, reprodução, abrigo – a fim de complementarem seus diferentes ciclos de vida; para tanto, as man-chas precisam estar relativamente próximas.

Figura 12: Caminhos ver-

des a serem implantados

ou incrementados, para

ampliação e consolidação

das manchas verdes e uso

por pedestres e ciclistas.

Elaboração da autora sobre

foto de satélite obtida em

http://maps.google.com em

10/05/2012.

Colding23 menciona cuidados especiais em relação a matrizes naturais incrustadas em matrizes urbanas e a importância das áreas de amortecimento (buffer) ao redor dessas reservas, de modo a mitigar as influências negativas da poluição e de espécies invasoras.

22 Franco propõe esse tipo de transposição de barreira em proposta para o Rio Pinheiros, em

São Paulo. FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro Franco. Planejamento Ambiental para a Cidade

Sustentável. São Paulo: Annablume, 2000.

23 COLDING (2007).

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Além disso, nas épocas de crise, onde há escassez de algum tipo recurso para as es-pécies dentro das reservas, esses buffers podem ser cruciais para a sua sobrevivência.

Conexões importantes entre fragmentos, manchas e matrizes ainda são possíveis na região e, neste caso, tais conexões ganham um valor maior ainda, pela proximidade com Zonas Núcleo da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Pau-lo24. Sendo assim, City América e Parque Cidade de Toronto poderiam, de fato, assu-mir o papel de Zona de Amortecimento e Conectividade, protegendo as matrizes de Mata Atlântica e expandindo seus limites para dentro da cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A transformação das ações paisagísticas ligadas à estrutura ecológica do lugar em Infra-estrutura Verde pode ser encarada como uma estratégia bastante interessante de implantação e manutenção da natureza na cidade. Temos, contudo, que “tropicali-zar” esses modelos e posturas, para que de fato se tornem uma prática.

Nas cidades brasileiras, especialmente nas de grande porte, a quantidade de áreas verdes é pequena, os passeios públicos são estreitos, os lotes cercados, os recuos das edificações restritos ao uso particular, além de comumente serem pavimentados e ocupados por edículas. A rede elétrica é em geral aérea conflitando com a arboriza-ção, e esta, por sua vez, não é devidamente planejada, interferindo com a iluminação pública; o auxílio dado aos habitantes para escolha de espécies e locais onde plantar, assim como para a poda correta e segura de galhos, é insuficiente. Há muito por fazer, de maneira a se instalar grades verdes em nossas cidades.

24 A região metropolitana de São Paulo expandida até um raio de aproximadamente 60km a

partir da Sé constitui a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo. As Reservas

da Biosfera declaradas pela UNESCO seguem um modelo de zoneamento ambiental, manejo da

terra e inclusão social desenvolvido pelo programa Man and Biosphere, que, desde o início de sua

implantação em 1971, vem servindo de referência para a legislação e as políticas ambientais de

cada lugar. A legislação brasileira nas esferas federal, estadual e municipal está em sintonia com

a orientação do MAB/UNESCO. Mais informações sobre o programa em http://rbma.org.br/mab/

unesco_03_rb_cinturao.asp.

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Os programas de urbanização de favelas seriam uma boa oportunidade para corrigir algumas das implicações negativas das ocupações equivocadas de áreas de várzea ou de alta declividade. As guias e sarjetas instaladas da maneira tradicional precisa-riam ser repensadas, assim como passeios e leito carroçável muito estreitos, de ma-neira a incluir no programa equipamentos verdes, como cisternas, canteiros pluviais e biovaletas com suas bacias de retenção e sedimentação. A liberação controlada das águas da chuva reduziriam os deslizamentos de terra e as enchentes comuns nessas áreas, além do assoreamento dos rios e a poluição que lhes tira a vida.

Outra oportunidade de melhoria da paisagem urbana estaria na mudança de ótica quanto à finalidade dos rios urbanos. Muitos de nossos rios são de planície, serpente-ando por várzeas largas e mudando de curso com certa frequência; sua canalização vem se mostrando ineficiente e, nos moldes do que já acontece no exterior, se come-ça a considerar que a desocupação das várzeas e devolução das mesmas para o do-mínio das águas seja inevitável. Mais corredores ecológicos urbanos poderão surgir, com ganho para a paisagem e a vida das pessoas.

Comparando-se casos de implantação de Infra-Estrutura Verde em cidades da costa oeste entre Estados Unidos e Canadá25 e de corredores verdes em pontos diversos no Brasil26, encontramos comportamentos e resultados bem diferentes, especialmente no que tange à manutenção desses sistemas. Ineficiência da gestão pública ou falta de colaboração da sociedade? Isso e mais. Nosso desafio é, pois, considerar esses (e tantos outros) dados físicos e culturais como parte do jogo e incrementar o sistema das maneiras possíveis, auxiliando a sociedade a se movimentar para a construção de outro futuro.

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25 CORMIER E PELLEGRINO (2008).

26 FRISCHENBRUDER, Marisa T. Mamede; PELLEGRINO, Paulo. Using greenways to reclaim

nature in Brazilian cities. Landscape and Urban Planning, v. 76 (2006), p. 67-78.

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FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro Franco. Planejamento Ambiental para a Cidade Sustentável. São Paulo: Annablume, 2000.FRISCHENBRUDER, Marisa T. Mamede; PELLEGRINO, Paulo. Using greenways to reclaim nature in Brazilian cities. Landscape and Urban Planning, v. 76, p. 67-78, 2006.

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http://[email protected]

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ARTIGO Nº8PROJETO DE INFRAESTRUTURA VERDE NA BACIA HIDROGRÁFICA DO

CÓRREGO JUDAS, SÃO PAULO, SPGreen Infrastructure Project in the River Basin of Judas creek, São Paulo –

SP, BrazilMarcos Silverio

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PROJETO DE INFRAESTRUTURA URBANA NA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO JUDAS, SÃO PAULO

Marcos Silverio

Arquiteto e Urbanista, mestrando em Projeto de Arquitetura na FAUUSP - E-mail: [email protected]

Resumo

A apropriação dos espaços públicos como as praças, os parques e principalmente as ruas demonstram o nível de consciência urbana de uma sociedade. Estes locais ofe-recem oportunidades convívio e lazer e favorecem a compreensão do ambiente pela população (SILVERIO, 2010). Considerando a importância destes espaços públicos para a cidade este artigo propõe um projeto de infraestrutura urbana na bacia hidro-gráfica do Córrego Judas, na região de Santo Amaro. Extremo do Vetor Sudoeste1 a região de Santo Amaro, na Zona Sul da cidade de São Paulo, vem recebendo grandes investimentos públicos e privados na última década e convive com falta de equipa-mentos e áreas públicas.

Palavras-chave: Arquitetura, planejamento ambiental, apropriação do espaço públi-co, educação ambiental, infraestrutura urbana, áreas verdes, rios, ciclovia.

1 O Vetor Sudoeste é o eixo formado à partir do Centro da cidade de São Paulo em direção

a região da Av. Marginal do Rio Pinheiros, compreendendo a região da Av. Paulista, Av Brigadeiro

Faria Lima, região da Av. Berrini e a região da Chácara Santo Antônio. Recebeu nas últimas décadas

parcelas significaticas de investimentos públicos em infraestrutura e abriga as sedes de empresas e

de grupos internacionais e centros de operação de capitais transnacionais. (IGLECIAS, 2002)

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GREEN INFRASTRUCTURE PROJECT IN THE RIVER BASIN OF JUDAS CREEK, SÃO PAULO – SP, BRAZIL

Abstract

The appropriation of public spaces such as plazas, parks and streets primarily de-monstrate the level of urban consciousness of an society. These sites offer living and leisure opportunities and encourage understanding of the environment by the popu-lation (SILVERIO, 2010). Considering the importance of these public spaces to the city this paper proposes an urban infrastructure project in the watershed of the stream Judas, in the region of Santo Amaro. Far from the Vector Sudoeste the region of Santo Amaro, in the south of São Paulo, has received great public and private investments in the last decade and coexists with lack of facilities and public areas.

Keywords: Architecture, environmental planning, public space appropriation, environ-mental education, urban infrastructure, green areas, rivers, biking.

ESPAÇOS PÚBLICOS

Jardins, parques e espaços públicos deveriam promover o encontro de pessoas e o papel da vegetação deveria ser o de contribuir, como um dos elementos do projeto de paisagismo, para a estruturação de espaços livres com essa finalidade. (LEITE, 2010, p.64).

Vivemos com relativo conforto e segurança em nossas casas e apartamentos (FER-RAZ, 2011, p.77) mas quando saímos às ruas sentimos a sensação de insegurança e desconforto ao conviver com a violência, a imobilidade, a falta de generosidade e o caos urbanos. Nossa reação, na maioria das vezes, é nos proteger dentro de carros, condomínios e shoppings, isolando-nos da cidade.

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O uso e a apropriação dos espaços públicos da cidade, palcos de convívio e conflitos, são fundamentais para a manifestação da liberdade da população e de mudança so-cial. Esta paisagem é fruto das intervenções conduzidas por profissionais2 e principal-mente das interpretações e transformações realizadas por seus usuários.

Também são importantes para o reconhecimento do local em que vivemos e da rela-ção com a cidade, em especial as áreas verdes, pela sensibilização para a importân-cia da preservação dos recursos naturais e do ambiente, bem como compreensão do relevo, hidrografia, geografia e topografia do entorno3.

SEGREGAÇÃO ESPACIAL

A praça, enquanto lugar público em que se enfrentam formas de so-ciabilidade antagônicas, é o cenário de exorcização das diferenças sociais por meio do sentimento comunitário, portanto, palco privile-giado para a exibição dos conflitos e seu enfrentamento através da palavra, dos gestos e posturas corporais. Ao esvaziamento da praça corresponderá um silêncio das vozes” (ANDRADE, 1997).

Acredita-se que as transformações das estruturas sociais provocam transformações no espaço. Porém há menos demonstrações de que, inversamente, o espaço provoca transformações no social (VILLAÇA, 2001, p.45). A segregação urbana é uma das características mais marcantes nas metrópoles, especialmente a criada pelos bairros residenciais produzidos pelas e para as classes dominantes.

As relações entre a produção, a circulação e o consumo do espaço e os efeitos do espaço sobre o social (op. cit. p.47) podem ser compreendidas pelo conceito de sítio social definido por Milton Santos (1993, citado por Villaça, 2001, p.141), observando que a:

2 Os profissionais geralmente envolvidos em intervenções na cidade são arquitetos, engenheiros,

agrônomos, geólogos, geógrafos e biólogos. Cada qual contribuindo com seu conhecimento.

3 Comumente a população não tem noção de sua localização no espaço e a sua relação com

o meio, assim como o conhecimento da topografia, hidrografia e como se dá a ocupação do território.

Noções de posicionamento geográfico e solar são pouco utilizados e pouco conhecidos.

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”especulação imobiliária deriva, em última análise, da conjugação de dois movimentos convergentes: a superposição de um sítio so-cial ao sítio natural e a disputa entre atividades e pessoas por dada localização. (...) Criam-se sítios sociais, uma vez que o funciona-mento da sociedade urbana transforma seletivamente os lugares, afeiçoando-os às suas exigências funcionais. É assim que certos pontos se tornam mais acessíveis, certas artérias mais atrativas e, também, uns e outros, mais valorizados. Por isso são atividades mais dinâmicas que se instalam nessas áreas privilegiadas; quanto aos lugares de residência, a lógica é a mesma, com as pessoas de maiores recursos buscando alojar-se onde lhes pareça mais conve-niente, segundos os cânones de cada época, o que também inclui a moda. É desse modo que as diversas parcelas da cidade ganham ou perdem valor ao longo do tempo.”

Esta segregação espacial ocasionada pelas condições sócio-econômicas de parcela da população favorece a segregação social e isto reflete-se nas relações pessoais nos espaços públicos.

MOBILIDADE URBANA

Em 2011 o Ibope identificou que o tempo médio de deslocamento gasto no trânsito diariamente pelo paulistano foi de 2h49, sendo que 19% perdem mais de 4h diaria-mente nos congestionamentos, que também atrapalham a vida de quem depende do transporte público, e 55% considera o trânsito péssimo (Nossa São Paulo, 2011).

Um dos maiores problemas da cidade de São Paulo é o de mobilidade e acessibilida-de4. Perde-se muito tempo nos congestionamentos por conta da quantidade de carros nas ruas, consequência do transporte público precário e ineficiente, dos constantes incentivos governamentais à venda de automóveis, com redução de impostos e juros somados à prazos alongados de financiamento, e do fator cultural do brasileiro, por sua “paixão” por automóveis.

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Segundo Martin Gegner,

“o problema-chave do transporte urbano brasileiro, é que ele é mo-derno demais para deixar de utilizar o carro (...). Sua força e veloci-dade seduz o condutor a adotar um comportamento irresponsável perante transeuntes mais lentos e fracos. O acesso constante ao carro sugere autonomia. O sentimento de ser um indivíduo autôno-mo protegido é o motivo da história de sucesso do automóvel em todo o mundo (...). Essa disposição geral encontra condições sociais aguçadas no Brasil. Primeiramente, porque mais do que em países europeus, o carro ainda é um bom indicador de nível social.“ (GEG-NER, 2011, p.76)

No último ano o Governo Municipal iniciou uma campanha educativa e intensificou a fiscalização em relação às faixas de pedestres nas travessias das ruas, na tentativa de reduzir os atropelamentos de pedestres e mudar o cenário o qual “para pedestres o cruzamento de ruas significa correr de um lado para o outro” (op. cit. p.76).

Há cerca de dois anos iniciou-se um programa para melhorar a convivência entre ciclistas e motoristas com a criação das ciclofaixas entre parques paulistanos e em 2012 a bicicleta foi, de fato, considerada um veículo de transporte com a criação de ciclorotas inseridas na malha urbana dividindo espaço com os carros, e, mais recen-temente, o aluguel de bicicletas, patrocinado por empresas em troca de publicidade5.

4 Em São Paulo, 1/3 dos deslocamentos são feitos a pé e outros 1/3 são feitos em modos

coletivos em condições precárias. A política recente de concentrar os ônibus coletivos em corredores

têm causado ainda mais atrasos nestas linhas e empurrado usuários para o trem e o metro.

Recentemente, com a existência de integração entre os meios de transporte público e a criação do

Bilhete Único, houve um aumento significativo no uso de transporte sobre trilhos, causando seu quase

colapso. As políticas públicas e o mercado imobiliário espraiam cada vez a cidade aumentando a

distância entre a casa e o trabalho e os motoristas enfrentam congestionamentos crescentes passando

horas diárias parados no trânsito.

5 A bicicleta é um meio de transporte eficiente para curtas distâncias, ocupa pouco espaço

sãs ruas e não polui. Porém é muito vulnerável quando trafega entre os carros. Apesar de combatida

pela elite e tachada de brinquedo a bicicleta representa efetivamente um significativo percentual dos

descolamentos na cidade.

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Uma reclamação comum dos motoristas em relação às bicicletas é de que o trânsito da cidade é assassino e seria uma loucura “liberar” o trânsito de bicicletas nas ruas. Polêmicas à parte, grande parte das reclamações têm origem no medo de que os congestionamentos piorem com a redução de espaço para os carros. Segundo Rena-ta Falzoni, cicloativista que há 36 anos trocou o carro pela bicicleta, em entrevista à Rádio CBN, mais ciclistas nas ruas os tornarão mais visíveis e os acidentes tendem a diminuir. Também pela convivência entre motoristas e ciclistas, com o tempo, há de se criar um respeito mútuo. Não apenas o cuidado dos motoristas em relação ciclistas mas o respeito às leis de trânsito pelos ciclistas, que, pelo total descaso das autorida-des até então, não percebiam a bicicleta como um veículo6.

Em países como a China, Dinamarca, Noruega, Holanda França e outros da Europa e os Estados Unidos cada vez mais o uso da bicicleta é incentivado pelo governo espe-cialmente em trajetos curtos, incluindo-a no sistema de transporte urbano.

Figura 1: estacionamento de bicicletas junto à estação Amstel em Amsterdam. Foto Marcos Silverio, 2005.

6 É comum ver ciclistas circulando na contramão ou sobre calçadas muitas vezes por

insegurança de andar na rua. Com a educação de motoristas e ciclistas estes devem respeitar as regras

de trânsito.

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MEIO AMBIENTE

Segundo Luiz Enrique Sánchez, legalmente o ambiente não é limitado às repercus-sões físicas e ecológicas dos projetos desenvolvidos, mas incluem também seus efei-tos nos planos econômico, social e cultural. Na legislação brasileira, meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (Lei Federal 6.938, de 31 de agosto de 1981, art. 3º, 1)

Podemos compreender o ambiente como o meio de onde a sociedade extrai os recur-sos essenciais a sobrevivência, geralmente denominados naturais. Por outro lado o am-biente é também o meio de vida, de cuja integridade depende a manutenção de funções ecológicas essenciais à vida. Então o conceito de recurso natural refere-se à capaci-dade da natureza de fornecer recursos físicos e também de prover serviços e desem-penhar funções de suporte à vida. O autor portanto afirma que o conceito de ambiente oscila entre dois pólos: o fornecedor de recursos e o meio de vida. (SÁNCHEZ, 2008).

