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PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS EM AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: A NÁLISE DAS
ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO NA MOBILIZAÇÃO POPULAR
Diego Roger Ramos Freitas1
Simone Cristina Dufloth2
Cláudia Júlia Horta3
Resumo O estudo tem por objetivo analisar as estratégias de comunicação empregadas nas audiências públicas como instrumentos de mobilização popular que resultem em participação dos cidadãos. O trabalho envolveu pesquisa bibliográfica mediante estudos acerca da comunicação pública e mobilização social, enfocando as estratégias de comunicação de massa, segmentada e direta, e seus atores envolvidos. Além disso, utilizou-se pesquisa de campo com aplicação de questionários aos cidadãos presentes nas audiências públicas, organizadas pela Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), no período de junho a dezembro de 2011; entrevistas semiestruturadas com líderes comunitários e sindicais; bem como observação direta mediante participação em audiências ocorridas no período analisado. Conclui-se com a pesquisa que, apesar de a divulgação feita pela CMBH ser relativamente uniforme, através de veiculação de nota no site institucional e do disparo de release para imprensa, o número de cidadãos presentes nas audiências é bastante variado. Os resultados trouxeram evidência empírica de que isso deve ser resultado sobretudo do nível de mobilização dos participantes envolvidos. Verificou-se que, em grupos mobilizados, o emprego de estratégia de comunicação direta, normalmente pessoal e exercida pelos reeditores sociais (como líderes comunitários e sindicais), é o que tem maior capacidade de mobilizar cidadãos para participação efetiva nas audiências públicas. Palavras-chave: Comunicação Direta. Mobilização. Audiência Pública.
Abstract The study aims to analyze the communication strategies employed at public hearings as instruments of popular mobilization that result in citizen participation. The essay involves literature search about studies of public communication and social mobilization, focusing on the communication strategies of mass, segmented and direct, and the actors involved.
1 Mestre em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro – FJP. Analista Educacional da Secretaria de Estado de Educação do Governo de Minas Gerais. Email: [email protected] 2 Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais. . Professora titular do Centro Universitário UMA. 3 Doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Pesquisador pleno da Fundação João Pinheiro e professora na Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho.
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Furthermore, it utilizes research with questionnaires to citizens present at the public hearings organized by the City Council of Belo Horizonte (CMBH) in the period from June to December 2011; semi-structured interviews with community leaders and union; and direct observation through participation in hearings during the period analyzed. The study concludes that despite the disclosure promoted by CMBH to be relatively uniform using the institutional site and release to the press, the number of citizens present in the audience is quite varied. The results bring empirical evidence that it mostly can be result of directed involved citizens mobilization level. It was observed that, at mobilized groups, employee of direct communication strategies, usually personal and exercised by republishes social (as community leaders and union), is the device that has greater capacity to mobilize citizens for effective participation in public hearings. Keywords: Direct Communication. Mobilization. Public Hearing.
1 INTRODUÇÃO
A mobilização social e a participação dos cidadãos em eventos e iniciativas do
governo, voltadas para o controle social e para a atuação mais efetiva da sociedade junto às
decisões governamentais, configuram-se como balizadores do processo democrático. Nesse
sentido, as audiências públicas apresentam-se com intuito de promover a participação da
sociedade, onde as partes presentes expõem tendências e preferências que, por meio do debate
aberto, podem conduzir o Poder Público à decisão de maior aceitação consensual.
Alicerçada pela teoria da democracia participativa, as audiências públicas propiciam
iguais oportunidades para os cidadãos atuarem em decisões governamentais. O interesse nas
audiências públicas estende-se não somente junto à sociedade civil, mas também a toda gestão
governamental, que se descentraliza e se torna permeável à participação popular na formação
da vontade administrativa.
No Brasil, as audiências públicas podem ser organizadas pelas casas legislativas
estaduais ou municipais e sua concretização plena pressupõe a participação ativa e efetiva da
população afetada pelas temáticas direcionadas a elas. Para isso, a ampla comunicação da
abertura das audiências públicas, bem como a publicidade e transparência de todo o
encaminhamento decorrente das suas discussões, incluindo seus registros e atos decisórios, é
fundamental para o processo democrático. Além disso, o número e a frequência das
participações populares e a postura dos cidadãos presentes nas audiências públicas devem ser
significativos mediante cenários de verdadeiros e construtivos debates entre as partes
envolvidas na busca do bem comum.
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A ampla divulgação das informações é parte inerente à existência das audiências
públicas. Em todos os momentos da condução das audiências públicas, incluindo-se os
antecedentes e os posteriores, são necessárias informações e sua divulgação é determinante
para o sucesso desses eventos. No momento preparatório das audiências, seus organizadores
devem coletar informações acerca das temáticas a serem desenvolvidas com vistas a
identificar os atores-chave que deverão ser convidados. Além dos convites direcionados aos
atores-chave, a ampla publicidade da realização das audiências deve abranger de forma plena
os cidadãos interessados em participar delas. No momento executório, as informações fluem
no contexto do debate e da deliberação. No momento de divulgação e acompanhamento dos
resultados, as estratégias de comunicação devem ser suficientes para o acompanhamento dos
cidadãos e para o controle social. As estratégias de comunicação e mobilização utilizadas para
veicular essas informações podem se valer de diferentes instrumentos de comunicação.
A comunicação para a mobilização dos cidadãos em relação às audiências públicas
convoca à participação contínua e efetiva da população no contexto do problema em pauta e
não apenas na divulgação do evento.
Considerando-se, para efeito do presente artigo, que as estratégias de comunicação
podem envolver instrumentos de massa, segmentada e direta; considerando-se que na
mobilização social diferentes atores (identificados como produtor social, reeditor social e
editor) assumem peculiares papéis e considerando-se os diferentes conteúdos temáticos
desenvolvidos nas audiências públicas, apresenta-se o seguinte problema de pesquisa: as
estratégias de comunicação empregadas nas diferentes etapas de realização das audiências
públicas são determinantes para a participação e mobilização das pessoas em torno dos temas
postos em discussão nesses eventos?
Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é analisar as estratégias de
comunicação utilizadas na divulgação das audiências públicas, como instrumentos de
mobilização popular que resultem na participação dos cidadãos no evento. Quer-se apurar se a
estratégia de comunicação empregada é determinante para a participação das pessoas ou se há
outros fatores tão ou mais importantes para isso. Assim, estratégia de comunicação baseada na
divulgação por instrumentos de comunicação de massa, por exemplo, seria suficiente, por si
só, para a maior participação dos cidadãos nas audiências?
A pesquisa direcionou-se às audiências públicas organizadas pela Câmara Municipal
de Belo Horizonte no período de junho a dezembro de 2011. Para identificar como os
cidadãos presentes nas audiências públicas tomaram conhecimento e se dispuseram a
comparecer ao evento, foram aplicados questionários os quais foram respondidos por 231
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cidadãos participantes das audiências ocorridas no período analisado. Também por meio
desses questionários, buscou-se identificar a percepção dos cidadãos relativamente a qual
seria o meio de comunicação ideal para divulgação das audiências públicas.
Complementarmente buscou-se, através de entrevistas, aprofundar a compreensão acerca das
rotinas administrativas adotadas para as audiências e o papel dos diferentes atores, sobretudo
dos reeditores, nos processos de comunicação e mobilização popular para participação dos
cidadãos nas audiências públicas. A análise do trabalho fundamentou-se na teoria de base
acerca da comunicação pública, do processo de mobilização social, de seus atores e
instrumentos, bem como no postulado teórico que aponta a precedência dos instrumentos de
comunicação direta nos processos de mobilização social, tratados nas seções 2, 3, 4 e 5. Em
seguida, na seção 6, detalha-se a metodologia do trabalho. Na seção 7, faz-se a apresentação e
análise dos dados e, na seção 8, tecem-se os comentários finais.
2 COMUNICAÇÃO PÚBLICA
A expressão “comunicação pública” vem sendo empregada com diferentes
significados de acordo com o contexto e região em que é empregada (BRANDÃO, 2007).
Essas disparidades demonstram que o termo ainda carece de conceito claro.
No Brasil, graças ao empenho da academia, e mesmo dentro dos múltiplos
significados dessa expressão, é possível identificar o ponto em comum, que é “aquele que diz
respeito a um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedade
com o objetivo de informar para a construção da cidadania” (BRANDÃO, 2007, p. 9). Essa
concepção decorre, segundo Brandão (2007), da obra de Pierre Zémor (1995). Para esse autor,
a comunicação pública legitima-se pelo interesse geral, público, não podendo se distanciar das
finalidades das instituições públicas, quais sejam as de:
a) informar (levar ao conhecimento, prestar conta e valorizar); b) ouvir as demandas, as expectativas, as interrogações e o debate público; c) de contribuir para assegurar a relação social (sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência do cidadão enquanto ator); d) e de acompanhar as mudanças, tanto as comportamentais quanto as da organização social (ZÉMOR, 1995 apud BRANDÃO, 2007, p. 14).
Uma ressalva a se fazer é a de que a comunicação pública não se restringe à
comunicação feita apenas pelo Estado (SILVA, 2003 apud BRANDÃO, 2007), embora se
possa depreender que esse ocupe tal espaço com primazia, dividindo-o, contudo, com outros
segmentos, como o terceiro setor, o jornalismo público e a internet. Ainda no esforço de
288
conceituar a comunicação pública, e focando-se essa na seara estatal – onde é mais fértil –, é
importante extremá-la da comunicação governamental, sendo a primeira de Estado, enquanto
a segunda, de Governo, onde se caracteriza pela difusão de informações integrantes da
racionalidade estratégica dos ocupantes do poder, assumindo, muitas vezes, a forma de
marketing institucional em detrimento do interesse público.
Portanto, a noção de comunicação pública supera a mera divulgação de informações
governamentais e de assessoria de imprensa como mecanismo de marketing
pessoal/institucional para colocá-la como instrumento facilitador do relacionamento entre
cidadãos e Estado (NOVELLI, 2007). A comunicação pública se propõe a constituir espaço
de informação e negociação entre os interesses das diversas instâncias de poder da vida
pública. Chega a caracterizar “um etos, uma postura de perceber e utilizar a comunicação
como instrumento de interesse coletivo para fortalecimento da cidadania” (DUARTE, 2007,
p. 60).
Nesse contexto, ela é centrada na garantia do direito à informação e à expressão, logo,
ao diálogo. Ofertar informação é a primeira parte do processo. Informação é o insumo básico
para acesso e uso de direitos referentes à cidadania (DUARTE, 2007). Ainda segundo esse
autor, difere-se dos dados pelo fato de terem recebido tratamento mediante formatação capaz
de torná-la inteligível e assimilável pelo interlocutor, que pode fazer uso da mesma de forma
útil.
A outra parte desse processo é justamente a comunicação que não se confunde com a
mera difusão, oferta, da informação. É preciso o estabelecimento de sintonia entre os
interlocutores, de diálogo em sua essência (DUARTE, 2007). Comunicação implica assim em
reciprocidade, em troca de informações entre os interlocutores. Para isso, são articulados
atores e instrumentos (ou canais) de comunicação para o alcance das finalidades do processo
de comunicação, dentre os quais está a mobilização social.
3 O PROCESSO DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL
Sob a égide do Estado Democrático de Direito, instaurado pela Constituição de 1988,
o indivíduo é instado a participar da vida política em que se encontra inserido. Isso envolve a
criação de cultura e ética democráticas voltadas para a participação e o reconhecimento da
diversidade e diferença (TORO; WERNECK, 2007). A construção, na prática, dessa ética e
cultura democráticas requer, na ótica de Toro e Werneck (2007), a mobilização social.
