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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA JOSÉ GUILHERME DOS ANJOS COSTA PARTICIPAÇÃO POPULAR, SOCIEDADE CIVIL E CONSELHOS GESTORES: desafios para a construção de políticas públicas de esporte e lazer no território Litoral Norte e Agreste Baiano. ALAGOINHAS 2012

Participação popular, sociedade civil e conselhos gestores: desafios para construção de políticas públicas de Esporte e Lazer no Território Litoral Norte e Agreste baiano

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José Guilherme dos Anjos Costa

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

JOSÉ GUILHERME DOS ANJOS COSTA

PARTICIPAÇÃO POPULAR, SOCIEDADE CIVIL E CONSELHOS GESTORES: desafios para a construção de políticas públicas de esporte e lazer no território

Litoral Norte e Agreste Baiano.

ALAGOINHAS 2012

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JOSÉ GUILHERME DOS ANJOS COSTA

PARTICIPAÇÃO POPULAR, SOCIEDADE CIVIL E CONSELHOS GESTORES: desafios para a construção de políticas públicas de esporte e lazer no território

Litoral Norte e Agreste Baiano.

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus II, Alagoinhas, como requisito parcial à obtenção de grau de Licenciado em Educação Física. Orientador: Prof.º Ms. Luiz Carlos Rocha.

ALAGOINHAS 2012

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Ao mestre e sempre companheiro Luiz Carlos Rocha

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AGRADECIMENTOS A Deus, pai de amor infalível, luz nos momentos mais difíceis de minha vida,

por me permitir tropeçar e sentir sua presença, me mantendo forte nas fraquezas e

sereno nas tormentas.

Aos meus pais, pela vida, pelo amor e por me ensinarem a permanecer

sempre fiel aos bons princípios e cuja dedicação e ensinamentos fizeram de mim o

homem que sou.

Aos mestres, tanto os de agora como todos que passaram por minha vida, e

que desde as primeiras letras contribuíram para que eu chegasse até aqui.

Às colegas da panela de barro, que apesar da distância, foram grandes

incentivadoras e companheiras nessa caminhada.

Aos amigos Abdoral Brito e Fabrizio Fiscina que passaram por minha vida e

me agraciaram com um pouco de sua sabedoria.

Aos meus amores mais recentes: Mô e Gui, por preencherem um grande

vazio de minha vida, por me motivarem ainda mais a alcançar essa vitória (e por

agüentarem firmes a barra nesses últimos tempos de estresse e correria).

À sociedade que ao me garantir o direito ao ensino superior, me impôs o

dever moral de contribuir para o desenvolvimento do país, devolvendo a ela os frutos

desses anos de investimento público em minha formação.

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"Só com trabalho e dedicação é possível tornar sonhos em eventos realizáveis. O caminho não é fácil, mas lembremo-nos que feitos grandiosos vêm sempre acompanhados de dificuldades à altura e que o valor das vitórias é diretamente proporcional à dureza das batalhas."

(O Autor)

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RESUMO

O presente trabalho se propôs a discutir a participação popular na construção das

políticas públicas de esporte e lazer nos municípios do Território 18 (Litoral Norte e

Agreste Baiano) utilizando para tanto uma investigação acerca da existência de

conselhos municipais de esporte e lazer e a forma como se originam os projetos e

programas do setor. Numa perspectiva essencialmente qualitativa e de cunho

descritivo, foram utilizados a entrevista e a observação simples como instrumentos

de coleta de dados, analisando-os a partir da delimitação de categorias por meio do

método indutivo. Ficou evidente a limitação da participação popular no que tange às

políticas públicas de esporte e lazer no campo pesquisado, fato justificado pela

inexistência, na maioria dos municípios, de instrumentos democráticos de co-gestão

destas e a restrição dessa participação a poucos grupos. Esse fato pode ser

explicado pela ausência de uma visão mais crítica do lazer tanto pelos gestores

quanto pela população e pela falta de interesse dos executivos municipais em

garantir essa participação como forma de controle social de suas ações.

Palavras chave: Políticas públicas. Lazer. Participação popular. Conselhos gestores.