Considerando que o ambiente não trata apenas da natureza e que repercussões de um projeto podem ir além de suas consequências ecológicas, podemos afirmar que as ações humanas repercutem sobre as pessoas, quer no plano econômico, quer no plano social, quer no cultural. Empregando a noção de patrimônio cultural, abrangen-do também o patrimônio natural como produto da cultura de uma sociedade, podemos considerar como uma manifestação cultural desde sítios de valor histório, ecológico e mesmo a paisagem.

Para Maria de Lourdes Zuquim, o modelo brasileiro de desenvolvimento urbano-in-dustrial e de modernização agrícola entre as décadas de 1950 e 1970, com o es-tímulo a monocultura e mecanização, injusto do ponto de vista social e ambiental, deu origem a preocupações públicas com a questão ambiental, surgindo os primeiros movimentos de defesa da conservação da natureza, defensores da ideia da natureza intocada. Esta ideologia preservacionista, que buscava proteger a natureza da ação maléfica do homem, contribuiu para o afastamento simbólico do homem em relação à natureza. Com a criação de santuários naturais que ignoravam a presença humana, sua cultura e influência no ambiente.

Esta postura levou grande parte da sociedade a tratar a natureza como algo separado de si, distante, imaginando que as ações realizadas em um não tinham qualquer in-

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fluência ou consequência no outro. Então, ao mesmo tempo em que se alimentava a ideia da natureza intocada nas áreas rurais o homem a agredia no meio urbano.

As recentes observações sobre mudanças climáticas7, falta de água potável, mobili-dade, crescimento populacional, aumento do consumo entre outros fatores discutidos por pesquisadores, têm atraído a atenção da sociedade, que reflete sobre seus hábitos e suas consequências para o ambiente e o homem, agora vistos como parte de um complexo sistema, levaram à discussões em nível mundial que culminaram na realiza-ção da Rio 92 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvi-mento, na qual foi cunhado o conceito de sustentabilidade8, que passa a ser adotado, retoricamente, internacionalmente. Banalizado tornou-se a terminologia da moda, ge-rando diversas e diferentes interpretações, como desenvolvimento sustentável, desen-volvimento do capital humano e social entre outros. Gerando muito discurso e pouco resultado prático por estar atrelado à um padrão de produção e consumo baseado no modelo de desenvolvimento à qualquer preço, que ainda em nada se alterou.

7 É comum referir-se às mudanças climáticas como aquecimento global. Termo incorreto pois

devido às dinâmicas do clima da Terra o ocorre é a intensificação dos extremos climáticos e ampliação

de seus efeitos. A tendência é de ocorrerem mais chuvas em determinados locais e em outros, ou

outros períodos o mesmo local, a intensificação da seca, bem como períodos muito quentes e outros

extremamente frios. No Brasil já percebemos estes efeitos com aparecimento de ciclones na região Sul,

secas mais intensas no Nordeste e períodos de grandes cheias seguidas de vazantes extremas no Norte.

8 Palavra da moda, sustentabilidade inicialmente cunhada como desenvolvimento sustentável

significava “O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem

comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa

possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e

económico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos

da terra e preservando as espécies e os habitats naturais. Relatório Brundtland. O desenvolvimento

sustentado deve ser cientificamente embasado, ecologicamente sustentável e exeqüível, culturalmente

assimilável, socialmente justo e economicamente setorial e equilibrado. (RBMA, 1995). Obviamente que

dificilmente alguma atividade humana poder ser considerada sustentável em todos os seus aspectos. Mas

a palavra tornou-se arma de marketing para se vender de carros a contas em bancos perdendo totalmente

seu significado inicial. Hoje considera-se sustentável qualquer produto ou serviço que pelo menos em

parte de seu processo adote alguma prática de redução de matéria prima ou energia, redução de emissão

de poluentes, capacidade de ser reciclado entre outros aspectos. Que na totalidade podem fazer pouca ou

nenhuma diferença ao meio ambiente e à sociedade.

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Parte considerável das ações com resultado positivo tem insistido na mudança de pequenos hábitos9 da população, mais do que em grandes ações promovidas por governos, como o 3R - reduzir, reusar e reciclar - e a troca do carro por um meio de transporte alternativo, como os de massa ou bicicleta.

IMPACTO AMBIENTAL

Atualmente há a compreensão de que não existe atividade que não cause nenhum impacto, especialmente o negativo, e de que devemos diminuir ou mitigar este impac-to. O impacto ambiental negativo pode ser descrito como degradação ambiental e ser entendido como a alteração da qualidade ambiental que resulta da modificação de processos naturais ou sociais provocada por ação humana (SÁNCHEZ, 2008).

Qualidade ambiental é entendida por Sánchez como “uma medida da condição de um ambiente relativa aos requisitos de uma ou mais espécies e/ou de qualquer necessi-dade ou objetivo humano”.

Um ambiente pode sofrer degradação, com perda da qualidade ambiental, em dife-rentes intensidades. Dependendo do grau de perturbação o ambiente pode se recu-perar espontaneamente, ser possível apenas com ação corretiva10 ou a longo prazo ou então ser totalmente destruído. A capacidade de o ambiente se recuperar espon-taneamente ou absorver mudanças e retornar a um estado de equilíbrio após uma perturbação temporária é chamada resiliência.

9 Reconhecidamente o cenário sócio-ambiental só mudará quando a sociedade alterar seus hábitos

culturais e de consumo.

10 O agente causador da degradação é sempre o homem, já que processos naturais não degradam

ambientes, apenas causam mudanças. A recuperação poderá melhorar os aspectos ambientais de um

local impactado, porém jamais será melhor do que o processo natural.

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RECUPERAÇÃO AMBIENTAL

O ambiente afetado pela ação humana pode, em certa medida, ser recuperado me-diante ações voltadas para esta finalidade. Recuperação ambiental envolve a aplica-ção de técnicas de manejo visando tornar um ambiente degradado apto para um novo uso produtivo, desde que ambientalmente sustentável11.

Dentre as variantes da recuperação ambiental, a restauração é entendida como o retorno de uma área degradada às condições existentes antes da degradação. Reabilitação é a modalidade que visa habilitar a área para uma nova forma de utilização visando à obten-ção de uma estabilidade do meio ambiente. A remediação aplica-se a recuperação de áre-as contaminadas. No meio urbano são utilizados os termos requalificação e revitalização.

ATIVIDADES AO AR LIVRE

As áreas livres, especialmente as verdes, são vistas como elementos fundamentais para a qualidade de vida das cidades. E que devem ser apropriados e desfrutados pela população para despertar a consciência de sua importância e como um meio de conservá-lo12. Tornando-se então um elemento de Educação Ambiental.

Pesquisa da Prefeitura de São Paulo publicada no jornal O Estado de São Paulo no dia 15.05.2012 revelou que a mancha urbana de São Paulo tem apenas 2,6 metros quadrados em média, de área verde pública de lazer por pessoa. Irregularmente dis-tribuída com paisagens mais cinzentas na região central e periferias e maior concen-tração de verde em regiões ricas como os nos bairros jardins13.

11 Compreendido como um sistema que tenha funções de suporte à vida, produção de alimentos ou

uso para o homem, podendo ter algum grau de degradação ambiental.

12 Um importante meio de despertar o interesse pela preservação da natureza é conhecendo e

desfrutando destes espaços.

13 A distribuição de áreas verdes é mutuo irregular na cidade sendo uma importante ferramenta

de vendas para o mercado imobiliário a presença de manchas verdes, o que encarece os imóveis e

amplia a segregação às classes menos favorecidas. Recentemente a PMSP transferiu grandes areas

reservadas para a criação de parques decorrentes de compensação das operações urbanas para

clubes de futebol, privatizado áreas públicas e reduzindo a oferta de áreas verdes para a população.

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O mito moderno de que todos os problemas seriam resolvidos por máquinas e pela tecnologia e de que não precisaríamos mais nos deslocar para nos comunicar e aces-sar bens, somados aos problemas de mobilidade e a sensação de insegurança fez intensificar a característica humana de mínimo esforço tornando-nos seres ainda mais preguiçosos.

As crianças estão desaprendendo a brincar e passam cada vez mais tempo engordan-do na frente de televisões e vídeo games e se “relacionando” via internet em substitui-ção às brincadeiras de rua. O cenário é tão preocupante que foi constatado pelo autor em 2011, durante a prova de corrida para crianças PA Kids organizada pelo Grupo Pão de Açúcar14, que a maioria das crianças participantes simplesmente não sabe correr. Se o ancestral humano levou 7 milhões de anos para se firmar sobre duas per-nas e aprender a andar agora estamos caminhando, literalmente, na direção oposta.

Estes hábitos tornaram-nos sedentários, antissociais e doentes e a taxa de crescimen-to de doenças relacionadas aos hábitos atuais, como depressão, obesidade, diabetes e cardiopatias, é alarmante. Quem pode pagar, e se motiva a se levantar do sofá, vai para academias e clubes privados pois perdemos as ruas e as praças como espaços de lazer e práticas esportivas.

REGIÃO DE SANTO AMARO

A região de Santo Amaro, localizada na Zona Sul da cidade de São Paulo, compre-ende atualmente três distritos administrativos, Campo Belo, Campo Grande e Santo Amaro e ocupa uma área de 37,5 Km2 com 238.025 habitantes e 6.347 Hab/Km2

(IBGE, 2010).

Povoado surgido em 1552, Santo Amaro tornou-se paróquia em 1680 e município em 1832, abrangendo todo o território ao sul do córrego da Traição, hoje sob a avenida dos Bandeirantes, até a Serra do Mar. Em 22 de fevereiro de 1935 foi anexado à Ci-dade de São Paulo, retomando a condição de bairro. A área do antigo município foi en-tão subdividida nos subdistritos de Santo Amaro, Ibirapuera, Capela do Socorro e no

14 A prova ocorreu na pista de atletismo do complexo do Ibirapuera.

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distrito de Parelheiros. Entre as razões para a extinção do município de Santo Amaro está a construção do Aeroporto de Congonhas, como alternativa ao Campo de Marte, ocupado pelas tropas rebeldes durante a Revolução Constitucionalista de 1932.

Figura 2: localização da Região de Santo Amaro. Fonte: Marcos Silverio, adaptado de Google 2012 e

Atlas Ambiental do Município de São Paulo 2002.

Com uma área de 15,60 km2 e uma po-pulação de 60.373 habitantes o distrito de Santo Amaro caracteriza-se economica-mente pela grande oferta de comércio e serviços, substituindo nas últimas déca-das a indústria em fuga para regiões do interior. O Distrito exerce grande influên-cia nos bairros vizinhos, sobretudo nos do extremo sul da cidade, tendo como cen-tralidade a região do Largo 13 de Maio, com concentração de comércio popular e grande circulação de pessoas, servido por terminal de ônibus, trem e metro.

Figura 3: antigo leito do Rio Pinheiros antes da

retificação. Fonte: Matuiti Mayezo/Folha Imagem.

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nº 04 | São Paulo, Junho de 2012

Figura 4: a) Treze de Maio; b) Estação Largo 13

de maio, Arq. Walter Toscano (1985); c) Clube Hí-

pico de Santo Amaro (1935); d) Mercado Munici-

pal de Santo Amaro (1897); e) Teatro Paulo Eiró,

Arq. Roberto Tibau (1952) e f) Parque Severo Go-

mes (1989). Pontos de interesse da região. Fotos

Marcos Silverio

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O Distrito de Santo Amaro ocupa os terraços sedimentares aluvionais do Rio Pinhei-ros e dos córregos Águas Espraiadas e Cordeiro e colinas sedimentares terciárias de baixa declividade na porção leste, com cotas altimétricas variando entre 720 e 800m. Fortemente urbanizados e antropizados nos quais as superfícies naturais dos terre-nos e seus respectivos relevos se mostram, quase sempre, bastante alterados.

A porção próxima ao Rio Pinheiros localiza-se sobre a antiga várzea do rio, que, ante-riormente meandrante, fora retificado entre 1928 e 1950. Os cursos d’água apresen-tam geralmente suas características naturais fortemente alteradas, com retificações e/ou canalizações dos mesmos. Suas várzeas são ocupadas em sua maioria por ave-nidas de fundo de vale as quais favorecem inundações, são, também, receptores de diversos tipos de poluentes, que alteram a qualidade das águas e prejudicam seu uso recreativo.

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Imagem 5 Região de Santo Amaro e entorno. Fonte Marcos Silverio, modificado de Ikonos da RMGSP.

SMA-GSTIC / FAUUSP-CESAD.

Extremo do Vetor Sudoeste de desenvolvimento a região passa por uma rápida verti-calização com dezenas de lançamentos do mercado imobiliário, com edifícios residen-ciais e comerciais, tendo, como em toda região, uma concentração dos investimentos próxima à Av Marginal do Rio Pinheiros. Os principais empreendimentos comerciais são o Edifício Rochaverá, da construtora WTorre, o edifício de escritórios do Shopping Morumbi e o complexo empresarial Company Business Tower, que terá torres de 124 e 189 m de altura. Os empreendimentos residenciais somam 5.222 unidades lança-das entre 2005 e 2009 (PMSP, 2009).

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Figura 6: Imagem do projeto do complexo empresarial Company Business Tower, na Marginal Pinhei-

ros, região de Santo Amaro. Ao fundo o Parque Burle Marx e à esquerda área arborizada privada. Fonte

Brookfield 2010.

Os investimentos públicos concentram-se na região dos bairros da Chácara Santo Antônio e Vila Cruzeiro, próximos ao Rio Pinheiros. Destacando-se os projetos de construção do monotrilho Morumbi - Aeroporto de Congonhas e o prolongamento da Av Chucri Zaidan, extensão do eixo da região da Av Eng. Luis Carlos Berrini, e a ponte Burle Marx, sobre o Rio Pinheiros conectando a Av. Prof. Alceu Maynard de Araújo ao Parque Burle Marx. O Metrô investe no expansão da linha 5 Lilás, conectando a Esta-ção Largo 13 de Maio à Chácara Klabin, com 11,4 Km e 11 estações.

A região da Chácara Santo Antônio e Vila Cruzeiro é compreendida por bairros-jardim, áreas residenciais tradicionais e zonas de comércio e serviços, além dos novos usos decorrentes dos investimentos.

BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO JUDAS

Estes bairros, nos quais as maiores modificações ocorrem, localizam-se na bacia do Córrego Judas, sub-bacia do Rio Pinheiros, com suas nascentes junto aos bairros jardim do Alto da Boa Vista e da Granja Julieta.

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O Córrego Judas tem seu trecho inicial canalizado, tendo uma das nascentes junto ao lago existente na propriedade do Colégio Friburgo, ressurgindo no Parque Severo Gomes e próximo ao Clube Hípico de Santo Amaro, importantes manchas verdes da região, depois seguindo canalizado e retificado até o Rio Pinheiros sob a Av Prof. Al-ceu Maynard de Araújo.

No Parque Severo Gomes o rio corre à céu aberto, em um trecho recuperado, em que as margens foram regeneradas e a qualidade da água controlada pela Sabesp, que monitora e executa um projeto para controle de esgotos lançados no rio.

Figura 7: bacia do Córrego Judas. Fonte: Ikonos da RMGSP. SMA-GSTIC / FAUUSP-CESAD, EMURB

2009, Metro 2010, modificado por Marcos Silverio, 2012

As principais áreas verdes da região concentram-se próximas ao seu centro, principal-mente no Clube Hípico e no Parque Severo Gomes, nas ruas e praças e nos jardins privados do bairro da Granja Julieta.

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Os equipamentos públicos de lazer, recreação ou esportivos existentes, com exceção do Parque Severo Gomes, estão concentrados na região próxima ao Largo Treze de Maio. Merecem destaque o Clube-Escola de Santo Amaro Joerg Bruder, o Teatro Pau-lo Eiró, a unidade do SESC e a Biblioteca Prestes Maia (antiga Presidente Kennedy). Estes porém não atendem diretamente a população da bacia do Córrego Judas, que carece de opções públicas.

Figura 8: vista da bacia do Córrego Judas à partir do Parque Burle Marx. Em primeiro plano o Rio Pi-

nheiros. Foto Marcos Silverio 2012.

O Parque Severo Gomes é utilizado para lazer, recreação e prática esportiva, espe-cialmente por praticantes de corrida durante a semana e por famílias com crianças nos finais de semana. Contíguo ao parque, no trecho intermediário de seu curso, há uma praça precariamente construída, local de interesse para um projeto de equipa-mentos públicos.