289
A mobilização social é muito mais do que a mera presença ou aglomeração de pessoas
em passeata, praça ou evento político qualquer. Mobilização ocorre quando um grupo de
pessoas age com objetivo compartilhado, buscando quotidianamente resultados decididos e
desejados por todos (TORO; WERNECK, 2007). Assim, a mobilização envolve a criação de
vínculo duradouro, de engajamento para causa comum.
Nesse sentido, mobilizar, segundo Toro e Werneck (2007, p. 5), é “convocar vontades
para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também
compartilhados”. Ela se inicia pelo chamamento, pela convocação das pessoas para uma
causa, e implica no engajamento, na criação de ligação duradoura em razão dessa causa, de
um propósito comum. Esse propósito é um projeto de futuro estável (TORO; WERNECK,
2007), se for passageiro, converte-se em mero evento, campanha, mas não em mobilização
propriamente dita.
E, como foi apontado anteriormente, a comunicação para mobilização não objetiva
apenas a divulgação do evento, mas a convocação para a participação continuada e efetiva, o
que requer que os indivíduos compreendam e se sintam inseridos no contexto do problema
(DUARTE, 2009). Dada a complexidade da ação comunicativa envolvida, “toda mobilização
requer um projeto de comunicação, embasado em metas e compartilhamento de informações
de todo o movimento, o que inclui objetivos, justificativas, ações” (MASSIMO, 2010, p. 61).
Nesse projeto de comunicação, são articulados atores e instrumentos de comunicação,
cada qual com seus respectivos papéis e escopos. Os atores, segundo sua função e
responsabilidade, foram classificados por Toro e Werneck (2007) em três categorias: produtor
social, reeditor social e editor. Já os instrumentos de comunicação o foram por Duarte (2007)
em outras três modalidades, conforme explicado na seção seguinte.
4 INSTRUMENTOS DE COMUNICAÇÃO E ATORES
Meio ou instrumento de comunicação é, fundamentalmente, segundo Monteiro (2007,
p. 36), “o canal ou suporte que conduz a mensagem” que o emissor deseja transmitir. Pode ser
representado pela própria voz, por jornais impressos, pelos meios de comunicação de massa,
por correspondências (impressas ou eletrônicas), dentre outros. Duarte (2007) propõe
classificação dos instrumentos de comunicação, do ponto de vista do estrategista de
comunicação, dos efeitos pretendidos e do público a ser atingido, em três tipos básicos: a)
massivos, b) segmentados, c) diretos. Duarte (2007) reconhece que estabelecer modelos de
comunicação é tarefa problemática e de alto risco, haja vista a sobreposição e
290
complementaridade entre os diferentes instrumentos. Essa tarefa ficou particularmente difícil,
ainda segundo o autor, após o surgimento da mediação por computadores, com destaque para
a internet. Isso porque as múltiplas possibilidades de comunicação proporcionadas pelo uso
de computadores conectados à internet permitem seu enquadramento em praticamente
quaisquer modelos/categorias das classificações propostas. Mesmo assim, esse autor assevera
que essas classificações simplificadas são úteis por estabelecerem ponto de partida
interpretativo para análises, de modo a permitirem “avaliar, criticar e determinar estratégias a
partir da natureza abstrata de um fenômeno” (DUARTE, 2007, p. 64).
A comunicação de massa é caracterizada pela difusão de informação para o grande
público, para o maior número possível de pessoas, que se comportam como espectadores
heterogêneos. É exemplificada pelas emissoras de TV, rádio, jornais de grande circulação
impressos e virtuais, e agências de notícias tradicionais e virtuais. É a principal fonte de
construção das representações sociais compartilhadas por parte da sociedade. Corrobora para
o estabelecimento de agendas e debates públicos. Entre suas limitações estão restrições ao
diálogo face às dificuldades de acesso ativo da maior parte dos atores sociais a esses
instrumentos de comunicação. Duarte (2007) afirma também que esses são os instrumentos
mais utilizados nas estratégias de comunicação daqueles que estão no poder, uma vez que eles
criam fluxos unidirecionais de informação que difundem aquilo que lhes convém. Nesse
sentido, Bordenave e Carvalho (1979, p. 158 apud DUARTE, 2007, p. 66) afirmam que “as
elites preferem canais de organização ou de comunicação de massas nos quais o controle e a
previsibilidade são aumentados”, minimizando, assim, o potencial das relações informais
frente ao poder político que representam.
A comunicação segmentada “é orientada para grupos de interesse específico em que
há maior possibilidade de domínio sobre o conteúdo, acesso e distribuição e de obter retorno,
participação e diálogo” (DUARTE, 2007, p. 66). Toma parte em estratégias para manter mais
próximos interlocutores com interesses e/ou características comuns. É exemplificada por
publicações específicas, como jornais e revistas de classes/categorias profissionais e de
associações de bairro, newsletters, sites e blogs temáticos, dentre outros. O autor mencionado
afirma que o advento da internet vem fortalecendo crescentemente esse modelo de
comunicação.
A comunicação direta refere-se ao contato personalizado, normalmente face a face e
em tempo real. É exemplificada pelos atendimentos presenciais, por telefone ou via internet,
pelas reuniões, debates (inclusive em sede de audiências públicas), grupos de trabalho, fóruns
de discussão, dentre outros. Possui alta eficiência já que se ajusta imediatamente às
291
características do interlocutor durante a própria comunicação. Sua principal característica é
facilitar a interação, permitindo a troca de informações, a reciprocidade, o saneamento
imediato de dúvidas, além de corroborar para o estabelecimento de laços de confiança. Duarte
(2007) também afirma que a proximidade entre os interlocutores garante aprendizagem mais
robusta, assim como feedback mais imediato e preciso.