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ABSTRACT

This study aimed to discuss the construction of popular participation in public policy

for sports and leisure in the cities of the Territory 18 (North Coast and Agreste

Baiano) using for this purpose an investigation concerning the existence of local

councils of sport and leisure and how they originate projects and sector programs.

Looking primarily a descriptive and qualitative, were used interviews and

observation as simple tools for collecting data, analyzing them from the definition of

categories through the inductive method. It was evident the limitation of popular

participation in public policy terms of sport and leisure in the field of research, which

may be explained by the absence, in most municipalities, the instruments of

democratic co-participation of these restrictions and a few groups. This fact can be

explained by the absence of a more critical view about leisure by the managers

and by the population and the lack of interest of municipal officers to ensure such

participation as a means of social control of their actions.

Key-words: Public policy. Leisure. Popular participation. Management councils.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BA Bahia

CEDES Centro de desenvolvimento do Esporte Recreativo e

do Lazer

GEPEFEL Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física,

Esporte e Lazer

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MEL Grupo Mídia/memória, Educação e Lazer

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

SEPLAN Secretaria do Planejamento

UFBA Universidade Federal da Bahia

UNEB Universidade do Estado da Bahia

CEDETER Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial

CODETER Colegiados Territoriais de Desenvolvimento

Sustentável

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O LAZER 14

2.1 “Ai, que preguiça!” 16

2.2 Tempo e Concepções 19

2.3 Lazer e Modernidade 21

2.4 Lazer e Educação 24

3 COMPREENDENDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS 26

3.1 Processos de gestão das Políticas Públicas 28

3.1.1 Etapas do ciclo 29

3.2 O Lazer frente às Políticas públicas 31

4 SITUANDO CONCEITOS: DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR 36

4.1 Modelos Democráticos 38

4.2 Conselhos Municipais 40

4.2.1 Controle Social 42

5 METODOLOGIA 44

6 ANÁLISE DE DADOS 47

6.1 Conselho Municipal de Esporte e Lazer 47

6.2 Projetos e Programas de Esporte e Lazer: realidades e desafios do

território 49

6.3 Participação Popular 53

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 56

REFERÊNCIAS 58

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APÊNDICE A – Roteiro de entrevista – Gestor municipal de Esporte e Lazer. 63

APENDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 64

ANEXO A – Decreto Estadual nº 12.354/2010. 65

ANEXO B – Mapa dos Territórios de Identidade. 68

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1 INTRODUÇÃO

O tema do qual trata essa produção baseia-se no projeto Políticas Públicas

de Esporte e Lazer no Estado da Bahia: Diagnóstico e intervenção no Território 18

desenvolvido a partir de uma parceria entre o Grupo Mídia/memória, Educação e

Lazer (MEL) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Grupo de Estudos e

Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer (GEPEFEL) da Universidade do

Estado da Bahia (UNEB). Esse projeto, financiado pelo Centro de desenvolvimento

do Esporte Recreativo e do Lazer (Rede CEDES) do Ministério do Esporte, objetivou

mais do que um diagnostico sobre as ações do poder público frente ao esporte e

lazer, buscou fomentar reflexões e discutir o ordenamento legal e as políticas

públicas direcionadas a essa área no Território de Identidade 18 - Litoral Norte e

Agreste Baiano.

Em julho de 2010 o governo do estado da Bahia, através do decreto nº

12.354/2010 instituiu o Programa de Territórios de Identidade, subdividindo o estado

em 26 regiões socioeconômicas ou territórios. Baseando-se no conceito de

identidade cultural do honorável geógrafo baiano Milton Santos, considera o território

de identidade como “o agrupamento identitário municipal formado de acordo com

critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos e reconhecido pela sua

população como o espaço historicamente construído ao qual pertence, com

identidade que amplia as possibilidades de coesão social e territorial” (BAHIA, 2010).

O Território 18 - Litoral Norte e Agreste Baiano é formado por 22 municípios,

compreendendo uma área territorial de 14.377,83km2 e com uma população de

620.155 habitantes1.

