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I O Contexto PARTE E sta parte apresenta ao leitor interessado no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, o con- texto no qual está inserido este campo de compreen- são do comportamento humano. Propositadamente, o contexto aqui antecede os processos psicológicos relativos aos distintos níveis de análise, apresenta- dos nas partes subseqüentes. O trabalho é apresentado no Capítulo 1, desde a análise da construção da ideologia que o glorificou, até a discussão do esgotamento do modelo taylorista- fordista, que passou pela tentativa de construção de uma sociedade do bem-estar e desembocou nas con- cepções de trabalho contemporâneas. É esperado que o leitor seja capaz de descrever essas construções históricas e identificar as principais mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, levantar hipóteses que expliquem tais mudanças e identificar as gran- des tendências e os desafios atuais presentes neste mundo. E que faça isso também levando em conta a condição do Brasil como país capitalista periférico. As organizações estão no Capítulo 2. Elas não são apresentadas como um contraponto ao trabalho, mas sim como complementação, pois ambos habitam o mesmo contexto e estão submetidos à mesma di- nâmica econômica e política. As capacidades a serem desenvolvidas incluem a compreensão das organiza- ções como um fenômeno social, que ao mesmo tempo estrutura a vida cotidiana das pessoas e o funciona- mento das sociedades contemporâneas, e a identifica- ção de diferentes imagens que foram formuladas para compreender essas organizações, bem como as posi- ções epistemológicas que estão por trás dessas ima- gens. Entretanto a competência principal, esperada do leitor, é que compare as visões cognitivista, culturalista e institucionalista, quanto aos seus con- ceitos de organizações, e que realize uma síntese con- siderando tais organizações como unidades multi- dimensionais, socialmente construídas e que articu- lam processos individuais e coletivos. O Capítulo 3 foi planejado para possibilitar um aprofundamento do anterior, concentrando o foco em algumas dimensões críticas para a análise das organi- zações: estrutura, tecnologia, estratégia e ambiente. As competências esperadas envolvem a conceituação e a caracterização dessas dimensões, a comparação das perspectivas teóricas que fundamentam essa análi- se, a formulação das relações que podem existir entre tais dimensões e a identificação das tendências atuais, inclusive no Brasil, de desenvolvimento das organi- zações. Em termos gerais, esses três capítulos procuram revelar que trabalho e organizações são dois comple- xos e multifacetados fenômenos, alvos de intenso questionamento e reflexão no interior de vários cam- pos disciplinares. Compreendê-los em sua dinâmica e em suas interações é um desafio para pesquisadores e uma imposição para todos aqueles que os escolhem como foco de sua atividade profissional. Devido a isso, esses capítulos iniciais vão além do mapeamento de tais complexidades. Eles fornecem um conjunto bastante amplo de ferramentas conceituais de análise sobre as condições de contexto que podem estar asso- ciadas ao comportamento humano no trabalho e nas organizações. São ferramentas imprescindíveis para quem pretende realizar diagnóstico, intervenção, ava- liação ou pesquisa sobre esse campo do conhecimento.

PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

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Page 1: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

I

O Contexto

PARTE

Esta parte apresenta ao leitor interessado no campo

da Psicologia Organizacional e do Trabalho, o con-

texto no qual está inserido este campo de compreen-

são do comportamento humano. Propositadamente,

o contexto aqui antecede os processos psicológicos

relativos aos distintos níveis de análise, apresenta-

dos nas partes subseqüentes.

O trabalho é apresentado no Capítulo 1, desde

a análise da construção da ideologia que o glorificou,

até a discussão do esgotamento do modelo taylorista-

fordista, que passou pela tentativa de construção de

uma sociedade do bem-estar e desembocou nas con-

cepções de trabalho contemporâneas. É esperado que

o leitor seja capaz de descrever essas construções

históricas e identificar as principais mudanças que

ocorreram no mundo do trabalho, levantar hipóteses

que expliquem tais mudanças e identificar as gran-

des tendências e os desafios atuais presentes neste

mundo. E que faça isso também levando em conta a

condição do Brasil como país capitalista periférico.

As organizações estão no Capítulo 2. Elas não

são apresentadas como um contraponto ao trabalho,

mas sim como complementação, pois ambos habitam

o mesmo contexto e estão submetidos à mesma di-

nâmica econômica e política. As capacidades a serem

desenvolvidas incluem a compreensão das organiza-

ções como um fenômeno social, que ao mesmo tempo

estrutura a vida cotidiana das pessoas e o funciona-

mento das sociedades contemporâneas, e a identifica-

ção de diferentes imagens que foram formuladas para

compreender essas organizações, bem como as posi-

ções epistemológicas que estão por trás dessas ima-

gens. Entretanto a competência principal, esperada

do leitor, é que compare as visões cognitivista,

culturalista e institucionalista, quanto aos seus con-

ceitos de organizações, e que realize uma síntese con-

siderando tais organizações como unidades multi-

dimensionais, socialmente construídas e que articu-

lam processos individuais e coletivos.

O Capítulo 3 foi planejado para possibilitar um

aprofundamento do anterior, concentrando o foco em

algumas dimensões críticas para a análise das organi-

zações: estrutura, tecnologia, estratégia e ambiente.

As competências esperadas envolvem a conceituação

e a caracterização dessas dimensões, a comparação

das perspectivas teóricas que fundamentam essa análi-

se, a formulação das relações que podem existir entre

tais dimensões e a identificação das tendências atuais,

inclusive no Brasil, de desenvolvimento das organi-

zações.

Em termos gerais, esses três capítulos procuram

revelar que trabalho e organizações são dois comple-

xos e multifacetados fenômenos, alvos de intenso

questionamento e reflexão no interior de vários cam-

pos disciplinares. Compreendê-los em sua dinâmica

e em suas interações é um desafio para pesquisadores

e uma imposição para todos aqueles que os escolhem

como foco de sua atividade profissional. Devido a

isso, esses capítulos iniciais vão além do mapeamento

de tais complexidades. Eles fornecem um conjunto

bastante amplo de ferramentas conceituais de análise

sobre as condições de contexto que podem estar asso-

ciadas ao comportamento humano no trabalho e nas

organizações. São ferramentas imprescindíveis para

quem pretende realizar diagnóstico, intervenção, ava-

liação ou pesquisa sobre esse campo do conhecimento.

Page 2: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

24 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

Conta Homero na Odisséia que, por ter desafiado

os deuses, Sísifo foi condenado a empurrar eterna-

mente montanha acima uma rocha que, pelo seu

próprio peso, rolava de volta tão logo atingisse o

cume. Albert Camus (2000) propõe uma instigante

interpretação para esse mito. Para Camus, o auge

do desespero de Sísifo não está na subida: o imenso

esforço despendido não deixa lugar para outros pen-

samentos. A descida, ao contrário, não exigindo

esforço, é o momento em que Sísifo é confrontado

com o seu destino: o aspecto trágico é conferido

pela consciência que tem da sua condição.

Não sem razão, o mito de Sísifo tem sido con-

siderado o epítome do trabalho inútil e da desespe-

rança. Tripalium, trabicula, termos latinos associa-

dos à tortura, estão na origem da palavra trabalho.

Mas trabalho deve ser necessariamente associado

ao sofrimento? Ou seria lícito pensar, em uma pers-

pectiva diametralmente oposta, como sendo aquela

atividade essencialmente humana na sua relação

com a natureza, configurando-se como uma proto-

forma do ser social? O trabalho sobre o qual a mai-

oria das vezes falamos é um trabalho inútil?

Muito provavelmente todos nós, no nosso co-

tidiano, ouvimos frases como primeiro o trabalho,

depois o prazer. Essa frase, ao mesmo tempo em

que exalta a importância do trabalho, tomando-o

como uma prioridade de vida, supõe-no oposto ao

prazer, como se este existisse apenas fora do traba-

lho. Da mesma forma, temos amigos que contam o

que fazem no trabalho com orgulho. Por isso mes-

mo, falam tanto do próprio trabalho que às vezes

até nos aborrecemos. Outros queixam-se das con-

dições de trabalho. Uns sonham com um mundo no

qual não precisem trabalhar, outros aposentam-se e

reinventam um trabalho para si mesmos, porque não

conseguem viver sem trabalho. Reclamamos dos nos-

sos empregos e das condições de trabalho, mas conti-

nuamos trabalhando – ora para garantir nossa própria

subsistência, ora para ir muito além disso. Portanto,

lembrando essa variedade de situações, que qualquer

um de nós seria capaz de continuar listando longa-

mente, é fácil entender que trabalho é objeto de múl-

tipla e ambígua atribuição de significados e/ou senti-

dos. Existem muitas pesquisas no campo da Psicolo-

gia estudando a variedade de significados que as pes-

soas atribuem ao trabalho, os quais guardam entre si

correlações e muitas contradições. Tais estudos par-

tem de diversas abordagens na Psicologia e são as

divergências que nutrem o dinamismo dessa área de

estudo, porém o caráter de múltiplas e ambíguas atri-

buições de significados tende a ser consensual.

Tudo isso se complica ainda muito mais se

substituímos a atribuição de significados por ou-

tros aspectos que sirvam de critérios para diferen-

ciar os diversos âmbitos do trabalho. Assim, por

exemplo, se considerarmos as relações de poder

dentro das organizações, podemos distinguir o tra-

balho subordinado das chefias intermediárias, dos

gerentes, dos diretores, dos proprietários etc. Se a

natureza do que fazemos, temos a complicada clas-

sificação das profissões e ocupações. Se a existên-

1O Mundo do Trabalho

Livia de Oliveira Borges

Oswaldo Hajime Yamamoto

Cristiano Rodrigues
Page 3: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 25

cia de contrato de trabalho, temos empregados, pa-

trões, autônomos. Se formalidade do contrato, te-

mos trabalho no mercado formal e no informal. Se

a complexidade da tarefa, podemos ter classifica-

ções como trabalho simples, repetitivo, abstrato e

complexo. Se ao tipo de esforço, temos trabalho

braçal e intelectual. Se a existência da remunera-

ção, temos trabalho voluntário e remunerado. Se a

sua qualidade da remuneração, temos trabalho bem-

remunerado e mal-remunerado. Se nos detivermos

na forma de pagamento, podemos ter trabalho por

salário fixo, por produção e misto. Se pensarmos

nos seres vivos e não apenas no homem, temos tra-

balho animal e humano. Além da variedade de cri-

térios que podemos utilizar para classificar o traba-

lho, também podemos complicar tais classificações,

variando o seu nível de sofisticação através da com-

binação de critérios e/ou do aumento dos níveis uti-

lizados em cada classificação.

Portanto, quando utilizamos a palavra traba-

lho não estamos necessariamente falando do mes-

mo objeto. Na Psicologia Organizacional e do Tra-

balho, por sua vez, falamos em construtos como

motivação para o trabalho, comprometimento no

trabalho, envolvimento no trabalho, aprendizagem

no trabalho, socialização no trabalho, satisfação no

trabalho, treinamento em trabalho, aconselhamento

no trabalho, estresse no trabalho, qualidade de vida

no trabalho e assim por diante. Desculpem pela re-

petição da palavra trabalho, mas ela foi proposital,

para ajudar a dar-nos conta da freqüência com a

qual a palavra trabalho é empregada na literatura

da área. E de que trabalho estamos falando?

Quando o leitor se debruça sobre as diversas

teorias referentes a algum construto (por exemplo,

satisfação, motivação, estresse), sendo capaz de

dar-se conta do conceito de trabalho implícito nas

mesmas, terá sua capacidade crítica ampliada.

Portanto, é necessário para a formação do psicó-

logo entender claramente as formas principais de

conceber o trabalho.

Explicitar tais concepções será objeto do de-

senvolvimento deste capítulo. Está claro, porém, que

precisamos de algum tipo de referência para ter-

mos um mínimo de consenso que torne o capítulo

inteligível e que, ao mesmo tempo, o leitor tenha

consciência de suas limitações. Vamos começar, por

conseguinte, expondo algumas premissas que fo-

ram nosso ponto de partida para desenvolver o ca-

pítulo, selecionando conteúdos, estabelecendo in-

terpretações e enfocando algum tipo de trabalho.

Entendemos que são tais decisões que viabilizam o

capítulo. Seria impossível descrever o mundo de

todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que

vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre-

tação do mundo do trabalho, mas que vamos ter em

conta uma diversidade limitada. Significa também

que o presente capítulo está longe de esgotar o as-

sunto. Portanto, o leitor deve atentar que o capítulo

não substitui leituras mais extensivas sobre o as-

sunto, apenas o introduz, facilitando tais leituras.

Levando a cabo nosso propósito, iniciamos,

pois, lembrando algumas fronteiras do campo da

Psicologia Organizacional e do Trabalho, que tam-

bém serão úteis para delimitar o presente capítulo.

Assim, os psicólogos que atuam e pesquisam nesse

campo não lidam com o trabalho dos animais, mas

com o trabalho humano. E o que diferencia esses

dois tipos de trabalho? Embora não seja simples

distinguir as atividades de primatas não-humanos

de nossos ancestrais nas suas tarefas de caça e cole-

ta, ou mesmo de algumas que os humanos até hoje

fazem, existe um elemento distintivo fundamental:

a intermediação da cultura (Argyle, 1990). E de for-

ma mais pontual, o critério freqüentemente utiliza-

do é o da intencionalidade, que foi primeiramente

explicitado por Marx (1983) ao distinguir o “pior

arquiteto” da “melhor aranha”:

No fim do processo de trabalho, obtém-se um resulta-

do que já no início deste existiu na imaginação do

trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efe-

tua uma transformação da forma da matéria natural;

realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu ob-

jetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espé-

cie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subor-

dinar sua vontade (p. 149-150).

Isso significa que, para nós, autores desse ca-

pítulo, quando uma forma de exercer o trabalho tenta

eliminar a intencionalidade humana ou as suas ca-

pacidades cognitivas, está tentando descaracterizar

o próprio trabalho em uma condição humana cen-

tral. E essa compreensão está por trás de muitas crí-

ticas e análises que se faz sobre a forma de planejar

e organizar o trabalho, ou seja, as análises sobre

como as organizações definem o modo de fazer as

coisas, dividem e distribuem atribuições, poder e

tarefas.

Cristiano Rodrigues
Page 4: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

26 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

Mas, seguindo na delimitação, é importante

lembrar que o psicólogo organizacional e do traba-

lho, na maior parte das vezes, lida com o trabalho

remunerado. Por isso, os aspectos socioeconômicos

são aqui considerados importantes e delimitadores

do mundo do trabalho. Na literatura do campo, para

clarear a adoção dessa delimitação, Brief e Nord

(1990), por exemplo, anunciaram sua opção em

adotar a definição econômica do trabalho, que con-

siste em dizer que o trabalho é o que se faz para

ganhar a vida ou se é pago para fazer. Isso não sig-

nifica que os referidos autores reduzam o trabalho

a sua dimensão econômica, mas que o trabalho é

objeto de seus estudos se essa dimensão é incluída.

Outra fronteira comum na literatura do campo

é aquela posta pelo contrato de trabalho, que dife-

rencia trabalho de emprego. Alguns autores, como

Jahoda (1987), têm se preocupado com tal diferen-

ciação. Para a autora, o emprego é uma forma espe-

cífica de trabalho econômico (que pressupõe a re-

muneração) regulado por um acordo contratual (de

caráter jurídico). Blanch (1996), baseado na dife-

renciação de Jahoda, acentua que o emprego impli-

ca a redução do trabalho a um valor de troca, por-

tanto em mercadoria, o que mais adiante retomare-

mos à medida que descrevermos a evolução do tra-

balho e dos problemas do mundo do trabalho a par-

tir do surgimento do capitalismo. Importa-nos, no

momento, apenas acrescentarmos que para Jahoda

tal diferenciação é importante, porque tem implica-

ções diretas na forma de analisar os problemas do

mundo do trabalho na atualidade. Por exemplo, a

autora argumenta que, considerando tal diferença,

deve ser mais adequado opor o desemprego ao em-

prego e não o discutir como a antítese do trabalho.

Jahoda alerta seus leitores que, raramente, ocorre a

consideração de tal diferença na literatura em geral

sobre o assunto e que o uso dos termos trabalho e

emprego como sinônimos está profundamente en-

raizado em nossos hábitos lingüísticos, o que con-

tribui para continuarmos desatentos a tal engano.

Para ela, definições em ciências humanas não são

neutras, trazendo sempre consigo juízos de valores

implícitos (ou explícitos). Tal confusão, aparente-

mente apenas lingüística, termina por dificultar a

discussão sobre o papel do trabalho na sociedade

no final século XX e sobre a importância que as

pessoas atribuem ao trabalho. Compete-nos, assim,

desde aqui deixar o leitor com a questão: no nosso

mundo atual o trabalho tem perdido a importância

como uma categoria que estrutura a sociedade? Ou

é o emprego que tem rareado? Temos uma crise do

trabalho? Ou uma crise do emprego?

Adicionalmente alertamos também o leitor que

a maior parte da literatura em Psicologia Organiza-

cional e do Trabalho não foge à regra e, em geral,

usa os termos trabalho e emprego como sinônimos.

Cabe a nós, como leitores, estarmos atentos para o

que realmente os autores estão se referindo. Essa

atenção será importante para aguçar nossa capacida-

de crítica, dando-nos conta mais facilmente de cer-

tos limites das teorias, dos modelos e das pesquisas

que desenvolvemos ou dos quais fazemos uso.

Com essas fronteiras explicitadas, de alguma

forma estamos delineando o que chamamos aqui de

mundo do trabalho. Mas precisamos ir à frente. Ao

intitularmos o nosso presente capítulo de Mundo do

Trabalho, temos o mesmo problema de quando ou-

tros autores discorrem sobre a satisfação do trabalho

e tantos outros construtos no campo da Psicologia

Organizacional e do Trabalho, conforme já exempli-

ficamos. Continuamos, portanto, com questões como:

estamos falando no mundo de qual trabalho? Como

falar desse assunto sem sabermos ao certo de que

trabalho estamos falando? E o que compõe o tal

mundo do trabalho? E por que denominar o capítulo

de Mundo do Trabalho e não apenas de Trabalho?

Na tentativa de responder a essas questões, que-

remos contar que compreendemos que cada indiví-

duo tem seu próprio conceito de trabalho, o que em si

estabelece uma variedade imensa de conceitos e/ou

significados. Mas é mesmo uma variedade infinita?

Talvez não. E certamente no mesmo passo que existe

diversidade, existem aspectos compartilhados.

Exemplificando, lembremos dos nossos amigos mais

próximos. Certamente, para este grupo não existe to-

tal identificação na definição do que seja trabalho, mas

certamente há também muitas semelhanças. Alguém

pode pensar assim: o trabalho para mim é tanto me-

lhor quanto mais eu possa fazer o que gosto. O amigo

desse alguém pode pensar que o trabalho é tanto me-

lhor quanto mais ele contribua para resolver proble-

mas sociais e que ele é prazeroso por permitir perce-

ber que os outros se beneficiam dos seus esforços. Claro

que o segundo entendimento é muito mais altruísta do

que o primeiro, mas ambos associam o trabalho ao

prazer. O que engendra tais semelhanças e divergênci-

as? É neste ponto que surge a primeira premissa que

consideramos necessário explicitar. Embora seja

ineliminável da própria condição humana, o trabalho

Page 5: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 27

não é um objeto natural, mas uma ação essencial para

estabelecer a relação entre o homem e a natureza e

entre a sociedade e a natureza (Antunes, 1997). Na

sua condição originária, o trabalho deriva de necessi-

dades naturais (fome, sede, etc.), mas realiza-se na

interação entre os homens ou entre os homens e a na-

tureza. Assim, o trabalho – e a forma de pensar sobre

ele – seguirá as condições sócio-históricas em que cada

pessoa vive. Depende, portanto, do acesso que cada

pessoa tem à tecnologia, aos recursos naturais e ao

domínio do saber fazer; da sua posição na estrutura

social; das condições em que ela executa suas tarefas;

do controle que tem sobre seu trabalho; das idéias e da

cultura do seu tempo; dos exemplos de trabalhadores

que cada uma tem em seu meio, entre outros aspectos.

Sistematizando um pouco mais, podemos dizer que a

forma de executarmos o trabalho e de pensarmos so-

bre o mesmo varia com muitos aspectos, os quais orga-

nizamos didaticamente nas seguintes dimensões:

• Dimensão concreta, que se refere à tecnolo-

gia com a qual se pode contar para realizar o

trabalho, e às condições materiais e/ou am-

bientais em que se realiza, incluindo segu-

rança física e conforto.

• Dimensão gerencial, que se refere ao

modo pelo qual o trabalho é gerido, segun-

do o exercício das funções de planejar,

organizar (dividir e distribuir tarefas), di-

rigir e controlar o mesmo.

• Dimensão socioeconômica, que abrange a

articulação entre o modo de realizar o traba-

lho e as estruturas sociais, econômicas e polí-

ticas em plano macro da sociedade, incluindo

aí aspectos como o ritmo de crescimento eco-

nômico societal, a prosperidade de um setor

econômico, a renda média, o conflito distri-

butivo, o nível de oferta de emprego, a força

de trabalho e outros aspectos sociodemo-

gráficos.

• Dimensão ideológica, que consiste no dis-

curso elaborado e articulado sobre o traba-

lho, no nível coletivo e societal, justifican-

do o entrelaçamento das demais dimensões

e, especialmente, as relações de poder na

sociedade. Deriva diretamente das grandes

correntes do pensamento.

• Dimensão simbólica, que abrange os as-

pectos subjetivos da relação de cada indi-

víduo com o trabalho.

São essas dimensões que compõem o mundo

do trabalho. No presente capítulo, trataremos das

quatro primeiras dimensões. Não estamos exclu-

indo a quinta porque atribuimos maior ou menor

importância, mas porque sendo este livro de Psi-

cologia Organizacional e do Trabalho, será desta

dimensão que a maioria dos capítulos subseqüen-

tes se ocupará primordialmente. À medida que fi-

camos com as demais dimensões, estaremos, por-

tanto, nos propondo a cumprir o papel de descre-

ver o contexto no qual aspectos das relações do

indivíduo com o trabalho (por exemplo, aprendi-

zagem, cognições, emoções, motivação no traba-

lho), dos grupos com o trabalho (equipes de traba-

lho, relações de poder nas organizações) e aspec-

tos simbólicos mais amplos como cultura orga-

nizacional se desenvolvem e/ou são construídos.