O Córrego Maria Joaquina é um afluente do Córrego Judas e foi canalizado e desvia-do por ruas próximas ao seu leito original em 2010 pela Prefeitura para liberação da construção de um condomínio no local.15

15 Em 2009 havia um projeto de lei nº 0671/2007 que previa a despoluição do Córrego Maria

Joaquina e a construção de um parque linear, porém após a compra do terreno pela Empresa Esser as

Secretarias da Habitação e do Verde ignoraram a sua existência e liberaram a construção no terreno e

o corte de árvores da Praça Leon Feffer para alargamento da rua lateral, que legalmente não permitia a

construção devido à sua largura reduzida e à existência do córrego.

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Figura 9: localização de empreendimento da Empresa Esser sobre o leito do Córrego Maria Joaquina e do curso

modificado pela PMSP para possi bilitar a sua construção. Fonte Marcos Silverio 2012, modificado de Esser 2010.

Foto Marcos Silverio 2012.

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INTERVENÇÕES NA PAISAGEM

A arquitetura, mais do que oferecer soluções deve criar possibilidades para a apropriação dos espaços públicos pelos cidadãos. Porém tanto a falta quanto o excesso de desenho, no sentido da determinação do uso e das permissões estabelecidas às últimas consequências, pode ser prejudicial16. Segundo Hertzberger, 1999:

Deveríamos fazer projetos de tal modo que o resultado não se refe-risse abertamente a uma meta inequívoca, mas que ainda admitisse a interpretação, para assumir sua identidade pelo uso. O que faze-mos deve constituir uma oferta, deve ter a capacidade de provocar, sempre, reações específicas adequadas a situações específicas; assim, não se deve ser apenas neutro e flexível - e portanto, não específico -, mas deve possuir aquela eficácia mais ampla que cha-mamos polivalência.

e também

A extrema funcionalidade de um projeto o torna-o rígido e inflexível, isto é, oferece ao usuário do objeto projetado muito pouca liberdade para interpretar sua função de acordo com sua vontade.

O arquiteto cria a oportunidade e permite, por meio do desenho que este seja apro-priado e mesmo modificado, dentro de certo contexto e pretexto. Espaços que propi-ciam o contato e a fruição, que permitam os encontros inesperados, os embates e as trocas, a urbanidade. Que não segreguem e engessem as oportunidades (SILVERIO, 2010).

As intervenções do poder público geralmente são de grande escala, porém na escala do cotidiano podemos fazer mudanças significativas e com pouco investimento. O projeto de arquitetura é parte do processo, “movimenta as águas”, mas depende de outras ações e da participação dos “usuários”, a ação arquitetônica (FERRAZ, 2011, p.31), da importância do espaço em que vivem, da escala doméstica à cidade.

16 Excessivamente projetadas e engessadas. Não permitindo usos que não os óbvios.

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A arquitetura da paisagem, segundo Maria Angela Pereira Faggin Leite, “(...) é cons-truída todos os dias pelo conjunto da sociedade, construção que o paisagismo toma parte, propondo alternativas de uso e de qualificação de espaços coletivos, democrá-ticos e acessíveis. Outras formas de interpretar a sua atuação não passam de tenta-tivas de restringir a participação de todos na conformação de seu ambiente de vida“ (LEITE, 2010, p.78).

Figura 11: campo de futebol em área sobre o Cór-

rego Judas. Foto Marcos Silverio 2010.

Figura 12: Pista de skate no piscinão das Águas

Espraiadas. Foto Marcos Silverio 2010.

Figura 13: Caixa de areia no Parque Severo Gomes. Foto Marcos Silverio 2006. .

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Propostas de projeto sem os objetivos de imitar a natureza ou buscar recriá-la em sua complexidade sistêmica e suas relações ecológicas, que de certa maneira bus-cam “apagar” a marca do homem priorizando aspectos fisiográficos em detrimento do significado social, mas que valorizam o patrimônio natural e aceitam as modificações acumuladas durante a sua história. Criando espaços vivos em seu aspecto natural e que compreendem a dinâmica social e seus significados, inserindo as áreas livres com elementos naturais no contexto urbano.

Figura 14: canal no Parc de La Villette, Paris,

Bernard Tschumi. Foto Marcos Silverio 2005.

Figura 15: canal em Amsterdam e utilização de

suas margens. Foto Marcos Silverio 2005.

INTERVENÇÕES VERNACULARES

É característico de regiões com populações tradicionais a apropriação dos espaços e as intervenções executadas por estas populações. Além do emprego de materiais e técnicas tradicionais estas intervenções geralmente apresentam grande espontanei-dade e muitas vezes improviso com o que é oferecido pelo ambiente.

A paisagem é o espaço visto em perspectiva (LEITE, 2010, p.72). E é também heran-ça pois carrega toda a história das intervenções ocasionadas pela sociedade e sua relação com este espaço.

Para Maria Angela Faggin Pereira Leite “o processo de construção do lugar é um processo de representação de relações sociais. A transformação da paisagem é a própria história de seu uso, a conferir-lhe identidade e significado. Sendo que o projeto

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de paisagismo deve funcionar como uma obra aberta, encorajando a participação e a criatividade da sociedade e utilizando-se da ambiguidade, da desconexão e da mul-tiplicidade como estratégias de desafio à ordem estabelecida “ (LEITE, 2010, p.75).

Estas pequenas intervenções executadas no caminho diário da população, como um banco na praça ou na calçada, um jardim, uma sombra, o recuo de uma construção, uma visual para uma área verde distante ou uma área para “jogar bola” além de ges-tos generosos, aproveitam seu potencial para sensibilização da população.

Pudemos encontrar diversos exemplos na região estudada que ilustram este pensa-mento, Calçadas com bancos, jardins em recuos e em residências, calçadas verdes, uma videira na calçada entre outros exemplificam o potencial de utilização a apropria-ção dos espaços públicos.

Figura 16: intervenções vernaculares na região. Fotos: Marcos Silverio 2012

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PROPOSTA DE INFRAESTRUTURA URBANA

A proposta de intervenção na bacia do Córrego Judas baseou-se nas seguintes dire-trizes de projeto:

◊ garantir espaços públicos para convívio social, práticas esportivas e lazer

◊ intervenções que propiciem oportunidades para educação ambiental e para a percepção da paisagem

◊ mobilidade urbana - criação de ciclo rotas interligadas aos sistema de trans-porte urbano

◊ áreas verdes públicas - qualificação, criação e conexão de áreas verdes

◊ intervenções que valorizam e incentivam o envolvimento da população

◊ configurar um sistema de equipamentos e áreas públicas, diretamente co-nectados ou não

Em função das características da área de intervenção e das diretrizes de projeto as propostas de projeto são:

◊ Parque linear no trecho entre o Clube Hípico, o Parque Severo Gomes e a Av. Prof. Alceu Maynard de Araújo com recuperação do rio neste trecho

◊ Recuperação do rio no trecho inicial da Av. Prof. Alceu Maynard de Araújo e construção de praça com campo esportivo, pista de skate e área para lazer e recreação

◊ Caminho verde na Av. Prof. Alceu Maynard de Araújo interligado à praça Leon Feffer até a Marginal Pinheiros com comunicação visual com o Parque Burle Marx, na margem oposta do Rio Pinheiros no trecho de acesso à ponte Burle Marx (projetada)

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◊ Ciclovia entre a Av. Santo Amaro, Av. Prof. Alceu Maynard de Araújo e a Esta-ção Granja Julieta da CPTM com interligação à ciclovia existente na margem do rio Pinheiros e criação de um bicicletário junto ao Mercado Carrefour .

◊ Ciclovia entre o Parque Leon Feffer, a Av. Prof. Alceu Maynard de Araújo e a Av João Dias, junto à Bilbioteca Júlio Prestes, passando pela Rua Visconde de Taunay e pelo Clube Hípico de Santo Amaro, prolongando-se até o Largo 13 de Maio pela Praça Floriano Peixoto (caminho histórico)

◊ Recuperação da Praça Leon Feffer, construção de equipamentos de ginás-tica e recreação

◊ Projetos complementares de baixo impacto e baixo custo em espaços públi-cos e privados (praças, calçadas, canteiros, tetos verdes, jardins e quintais, miolo de quadra, separação de vias, agricultura urbana, cisternas (acumula-ção de água), canteiro pluvial, jardim de chuva, bio valetas, lagoas pluviais, grade verde entre outras)

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Figura 17: Proposta de projeto Fonte: Ikonos da RMGSP. SMA-GSTIC / FAUUSP-CESAD, EMURB 2009, modi-

ficado por Marcos Silverio, 2012. Em amarelo Parque e caminho verde na várzea do Córrego Judas, em branco

ciclo rota.

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Figura 18: proposta para praça sobre o Córrego Judas entre a Av Prof. Alceu Maynard de Araújo e o

Clube Hípico de Santo Amaro. Fonte Marcos Silverio, 2012 modificado de Google.

Figura 19: proposta caminho verde, área para prática esportiva e ciclofaixa na Av Prof. Alceu Maynard

de Araújo. Desenho Marcos Silverio.

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CONCLUSÃOA área de estudo apresenta grande potencial para a execução do projeto de infraes-trutura proposto e possibilidades de sua apropriação pela população, que já utiliza espaços da região para lazer e recreação bem como por meio de intervenções verna-culares observadas.

Devido aos altos investimentos executados na região e as transformações decorren-tes torna-se fundamental oferta de equipamentos e áreas públicas para lazer, recrea-ção e práticas esportivas.

O projeto valoriza o patrimônio natural da região e as intervenções promovidas pela população e pode servir de elemento de sensibilização para temas da paisagem e meio ambiente, com possíveis modificações nos hábitos da sociedade.

As conexões das intervenções com os meios de transporte existentes entre as áreas públicas atenderá não apenas a população residente mas os trabalhadores e mora-dores próximos á região de Santo Amaro, favorecendo o convívio social e a respeito pelo espaço público e pela paisagem.

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Sites visitados

Estado de São Paulo http://www.estadao.com.br/noticias/geral,sp-tem-so-26-metros-quadrados-de-verde-por-pessoa,873217,0.htm acessado em 15.05.2012

http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/node/16937 acessado em 15.05.2012

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ARTIGO Nº9ANÁLISE DO PROJETO PARQUE LINEAR DO CÓRREGO DO BISPO

Analysis of the Bispo Creek Linear Park ProjectIsménia Andrade e Natacha Ferreira

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ANÁLISE DO PROJETO PARQUE LINEAR DO CÓRREGO DO BISPO

Isménia Andrade1 e Natacha Ferreira2

1 Arquiteta Paisagista pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Portugal -

E-mail: [email protected]

2 Arquiteta Urbanista pela Universidade Nove de Julho, São Paulo -

E-mail: [email protected]

Resumo

Os problemas ambientais com que a humanidade do século XXI se depara são fla-grantes e com consequências irreversíveis e catastróficas. As mudanças climatéricas, em particular o aquecimento global, provocam alterações no ciclo das chuvas com o consequente aumento de enchentes responsáveis por diversas calamidades ambien-tais e humanas. O Programa Parques Lineares surge como uma resposta possível à proteção das áreas de várzea de diversos córregos do município de São Paulo nome-adamente, do Córrego do Bispo. Estas áreas são responsáveis por uma importante parte da drenagem urbana, podendo ser convertidas em agradáveis espaços de lazer para a população. A sua transformação em parques lineares favorece a população lo-cal, ao melhorar os níveis de salubridade ambiental e de qualidade de vida. O Parque Linear do Córrego do Bispo, situado na zona norte de São Paulo, Subprefeitura da Freguesia Casa Verde/Cachoeirinha, encontra-se em fase de licitação, aguardando-se o início das obras de execução do projeto. Este córrego apresenta características únicas associadas à contiguidade da sua margem direita à Serra da Cantareira. Este trabalho tem como objetivo apresentar o Programa de Parques Lineares no Córrego do Bispo, detetar dificuldades pertinentes à execução da obra e evidenciar mais-valias ambientais e sociais à sua criação.

Palavras chave: Parque Linear, Córrego do Bispo, Desenvolvimento Urbano Susten-táveis

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ANALYSIS OF THE BISPO CREEK LINEAR PARK PROJECT

Abstract

The environmental problems that the XXI century humanity faces are flagrant and have irreversible and catastrophic consequences. The climate changes, specifically the global warming, causes changes in the rain cycles and increase floods, which have been responsible for many environmental and human disasters.The Linear Parks Program emerges as a possible answer to the protection of floodplain areas of differ-ent streams of São Paulo in particular, of the stream of Bispo. These areas are re-sponsible for an important part of urban drainage and can be converted into pleasant recreational space for the population. Its transformation into linear parks encourages local people to improve levels of environmental health and quality of life. The Linear Park of the stream of Bispo, located in the north of São Paulo´s Subprefecture Casa Verde / Cachoeirinha, is in the bidding stage, pending the start of work. This stream has unique characteristics associated with the contiguity of its right edge of the Serra da Cantareira. This paper aims to present the program of Linear Parks in the stream of Bispo Creek, sensing difficulties pertaining to the works and show environmental and social barriers to its creation.

Keywords: Linear Park, Stream of Bispo, Sustainable urban development

METODOLOGIA

O desenvolvimento deste estudo foi realizado com base em pesquisas bibliográficas, reportagens fotográficas no local e recolha de informação privilegiada junto dos vigi-lantes do parque.

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INTRODUÇÃO

A cidade de São Paulo possui cerca de 300 córregos cuja principal função está limita-da ao transporte de esgotos domésticos e industriais. O crescimento exponencial da população e a falta de ações de sensibilização por parte das entidades responsáveis para as questões ambientais, concorrem para que os córregos da cidade se transfor-mem em verdadeiras lixeiras a céu aberto, com a consequente diminuição de qualida-de de vida e gravidade dos riscos para a saúde pública.

A alteração no uso e ocupação do solo provocada pela urbanização – como retirada da vegetação e a impermeabilização do solo – impactam diretamente no ciclo hidro-lógico, em especial nos processos naturais de infiltração, armazenagem nos corpos d’água e fluxo fluvial. Por consequência, temos as alterações climáticas ocasionadas pelos impactos no meio que, dentre outras coisas, causam problemas de enchentes. Temos ainda, que a falta de saneamento é responsável por uma série de moléstias nas ci-dades, como leptospirose, cólera e a dengue, ou seja, a água além de fundamental para manu-tenção da vida no meio urbano este diretamente relacionada com a qualidade de vida (BRAGA;CARVALHO, 2003). Esta situação agrava-se com a falta de educação dos moradores das cidades que descartam lixo nas vias públicas, de pessoas que em busca de materiais recicláveis abrem sacos de lixo e espalham nas ruas o material indesejado, da falta de locais apropriados para descarte de materiais resultantes de reformas na construção civil e de outras ações impróprias que não condizem com as melhores formas de convívio urbano (SANCHES, 2006).

O programa Parques Lineares surge com resposta a estes problemas, tendo como principais objetivos a criação de um plano de adaptação ao novo cenário climático e a criação de um banco de terras públicas prestadoras de serviços ambientais.

PROGRAMA PARQUES LINEARES

O Programa Parques Lineares é implantado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura do município de São Paulo em Janeiro de 2008 e visa recuperar áreas de várzea da cidade através do aumento da permeabilidade do solo e diminuição de enchentes. Formulado no Plano Diretor Estratégico, considera a rede hídrica como um elemento estruturador urbano e promove a expansão das áreas ver-des adjacentes.

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O programa identifica várias áreas de intervenção prioritária, considerando que ao serem viabilizadas enquanto parques lineares reduzirão as enchentes, sendo elas:

◊ Cabeceiras do ribeirão Perús;

◊ Borda da Cantareira – Cabeceiras do Cabuçú de Baixo e Cima;

◊ Nascentes do Aricanduva;

◊ Ribeirão Pirajussara;

◊ Morro do S;

◊ Cocaia e Caulim na área de mananciais.

A intenção é preservar as águas através de regularização e reurbanização de bairros precariamente instalados; urbanização de favelas; saneamento básico; congelamento de novas ocupações através da fiscalização permanente; criação de unidades de con-servação; promoção de atividades esportivas e de educação ambiental; divulgação das ações junto à população.

Neste sentido, a SVMA decide comprar 3.000.000 m2 de glebas rurais passíveis de viabilizar a implementação dos parques lineares desta região: Bananal, Canivetes, Itaguaçú e Bispo.

A realização do programa dos parques assenta em consultas públicas e em parcerias público-privadas, tendo como suporte mecanismos institucionais e legais que as pre-vêem explicitamente:

◊ Parcerias associadas aos Termos de Compensação Ambiental - empreende-dores cujos projetos necessitem do abate/extração de árvores devem indeni-zar administrativamente o município através de replantio ou implantação de parques, podendo ainda haver compensação monetária para financiar proje-tos ou obras de recuperação e requalificação de áreas verdes;

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◊ Parcerias associadas à compra de potencial construtivo - empreendedores que desejem construir utilizando coeficiente de aproveitamento maior do que o mínimo legal, devem depositar junto ao Fundurb (Fundo de Desenvolvi-mento Urbano) quantia em dinheiro calculada conforme legislação. Esse fun-do financia também a construção de parques, através do fomento do Progra-ma Parques Lineares;

◊ Parcerias associadas à venda de créditos de carbono em leilão - município e empresa privada repartem entre si os recursos decorrentes da exploração de gás em dois aterros sanitários municipais. Os recursos do município são depositados no FEMA (Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), que com esse dinheiro financiam a recuperação ambiental nas redondezas do aterro sanitário;

◊ Cooperação entre a empresa de saneamento do Estado de São Paulo, que desenvolve em parceria com a Prefeitura o projeto Córrego Limpo, que trata de eliminar lançamentos de esgotos em 44 córregos.