O Programa de territórios de identidade, além de desenvolver estratégias de

desenvolvimento territorial sustentável, tem como objetivos a realização de ações

que ampliem a participação social na gestão das políticas públicas. Analisando o

disposto na referida lei e em consonância com os objetivos do projeto, surgiu a

seguinte questão: Como ocorre a participação popular no processo de elaboração e

implementação das políticas públicas de esporte e lazer no Território de Identidade

Litoral Norte e Agreste Baiano?

1 Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010).

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As políticas públicas podem ser definidas como o conjunto de ações

desenvolvidas pelo Estado visando à resolução de um problema e o bem-estar da

sociedade. Segundo o modelo de Democracia Social, ao Estado, como principal

promotor desse bem-estar cabe analisar as questões, definir prioridades e aplicar da

melhor forma os recursos na execução das políticas públicas. No entanto as

demandas sociais surgidas na década de 1980 conduziram nossa sociedade a um

estágio em que a participação nas decisões políticas e no controle social das ações

do estado tornou-se elementar para a construção de um país mais justo e como

forma de legitimação do Brasil como mantenedor de um estado democrático de

direito. Vários são os instrumentos disponíveis para essa participação, tais como

fóruns, conferências, orçamento participativo e conselhos municipais entre outros,

este último foi o foco da nossa atenção nesse trabalho por acreditarmos ser um dos

mais importantes, uma vez que se constitui como instância consultiva e deliberativa

essencial à vida política das cidades e também por apresentar a possibilidade de

configurar-se como uma das formas mais eficazes de controle social das ações do

poder público.

Compreendendo que o interesse público é o reflexo das demandas e

expectativas da sociedade e que as políticas públicas devem servir para representar

os anseios populares, apresentamos como justificativa do presente trabalho, o

interesse pessoal do pesquisador, fortemente inspirado pelo contato com a temática

durante o desenvolvimento das disciplinas Ordenamento Legal e Políticas Públicas

Educação Física, Esporte e Lazer e Lazer e Meio Ambiente, além das discussões do

GEPEFEL e principalmente pela necessidade de conhecer a realidade do processo

de construção das políticas públicas no território 18 no que tange à participação

popular, a qual consideramos extremamente relevante. A participação enquanto

pesquisador da Rede CEDES foi extremamente significativa e indubitavelmente,

proporcionou um enriquecimento pessoal e acadêmico sem par. Acreditamos que o

envolvimento da Universidade em assuntos de reconhecida relevância social como é

o caso dessa pesquisa, harmoniza-se com os objetivos institucionais e com a própria

finalidade de toda instituição de ensino público: a de colaborar para o

desenvolvimento da comunidade em que está inserida. Dessa forma

compreendemos a ação social da Universidade como algo para além dos seus

muros e reconhecemos aí o cumprimento do seu dever primordial de devolver à

sociedade o precioso investimento que é feito em nós e o atendimento da

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expectativa de que possamos de alguma forma, contribuir para a transformação de

uma realidade.

O principal objetivo desse trabalho foi discutir a participação popular na

construção das políticas públicas de esporte e lazer dos municípios pesquisados e

para tanto estabelecemos como objetivos específicos verificar a existência de

conselhos municipais de esporte e lazer e também investigar a forma como são

originados os programas de esporte e lazer nas cidades visitadas como forma de

compreender essa participação.

A pesquisa foi desenvolvida baseando-se numa abordagem qualitativa e

aproximando-se de uma pesquisa essencialmente descritiva. Foram realizadas

entrevistas com os gestores municipais de esporte e lazer do Território 18, a partir

de um roteiro semi estruturado. Os registros das entrevistas em áudio foram

autorizados através de termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice B).

Após a transcrição do áudio os dados foram analisados e tabulados para a

construção de tabelas, visando uma melhor compreensão dos resultados obtidos.