Tais dimensões são imbricadas umas nas outras.

Arrolamos anteriormente, por razões didáticas, como

explicitamos. Mas não consideramos que seja igual-

mente didático estruturar nosso texto em função de-

las, posto que outra premissa que assumimos é de

que as interdependências entre elas se estabelecem e

evoluem historicamente. Por isso, nossa proposta é

realizar um excurso histórico pelo mundo do traba-

lho, compartilhando nossa reflexão sobre o mesmo,

nas suas diversas facetas e fenômenos a ele vincula-

dos. Com isso, esperamos fornecer uma visão pano-

râmica do ambiente no qual atua o psicólogo organi-

zacional e do trabalho. A conseqüência desta estra-

tégia é que dividiremos nosso texto segundo cortes

históricos nos quais há maiores mudanças no conjunto

das dimensões do mundo do trabalho. A cada corte,

porém, tentaremos dar conta das quatro dimensões

citadas e levantar questões referentes à dimensão sim-

bólica. Isto não quer dizer que cada corte de tempo

constrói um conjunto de idéias diferentes e, conse-

qüentemente, desaparecem as anteriores. Estas últi-

mas continuam presentes no novo conjunto ou fa-

zendo oposição a esse. É claro que, em cada época,

as idéias da classe dominante são as mais influentes.

Complementando, entendemos que este cami-

nho propiciará uma introdução nas discussões sobre

o tema, partindo (1) da compreensão da construção

histórica do conceito de trabalho e (2) da identifica-

ção das principais mudanças, tendências e desafios

no mundo do trabalho, sem deixar de ter em conta

as disparidades de desenvolvimento e problemáti-

cas vivenciadas no mundo do trabalho no Brasil

como país capitalista periférico.

Cristiano Rodrigues
Cristiano Rodrigues
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28 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

Por fim, compete-nos explicitar um último li-

mite adotado. Nos detemos na história do trabalho a

partir do surgimento do capitalismo por uma questão

de concisão e a fim de priorizar os aspectos mais

diretamente relevantes para a leitura da realidade em

nossos tempos. Todos nós, autores e leitores, vive-

mos num mundo capitalista. Portanto, a curta refe-

rência que faremos aos tempos que antecedem o ca-

pitalismo tem como única finalidade contrastar as

especificidades do mundo capitalista.

A CONSTRUÇÃO DA IDEOLOGIA DA

GLORIFICAÇÃO DO TRABALHO

O conceito do trabalho passou a ocupar um

lugar privilegiado no espaço da reflexão teórica nos

dois últimos séculos. Anteriormente, a reflexão in-

telectual lhe concedeu uma posição de fenômeno

secundário. Mesmo assim, é certo que podemos

falar de trabalho humano desde os primórdios da

humanidade: as comunidades de caçadores e cole-

tores 8.000 anos a.C., a incipiente agricultura no

Oriente Médio, China, Índia e norte da África, o

trabalho escravo nas civilizações antigas e a rela-

ção servil na Idade Média são alguns exemplos.

Existe uma farta e instigante literatura sobre o as-

sunto e com diversos níveis de profundidade que

os diferentes leitores podem buscar ou recorrer.1

Sobre todo esse período, importa-nos apenas

sublinhar que, apesar da secundarização do fenô-

meno, houve vários conjuntos de idéias, como tam-

bém a construção de cada um demandou um lon-

go período histórico e que, mesmo nas sociedades

antigas, conviviam idéias divergentes sobre o tra-

balho, embora com menor poder de influência. As

idéias sobre o trabalho na Antigüidade, mais

referenciada pela literatura, certamente são aque-

las associadas ao pensamento greco-ateniense e às

práticas excravistas no império romano.

A literatura tem resgatado (Anthony, 1977;

Hopenhayn, 2001) o pensamento de Platão e

Aristóteles sobre o trabalho. Tais filósofos clássi-

cos exaltavam a ociosidade. O cidadão, para Platão,

devia ser poupado do trabalho. Aristóteles valori-

zava a atividade política e referia-se ao trabalho

como atividade inferior que impedia as pessoas de

possuírem virtude. Todo cidadão devia abster-se de

profissões mecânicas e da especulação mercantil: a

primeira limita intelectualmente e a segunda degra-

da eticamente. Portanto, a filosofia clássica carac-

terizava o trabalho como degradante, inferior e

desgastante. Ele, o trabalho, competia aos escravos.

Era realizado sob um poder baseado na força e na

coerção, a partir do qual o senhor dos escravos de-

tinha o direito sobre a vida do escravo. Portanto,

este arranjo de valores era possível pela extrema

concentração de riquezas e pela escravidão.

Esta ideologia do trabalho partia de um con-

ceito mais restrito de trabalho, reduzindo-o às ati-

vidades braçais e/ou manuais executadas pelos es-

cravos. A política, atividade superior e dos cida-

dãos, não era considerada trabalho. Aristóteles en-

tendia a escravidão como um fenômeno natural, pois

sustentava que há pessoas destinadas a fazer uso

exclusivo da força corporal e que devem satisfazer

suas necessidades no âmbito restrito das atividades

manuais. Para ele, o escravo jamais estaria apto para

as descobertas e para os inventos e seria esta condi-

ção que determinava a perda da liberdade.

No Império Romano, as guerras e conquistas,

o antagonismo de classe e as crises econômicas que

empobreciam ainda mais as camadas populares ga-

rantiam a abundância de mão-de-obra escrava. Jus-

tamente por estas razões, apesar das contribuições

romanas no campo do Direito, a idéia sobre o tra-

balho não sofreu significativas modificações em

comparação com a reflexão grega. Assim, tanto na

Grécia como em Roma, a escravidão e a estruturação

da sociedade (baseada no escravismo) sustentavam

a forma de pensar clássica sobre o trabalho.

Hopenhayn (2001) chama a atenção, entre-

tanto, para o fato de que nem entre os gregos aque-

las idéias clássicas eram unânimes. Tais idéias re-

presentam o que era dominante no mundo grego,

porém, em Hesíodo (três séculos antes de Platão)

e depois, na religião de mistérios que encarnava a

vontade dos camponeses, assinalava-se que os

Deuses e os homens odeiam aqueles que vivem

inativos, enquanto que exaltam e tomam como sa-

grado o trabalho daqueles que se unem a terra.

1

Para uma abordagem de conjunto sobre desenvolvimento do modo de produção capitalista, ver Dobb (1987). Para uma

discussão sobre as formações pré-capitalistas, veja Marx (1981). Recomendamos também a leitura de outras obras

como Albornoz (1986), Anthony (1977), Hopenhayn (2001).

Page 7: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 29

Caldeus, hebreus, orientais e primeiros cris-

tãos, entre outros, tinham idéias bastante distintas

sobre o trabalho. E muitas mudanças foram acon-

tecendo paulatinamente durante a Idade Média, no

que se refere à economia e à estrutura das socie-

dades, de forma que tais idéias foram se tornando

inadequadas. É com o surgimento do capitalismo

que se constrói e consolida-se uma mudança mais

visível na reflexão sobre o trabalho. Compete-nos

questionar: por quê?

Para Marx (1983), dois fatos principais de-

marcaram o surgimento da produção capitalis-

ta. Um, a ocupação pelo mesmo capital individual

de um grande número de operários, estendendo seu

campo de ação e fornecendo produtos em grande

quantidade. Outro, a eliminação (dentro de certos

limites) das diferenças individuais, passando o

capitalista a lidar com o operário médio ou abstra-

to. Marx assinala que a cooperação, ou

... a atividade de um número maior de trabalhadores,

ao mesmo tempo, no mesmo lugar (ou, se se quiser,

no mesmo campo de trabalho), para produzir a mes-

ma espécie de mercadoria, sob o comando do mes-

mo capitalista, constitui histórica e conceitualmente

o ponto de partida da produção capitalista (p. 257).

Estes dois fenômenos ocorrem com o surgimen-

to da manufatura que, por sua vez, pressupõe um

adiantado processo de acumulação do capital, desen-

volvido no período anterior. Quem detém, portanto,

os meios de produção é o capitalista. O indivíduo

desprovido destes meios não tem como reproduzir

sua existência. Essa situação, que põe de um lado o

dono do capital e de outro possuidores da força de

trabalho, não é um fato natural, mas resultado de um

processo histórico anterior. É esta condição “livre” e

desprovida dos meios de produção do trabalhador

que proporciona a venda da força de trabalho como

uma mercadoria – a única que o trabalhador possui.

Ser mercadoria significa representar um valor de uso

(quando sua utilidade é acessível ao ser humano) e

um valor de troca, ou seja, que tenha valor de uso

para os outros, valores de uso social. Em outras pala-

vras, a situação socioeconômica existente tornava

necessário ao indivíduo, desprovido de tudo, vender

seu trabalho e, ao capitalista, adquiri-lo como meio

de dar prosseguimento à produção de outras mercado-

rias, o que, sendo valor de troca, permite crescer seu

capital. Nesta realidade se funda a noção de contrato

de trabalho, surgindo o trabalho na forma de empre-

go assalariado, como nos referimos anteriormente.

Se nos abstraímos do valor de uso de cada

mercadoria, percebemos que permanece uma pro-

priedade: a de produto do trabalho humano. Portan-

to, um bem tem valor por causa do trabalho humano

nele materializado. Os meios de produção perten-

cem ao capitalista, logo, o produto é propriedade

deste. O trabalhador, que vende sua força de traba-

lho como a qualquer mercadoria, realiza no ato de

venda o valor de troca, alienando o valor de uso no

que produziu. O capitalista prolonga o uso da força

de trabalho em seu benefício, obtendo o lucro da

diferença do que pagou e a quantidade de trabalho

recebida do trabalhador. Assim, a mais-valia é o pro-

longamento do processo de formação de valor, ou

seja, resulta de um excedente quantitativo de trabalho

na duração prolongada do processo de produção.

Ao capitalista interessa, pois, ampliar a mais-

valia. De início, assim o faz por meio do prolon-

gamento da extensão da jornada de trabalho. É a

chamada exploração extensiva. Esta, porém, é li-

mitada tanto concretamente pelo tempo que um

indivíduo pode trabalhar, quanto pelas reações

sociais. Por isso, o capitalista busca modos de au-

mentar a produção de mercadorias exigindo me-

nor quantidade de trabalho. É a mais-valia relati-

va. E o que o capitalista fazia, então, para produ-

zir a mais-valia relativa?

As tentativas de aumento de produtividade (ou

de mais-valia) eram preocupações centrais das obras

de Adam Smith no final do século XVII. Este eco-

nomista atribuía um relevante valor social ao traba-

lho, bem como ao seu parcelamento, uma vez que

advogava que a manufatura surge para aumentar a

abundância geral, difundindo-a entre todas as ca-

madas sociais (Anthony, 1977). Ilustrando este pon-

to de vista, Adam Smith (1978) descreve a fabrica-

ção de alfinetes dividida em 18 operações, apon-

tando as vantagens deste parcelamento para a pro-

dutividade e, por conseqüência, para a sociedade.

Smith postula o aumento de produtividade através

da especialização do trabalhador em uma única ta-

refa. Explica a necessidade da especialização no tra-

balho pela natureza das aptidões individuais. En-

tende que a divisão do trabalho é uma conseqüên-

cia da propensão da natureza humana para permu-

tar, negociar e trocar bens e das faculdades da ra-

zão e da linguagem.

Cristiano Rodrigues
Cristiano Rodrigues
Cristiano Rodrigues
Cristiano Rodrigues
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Page 8: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

30 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

Estes argumentos de Smith são de ordem

naturalizante e divergem da linha de pensamento

que vimos apresentando, procurando explicar a

organização e mudanças no trabalho nas relações

sociais como estabelecidas historicamente. Essa ex-

plicação naturalizante para a divisão do trabalho

permite que o princípio divisor de ricos e pobres

tome uma feição de bem-sucedido e mal-sucedido

(Anthony, 1977), porque em tal explicação, o prin-

cipal requisito para o sucesso é o trabalho duro. Isto

contribuía, também, para criar docilidade e disci-

plina naqueles que pelo trabalho duro “falharam”.

Desta forma, os trabalhadores eram atraídos por

mais salários ou recrutados pela pobreza.

Assim, entendemos que tanto a sofisticação da

divisão parcelada do trabalho, descrita por Smith,

quanto a introdução da máquina, antes de demarcarem

o início do capitalismo, são instrumentos de aperfei-

çoamento do processo de desenvolvimento do capita-

lismo, ampliando a produtividade e/ou a mais-valia.

É preciso entender também que para Smith

(1978) a economia pode produzir abundância geral

graças aos ganhos de produtividade dentro de uma

perspectiva da economia liberal, que valoriza a ini-

ciativa privada. A leitura de seus textos revela uma

hierarquização, desvalorizando o trabalho público

em favor do trabalho privado. A implicação direta

desta hierarquização é advogar a reduzida interven-

ção política na economia:

(...) é da mais alta impertinência e presunção, entre

reis e ministros, pretender interferir na economia das

pessoas particulares, e restringir os seus gastos, seja

por leis suntuárias, seja pela proibição da importa-

ção de objetos de luxo estrangeiros... Que vigiem

bem as próprias despesas, e poderão confiar tran-

qüilamente nas dos particulares (p. 41).

Importa-nos, primeiro, que compreendam que

Adam Smith viveu em uma época em que os gover-

nos absolutistas na Europa, de um lado, protegiam

a burguesia com leis mercantilistas em defesa das

economias nacionais e, de outro, sustentavam o luxo

da nobreza baseados nos valores da Idade Média.

Em continuação, é preciso considerar que, associa-

da à sua crítica à intervenção do poder público,

Smith (1978) diferenciava o trabalho entre produti-

vo e improdutivo (ver Destaque sobre o assunto),

sendo o primeiro aquele que agrega valor e o se-

gundo o que não acrescenta valor sobre nada:

O trabalho de algumas das mais respeitáveis classes

da sociedade é, como o dos servos, improdutivo em

relação ao valor, e não se fixa nem se realiza em

qualquer objeto permanente ou mercadoria vendá-

vel que dure após terminado trabalho, nem dá ori-

gem a valor pela qual uma igual quantidade de tra-

balho pudesse depois ser obtida (p. 27).

Trabalho produtivo e improdutivo

Marx (1975a) desenvolve essa distinção, entre o tra-

balho produtivo e improdutivo, no “Capítulo Inédito D’O

Capital”, parte dos manuscritos de 1863. É importante

salientar que não existe qualquer julgamento de valor

ou da importância do trabalho, nem modalidades que

sejam produtivas ou improdutivas per se. Para Marx,

“é produtivo o trabalhador que executa um trabalho pro-

dutivo e é produtivo o trabalho que gera directamente

mais-valia, isto é, que valoriza o capital” (p. 93).

Portanto, junto à transformação do trabalho em

mercadoria, estabelecida pelo capitalismo emergente,

surgia uma concepção de instrumentalidade econômi-

ca do trabalho, o qual valia tanto mais quanto era ca-

paz de aumentar os rendimentos do detentor do capital.

Esta visão utilitarista do trabalho contradizia os

objetivos de buscar uma máxima lucratividade nos

moldes do regime de trabalho capitalista. É nesse

contexto que Anthony (1977) defende que a cons-

trução do “homus economicus” exigiu o desmantela-

mento do clássico sistema de pensamentos, concei-

tos, compreensões e percepções medievais. Era ne-

cessário mudar a compreensão do próprio homem e

legitimar o lucro. Além disso, o novo modo de pro-

dução trouxe uma série de implicações para a orga-

nização da vida e da sociedade. Por exemplo, sepa-

rou os ambientes doméstico e de trabalho; reuniu um

número imenso de pessoas em um mesmo lugar (a

fábrica), em torno de uma única atividade econômi-

ca; intensificou o crescimento das cidades e a sua

separação do campo. No mundo delimitado da fábri-

ca, a “cooperação” trouxe variadas novidades no pla-

nejamento, na organização e na execução do próprio

trabalho, como a necessidade de padronizar (homoge-

neizar) a qualidade dos produtos e dos procedimen-

tos, bem como a adoção de uma disciplina etc. Estas

novidades justificaram e promoveram o surgimento

das funções de direção e supervisão (gerência), para

fiscalizar e controlar o trabalho. A adaptação do tra-

Page 9: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 31

balhador a tal realidade não ocorreu de forma sim-

ples. Submetê-lo a tais condições foi um desafio.

Existiam, portanto, muitas contradições. A sobrevi-

vência da noção do “livre contrato” do modelo capi-

talista necessitava de uma elaborada ideologia do tra-

balho que o valorizasse em oposição ao ócio.

Weber (1967) desenvolve uma extensiva análi-

se, mostrando que o protestantismo veio oferecer estes

referenciais, permitindo resolver a contradição no

campo da ideologia. A tradição paternalista contribuiu

com um elemento ideológico sobre a relação empre-

gadores e empregados, tornando “natural” a autori-

dade hierárquica, como obrigação religiosa de con-

trolar, bem como a responsabilidade e a esperada obe-

diência. Atividade e cooperação voluntária tornavam-

se mais importantes que depender do empregador.

O referido autor, na sua obra seminal A ética

protestante e o espírito do capitalismo, descreve o

papel da reforma protestante na formulação desta

ideologia. O luteranismo criou a noção de vocação,

que consistia em um chamado de Deus para a reali-

zação de um trabalho secular ou missão. Valorizava,

assim, o cumprimento do dever. E este era o único

caminho para satisfazer a Deus e/ou para conseguir

a salvação. A profissão era concebida então como

um dom divino. Assim, para o autor, “o efeito da

Reforma, como tal, em contraste com a concepção

católica, foi aumentar a ênfase moral e o prêmio reli-

gioso para o trabalho secular e profissional” (p. 55).

As tendências do protestantismo ascético – o

calvinismo, o pietismo, o metodismo e as seitas

batistas – que se seguiram ao luteranismo, vieram

complementar a formulação. Todas exaltavam o tra-

balho para glorificação de Deus e, ao mesmo tem-

po, reprovavam todas as manifestações de compor-

tamento irracional e sem objetivo, juntamente com

o incentivo compulsivo à poupança. Incentivavam

o trabalho sistemático e metódico. Sintetizando,

Weber (1967, p.126) afirma:

Segue-se a exortação de que “aqueles que ganham tudo

o que podem e poupam o quanto podem” também “de-

vem dar tudo o que podem”, para assim crescer na gra-

ça de Deus e amealhar um tesouro do céu.

Para Weber, também é própria destas formu-

lações do protestantismo ascético a noção da prova.

Quanto mais duro se trabalhava, mais se provava ser

merecedor da graça divina. O sucesso (riqueza) era

o resultado deste trabalho duro. Tal formulação em-

prestava legitimidade à distribuição de riqueza e tran-

qüilizava a mente dos ricos. Como complemento, o

protestantismo ascético também atribuía responsa-

bilidade individual para se ter ou não a graça. Só o

indivíduo sabia se era escolhido por Deus ou não. A

ele, e somente a ele, cabia provar o estado de graça,

reconhecendo o chamado de Deus na ação ascética.

Assim, numa economia que nutre uma visão

utilitarista do trabalho, formula-se uma ideologia que

atribui elevada centralidade ao trabalho, independente

de seu conteúdo, associada a uma ética do cumpri-

mento do dever. Toma o trabalho, defende-o e valo-

riza-o como mercadoria, disciplinado, mecanizado,

de larga escala, estritamente supervisionado, exigin-

do requisitos mínimos padronizados, planejado e con-

cebido por especialistas e executado por outros, su-

pondo o livre contrato. Inclui várias cisões dualistas

e valorativas, como improdutivo e produtivo, de exe-

cução e intelectual, operativo e administrativo, pú-

blico e privado, por atividades ocupacionais, cam-

ponês e urbana, artesanal e industrial.

Foi a este processo de elaboração ideológica

do que seja o trabalho e de justificação do esforço e

da submissão, incluindo sua própria exaltação, que

Anthony (1977) designou de glorificação do traba-

lho, e outros autores, de construção da ética do tra-

balho (por exemplo, Bülcholz, 1977). Em síntese,

esta ideologia funda-se numa concepção segundo a

qual o trabalho é uma categoria central que os indiví-

duos devem tomar como prioridade em suas vidas,

porque deverá prover a abundância geral e o sucesso

individual. Por isso, deve ser exercido de forma pla-

nejada, padronizada e disciplinada. Esse trabalho vale

tanto mais quanto seja produtivo (e não pelo seu con-

teúdo). Para atingir estes alvos (valores sociais), é

tratado como uma mercadoria, simplificado, exigin-

do requisitos mínimos de qualificação, mas dedica-

ção máxima. As bases de poder, no espaço de traba-

lho, sustentam-se na propriedade, na concentração

do saber fazer e das possibilidades de conceder re-

compensas e punições nas mãos de uma minoria.

O fato de haver toda uma construção ideológi-

ca não elimina, entretanto, as reais contradições nem

as insatisfações e a capacidade de reação dos traba-

lhadores. Sem dúvida, o desenvolvimento de uma

ideologia que enfatizava a importância do trabalho

durante todo o século XVIII, a partir das formula-

ções econômicas de Adam Smith, apoiada mais di-

retamente no protestantismo, resulta, entretanto, em

uma exploração radical da classe trabalhadora. A

Cristiano Rodrigues
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32 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

história do desenvolvimento capitalista é, também,

a história da resistência dos trabalhadores. Os em-

bates em torno da regulamentação da jornada de

trabalho nas leis fabris da segunda metade do sécu-

lo XIX são exemplos da luta do proletariado para

impor um limite à exploração capitalista.