Córrego do Bispo - Subprefeitura Casa Verde/Cachoeirinha

A Bacia Hidrográfica de Cabuçú de Baixo localiza-se na zona norte do município de São Paulo. É formada por vários córregos afluentes entre os quais o córrego do Bis-po e integre uma importante área da Serra da Cantareira, um dos mais importantes remanescentes de Mata Atlântica do município e considerado pela UNESCO como reserva da biosfera.

A bacia abrange 30% do território, promovendo a drenagem de áreas cuja principal característica é a ocupação informal, desordenada e acelerada, com vastas áreas florestadas é o caso dos bairros de Vila Brasilândia, Parada de Taipas e Vila Nova Cachoeirinha, entre outros.

A bacia é constituída por relevo de morros e montanhas com grandes declividades na sua porção norte, que vai suavizando até alcançar na sua porção final a planície aluvial do Rio Tietê. A região de relevo mais acidentado, antiga zona rural, é justa-mente aquela com ocupação mais recente, caracterizada por invasões e ocupações

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desordenadas que provocam intenso desmatamento em áreas de risco geológico. Na bacia existem aproximadamente 150 favelas, sendo 28 localizadas em áreas críticas de risco geotécnico, todas na porção norte da bacia (TAKIYA, 2002).

As encostas da Serra da cantareira apresentam características litológicas que lhe conferem instabilidade desfavorável à ocupação, devido ao movimento de massas principalmente nos meses de verão com ocorrência de fortes chuvas. A ocupação clandestina, sem apoio técnico, de baixa renda, resultado da exclusão territorial que caracteriza a margem esquerda do córrego do Bispo torna imprescindível a realização deste parque linear, não só por questões de segurança mas também por toda a me-lhoria e benefícios que a sua execução trás.

O relevo que carateriza esta região é muito acentuado/acidentado, incluindo morros e montanha, com uma altitude que atinge os 1200 m nas regiões mais montanhosas e 750 a 800 m em pequenas colinas ou em áreas fluviais.

O Córrego do Bispo (direção leste-oeste) não se encontra canalizado, tendo a sua margem direita inserida na Serra da Cantareira e a sua margem esquerda dominada por várias favelas. Tem aproximadamente 4 km de comprimento e é responsável pelo depósito de dejetos e sedimentos sólidos em córregos de maior dimensão, córrego Cabuçu e Tietê.

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Figura 1: Bacia do Córrego Cabuçu. Em vermelho estão delimitados polígonos onde houve supressão

de Vegetação Significativa (TAKIYA, 2002).

A vegetação de áreas localizadas a 300 metros do limite do Parque Estadual da Can-tareira, na maior parte dos casos é preservada. Os polígonos localizados no entorno desta área permaneceram, embora muitos com redução significativa na sua extensão. As unidades de vegetação significativa que deixaram de existir correspondem aos maiores polígonos, distantes do entorno Parque Estadual da Cantareira, localizados em áreas densamente ocupadas ou em processo de ocupação (TAKIYA, 2002).

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Tendo como base a classificação de áreas públicas existentes na base cartográfica digital GEOLOG (na escala 1:10.000) do Município de São Paulo, é possível verificar que na Bacia do Cabuçu de Baixo quase não restam mais áreas públicas livres. Por isso o processo de ocupação nos últimos anos passou de um modelo de invasões em áreas públicas para a ocupação irregular de terrenos particulares, com ou sem consentimento dos proprietários, configurando-se em um modelo de ocupação por loteamentos clandestinos de baixo padrão (TAKIYA, 2002).

Figura 2: Vista sobre a Serra da Cantareira em contraste com a construção clandestina existente nas

suas imediações. Fonte: Imagem das autoras Isménia Andrade e Natacha Ferreira.

O clima predominante na região é classificado como mesotérmico e úmido com ve-rão chuvoso e inverno seco (Cwa de Koeppen), em que os meses com temperaturas médias mais elevadas são janeiro e fevereiro, com 23ºC e 22,8ºC, respetivamente, e os meses com temperaturas mais reduzidas são junho e julho, com 16,6ºC e 16,5ºC, respetivamente.

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O período chuvoso estende-se de outubro a março, sendo o período seco entre os meses de abril a setembro. A precipitação média anual é de 1.322 mm por ano (série 1992-2007), sendo que o mês mais chuvoso é Janeiro (229,8 mm) e o mês mais seco Agosto (31,7 mm).

Plano Regional Estratégico da Subprefeitura Casa Verde/Cachoeirinha

De acordo com o Plano Regional Estratégico da Subprefeitura Casa Verde – PRE – CV, Livro IV - Anexo à Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004, Capítulo IV – Dos Ob-jetivos para o Desenvolvimento Urbano com Qualidade Ambiental, é considerado rele-vante para a execução do Parque Linear do Córrego do Bispo os seguintes aspectos:

Art. 4º - São objetivos do desenvolvimento urbano com qualidade ambiental:VII. completar a Avenida Afonso Lopes Vieira, traçando seu prolon-gamento de forma ascendente, preservando as margens do Cór-rego Guaraú até a Avenida Peri Ronchetti, como via estrutural N3, situada ao norte da Subprefeitura Casa Verde/Cachoeirinha, loca-lidade carente de ligações perimetrais, visando à preservação da Serra da Cantareira;VIII. restringir obras viárias junto à Serra da Cantareira, de forma a impedir a ocupação de suas encostas.

Título II – Do Plano Urbanístico-Ambiental

Art. 5º – Este Plano Regional Estratégico, observado o disposto no Capítulo I do Título III da Lei 13.430, de 13 de setembro de 2.002 – Plano Diretor Estratégico (PDE), estabelece diretrizes para os ele-mentos estruturadores e integradores como parte do processo de urbanização da subprefeitura.

Capítulo I – Dos Elementos EstruturadoresSeção I – Rede Estrutural Hídrica Ambiental

Art. 6º – A Rede Estrutural Hídrica Ambiental de Casa Verde/Ca-choeirinha compreende as bacias do Córrego do Bispo e Córrego

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Guaraú, áreas verdes e áreas degradadas constantes do Quadro 01 e Mapa 01, integrantes deste Livro, compreendendo:I. parque linear do Córrego do Bispo localizado ao sul da Serra da Cantareira, no Distrito de Cachoeirinha, para o qual são definidas as seguintes diretrizes:a) melhorar as condições do entorno do Córrego do Bispo e dos recursos hídricos da região norte;b) reassentar a população residente em suas margens para local mais apropriado ao uso habitacional;c) implantar viveiro municipal na faixa de 15 metros “non aedificandi” de cada um das margens do córrego, visando atender ao programa de arborização da Macrozona de Reestruturação e Qualificação Ur-bana da Subprefeitura Casa Verde/Cachoeirinha;d) criar uma barreira de proteção da Serra da Cantareira, dificultan-do ocupações clandestinas;e) promover a reurbanização de área contígua ao parque linear do Córrego do Bispo delimitada como ZEIS 1, até 2006, visando à relo-cação da população moradora nas margens do córrego;f) promover programa de educação ambiental para garantir os usos e a ocupação desejada;g) implantar, até 2012, o plano da Área de Intervenção Urbana, aten-dendo as normas específicas da Zona Mista de Proteção Ambiental, que prevê usos residenciais, atividades comerciais, de prestação de serviços e indústrias não incômodas de baixa densidade.

Título III – Do Uso e Ocupação do SoloCapítulo I – Das Macrozonas

Art. 14 – Segundo o Quadro 17 e Mapa 05 do PDE, a Subprefeitu-ra de Casa Verde/Cachoeirinha encontra-se, em parte, contida na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana e, em parte, na Macrozona de Proteção Ambiental.

Seção I – Macrozona de Proteção Ambiental

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Art. 15 – Fica sujeita às disposições do artigo 150 do PDE parte do território do Distrito de Cachoeirinha, entre as divisas com os Distri-tos de Brasilândia e Mandaqui.

Subseção I – Macroárea de Proteção Integral

Art. 16 – Está contida na Macroárea de Proteção Integral, conforme dispõe o artigo 151 do PDE, a ZEP – Zona Especial de Preservação, que compreende parte do Parque Estadual da Serra da Cantareira, localizado no Distrito de Cachoeirinha.

Subseção II – Macroárea de Conservação e Recuperação

Art. 17 – Estão contidas na Macroárea de Conservação e Recupe-ração, conforme dispõe o artigo 153 do PDE, compreendendo parte do Distrito de Cachoeirinha:I. ZEPAM – Zona Especial de Preservação Ambiental;II. ZMp – Zona Mista de Proteção Ambiental.

Art. 18 – Fica instituída Área de Proteção Ambiental – APA do Cór-rego do Bispo, contígua à ZEP- 01 – Reserva Cantareira, sujeita às disposições do artigo 153 do PDE, enquadrada na Macroárea de Conservação e Recuperação.

Capítulo II – Das Zonas de Uso

Seção V – Das Zonas EspeciaisSubseção I – Das Zonas Especiais de Preservação Ambiental – ZE-PAM

Art. 28 – Ficam enquadradas nas Zonas Especiais de Preservação Ambiental – ZEPAM, conforme dispõe o artigo 167-A do PDE, as seguintes áreas:I. ZEPAM/01 – Córrego do Bispo da Serra da Cantareira, para a qual são estabelecidas as seguintes diretrizes:a) Manter as características da paisagem natural, através de nor-mas específicas que direcionem a ocupação destas áreas para usos

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sustentáveis, compatíveis com a sua preservação e manutenção da baixa densidade construtiva e da baixa taxa de ocupação;b) Transformar parte da ZEPAM em APA – Área de Proteção Am-biental, constituindo-se em barreira de proteção da Serra da Can-tareira;

Capítulo III – Dos Instrumentos de Gestão Urbana Ambiental

Art. 31 – As diretrizes para aplicação dos Instrumentos de Gestão Urbana e Ambiental – parcelamento, edificação ou utilização com-pulsória, direito de preempção, outorga onerosa do direito de cons-truir e transferência do direito de construir, previstos no PDE, e a delimitação das áreas para esta aplicação estão especificadas, con-forme o caso, neste PRE.

Seção I – Da Transferência do Direito de Construir

Art. 32 – Os proprietários dos imóveis situados na faixa delimitada para a implantação do parque linear do Córrego do Bispo poderão transferir o potencial construtivo conforme as disposições dos arti-gos 217 a 220 do PDE e nas disposições desta Lei.

Art. 34 – A AIU Parque Linear do córrego do Bispo está contida na ZMp – Zona Mista de Proteção, conforme características do Quadro 04 e delimitadas no Mapa 04, integrantes deste Livro.

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Plano Regional Estratégico da Subprefeitura Casa Verde – PRE – CVQuadro 01 do Livro IV - Anexo à Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004.

Rede Estrutural Hídrica AmbientalParque Linear Perímetro Distrito

Quantificação

(m²)Horizonte

Córrego do Bispo

Área 1: Começa na confluência da Av. Inajar de Souza com a R. Gervásio Leite Rebelo. Segue pela Gervásio Leite Rebelo, R. Taquaraçu de Minas, R. São Ro-que de Minas, R. São Miguel do Tapuio, R. São Roque de Minas, Av. Francisco Machado de Minas, Estrada da Sede, R. s/n, limite da Zona Non Aedificandi contornan-do o Córrego do Bispo (15 me-tros das margens), e Av. Inajar de Souza até o ponto inicial.

Área 2: Começa na confluência da R. Palmas de São Moisés, com a Av. Francisco Machado da Silva. Segue pela Av. Fran-cisco Machado da Silva, R. s/n, Av. Santa Inês, limite da Zona Non Aedificandi contornando o Córrego (15 metros das mar-gens), segmento 1-2-3 que liga o limite da Zona Non Aedificandi com o fim da R. Palmas de São Moisés, fechando o perímetro no ponto inicial.

Cacho-eirinha 386.547 2012

Fonte Retirada: Plano Regional Estratégico da Subprefeitura Casa Verde – PRE – CVQuadro 01 do Livro IV - Anexo à Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004.Rede Estrutural Hídrica Ambiental

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Situação atual do projeto Parque Linear Córrego do Bispo

O Parque linear do Córrego do Bispo encontra-se em fase de licitação, tendo sido re-alizado até à data o cercamento do local com alambrados e muro de arrimo em uma extensão de mil metros e a construção de três guaritas de segurança, com perma-nência constante de guardas, para possibilitar o controlo da construção de habitações clandestinas.

Está prevista para a região a construção do Trecho Norte do Rodoanel - de responsa-bilidade da Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), empresa ligada ao governo do Estado. No Parque Linear do Córrego do Bispo, a Prefeitura pretende que seja feito um túnel ao longo do terreno, argumentando que o viaduto previsto causará grande impacto e descaracterização do vale da “Fazendinha”, com a consequente eliminação de vegetação e com o aumento do ruído provocado pelos veículos, causando descon-forto aos utilizadores do futuro parque.

Figura 3: Vedação existente na área prevista para o Parque Linear. Fonte: Imagem das autoras Ismé-

nia Andrade e Natacha Ferreira.

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Figura 4: Guarita existente na área prevista para o Parque Linear. Fonte: Imagem das autoras Isménia

Andrade e Natacha Ferreira.

CONCLUSÃO

Várias são as consequências positivas inerente à realização do Parque Linear do Cór-rego do Bispo, destacando-se as seguintes funções:

◊ Função de drenagem e de melhoria da rede hídrica: tratando-se de uma região de declive acentuado e sinuoso, onde a vegetação ciliar foi em parte eliminada e substituída por habitação precária, com entorno impermeabiliza-do em áreas consideráveis, a construção deste parque assegura a drenagem e a melhoria do sistema hídrico local, diminui os riscos de contato com esgotos e águas contaminadas.

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Figura 5: Construção clandestina e via pública pavimentada nas imediações da área destinada para o

parque linear. Fonte: Imagem das autoras Isménia Andrade e Natacha Ferreira.

◊ Proteção dos recursos naturais: uma vez que este parque linear se encon-tra inserido na Serra da Cantareira, cujo espólio vegetal e animal é extrema-mente rico e equilibrado, é mais fácil a recomposição de vegetação ciliar, de cobertura vegetal do solo (diminuição da erosão e de aluimentos de terra), contribuindo também para o desenvolvimento de ecossistemas ribeirinhos. Este parque atua como uma barreira de proteção da serra, dificultando a ocupação clandestina.

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Figura 6: Vegetação existente na área da Serra da Cantareira destinada à construção do Parque Linear

do Córrego do Bispo. Fonte: Imagem das autoras Isménia Andrade e Natacha Ferreira.

◊ Proteção ambiental: parques Lineares são necessários como ponto de apoio no combate à poluição sonora, do ar e das águas, pois embora boa parte da poluição das águas chegue através da rede coletora de esgotos, os Parques Lineares ajudam de certa forma a impedir que objetos sejam joga-dos nos córregos e rios, além de servirem como argumento de conscientiza-ção ecológica da população (PORTAL GOVERNO DE SÃO PAULO, acesso em02/02/2011).

◊ Saúde pública:em contexto de inexistência de saneamentos básicos, cana-lização de águas, enchentes frequentes, acumulação de lixos, existem riscos acrescidos de proliferação de doenças e epidemias. Os Parques Lineares atenuam estes efeitos ao aumentarem a capacidade de drenagem dos solos, ao fomentarem a biodiversidade e ao transformarem espaços desprezados em locais com valor estético e socialmente reconhecidos.

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◊ Ação social e educação ambiental: a população que habita na área em es-tudo caracteriza-se por viver em condições desfavoráveis de extrema pobre-za e de exclusão social e habitacional. Dado que os espaços livres são assu-midos como locais prazerosos, que promovem momentos de descontração, atividades desportivas e fomentam as relações sociais, é indispensável para a região a finalização do projeto. Frischenbruder e Pellegrino (2006) ainda ressaltam que o Parque Linear insere no urbano as necessidades de recreação, edu-cação ambiental e de coesão social, oferecendo uma diversidade de atividades a baixo custo para população.

Entre as diversas funções sociais que os Parques Lineares desempenham destaca-se:

◊ Criação de espaços para recreio e lazer;

◊ Criação de vias de circulação alternativa como ciclovias, pedonais, patins, skates, entre outras;

◊ Contribuição para um melhor convívio social e para a manutenção e valoriza-ção da qualidade estética da paisagem;

◊ Promoção de aulas práticas de ecologia e meio ambiente em localidades mais próximas de escolas e instituições de ensino.