Já os atores envolvidos em processos de mobilização social são, como dito
anteriormente, classificados em: produtor social, reeditor social e editor (TORO; WERNECK,
2007).
Para compreender o papel de cada um desses atores, bem como suas inter-relações,
imagine-se que se deseja realizar comunicação para mobilização. O produtor social é o órgão
ou instituição que tenha condições técnicas, financeiras e de pessoal para viabilizar o processo
de mobilização, conduzindo as negociações e debates. Pode ser representado por um órgão ou
instituição pública, por uma empresa, ONG, dentre outros. Ele deve convocar diretamente, ou
seja, por intermédio de meios de comunicação direta, os reeditores sociais, que são pessoas
(ou grupos) que, por seu papel, ocupação ou posição social, têm a capacidade de entrar em
contato diretamente com o público alvo a ser convidado, tal como ocorre com líderes
comunitários e sindicais.
Esses reeditores executam precipuamente a comunicação direta relativamente ao seu
público específico (a comunidade, os membros do sindicato, etc.). A comunicação direta é
marcada pela pessoalidade, sendo mais efetiva na mobilização das pessoas para comparecer e
tomar parte numa discussão. Outro aspecto que contribui para a mobilização promovida pelos
reeditores está no fato de que eles são reconhecidos socialmente perante seu público próprio,
tendo assim capacidade de formar opinião, introduzir ideias, além de interpretar e ampliar o
conteúdo recebido (também dos produtores sociais) adequando-o ao seu público.
Paralelamente a isso, os produtores sociais devem manter contato com os editores que
são os profissionais de comunicação, normalmente ocupantes de postos na imprensa e
veículos de comunicação de massa. A função dos editores, por sua credibilidade social, é dar
legitimidade e amplo conhecimento do processo de mobilização, reforçando-o. Eles também
se prestam a “'posicionar' o imaginário e coletivizar a atuação dos reeditores” (TORO;
WERNECK, 2007, p. 40) perante os demais atores e mesmo dentre os próprios reeditores,
fortalecendo e estimulando a manutenção do vínculo de participação.
Como demonstrado no processo de mobilização, são articulados diversos atores e
instrumentos de comunicação, cada qual com sua importância. Quanto a esses últimos, porém,
292
há que se chamar atenção para os instrumentos de comunicação direta no que se refere ao
alcance dos objetivos da mobilização, como é mostrado na seção seguinte.
5 PRECEDÊNCIA DOS INSTRUMENTOS DE COMUNICAÇÃO DIRET A NOS
PROCESSOS DE MOBILIZAÇÃO
Duarte (2007) afirma que frequentemente não se alcançam os objetivos dos processos
de mobilização porque é superestimada a capacidade dos instrumentos de comunicação de
massa. Como explicado anteriormente, o processo de mobilização inicia-se pelo contato direto
entre produtor e reeditor social. Os editores, munidos sobretudo dos instrumentos de
comunicação de massa, acompanham esse processo, apoiando-o e dando ampla publicidade
do mesmo. Porém, o contato entre produtor e reeditor e entre esse último e seu público deve
se dar prioritariamente a partir das redes de comunicação direta (DUARTE, 2007).
A razão disso é que, conforme Toro e Werneck (1996 apud MASSIMO, 2010), em
geral, quanto mais próximo o contato, maior a possibilidade de os reeditores promoverem
mudanças em seu campo de atuação (no caso, a mudança esperada é a mobilização de seu
público específico para a causa comum). Nas palavras do autor:
Os diferentes meios (rádio, TV, impressos, vídeo, fibra ótica, etc) podem ser usados em qualquer dos níveis anteriores, mas cada um desses níveis tem possibilidades distintas com relação à cobertura. Essas variáveis estão inversamente relacionadas: quanto maior a cobertura (comunicação massiva), menor a possibilidade de criar modificações estáveis (efetividade). Pelo contrário, a comunicação pessoal (nível
micro) tem melhores possibilidades de efetividade (TORO; WERNECK, 1996, p. 38 apud MASSIMO, 2010, p. 63).
A utilização dos instrumentos de comunicação de massa é importante para ampliar a
legitimidade do processo, e não para gerar modificações diretas no campo de atuação dos
reeditores. Já os instrumentos de comunicação direta “são os que estabelecem instância de
interação no âmbito da cooperação, estimulando o exercício da cidadania” (DUARTE, 2007
apud MASSIMO, 2010). Afinal, na comunicação direta há a possibilidade de se conhecer e se
adaptar às características, interesses e expectativas do público com o qual se comunica.
Por tudo isso é que a literatura trabalhada (TORO; WERNECK, 2007; DUARTE,
2007; MASSIMO, 2010) assume que é a comunicação direta a que possui maiores condições
de promover mobilização. Como afirma Duarte:
293
[…] todas as pesquisas indicam que, apesar das possibilidades da tecnologia, a comunicação mais efetiva ainda é a viabilizada pelo contato pessoal, olho no olho, em que pese as naturais dificuldades surgidas quando se estabelecem diferenças em níveis ideológicos, de valores, culturais, educativos e até de competência comunicativa entre interlocutores. (DUARTE, 2007, p. 67).
Os instrumentos de comunicação de massa (como TV, rádio) e segmentada (como
jornais, revistas ou sites específicos) são limitados nesse sentido, atuando, contudo, em outras
dimensões, conforme dito acima. Mas, em termos de mobilização, é aceito que as pessoas
saem de suas rotinas privadas fundamentalmente pelo estímulo direto propiciado pelos
reeditores sociais (TORO; WERNECK, 2007).