O sistema de “cooperação”, ao mesmo tempo

em que engendrava todas as novidades já assinala-

das, também reunia as pessoas em grandes massas

trabalhadoras, criando as condições necessárias à

construção da consciência de classe dos próprios

trabalhadores, estimulando o desenvolvimento da

organização trabalhista. É preciso lembrar que nos

países desenvolvidos, o final do século XVIII e todo

século XIX foram marcados pelo desenvolvimento

do movimento sindical. E as principais idéias que

abasteceram as críticas ao regime capitalista foram

as reflexões marxistas sobre esse sistema (ver mais

no Destaque sobre o assunto). Tais idéias continuam

sendo importantes e os conceitos introduzidos por

Marx a respeito do trabalho ainda permanecem em

voga como referência obrigatória para aqueles que

estudam o tema. Por isso, é necessário clareá-los me-

lhor aqui, além do que já foi referido anteriormente.

Enquanto na concepção do trabalho que pro-

curava justificar as relações de produção sob o

regime capitalista a glorificação do trabalho ocor-

re pela formulação ideológica, descrita anterior-

mente, em Marx o trabalho é conceito central em

dois sentidos. Primeiro, porque produz a própria

condição de ser humano, pois Marx (1980) defen-

de que o processo de diferenciação do homem dos

demais animais inicia-se quando aquele produz

seus meios de subsistência ou, em outras palavras,

à medida que é produtor de sua vida material e o

trabalho passa a ser expressão do próprio ser:

A maneira pela qual os indivíduos manifestam a sua

vida reflete muito exatamente o que eles são. O que

são coincide, portanto, com a sua produção, tanto com

o que produzem quanto com a maneira pela qual o

produzem. O que os indivíduos são depende, portan-

to, das condições materiais de sua produção (Marx,

1980, p. 46).

O segundo sentido é expresso pela idéia de que

a história da humanidade é a história das relações

de produção. Marx (1980) e Engels (1986) tomam

o modo de produção como um dos determinantes e

caracterizadores de cada estágio da história da hu-

manidade.

Assim, a produtividade da força de trabalho

varia com o “grau de desenvolvimento da ciência

e a sua aplicação tecnológica, o mundo normal do

processo de produção, a extensão e a eficácia dos

meios de produção e, finalmente, as condições

naturais” (Marx, 1975b, p. 27).

A Exploração nos primórdios do

capitalismo e a reaçãodos trabalhadores

As condições subumanas de trabalho aos quais eram

submetidos os trabalhadores, incluindo mulheres e

crianças, nos primórdios da grande indústria, são

magnificamente retratados por Engels (1986) e Marx

(1983). No livro I d’O Capital, Marx discute os emba-

tes operários em torno das leis fabris inglesas.

Os trabalhadores reagiram àquelas condições, organi-

zando-se politicamente. Engels, ao analisar as greves

operárias da primeira metade do século XIX, demons-

tra que elas expressam a tomada de consciência dos

trabalhadores sobre a necessidade de coesão e soli-

dariedade nas lutas contra o Capital.

Muitos autores têm retomado e aprofundado a análise

desses movimentos, não sobre seu surgimento nos

primórdios do capitalismo, mas levando em conta toda

sua evolução durante todas as fases do capitalismo,

seguindo, portanto, até os nossos dias. Por isso, re-

comendamos, adicionalmente à literatura já citada,

leituras como: Anthony (1977); Antunes (1989),

Braverman (1974), Bicalho-Sousa (1994), Costa

(1995); Hopenhayn (2001); Marx e Engels (1982);

McCarthy (1985) e Ransome (1996).

Para Marx (1975a), a transformação do modo

de produção manufatureira para o modo de produ-

ção capitalista da “cooperação” exige um parcela-

mento progressivo do trabalho em suas operações,

simplificando a atuação de cada um. Tal tipo de

organização do trabalho possibilita a massificação

da produção, característica do sistema capitalista

da época. Esse caráter, por sua vez, subtrai as pos-

sibilidades de identificação do trabalhador com o

produto de seu trabalho. Interliga-se, assim, à con-

cepção da força de trabalho como mercadoria da

alienação do trabalho. Trata-se, então, de alienação

em várias formas. O trabalhador não possui os mei-

os de produção, não tem controle sobre o produto

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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 33

nem sobre o processo de trabalho e, portanto, é su-

primido seu saber fazer e as possibilidades de iden-

tificação com a tarefa e com o produto.2

O parcelamento das tarefas subtrai, também, o

atributo da inteligência do trabalho, de forma que

“quanto mais o operário parcelado é incompleto e

mesmo imperfeito, tanto mais se torna perfeito como

parte do operário completo” (Marx, 1975b, p. 73).

Enquanto o trabalho deveria humanizar o próprio

homem, de fato o subdivide:

Não somente trabalhos parciais são repartidos entre

diferentes indivíduos; o próprio indivíduo é dividi-

do, transformado em mecanismo automático de um

trabalho parcial (...). No início, o operário vende sua

força de trabalho ao capital porque lhe faltam os

meios materiais necessários para a produção de uma

mercadoria; e agora, sua força de trabalho individu-

al recusa qualquer serviço, a menos que seja vendi-

da ao capital. Ela não funciona mais senão num con-

junto que, após a sua venda, existe apenas na oficina

do capitalista (p. 77).

Marx (1975b) também afirma que o modelo

capitalista criou o atributo de monotonia ao traba-

lho, ligada à excessiva simplificação e eliminação da

necessidade de qualificação do trabalhador.

Mesmo a facilidade enorme do trabalho torna-se um

meio de tortura, pois a máquina não dispensa o ope-

rário do trabalho, mas tira-lhe o interesse. Toda a pro-

dução capitalista, enquanto cria não somente valor,

mas ainda mais-valia, tem essa característica: o ope-

rário não domina as condições de trabalho, é domina-

do por elas; mas essa mudança de papéis não se torna

real e efetiva, do ponto de vista técnico, senão com o

emprego de máquina (p. 113).

O pensamento marxiano3

opõe-se ao de Smith

sobre o sentido do trabalho, pois o segundo atribui

um valor social à organização deste, acreditando que

o parcelamento das tarefas conduzirá à abundância

geral, enquanto o primeiro entende que o parcela-

mento das tarefas tem como objetivo o crescimento

da mais-valia relativa, ao retirar do operário um ren-

dimento superior durante o mesmo período de tem-

po (Marx, 1975b). Conseqüentemente, o efeito social,

longe de ser a abundância geral, indesejavelmente é

a acumulação do capital de um lado e a pauperização

das massas de outro (Marx, 1975b).

Em Marx (1975b), o trabalhador é submetido

à exploração por meio das condições materiais e

sociais, às quais não lhe oferecem outra oportuni-

dade de sobrevivência. Inclui, nos condicionantes

da submissão à exploração, a existência do que cha-

ma de exército industrial de reserva. Marx (1980)

afirma que faz parte desse exército todo o trabalha-

dor durante o tempo em que está desempregado ou

parcialmente empregado. E classifica-o em três va-

riações: flutuante, latente e estagnado. A primeira

variação refere-se àqueles trabalhadores ora repeli-

dos, ora atraídos pela indústria, ou seja, por aque-

les temporariamente desempregados. A segunda, re-

fere-se à população trabalhadora rural sempre na

iminência de transferir-se para a área urbana, à

medida que a produção capitalista se apodera da

agricultura. A terceira, à parte da população de ocu-

pação irregular que tem em uma das principais con-

figurações o trabalho domiciliar. Esse “exército”

tende a ampliar-se à medida que o incremento da

acumulação faz aumentar o número de trabalhado-

res supérfluos. Considera, então, como contradição

inerente ao sistema capitalista as queixas contra a

falta de braços, enquanto milhares de pessoas estão

desempregadas, porque a divisão do trabalho os

acorrentou a determinado ramo industrial.

A exploração é um dos pontos centrais na teo-

ria marxiana porque, segundo Marx, o regime capi-

talista caracteriza-se por tomar “a produção da mais-

valia como finalidade direta e móvel determinante

da produção” (Marx, 1980, p. 78). Assim, a explora-

ção, antes de ser uma distorção do capitalismo, é uma

característica inerente a ele.

Em síntese, concluímos que, para Marx, o tra-

balho que deveria ser humanizador, sob o capitalis-

mo é o seu contrário, pois na forma de mercadoria é:

(1) alienante, porque o trabalhador desconhece o

próprio processo produtivo e o valor que agrega ao

produto, além de não se identificar com os produtos

2

A alienação, temática hegeliana, relacionada ao trabalho, foi discutida inicialmente por Marx nos chamados Manuscri-

tos de Paris (1984). Para discussões sobre a questão da centralidade do trabalho nos termos marxistas-luckacsianos, ver

Antunes (1999) e Lessa (1997).

3

É importante esclarecer que o adjetivo “marxiano” se aplica à obra direta de Marx e Engels, enquanto que o termo “marxista”

se refere a todo sistema de idéias e fundamentos no materialismo histórico (consulte, sobre o assunto, Yamamoto, 1996).

Cristiano Rodrigues
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34 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

de seu trabalho; (2) explorador, devido os objetivos

de produção da mais-valia vinculada ao processo de

acumulação do capital; (3) humilhante, porque afe-

ta negativamente a auto-estima; (4) monótono em

sua organização e conteúdo da tarefa; (5) discrimi-

nante, porque classifica os homens à medida que

classifica os trabalhos; (6) embrutecedor, porque,

longe de desenvolver as potencialidades, inibe ou

nega sua existência por meio do conteúdo pobre,

repetitivo e mecânico das tarefas; e (7) submisso pela

aceitação passiva das características do trabalho e

do emprego, pela imposição da organização interna

do processo de trabalho, pelas relações sociais mais

amplas e, especialmente, pela força do exército in-

dustrial de reserva. Observamos que a obra marxiana

não se constitui numa mera crítica ao trabalho sob o

capitalismo, mas cria valores e novas expectativas

em torno do trabalho. Marx entendia que o trabalho

deveria ser humanizador, não-alienado, digno, que

garantisse ao ser humano a satisfação de suas neces-

sidades, racional (com uma divisão baseada em cri-

tério de igualdade entre os homens) e que se consti-

tuísse na principal força na vida dos indivíduos.

Aqui é importante percebermos que tanto a éti-

ca do trabalho, associada à primeira Revolução In-

dustrial, quanto o Marxismo exaltam a importância

do trabalho. No entanto tal importância se funda em

valores sociais distintos. Entre outras diferenças,

importa destacar que a defesa do tratamento do traba-

lho como mercadoria desvaloriza a identificação do

trabalhador com o produto e o processo de seu tra-

balho, ou seja, dignifica ganhar a vida trabalhando,

mas não interessa em quê. A defesa da superação da

alienação no trabalho permite compreendê-lo como

uma categoria importante na construção da própria

identidade do sujeito. O trabalho é, ao mesmo tem-

po, estruturante para a sociedade e para o indivíduo.

Adicionalmente, importa-nos destacar o que

assinala Hopenhayn: a primeira Revolução Indus-

trial imprimiu no trabalho o paradoxo segundo o

qual engendra, de um lado, a máxima sociabilida-

de, pois nunca antes havia se reunido tantos seres

humanos em um mesmo lugar para participar de

maneira organizada na confecção de um mesmo

produto; e de outro, a máxima atomização do tra-

balho, pela organização parcelada deste. Sob o ca-

pitalismo, desde seu surgimento, esses dois pro-

cessos são complementares e interdependentes.

Com a história contada até aqui, expomos três

formas distintas de conceber o trabalho: aquela

oriunda na filosofia clássica, a que emergiu junto

com o capitalismo e a concepção marxista. Cada

uma delas engendrada por um contexto socioeco-

nômico específico.

A SECULARIZAÇÃO DA IDEOLOGIA

DO TRABALHO

A história da formulação da concepção do tra-

balho sob o capitalismo é demarcada por suas pró-

prias crises e pelas suas formas de renovação. No

marco de uma economia livre de mercado, da su-

peração da crise da década de 1870, vai sendo cons-

truído o capitalismo monopolista e/ou oligopolista

(Drucker, 1975; Heloani, 1996; Hopenhayn, 2001).

Tal transição foi marcada por forte recessão e pela

gradual imposição dos trustes e cartéis como ins-

tâncias reguladoras dos preços e mercados. Ocor-

ria, portanto, concentração financeira, que no ní-

vel da produção se traduzia em concentração téc-

nica. A organização dos trabalhadores cresceu du-

rante todo o século XIX, principalmente nos paí-

ses centrais do capitalismo, tornando mais siste-

mática a forma de resistência à exploração ocorri-

da no processo produtivo e complicando as rela-

ções dentro do espaço da fábrica. Para Heloani

(1996) a reordenação do padrão tecnológico que

se seguiu à segunda Revolução Industrial foi

marcada pelo conflito aberto entre capital e traba-

lho. “Neste contexto (...) o capital pretendia ‘socia-

lizar a crise’ através da diminuição de salários; as

greves e o crescimento do movimento de oposição

formam uma conseqüência inevitável” (p. 29). Adi-

cionalmente, é importante lembrarmos que o sécu-

lo XIX é conhecido como o século do iluminismo

e da razão. É esse conjunto de fatos socioeconô-

micos e políticos que cria o contexto favorável ao

incremento na forma de gerenciar o trabalho e as

empresas (administração) e leva à elaboração de

uma sustentação científica para a concepção e or-

ganização do trabalho. É nesse contexto, também,

que surge a chamada administração científica, que

tem entre seus expoentes Taylor e Fayol.

Nas primeiras páginas de sua obra mais co-

nhecida, Princípios da administração científica,

Taylor (1980) define, como objetivo principal dos

sistemas em administração, assegurar o máximo de

prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o má-

ximo de prosperidade ao empregado. A suposição

de identidade de interesses é evidente, pois

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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 35

(...) a prosperidade do empregador não pode existir,

por muitos anos, se não for acompanhada da prospe-

ridade do empregado e vice-versa. (...) É preciso dar

ao trabalhador o que ele mais deseja – altos salários –

e ao empregador também o que ele realmente almeja

– baixo custo de produção (p. 31).

Taylor nega, portanto, a dependência do pro-

cesso de acumulação do capital e de lucratividade

ao processo de exploração do trabalhador basea-

da na ampliação da mais-valia relativa. É, por isso,

classificado por alguns estudiosos (Anthony, 1977)

entre as teorias integrativas que se fundam na no-

ção de conciliação entre trabalho e capital.

A justificação do seu trabalho assenta-se for-

temente em sua avaliação da “vadiagem” no traba-

lho. De acordo com esta avaliação, o trabalhador

procura sempre fazer menos do que pode e que,

quando demonstra interesse em produzir, é perse-

guido pelos demais. Taylor considera, então, a eli-

minação da “cera” e das causas que retardam o tra-

balho importante para reduzir o custo da produção.

Por outro lado, responsabiliza a ignorância dos ad-

ministradores como aliada ao propósito dos traba-

lhadores de “fazer cera”.

Taylor propõe assim a substituição dos méto-

dos tradicionais (oriundos da experiência prática)

pelos científicos, com a adoção do método dos tem-

pos e movimentos para eliminar movimentos desne-

cessários e substituir os movimentos lentos e

ineficientes por rápidos. Acredita que há sempre um

método mais rápido e um instrumento melhor. Para

tanto, é necessária a máxima decomposição de cada

tarefa em suas operações mínimas e a cronometragem

de cada movimento do operário na execução das ope-

rações. Radicaliza a divisão entre concepção e exe-

cução do trabalho ou entre gerência e trabalhadores.

Os gerentes devem reunir todos os conhecimentos

tradicionais antes dos trabalhadores, classificá-los,

tabulá-los, reduzi-los a normas, leis ou fórmulas:

O trabalho de cada operário é completamente plane-

jado pela direção, pelo menos, com um dia de ante-

cedência e cada homem recebe, na maioria dos ca-

sos, instruções escritas completas que minudenciam

a tarefa de que é encarregado e também os meios

usados para realizá-la (p. 51).

Na execução, o trabalhador deve ser poupado

de pensar para que possa repetir os movimentos

ininterruptamente, ganhando em rapidez e exatidão.

Tem, portanto, na padronização, no parcelamento e

na separação da concepção da execução do traba-

lho os principais recursos instrumentais para aumen-

tar tanto a produção quanto o controle sobre ela. E,

sempre perseguindo o aumento da produtividade e

partindo do pressuposto de que os homens não são

capazes de se auto-selecionar, nem de se auto-aper-

feiçoar, propõe a seleção científica de trabalhado-

res e o treinamento sistemático (Taylor, 1980).

Heloani (1996) chama atenção para o fato de que a

adoção da seleção científica exige a explicitação

de um perfil de tarefas e do trabalhador para executá-

las, o que pressupõe uma acumulação anterior do

saber sobre o desempenho da produção. Sua apli-

cação conjuntamente com o treinamento cria um

espaço pedagógico na fábrica de adestramento de

indivíduos, aparecendo como um auxílio ao empre-

gado para que desempenhe melhor a tarefa e, por

conseqüência, passe a ganhar mais. A aplicação do

conjunto dos princípios tayloristas conduz, por meio

do incentivo salarial, o trabalhador a assimilar o

‘desejo’ de aumentar a produção e reorientar sua

percepção para este aumento.

Em síntese, a administração científica, apesar

da pretensa visão integrativa (identidade de propósi-

to entre empregadores/empregados), atribuindo um

elevado valor ao trabalho árduo, simbolizado como

prosperidade, acaba, pelo método que advoga, por

intensificar o processo de exploração e de alienação,

porque radicaliza a monotonia e a cisão entre o pen-

samento e a execução, e amplia a mais-valia relativa.

A defesa da supervisão estrita traz em si a concepção

de um trabalho hierarquizado e/ou subordinado, ba-

seado em uma visão dualista do ser humano.

As contribuições tayloristas na construção da

administração científica são complementadas por

Fayol. Enquanto Taylor se ocupou em estudar o

planejamento da execução das tarefas, Fayol par-

tiu de uma visão macroscópica da organização,

preocupando-se com as funções de gerenciamento.

Para Hopenhayn (2001), a complementaridade

entre as contribuições de Taylor e Fayol e a forma

radical com que aplicaram seus princípios admi-

nistrativos conduziram à máxima coisificação, tan-

to do trabalho quanto do trabalhador, que passou

a ser tratado como um entre outros fatores de pro-

dução. Esse nível de radicalização dos citados prin-

cípios simplifica o trabalho, reduz os requisitos

de qualificação e retira o sentido de velhos valo-

res, como a hierarquia por idade ou por experiên-

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36 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

cia. Hopenhayn sintetiza a fundamentação destas

contribuições em quatro concepções:

• Formalista (da empresa): consiste em per-

ceber a empresa como um conjunto de car-

gos hierarquizados;

• Mecanicista (do operário): defesa de uma

acomodação das personalidades às necessi-

dades organizacionais;

• Naturalista (da organização do trabalho):

defende que o parcelamento das tarefas é

uma tendência natural e não uma constru-

ção social; e

• Hedonista (da motivação): tenta prever o

comportamento, vinculando-o exclusiva-

mente à remuneração do trabalho.

As atividades com os engenheiros da produção

embasavam-se nas mesmas idéias de necessidade de

aproveitamento máximo do tempo, entre outros re-

cursos, buscando um rendimento máximo do traba-

lho e, ao mesmo tempo, as condições físicas neces-

sárias para tornar o esforço fisiologicamente supor-

tável. Perseguiam, assim, os mesmos valores do tra-

balho validados pelo protestantismo ascético, porém

revestidos de racionalidade científica, expressa na

metodologia de pesquisa utilizada, com a observa-

ção, registro e análise do comportamento. Termina-

ram intensificando o parcelamento das tarefas, as exi-

gências por eficiência, bem como os atributos de

monotonia e a falta de conteúdo do trabalho.

Na aplicação dos princípios das abordagens

integrativas, dentro das organizações do setor avan-

çado da economia da época, conviviam-se com ques-

tões, entre as quais: como escolher as pessoas para

exercer os cargos/funções conforme planejados?

Como adaptar os indivíduos às tarefas parceladas e

padronizadas? Como disciplinar cada operário para

garantir a execução coletiva do trabalho? Que apti-

dões o operário deve ter? Que sistema de recompen-

sas é adequado? Questões como estas foram remeti-

das à Psicologia (ver capítulos 15 e 16 neste livro).

De forma paralela e independente do desen-

volvimento dessas tendências na administração,

mas na mesma perspectiva integrativa e movido

pelas mesmas preocupações (o combate aos tem-

pos mortos), surge também o movimento que fi-

cou conhecido por fordismo, devido ao fato de ser

liderado por Henry Ford. Estas contribuições con-

sistiram em inovações tecnológicas (mecanização)

e econômicas (produção em massa afetando as

normas de consumo e de vida), tendo tanto desdo-

bramentos na organização do trabalho quanto na

gestão de pessoal (Leite, 1994; Neffa, 1990).

Neffa (1990) expõe que o American System of

Manufactures cresceu gradualmente durante o sécu-

lo XIX, representando um modelo para todo o mun-

do. No entanto, na fabricação de armas, de máquinas

de costura, de maquinarias agrícolas e de bicicletas,

entre outras, ocorria uma consecução precária dos

objetivos de padronização das partes dos produtos.

O objetivo era, além de controlar a qualidade dos

produtos, reduzir custos de reposição pela possibili-

dade de promover a manutenção dos produtos ao

substituir-se as peças defeituosas. Tal substituição

seria tanto mais possível quanto mais padronizada

fossem suas partes e/ou peças. Ford, na fabricação

de automóveis, deu continuidade a tal modelo, po-

rém avançou na padronização por meio de um conjun-

to de inovações, entre as quais se destaca o uso da

cadeia de montagem sobre a esteira rolante (criada

pelo mecânico William Klann). A produção na ca-

deia de montagem, desde 1913, implicava:

• utilização de moldes, garantindo que as

peças fossem idênticas;

• controle permanente da exatidão das peças;

• uso de máquinas especializadas;

• movimento das peças e seus subconjuntos

na empresa através da esteira, eliminando

o deslocamento dos operários, o que sig-

nificava fluxo contínuo de produção.