A realização desta obra será uma mais-valia para todos. Com ela, a população local melhora a sua qualidade de vida e condições sanitárias de saúde pública. A região consegue maior estabilidade ambiental e usufrui de uma zona de lazer de rara beleza e riqueza paisagística.

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ARTIGO Nº10NATUREZA E SOCIEDADE: NOVOS URBANISMOS E UM VELHO DILEMA

Nature and Society: new urbanisms and an old dilemmaJosé Otávio Lotufo

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nº 04 | São Paulo, Junho de 2012

NATUREZA E SOCIEDADE: NOVOS URBANISMOS E UM VELHO DILEMA

José Otávio Lotufo

Arquiteto e urbanista pela Faculdade de Belas Artes da São Paulo (1996), mestre na área de

Projeto Arquitetônico pela FAU-USP (2011). - E-mail: [email protected]

Resumo

Uma vez que o planejamento sustentável passou a ser unanimidade e uma nova agenda para enfrentar novos desafios uma necessidade, as questões agora levan-tadas dividem opiniões no “como” fazer. Recentes discussões têm apresentado duas importantes tendências, uma se volta ao passado, à cidade tradicional, e a outra olha o futuro, clamando por uma vanguarda ecológica. Se estas abordagens são contradi-tórias ou complementares é a questão que o presente artigo pretende levantar. Desde uma breve síntese histórica até as recentes discussões entre o Novo Urbanismo e o Landscape Urbanism, esta questão se revela não como nova, mas como perene e inerente ao próprio espírito humano.

Palavras chave: Planejamento ambiental, desenvolvimento sustentável, ecologia ur-bana, ecossistemas, arquitetura, urbanismo.

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NATURE AND SOCIETY: NEW URBANISMS AND AN OLD DILEMMA

Abstract Once the sustainable planning became unanimity, and a new agenda to tackle new challenges a need, the questions now raised divided opinions on the “how” to do it. Re-cent discussions have shown two important trends, one turns to the past, the traditio-nal city, and the other looks at the future, calling for an ecological avant-garde. If these approaches are complementary or contradictory is the question that this paper aims to raise. Since a brief historical overview to recent discussions between New Urbanism and Landscape Urbanism, this question is revealed not as new, but as perennial and inherent to the human spirit.

Keywords: environmental planning, sustainable development, urban ecology, ecosys-tems, architecture, urbanism.

INTRODUÇÃO

Em 2010, na Universidade de Harvard, um congresso intitulado Ecological Urbanism desencadeou uma discussão que retoma um dilema recorrente na história do dese-nho urbano: o modo como natureza e espaço construído se compõe na formação das cidades. Este evento marcou um reajuste importante no programa de ensino de plane-jamento e desenho urbano da Harvard GSD (Graduate School of Design). A novidade é uma maior relevância da paisagem como fator determinante no planejamento urba-no e territorial e o aprofundamento na abordagem ecológica do projeto.

Adres Duany, um dos principais articuladores do movimento Novo Urbanismo afirmara num artigo da Metropolis Magazine1 que estaria ocorrendo um golpe na Harvard GSD para derrubar seu “venerável programa de desenho urbano” e substituí-lo pelo Landsca-pe Urbanism, ou o urbanismo da paisagem. Alex Krieger, então diretor daquele departa-mento e conhecido crítico do Novo Urbanismo tratou de desmenti-lo em outro artigo2. O

1 www.metropolismag.com/pov/20101103/duany-vs-harvard-gds

2 www.metropolismag.com/pov/20101108/krieger -to-duany

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projeto da paisagem estava sim reafirmando sua importância no planejamento urbano, antes relegado a segundo plano, mas de forma alguma isto significava a substituição de uma séria disciplina acadêmica inaugurada por Frederick Law Olmsted, Jr. em Har-vard nos anos 20, e muito menos um golpe.

Uma vez que o horizonte do desenvolvimento sustentável passou a ser unanimidade, as questões agora levantadas dividem o caminho entre correntes que concordam sobre a necessidade de uma nova agenda, mas divergem no “como” fazer. Esta con-versa tomou rumo com dois importantes movimentos atuais do projeto urbano. De um lado o Novo Urbanismo, um movimento que vem tomando corpo desde a década de 70 e tem se focado na revaloração de características tradicionais de planejamento: vizinhança, adensamento, valorização do pedestre, uso misto do solo e preservação ambiental. Do outro lado o Landscape Urbanism, um movimento mais recente que clama por uma abordagem mais ecológica do desenho, que respeite e tome partido das condições e infraestruturas naturais preexistentes.

Vistos de perto à luz das diversas críticas, tanto o NU como o LU trazem preceitos im-portantes, mas apresentam também suas fragilidades. Antes de expor de forma mais detalhada a confrontação destes dois pontos de vista, seria útil situá-los como conti-nuidade de uma trajetória histórica, destacando o modo como foi pensada a relação civilização/natureza e o lugar do homem como artífice e integrador destas dimensões, por vezes de forma polarizada, mas também e mais raramente, de forma mais inte-grativa e equilibrada.

VELHO DILEMA

O dilema entre natureza e civilização é tão antigo quanto nossa história. Na mitologia sumeriana, escrita na idade do bronze, o herói Gilgamesh, parte homem parte deus, luta contra “seres naturais”. Em suas vitórias, sofre em seu íntimo a contradição entre o cuidado e a hostilidade, entre honra e arrependimento, o que o levara a contínuas reavaliações sobre seus atos. Enquanto a cidade-estado de Uruk se mantinha pelo domínio do homem sobre a natureza, a ira dos deuses, por vezes, se manifestava em desastres naturais que afetavam a cidade e sua população3.

3 LIMA, Cathartina P.C. dos Santos, Natureza e Cultura: O conflito de Gilgamesh, em

Paisagem e ambiente: Ensaios, n.o 18, São Paulo 2004

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Em A Cidade na História, Lewis Munford cita as cidades gregas de Cós, Cnido e Epdauro (sec.V e IV a.C). Símbolos da preocupação grega com a integridade e o equilíbrio teriam deixado grandes lições para o urbanismo. No tratado hipocrático Ar, água e lugares, são apresentadas diretrizes de saneamento que partem da localiza-ção ideal de cidades e dos edifícios, levando em conta insolação e ventilação natural, evitando áreas alagáveis e provendo abundância de água limpa, teoria retomada por Vitrúvio no século I d.C. nas cidades de colonização romana.

Na Idade Média, a cisão entre natureza e civilização foi reforçada pela moral religiosa, que somada à necessidade de proteção às invasões resultou em cidades muradas. Metáfora de uma condição cultural, a muralha é forte alusão à dualidade entre ma-téria e espírito. Em outra instância simboliza a cisão entre natureza e civilização. A natureza, vista como lugar da corrupção, do pecado, da hostilidade, da selvageria, se opunha ao conforto, à proteção, à moral religiosa e à virtude, “protegidos” do lado de dentro de suas muralhas.

Com o fim da Idade Média e início da Era Moderna, Andrea Palladio retoma as ideias clássicas sob uma nova realidade política e social. Em sua obra os elementos natu-rais, como topografia e vegetação, participam na composição do espaço, rompendo com a ideia da natureza enquanto lugar hostil. A mesma relação se deu na cidade en-tre o edifício e praça pública. Ao inseri-lo num contexto maior supera a ideia do edifício como entidade isolada.

Figura 1: Villa Foscari, Palladio www.panoramio.

com/photos/

Em 1617 Inigo Jones leva a influência de Palladio à Inglaterra com o projeto da Queen’s House em Greenwich. A arqui-tetura palladiana vinha de encontro aos princípios do jardim inglês onde os ele-mentos se compõem de forma orgânica e

irregular. A reforma no século XVIII da cidade de Bath4, permeada de jardins natura-listas, tornou-se referência para o amadurecimento das ideias que culminaram mais tarde com o modelo das cidades-jardins. (LOTUFO)4 OTTONI, Dácio Araújo B. Cidade Jardim: Formação e Percurso de uma Idéia. Introdução à

edição brasileira de Cidades-Jardins de Amanhã

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Figura 2: Cidade de Bath, Inglaterra. Fonte: Bath; http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Pulteney_brid-

ge_in_Bath_view_from_south_before_noon.jpg

INDUSTRIALIZAÇÃO E UTOPIA

A revolução industrial impunha profundas mudanças na vida das populações urbanas. A precariedade das habitações operárias estimulava o florescimento do socialismo utópico pelo qual a natureza seria a solução para os “males da civilização”. No século XIX, Robert Owen, expulso da Inglaterra por suas ideias subversivas, propôs nos EUA a colônia de New Harmony, uma comunidade industrial campestre. No mesmo espíri-to, na França, Charles Fourrier propunha os falanstérios, partindo do princípio de que o ser humano possuía uma bondade implícita sufocada pelo modo de vida da época. Apesar do insucesso destas comunidades, seus ideais tiveram grande influência so-bre o pensamento urbanístico que se seguiu.

Figura 3: New Harmony, Indiana, EUA.. Ilustra-

ção de 1838. Fonte: http://commons.wikimedia.org/

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Na segunda metade do século XIX frente à racionalização da produção industrial que tornava o trabalho mecânico e alienado, surgia na Inglaterra o Arts & Crafts, movi-mento liderado por Willian Morris que enfatizava a sensibilidade em oposição à razão. O objetivo foi restituir ao trabalhador sua condição de artesão, reintroduzindo na ma-nufatura o traço de seu trabalho. Frente à massificação da produção da moradia e a crescente deterioração de suas condições nas cidades industriais o Arts & Crafts teve uma importância marcante para a arquitetura e desenho urbano.

Sempre houvera na Inglaterra uma tradição de amor à vida no campo. A ascensão de uma nova burguesia industrial urbana havia originado bairros residenciais nobres com extensa vegetação, refletindo a necessidade de manter vínculos com a natureza. O desenho urbano, tecido de maneira orgânica, integrava-se às formas naturais através de caminhos sinuosos e extensos gramados para o encontro e o convívio. Londres se tornava uma das principais referências sobre o futuro das cidades. No entanto, no final do século XIX esta realidade, reservada a poucos, conflitava fortemente com os bairros operários ao sul do Rio Tâmisa. O descompasso entre desenvolvimento eco-nômico e social se evidenciava na precariedade da vida da população mais pobre. A habitação apresentava problemas graves com superpopulação, péssimas condições de higiene, ausência de saneamento e proliferação de diversos tipos de doenças.

Figura 4: Regent’s Park. Fonte: http://www.ad-

ventureballons.co.uk/productis-london.html

Figura 5: Bairro operário em Londres, por Gus-

tave Doré

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Nas outras grandes cidades do mundo a situação era semelhante. Mas se o jardim inglês refletia comunhão com a natureza, o jardim francês refletia o poder civilizatório da razão no controle da natureza e sociedade. Este ideal estava expresso na geo-metria racional, rígida, e simétrica, características que por continuidade se fizeram presentes no traçado urbano. O plano de Georges-Eugène Haussmann para a reforma de Paris, em 1860, apagou grande porção da cidade medieval. Considerada imprópria aos “novos tempos”, seu traçado espontâneo de becos e vielas foi substituindo por um desenho “moderno”, que na verdade foi uma continuidade à tradição barroca já presente no palácio de Versalhes. Estão claras neste plano as intenções estratégicas e totalitárias de Napoleão III. De seu palácio, com ampla visão, recebe o povo ao mes-mo tempo em que o controla.

A concepção haussmanniana de cidade foi de grande influência no mundo todo e se definiu como propulsora de uma linha de raciocínio modernista que teve continuidade até os dias de hoje. O modo de pensar a articulação da cidade através de grandes avenidas, somada à tendência de valorizar o transporte rodoviário, inspirou inúmeros projetos que marcaram profundamente o rumo do crescimento das grandes metró-poles do século XX. Podemos observar seus preceitos nas reformas de Moses para Nova Iorque, na reestruturação da orla no Rio de Janeiro por Pereira Passos, no plano de avenidas de Prestes Maia em São Paulo e no projeto de Lúcio Costa para o plano piloto de Brasília. A inserção da natureza na cidade, por esta concepção, difere da inglesa por ser condicionada a uma trama pautada pelo pragmatismo técnico, não é orgânica e desconsidera as condições geomorfológicas preexistentes.

Figura 6: Plano de Moses: Sistema de auto-estra-

da urbana para Manhattan. Fonte: http://tenement-

museum.blogspot.com/2009_08_01archive.html

Figura 7: Paris de Haussmann Fonte: Google Earth

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CAMILLO SITTE E A CIDADE TRADICIONAL

No fim do século XIX esta linha de pensamento de inspiração francesa já contava com um importante opositor: o austríaco Camillo Sitte. O espírito de sua obra está na crítica à construção das cidades a partir das primeiras experiências após a revolução industrial, principalmente ao projeto de Haussmann para Paris.

Figura 8: Plano que Camillo Sitte ela-

borou para Marienberg, em 1903. Fon-

te http://www.aeiou.at/aeiou.encyclop.

data.image.s/s606159.jpg

A principal contribuição de Sitte está na valorização de aspectos mais sensíveis e fenomenoló-gicos presentes no traçado ir-regular das cidades medievais, na forma como se localizavam nas praças as fontes e os mo-numentos, e nas características humanas que se perderam com

a imposição demasiada de uma lógica cartesiana na ordenação do espaço urbano5. Defendeu também o valor da natureza na cidade muito além de seu sentido estético, constituindo um elemento indispensável à saúde da população6. Este caráter pitores-co, capaz de evocar sentimentos essenciais de comunidade e laços afetivos entre população e lugar, preserva e mantém presente o seu genius loci7, cuja perda é fator determinante na qualidade do meio ambiente urbano. A influência de Camillo Sitte foi e continua a ser de grande importância no pensamento urbanístico.

5 A Construção das Cidades Segundo seus Princípios Artísticos

6 O Verde na Metrópole

7 Literalmente “o espírito do lugar”. Na abordagem fenomenológica da arquitetura é definido

por um conjunto de características sócio-culturais, estéticas, espaciais e de hábitos que estabelecem

vínculos psicológicos e afetivos profundos entre a população e o lugar.

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AS CIDADES JARDIM

Frente ao impacto da industrialização sobre as cidades, no final do século XIX o ur-banismo se afirmava como importante disciplina. Na busca por unir o que existia de melhor na vida do campo e na vida urbana, surge na Inglaterra o modelo de cidade jardim. Hebenezer Howard, seu idealizador, buscou o equilíbrio necessário entre meio construído e natureza, o ideal da vida comunitária ligada à natureza e o fortalecimento de vínculos afetivos entre a população e o lugar, uma clara referência aos socialistas utópicos. Os estudos e cálculos de seu livro demonstra a busca de viabilidade para um projeto social em grande escala, reorganizando a sociedade dentro de uma estru-tura autossustentável de comunidades cooperativas.

Figura 9: Diagrama n.o 7. http://history.sandiego.edu/GEN/

filmnotes/images2/howard3b.jpg

Em seus esquemas teóricos representou um conjunto de núcleos urbanos com cres-cimento limitado por cinturões verdes, conectados a um núcleo maior por eficiente sis-tema de transporte. Seu modelo propunha o desenvolvimento de cidades num grande entremeado de natureza e áreas construídas.

Barry Parker e Raymond Unwin deram a este modelo sua realização física. Primeiro para a aldeia de New Earswick (1902), depois no projeto para Letchworth (1908), a primeira cidade jardim. A partir da publicação do livro de Camillo Sitte, a dupla assimila uma estética mais orgânica assim como maior ênfase nos espaços de lazer e na in-tegração das classes sociais. No projeto para o bairro londrino de Hampstead, Unwin reduziu de 40% para 17% o solo destinado às ruas, e acresceu a área verde de 17% para 55% do total. A individualidade e identidade do lugar foi um preceito importante, conciliando a ordenação do desenho com a naturalidade da topografia.

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Figura 10: habitação junto ao lago do par-

que de Hampstead, fonte: Lotufo 2010.

A CONTINUIDADE DA ESCOLA FRANCESA

Do outro lado do oceano, sobretudo em cidades norte americanas, um movimento urbanístico seguia os preceitos racionais e clássicos da escola francesa, com grandes bulevares e edifícios monumentais de inspiração renascentista, o City Beautiful. Nas-cido ideologicamente na Europa esta tendência culminaria como modelo ideal de cida-de para os regimes totalitários, de Berlim à Moscou. A mente por trás deste movimento foi Daniel Hudson Burnham, arquiteto autor de alguns dos primeiros arranha-céus de Chicago, cidade cujo plano em 1909 foi sua obra mais importante. Outro importante exemplo da aplicação dos princípios deste movimento foi o plano para Washington D.C em 1902, também de Burnham.8

Esta linha de raciocínio “arrasa quarteirão”, com clara primazia da razão sobre a sen-sibilidade, seguia também seu curso através de outro francês, Tony Garnier e sua cidade industrial. Apresentada numa exposição em Paris em 1904 foi uma proposta pautada pela técnica, por cálculos, e pelas novas possibilidades construtivas e estéti-cas do concreto armado. Suas ruas, traçadas numa malha ortogonal regular, obede-ciam a uma hierarquia rígida e seus canteiros e espaços verdes eram condicionados racionalmente à trama. Seu plano enfatizou o zoneamento urbano, organizando os diversos usos de forma racional na cidade, um funcionalismo baseado na linearidade da produção industrial.