6 METODOLOGIA
Na definição dos procedimentos quantitativos e qualitativos utilizados consoantes às
características do problema, de sua amplitude, e de acordo com as premissas do marco teórico
dessa pesquisa, optou-se pela utilização da pesquisa bibliográfica para a elaboração do eixo
teórico-analítico da pesquisa. Além disso, para identificar a percepção dos cidadãos
relativamente a qual seria o meio de comunicação ideal para divulgação das audiências
públicas e para descobrir como esses cidadãos (presentes nas audiências públicas) tomaram
conhecimento e se dispuseram a comparecer ao evento, foram aplicados questionários e
realizadas entrevistas semiestruturadas com atores-chave na realização das audiências
públicas. Houve, ainda, ao longo da pesquisa, observação direta espontânea.
A aplicação dos questionários deu-se no período compreendido entre 16/06/2011 e
01/12/2011. Nesse período, foram realizadas 84 (oitenta e quatro) audiências públicas na sede
da Câmara Municipal de Belo Horizonte, com temas variados. Desse total, houve aplicação
dos questionários em 39 audiências públicas. Em outras 11 (onze) audiências, não houve
público externo acompanhando o evento, apenas convidados que compuseram a mesa, não
tendo sido por isso aplicados os questionários. Os mesmos também não foram aplicados em
outras 34 (trinta e quatro) audiências, por motivos alheios aos pesquisadores. O público
presente nas 84 audiências totalizou 1932 (mil novecentas e trinta e duas) pessoas. Nesse
período, foram recolhidos 231 (duzentos e trinta e um) questionários respondidos pelos
cidadãos, o que constitui a amostra da pesquisa. Os dados constantes dessa amostra foram
tabulados e trabalhados no software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences).
O questionário é autoexplicativo, devendo ser respondido diretamente pelo cidadão
sem qualquer sorte de auxílio, por parte do aplicador, quanto à sua interpretação e
294
preenchimento. Ele é constituído de cinco questões fechadas e uma aberta. Com sua
aplicação, objetivou-se identificar aspectos relativos à mobilização para participação nas
audiências (a maneira pela qual os cidadãos são informados acerca de sua realização e como
pretendem manter-se envolvidos com a temática tratada). O questionário aplicado a cidadãos
presentes em audiências públicas realizadas pela CMBH encontra-se no Apêndice – A, em
Freitas (2012, p. 185).
As entrevistas semiestruturadas foram realizadas entre dezembro de 2011 e janeiro de
2012. Foram entrevistados dois membros do corpo administrativo da CMBH e três líderes
comunitários/sindicais, doravante denominados ADM 1, ADM 2, LID 1, LID 2 e LID 3,
respectivamente. Por meio delas, tentou-se, dentre outros, complementar a compreensão
acerca das rotinas administrativas adotadas para as audiências e o papel dos diferentes atores
tanto nos processos de comunicação como na mobilização da população para participação nas
audiências públicas.
Durante todo esse período, foi realizada também observação direta não estruturada
(espontânea) pelos pesquisadores que acompanharam a realização das audiências públicas e
de parte da rotina administrativa da CMBH, o que serviu para contextualizar os pesquisadores
e para aprofundá-los na realidade que estudavam. Isso repercutiu positivamente na
compreensão do problema e na formulação de perguntas que orientaram a realização das
supracitadas entrevistas semiestruturadas.
7 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), verifica-se que, uma vez definida a
realização da audiência pública, a divulgação é feita via de regra simultaneamente pela: a)
publicação, no portal da instituição, do requerimento aprovado pela Comissão contendo a
relação de convidados, o dia, horário e tema da audiência pública, em ordem cronológica, na
seção de Atividade Legislativa > Audiências Públicas (CMBH, AUDIÊNCIAS PÚBLICAS,
2011); b) pela divulgação de nota, em formato capaz de despertar a atenção dos interessados
(segundo ADM 2), na página inicial do portal da CMBH, dentro do espaço reservado às notícias;
c) inserção de link na agenda, disponível na parte inferior do portal da instituição; e, d) disparo de
boletim eletrônico (release) enviado aos órgãos da imprensa informando sobre a realização da
audiência pública.
Excepcionalmente, consoante com ADM 1 e ADM 2, alguns vereadores providenciam a
divulgação, através de convite e até mesmo o transporte de convidados ou público em geral. Isso
295
ocorre segundo critérios próprios dos parlamentares, e às vezes, em decorrência da inexistência
de condições para a assessoria das comissões realizarem a convocação institucional, seja pela
inexistência ou total desconhecimento de endereço válido, dificuldade de acesso, ou então, em
decorrência de agendamento de audiência pública sem tempo hábil para a rotina administrativa
pertinente. Também excepcionalmente, algumas audiências têm divulgação nos meios de
comunicação de massa, como TV e rádio, mas isso segundo critérios das Comissões. Certo é
que, no período pesquisado, não se teve notícia de que tenha havido quaisquer dessas
excepcionalidades, sobretudo a existência de transporte público gratuito para os cidadãos,
variável essa mais facilmente diagnosticada pelas entrevistas e observação direta realizadas.
Apurou-se também que, via de regra, as audiências são realizadas nas próprias
dependências da CMBH.xix Havendo força maior, a audiência pública pode ser deslocada para
fora de sua sede, em outro local do Município. Quanto ao horário, observa-se que as audiências
públicas são realizadas usualmente durante o expediente da CMBH, que se estende das 07:30hs
às 19hs,xx de acordo com a Portaria nº11.521/2008.
Mas, a despeito da divulgação e realização das audiências de maneira fundamentalmente
uniforme, exposta acima, algumas audiências contam com maciça participação popularxxi
enquanto que outras tantas restam com público diminuto ou mesmo vazias.