Observemos que esse modo de organizar o tra-

balho estabelece o controle do ritmo do trabalho pela

cadência da máquina e não mais pela supervisão hu-

mana direta (Leite, 1994; Neffa, 1990). Mas suas

inovações não ficaram aí. Para enfrentar o ajuste en-

tre oferta e demanda de automóveis, Ford instaurou

uma nova norma de consumo a partir da perseguição

de seu objetivo de produzir um automóvel barato para

o consumo da multidão (produção em massa) e de

uma política de remuneração que ficou conhecida

como five dollar day. Sobre a massificação da pro-

dução, Neffa (1990) ilustra que a empresa Ford, em

1909, produzia 18.664 automóveis ao preço de 950

dólares cada. Em 1920, 1.250.000 automóveis, a um

preço de 355 dólares cada.

Quanto à política salarial, é necessário esclare-

cer que, de um lado, estava associada às intenções de

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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 37

mudança de consumo de Ford, e de outro, visava en-

frentar os problemas internos da empresa referentes

ao gerenciamento de pessoal. A empresa enfrentava

problemas de indisciplina, absenteísmo, rotatividade,

desinteresse pela produção e dificuldades de comuni-

cação e adaptação dos imigrantes. Por isso, tal política

salarial vincula-se a outras iniciativas de gerenciamen-

to de pessoal. O pagamento integral ao empregado

dependia não só da sua produção, mas também de

seus hábitos de vida em geral. Por isso, Ford implan-

tou adicionalmente um departamento social em sua

empresa, que incluía uma enorme equipe de investiga-

dores que desenvolvia todo um trabalho de levanta-

mento de hábitos do empregado, na sua vida na em-

presa e fora dela, incluindo visitas ao empregado,

em sua casa. Os empregados eram avaliados quanto

à dedicação à família, aos cuidados com a casa, à

aplicação do salário, aos hábitos de poupança, ao

uso de bebidas alcoólicas, entre outros aspectos. Como

empregava muitos imigrantes, Ford desenvolveu um

trabalho de educação por meio do qual ensinava aos

seus trabalhadores o idioma inglês e o estilo de vida

americano. Foi bastante criticado por exercer um for-

te controle da vida integral dos seus empregados.

Os altos salários pagos e as mudanças de estilo

de vida provocadas pela Ford, inicialmente, incre-

mentaram a produção. Posteriormente, constituíram-

se em causas de dificuldades da empresa, à medida

que os novos padrões de vida estabelecidos geravam

diferenças nas categorias profissionais. Isso acabou

tornando acertada a política da empresa rival, a Ge-

neral Motors, que investia a partir do reconhecimen-

to da segmentação do mercado de trabalho. Assim,

enquanto Ford insistia na fabricação de um único

modelo de automóvel, a General Motors diferenciou

seus modelos e inovou a comercialização de seus pro-

dutos com a criação da venda parcelada de automó-

veis, financiada pelo setor bancário.

Com as políticas de remuneração do fordismo,

conseguia-se manter os empregados longe dos sin-

dicatos, enquanto o taylorismo mobilizava a oposi-

ção sindical durante a década de 1910. Isso não quer

dizer que os empregados estivessem exatamente

satisfeitos. A mecanização não se diferenciava do

taylorismo em um ponto básico: o esvaziamento do

conteúdo do trabalho. Tanto é assim que a Ford,

que começou aproveitando mecânicos qualificados,

com experiência de outras indústrias, empregava de-

pois uma massa de trabalhadores sem qualificação.

A implantação da esteira transportadora provocou

inicialmente o afastamento do trabalhador de seus

postos, chegando a ser detectada uma rotatividade

dos trabalhadores de 370% ao ano. A adoção da

política five dollar day e a criação do departamento

social rebaixou o índice para 16% em três anos. A

taxa voltou a crescer no ano de 1918, com o início

do recrutamento militar. Os empregados eram atra-

ídos pelos salários e benefícios adicionais pagos pela

empresa, mas a jornada era referida como extenu-

ante a tal ponto que se designavam as conseqüênci-

as do trabalho na cadeia de montagem como fordites.

A queda de rotatividade sob o fordismo en-

contra também outras explicações na literatura.

Assim, Braverman (1974) relata que na Ford, após

a introdução da esteira transportadora, com o ofí-

cio sendo substituído por operações pormenoriza-

das e repetitivas, observou-se o “desgosto do traba-

lhador”, havendo abandono do emprego. Era a re-

pulsa natural do trabalhador contra a nova espécie

de trabalho. Porém, à medida que os concorrentes

adotavam as técnicas de Ford, os trabalhadores eram

obrigados, devido ao desaparecimento de outras for-

mas de trabalho, a submeter-se àquela.

As inovações trazidas pela equipe de Ford ti-

veram forte impacto na organização e gestão do tra-

balho. Porém, quanto à concepção tradicional do

trabalho, deram continuidade às mesmas idéias, in-

tensificando suas características (parcelamento, exi-

gência de eficiência, monotonia, pobreza de conteú-

do) de Taylor e Fayol. Sob Ford, o tratamento do

trabalho como mercadoria e seu caráter instrumen-

tal ficam mais enfatizados, antecipando de certa for-

ma o que veio acontecer na fase posterior, após a

Grande Depressão do começo do século XX (1929).

Importa ainda esclarecer que, embora o tayloris-

mo e o fordismo tenham sido elaborados paralela-

mente, na maior parte de suas características são se-

melhantes, o que leva muitos autores a tratarem-lhes

como um fenômeno complementar. Heloani (1996),

por exemplo, refere-se aos anos 20 (do século XX)

como o período de consolidação do taylorismo-for-

dismo.

Concluindo, essas abordagens integrativas re-

novaram e/ou reafirmaram a concepção capitalista

tradicional do trabalho, negando os antagonismos

de classe que a análise fundada na obra marxiana

apontava, oferecendo a legitimidade científica que

o final de século exigia e sofisticando as dimensões

concreta (tecnologia), socioeconômica e gerencial

do trabalho. Portanto, essas abordagens integrativas

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38 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

vieram substituir o papel de suporte ideológico ao

capitalismo tradicional, oferecido inicialmente pelo

protestantismo ascético, quando este declinou em

aceitação e aprovação social. Ampliaram-se as bases

de sustentação da concepção capitalista do trabalho.

Estas contribuições, que efetivaram a secula-

rização4

da ideologia do trabalho, conseguiram a

maior adesão possível por parte dos empresários

fabris e uma forte rejeição pelos trabalhadores. Isso

não significa que as formulações a partir das religi-

ões tenham sido extintas, mas que o argumento téc-

nico-científico foi agregado. O século XIX foi tam-

bém um período fecundo de elaboração ideológica,

fundando e estruturando várias formas de reação.

Entre elas, destacamos a da Igreja Católica, pela

repercussão nos países de sua influência: em 1891,

a Encíclica Social Rerum Novarum (ver Destaque

a seguir), do Papa Leão XIII, ratifica as premissas

escolásticas de desigualdades intrínsecas entre os

seres humanos, o caráter expiatório do trabalho e

desenvolve argumento em favor da conciliação en-

tre trabalho e capital, condenando a violência de

ambos e censurando tanto o descumprimento de

obrigações do trabalho quanto o pagamento de sa-

lário insuficientes para assegurar a existência.

Outro destaque das reações do final do século

XIX e início do século XX foi a fertilidade sindical.

Multiplicaram-se as tendências, entre as quais cres-

ceram as correntes anarquistas e socialistas (Anthony,

1977). Todas elas partiam do papel central do traba-

lho na vida das pessoas e na organização da socieda-

de. Surgiram os movimentos de greves gerais. Data

desse período o surgimento do sindicalismo no Brasil,

com os primeiros núcleos operários em São Paulo e

Rio de Janeiro (Antunes, 1989). Araújo (1982) rela-

ta a inexistência de qualquer política salarial no Bra-

sil neste período e o intervencionismo do Estado em

assuntos econômicos. O governo simplesmente res-

pondia aos problemas. Predominavam as péssimas

condições de trabalho como a inexistência de qual-

quer assistência médico-hospitalar, extensas jorna-

das de trabalho, ausência de descanso semanal. Com

a sucessão das greves do início do século, em 1917

surgem vários projetos de lei regulamentando o traba-

lho (jornada de trabalho, trabalho feminino, trabalho

de menores, creches em estabelecimentos industriais,

contrato de aprendizagem). Todas estas regulamenta-

ções focalizavam o trabalho urbano, minoria em um

país eminentemente agroexportador (Fausto, 1986).

O período sobre o qual estamos tratando cons-

tituiu-se em um dos mais efervescentes da história

da humanidade. Do primeiro conflito bélico que en-

volveu a maior parte do planeta até os acontecimen-

tos que culminaram na Revolução de Outubro, em

1917, na Rússia, desencadeou-se uma reação em ca-

deia que dividiu o mundo em dois blocos antagôni-

cos. Após a Segunda Guerra Mundial, esta divisão

engendrava a chamada Guerra Fria, que marcou pro-

fundamente as relações geopolíticas até o último quar-

to do século XX. De forma mais simples, podemos

dizer que, a partir da revolução, espalhou-se o cha-

mado “medo vermelho” no mundo ocidental. A mai-

or crise econômica do século (a Grande Depressão),

a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial

são acontecimentos que marcam a primeira metade

do século XX5

e que tiveram forte impacto no mun-

do do trabalho e nas formulações das idéias sobre o

tema, como veremos na seção subseqüente.

4

Fenômeno histórico dos últimos séculos, pelo qual as crenças e instituições religiosas se converteram em doutrinas

filosóficas e instituições legais (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa).

5

Para quem deseja compreender de forma mais aprofundada o quadro socioeconômico e político do início do século XX,

certamente é relevante saber que Hobsbawm (1995) faz um importante balanço do século XX. Para uma introdução ao

estudo do “século do imperialismo”, recomendamos ver Sader (2001).

Encíclica social Rerum Novarum

Devido à sua repercussão e à importância de docu-

mentos desta natureza para os países nos quais pre-

dominam a religião católica, muitos autores que discu-

tem a história do trabalho ou o seu conceito têm se

detido em sua análise. Assim, Hopenhayn (2001) ar-

gumenta que tal Encíclica se constituiu em forte crítica

às condições de trabalho para a época. Brief e Nord

(1990) afirmam que revela que a igreja católica havia

absorvido uma visão extrínseca do trabalho, porque o

analisa dentro de um quadro social amplo no qual o

foco na qualidade de vida geral, na justiça e na harmo-

nia social não se centra no trabalho, ou seja, não dis-

cute seu conteúdo. Antunes (1989) destaca a influên-

cia da referida encíclica papal em uma corrente sindi-

cal italiana, que se fundamentava na idéia da colabo-

ração social, rejeitando a violência e a luta de classes.

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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 39

A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE

DO BEM-ESTAR

Os fatos históricos referidos anteriormente con-

figuraram um cenário de comoção social na primeira

metade do século XX, demandando uma retomada

do progresso econômico, de produtividade/consu-

mo e um arrefecimento dos conflitos trabalhistas.

Importa aqui explorar o que foi construído no cam-

po gerencial e socioeconômico para a superação de

tal situação afetando o mundo do trabalho. O pri-

meiro fato a ser sublinhado e, certamente o mais

marcante, são as mudanças no plano econômico,

destacando-se aí o keynesianismo que surgiu em

oposição às idéias liberais que dominavam o mun-

do capitalista até aquele momento, as quais nos re-

ferimos anteriormente citando as idéias de Adam

Smith. Segundo Pinho (1983), Keynes, negociador

do pós-guerra inglês, considerava o capitalismo não-

regulado incompatível com a manutenção do pleno

emprego e da estabilidade econômica. Suas idéias

incentivaram a regulação do mercado pelo Estado

e deram nova conotação ao consumo, entendendo-

o como necessário à prosperidade. O mesmo autor

assinala que as obras de Keynes apresentaram um

programa de ação governamental para a promoção

do pleno emprego e tiveram tamanho impacto que

sua atuação, e a de seus seguidores, passaram a ser

conhecidas como “revolução keynesiana”.

O keynesianismo conduz a análise do mercado

de trabalho de um plano microeconômico para um

macroeconômico. Compreende que a dinâmica do

mercado de trabalho está subordinada a uma série de

variáveis macroeconômicas. Rejeita a idéia de pleno

emprego como uma situação de equilíbrio espontâ-

neo, derivado exclusivamente do equilíbrio entre ofer-

ta e demanda de emprego; em vez disso, defende que

a situação de pleno emprego, para ser atingida, de-

manda a regulação planejada e governamental. Se-

gundo Alexandre e Rizzieri (1983), o equilíbrio

macroeconômico, ou o equilíbrio da renda nacional,

corresponde à coincidência entre a remuneração dos

fatores de produção (salários, juros, lucro e aluguel)

e os gastos em bens e serviços de consumo e investi-

mento. A análise macroeconômica estuda e estabelece

a relação entre variáveis amplas da economia, como

nível de consumo, investimento, gastos do governo,

arrecadação de tributos e balanço do comércio exte-

rior. Portanto, compreende a dinâmica do mercado

de trabalho inserido na economia nacional como um

todo, de forma que o capitalista determina preço e na

mesma proporção determina salário real. Por isso,

recomenda a fixação de um marco-jurídico-legal con-

sistente que, impondo limites a assuntos como a ex-

tensão da jornada de trabalho, o salário, a instauração

de salários indiretos, promove a repartição dos ganhos

de produtividade e a estruturação de assistência aos

desempregados e acidentados. Leite (1994) resume

o assunto, afirmando que o sistema proposto por

Keynes estabelece um equilíbrio baseado na proteção

social e na distribuição de ganhos de produtividade.

Importa-nos explicitar que o modelo keynesia-

no, ao abordar o trabalho dentro de um conjunto mais

amplo de variáveis, traz implícita uma concepção

mais complexa do próprio trabalho (em comparação

com as abordagens clássicas e neoclássicas). A natu-

reza do trabalho, seus requisitos e os resultados ge-

rados para o indivíduo não variam necessariamente

juntos, uma vez que se associam cada um desses as-

pectos (e todos) a outras variáveis econômicas.

Um ponto central na abordagem keynesiana

da economia é a noção de ciclo progressista ou

virtuoso, no qual o consumo gera demanda de pro-

dutos, que gera empregos e estes, por sua vez,

mantêm ou aumentam os níveis de consumo. Tal

ciclo progressista consiste em fazer girar ou mo-

vimentar os recursos econômico-financeiros. Para

o ciclo ser mantido, demanda novos aumentos de

produtividade do trabalho, o que é buscado no

taylorismo-fordismo, o que recupera assim o modo

de organização do trabalho da fase anterior dentro

de novos marcos socioeconômicos.

Seguramente o leitor já deve ter se dado conta

que tais idéias são opostas à economia clássica do

ponto de vista dos valores subjacentes: (1) partiu-

se de uma posição que valoriza o trabalho produti-

vo (segundo o conceito de Adam Smith), colocan-

do em pólos opostos o público e o privado, discrimi-

nando o primeiro, e que, exalta a poupança (refor-

çado pelo protestantismo); (2) passou-se a uma po-

sição que valoriza positivamente a intervenção do

Estado e, conseqüentemente, o serviço público e os

hábitos de consumo. Em outras palavras, Keynes

elucidou a inter-relação entre público e privado,

passando a ter em conta sua intercomplementaridade

e/ou interdependência. Sua concepção não é, po-

rém, contraditória ao taylorismo nem ao fordismo,

enquanto modelos de organização do trabalho. Em

relação a este último, o keynesianismo vem, inclu-

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40 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

sive, fortalecer suas normas de consumo, a noção

de produção em massa e a política de remuneração.

É nesse contexto de buscar estabelecer um ci-

clo progressista na economia e de aceitação da ne-

cessidade da regulação estatal que mudaram também

aspectos das relações de trabalho. A mobilização e a

luta dos trabalhadores organizados conquistaram o

reconhecimento do direito de organização e de ne-

gociação coletiva. Heloani (1996) demarca essa

mudança com alguns fatos: os sindicalistas exercem

pressão, alegando direitos de organização e de nego-

ciação coletiva; é aprovado o Wagner Act, legislação

que confirma o direito de liberdade de organização

para os trabalhadores; ocorre a criação do National

Labor Relations Board para acompanhar as negocia-

ções; desenvolve-se um movimento de ocupação das

fábricas a partir de setembro de 1935, culminando

com a greve na General Motors Corporation (que,

em abril de 1937, aceitou as convenções coletivas

como instrumento de negociação salarial). A relação

salarial funda-se na busca do pleno emprego, na eleva-

ção das remunerações, no emprego por tempo com-

pleto, estável e de contrato por tempo indeterminado,

na importância dos incentivos econômicos e no pacto

social baseado nas convenções coletivas de trabalho.

Para estudiosos da escola regulacionista (ou

institucionalista) francesa, como Lipietz (1991) e

Neffa (1990;1995), surge, portanto, um novo mode-

lo de desenvolvimento apoiado no seguinte tripé: (1)

organização do trabalho sustentada no taylorismo-

fordismo; (2) regime de acumulação do capital sob a

lógica macroeconômica (keynesiana), que requer o

estabelecimento de um ciclo progressista da econo-

mia e (3) modo de regulação de conflitos com larga

institucionalização (legislação social, regras de mer-

cado, orçamento público, etc.). Tal modelo tem nas

convenções coletivas de trabalho seu principal ins-

trumento para lidar com os conflitos capital-traba-

lho. É a esse modelo que se designa comumente de

Estado do Bem-Estar (Welfare State), de Estado-Pro-

vidência, de compromisso keynesiano ou, ainda, com-

promisso fordista. Liepitz prefere o último termo,

porque toma como pressuposto básico do modelo a

conexão entre produção em massa crescente com con-

sumo de massa crescente. Além disso, significa a

aceitação de um modelo de vida americano, fundado

na busca de felicidade por meio do aumento do con-

sumo de mercadorias por todos.

A aplicação deste modelo de desenvolvimen-

to levou a uma fase de acentuado progresso nas dé-

cadas de 1940 e 1950 nos países centrais do capita-

lismo, de modo que ficou conhecido como a Idade

de Ouro do capitalismo (Lipietz, 1991). Nos países

subdesenvolvidos, foi tomado como um ideal a ser

alcançado.

Na organização do trabalho, esse modelo sig-

nificou a consagração da administração clássica,

expressando as cisões desta no tempo e no espaço

físico da empresa, ou seja, delimitando espaços es-

pecíficos para as tarefas de concepção, desenho,

programação, controle e execução. As decisões so-

bre concepção, produção, gestão e comercialização

ocorrem em geral em um espaço totalmente separa-

do da fábrica ou da oficina. Cresce em importância

o papel atribuído à mecanização e às inovações

tecnológicas, que passam a se constituir no princi-

pal pilar de busca de aumento de produtividade.

A novidade nesse paradigma é o estreitamento

do vínculo entre consumo e produtividade, o que, na

elaboração das concepções do trabalho, representa

uma ênfase em significados instrumentais (busca do

salário e do consumo, benefícios sociais e seguri-

dade). Mantidas as cisões do taylorismo, o trabalho

representa exclusivamente instrumentalidade para

aqueles que o executam e possibilidade de expres-

são da personalidade para os que cuidam da sua con-

cepção e gestão. Para os primeiros, essa instrumen-

talidade poderia tomar a forma alienante de troca da

possibilidade de expressão pelos ganhos instrumen-

tais (elevação dos salários, programas de benefícios

sociais). Portanto, mantinham-se as contradições já

analisadas pelos teóricos marxistas. Ou seja, o traba-

lho continuava a ser tratado como uma mercadoria e

permaneciam seus atributos de alienação, monoto-

nia e embrutecimento. Dessa forma, são mantidas as

críticas sociais e o desinteresse do trabalhador pela

tarefa em si. Além disso, a mão-de-obra disponível

rareava, o que era causado pelo ideal do pleno em-

prego ou pelo desfalque produzido pelas guerras,

entre outras razões. Essa realidade tornava o geren-

ciamento do trabalho dentro da empresa mais com-

plexo. Diante de um trabalhador com mais poder de

barganha, a qualidade do desempenho e da dedica-

ção exigia um apelo ideológico mais sutil à impor-

tância do trabalho. Da mesma forma, a variação do

desempenho entre os indivíduos demandava uma ex-

plicação mais complexa. É neste contexto que, se-

gundo Anthony (1977), o gerente de pessoal ganha,

aos poucos, nova posição de destaque. E, à medida

que a sua profissionalização ganha ênfase, diversifi-

Page 19: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 41

ca-se o que lhe é oferecido em suporte, tal como equi-

pe de pessoal, ensino especializado e treinamento. A

influência das ciências humanas ocorre numa dire-

ção em que a continuidade da exortação seria uma

confissão de falha do processo de integração psico-

lógica e social. Conseqüentemente, a ideologia geren-

cial pode ser caracterizada em vários fios: ambiente

reforçador, suporte técnico para medir, controlar,

monitorar e reforçar o desempenho e continuada fonte

de legitimação da autoridade. O leitor há de convir

que, durante o período do Estado do Bem-Estar, a

atividade e a produção de conhecimento sobre o ato

de gerenciar alcançaram tamanha fertilidade que sur-

giram diversas abordagens e teorias sobre o assunto

(por exemplo, a burocracia, a teoria estruturalista das

organizações, administração por objetivos, entre ou-

tras). A administração ganha cada vez mais em

profissionalização e sofisticação. Sobre esse tema há

mais detalhes no capítulo sobre as organizações.

Para Anthony (1977), a concepção gerencia-

lista do trabalho diferencia-se da capitalista tradici-

onal no que se refere à base de poder (de controle

do trabalho), que deixa de ser exclusivamente a pro-

priedade e busca outras formas de legitimação. E

passa a necessitar da aprovação daqueles sobre

quem é exercida a autoridade (o trabalhador) e re-

quer o desmantelamento da base de poder anterior-

mente estabelecida.

Anthony argumenta que as primeiras funda-

mentações do gerencialismo encontram-se na abor-

dagem da administração científica com Taylor, posto

que havia mudança da base de poder que, aos pou-

cos, se transferia da propriedade para o domínio da

técnica e do saber. O gerencialismo tem como eixos

centrais a racionalidade econômica, os valores liga-

dos ao crescimento econômico, a noção de progres-

so econômico, a profissionalização da gestão e a

focalização da eficiência e da produtividade em vez

de “lucro”, palavra banida mesmo na cultura domi-

nante das sociedades industriais. O gerencialismo,

pois, cria, ao mesmo tempo, novas demandas para

as ciências humanas e vem encontrar sua operacio-

nalização nos serviços científicos da Psicologia e

da Administração.