8 HALL. Cidades do Amanhã

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Figura 11: a Cidade Industrial de Tony Garnier. http://santileia.blogspot.com/2007_07_08_archive.html

PATRICK GEDDES E A RPAA

Por outro lado, o que Howard propunha sobre as cidades jardins o inglês Patrick Ge-ddes, planejador e biólogo, aplicava conceitualmente na escala regional. Geddes foi responsável pela introdução do conceito de região ao planejamento urbano. Sua pro-posta está em clara oposição ao embelezamento monumental do City Beautiful. O pla-nejamento, para Geddes, deveria começar com o levantamento geográfico da região, de seus recursos naturais e humanos e das complexidades resultantes desta intera-ção. Para Geddes o modelo de ocupação definido pelos “elementos mais primevos e rudes da Era Industrial... desperdiçava recursos e energia, minimizava a qualidade de vida... produzia desemprego, subemprego, enfermidade e loucura...”9

As ideias de Geddes terão grande importância na criação em 1923 da RPAA, Regional Planning Association of America, grupo do qual participou entre outras figuras impor-tantes, Lewis Munford, Clarence Stein, Benton Mackay e Frederick Lee Ackerman. O RPAA, ao apoiar-se no conceito de regiões, cada uma delimitada com base em entidades geográficas naturais, buscou um rompimento com as vias convencionais de remodulação das cidades. A população e os serviços deviam se distribuir pela região de um modo a conservar tanto os valores humanos como as vantagens naturais do

9 MUMFORD. A cidade na história.

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lugar. Seu programa incluía a criação de grupos de cidades jardim e a promoção de planejamento para extensas áreas como a Trilha Apalachiana e a bacia do Vale do Tennessee10.

Ainda que na época o automóvel fosse visto como a grande oportunidade de desa-fogamento dos centros urbanos e critério para a reorientação do desenvolvimento de ocupação territorial, foi uma preocupação básica do RPAA o uso eficiente da energia, principalmente a gasta em transporte. Assim deveria existir o máximo de produção de alimentos, manufaturas, e materiais na própria região, inclusive a geração de energia elétrica. As trocas inter-regionais se dariam somente naquilo que a região não fosse capaz de produzir. Mas a melhor expressão de seus ideais, como veremos adiante, se deu na Inglaterra no 2.o pós-guerra.

A CARTA DE ATENAS

Figura 12: croqui de Le Corbusier.

Fica evidente ao leitor da Carta de Atenas que mesmo a vertente racionalista da arqui-tetura moderna se preocupou com a cidade enquanto organismo adaptado e integra-do ao meio natural. Le Corbusier desejou que a ordenação racional do espaço urbano produzisse uma relação harmônica entre cidade e campo. Através da insolação e ventilação naturais e presença maciça da vegetação, prover-se-ia “o próprio tempero

10 HALL. Cidades do amanhã.

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da grande plástica geométrica introduzida na arquitetura contemporânea pelo ferro e pelo concreto armado” 11. A habitação deveria ser planejada de modo a garantir tempo livre ao trabalhador para que usufruísse destes espaços públicos na cidade.

No entanto seu idealismo tecnicista seguia o caminho de Tony Garnier impondo à natureza uma conformação artificial. A ideia da “torre no parque” tinha como objetivo liberar grandes áreas verdes e garantir a densidade necessária para viabilizar as ins-talações coletivas. Percebemos que nada se previa da agressiva presença do auto-móvel na cidade contemporânea ao idealizar parques ao longo de avenidas. Sabemos hoje o quanto estes parques tendem a ficar vazios e impróprios para lazer e convívio.

Peter Hall considera que este modelo, assim como o City Beautiful, difere das outras propostas urbanísticas por não estar alinhada com os ideais socialistas utópicos do fim do século XIX, mas imbuído de intenções totalitárias ou financeiras. Talvez por isso, este modelo que divide o solo urbano como uma máquina, em zonas por função, e se apoia no uso intensivo do automóvel, tenha se adequado tanto aos propósitos dos ‘planejadores’ do século XX, para quem a cidade foi sempre vista como oportuni-dade de especulação e enriquecimento de setores privilegiados. Do zoneamento mo-nofuncional para a segregação socioespacial foi um passo espontâneo, impulsionado pela supervalorização do solo e por um planejamento frouxo, defendido por ideologias neoliberais que têm promovido seu lucro ao custo da degradação ambiental e social.

ORGANICISMO

Frente à ênfase mecanicista da arquitetura moderna o organicismo oferecia a contra-partida necessária para equilibrar seus excessos. Com forte expressão nos EUA na obra de Frank Lloyd Wright e na Europa com Alvar Aalto, tratou-se duma corrente for-temente alinhada com o urbanismo inglês. O que irá caracteriza-la é a forma como a construção se adapta ao lugar e sua inserção na paisagem, seguindo a lógica da topo-grafia, dos sistemas vivos e dos cursos d’água. Na escala urbana Wright apresentou o modelo das Broadacre City, uma urbanização espalhada no território num movimento contrário ao desenvolvimento urbano industrial, propondo uma integração harmoniosa com os ecossistemas naturais. Para ele a solução para salvar a sociedade estaria no retorno ao campo.

11 Precisões, p.89

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Figura 13: Broadacre City, Frank Lloyd Wright.

É importante frisar que o organicismo não nega o princípio moderno do funcionalis-mo, mas o desvincula do racionalismo me-canicista, uma noção conceitual que abre uma nova via criativa. Por esta via é possí-vel compreender a lógica funcional da na-tureza, assimilando no desenho seus prin-cípios, minimizando conflitos e integrando a construção na paisagem natural.12

12 MONTANER. A modernidade superada.

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HABITAÇÃO E ENTORNO, O EXEMPLO DA HOLANDA

No início do século XX, o pensamento de H.P. Berlage reunira várias influências no intuito de resolver os problemas da habitação na Holanda. Dos socialistas utópicos herdou a valorização do papel social da arquitetura, o que estimulou um inédito envol-vimento dos arquitetos com a questão da habitação. A Escola de Amsterdam, que sur-giu a partir de Berlage, fora influenciada pelo expressionismo alemão e pelas teorias de Camillo Sitte. O conjunto habitacional Het Schip (1913-1920), de Michel de Klerk é

notável exemplo de habitação social produzido pela escola de Amsterdam, com grande destaque ao cuidado que se deu a elaboração dos espaços interiores da quadra. Os edifícios desta escola, construídos agora em blocos urbanos coerentes, criavam um inédito valor simbólico e cultural à habitação proletária, pressupondo igualdade social.

Figura 14: Het Schip, fonte:

Lotufo 2010.

Nesta época J.J.P. Oud elaborava uma série de projetos em Roterdã, com influência do movi-mento De Stijl. Compro-metido com as novas tecnologias construti-vas rompeu com a es-

tética tradicional da Escola de Amsterdam, ainda que tivesse mantido muito de seus preceitos fundamentais. Os blocos se afastaram relativamente do princípio de fecha-mento, os jardins privativos cederam espaço para jardins coletivos e os espaços inte-riores foram se integrando com os exteriores possibilitando uma relação mais próxima com a natureza.

A Holanda recebera grande influência do modelo de cidade jardim. Mas distante dos ideais antiurbanos ingleses, este modelo foi incorporado numa confluência maior com as ideias de fechamento e adensamento inerentes ao pensamento de Camillo Sitte. Se por um lado distorceu-se a pureza original da proposta de Howard, possibilitou uma aplicação maior do modelo pelo mundo, não como cidades novas, mas como princípios norteadores para a expansão urbana.

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O projeto residencial Tuinwijk Zuid em Haarlem, cidade satélite de Amsterdam, de J.B. van Loghem, é notável exemplo da confluência dos princípios estéticos de Camillo Sitte e os princípios socioambientais de Howard. A quadra fechada em torno de jardins internos apresenta amplos portais, criando grande conexão com a rua e valorizando espaços abertos, verdes e de uso comunitário, sem eliminar o sentido de resguardo. Uma importante inovação deste projeto foi a inversão da posição tradicional entre frente e fundo. A cozinha, agora situada no lado da rua, liberou para a sala de estar uma inédita integração com o jardim interno. Isto inaugurou um novo sentido simbióti-co entre a natureza e a construção. (LOTUFO)

Figura 15: Tuinwijk Zuid, arq. J.B. Van Loghem, fonte: Lotufo 2010.

DEPOIS DA 2a GRANDE GUERRA

A necessidade de reconstrução de Londres depois da Segunda Grande Guerra foi uma grande oportunidade de síntese e reflexão sobre a produção arquitetônica e ur-banística da primeira metade do século. Com políticas de bem estar social e grande demanda por habitação o planejamento urbano e regional se torna tema central na Inglaterra. Neste quadro o plano para a Grande Londres de Patrick Abercrombie de-terminara um cinturão verde de preservação em torno da cidade evitando a expansão descontrolada e um sistema de parques conectando o cinturão ao centro da cidade, num grande entremeado de natureza e construção.

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Figura 16: a esquerda, plano para Londres no se-

gundo pós-guerra. Fonte: The County of London

Plan. Explained by E.J. Carter and Ernö Goldfin-

ger /

Figura 17: a direita, Cinturão Verde e Cidades

Novas; Fonte: Revista Risco n.o 6, USP

A demanda do crescimento populacional foi atendida pelo New Towns Act (Plano para Cidades Novas), com a construção de novas cidades com elevada qualida-de ambiental e cinturões verdes próprios. Seguindo os preceitos defendidos por Geddes e pelal RPAA este planejamento foi sensível às condições pré-existentes de ocupação do território. As cidades novas se desenvolveram a partir de pequenas vilas históricas e conectadas de forma eficiente entre si e com Londres. De 1946 até 1968 foram construídas trinta novas cidades baseadas no modelo de cidades jardim,

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recebendo grande parte da população que vivia em condições precárias, provendo emprego e alta qualidade de vida. Houvera até então um grande diálogo entre as ex-periências arquitetônicas e urbanísticas da Inglaterra e Holanda, o que alimentou de forma criativa as novas propostas do pós-guerra.

A bem sucedida experiência inglesa influenciou projetos pelo mundo. Na Suécia entre 1944 e 1952 foi implementado o plano diretor para a modernização de Estocolmo que renovou a cidade e criou uma série de cidades satélites com soluções de grande qua-lidade social e ambiental, salientando a preservação do patrimônio natural e cultural.

A estação central de Estocolmo tornou-se ponto de partida e chegada às diversas ci-dades novas. Estas, ao se desenvolverem ao longo da linha metroviária configuraram uma descontinuidade do território na forma de um “colar-de-pérolas”. Suas estações centrais subterrâneas preservaram praças e áreas públicas acolhedoras para o en-contro social.

Um exemplo notável foi a cidade de Välingby. Nas proximidades das estações, onde se concentram comércio e serviços, foi previsto um maior adensamento e verticali-zação. Na medida em que se afasta da estação a densidade construtiva diminui e a vegetação se faz mais presente, primeiro com edifícios baixos cujos jardins internos costumam ser usados para hortas comunitárias. Mais adiante aparecem casas unifa-miliares em ruas tranquilas e ajardinadas. As passagens sob as ruas promovem total segurança para circulação de crianças, ciclistas e carrinhos de bebê. Não se veem muros, somente cercas baixas. Suas amplas áreas verdes formam o pano de fundo e são usadas para lazer e convívio com lagos artificiais onde durante os meses quentes as crianças brincam livremente.

Figura 18: Foto aérea de Vällingby. Fonte: http://

www.vallingbycity.se/Om-Vallingby-City/

Figura 19: Residências e parque em Vällingby,

fonte: Lotufo 2010.

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A conexão com o centro de Estocolmo é rápida e a paisagem das periferias suecas revela ao viajante o respeito que o urbanismo nórdico teve com o meio ambiente natural. Tanto Es-tocolmo quanto as cidades novas tiveram seu crescimento limitado por cinturões verdes. O distanciamento que a Suécia manteve do racionalismo internacional possibilitara certa conti-nuidade aos valores próprios de caráter mais local, resultando numa arquitetura e urbanismo marcados por valores vernáculos e rurais. (LOTUFO)

UMA REVISÃO CRÍTICA

Nem tudo ocorrera tão bem como na Suécia. A partir da década de 50, com o auto-móvel se afirmando como modelo de transporte, os subúrbios dormitórios passam a ser gerados junto a autoestradas. Nos centros urbanos um processo de renovação começa a substituir antigas estruturas por novas, com aumento da malha viária e verticalização excessiva. A valorização imobiliária expulsa as classes menos privile-giadas para periferias precárias, longe de qualquer benefício que a cidade recebesse. A qualidade começa a ceder espaço para a quantidade 13.

Uma nova visão crítica passa a reconsiderar as inter-relações e a proximidade das diversas funções no tecido das cidades tradicionais. Sentiu-se que as cidades con-temporâneas haviam perdido uma vitalidade capaz de promover um relacionamento sadio entre a população e desta com o lugar. A cidade setorizada, esparramada e com suas funções separadas, passa a ser vista como uma proposta ultrapassada e insustentável.

Jane Jacobs14, uma das mais influentes críticas aos ideais modernistas, apontava a degradação social e ambiental dos projetos destinados à habitação, tanto para a po-pulação de baixa renda quanto para a classe média. E os espaços e prédios públicos, segundo ela, revelavam a incapacidade de se reconhecer e traduzir no desenho a diversificação da vida urbana e a relação com o lugar.

Um evento simbólico deste momento crítico foi a demolição, em 1972, do conjunto habitacional de Pruitt-Igoe em St. Louis, EUA. Símbolo do modelo falido de grandes conjuntos habitacionais periféricos servira para muitos programas de habitação pelo

13 HARVEY Condição Pós-Moderna.

14 The death and life of great American cities 1961

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mundo, como fora para o Brasil na década de 70 os projetos do BNH. Distante e iso-lado da cidade por vias de alto tráfego, declinou sob o peso de sua própria monotonia e de sua precariedade social e ambiental. (LOTUFO)

Figura 20: demolição de Pruitt-Iggoe, 1972. St. Luis EUA, fonte: Wikipedia.

Ganhava força a ideia de uma cidade onde fosse possível acessar grande parte de nossas necessidades em percursos a pé, portanto, com suas funções mescladas de um modo a oferecer maior autossuficiência aos bairros. Foi neste clima que surgiu o movimento Novo Urbanismo.

A CONTRADIÇÃO PÓS-MODERNA

A valiosa contribuição da crítica pós-moderna acabou também, como era de se es-perar, assumindo um viés tendencioso em prol dos interesses particulares de certos setores dominantes, principalmente na oposição ao planejamento público.

Apoiados nos preceitos econômicos neoliberais e com forte protagonismo político, es-ses setores rejeitam tudo o que possa ferir seus interesses. Ao tratar o solo enquanto mercadoria sujeita à livre valorização, tem aprofundado a segregação socioespacial,

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reservando os benefícios da cidade a setores privilegiados, ignorando os impactos sociais e ambientais de seus empreendimentos e desconsiderando o papel socioam-biental e cultural do espaço público.

Na verdade o que este modelo deseja é substituir o zoneamento do planejador pelo zoneamento do empreendedor. Não mais baseado no racionalismo e tampouco na sensibilidade ambiental, importa-se com o valor da construção enquanto produto de consumo, ou seja, seu apelo publicitário, seu potencial de venda e lucro. Deste modo, enquanto a classe alta e média se auto segrega em condomínios fechados e Shop-ping Centers, os mais pobres são desatendidos e varridos para as franjas da cidade, pois não podem arcar com o elevado custo de vida que se impõe sobre a cidade. O impacto ambiental deste processo é dramático, como podemos observar em São Paulo na invasão de áreas de preservação como a reserva florestal da Serra da Can-tareira ao norte da cidade e os mananciais ao sul, elementos de nossa geografia que deveriam definir nosso cinturão verde. O impacto social se dá na ampliação do vão entre os ricos e pobres, na má qualidade de vida das favelas, cortiços e periferias, e na crescente violência e tensão social que atinge todas as classes.

EM BUSCA POR UM MODELO SUSTENTÁVEL

A nossa cidade contemporânea, ninguém há de duvidar, necessita de uma profunda revisão de seus processos de crescimento e organização. Retomando o tema inicial seria útil resumir os preceitos que definem o Novo Urbanismo e o Landscape Urba-nism frente à necessidade de cidades mais sustentáveis.

O Novo Urbanismo

Segundo seus defensores, o Novo Urbanismo promove a criação e restauração de comunidades compactas vibrantes. Seus conceitos se aplicam tanto a novas cidades como a cura de cidades existentes. Estas comunidades devem possuir, mescladas no uso e ocupação do solo, habitação, emprego, lojas, lazer, escolas, parques, e serviços públicos essenciais, tudo em distâncias passíveis de serem percorridas a pé.