Indagadas as causas desse fenômeno, aventou-se inicialmente que um fator que poderia
justificá-lo é o próprio tema posto em discussão, havendo temáticas supostamente mais sensíveis
à participação. ADM 1 sugere que “outras vezes, a ampla participação é decorrência do número
de pessoas afetadas pelo problema”. Também poderiam interferir no quantitativo de público
presente o horário e o local em que foram realizadas as audiências. Contudo, analisando-se a
relação das audiências com seus respectivos temas no período da pesquisa, horário e local não se
consegue perceber tendência ou padrão relacionando o horário, local e a chamada abrangência
temática da audiência com o público presente na mesma. Nesse sentido, confira-se a seguir
tabela em que são destacadas, do período pesquisado, as audiências que tiveram os dez menores
e dez maiores públicos presentes (Tabela 1):
Tabela 1 – Dez menores e maiores públicos presentes em audiências da CMBH, e seus respectivos horários e locais de realização, no período compreendido entre junho e dezembro de 2011 Tema Horário Local de
realização Público presente
DISCUTIR SOBRE A INSTALAÇÃO DE RADARES FIXOS E MÓVEIS NO MUNICÍPIO
13:30 CMBH 0
DISCUTIR A EXIGÊNCIA DE ALVARÁ DE 13:30 CMBH 0
296
LOCALIZAÇÃO E FUNC. PARA CADA ESTANDE FUNCIONAMENTO OU BOX DOS SHOPPINGS POPULARES ESCLARECER OS MORADORES DAS VILAS LEONINA E ANTENA E DO CONJUNTO SANTA MARIA
13:30 CMBH 0
DISCUTIR SOBRE O TIPO DE OCUPAÇÃO PREVISTA PARA O IMÓVEL DA RUA SANTA FÉ NO BAIRRO SION
13:30 CMBH 0
DISCUTIR AS AGRESSÕES MOTIVADAS POR INTOLERÂNCIA E PRECONCEITO CONTRA OS HOMOSSEXUAIS EM BELO HORIZONTE
13:00 CMBH 0
DISCUTIR OS INVESTIMENTOS DO DRENURBS NA REGIÃO LESTE DA CAPITAL, DISCUTIR A IMPLANTAÇÃO DA UEMG NA AV. JOSE CANDIDO DA SILVEIRA E SEUS IMPACTOS
13:00 CMBH
0
DISCUTIR AS POSSÍVEIS ALTERAÇÕES DE CLASSIFICAÇÃO DAS VIAS NO BAIRRO SION E OUTROS
09:30 CMBH 0
DISCUTIR LICENCIAMENTO DE PARCELAMENTO DO SOLO E DE CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÕES NO BAIRRO OLHOS D' ÁGUA
13:30 CMBH
0
PROMOVER ESTUDOS RELATIVOS A SITUAÇÃO DO SETOR DE TECNOLOGIA DE INFORMACAO EM BELO HORIZONTE
09:30 CMBH 0
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DESTINADA A JOVENS, CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA EM BH
13:30 CMBH 56
DISCUTIR SOBRE AS ÁREAS PÚBLICAS MUNICIPAIS ONDE SE ENCONTRAM CAMPOS DE VARZEA
09:30 CMBH 59
EM DECORREÊNCIA DA APROVAÇÃO DO REQUERIMENTO 1.326/11/SITUAÇÃO DOS PIPOQUEIROS, VEREADOR HUGO THOME
09:00 CMBH 66
DISCUTIR PORTARIA DA BHTRANS Nº 005/2011, QUE TRATA DOS TRANSPORTADORES ESCOLARES DE B.H
09:00 CMBH 73
DISCUTIR AS CONDIÇÕES DE VIABILIDADE URBANA E SEGURANÇA DO BAIRRO LAGOINHA E ADJADCENCIAS
13:00 CMBH 81
SETOR DE ENTRETENIMENTO, FOCANDO O DESENVOLVIMENTO DO MUNICÍPIO
09:30 CMBH 94
DISCUTIR O PROJETO DE LEI Nº 1.736/11 QUE REGULAMENTA O ART. 29 DA LEI ORGÂNICA, SEGUNDO O QUAL “A LEI DEFINIRÁ OS ATOS DECISÓRIOS DE RELEVÂNCIA QUE DEVERÃO SER PUBLICADOS PARA PRODUZIR EFEITOS”.
13:00 CMBH
100
297
DISCUTIR SOBRE A INSTALACAO DE ANTENAS DE TELEFONIA CELULAR
13:00 CMBH 104
ELABORÇÃO DO PLANO DE CARREIRA P/ AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE E AGENTES DE COMBATE ENDEMIAS
09:00 CMBH 110
AUDIÊNCIA PARA DISCUTIR O PROJETO DE LEI Nº 1920/11 QUE REESTRUTURA O REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
10:00 CMBH
309
Fonte: Moura, 2012 (adaptado).
Mesmo envidando-se esforço, não se consegue agrupar os temas postos em discussão
segundo suas respectivas naturezas. Os temas são bastante heterogêneos, não havendo critério
passível de orientar seu agrupamento. Ademais, todas elas foram realizadas durante o horário
comercial, contradizendo-se, assim, o que preconiza a literatura específica, segundo o qual as
audiências públicas devem ser realizadas fora desse horário, a fim de que não comprometam a
rotina das pessoas, inviabilizando sua participação.
Diante disso, com suporte na literatura pesquisada, aventou-se a hipótese de que o fator
que mais justificaria o amplo comparecimento, ou não, das pessoas nas audiências públicas seria
o grau de mobilização daqueles que são afetados pela temática em discussão. Ou seja, grupos
mais mobilizados compareceriam em maior número do que grupos desmobilizados e/ou
compostos por participantes individuais. Nesse sentido, o público presente poderia ser
decorrência direta da mobilização influenciada pela atuação dos reeditores sociais (TORO e
WERNECK, 2007), que, valendo-se dos instrumentos de comunicação direta, teriam a
capacidade de mobilizar as pessoas a deixarem suas rotinas e se engajarem em causa comum.