Nesse contexto, novas questões são postas pe-

las organizações aos psicólogos: Como liderar? Como

motivar? Como combater a rotatividade? Como pre-

parar gerentes? Quais as habilidades gerenciais?

Como as organizações podem mudar para adaptar

melhor seus empregados? Como negociar? Como

tornar as comunicações internas da organização mais

eficientes? Como funcionam as redes informais de

comunicação dentro da organização? Como selecio-

nar, tendo em vista um emprego de longo prazo?

Como atrair pessoal para a empresa? Quais as con-

dições ideais de trabalho? Qual o efeito das relações

interpessoais no desempenho? Qual a medida certa

de incentivo para cada empregado? Questões como

essas sublinham as mudanças de demanda que tive-

ram implicações tanto na atuação profissional quan-

to na produção de conhecimentos da psicologia (Ca-

pítulos 15 e 16, neste livro).

Em síntese, o modelo de desenvolvimento do

Estado do Bem-Estar inaugura uma nova visão de

progresso associado à idéia de bem-estar social. Ocor-

re um distanciamento da noção clássica do sucesso

como conseqüência do trabalho duro. O trabalho

mantém seu papel instrumental para fins econômi-

cos/salariais, e também para possibilitar qualidade

às relações interpessoais e de bem-estar. Desta for-

ma, entre os principais valores da concepção geren-

cialista está a busca do progresso (incluindo a valori-

zação da mecanização) que, por sua vez, viabiliza

buscar no trabalho satisfação socioeconômica e

interpessoal. Como a noção de progresso keynesiana,

criava um vínculo estreito entre o consumo e o traba-

lho, rompendo com as noções ascéticas da concep-

ção capitalista tradicional, o gerencialismo traz uma

redução na centralidade do trabalho em comparação

com as concepções referidas anteriormente (capita-

lismo tradicional e tradição marxista).

É importante que o leitor esteja atento à diver-

sificação do mundo do trabalho. Apesar da influên-

cia do modelo de desenvolvimento do Estado do

Bem-Estar, ele não foi aplicado homogeneamente

em todo o mundo, nem em todos os setores econô-

micos, principalmente no que diz respeito ao modo

de organização do trabalho (taylorismo-fordismo).

Marglin (1980), discutindo a origem da divisão par-

celada do trabalho, destaca que a sua suposta “su-

perioridade técnica” não justifica sua adoção. Ar-

gumenta que o capitalista só aplicou os princípios

tayloristas-fordistas quando foi necessário incapa-

citar o operário para desenvolver o trabalho por

conta própria. Isso explica, por exemplo, por que

não foi aplicado na indústria carbonífera ou na cons-

trução civil.

Na indústria carbonífera britânica, a explora-

ção por meio de equipes polivalentes mostrou-se

mais produtiva. Os riscos dos capitalistas eram

Cristiano Rodrigues
Page 20: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

42 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

poucos, dado que as jazidas de carvão eram raras,

de modo que os mineiros não podiam produzir por

conta própria (Marglin, 1980).

Na construção civil,6

um dos setores mais

nacionalistas no Brasil, a execução do trabalho

mais se assemelha à organização dos ofícios (pe-

dreiros, eletricistas, encanadores, etc.). É, também,

justamente um setor em que predomina o recruta-

mento de pessoal de baixa qualificação, embora

nos anos mais recentes tenha iniciado seu investi-

mento em educação dos trabalhadores, existindo

em quase todo território nacional um programa de

educação fundamental no canteiro de obra. Isso

não quer dizer que reivindicações típicas da fase

do Estado de Bem-Estar não tenham permeado a

vida dos operários da construção civil. As lutas

por melhores condições de trabalho estão presen-

tes entre esses trabalhadores. Muitas vezes, ques-

tões como o controle dos acidentes de trabalho

tenham sido “resolvidas”, como em outros setores

da indústria brasileira, apenas pelo acréscimo de

adicionais salariais por risco e não pela efetiva pre-

venção dos acidentes de trabalho. Esse tipo de so-

lução é coerente com uma visão de mundo na qual

o consumo está entre seus principais valores.

Além deste aspecto, e apesar das tendências

econômicas serem impostas pelos países avança-

dos, é necessário considerar que as particularida-

des históricas de cada país condicionam formas

peculiares de desenvolvimento. No Brasil, a absor-

ção do modelo foi intermediada pelo “capitalismo

tardio”7

e pelas desigualdades entre regiões e seto-

res econômicos. A construção do modelo de desen-

volvimento em foco pressupõe um parque industri-

al já desenvolvido, como descrevemos anteriormen-

te. Nos setores nos quais já se observava o avanço

da industrialização, também se observava o avanço

da organização trabalhista. O Estado brasileiro rea-

giu, regulamentando as relações trabalhistas, o que

certamente ganhou maior expressão com a Conso-

lidação das Leis Trabalhistas (CLT). Tal marco ju-

rídico na nossa história ocorre em um contexto de

governo autoritário (Getúlio Vargas),8

o que afasta

o caráter protecionista da CLT dos princípios

keynesianos, como foram concebidos e aplicados

em países como os EUA e a Inglaterra. A CLT esta-

belece benefícios como o salário-mínimo, a cartei-

ra profissional, a limitação da jornada de trabalho,

as férias, as normas de segurança, etc. Mas, ao mes-

mo tempo, intervém na organização dos trabalha-

dores, favorecendo o surgimento do assistencialismo

e estabelece o imposto sindical.

O processo de industrialização no Brasil e o

surgimento e a consolidação de um setor de serviços

intensificaram-se, principalmente, numa perspectiva

de internacionalização da economia brasileira na

década de 1950, período no qual a lógica do “ciclo

progressista” do keynesianismo certamente influen-

ciou mais claramente a condução da economia e a

regulação das relações de trabalhistas. Com a dita-

dura militar, após o golpe de 1964, o processo foi

abortado, posto que toda a organização popular e de

trabalhadores sofreu forte repressão. Sem a resistên-

cia dos trabalhadores, o compromisso fordista, além

de periférico, perdeu sua bilateralidade. As medidas

protecionistas e as políticas de altos salários típicos

do Estado do Bem-Estar não passam a predominar

no cenário do mundo do trabalho no Brasil, o que,

por sua vez, constitui-se em uma das razões da situa-

ção de má distribuição de renda existente até hoje no

país. Por razões como estas, não é possível afirmar

que o Brasil tenha desenvolvido um Estado do Bem-

Estar, vivenciado pela totalidade dos brasileiros, em-

bora este seja um tema controverso.9

Contudo não se

pode negar que determinados princípios tenham sido

incorporados por setores avançados da economia

(como a indústria automobilística), nas empresas es-

tatais e de economia mista. Mas para maior parte dos

brasileiros era como uma espécie de modelo a ser

atingido ou simplesmente um mundo totalmente des-

conhecido. Mesmo assim, o padrão salarial e de be-

nefícios dos setores avançados servia de critério para

6

Sobre o assunto, sugerimos a leitura de Bicalho-Sousa (1983 e 1994), Borges e Tamayo (2001), Borges (1996), Borges,

Ros-García e Tamayo (2001).

7

Para uma discussão do conceito de “capitalismo tardio”, uma referência é o texto de Mandel (1985). Mello (1986) trata

da questão com relação ao Brasil.

8

Para uma análise do contexto histórico no qual a CLT foi promulgada, ver, dentre outros, Fausto (1991) e Skidmore (1996).

9

Para uma discussão desta questão, ver, entre outros, Draibe (1993).

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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 43

a economia como um todo. Lembremos que a maior

parte da legislação trabalhista brasileira de caráter

protecionista foi elaborada a partir da década de 1930,

tendo na Consolidação das Leis Trabalhistas o seu

principal marco jurídico. E continuou desenvolven-

do-se ao longo dos anos.

A falta de um efetivo Estado do Bem-Estar no

Brasil e o prolongamento da ditadura militar fize-

ram que algumas conquistas de melhores condições

de trabalho ocorressem tardiamente, entre o final

da década de 1970 até meados da década de 1980,

a partir do processo de abertura democrática do país.

Ressurgiu então o sindicalismo organizado no

país com forte poder de mobilização (ver Destaque

a seguir sobre o novo sindicalismo). Obviamente, o

aumento da visibilidade ocorria em setores mais

avançados da economia e no setor público. Os tra-

balhadores de muitas categorias ampliaram suas

conquistas e direitos nesta fase. Assim, usando no-

vamente a construção civil como exemplo, são des-

ta fase conquistas no campo alimentar, saindo do

“queima-lata” para a cantina e/ou restaurantes (mes-

mo em forma de improvisação típica do canteiro de

obra) mantidos pela empresa e, em outros casos, o

fornecimento do bônus alimentar. É óbvio que as

condições continuaram precárias, existindo uma

série de queixas neste sentido até os dias atuais que

são inclusive objeto das negociações coletivas.

Outros setores da economia brasileira, como

o setor informal, já amplo nesse período, visto que

nunca vivemos uma situação de pleno emprego, e

o setor agrícola estiveram muito distantes desse

modelo, o que continua desafiar o pesquisador

brasileiro em buscar uma compreensão mais clara

das idéias que permeavam tal realidade.

Além da falta de homogeneidade da própria

aplicação do modelo, é importante também que te-

nhamos claro que este não foi aceito de forma unâni-

me pela sociedade. A instrumentalidade do trabalho

sob o gerencialismo (troca de trabalho empobrecido

no conteúdo por recompensas salariais/ financeiras,

assistenciais e interpessoais, busca de equilíbrio rea-

lista e possível, com uma organização do trabalho

baseada na mecanização, na divisão parcelada do tra-

balho e na estrita supervisão, ao mesmo tempo em

que acenava para satisfação do consumo) implicava,

no nível do individual, vivências conflituosas reche-

adas de sofrimento. Talvez, para a grande maioria,

aquela troca era persuasiva o suficiente para fazer

calar os desejos, mas não para eliminá-los. Essa

vivência “repressiva” certamente não ocorria passi-

vamente e na mesma intensidade para a totalidade

da população. As contestações, que não foram au-

sentes, desde os movimentos trabalhistas até no cam-

po ambiental, ganharam grande repercussão nos

movimentos políticos e contraculturais dos anos

1960, principalmente nos países centrais do capita-

lismo. Tinham tanto a marca da radical contestação

e o desafio direto ao sistema, como da contestação

do consumo como símbolo de felicidade e, ao mes-

mo tempo, traziam a esperança por um mundo novo

e mais humano. A juventude protestava contra as atro-

cidades da Guerra do Vietnã, rebelava-se por meio

do movimento hippie contra a própria racionalidade

da sociedade de consumo, e simultaneamente, ace-

nava paz e amor. Compreendamos que contestar a

importância do consumo é contestar um valor cen-

tral do modelo de desenvolvimento capitalista. Se o

trabalho era importante como instrumental para ga-

rantir o consumo, então, sua concepção também es-

tava sendo contestada.

No Brasil, sob um regime ditatorial pós-1964,

que proibiu parte dos movimentos populares, tam-

bém continuava a florescer a crítica, mesmo que

mais sufocada e mais sutil. No campo político,

multiplicavam-se os partidos e as organizações

clandestinas. Parte da Igreja Católica alimentava

movimentos que cultivavam o que podemos de-

signar como uma espiritualidade engajada social

e politicamente, os quais eram simultaneamente

estimuladores da crítica e da fé na transformação

do mundo. No âmbito das artes, as demonstrações

são inúmeras, mas podem ser bem-ilustradas pela

composição musical de Chico Buarque, quando fa-

lava, por exemplo, em “grito contido”.

Em outra música, Construção, o mesmo com-

positor fala do operário da construção civil, fazendo

poesia do seu sofrimento, que aparece diretamente

na forma de despersonalização (desumanização), vida

sem significado, totalmente desvalorizado e

desprotegido. Veja a seguir um trecho da composição:

Subiu a construção como se fosse máquina/ ergueu

no patamar quatro paredes sólidas/ tijolo com tijolo

num desenho mágico/ seus olhos embotados de se-

mente e lágrima,/ sentou para descansar como se fos-

se sábado/ comeu feijão com arroz como se fosse um

príncipe/ bebeu e soluçou como se fosse um náufra-

go,/ dançou como se ouvisse música,/ e tropeçou no

céu como se fosse um bêbado/ e flutuou no ar como

fosse um pássaro/ e se acabou no chão feito um paco-

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44 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

te flácido/ agonizou no meio do passeio público/ mor-

reu na contramão atrapalhando o tráfego/(...)

Como dissemos, as críticas partiam de diversi-

ficadas fontes, inclusive das ciências humanas. Já

citamos algumas das questões que foram dirigidas

à Psicologia pelas organizações da época. À me-

dida que a Psicologia, a exemplo de outras ciênci-

as (Administração, Sociologia, etc.) construíam

suas respostas, também expunham tanto os preju-

ízos dos indivíduos submetidos àquela organiza-

ção do trabalho quanto os da sociedade como um

todo, terminando por alimentar as críticas formu-

ladas a partir de outras fontes (opinião pública,

artistas, etc.). No que se refere à Psicologia, o lei-

tor poderá constatar – à proporção que o presente

livro avançar para a abordagem das teorias da

aprendizagem, das motivações, da satisfação, das

cognições, da liderança no trabalho – que os mo-

delos, explicações e relações encontrados entre

construtos contradizem a adequação dos princípi-

os do taylorismo-fordismo na promoção e/ou ma-

nutenção do bem-estar humano ou na valorização

daquelas características genuinamente humanas.

No entanto a apropriação efetiva dos saberes pro-

duzidos pelas ciências para fundamentar as críti-

cas à organização do trabalho taylorista-fordista

só conseguiu maior porte, arrojo e repercussão no

período em que a crise do modelo de desenvolvi-

mento do Estado do Bem-Estar tornou-se mais

O novo sindicalismo

A reorganização do movimento operário, resultado de anos de luta, vem a ser conhecido como o “novo sindicalismo”,

vindo à tona no ano de 1977. O tema do “novo sindicalismo” começa a ser estudada por Maria Hermínia Tavares de

Almeida, em publicação de 1975, na qual a autora identificava um grupo dirigente de um “setor moderno” dos trabalha-

dores – os metalúrgicos, particularmente de São Bernardo do Campo (SP) – como “o embrião de uma nova corrente

do movimento sindical brasileiro” (Almeida, 1975, p. 71). A emergência desses novos protagonistas enquanto um dos

pontos-chave do “novo sindicalismo” é reiterada pela autora (1983, 1988), e destacada por Moisés (1982). Keck (1988,

p. 393) assim resume as características distintivas do “novo sindicalismo”: uma ênfase na organização de base, com

conseqüente aproximação liderança-base; reivindicações no sentido de uma radical revisão da legislação sindical,

particularmente no tocante à autonomia com relação ao Estado, além de uma disposição para a militância.

O momento emblemático do ressurgimento do movimento sindical são as greves anuais dos metalúrgicos de São

Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Santo André e Diadema (ABCD paulista), a partir de 1978. Na greve de

1978, trabalhadores de 24 empresas do ABCD (77.950 operários) cruzam os braços diante das máquinas paradas.

Diante de um prejuízo considerável que se avolumava, as entidades patronais cedem, estabelecendo reajustes

salariais escalonados. Este enfrentamento – seguido de vitória – da política salarial do Estado faz com que se

sucedam outras greves: em um período de nove semanas, 245.935 trabalhadores fazem greve em nove cidades

paulistas, atingindo virtualmente todas as categorias de trabalhadores (durante o ano de 1978, 24 greves de catorze

diferentes setores envolveram um total de 539.037 trabalhadores). Com a decretação da greve no ano de 1979, o

governo intervém nos sindicatos, afastando seus dirigentes. Com o apoio da Igreja, os trabalhadores logram manter

o movimento durante 45 dias, findando por conseguir um acordo salarial. E da mesma forma que no ano anterior, a

onda de greves alastra-se por todo o Brasil: 113 greves de 26 setores mobilizam um total de 3.207.994 grevistas,

envolvendo 14 estados da federação e mais o Distrito Federal. Destaque-se que a repressão acompanha tal cresci-

mento, atingindo seletivamente determinadas categorias, como os bancários e professores, assim como os

metalúrgicos de São Paulo. Em 1980, a greve dos metalúrgicos do ABCD transforma-se em questão de segurança

nacional. São Paulo é colocada sob o comando do II Exército, denunciando os estreitos limites da abertura contro-

lada do governo Figueiredo. É montada uma operação de guerra e, desta feita, os líderes sindicais são presos e

mantidos incomunicáveis. Com o explícito apoio da Igreja Católica, articulam-se setores da oposição que viabilizam

a manutenção da greve, evidenciando um notável avanço organizativo dos trabalhadores (Alves, 1989).

Ao fazer um balanço dessas greves, Almeida (1983) destaca quatro aspectos: a abertura para negociações coletivas

em um sistema de relações trabalhistas que era hostil; a perda do poder coercivo da legislação pertinente ao controle

autoritário dos trabalhadores; a inclusão da questão social na agenda da transição e a revitalização dos sindicatos.

Para além da reestruturação do movimento sindical, a emergência do “novo sindicalismo” está na base do surgimento

do Partido dos Trabalhadores (PT), considerado “fato novo” no cenário político daquele momento da história brasileira.

O debate acerca de aspectos do “novo sindicalismo” pode ser encontrado ainda em Werneck Viana (1980), Antunes

(1988) e Rodrigues (1990). Dentre os textos que analisam as condições da emergência do Partido dos Trabalhado-

res, indicamos Keck (1991).

Page 23: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 45

aberta, clara e manifesta, como veremos na seção

subseqüente.

Vivíamos, então, simultaneamente, o momento

de glória do modelo de desenvolvimento do Estado

do Bem-Estar e da fertilidade dos movimentos contes-

tatórios. Tratava-se de um confronto social de visões

parcialmente antagônicas que revelavam a plurali-

dade e vivacidade de nossa sociedade. Parcialmente,

porque estávamos vivendo a mesma contemporanei-

dade histórica, compartilhando alguns valores e idéias

como, por exemplo, a credibilidade no progresso, no

avanço tecnológico e na construção de um mundo

melhor.

Com esses recortes, lembramos que o apogeu

do gerencialismo e o início de seu esgotamento ocor-

reu em um ambiente sociocultural prenhe de euforia

com o progresso que se intensificava, pela fertilida-

de e vivacidade das contestações fundadas nas insa-

tisfações concretamente vividas e pela credibilidade

na rápida construção de um mundo melhor.

Deixamos, então, assinalado que, no calor deste

vivo e rico debate na sociedade, começam a ser gera-

dos os conhecimentos técnicos/científicos que vinham

contradizer o paradigma fordista/keynesiano e surgir

as condições conjunturais e das estruturas sociorga-

nizacionais que consumavam seu esgotamento.

DO ESGOTAMENTO DO MODELO

TAYLORISTA-FORDISTA ÀS NOVAS

CONCEPÇÕES DO TRABALHO

O quarto final do século XX é marcado por

um imenso conjunto de transformações históricas

que abalam os contendores da “Guerra Fria”. De

uma parte está o colapso do “socialismo real”, pon-

do fim àquela divisão planetária em dois blocos

antagônicos (ver Destaque sobre capital e capita-

lismo); de outra, a falência do padrão de desenvol-

vimento capitalista tratado na seção anterior, o Es-

tado do Bem-Estar.

O vetor primordial para o definhamento do Es-

tado do Bem-Estar deve ser buscado no interior do

próprio modelo. Oliveira (1988, 1998) localiza-o

exatamente na regulação estatal da economia, pela

criação do fundo público, o cerne da crise. Com o

financiamento do capital e da reprodução da força

de trabalho, seria introduzido um pressuposto da acu-

mulação que é externo à equação da reprodução ca-

pitalista, que não se valoriza. Pressuposto, mas antíte-

se da reprodução do capital, o fundo público se cons-

tituiria no “antivalor” e na “antimercadoria”. Ten-

dencialmente, a exigência desse pressuposto levaria

à implosão do sistema produtor de valor, designada

por “crise fiscal do estado” (Afonso e Souza, 1977).

Além dessa explicação econômica para a cri-

se, muitas outras são apresentadas na literatura. Pro-

vavelmente são complementares ou faces diferen-

tes do mesmo fenômeno. Um modelo complexo,

amparado em vários pilares, construído historica-

mente e que gerou bons resultados por um período

considerável, no sentido de que impulsionou o de-

senvolvimento mundial a níveis notadamente eleva-

dos, também apresenta um processo de esgotamen-

to complexo e/ou associado a muitas causas. Assim,

as demais explicações podem ser resumidas em:

• O déficit comercial nos Estados Unidos e na

Europa a partir de 1961, que terminou por

acentuar a pressão do capital sobre os salári-

os (Heloani, 1996), somado aos efeitos da

Guerra do Vietnã sobre o dólar e à instabili-

dade financeira americana resultou no colap-

so do sistema de Bretton Woods e no declínio

da hegemonia americana (Mattoso, 1995).

• O estilo de gerenciamento do trabalho

associado ao modo de organização taylo-

rista-fordista conduziu as empresas a um

gigantismo tal que estas perderam a flexi-

bilidade necessária para acompanhar as

tendências de mercado, assim como tor-

Capital e capitalismo

István Mészáros (2002) defende uma instigante tese

(antes já anunciada, sem a sofisticação teórica do escr-

itor húngaro, por Kurz, 1992) de que capital e capitalismo

são fenômenos distintos, representando ambas as crises

do final do século – do “socialismo real” e do Estado do

Bem-Estar –, facetas da mesma crise do capital. Ambas

seriam resultado da incapacidade de superação do siste-

ma de sociometabolismo do capital. Muito já se escreveu

sobre o colapso do mundo socialista; indicamos, entre

outros, as coletâneas de Blackburn (1992) e Sader

(1995). Para uma introdução às discussões da chamada

“crise do marxismo”, recomendamos Baudouin (1991)

e Netto (1993). Sugerimos, também, a leitura da interes-

sante discussão de Rufin (1991) sobre uma nova divisão

mundial em blocos (o “Império” e os “novos bárbaros”).