No primeiro capítulo desta produção realizamos um apanhado histórico da

ocorrência do lazer, relacionando-o com elementos fundamentais à sua

compreensão (ócio, tempo e trabalho) traçando paralelos com concepções e

correntes teóricas diversas. No segundo capítulo discutimos as políticas públicas em

sua generalidade, expondo definições, conceitos e seu processo de elaboração e

execução para, a partir daí, focarmos nas suas relações com o lazer. O terceiro

capítulo trata da participação popular no contexto brasileiro, principalmente a partir

do processo de redemocratização do final dos anos 1980, enfatizando o papel dos

conselhos gestores como instrumentos essenciais à participação social dos

cidadãos no controle social das ações do estado, relacionando inclusive essa

discussão com dados oficiais e pesquisas semelhantes realizadas no país. No

quarto capítulo apresentamos os referenciais metodológicos e a descrição dos

instrumentos utilizados na construção do trabalho. O quinto capítulo se debruça

sobre os dados coletados em campo, apresentando-os e discutindo-os, completando

assim a fundamentação necessária para nossas considerações finas, apresentadas

no sexto e último capítulo, onde além de expormos nossas impressões sobre a

realidade da participação popular no território, oferecemos nossas contribuições

para a superação dos obstáculos à construção democrática de políticas públicas de

esporte e lazer no território Litoral Norte e Agreste Baiano.

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2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O LAZER

O lazer no decorrer da história teve diversas significações. Desde as

sociedades antigas até a atualidade, elementos de ordem econômica, política e

cultural influenciaram suas concepções em momentos históricos distintos. Apesar de

compreender essa diversidade, optamos aqui por tratar do assunto baseando-nos no

diálogo entre as duas principais abordagens: uma que considera o lazer como um

fenômeno da sociedade moderna originado com a Revolução Industrial no final do

século XVIII e resultante das tensões entre a classe trabalhadora e a burguesia

industrial, “fruto da conquista dos trabalhadores pela diminuição da jornada de

trabalho” (OLIVEIRA, 2009, p.20) e outra que “situa o lazer nas fases antigas da

nossa história” (GOMES, 2004a, p.134), remontando para tanto a vida nas

sociedades grega e romana e apoiando-se em sua ocorrência histórica nessas

sociedades para afirmar que ele sempre existiu.

Dada a complexidade em definir com precisão o período de surgimento

desse fenômeno, haja vista que “é demasiado arriscado definir, com exatidão, o

momento histórico em que o lazer se configura na sociedade ocidental” (GOMES,

2003 apud REIS, CAVICHIOLLI e STAREPRAVO, 2009), reconhecemos que ambas

as correntes apresentam importantes aspectos para sua compreensão. Citando

Marcelino (2002), Oliveira atenta para um aspecto importante sobre o aparente

antagonismo entre as duas abordagens:

Não há necessariamente uma rejeição entre essas visões, a contradição está no enfoque de cada uma delas: “a primeira aborda a necessidade de lazer”, sempre presente, e a segunda se detém nas características que essa necessidade assume na sociedade moderna” (MARCELLINO, 2002 apud OLIVEIRA, 2009, p. 20).

Mesmo atribuindo ao lazer características que o definem como originado das

tensões entre capital e trabalho Gomes (2004a, p. 137, 138) reconhece a

importância da análise histórica de elementos que subsidiem a compreensão desse

fenômeno:

Obviamente, é questionável denominar de "lazer" a vida social dos gregos da Antiguidade. Mas, indubitavelmente, conhecer e considerar as peculiaridades daquela e de outras realidades que compõem a nossa história pode fornecer expressivas contribuições para apreendermos o

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processo de constituição do lazer. Afinal, é inegável que a vivência das manifestações e tradições culturais da humanidade podem auxiliar a compreensão dos significados comumente atribuídos ao lazer em nosso contexto.

Tentaremos entender aqui as apreensões dessas correntes e embora

tendamos a concordar com o discurso que o concebe como fruto da modernidade,

não isentaremos as acepções anteriores a esse período de sua contribuição no

entendimento do lazer como “prática social significativa para o modo de vida

contemporâneo” (MASCARENHAS, 2001), uma vez que nenhum evento acontece

de forma isolada na sociedade. Todo e qualquer acontecimento resulta de um

movimento cíclico que origina transformações em determinado meio, modificam-se

mutuamente e geram novas mudanças. Reis, Cavichiolli e Starepravo (2009, p. 69),

em artigo sobre a ocorrência histórica do lazer, analisam tal fato, baseando-se na

teoria configuracional, de acordo com a qual:

[...] um fenômeno que ocorre no seio da sociedade não pode nem deve ser compreendido de maneira estática, como se as relações sociais que formam essa sociedade fossem imutáveis, formando-se instantaneamente de uma hora pra outra, mas sim como resultado de uma longa e intensa cadeia de modificações sociais que se produzem e se transformam ao longo dos tempos. Assim, compreender um fenômeno social que é visivelmente percebido em um determinado período histórico exige que se compreenda que ele é fruto de um processo contínuo, por vezes demasiadamente longo, que sofrendo avanços e recuos nem sempre caminha na mesma direção – não-linear, por assim dizer.

Portanto, faz-se necessário contextualizar historicamente alguns conceitos

fundamentais para a compreensão do lazer enquanto direito social historicamente

conquistado. Discutiremos brevemente o ócio, o tempo livre e suas relações com o

trabalho traçando paralelos com ambas as correntes mencionadas, sem, contudo

tentar definir uma data de nascimento para o objeto dessa discussão, mas sim

buscando compreender o lazer e situá-lo na realidade contemporânea,

estabelecendo relações entre ele, a política e a educação contribuindo assim para o

avanço das discussões posteriores sobre a participação popular no processo de

formulação e implementação das políticas públicas municipais no Território 18, bem

como questões relacionadas ao controle social das ações dos executivos

municipais.

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2.1 “Ai, que preguiça!”2

A ideia de ócio popularmente aceita é a de desocupação, lassidão ou

moleza, substantivos comumente associados à preguiça e vadiagem. No entanto na

antiguidade grega o tempo destinado à contemplação e ao crescimento espiritual era

algo próprio da elite intelectual como afirma Marcassa (2004, p. 166):

Uma das primeiras manifestações do ócio pode ser vista na Grécia Antiga, onde aparece como um valor nobre, atitude inseparável de um modo de vida contemplativo, ligado ao exercício da filosofia e da política, o que lhe dá lugar na composição do ideal educativo do período [...]

O próprio significado da palavra ócio deriva de uma expressão grega,

scholé, que significa “um estado de paz, de fruição criadora, condição para a

sabedoria”3. Em sua dissertação de mestrado, Carmo (2002, p. 14) nos expõe a

posição do filósofo e economista Thorstein Bunde Veblen acerca do ócio na Grécia

antiga, segundo ele:

Para o autor, remonta aos tempos dos filósofos gregos o reconhecimento de que como requisito de uma vida digna, bela ou mesmo virtuosa, é preciso ter um certo ócio e estar livre de contato com certos processos industriais ligados às necessidades cotidianas da vida humana.

Percebemos na afirmação que o ideal clássico grego se opunha à prática de

atividades laborais. Rocha e Silva (2002, p.136) afirmam que “nesse processo, o

lazer é o contraponto do trabalho: o afastamento das atividades produtivas levaria ao

ócio, ao lazer, à contemplação”. Cabe ressaltar que a economia grega no período

baseava-se no trabalho escravo, assim o trabalho era considerado uma atividade

penosa, desprezível, menor ante a hierarquia do universo, portanto, um serviço de

escravos4. A estes cabiam o trabalho e obrigações servis que na concepção

helênica atrapalhavam a plena vivência de valores nobres (MELO e ALVES

JÚNIOR, 2003). Mascarenhas (2001) analisa com clareza a finalidade do ócio no

período:

2 No livro Temas sobre Lazer de Heloísa Turini Brunhs (2000), Paulo Salles de Oliveira fala sobre o estereótipo da preguiça atribuído ao brasileiro e iconizado pelo Macunaíma, personagem de Mário de Andrade. Segundo o autor, essa visão reducionista do ócio oculta o caráter contestador dessa figura transformando-o (o ócio) em um sinônimo de moleza e lassidão. 3 Idem. 4 Luciana Marcassa in Dicionário Crítico de Lazer, 2004 p. 166.

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Desta maneira, percebido como um fim em si mesmo, o ócio estava impregnado pela idéia de uma liberdade intrínseca, manifestando-se como a própria antítese do trabalho. Tendo em vista que o modo de produção vigente na época assentava-se sobre a escravidão, os sentidos atribuídos ao ócio derivavam de uma forma de organização social economicamente estratificada.