Para se averiguar essa hipótese, os dados gerados pelos questionários foram analisados
no sentido de se verificar por quais instrumentos de comunicação as pessoas tiveram
conhecimento da realização da audiência pública de que participavam. É notório que, como dito
alhures, o processo de mobilização é muito mais amplo e complexo do que a mera divulgação de
informações para participação nas audiências. Contudo, dadas as condições de realização da
pesquisa, restava inviável analisar, caso a caso, como foi (e se o foi) feita mobilização por
reeditor social no âmbito das comunidades/sindicatos afetados pelos temas postos em discussão
nas audiências públicas da CMBH. Por isso, baseou-se nos dados trazidos pelos questionários
com a ciência de que os mesmos refletem pelo menos parte da realidade dos processos de
mobilização. Afinal, é pelos instrumentos de comunicação, sobretudo, que atuam os reeditores
sociais, mobilizando seu público específico.
298
Assim sendo, em atenção à questão que indagava por qual meio o respondente tomou
conhecimento das audiências públicas, verificou-se que pouco mais da metade deles (cerca de
52,0% dos respondentes) informaram que o foi “pessoalmente, em visita à Câmara de
Vereadores ou via contato pessoal com colegas de trabalho, vizinhos, lideranças da comunidade,
parentes, amigos pessoais, funcionários e/ou Vereadores da Câmara”. Em segundo lugar, com
9,6% das respostas, os cidadãos afirmaram que tomaram conhecimento da audiência por meio da
internet, aí se considerando principalmente “e-mail ou site de associação, de vereador, partido
político, sindicato e congêneres”. Vide Figura 1:
Figura 1 – Por qual instrumento de comunicação o respondente teve ciência da audiência pública (em %)
Fonte: Dados da pesquisa.
Categorizando as respostas acima segundo a classificação de Duarte (2007), evidencia-
se a relevância dos instrumentos de comunicação direta para a mobilização das pessoas.
Confira-se a Figura 2:
Figura 2 – Instrumentos de comunicação, classificados segundo Duarte (2007), pelos quais os respondentes tiveram ciência da audiência pública (em %)
299
Fonte: Dados da pesquisa.
É no escopo da comunicação direta em que se insere o papel desempenhado pelos
reeditores (como líderes comunitários e sindicais) para a mobilização das pessoas, estimulando-
as a participarem das audiências públicas (TORO; WERNECK, 2007). Conforme preconizado
pela literatura estudada, é a comunicação direta a que tem mais condições de mobilizar e
efetivamente trazer o cidadão para a audiência pública. Logo, é coerente a informação trazida
pelos resultados observados.
Essa constatação é reforçada ao se observar que esse mesmo padrão de resposta é obtido
na questão do questionário que indagou por qual instrumento de comunicação o respondente
pretende acompanhar os encaminhamentos da audiência pública. Vide Figura 3:
Figura 3 – Por qual instrumento de comunicação o respondente pretende acompanhar os encaminhamentos da audiência pública (em %)
Fonte: Dados da pesquisa.
300
Novamente, os instrumentos de comunicação direta foram apontados por pouco mais da
metade dos respondentes,xxii agora, com o intuito de acompanhar os encaminhamentos das
audiências. Isso é relevante uma vez que, como dito alhures, a ideia de mobilização implica
engajamento, criação de ligação duradoura em razão de uma causa, de um propósito comum.
Esse propósito é um projeto de futuro estável (TORO; WERNECK, 2007), se for passageiro,
converte-se em mero evento, campanha, mas não em mobilização propriamente dita. E, como
visto, os respondentes pretendem seguir acompanhando os encaminhamentos da audiência
pública de que participaram pelos mesmos instrumentos de comunicação direta originalmente
utilizados para se informarem e se sentirem estimulados a tomar parte na mesma.
Saliente-se, por último, que a preponderância da comunicação direta para mobilização foi
apontada em todas as entrevistas realizadas junto aos líderes comunitários/sindicais. LID 2
afirmou que a Associação dos Moradores do Bairro Planalto e Adjacências contatou a CMBH
para chamar atenção dos parlamentares acerca de questão envolvendo área verde da região
(objeto da audiência pública). Mas enfatizou que, mesmo nesse caso em que a iniciativa partiu
da própria comunidade, “se a própria associação não se incumbir da promoção, transporte, as
pessoas não comparecem”. Nesse caso, LID 2 comentou que a mobilização foi desenvolvida por
meio de passeatas, reuniões, seminários, panfletagem (cerca de 10.000 – dez mil – panfletos),
manifestações, dentre outros. No caso da Associação dos Moradores do Bairro de Lourdes, a
problemática dizia respeito à poluição sonora causada por bares da região. Segundo seu
presidente, LID 1, os vereadores é que entraram em contato com a associação para proporem
audiência pública com o fito de equalizarem a questão. A mobilização da comunidade ficou a
cargo da própria associação dos moradores. Ainda de acordo com LID 1, foram distribuídos
cerca de 4.000 (quatro mil) panfletos, além do envio de e-mails para os membros da
associação.xxiii Mas, segundo seu relato, o diferencial foi mesmo o contato pessoal, a conversa
direta feita no bairro, mormente aos fins de semana, além da entrega do boletim impresso
diretamente aos moradores da região. Mesmo assim, LID 1 ainda reclamou que a maior parte
dos presentes na audiência pública era composta por donos de bares.xxiv
Essa mesma constatação foi apurada como fruto da observação direta não estruturada
realizada pelos pesquisadores. Comunidades mais engajadas, mobilizadas, eram as que tinham
participação mais atuante e volumosa nas audiências públicas. A figura do líder
comunitário/sindical sempre se destacava nos eventos, ordenando a ação coletiva e coordenando
forças; sinalizando a importância do papel desempenhado pelos reeditores sociais na
mobilização das pessoas para comparecerem e tomarem parte nas discussões travadas no âmbito
das audiências públicas realizadas pela CMBH.