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46 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

nou a administração extremamente com-

plexa e cara (Rebitzer, 1993).

• As perdas em produtividade em decorrên-

cia da resistência organizada dos trabalha-

dores e pela fuga espontânea dos emprega-

dos insatisfeitos com a monotonia no tra-

balho, com as acelerações do ritmo de tra-

balho e/ou o não-atendimento de suas ex-

pectativas de recompensas socioeconô-

micas. Tal fuga manifestava-se de várias

maneiras, como o absenteísmo, a rotativi-

dade e o aumento dos refugos. Manifesta-

va-se ainda na recusa juvenil ao trabalho

industrial, em decorrência dos requisitos e

características de seus postos incompatíveis

com a educação que tiveram acesso (Antu-

nes, 1995, 1999; Braverman, 1974; Heloani,

1996; Lipietz, 1991; Leite, 1994).

• A queda dos ganhos em produtividade em

decorrência da expansão das lutas sindicais

(final da década de 1960), e do limite da

capacidade do modo de organização do tra-

balho combater ps tempos mortos (Lipietz,

1991; Mattoso, 1995).

• O crescente processo de internaciona-

lização da economia, reduzindo simulta-

neamente a hegemonia norte-americana e

a eficácia das economias dos estados na-

cionais (Mattoso, 1995).

Segundo Mattoso (1995), o conjunto de cau-

sas estruturais associadas à crise manifesta-se na

forma de ruptura com o compromisso keynesiano,

esgotando por sua vez o modelo taylorista-fordista

de organização do trabalho. Ou seja, este último

atingiu o limite máximo de gerar crescimento, com-

batendo tempos mortos pela aplicação dos seus

princípios básicos e pela mecanização. Lipietz

(1991), por sua vez, sintetiza a crise afirmando que

há, simultaneamente, uma crise interna do fordismo

quanto à oferta e uma crise internacional quanto à

demanda. Adicionalmente, chama à reflexão o fato

de que a crise do modelo, apesar de instalar-se a

partir da metade dos anos 1960, como a maioria

dos autores atualmente se referem, a atenção dada

ao fenômeno, enquanto fato de origens estruturais,

amplia-se somente mais adiante. Corroborando

essa observação, Anderson (1995) afirma que o

resultado do fracasso do Estado do Bem-Estar tor-

na-se patente na segunda metade da década de

1970: o mundo capitalista entra em profunda

recessão, combinando baixas taxas de crescimen-

to e altos índices de inflação. Para Lipietz (1991)

e Ramos (1992), o choque do petróleo, no início

da década de 1970, dissimulou a real natureza e a

abrangência da crise econômica.

E foi nesse lapso de tempo, entre o crescimento

da atenção à crise e a construção das reações, que as

críticas humanísticas ao modelo de desenvolvimen-

to do Estado do Bem-Estar se acentuaram, abrindo

uma nova discussão sobre a concepção do próprio

trabalho e de seu papel enquanto categoria social

estruturante da vida das pessoas e da própria socie-

dade. São desta fase publicações de impacto impor-

tante (por exemplo: Braverman, 1974; Gorz e cola-

boradores, 1980; Gorz, 1982; Tragtenberg, 1980).

Tal literatura, que tem como um de seus funda-

mentos o pensamento marxista sobre o trabalho,

mostra que o seu tratamento como uma mercadoria

(atraente pelos resultados – salários e benefícios – e

esvaziado no conteúdo) e as demais características

elucidadas por Marx (alienante, embrutecedor, mo-

nótono, repetitivo) se aprofundam fortemente.

Tragtenberg (1980) tece forte crítica à atuação dos

psicólogos vinculados ao chamado movimento das

relações humanas, porque, segundo ele, tal movimen-

to tende a reduzir os problemas de convívio dos in-

divíduos com o trabalho às suas manifestações nas

relações interpessoais, desprezando o fato de que

estas são construídas no contexto socioeconômico

naquele caso, sob o compromisso fordista. Pignon e

Querzola (1978), Gorz (1980) e Robbins (1978),

entre outros autores, resgatam contribuições da Psi-

cologia, entre as quais as de autoria de Argyles, Likert,

McGregor e Herzberg. Essas contribuições elucidam

a importância de espaços de autonomia, reconheci-

mento e criatividade para a produtividade do traba-

lhador, o desperdício das potencialidades humanas

sob o capitalismo, a importância das noções de

enlarguecimento e enriquecimento do cargo, o im-

pacto dos estilos de liderança no relacionamento

interpessoal e no desempenho grupal, abrindo bre-

chas nas relações de poder em suas bases de concen-

tração do saber e para a reapropriação, por parte do

trabalhador, do seu saber fazer. O leitor poderá ver

mais aprofundadamente esses temas nos demais ca-

pítulos deste livro (especialmente nos capítulos da

Parte II). No campo de saúde mental e trabalho, des-

taca-se a repercussão de estudos como os de Jahoda

(1987), sobre os efeitos do desemprego sobre o bem-

Page 25: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 47

estar psíquico, e os estudos de Kohn e Schooler

(1983), que, por meio de design longitudinal, de-

monstram que a complexidade dos postos de traba-

lho afetam características de personalidade, como a

flexibilidade intelectual e a autodireção, mais do que

o contrário.

Gorz (1982), em seu livro, Adeus ao proletaria-

do, abre uma discussão ampla sobre o trabalho, en-

dossando, de um lado, as críticas que baseadas no

marxismo. Para Gorz, o trabalho, tomado como mer-

cadoria sob o compromisso fordista, valoriza-se como

valor de troca e não pelo seu próprio conteúdo, per-

dendo a capacidade de se constituir numa categoria

estruturante da identidade dos indivíduos e da socie-

dade. De outro lado, anuncia o fim da utopia do tra-

balho e desenvolve críticas à organização trabalhista

em decorrência do seu caráter corporativista. Desta-

cava a necessidade de as entidades sindicais preocu-

parem-se em desenvolver ações que levassem em

conta o bem-estar da sociedade como um todo, e não

das categorias específicas que representam, a fim de

superar à submissão ao compromisso fordista.

Importa-nos destacar que parte dessas idéias já

estavam presentes em uma obra, A Condição huma-

na, de Arendt (1958/1993), que ganha repercussão

neste período, quando surgem boa parte das tradu-

ções disponíveis. Entre as importantes discussões le-

vantadas pela autora está a diferenciação que desen-

volve sobre labor, trabalho e ação. O primeiro con-

siste em todas as atividades rotineiras e cíclicas que

realizamos simplesmente para a manutenção da vida:

cuidar da casa, organizar objetos pessoais, colher fru-

tos para o consumo pessoal, buscar alimentos para

consumo imediato, etc. Ou seja, o labor está relacio-

nado diretamente à sobrevivência pessoal ou de um

grupo de convivência imediata, às atividades que se

autoconsomem10

ao se realizarem e à dependência

ao reino das necessidades. Enquanto isso, o trabalho

implica a produção de valor de uso, portanto, algo

de maior durabilidade, por exemplo: modificar uma

pedra para continuar utilizando-a como um instru-

mento, pintar um quadro e usá-lo para enfeitar nossa

própria casa, etc. Implica também a transformação

deste valor de uso em valor de troca. É, por fim, a

ação que significa tomar iniciativa, pôr em movimen-

to o mundo e, portanto, o que nos insere no mundo

humano, ou seja, produz a condição humana. A ação

não se concretiza necessariamente em um produto

concreto, mas abrange a palavra e a ação política e

cidadã. Mas, nesses termos, Arendt reduz o trabalho

ao emprego sob o regime capitalista, como diferen-

ciamos no início do capítulo. O que ela de fato traz

de divergente é a subtração da crença da hominização

por meio do trabalho.

O aprofundamento desse processo do esgota-

mento do modelo de desenvolvimento segue articu-

lando as causas da crise, já referidas, às reações para

sua superação, criando um inter-relacionamento

dialético entre causas e conseqüências, o que torna o

esgotamento do modelo do Estado de Bem-Estar e

sua superação um processo único. As reações não

são ainda suficientemente claras para configurar ou-

tro modelo de desenvolvimento, embora se designe

o conjunto de reações e/ou transformações de Ter-

ceira Revolução Industrial. Tais reações ocorrem em

meio às discussões conceituais e filosóficas a que

nos referimos nos parágrafos anteriores e muitas ve-

zes envolvem parte das críticas e do conhecimento

sobre o comportamento, atitudes e cognições huma-

nas em permanente construção. Sobre esse processo

em curso, não se deixou de refletir e publicar desde a

década de 1980 até os dias atuais, de forma que a

literatura disponível é muito vasta, alimentando uma

diversidade de formas de compreensão sobre o tema.

Lipietz (1991) tenta organizar a exposição so-

bre tal processo, dividindo-o em três etapas econô-

micas. A primeira, de 1973 a 1979, quando predo-

minam as tentativas de superar a crise recorrendo a

velhas receitas de apoio à demanda interna dos

países, principalmente por meio da emissão de di-

nheiro, acelerando a inflação e mantendo em cres-

cimento os conflitos sociais. A segunda fase, mone-

tarista, ocorre a partir de 1979 e abre a era do libe-

ral-produtivismo. Essa fase estancou em 1982,

depois de três anos de recessão e muitas falências.

A terceira fase caracteriza-se pela construção de

uma terceira via, na qual o Federal Reserve Bank

abriu parcialmente o crédito e o déficit do orça-

mento federal, aquecendo a demanda interna. Nos

Estados Unidos e em outros países que seguiram

o modelo norte-americano, multiplicam-se os em-

pregos subpagos, dependentes da “domesticidade

10

Atividades com um fim em si mesmas.

Page 26: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

48 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

social” (por exemplo, entregadores de comida,

guardas de estacionamento, etc.). Nos novos paí-

ses industrializados, edifica-se um setor exporta-

dor, garantindo superávit e aproveitamento do cres-

cimento do mercado americano.

São nesses cenários econômicos que se confi-

guram profundas transformações no mundo do tra-

balho.11

Tais transformações manifestam-se nas con-

dições materiais e na estruturação social das orga-

nizações, como também em aspectos da conjuntura

socioeconômica que se associam ao dinamismo do

mercado de trabalho. Todas as manifestações são

interdependentes, de forma que se sustentam umas

nas outras, o que dificulta uma abordagem. Porém,

na tentativa de sermos didáticos, trataremos primeiro

do que tem ocorrido por dentro das organizações.

Assim, a adoção de novas tecnologias na pro-

dução – informática e automação –, a revolução nos

meios de comunicação e o surgimento de novos

estilos de gestão estão entre as mudanças de maior

impacto. Leite (1994) assinala que as resistências

dos trabalhadores à cadência da máquina e às tare-

fas sem significado gradualmente evidenciou que a

tentativa do capital de eliminar a iniciativa e deci-

são operária era um objetivo inalcançável. Além

disso, a expropriação do saber operário nunca ocor-

reria por completo e o capital continuaria a depen-

der dele para resolver os problemas não-previstos

no processo produtivo. Por essas razões, muitas

empresas começam a optar por táticas para lidar

com o trabalhador, que consistem em redução dos

controles e abertura de espaços de participação. Co-

meçaram por experiências como as aplicações di-

retas do enriquecimento dos cargos e do Plano

Scalon (ver Destaque a seguir), como já assinala-

mos, e seguiram pela adoção de propostas mais ela-

boradas que incorporavam os princípios presentes

nestes e em outros modelos, proposições e teorias

oriundas da ciências humanas, principalmente da

psicologia. Antunes (1995) e Mattoso (1995) assi-

nalam a emergência de processos de trabalho mar-

cados pela flexibilização da produção, pela especia-

lização e por novos padrões de busca de produtivi-

dade. Essas transformações expressam-se, por

exemplo, nos Círculos de Controle de Qualidade,

na Gestão Participativa, nos Programa de Qualida-

de Total e na penetração do toyotismo. Todos eles

supõem ou suscitam um maior envolvimento do tra-

balhador no processo decisório e o gosto do traba-

lhador pelo que faz. Por conseqüência, adotam como

necessidade para o desempenho organizacional o

bem-estar dos indivíduos, as funções/capacidades

complexas dos indivíduos (raciocínio abstrato, va-

lores, identificação com a empresa, capacidade de

guiar-se por objetivos, de resolver problemas, criar,

levantar alternativas, discordar, etc.), bem como tem

exigido maior competência interpessoal para con-

vívio em grupo e para negociar. É importante o lei-

tor perceber aqui a diferença atribuída ao bem-es-

tar do trabalhador. Sob o modelo anterior, o bem-

estar era um resultado externo ao trabalho, uma com-

pensação pelo trabalho duro. Sob os novos estilos

gerenciais, o bem-estar torna-se um insumo neces-

sário à realização das tarefas. Da mesma forma, mu-

da a atribuição de importância às cognições do tra-

balhador. Antes, “o pensar” operário deveria ser

eliminado, pois perturbava a produção. Nos novos

estilos gerenciais, as organizações necessitam das

habilidades cognitivas dos trabalhadores.

Mas não surgem apenas alterações nos estilos

gerenciais. Aliás, eles são implantados de forma mais

efetiva na mesma proporção em que mudava base

tecnológica do trabalho. Leite (1994) afirma que a

principal resposta aos limites do taylorismo-fordista

surge com a substituição da eletromecânica pela

microeletrônica. Sua primeira vantagem técnica, se-

gundo a autora, refere-se à flexibilidade que intro-

duz no processo produtivo. A redução dos merca-

dos, sua diferenciação e o acirramento da concorrên-

cia empresarial tornava obsoleta a automação da

eletromecânica pela sua rigidez, no sentido de que

não comporta modificações no tipo e na seqüência

das operações. A segunda vantagem consiste em ge-

rar uma redução do tempo de produção, possibili-

tando novas formas de combate aos tempos mortos

de trabalho, por exemplo, por meio da maior inte-

gração entre as operações e a circulação de materiais

e mesmo entre as diferentes fases da operação. Além

11

Uma das outras respostas está no desmantelamento sistemático do sistema de proteção social do Estado do Bem-Estar,

no conjunto de medidas que se convencionou denominar de “neoliberalismo”. Há uma vastíssima literatura a respeito; a

título de indicação, recomendamos as coletâneas de Sader e Gentili (1995, 2000). Para um tratamento extensivo do

impacto no plano das políticas sociais para a América Latina, recomendamos Soares (2001).

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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 49

disso, os sistemas de computação/informática per-

mitem: facilitar e aperfeiçoar a elaboração de mode-

los, eliminando enormemente a necessidade de de-

senhos, mapas e plantas manuais; simular o movi-

mento das peças e facilitar uma visão de conjunto.

Salienta, então, que a introdução da microeletrônica

funda-se no mesmo princípio de eliminação de tem-

pos mortos do taylorismo-fordismo, assentando-se

não na intensificação do trabalho, mas na racionali-

zação dos tempos da máquina. A conseqüência é que

o trabalho vai se tornando uma tarefa de controle e

supervisão das máquinas.

O impacto das novas tecnologias ainda conti-

nua muito polêmico. Mas Leite (1994), como os

chamados economistas segmentalistas, aponta que

há vivências diferentes por parte dos trabalhadores.

Para uns, significa a promessa de um futuro res-

plandecente, com a eliminação dos trabalhos pesa-

dos, repetitivos e monótonos e o acesso a um traba-

lho mais leve, intelectualizado, de tempo reduzido

e que permite o acesso ao lazer. Para outros, signi-

fica mais degradação, desqualificação e extinção de

postos. Por conseqüência, na proporção que as no-

vas tecnologias permitem ganhos de produtivida-

de, permitem também a economia de custos com

pessoal diretamente da redução de quadros ou das

horas de trabalho que precisa contratar.

A aplicação de políticas poupadoras de mão-

de-obra não decorre só da adoção de novas tecnolo-

gias, mas dos modos de gestão, que supõem mais

participação, permitem, pela descentralização admi-

nistrativa, eliminar níveis hierárquicos intermediári-

os na estrutura da organização, com isto extinguindo

postos de serviço. Além disso, o combate mais dire-

to ao gigantismo organizacional, que diminuía a fle-

xibilidade para o acompanhamento das tendências

de mercado, conduz muitas organizações a rever suas

estratégias e concentrar as ações em suas atividades-

fins, eliminando e/ou terceirizando setores e/ou ati-

vidades. O desenvolvimento dos meios de comuni-

cação, especialmente a internet, permite em vários

setores a contratação de serviços (por terceiros ou

Plano Scalon e enriquecimento do cargo

O chamado Plano Scalon foi criado por Joseph Scalon como uma estratégia de colaboração, cuja aplicação

alcançou bons resultados econômicos e humanos em várias indústrias. Fundava-se na articulação de dois aspec-

tos. O primeiro deles se refere à construção da participação nas vantagens econômicas provenientes dos aperfei-

çoamentos do desempenho organizacional. Diferencia-se da participação convencional nos lucros porque se

assenta na participação da redução de custos. Permite ao empregado ligar os bônus aos resultados de mudan-

ças e inovações estimuladas pelos seus esforços, estabelecendo clara conexão entre comportamento e progres-

so organizacional. O segundo aspecto é associar tais incentivos à criação de oportunidades ao empregado de

contribuir, através de sua inteligência e criatividade, quanto pelo esforço físico, para o progresso organizacional.

Esse segundo aspecto é posto em prática por uma série de comitês representativos de todos os grupos e funções

da organização, os quais recebem, discutem e avaliam sugestões. O clima organizacional associado à

implementação do Plano Scalon nem sempre é tranqüilo. É comum desacordos, discussões calorosas e brigas.

O que é um distintivo é que esses fenômenos giram em torno de problemas relativos à melhoria do desempenho.

Há, portanto, uma tendência a ampliar o compromisso com os objetivos organizacionais (McGregor, 1980).

A aplicação do Plano Scalon foi alvo também de muitas críticas. Pignon e Querzola (1980) compreendem que

dissimula a luta de classe e o antagonismo de interesses entre patrões e empregados. Reconhecem no entan-

to, que mantém a hierarquia na organização, subtraindo as relações de poder despóticas.

O enriquecimento do cargo foi concebido por Frederick Herzberg como uma função da direção da empresa que

consiste no redesenho dos cargos a fim de recompor as tarefas antes decompostas pelo parcelamento cientí-

fico. Implica o enriquecimento dos conteúdos do trabalho, recuperando o interesse do trabalhador por suas

atribuições. Implica também o crescimento do espaço de autonomia, reconhecimento e realização dos traba-

lhadores (Herzberg, Mausmer e Snyberman, 1959). O referido autor desenvolve sua proposta fundando-se na

teoria motivacional dos dois fatores tratada no Capítulo 4 deste livro.

É preciso, adicionalmente, o leitor recordar que enriquecimento de cargo diferencia-se de enlarguecimento do car-

go. Este último processo consiste na ampliação da variedade de tarefas pelo acréscimo de atribuições do mesmo

nível de complexidade ao cargo. Costuma-se, por isso, dizer-se que o enlarguecimento do cargo ocorre no plano

horizontal de autoridade da organização e o enriquecimento, no plano vertical. No entanto, em um programa de

enriquecimento do cargo, o enlarguecimento do mesmo pode ser uma etapa inicial do processo de mudança.

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50 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

diretamente) a distância. Multiplicam-se os contra-

tos temporários. A conseqüência última dessa varie-

dade de caminhos para reduzir custos com pessoal e

simplificar a administração é o seu paradoxo: uma

maior complexidade das relações dentro das organi-

zações, criando a convivência com vários tipos de

vínculos empregatícios. Aliás, sendo mais exatos, não

se trata de variação e tipo de vínculos empregatícios,

mas tão-somente de vínculos. A redução de custos

implícita na terceirização não supõe apenas a redu-

ção de quadros, mas também passar do contrato de

trabalho para o contrato comercial (Ramos, 1992).

Isso implica não assumir custos com encargos soci-

ais e também na radicalização no tratamento do tra-

balho como mercadoria. Sob o contrato comercial,

equipara-se a comercialização do trabalho a de qual-

quer outra mercadoria.

A aplicação de tais po1íticas, como outros as-

pectos das mudanças em curso, tem sido objeto de

polêmicas. Será que representam realmente a redu-

ção de custo desejada? Quais os efeitos de tais polí-

ticas naqueles empregados que ficam? Vivem sob a

égide do medo da demissão? Isso afeta suas motiva-

ções, seu envolvimento? Essas são algumas questões

que o momento atual tem posto às ciências humanas.

Todos os aspectos aqui levantados sobre as mudan-

ças no interior das organizações parecem pôr o indi-

víduo diante de um novo paradoxo: sente-se seduzi-

do pelas tarefas e pelo próprio prazer em realizá-las

e impotente para resolver seus problemas de condi-

ções de trabalho pela insegurança no emprego.

Apesar da incipiente compreensão do impacto

das novas tecnologias, é patente que, após as mu-

danças tecnológicas, as mudanças nas estruturas

organizacionais e de gestão são muito mais acentua-

das. Enquadra-se aqui o exemplo da reengenharia.

Foi concebida quando criticar ou propor algo que

contradizia o modelo fordista/taylorista já não cau-

sava um grande impacto. Essa forma de reestrutu-

ração do trabalho, segundo Hammer e Champy

(1994), consiste em abandonar velhos sistemas e

começar tudo de novo. Ou seja, a reengenharia é ra-

dical e supõe uma ruptura com o modelo antigo. Isso

é diametralmente oposto à proposta dos Programas

de Qualidade Total que, mais assentada na gestão

participativa, supõe um processo de mudança

construído gradualmente, de forma negociada com

todas as partes da organização (acionistas, emprega-

dos, dirigentes, fornecedores e clientes).

Entretanto o que parece mais inovador na pro-

posta de reengenharia é o conceito de processo. Isso

se tornou, inclusive, reconhecido pelos próprios au-

tores no capítulo acrescentado à quarta edição do li-

vro Reengenharia: revolucionando a empresa em

função dos clientes, da concorrência e das grandes

mudanças da gerência. Para eles, processos são “um

conjunto de atividades com uma ou mais espécies de

entrada e que cria uma saída de valor para o cliente

(Hammer e Champy, 1994, p. 24)”. Junto com esse

conceito, surgem, então, o estruturador de negócios,

o trabalhador de caso e/ou equipe de caso, pois a

proposta supõe um único trabalhador ou uma peque-

na equipe integrada dando conta do processo como

um todo e, conseqüentemente, realizando o atendi-

mento completo do cliente. A reengenharia articula

também o desenvolvimento tecnológico à descon-

centração produtiva, à recusa da produção em massa

baseada na noção das diferenciações dos clientes e/

ou inexistência do cliente médio. A reengenharia tem

sido acompanhada na prática pela aplicação de políti-

cas poupadoras de mão-de-obra bastante radicais.