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O pedestre é valorizado pela boa qualidade das calçadas, ruas arborizadas e segre-gadas do tráfego. Quase tudo deve estar num raio de, no máximo, dez minutos de caminhada. A diversidade da vizinhança, com mescla de níveis de renda, idade, cul-tura e etnias, deve se dar tanto na escala das quadras quanto nos próprios edifícios.

O desenho arquitetônico e urbano deve buscar a beleza, o conforto e a identidade do lugar, prover usos comunitários e repeitar a escala humana. Seguindo os preceitos tradicionais de vizinhança seu centro e limites devem ser bem discerníveis. A alta densidade tem por objetivo facilitar a vida do pedestre, viabilizar comércio, serviço e infraestrutura. As construções devem prever o mínimo de impacto ambiental com o uso de tecnologia ecológica, eficiência energética e respeito aos sistemas naturais.

Uma rede ferroviária deve conectar as vizinhanças com a cidade e a metrópole. O sistema de transporte e mobilidade deve contemplar VLT (transporte leve sobre trilho), boas calçadas, ciclovias e sobretudo desestimular o uso do automóvel.15

O Landscape Urbanism

Segundo o Landscape Urbanism a cidade é um processo dinâmico, muito mais carac-terizado por fluidez, retroalimentação (feedback), espontaneidade, organicidade do que por estabilidade, previsibilidade, racionalidade e linearidade. O uso do lugar, con-vencionalmente determinado por “programas” e “estruturas rígidas”, deveria, antes, se basear em conceitos de “território”, “potencial” e “estruturas adaptáveis”. Ao focar es-sencialmente a superfície ao invés da forma, assume e assimila o espraiamento como fenômeno inevitável. Não se trata simplesmente de trazer a natureza para dentro da cidade, mas simultaneamente expandir a cidade na paisagem circundante, dissolven-do a fronteira tradicional entre cidade e campo. A ecologia e a teoria de sistemas são conceitos a serem incorporados no processo do projeto.

Para o LU a dualidade cidade/natureza deve ser superada através de uma fusão en-tre paisagem e construção. Para tanto propõe que a paisagem substitua a arquitetura como bloco básico de construção. Desde o trabalho sobre as calçadas até toda matriz infraestrutural propõe uma “grelha” de “sobreposições flexíveis, uma ecologia de sis-temas em movimento numa rede complexa de interações”.

15 www.newurbanism.org/

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Toda esta complexidade conceitual requer novas formas de representação. Além das convencionais plantas, cortes e elevações deve-se lançar mão do uso de diagramas de campo, gráficos e mapas que descrevam processos dinâmicos, além de técnicas cinematográficas, coreográficas e programas avançados de computação gráfica. De fato, seus próprios defensores reconhecem que o problema representativo é por si um campo de pesquisa ainda a ser trabalhado.

A população urbana, agindo como “receptáculos da memória e desejos coletivos”, tem papel determinante da definição do espaço público de modo a criar lugares para novos relacionamentos e possibilidades através de uma imaginação ao mesmo tempo geo-gráfica e social. Fundamentalmente, o LU está se referindo à grande dicotomia entre natureza e civilização. As cidades e suas infraestruturas poderiam ser tão ecológicas como os ecossistemas naturais. Por isto deseja reposicionar a paisagem muito além de seu aspecto decorativo, e muito além de sua função mitigadora dos efeitos nega-tivos da urbanização. Cada especialização de desenho urbano, em todas as escalas, devem se reunir numa pratica compartilhada onde arquitetura, paisagem e urbanismo se fundam sem que, no entanto, percam sua identidade própria (CORNER)16.

CONFLITOS CONCEITUAIS E O VISLUMBRE DE UMA SOLUÇÃO

Ambos os modelos oferecem preceitos importantes para o restabelecimento de um equilíbrio sadio entre natureza e civilização. Neles, as lições de Camillo Sitte, um humanista tradicionalista e Patrick Geddes, um biólogo progressista, parecem estar vivas. Talvez trabalhando juntos pudessem melhor integrar as ciências humanas com as biológicas e a tradição com a vanguarda.

16 http://sfsu-dai525.blogspot.com.br/2010/02/due-210-james-corner-terra-fluxus-from.html

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É notável que o geógrafo marxista David Harvey tenha sido citado por ambos os la-dos deste embate teórico. Isto nos mostra uma confluência no caráter das distorções e da apropriação demagógica que os modelos sofrem em prol de interesses políticos e econômicos. Contra o LU, dois artigos que citam e geógrafo se destacam no debate, uma de Leon Morenas para a revista Economic & Political Weekly17 e outra de Greg Lindsay para a revista Fast Company18, criticando o projeto nova-iorquino High Line e seu principal protagonista, o político conservador e milionário Michael Bloomberg.

O LU desenvolveu a habilidade de interpretar o potencial geográfico e ecossistêmico e demonstrar as cidades como sistemas dinâmicos de fluxos, mas falhou em reco-nhecer as comunidades humanas também como ecossistemas, o que o torna alheio à função social da cidade. Em todo seu discurso parece não se importar com problemas como justiça social, congestionamentos, acessibilidade e segurança.

Estas brechas certamente serão usadas como justificativas para ações nada susten-táveis, reproduzindo processos de gentrificação e descuidando da cidade como um todo. O projeto do High Line tem recebido duras críticas mesmo em relação a suas características ecológicas, uma vez que seu alto custo de manutenção tem drenado recursos enquanto que os parques mais distantes da cidade declinam com a diminui-ção de investimentos públicos. Enquanto isso os imóveis de seu entorno estão em franco processo de valorização, o que acaba demonstrando os objetivos “ocultos” por detrás do discurso ecológico. O político republicano Michael Bloomberg parece desejar remodelar Manhattan de modo a promovê-la como um excelente lugar para negócios milionários e turistas endinheirados, ou seja, transformá-la numa vasta co-munidade para ricos.

Michael Mahaffy19, um dos principais críticos do LU, parece coerente quando questio-na se ao negar totalmente os princípios do NU a favor de “forças arbitrárias ou mes-mo perigosas” o LU não estaria também negando a justiça social e a igualdade. Ao não promover uma integração entre urbanismo e transporte público, entre médias e altas densidades e entre classes sociais, estaria contradizendo a noção de desenho

17 http://www.indiaenvironmentportal.org.in/files/file/Landscape%20Urbanism.pdf

18 http://www.fastcompany.com/1673037/david-harveys-urban-manifesto-down-with-suburbia-

down-with-bloombergs-new-york

19 The Landscape Urbanism: Sprawl in a Pretty Green Dress? http://www.planetizen.com/

node/46262

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ecológico. Em fim, como idosos, pessoas com dificuldade de locomoção e pobres se locomoveriam por estes vastos espaços verdes para suas atividades e necessidades diárias? Para o LU, assim como para muitos neoliberais, a expansão urbana seria resultado de forças inexoráveis e não de escolhas históricas que uma vez compreen-didas poderiam ser controladas.

Os defensores do LU parecem falhar em reconhecer as comunidades humanas como ecossistemas. Perpetuam uma fronteira conceitual entre o que é natural e o que é hu-mano enquanto pregam dissolver fronteiras físicas entre campo e cidade. Resolvida esta contradição a questão se focaria na integração equilibrada destas duas dimen-sões. Os padrões da cidade tradicional passariam então a serem vistos, não como artifícios estilísticos, mas adaptações evolutivas orgânicas adquiridas no processo histórico. O conflito com os preceitos do NU não é absolutamente necessário.

Contra o NU o próprio Harvey escreveu para a Harvard Design Magazine em 1997 um artigo intitulado The New Urbanism and the Communitarian Trap�. Neste artigo sua maior preocupação é de que se repita falácia modernista pela qual o ordenamento espacial é considerado uma base segura para uma nova ordem estética e moral. Uma de suas afirmações vai de encontro a um preceito básico do LU. A ideia de que o NU “não reconhece que a dificuldade fundamental do modernismo foi seu hábito persistente de privilegiar a forma espacial sobre o processo social”. Estaria ainda viciado em querer aprisionar o processo histórico numa moldura fixa. Este vício estaria subtendido na relação entre o desenho e a ideologia de comunidade enquanto “apelo nostálgico”.

Com significado ambíguo, a “comunidade”, evocada como antídoto para a desordem social, acaba convertida em instrumento de controle. Frequentemente excludente fe-cha-se em si mesma contra os “outros”, não tolerando comportamentos “estranhos” aos seus valores próprios. Isto é verdade tanto em países com grande desigualdade social quanto nos países com grandes comunidades de imigrantes. A dinâmica, os fluxos, a imprevisibilidade e a surpresa, tudo o que pode tornar a vida urbana rica e excitante é controlado. Neste sentido as comunidades podem ser barreiras e não facilitadores de uma mudança social. Não se pode simplesmente construir uma ima-gem de comunidade para quem não precisa, enquanto abandona aqueles que de fato necessitam devido sua situação de exclusão. Por isto o NU consiste numa potencial armadilha. Mais uma vez de encontro aos preceitos do LU, Harvey defende que o melhor antídoto é “compreender a urbanização como um grupo de processos flu-

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ídos numa relação dialética com as formas espaciais para as quais eles são origem e, por sua vez, os contém”.

Arquitetura, urbanismo e planejamento são, a princípio, disciplinas sistêmicas. Devem, portanto, integrar diversos feixes de conhecimento. Somente uma visão integrativa e equilibrada pode curar diferentes perspectivas de seu viés ideológico. O que somos e o que queremos ser? Eis a questão a ser sempre respondida. Qual cidade e território nós desejamos? Este é o desdobramento espacial da mesma pergunta.

No âmbito do desenho urbano este dilema formalizou-se numa gama de posturas. Estes posicionamentos teóricos e ideológicos seriam de fato opostos ou poderiam, numa perspectiva mais elevada, se apresentarem como complementares? Se a res-posta já está inserida na pergunta, integrá-los implica em resolver estas importantes contradições.

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3. ENTREVISTAS

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LABVERDE – 1) Qual a importância dos Parques Lineares dentro do Plano Dire-tor Estratégico?ROSÉLIA - A grande importância do Plano Diretor é o reconhecimento da rede hí-drica da cidade como elemento estruturador do desenho urbano, com introdução da importância da convivência dos recursos naturais com os elementos construídos, através de um programa de recuperação das várzeas e dos fundos de vale. O Plano Diretor introduziu como política pública, a implantação dos parques lineares.

Rosélia Mikie Ikeda é arquiteta e diretora do DE-

PLAN (Departamento de Planejamento Ambien-

tal) da SVMA (Secretaria Municipal do Verde e do

Meio Ambiente) de São Paulo.

ENTREVISTA

Rosélia Mikie Ikeda Parques Lineares na Cidade de São Paulo1

1 Entrevista conduzida por Eduardo Mendes de Oliveira, Mariana Corrêa Soares e Ramon

Stock Bonzi

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LABVERDE – 2) O Plano define que a Rede Hídrica Estrutural deve ser vista como elemento estruturador da urbanização. Quais os desafios de se repen-sar décadas de urbanização sob a lógica do sanitarismo e da valorização do sistema viário?ROSÉLIA - Os desafios são no mínimo, enormes, mas são superáveis. Estou trabal-hando com este programa há 6 anos, dentro da Secretaria do Verde e Meio Ambiente, onde pude constatar os efeitos positivos da ação concreta. Vejo como desafio, o de-senvolvimento da cultura técnica de abordagem do problema, onde os aspectos am-bientais devem ser considerados, na mesma medida dos aspectos sócio-econômicos. LABVERDE – 3) Um ponto crucial para o sucesso da proposta da Rede Hídrica Estrutural como elemento estruturador da urbanização é a recuperação ambien-tal de cursos d´água. O ‘programa Córrego Limpo’, da Sabesp, faz parte desse esforço? Qual a sua avaliação sobre o programa?ROSÉLIA - Sim. Na medida do possível procuramos compatibilizar os dois programas. Entendo que o programa Córrego Limpo é um avanço em relação à política anterior da SABESP. Alguns córregos, após retirada do esgoto, recuperaram a vida aquática. A SABESP, através do contrato firmado com o MSP, tem o plano de atender o esgota-mento 100% em 2025, com retirada dos lançamentos de esgotos nos cursos d’água. LABVERDE – 4) Como se dá hoje a articulação entre os órgãos ambientais mu-nicipais e estaduais (como CETESB e SVMA) e entre as próprias secretarias municipais envolvidas nos processo de projeto e implantação dos parques lin-eares? Nesse sentido o que e como poderia ser melhorado o caráter setorial das intervenções?ROSÉLIA - A atuação dos órgãos públicos é definida por instrumentos legais e nós, por sermos gestores públicos, temos o dever de conhecê-los. Assim a inter-relação se dá à medida do diagnóstico que se faz do problema e se convida os agentes que deverão obrigatoriamente serem os parceiros, para em conjunto, encontrar a melhor solução.

LABVERDE – 5) Em alguma ocasião, a Secretaria no “Programa dos Cem Parques” pensou na possibilidade da participação da Universidade nesse processo?ROSÉLIA - A USP, através de contrato com a FUPAM participou por duas vezes do programa de parques: uma consultoria da LABHAB para SVMA em 2006 para “Car-acterização de áreas de estudo para a implantação de Parques Lineares” e em 2010, com a Subprefeitura de Perus contrato para desenvolver o projeto executivo do Parque

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Linear Ribeirão Perus.A SMDU, por outro lado, contratou a FUSP para desenvolver o SP-2040, onde apare-cem como projetos catalisadores os rios e as áreas verdes. LABVERDE – 6) Como foram definidas as áreas para as implementações desses parques?ROSÉLIA -No caso específico da tipologia: parques lineares, SVMA/DEPLAN realizou em 2006 o estudo que vem norteando a implantação dos parques lineares na cidade. Este estudo elegeu no universo dos mais de 300 parques lineares propostos no PDE e nos Planos Estratégicos Regionais, um conjunto de parques lineares que possuís-sem expressão regional, importância ambiental e urbanística e se caracterizassem como estruturadores da cidade. São considerados: o Perfil Ambiental por Subprefei-tura definido por indicadores ambientais de: distribuição da cobertura vegetal, des-matamento, temperatura aparente da superfície e taxa de impermeabilização; Áreas Sensíveis para a Proteção e Recuperação Ambiental: bordas da Serra da Cantareira, áreas de proteção de mananciais (Guarapiranga e Billings) e nascentes do Rio Ari-canduva e C.Inserção no programa de saneamento do Projeto Tietê - Fase 2. Foram ainda incluídos os parques lineares com alguma intervenção já iniciada por SVMA.

LABVERDE – 7) Os Parques Lineares constituem uma nova diretriz infraestru-tural, com objetivos de recuperação ambiental e lazer. Existem áreas que a pre-feitura entende que são mais aptas para uma função (lazer ou ambiental) do que para outra? Como se chega a essa definição?ROSÉLIA - Os projetos dos parques em SVMA são atribuídos a outro departamento: o DEPAVE (Departamento de Parques e Áreas Verdes) que elabora para cada parque, um plano de massas e o zoneamento de atividades da área, onde são definidas as áreas de uso e as áreas de preservação e o programa de atividades preliminar.Para tanto são realizados levantamentos e estudos que buscam definir a função am-biental e a função social da área. São considerados para definição da função ambiental os seguintes aspectos: topogra-fia e presença de escorregamentos, erosões, voçorocas etc; recursos hídricos e seu estado de conservação, nível de poluição, degradação das margens, assoreamentos etc; caracterização florística (Depave 8 - Herbário); caracterização faunística (Depave 3 - Fauna e estudos hidrológico) .Em relação aos aspectos que caracterizam a função social da área, atualmente são considerados os que seguem: legislação incidente na área; características socio-econômicas do entorno; localização dos demais equipamentos públicos do entorno.