301
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Corroborando com a literatura, a presente pesquisa trouxe evidência empírica de que a
comunicação direta, normalmente pessoal, tem a capacidade de mobilizar um maior contingente
de pessoas a deixarem suas rotinas e se engajarem em causa comum nas audiências públicas da
CMBH.
Verificou-se ainda que, mesmo a CMBH realizando divulgação relativamente uniforme
das audiências públicas, o número de pessoas presentes nas reuniões é bastante variado. Algumas
delas são acompanhadas por público maior e com maior engajamento, enquanto outras restam
vazias. Não foram encontradas razões para isso no tema posto em discussão, nem no horário ou
local de realização da audiência. Mas se ponderou que um dos elementos determinantes pode ser
a ação assumida e exercida pelos “reeditores sociais”, como os líderes comunitários e sindicais.
Nesse sentido, os dados dos questionários indicaram que a maior parte das pessoas teve ciência
da realização da audiência pública e pretendem se informar acerca de seus encaminhamentos
fundamentalmente por intermédio de instrumentos de comunicação direta que são justamente
aqueles dos quais se valem os reeditores sociais. Isso confirma o que a literatura advertira acerca
do alcance limitado dos instrumentos de comunicação de massa e segmentada para a
mobilização das pessoas.
Dessas conclusões podem ser retiradas outras de cunho prático, assimiláveis não somente
pela CMBH como por quaisquer outros produtores sociais (como outras Casas Legislativas,
órgãos do Executivo, ONGs, associações de bairro, dentre outras). A maior divulgação da
realização das audiências públicas por meio de instrumentos de comunicação de massa ou
segmentada não deverá acarretar, por si só, no aumento da participação popular nas mesmas.
Essa medida, conforme literatura acima sumariada, apenas tornará a ocorrência desses eventos
(dessas audiências) mais permeável, mais presente, na consciência coletiva da população.
Mas, como dito, não garantirá a presença, a mobilização dos atores sociais para tomarem
parte, para participarem das audiências públicas.
Assim, se se deseja maior e mais efetiva participação, há que se dedicar maior atenção
à comunicação direta entre reeditores (como líderes comunitários e sindicais) e seus
respectivos públicos específicos. É por esse canal que se deve conseguir a mobilização das
pessoas para a causa pretendida.
Mas isso não significa que os instrumentos de comunicação direta sejam mais
importantes que os de massa e segmentada e que, portanto, esses últimos possam ser deixados
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de lado. Em verdade, os três tipos são necessários (TORO; WERNECK, 2007), cada qual
com seu respectivo papel. A estratégia de comunicação pública deve contemplar a
complementaridade entre esses instrumentos de comunicação. Não se pode apenas contatar
diretamente os reeditores sociais e abandonar qualquer sorte de divulgação em outros canais
de comunicação. Como visto, a veiculação de informações via instrumentos de comunicação
de massa e segmentada também têm sua importância, em suma: a de coletivizar a ação dos
reeditores e das pessoas mobilizadas; e de trocar informações orientadas para interesses
específicos, aprofundando o debate.
Por tudo isso, há que se pugnar pela complementaridade entre os diferentes
instrumentos de comunicação nos processos de mobilização, estando-se seguro, todavia, de
que a mobilização em si é fruto da comunicação direta promovida pelos reeditores sociais.
xixDe acordo com dados do CAC (Centro de Atendimento ao Cidadão da CMBH), no período compreendido entre 16/06/2011 e 01/12/2011, cerca de 94% das audiências públicas foram realizadas na sede da CMBH. xx Ainda de acordo com dados do CAC, no período compreendido entre 16/06/2011 e 01/12/2011, 96,5% das audiências públicas foram realizadas em horário comercial (sendo que 59,5% do total de audiências públicas foram realizadas entre 13 e 14hs). Outros 3,5% das audiências públicas do período citado foram realizadas após as 18hs. xxi Durante o período de aplicação dos questionários aos cidadãos presentes em audiências públicas realizadas pela CMBH – ocorridas entre junho e dezembro de 2011 – estiveram presentes 1932 (mil novecentos e trinta e duas) pessoas. Nesse período, foram realizadas 84 (oitenta e quatro) audiências públicas, o que dá uma média de 23 (vinte e três) pessoas presentes por audiências. Mas, diante da existência de audiências com público bem mais elevado que a média, calculou-se a mediana do público presente, o que totalizou 11 (onze) pessoas. A mediana é medida de dispersão menos sensível a valores extremos, sendo útil para complementar a visualização da distribuição de uma dada população (STEVENSON, 2001). xxii Categorizando as respostas segundo a classificação de Duarte (2007), obteve-se gráfico com o mesmo perfil observado na Figura 2. Os percentuais obtidos foram: comunicação direta (53,3%), comunicação segmentada (30,8%), comunicação de massa (11%), outras formas de contato ou não pretende acompanhar os encaminhamentos da audiência pública (4,9%). xxiii Registre-se que, à exceção de um dos entrevistados (LID 3), tanto LID 1 quanto LID 2 confirmaram que suas respectivas associações utilizam e-mail como um dos canais de comunicação interna e externa. Contudo, sobretudo para mobilizar, ambos os entrevistados confirmaram que esse meio não é muito efetivo. Nas palavras de LID 1, as pessoas “alegam que não viram o contato” (o e-mail) deixando de participar; sendo por isso mais relevante, em sua opinião, o contato direto, pessoal. xxiv Segundo se apurou por intermédio dos questionários aplicados aos cidadãos presentes nas audiências públicas organizadas pela CMBH, o interesse “profissional” foi apontado por 40,9% dos respondentes, seguido pelo interesse “pessoal”, indicado em 34,2% das respostas.
Recebido em junho de 2013.
Aprovado em março de 2015.
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