Compete destacar que dentre as diversas for-

mas de gestão, a de maior impacto é o toyotismo.

Nele, observa-se uma horizontalização, mas tam-

bém supõe-se a intensificação da exploração do tra-

balho. Esse modelo supõe, ainda, a eliminação cada

vez mais intensa do número de postos de serviço, o

que implica acelerada redução do número de em-

pregos no núcleo moderno e formal da economia.

Mattoso (1995) designa essas transformações da

Terceira Revolução Industrial e a convivência de

vários processos de multiprocessualidade.

Apesar das polêmicas existentes, é certo dizer

que a descrição do trabalho como monótono, em-

brutecido, repetitivo, manual, pesado, etc., não dá

mais conta da realidade após essas transformações,

ao menos no processo de trabalho no núcleo moder-

no da economia. Valores como criatividade, autono-

mia, independência, iniciativa, reconhecimento, saú-

de, desafio, etc., deixam de ser alvos distantes para

serem requisitos concretos do trabalho. Todas as no-

vas formas de gestão compartilham não só novos ar-

ranjos de valores, mas têm em comum a transforma-

ção a partir do trabalho anteriormente taylorizado.

Entretanto o outro lado da moeda dessas trans-

formações na organização e gestão do trabalho é a

ampliação à exploração (aumento da mais-valia), à

medida que renova as formas de aumento da pro-

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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 51

dutividade. Em decorrência das expectativas das

organizações pelo aumento da produtividade, cres-

ce a pressão que as mesmas exercem sobre o traba-

lhador, sofisticando a cobrança de produção.

Há autores para os quais as mudanças citadas

significam a diminuição ou mesclagem do despo-

tismo taylorista de participação dentro da ordem e

do universo da empresa, pelo envolvimento

manipulatório (ou cooptado), pela eliminação da

organização autônoma dos trabalhadores, vinculan-

do o sindicato à empresa, e pela sociabilidade mol-

dada pelo sistema de mercadorias.12

Na mesma direção, Heloani (1996) destaca a

introdução do apelo ao envolvimento do trabalha-

dor e ao discurso da participação, atualmente,

como parte do cotidiano das organizações. Argu-

menta, ainda, que as novas formas de gestão ten-

tam harmonizar elevação do grau de autonomia

do trabalhador e desenvolvimento de mecanismos

de controle mais sutis, nos quais a dominação ocor-

re ao nível do inconsciente. É suposto que o traba-

lhador realize determinadas ações de forma autô-

noma porque se identifica com os objetivos e va-

lores das empresas, e não mais pelo controle estri-

to da supervisão. O controle é interiorizado cultu-

ralmente e passa a ser tomado por autocontrole.13

Para fins didáticos, podemos sintetizar o que

ocorre dentro das organizações do núcleo moderno

da economia, nos seguintes pontos: eliminação

tendencial de postos de atividades repetitivas, recom-

posição de atividades, ênfase na polivalência,

revalorização da qualificação dos trabalhadores, foco

nas relações de mercado e concorrência, horizonta-

lização das relações de poder, tendências de adoção

de estratégias gerenciais que ampliam a participação

no processo decisório, renovação tecnológica baseada

na informática, automação e modernização da comu-

nicação, diminuição dos quadros de pessoal e maior

circulação do seu pessoal entre cargos e filiais. São,

portanto, questões do momento: Há mais possibili-

dades de gosto pelas tarefas? Como se compatibiliza

tais possibilidades com as pressões? Como se envol-

ver com as tarefas e se comprometer com os objeti-

vos organizacionais, quando não se tem garantia da

permanência na organização? Que conseqüências psí-

quicas têm as pressões por produtividade? Há com-

patibilidades entre o que se exige do trabalhador e as

condições que lhe são oferecidas? Ocorrem altera-

ções psíquicas? Quais são elas? Que significados os

indivíduos atribuem a essas mudanças? Os indivídu-

os estão mais motivados ao trabalho? Que novas de-

mandas se apresentam aos psicólogos?

Importa ressalvar que Antunes (1995) e

Mattoso (1995), ao analisar a realidade mais espe-

cífica do trabalho no Brasil, deixam claro que o país

começa a absorver as características do processo

de trabalho da terceira revolução sem ter concluído

plenamente o modelo keynesiano/fordista. O ritmo

de modernização é lento quando comparado com o

dos países desenvolvidos. Por conseqüência, no âm-

bito da organização do trabalho, o taylorismo/

fordismo ainda tem uma influência marcante.

Compete-nos agora indagar: concomitantes

com estas mudanças nas organizações, o que ocorre

na conjuntura socioeconômica mais ampla? Come-

cemos indagando o que tem ocorrido com a oferta

de emprego. As empresas do núcleo moderno, ao

adotarem as novas tecnologias e estilos de gestão,

têm eliminado postos de trabalho. Concorrem para

a diminuição da oferta geral de emprego? O con-

senso sobre isso é que, de fato, tem havido uma re-

dução no emprego no setor industrial. Há argumen-

tos, no entanto, de que há igual tendência de cresci-

mento do setor de serviços. Observa-se que as no-

vas tecnologias também adentram nestas empresas.

Exemplo conhecido de todos são os caixas eletrôni-

cos na rede bancária, que têm implicado a redução

dos postos bancários. Outro, é o caixa do supermer-

cado, que passou a pesar a mercadoria. Fatos como

esses têm implicado uma limitada oferta de postos e

uma acentuação do crescimento do setor informal.

O próprio Banco Mundial (1995) aponta que

a população que precisará de emprego expande-se

desigualmente do ponto de vista geográfico. Dessa

12

As características da chamada “acumulação flexível”, termo cunhado por Piore e Sabel (1984), já foi amplamente

estudada e debatida. Indicamos, dentre o vasto material disponível, os textos de Schmitz e Carvalho (1988), Antunes

(1995; 1999), Lipietz (1995) e Alves (2000). Tumolo (2001) apresenta um interessante balanço da produção brasileira

sobre a reestruturação produtiva.

13

Trata-se, aqui, da atualização do tema assinalado anteriormente de Figueiredo (1989), sobre o controle da subjetivida-

de do trabalhador. Há também em Poulantzas (1978) uma tese que pode ser ilustrativa para esta discussão.

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52 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

forma, 99% do crescimento projetado ocorrerá em

países de renda baixa e média. Sobre o desemprego

estrutural, assinala que os trabalhadores em ativi-

dades em declínio e sem flexibilidade para mudar

serão os mais prejudicados. Considera a melhor

estratégia de enfrentamento do problema, para qual-

quer país, procurar melhorar as aptidões do seu povo

ou facilitar a transição para novos empregos.

Longe de os jovens brasileiros e suas famílias

deliberadamente decidirem pelo investimento em

educação, há uma parcela significativa para a qual

se impõe a “opção” pela inserção no mercado e a

exclusão do sistema educacional para garantir a sa-

tisfação de necessidades imediatas.

Rebitzer (1993) assinala a ênfase no poder ali-

ado ao uso do tratamento de demissão para elevar o

esforço de trabalho. A efetividade deste tratamento

depende do custo de demissão. Esse custo, por sua

vez, depende da oferta de empregos alternativos. É

pertinente observar que, embora pareça razoavel-

mente realista afirmar que o tratamento de demissão

se generaliza na sociedade brasileira, inclusive no

setor público, com a adoção dos programas de “de-

missão voluntária”, é discutível que se recua para

uma prática de rotatividade de pessoal elevada como

técnica de elevação da produtividade e/ou do esforço

do empregado. Nos setores organizados e oligopo-

listas da economia, o custo de demissão é bastante

elevado – principalmente quando considerado o

custo da admissão, socialização e qualificação do

novo empregado – e ao menos algumas empresas

parecem estar bem atentas para esse aspecto.

Em suma, mesmo havendo divergências em

torno da explicação do desemprego no Brasil, das

dificuldades de geração de novos empregos na pro-

porção demandada pela população e sobre as con-

seqüências do tratamento de demissão, a veemên-

cia dos debates vem oferecer sustentação para a

aplicabilidade, à nossa realidade, da interpretação

de Ransome (1996). Este assinala a migração da

oferta de emprego do setor industrial para o setor

de serviços, a interdependência entre os segmentos

formais e informais da economia, o aumento dos

empregos de tempo parcial e temporários. Para ele,

o desemprego mais freqüente e a concomitante

vivência da ameaça de desemprego gera uma per-

cepção generalizada de instabilidade. Paulatinamen-

te, as expectativas de um emprego para toda a vida,

propagadas na década de 1960, tornam-se hoje

irrealistas.

Consideramos que a vivência da instabilidade

no emprego não se dá numa mesma intensidade para

todos os trabalhadores brasileiros. O aumento dos

índices de demissão tem ocorrido em setores em

retração econômica ou de acentuadas mudanças

tecnológicas; enquanto isso, tem crescido o setor

informal da economia, o que provavelmente pode

se constituir também em meio de acentuar a per-

cepção da desigualdade. Notamos novamente a

questão do efeito sobre a produtividade. Como rea-

gem os que ficam? E sob a ameaça, há envolvimento

com o conteúdo do trabalho? Aumenta ou diminui

a atenção à qualidade do que se faz? Aumenta o

comprometimento? Que impacto tal ameaça tem

sobre a motivação e sobre a saúde das pessoas?

Nesse clima de instalibilidade do emprego e

de desigualdade ao seu acesso, compete, então, in-

dagar sobre outro aspecto conjuntural: o que tem

ocorrido com os salários e com a distribuição de

renda no país? O tratamento de demissão e a instabi-

lidade têm impacto nas lutas por melhores salários?

É obvio que as lutas por melhores salários se

arrefecem diante de uma clima de instabilidade no

emprego. Além de insegurança, a fragmentação das

categorias ocupacionais, com o surgimento de no-

vas profissões e a redução de quadros em determi-

nadas categorias ocupacionais, como setores indus-

triais e bancários e o crescimento do setor infor-

mal, fragilizam a estrutura sindical. O agravamento

da concentração de renda vem sendo divulgado na

imprensa, sendo, portanto, de conhecimento geral.

Entretanto muitas são as polêmicas sobre o assun-

to. Se a renda está associada à oferta do emprego,

deve haver regulamentação do salário? A elevação

do salário mínimo gera desemprego? E a flexibiliza-

ção no estabelecimento de salário facilita a superex-

ploração? Essas são algumas das questões que têm

alimentado as discussões sobre a renda e sua distri-

buição na população.

Importa-nos assinalar que esse debate, pre-

sente na nossa sociedade, vem ampliar aquela per-

cepção de instabilidade decorrente dos problemas

em torno da oferta de emprego. Independentemente

das intensidades ou do grau de radicalidade em

que as diferentes abordagens descrevem o proces-

so de concentração de renda, em face das diferen-

ças de explicações, deve-se assinalar a existência

de um coro que, além de crítico, não vislumbra ou

confia concretamente em saídas de curto prazo para

a reversão desta conjuntura.

Page 31: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 53

O debate sobre a formação da renda repõe, ain-

da, questões relativas à qualificação e a “em-

pregabilidade” (ver Destaque a seguir). Segundo o

Banco Mundial (1995), “entre 1970 e 1992, a por-

centagem da mão-de-obra mundial correspondente

aos países de renda baixa e média subiu de 79% para

83%, mas a sua correspondente parcela de mão-de-

obra especializada mundial (...) saltou para quase a

metade do total global” (p. 59). Portanto, houve um

incremento da participação em estoque de capital

humano total.

O mercado de trabalho do Brasil parece espelhar

a avaliação do Banco Mundial. Registramos que, na

última década, houve queda do índice de analfabe-

tismo, elevou-se o acesso geral à educação, embora

a evasão escolar mantenha-se ainda em níveis muito

altos. Como a oferta de emprego, no entanto, não

cresceu proporcionalmente, intensificou-se o proble-

ma de incompatibilidades entre níveis instrucionais

de um lado e cargos e salários de outro, o que é mais

evidente em alguns setores econômicos. Por exem-

plo, Soratto e colaboradores (1996) assinalam que

numa amostra de 338 bancários, 60% dos que traba-

lhavam no setor privado e 80% no setor público já

haviam cursado ou estavam cursando o nível superi-

or. Não foi encontrada nenhuma relação entre o ní-

vel de escolaridade e as funções.

A concepção acentuadamente instrumental do

trabalho sob o gerencialismo cria, portanto, tensões

(contradições) em torno da busca de qualificação

pela instrução formal e o conteúdo dos postos de

trabalho. E, adicionalmente, sobrevivia no Brasil

um cenário de acentuada desigualdade de acesso à

educação. Em outras palavras, as dificuldades de

acesso à educação para larga proporção da popula-

ção associam-se às condições materiais do trabalho

(parcelado e de baixa remuneração), tornando sem

significado o próprio aprendizado.

Levantamos a hipótese, aqui, de que as melho-

rias recentes nos resultados educacionais podem, si-

multaneamente, estar associadas às novas demandas

organizacionais no setor moderno da economia, que

vivencia ou tenta implantar novas formas de gestão e

de organização no trabalho, e à insegurança no em-

prego, que incentiva as pessoas a buscarem qualifi-

cações que lhes facilitem resolver necessidades de

recolocação. Tais iniciativas no plano individual são

reforçadas pelo discurso da “empregabilidade” que

supõe que cada um é responsável por se tornar

empregável. Compete-nos, então, questionar: que im-

plicações têm esta situação nas políticas de treina-

mento e de desenvolvimento de pessoal? O quanto

as empresas têm assumido a responsabilidade de trei-

nar pessoal? Está ocorrendo uma tendência de trans-

ferência da responsabilidade da empresa para o indi-

víduo? Quanto o próprio indivíduo deve investir na

sua qualificação? Quanto compete à organização? O

tempo gasto em se qualificar e requalificar é um tempo

de trabalho? Treinamentos, cursos, congressos e ou-

tras formas de qualificações além da jornada de tra-

balho significam jornada de trabalho maior? Essas

são mais algumas questões que permeiam o mundo

do trabalho atual.

Seguindo na tentativa de caracterizar os aspec-

tos conjunturais que modelam o mundo do trabalho,

é mister indagar: como está o controle dos acidentes

e das doenças do trabalho? Importa, então, informar

que o Banco Mundial (1995), baseando-se em dados

da Organização Mundial de Saúde, assinala que apro-

ximadamente “3% do ônus mundial das doenças de-

vem-se a cada ano a lesões e mortes evitáveis em

ocupações de alto risco e a doenças crônicas decor-

rentes da exposição a substâncias tóxicas, ruídos e

padrões de trabalho perigosos” (p. 87).

No Brasil, Santos (1991) denuncia que a re-

duzida fiscalização dos aspectos de segurança no

trabalho, os baixos níveis de instrução e de salári-

os da população, o tratamento da demissão, so-

mando-se a uma política paternalista (em relação

ao empresariado) conduzem o Estado a arcar com

as despesas decorrentes de acidentes de trabalho e

doenças profissionais e/ou ocupacionais no lugar

das empresas. Esse fato contribuiu para que os tra-

balhadores e seus sindicatos aceitarem trocar a falta

de adoção de medidas preventivas por adicionais

de insalubridade e periculosidade.

Santos denuncia também que, geralmente, a

aplicação da legislação sobre acidentes de traba-

lho no Brasil ocorre sem se levar em conta a tota-

lidade da problemática sobre a complexidade das

causas que induzem o trabalhador a aceitar traba-

lhar fora das normas.

Dessa forma, os problemas de saúde do traba-

lhador, antes de serem organizacionais, são questões

de políticas de saúde pública. De acordo com os ou-

tros aspectos levantados sobre o contexto do traba-

lho – desmantelamento da estrutura sindical, desem-

prego, luta pela empregabilidade individual –, a ten-

dência é a manutenção da troca de trabalho arrisca-

do por recompensas salariais e por meramente man-

Page 32: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

54 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

ter o emprego. E, embora existam intenções, lutas e

até avanços relevantes para extinguir este tipo de tro-

ca, ela continua sendo realidade. Compete-nos, en-

tão, indagar: a psicologia tem mapeado as alterações

psíquicas por ocupações? Há alterações psíquicas

reconhecidas como sendo vinculadas ao trabalho?

Há um espaço de atuação do psicólogo junto às polí-

ticas públicas de saúde do trabalhador?

Prosseguindo na tentativa de desenhar a con-

juntura socioeconômica do mundo do trabalho, in-

dagamos: como o fenômeno conhecido como “glo-

balização”, incluindo aí o crescimento da teleinfor-

mação, impacta o mundo do trabalho? Malvezzi

(2000) identifica cinco pilares dessas transformações:

(1) mudanças nas noções de espaço enquanto distân-

cia, pela possibilidade de gerir eventos a distância e

pela capacidade de armazenar informações de ma-

neira cada vez mais compacta; (2) alta circulação do

capital financeiro e tecnológico, tornando competi-

ção entre as empresas mais intensas e globais; (3)

aumento da imprevisibilidade dos acontecimentos

políticos, sociais e culturais, dificultando a atividade

de planejamento; (4) bombardeio de informações e

transformação de significados, ampliando a impor-

tância da dimensão simbólica e (5) criação da possi-

bilidade de se viver diferentes identidades. É impor-

tante compreender que, junto a tudo isso que

Malvezzi assinala, o processo de internacionalização

das empresas se intensifica e as oportunidades de tra-

balho começam a romper as fronteiras das nações

(tanto pela expatriação quanto pela atuação em am-

bientes nos quais não estamos presentes fisicamen-

te). Tal realidade implica, pois, a exigência a muitas

pessoas da capacidade de conviver com diversas cul-

turas. Que implicações têm tais fenômenos na socia-

lização dos indivíduos? E na adequação das estrutu-

ras e estilos organizacionais em diferentes regiões?

Finalizando nossa tentativa de desenhar a con-

juntura do mundo do trabalho: quais as avaliações

sobre o nível do progresso e dos ciclos econômicos?

O Banco Mundial (1995) assinala um cenário do tra-

balho marcado pelas mudanças tecnológicas,

organizacionais e pelos requisitos da mão-de-obra.

Descreve um cenário de alta mobilidade de capital,

informações e pessoas, mas, principalmente, de ca-

pital. E conclui que o trabalhador mediano no mun-

do está em melhores condições que há 30 anos. Esta,

entretanto, não é a única avaliação. Divergindo des-

se caminho que toma como parâmetro o “trabalha-

dor mediano”, os segmentalistas (ver Destaque so-

bre o assunto) descrevem a distribuição de salários

como sendo plurimodal. Para demonstrar tal afir-

mação, estudam o crescimento da renda por nível de

escolaridade para (1) trabalhadores rurais, (2) urba-

nos assalariados e autônomos, (3) o mercado primá-

rio subordinado e (4) o mercado primário indepen-

dente. Mostram, então, que construindo curvas dis-

Qualificação-empregabilidade

A questão qualificação-“empregabilidade” nos remete

para um debate que esteve muito presente nos anos

1970 no Brasil, sobre a relação entre qualificação

fornecida pelo sistema educacional e os requerimentos

do sistema produtivo. O ponto de partida dessa discus-

são localizava-se na tese de Theodore Schultz, a cha-

mada Teoria do Capital Humano, que equiparava o in-

vestimento em qualificação com aqueles feitos pelo

capitalista em “outros” bens de produção. Rossi (1978),

no afã de criticar tal perspectiva teórica inspirada na

interpretação marxiana, acaba por referendá-la, enten-

dendo que se o objetivo da escola era fornecer mão-de-

obra adequada à empresa capitalista, uma responsabi-

lidade socialista seria “inverter o sinal”. Tal perspectiva,

rotulada por Dermeval Saviani (1983) de “crítico-

reprodutivista”, é duramente criticada por Salm (1980),

que entende ser impossível conceber uma dependên-

cia do sistema produtivo de uma atividade situada na

esfera superestrutural (como é a educação escolar).

Frigotto (1986), participando deste debate, propõe que

a escola tenha um papel de mediação produtiva, pelo

estabelecimento de um saber geral que se articularia

com o específico, proporcionado pelo sistema produti-

vo propriamente dito. Tal debate, a despeito do caráter

anacrônico que hoje assume diante do impacto da cha-

mada reestruturação produtiva, tem uma importância

fundamental para o entendimento da articulação do sis-

tema trabalho-escola dentro dos marcos do modo de

produção capitalista e, por decorrência, permite uma

abordagem mais qualificada da tese da “empregabi-

lidade” hoje em voga (questão discutida mais adiante

neste capítulo). Uma visão de conjunto do debate assi-

nalado acima pode ser encontrado em Yamamoto

(1996). Para uma abordagem da relação educação/sa-

lário sob o capitalismo, destacamos as contribuições

de Bowles e Gintis (1975, 1976). Para os autores, to-

mando a força de trabalho como mercadoria, o trabalho

desaparece como categoria explanatória fundamental

e é absorvido pelo conceito de capital. Por conseguinte,

elimina-se a classe como um conceito econômico central

e perde-se de vista um elemento essencial à organização

capitalista: o poder do capitalista sobre o trabalhador.