O direito ao ócio estava diretamente ligado à liberdade uma vez que

somente os homens livres dispunham de tempo para a contemplação e a elevação

do espírito, dessa forma:

[...] o ócio não era, naquele momento, concebido como um tempo livre de trabalho, mas sim todo um tempo social de não-trabalho, privilégio daqueles poucos que desfrutavam das prerrogativas e direitos de cidadania inerentes ao modo de vida na pólis grega. (Idem)

Analisando a ocorrência do desse tempo social na sociedade grega,

podemos afirmar que a virtude do ócio da qual desfrutava a elite helênica era

sustentada pela exploração do trabalho escravo e “a conservação dessa vida

contemplativa significava a dominação, exclusão e domesticação de muitos que ali

viviam e produziam, com o seu trabalho, a existência de todos” (MARCASSA, 2004,

p.166). A sujeição de muitos garantia assim a liberdade de poucos.

Diferentemente do modo grego, a sociedade romana atribuía ao trabalho um

outro papel, o de dignificador da existência humana. Nessa conjuntura, o otium

(ócio) também adquire uma nova função na sociedade: a de um tempo para o

descanso. É em Roma que, em oposição ao trabalho (nec-otium ou negócio), o ócio

“se configura num tempo liberado deste para o descanso da alma e a recreação do

espírito” (MUNNÉ, 1980 apud MARCASSA, 2004) assumindo, embrionariamente, o

significado de um tempo livre de trabalho (MASCARENHAS, 2001). É nesse período

que Mascarenhas (2001) observa a utilização do ócio como um instrumento de

controle social do imperador sobre o povo:

Em função do novo contexto sócio-econômico, o ócio ganha também uma outra função, pois é neste momento, através da por demais conhecida política do “pão e circo”, que surge o “ócio de massas”. Contraposto ao ócio das classes dirigentes, a experiência e/ou atividades de ócio vividas pela maior parte da população constituíam-se, portanto, como importante meio de despolitização e controle inaugurado e patrocinado pelo Estado. (MASCARENHAS, 2001, s/p)

As sangrentas atividades de entretenimento oferecidas à plebe romana

foram bastante convenientes aos interesses do soberano principalmente na

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manutenção da ordem vigente e a busca da paz social, aliás, esses dois fatores são

apresentados por Marcellino (1990, p.38) como objetivos de um lazer

instrumentalizado, em sua sistematização das abordagens funcionalistas do lazer.

Nesse trabalho o autor cita as observações de Ethel Bauzer Medeiros sobre a

funcionalidade do lazer:

[...] Ethel observa a descoberta do lazer pelos que “...detêm alguma parcela de responsabilidade no bem estar público”, como “poderoso recurso de ajustamento dos homens”. Pondera que, as atividades de lazer “...ao canalizarem tensões e descargas da agressividade, contribuem para reduzir as transgressões da ordem social, funcionando como válvulas de segurança da sociedade” (MARCELINO, 1990, p.38)

Na idade média, com a expansão cristã a idéia de ócio passa a ter uma nova

acepção. Aos senhores feudais esse tempo passa a ser destinado à vivência de

atividades diversas sob as quais detinham o privilégio da escolha. Esse “espírito

lúdico e eminentemente classista”5 marca o surgimento de uma classe ociosa6, que

utilizava esse tempo como fator de distinção social, dedicado a um “nada fazer

produtivo”7 fazendo dessa futilidade um mecanismo de ostentação de suas riquezas

e ufania do status social. Segundo Marcassa (2004):

A vivência dessa dimensão social pressupunha, de um lado, a abstenção do trabalho e, de outro, o cultivo de atividades livremente escolhidas, como a guerra, a política, as justas e batalhas medievais, a religião e a ciência, de forma que a dedicação às essas atividades passa a indicar elevada posição social, tanto pela conotação negativa que o trabalho volta a assumir, quanto pela diferenciação de classe garantida por uma vida de ociosidade. (MARCASSA, 2004, p. 167)

Ao lado do ócio das elites estava o “ócio popular”, ainda destinado ao

descanso e à recuperação da força de trabalho e fortemente marcado pelo controle

da igreja e dos senhores feudais. Essa rígida influência, sobretudo do clero sobre as

atividades realizadas pelos camponeses nesse tempo de não-trabalho, atribuíram à

noção de ócio apenas as práticas relacionadas à contemplação, à oração e à

elevação do espírito, porém, controladas e disciplinadas pela Igreja8, objetivando

evidentemente à manutenção da ordem vigente.