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LABVERDE – 8) Como a sra. define a política atual da prefeitura de São Paulo sobre os Parques Lineares? Vê que há alguma coisa que deve mudar ou pode ser melhorada?ROSÉLIA - O objetivo dos parques lineares é recuperar fundos de vales dos rios e córregos da cidade por meio da implantação de áreas de lazer, saneamento e lim-peza dos rios. Sua implantação propicia a conservação das Áreas de Proteção Per-manente (APPs) que margeiam os cursos d’água e minimizará os efeitos negativos das enchentes. Esses parques, além de representarem expansão da área verde na cidade, contribuirão para melhorar a permeabilidade do solo e para a proteção dos cursos d’água ainda não canalizados. Os parques irão também reduzir áreas de ris-co, na medida em que evitarão a construção de habitações irregulares nas áreas de várzea dos córregos, e ampliarão a qualidade de vida das populações que vivem na região ao disponibilizar equipamentos de lazer. Sua implantação foi concebida para resgatar o papel dos fundos de vale como parte do sistema de drenagem natural e acrescentando-lhes função social. É uma ação concreta de adaptação para enfrentar efeitos da mudança climática. A implantação dos parques lineares é progressiva, como iniciativa para reverter a ur-banização formal e informal da cidade que ocupou e impermeabilizou as várzeas dos rios e córregos nas últimas décadas. Assim, se um córrego tem dois quilômetros, o objetivo inicial é recuperar/proteger/reurbanizar, por exemplo, um trecho de 0,5 km e mostrar às pessoas como funciona, buscando, em fase posterior, avançar no trecho restante. Pela primeira vez a cidade conta com recurso específico para iniciar a implantação destes parques, através do Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB), desde 2006.Já foram implantados os seguintes Parques Lineares (fazem parte da lista dos 100 parques) :1 Parque Linear São José2 Linear Ipiranguinha3 Linear Parelheiros4 Linear do Fogo5 Linear Itaim6 Linear Aricanduva (1ª Fase) 7 Linear Rapadura8 Linear Água Vermelha (1ª Fase)9 Linear Sapé - Sub Butantã (1ª Fase) 10 Linear Guaratiba (1ª Fase)

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11 Consciência Negra12 Linear Integração/Zilda Arns13 Linear Antônio Arnaldo/Jacuí14 Linear Canivete15 Linear Monguaguá 16. Linear Castelo 17. Linear Praia do Sol18. Linear Barragem19. Pinheirinho d’Água 20. Jacques Cousteau21. Parque das Águas 22. Lajeado23. Jardim Herculano LABVERDE – 9) Como o sra. rebateria a crítica de o enfoque na quantidade de parques (100) termina por comprometer a qualidade dos projetos, processos de implantação e resultado final? ROSÉLIA - O Programa 100 Parques para São Paulo tem como objetivo ga-rantir o maior número de áreas disponíveis e transformá-las em parques, pro-porcionando a ampliação das área de lazer e contato com a natureza em São Paulo, e ao mesmo tempo distribuir mais equilibradamente estes parques. Assim, o primeiro passo foi mapear as áreas disponíveis e trabalhar a implantação de parques nestes locais. Essa disponibilidade foi responsável pela localização dos parques. Se observarmos os parques já implantados distribuídos por macro região temos:

Macro região Existentes em 2005

Implantados a partir de 2005

Situação hoje

Zona Leste 07 parques 20 parques 27 parquesZona Norte 07 parques 06 parques 13 Zona Centro Oeste 10 parques 10 parques 20

Zona Sul 10 parques 11 parques 21

TOTAL 34 parques 43 parques 81 parques O Programa procura distribuir os parques por todas as subprefeituras visando o equi-librio da oferta de parques pela cidade.

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É importante lembrar também que no Programa 100 parques para São Paulo , além dos tradicionais urbanos, a Secretaria do Verde criou dois outros conceitos de parques que são os Lineares (respeitar as áreas de APP, evitar ocupação em areas de risco, ajudar no combate às enchentes, ser uma opção de cultura e lazer para a população do entorno , além de recuperação das margens do córrego do local), e os Parques Nat-urais, que visam a preservação da biodiversidade na cidade, de acordo com o compro-misso que a secretaria assumiu quando participou do encontro de Nagoya, no Japão. LABVERDE – 10) A sra. entende que os parques lineares, além de trazer ganhos de recuperação ambiental e de oportunidades de lazer, podem fomentar a mo-bilidade? ROSÉLIA - Sim, pois o parque linear é aberto e intervenção de caráter urbanístico. Traz um território abandonado para o convívio dos cidadãos, tornando-se espaço de interligação entre os bairros. LABVERDE – 11) Uma das críticas à forma como foram inicialmente pensados os parques lineares foi em torno da ótica de que um curso d’água não deve ser analisado ou trabalhado isoladamente quando toda a sua microbacia de contri-buição é parte dele. Que diretrizes estão sendo trabalhadas / implementadas no sentido de superar esse ponto e considerar cada microbacia em sua totalidade na implantação dos parques?ROSÉLIA - A Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente está trab-alhando em parceria com Secretaria de Habitação e a de Obras de In-fra-estrutura no sentido da proposição de diretrizes ambientais e no-vas tecnologias para os novos Projetos de Habitação, de Saneamento e Drenagem Urbana, minimizando os conflitos entre as diversas disciplinas envolvidas. LABVERDE – 12) Que importância o sra. atribuiria à questão da participação no processo de projeto e implantação dos parques? De que forma isso vem sendo trabalhado junto às populações dos entornos dos parques?ROSÉLIA - Estamos atualmente desenvolvendo no Grupo de Trabalho, um piloto em dois projetos de parques lineares, através da metodologia ambiências urbanas, visando formulação de nova abordagem, tendo como princípios: participação popular; mediação de conflitos; articulação intersetorial, interinstitucional e multidisciplinar; re-sponsabilidade compartilhada no desenvolvimento do processo.

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LABVERDE – 13) Qual a previsão para se atingir os 100 parques? Depois de atingirmos os 100 o que podemos esperar?ROSÉLIA - Em 2004, São Paulo tinha 34 parques municipais e com a meta traçada, chegou-se até o momento com 81 parques. Temos atualmente em fase de obras 31 parques. Estão ainda planejados para implantação futura, 52 parques, muitos deles com Decretos de Utilidade Pública, outros em fase de projeto.

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4. DEPOIMENTOS

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DEPOIMENTO

Paulo Renato Mesquita PellegrinoUma máquina trituradora de projetos: a experiência de reurbanização deuma praça pública1

Paulo Renato Mesquita Pellegrino é arquiteto paisagista,

graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Uni-

versidade Católica de Campinas, com mestrado e doutora-

do em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São

Paulo.

É professor junto ao Departamento de Projeto da FAUUSP,

no qual desenvolve estúdios de projeto e planejamento da

paisagem para os cursos de graduação e pós-graduação.

e-mail: [email protected]

1 Com a colaboração de Ramon Stock Bonzi

Em 2006, representantes da Associação de moradores do Bairro que engloba a Praça Dolores Ibarruri procuraram a arquiteta paisagista Elza Niero, pedindo um projeto para a reforma da praça. Fui chamado pela colega a participar deste projeto, pois vinha ao encontro de nosso desejo de aplicar novos modelos de drenagem que estávamos desenvolvendo, em uma área com grande visibilidade na cidade de São Paulo. Que-ríamos a chance de aplicar esse modelo não convencional de tratamento das águas das chuvas em um projeto que evidenciasse que o paisagismo pode ir além do mero plantio convencional de flores e de gramados: ele pode ser parte importante na estra-tégia de combate às enchentes.

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Fruto desta articulação de moradores do entorno da praça com um vereador, em mea-dos de 2007, foi acertado que fizéssemos um projeto básico, com um custo estimado, a ser apresentado para a subprefeitura de Pinheiros. O combinado foi que o nosso cliente era a população e, uma vez que o nosso projeto fosse aprovado por ela, a subprefeitura procederia para a execução da obra. No começo de 2008 um conjunto que constituía-se de pranchas com o partido geral da obra, com um delineamento da drenagem e demais elementos construídos, indicação geral de plantio de vegetação ainda não detalhada, e um custo estimado - o que nós entendíamos como um ante-projeto - foi entregue aos moradores e ao setor encarregado da subprefeitura. Como é de praxe, tratava-se de um dimensionamento básico que seria pormenorizadamente detalhado no projeto executivo. No entanto, a subprefeitura enviou o nosso anteproje-to para licitação!

Nesse momento, descobri a real dimensão da falta de cultura dos órgãos públicos em relação ao que vem a ser um projeto de paisagismo. A ausência de um padrão mínimo de qualidade de projetos de paisagem é tamanha que aquilo que nós apresentamos como um anteprojeto foi considerado muito além do que é normalmente apresentado para um projeto de praça na cidade.

Na época eu tive a oportunidade de ver, na seção responsável pela adoção de praças, uma série de ‘projetos’ feitos em folhas A4, que mais pareciam meros rascunhos à mão. Eram projetos muito primitivos, demonstrando que não tinham domínio de es-cala, por exemplo. Na época eu também fiquei muito intrigado com o fato de que os técnicos responsáveis por receber e avaliar os projetos também não pareciam muito interessados em vê-los mais desenvolvidos.

Enfim, após a entrega do projeto básico à subprefeitura nós continuamos, conforme combinado, desenvolvendo o projeto executivo, envolvendo engenheiros hidráulicos da Poli no detalhamento das tipologias paisagísticas de drenagem. Um dia, no come-ço de 2009, fomos pegos de surpresa por um telefonema de um vizinho da praça nos contando que a construtora já estava com as máquinas no local. Às pressas, fizemos as plotagens do projeto executivo por nossa própria conta e marcamos um encontro com o encarregado das obras. Nesse momento, percebemos que eles não estavam muito interessados em nos receber, mas como tínhamos um compromisso com os moradores precisávamos ver o que estava sendo feito.

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Nós fomos lá... A colega Elza Niero apresentou para o encarregado de obras o con-junto de plantas que integrava o projeto executivo. O encarregado da construtora es-tranhou e disse ‘o que é isso?’. Percebemos que eles sequer estavam trabalhando encima do nosso anteprojeto. A intenção, na realidade, era fazer um trabalho in loco. Como quem ganhou a licitação era uma empresa da área de construção de vias, es-pecializada em terraplanagem, a ideia era, em um ou dois dias, passar uma máquina para limpar o terreno, como se fosse um simples trabalho de corte e aterro, plantar grama e algumas árvores aleatoriamente, fazer o remendo de piso. Como se faz, em geral, nas praças de São Paulo.

Só que os moradores conheciam o nosso projeto e começaram a exigir que a sub-prefeitura cobrasse da construtora que ela executasse o projeto completo. Isso se tornou rapidamente uma batalha insana. Nós não éramos aceitos pelos executores da empreiteira. Quando íamos ver como estavam as obras eles claramente ficavam contrariados, porque, supostamente, nós estaríamos fiscalizando.

Em determinado ponto vivemos a situação surreal de, ao mesmo tempo, ter o nosso projeto premiado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e sermos considerados personas non gratas na praça! Chegamos a ouvir de um engenheiro da subprefeitura que o projeto não era nosso. Era da construtora e eles podiam fazer o que bem en-tendessem.

Foi necessário travar uma batalha muito grande para preservar um mínimo do nosso projeto original. Estamos falando de condições básicas, sem as quais o nosso projeto não funcionaria. Recordo-me de um episódio que foi emblemático.

O nosso projeto previa bacias de retenção para águas proveniente das biovaletas. Es-sas áreas liberariam lentamente a água da chuva para o córrego através de gárgulas que desempenhariam o papel de vertedores de água. Essas lagoas pluviais seriam atravessadas por decks, com vegetação típica de várzea. A ideia era criar um wetland artificial que além de conectar as biovaletas também filtraria a poluição difusa antes de entregar a água da chuva para o Córrego das Corujas.

Para que isso fosse executado seria necessário retirar alguns ligustros que estavam em péssimas condições fitossanitárias. Aliás, plantas que estavam lá porque um ex-morador, que fazia jardins e usava a área como ‘depósito’, abandonou-as quando se mudou da região. E as mudas enraizaram... Só que esse detalhe que nos escapou

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foi usado como uma desculpa para a não execução das lagoas pluviais. Apesar disso executamos o projeto de manejo da vegetação existente e o encaminhamos para o DEPAVE para que fosse autorizada a remoção das plantas. Isso nos foi cobrado após o inicio das obras, como uma carta na manga para obstaculizar a execução desses elementos do projeto.

Resultado: o processo ficou seis meses para ser analisado, o que paralisou a reforma da praça. Como boa parte do terreno já tinha sido “limpa” da vegetação rasteira, os taludes da praça começaram a erodir na temporada de chuva.

A população ficou desesperada com a bagunça e o aparente abandono de sua praça. E, para completar o quadro, o parecer finalmente saído do DEPAVE determinava que para remover as já condenadas 26 árvores a subprefeitura teria que fazer uma com-pensação com o plantio aproximado de 1450 árvores, com DAP e especificações de espécies que levava o valor de sua aquisição a se aproximar do próprio orçamento total existente para a praça, além de que para isso ser executado, exigiria uma área três vezes maior do que a superfície da ‘Praça das Corujas’, o que obviamente serviu como a pá-de-cal para a complementação do projeto com a criação do wetland artifi-cial e dos elementos de liberação das águas.

Toda essa pressão, burocracia e jogo político geraram uma situação que ninguém aguentava mais. Determinou-se que a praça deveria ser concluída em apenas um mês!

Eu calculo que nem 50% do nosso projeto foi executado, nem mesmo o projeto de plantio que foi detalhado, sendo executado um plantio fora do nosso controle. O meu consolo é que, mesmo com todos esses problemas, a praça ficou como uma indicação do que poderia ter sido feito, fora do padrão convencional. E que também consegui-mos obrigá-los a fazer mais do que eles estavam dispostos inicialmente a fazer. Para mim ficou muito claro que nós fomos usados. A subprefeitura parece ter aceitado a reforma da praça não por causa da obra em si, mas pela oportunidade de ter a verba da obra direcionada para a sua administração.

Infelizmente eu percebo que essa é a regra em nossa cidade. Afinal, o que são todos esses parques, praças e canteiros que vemos em São Paulo? Basicamente passa-se a máquina, joga-se terra sem nenhum tratamento por cima, encobrindo o entulho, planta-se grama e distribuem-se mudas de árvores aleatoriamente. Evidentemente

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não podem faltar elementos em concreto. É o mesmo padrão para todos os lugares. O interessante é que os orçamentos são caros. Os custos são dimensionados para que se atinja uma qualidade de primeiro mundo, mas a execução é de quinta categoria. Existe um descompasso. E não é por ignorância ou só descuido.

Esta experiência nos faz suspeitar que a baixa qualidade de implantação dos projetos de espaços públicos que nós temos na cidade não se dá pela ausência de bons pro-jetos, mas sim à existência de um grande leviatã - o sistema dominante da adminis-tração pública, de execução de obras, de subestimação da expectativa da população - que se nutre à custa da trituração de projetos, do desperdício dos recursos técnicos e financeiros.

A experiência com a reforma da Praça Dolores Ibarruri me deixou muito claro de que é de interesse desse sistema de que o projeto de paisagem continue sendo uma coisa que ninguém sabe exatamente o que é, quem é o responsável e autor, quais são os padrões de qualidade e desempenho mínimos. Ao se ter o projeto de paisagem, sua execução e suas expectativas nesta zona cinza, ele se torna um elemento de obras públicas que não pode ser controlado e devidamente contabilizado.

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5. COMUNICADOS

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

A Revista LABVERDE, criada em 2010, é um periódico científico eletrônico, semestral (abril e outubro), do Laboratório LABVERDE, multidisciplinar, com foco em Paisagem e Sustentabilidade, atualmente estruturado em 9 áreas: Planejamento Ambiental, De-senho Ambiental, Infraestrutura Verde, Arquitetura da Paisagem, Engenharia Ambien-tal, Certificação Verde, Ecologia Urbana, Floresta Urbana e Projeto Sustentável. Normas para Apresentação de Trabalhos

1. O Conselho Editorial da Revista LABVERDE decidirá quais artigos, ensaios, en-trevistas, conferências, debates, resenhas relatos de experiências e notas técnicas serão publicadas, levando em conta a consistência teórica e a pertinência do tema em conformidade com a linha editorial.

2. O Apresentação dos Trabalhos:

Em mídia eletrônica (CD, DVD), utilizando o processador de texto WORD 6.0 ou supe-rior, sem formatação, entrelinhas =1,5 – margens =2,5. Número de páginas entre 10 e 25, incluindo, imagens, tabelas, gráficos, referências, etc. Deverá conter entre 21.000 a 45.000 caracteres, incluindo o resumo, o abstract e a introdução. Deverão ser en-tregues com o CD/DVD, três cópias impressas do arquivo. O resumo e o abstract não deverão ultrapassar 2.000 caracteres.

3. Os títulos e os subtítulos deverão aparecer em maiúsculas, pois é importante que no original fique clara a sua natureza. Também deverão ser concisos e explícitos Quanto ao conteúdo tratado. Deverão ser apresentadas, no mínimo 5 palavras-chave.

4. As contribuições deverão ser acompanhadas da versão em língua inglesa do título, subtítulo, resumo e palavras-chave.

5. Logo após o título, devem constar o nome do autor, sua qualificação, procedência e endereço eletrônico.

6. As notas e referências bibliográficas deverão ser agrupadas no final do texto e de-vidamente referenciadas.

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7. Não serão aceitas reproduções de imagens publicadas em livros, revistas ou perió-dicos, sem a expressa autorização do(s) autor(es) das mesmas.

8. Os textos assinados serão de inteira responsabilidade dos autores e não haverá alteração de seu conteúdo sem prévia autorização.

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10. Os editores se reservam o direito de não publicar artigos que, mesmo seleciona-dos, não estejam rigorosamente de acordo com estas instruções.

São Paulo, junho de 2012.

Profa. Dra. Maria de Assunção Ribeiro Franco Professora Titular Coordenadora do LABVERDE Editora da Revista LABVERDE