Page 33: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 55

tintas para cada segmento, não se pode dizer que a

renda cresce inequivocadamente conforme o nível

da educação. Isso ocorre apenas para os trabalhado-

res dos mercados primários (principalmente indepen-

dente). Os segmentalistas caracterizam o mercado de

trabalho primário por hábitos de trabalho e empre-

gos estáveis, salários relativamente altos, produtivi-

dade alta, progresso técnico, existência de canais de

promoção internos, oferecimento de treinamento e

promoção por antigüidade. Tais características são

mais comuns em firmas grandes, às vezes oligo-

polistas, e com alta relação entre capital/trabalho.

mas Vietorisz (1970, conforme citado por Lima,

1980). Eles situam a determinação da segmentação

pelas características de demanda. Enfocam o com-

portamento da estrutura industrial. Separam a eco-

nomia em centro oligopolista e em “periferia” com-

petitiva. Neste contexto, sublinham a existência de

um dualismo tecnológico, que seria resultante da con-

centração capitalista como fato reforçador da seg-

mentação do mercado de trabalho. Para eles, existem

comportamentos divergentes na economia, de ma-

neira que setores distintos vivem ciclos também

distintos. Assim, no centro oligopolista, a alta lucra-

tividade permite investir em equipamentos moder-

nos, em estruturas administrativas ligadas à seleção,

promoção e capacitação de empregados. Desse modo,

a alta produtividade da mão-de-obra dessas firmas

deriva da qualificação dos empregados e também do

próprio capital moderno. No outro setor da economia,

a estagnação tecnológica alia-se à desqualificação da

mão-de-obra e estabelece um ciclo de feedback ne-

gativo (Lima, 1980).

Dessa polêmica, o que podemos considerar

certo é que vivemos um período de crescimento mais

lento do que aquele que foi o apogeu do modelo de

desenvolvimento do Estado do Bem-Estar. Não há

sequer consenso sobre a existência de crescimento.

Portanto, atravessamos um momento de distancia-

mento daquela certeza no futuro e no progresso que

nas décadas de 1950 e 1960 encontrávamos até mes-

mo entre os conteúdos das contestações sociais.

Em síntese, podemos dizer que o mundo do tra-

balho, a partir dos anos 1970, conta, um cenário cujos

marcos conjunturais são: (1) um crescimento mais

lento da economia, com queda da credibilidade no

progresso e no futuro; (2) surgimento do desempre-

go estrutural e dissociação entre crescimento econô-

mico e crescimento da oferta de emprego; (3) gene-

ralizada percepção de instabilidade no emprego; (4)

persistência de várias formas de discriminação (por

exemplo, qualificação e gênero); (5) intensificação

das desigualdades sociais pelas características da dis-

tribuição de renda; (6) tendência à redução das in-

compatibilidades entre instrução formal e requisitos

dos postos de trabalho no núcleo moderno da econo-

mia e (7) persistência das trocas de trabalho pobre

em conteúdo e/ou arriscado por aumento de consumo

entre a maioria da população (trabalhos precários).

Esses marcos conjunturais podem ser associa-

dos, de várias formas, àqueles referentes à tecno-

logia, à organização e à gestão do trabalho. Pontu-

Segmentalistas

É uma abordagem da economia que, segundo Lima

(1980), surgiu, principalmente, em reação às abor-

dagens neoclássicas sobre o mercado de trabalho,

como a Teoria do Capital Humano. Esta tende a ex-

plicar a inserção dos indivíduos por sua qualifica-

ção, ou seja tenta explicar relações de mercado de

trabalho por fatores que lhe são externos.

Para Cain (1976), as controvérsias entre as duas cor-

rentes enraízam-se em tópicos como a persistência

da pobreza e da desigualdade de renda, os fracassos

da educação e dos programas de treinamento, o uso,

pelos empregadores, de critérios educacionais e de

treinamento para justificar decisões discriminatórias e

a própria discriminação no mercado de trabalho.

Os segmentalistas são, por vezes, criticados por

estudar os diversos segmentos do mercado despre-

zando a interdependência entre eles.

Enquanto isso, o mercado de trabalho secun-

dário é caracterizado por alta rotatividade da mão-

de-obra, salários relativamente baixos, más con-

dições de trabalho, baixa produtividade, estagna-

ção tecnológica, oportunidades de aprendizagem

aproximadamente nulas e mão-de-obra não-orga-

nizada por meio de sindicatos.

O mercado de trabalho secundário, então, fun-

cionaria como um exército de reserva, homogenei-

zando a mão-de-obra. As contratações e as dispen-

sas ocorreriam ao sabor da variação da demanda dos

produtos. A sazonalidade e a instabilidade dos em-

pregos seriam explicações mais plausíveis que edu-

cação, experiência e treinamento.

Uma segunda corrente de pensamento sobre o

tema é representada por Benet Harrison e por Tho-

Page 34: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

56 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

am e terminam por caracterizar no que tem se cons-

tituído, na prática, a Terceira Revolução Industrial.

Se esses ganhos de produtividade, entretanto,

reverterem-se apenas na aceleração da concentra-

ção de renda, poderão mais tarde ver seus funda-

mentos abalados pela perda do comprometimento

e de envolvimento dos empregados.

As novas formas de gestão e organização do

trabalho associam-se dialeticamente à percepção de

instabilidade porque estão entre as razões da gera-

ção do desemprego estrutural e, ao mesmo tempo,

encontram neste uma barreira para seu sucesso, já

que requerem comprometimento, envolvimento e

participação crítica dos empregados. Em lugar des-

ses requisitos, a instabilidade vivenciada pode ge-

rar apenas uma dedicação submissa.

Se, de um lado, as novas formas de gestão e

organização do trabalho podem reduzir as contra-

dições entre investimento em educação e as caracte-

rísticas dos postos de serviço, por outro, a percep-

ção da instabilidade pode imobilizar as pessoas na

busca da compatibilidade entre estes dois elementos.

Concluímos que as transformações em curso não

nos permitem elaborar predições sobre o futuro do

mundo do trabalho em uma direção segura. Confor-

me Leite (1994), vivemos um momento crucial do

embate pelo controle sobre o processo de trabalho,

dependendo de seus desdobramentos a definição de

um novo paradigma. Este pode ser tanto uma alter-

nativa em prol da diminuição do controle dos traba-

lhadores sobre o processo de trabalho como um al-

ternativa pelo seu contrário: a recuperação do con-

trole do processo de trabalho pelos trabalhadores.

O que, de fato, podemos aqui identificar, é que

diante dessas alternativas, duas formas de conceber

o trabalho se configuram. De um lado, posto pelos

questionamentos de Gorz (1982) em Adeus ao pro-

letariado, a que já nos referimos anteriormente, sur-

giu uma literatura (como Aznar, 1995; Forrester,

1997; Rifkin, 1997; Schaff, 1985) que fala do “fim

do trabalho”, da era do conhecimento, de um mundo

no qual o que importa é a ação humana e não o traba-

lho, numa sociedade na qual a humanidade se libe-

rou do trabalho. O próprio Gorz, nos anos seguintes,

aprofundou suas idéias em outra obra de igual reper-

cussão, Methamorphosis du travail. Nesta, aprofunda

a discussão sobre a racionalidade do trabalho econô-

mico. Ao considerar que o trabalho, sob os modos

de organização conhecidos, não possa ser realmente

construtor de identidade, Gorz defende a sociedade

baseada no tempo de lazer, que, ao negar o trabalho,

deve se liberar deste. Anuncia o fim da utopia

humanista do trabalho e o surgimento de um “ho-

mem pós-marxista”, aliado de uma nova utopia: a

sociedade dos tempos livres. Essa utopia reivindica

uma redução da jornada e da dureza do trabalho mer-

cantil. Ao mesmo tempo, intenciona democratizar o

acesso a espaços de autonomia e o acesso ao traba-

lho mercantil, que continua constituindo-se no prin-

cipal meio de inserção na vida pública. Por isso, é

associado à possibilidade de exercício da cidadania.

Assim, defende a sistematização de uma proposta que

comece pela redução de horas trabalhadas para to-

dos. A questão passa a ser o conteúdo e o sentido do

tempo liberado que a racionalidade econômica é in-

capaz de responder. Tal posição exige a superação

do corporativismo daqueles que, trabalhando no seg-

mento nuclear da economia, insistem em manter a

defesa de uma ideologia da centralidade do trabalho,

que tem sido corroborada pelo sindicalismo, preso a

uma visão de mundo das esquerdas tradicionais. A

proposta, assim, implica uma mudança profunda do

sindicalismo tal como se conhece.

Aznar (1995), seguindo a mesma perspectiva

de análise, desenvolve uma proposta de redução do

tempo de trabalho apresentada na obra Trabalhar

menos para trabalharem todos. A lógica é que, não

sendo possível ter um trabalho de boa qualidade

em conteúdo para todos, devemos todos trabalhar

menos para nos realizarmos nas demais esferas de

nossas vidas. A não-centralidade do trabalho mer-

cantil implica redução de seu papel na construção

da identidade individual. O que, por sua vez, pode-

rá acentuar o peso de reivindicações não-trabalhis-

tas fora do campo de atuação do sindicalismo hoje.

São, então, valores centrais dessa concepção emer-

gente do trabalho: generalização do direito ao tra-

balho, igualdade para todos na qualidade do em-

prego, desenvolvimento tecnológico, ênfase nos

valores societais e cívicos do trabalho e tomá-lo

como apenas uma das facetas da vida, implicando

redução da jornada (redução da centralidade).

Mas emerge, simultaneamente, baseada na se-

gunda alternativa sublinhada por Leite, outra con-

cepção. Esta, ao mesmo tempo que comunga com a

primeira concepção à crítica ao trabalho nas condi-

ções que vem sendo realizado atualmente, diverge

diametralmente, mantendo a crença na possibilidade

Page 35: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 57

de construção de uma sociedade na qual todos têm

acesso a um trabalho conforme suas potencialidades14

.

Postula que, no lugar do trabalho esvaziado de con-

teúdo, todos possam ter um trabalho efetivamente de

qualidade, no qual os indivíduos possam se orgulhar

do que fazem e de seus resultados.

Como é de se esperar, os adeptos dessa concep-

ção procuram rebater os argumentos da primeira.

Assim, Carleial (1993), no que concerne ao movi-

mento sindical, mostra que a redução da jornada de

trabalho é uma velha reivindicação sindical e/ou dos

trabalhadores, limitada por crises, ampliação do de-

semprego e arrefecimento periódico de sua força. E,

realmente, há que se considerar que uma proposta de

redução da jornada de trabalho não é exatamente

nova. O pensamento de Paul Lafargue (1999) incidia

sobre o mesmo eixo, embora com fundamentação

diversa devido à época de sua elaboração.

Porém o centro de sua crítica às teses de Gorz

está na defesa da centralidade do trabalho. Funda-

mentada em Marx, lembra que o capitalismo se

assenta sobre duas bases: dinheiro e trabalho. E,

que, embora venha cada vez mais se afirmando no

dinheiro e negando o trabalho, essa questão ainda

não está posta. Segundo Carleial, não há ainda uma

tendência clara no sentido de redução de jornada,

e aponta casos em que, pela ameaça do desempre-

go e dificuldades de geração de empregos de qua-

lidade, a submissão dos trabalhadores tem levado

a jornadas de trabalho maiores.

Um dos argumentos de sustentação dessa con-

cepção reside na insuficiência da oferta de empre-

go que tendencialmente deverá persistir na econo-

mia, como já mostramos anteriormente. No entanto

esse argumento abre espaço para retomarmos a ques-

tão já referida no início desse texto: o que está em

crise, o emprego ou o trabalho?

A proposta de Gorz, entretanto, é rebatida de

forma mais contundente por Antunes (1995), que

afirma:

Seria a realização, esta sim utópica e romântica, do

trabalho que avilta e do tempo (fora do trabalho) que

libera. Esta concepção acaba desconsiderando a di-

mensão totalizante e abrangente do capital, que en-

globa desde a esfera da produção até o consumo,

desde o plano da materialidade ao mundo das

idealidades (p.80).

Quando a defesa da sociedade do mercado e do ca-

pital não é claramente explicitada nestas formula-

ções, resta a proposição utópica e romântica do tempo

livre no interior de uma sociedade fetichizada, como

se fosse possível vivenciar uma vida absolutamente

sem sentido no trabalho e cheia de sentido fora dele.

Ou ... tentando compatibilizar trabalho aviltado com

tempo liberado (p. 86).

Sem pretender equacionar tal polêmica, é pre-

ciso registrar que uma concepção alternativa do tra-

balho tende, atualmente, a se fortalecer, porque as

tentativas de redução da jornada de trabalho com a

intenção de democratizar o acesso ao emprego não

surtiram o efeito esperado. Além disso, tem se de-

nunciado que as diversas formas de insegurança no

mercado de trabalho têm conduzido ao não-registro

das horas extraordinárias trabalhadas. Ademais, a

perspectiva do fim da sociedade do trabalho torna

sem sentido qualquer tentativa de melhorar a gestão.

E como ganhar a vida no mundo em que vivemos de

maneira digna sem trabalho? Se precisamos traba-

lhar para ganhar a vida, e sendo este trabalho uma

construção sócio-histórica e humana, não podemos

planejá-lo de maneira que possamos ter um trabalho

que hominize?

Porém, com o objetivo de clarear a exposição,

a concepção alternativa busca a construção de um

trabalho no qual os indivíduos possam se expressar

e construir suas potencialidades e identidades, que

seja desafiante, interessante no conteúdo, plural e

variado, estável, de relações de poder baseadas na

eqüidade, estruturado nas organizações de forma

mais horizontalizada e que preserve os espaços de

participação.

O cerne do confronto das duas formas de con-

ceber o trabalho está na centralidade que os indi-

víduos devem atribuir a ele nas suas vidas. A Psi-

cologia tem desenvolvido muitos estudos exami-

nando que papel o trabalho tem de fato assumido

na vida das pessoas. Que pensam os homens dos

nossos dias sobre seu trabalho? O que esperam

dele? Que resultados desejam? Sentem orgulho

pelo que fazem? Associam-no a que valores? Quei-

14

Sugerimos a leitura de Arendt (1995; 1996), Coriat (1993), Forrester (1997), Gorz (1991), Gorz (1980), Inglehart

(1991), Offe (1995; 1989), Rifkin (1997) e Schaff (1985).

Cristiano Rodrigues
Page 36: PARTE O Contexto - Cristiano Rodrigues · todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- ... siste em dizer que o trabalho

58 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.

xam-se de quê? A relação com o trabalho tem afe-

tado a vida em família? Como? A família apóia o

indivíduo em seu trabalho? Encontram no traba-

lho a realidade que buscam? Estudos que têm se

guiado por questões como estas revelam que a ca-

tegoria trabalho continua estruturando a vida das

pessoas e dificilmente isso mudará a curto prazo.

E que efeito o emprego e o desemprego têm sobre

o bem-estar dos indivíduos? As linhas de investi-

gação e de atuação têm se multiplicado, partindo

daqueles estudos já citados da década de 1980

(Jahoda, 1987; Kohn e Schooler, 1983), levantan-

do novas questões, como: o desemprego afeta a

saúde mental ou é o contrário? A variação da na-

tureza das pequenas alterações psíquicas ocorre

por categoria ocupacional? E dentro de um mes-

mo setor econômico, varia por organizações? Exis-

tem doenças mentais associadas ao trabalho? É

possível o desenvolvimento de ações preventivas?

Que caminhos a Psicologia tem apontado? Tem

optado pela busca de soluções individuais ou co-

letivas? As respostas encontradas pela Psicologia

reforçam que tipo de concepção do trabalho?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluindo nosso percurso histórico pelo mun-

do do trabalho sob o capitalismo, esperamos ter con-

seguido compartilhar nossa reflexão sobre o mes-

mo, traçando uma visão panorâmica do ambiente

de atuação do psicólogo organizacional e do traba-

lho. Queremos também retomar rapidamente, para

efeito de síntese, as concepções que fomos eluci-

dando enquanto realizávamos nosso percurso his-

tórico. Assim, mostramos que com o surgimento do

capitalismo engendrou-se uma concepção do tra-

balho que o exalta como central na vida das pessoas,

como o único meio digno de ganhar a vida, inde-

pendente do seu conteúdo. Segundo esta ótica, tra-

balhar duro conduz ao sucesso econômico. Como a

realidade do trabalho concreto na qual engendrou-

se tal concepção era extremamente adversa, apesar

da atratividade que a fábrica e/ou a oficina repre-

sentava em relação ao campo, ou da extrema falta

de meios de sobrevivência, esta concepção preci-

sou do apoio do protestantismo e depois da admi-

nistração clássica para chegar a sua exaltação.

A mesma realidade que engendrou aquela con-

cepção do capitalismo tradicional também nutriu os

movimentos que lhe ofereciam resistência. Surge,

entre essas tendências, a concepção marxista, que

analisa o trabalho sob o capitalismo criticando sua

mercantilização, bem como elucidando característi-

cas como alienação, monotonia, repetição, embrute-

cimento, submissão, humilhação e exploração. A con-

cepção marxista reivindicava um trabalho no qual se

pudesse produzir a própria condição humana.

O desenvolvimento do capitalismo na primeira

metade do século XIX levou à tentativa de constru-

ção de uma Sociedade do Bem-Estar, a qual estamos

nos referindo no momento apenas como tentativa,

porque ela não se concretizou plenamente em todo o

mundo, mas somente naqueles países centrais do ca-

pitalismo. Nos países periféricos, foram principal-

mente uma referência. Nesse modelo, a concepção

implícita de trabalho atribuía uma centralidade rela-

tivamente menor, posto que o consumo ganhava im-

portância e o trabalho lhe sendo uma mercadoria, era

importante porque se constituía em um meio de ga-

rantia do consumo. Aquelas características do traba-

lho, já presentes no capitalismo tradicional e decor-

rentes da organização da produção (por exemplo,

parcelamento segundo as mínimas operações com-

ponentes, empobrecimento do conteúdo, etc.), foram

exarcebadas; porém, a obtenção do sucesso econô-

mico passou a ser explicada de maneira mais com-

plexa sendo o esforço apenas um dos aspectos rele-

vantes. Estabelecia uma troca entre trabalho esvazi-

ado de conteúdo, mas estimulado pelo reforços

socioeconômicos. Cabia então às empresas o

gerenciamento dessa situação, sob regulação do Es-

tado (concepção gerencialista).

Sob a chamada Terceira Revolução Industri-

al que ainda se configura, duas formas opostas de

conceber o trabalho são engendradas, sendo a di-

ferença básica entre as duas a importância atribu-

ída ao trabalho.

A essa síntese rápida, é necessário acrescentar

que, embora cada uma das concepções citadas seja

típica de um tempo histórico específico, o surgimen-

to de uma não significa a extinção da outra. Todas

de alguma forma continuam existindo. Além disso,

as desigualdades de desenvolvimento no Brasil en-

tre setores econômicos, regiões e organizações fa-

vorecem o convívio de várias concepções.

A primeira autora do presente texto desenvol-

veu anteriormente um trabalho de análise de conteúdo

de dois periódicos de circulação nacional e encontrou

em ambos a predominância de traços da concepção

gerencialista, alimentada pelo modelo de desenvol-

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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 59

vimento do Estado do Bem-Estar. Secundariamente

a essa concepção, em cada um dos periódicos emer-

gia uma das concepções que, conforme nossa expo-

sição, foram simultaneamente engendradas pela Ter-

ceira Revolução Industrial. A autora encontrou tam-

bém, em ambos os periódicos, resquícios da concep-

ção clássica do trabalho, segundo a qual este é

necessariamente degradante e pesado. Levantou a hi-

pótese explicativa de que tal traço de nossa cultura

do trabalho tem, de um lado, a herança da recen-

ticidade de nossa escravidão e, de outro, as atuais

condições conjunturais do mundo do trabalho que

subtraem a credibilidade de muitos conseguirem cons-

truir um mundo do trabalho melhor (Borges, 1999).

Em outro estudo (Borges, 2001), com amostra

de dirigentes de empresa acidentalmente distribuída

em todos os estados do país (por meio de questioná-

rio enviado pelos serviços dos Correios), foi possí-

vel examinar quanto os participantes valorizam cin-

co conjuntos de crenças de trabalho (Bülcholz, 1977),

a saber: ética do trabalho, crenças organizacionais,

crenças marxistas, crenças humanistas e ética do lazer.

Encontraram-se uma forte rejeição dos participantes

à ética do lazer e uma forte valorização de uma cren-

ça que aproximava as idéias do gerencialismo à se-

gunda alternativa de concepção descrita aqui como

engendrada pela Terceira Revolução Industrial, ou

seja, entre as crenças organizacionais e as crenças

humanistas segundo a nomenclatura de Bülcholz.

Essas observações adicionais são importantes

porque ressaltam a diversidade apresentada pela re-

alidade em que vivemos e mostram que os profissi-

onais precisam estar atentos ao convívio das diver-

sas concepções do trabalho em cada ambiente no

qual atuam ou promovem intervenções.

Retornemos, por fim, ao nosso ponto de par-

tida. Camus (2000) compara o destino trágico de

Sísifo ao do operário moderno, que trabalha todos

os dias de sua vida na mesma empreitada, destino

não menos absurdo.

Sísifo, “proletário dos deuses” (p. 166), é o

protótipo do homem revoltado, consciente da ex-

tensão da sua miserável condição. Mas é ciente, tam-

bém, de que o seu destino foi criado por ele mes-

mo, ao desejar um mundo sem mestres e sem deu-

ses. É a partir desse prisma que Camus enxerga a

felicidade na dor de Sísifo: ele nos ensina o valor

da “fidelidade superior que nega os deuses e ergue

os rochedos” (p. 168).

O tema deste capítulo, o mundo do trabalho, é

a história da incessante luta do homem pela trans-

formação da natureza, da alienação humana pro-

movida pelas condições específicas que o trabalho

assume na produção capitalista. Os diversos padrões

de acumulação capitalista não devem obscurecer o

essencial: a apropriação individual do trabalho so-

cial como a marca distintiva da ordem do capital.

A história do trabalho é, portanto, também a

história da resistência dos homens diante destas

condições impostas para a sua reprodução social.

A consciência não é, como no mito de Sísifo, indi-

vidual, mas de classe.

Nestes tempos de “desordem do trabalho”,

caracterizados pela aludida dificuldade em vislum-

brar perspectivas de superação da crise e pela subs-

tituição da ética da ação coletiva, que sempre mar-

cou a luta dos trabalhadores, pelas ações individu-

ais, colocam em risco conquistas históricas do mo-

vimento operário. Como Sísifo, é preciso desafiar

os deuses e assumir o controle do seu destino...

Compete a cada um de nós refletir sobre todas es-

sas tendências e se posicionar. Queremos contribuir

para a construção de que mundo do trabalho?

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