O trabalho, sob a ótica cristã no período medieval assume o papel de

elemento de punição aos pecados dos homens, punição que deveria ser aceita

5 MASCARENHAS, 2001 6 MUNNÉ, 1980 apud MARCASSA, 2004 p. 167 7 Idem 8 Idem

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passivamente como forma de redenção dos pecados. A própria etimologia da

palavra trabalho advém do latim tripalium ou tripale, um instrumento medieval de

tortura, denotando assim a idéia de padecimento e cativeiro9 que revestia o trabalho.

2.2 Tempo e Concepções

A percepção de tempo nas sociedades de economia agrícola, como exposto

tinha relação direta com a natureza e a atividade produtiva. Os eventos naturais

(estações do ano, nascimento e pôr-do-sol, fases da lua, movimento das marés e

etc.) mediavam o delicado limite entre o tempo do trabalho e o do não-trabalho.

Mesmo que para alguns autores o fato de ambos serem direcionados a partir de

características próprias de cada momento possa denotar a inexistência de uma

separação entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer (ROCHA e SILVA, 2002, p.

135), percebe-se ainda assim que “a demarcação de início e fim de atividades

laboriosas já existia, ainda que de forma imprecisa, em períodos anteriores à

instituição do relógio como divisor dos tempos sociais” (REIS, CAVICHIOLLI e

STAREPRAVO, 2009, p.71).

Para os teóricos que entendem o lazer como um dos imperativos

fundamentais da vida social10, ele sempre existiu como “necessidade importante do

homem em todos os tempos e lugares, que varia apenas de intensidade e de forma

de expressão, segundo o contexto físico, sócio-econômico e político-social de cada

grupo” (MEDEIROS, 1980 apud MARCELLINO, 1990, p.34). Para essa corrente, o

tempo parece ter uma importância menor na ocorrência do lazer, uma vez que

existindo o tempo livre das obrigações do trabalho acontece também a ocupação

desse tempo com atividades de lazer. O foco desse entendimento é a atitude do

sujeito. Segundo Marcellino:

O lazer considerado como atitude será caracterizado pelo tipo de relação verificada entre o sujeito e a experiência vivida, basicamente a satisfação provocada pela atividade. Assim qualquer situação poderá se constituir em oportunidade para a prática de lazer – até mesmo o trabalho. (MARCELLINO, 1990 p. 29).

Observa-se, porém a confusão entre ócio e lazer presente nessa

abordagem. O lazer assim concebido, como sinônimo de ócio ou simplesmente de

9 Artigo Werneck, 1998 10 Entre eles Frederic Munné, Sebastian De Grazia e Ethel de Medeiros

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“tempo livre”, não contempla uma característica considerada fundamental: a opção.

Analisando os exemplos anteriores de utilização do tempo do não-trabalho nas

sociedades pré-industriais nota-se a inexistência do caráter desinteressado e livre

em suas práticas. Na Grécia era um privilégio da elite intelectual, em Roma servia

como elemento despolitizante dotado de “um aspecto instrumental, uma vez que se

buscava afirmar o poder e a misericórdia do Imperador mediante a promoção de

uma diversão violenta e dotada de um caráter controlador” (MARCASSA, 2004, p.

167) e durante a idade das trevas como meio de garantir o domínio dos detentores

dos meios de produção sobre uma sociedade fragmentada em “um período marcado

pelo recuo da noção de Estado, no qual prevaleceu um sistema de pensamento

fundamentado na lei religiosa e definido pela Igreja, representada pelo clero”

(WERNECK, 2000 apud GOMES, 2004a, p. 135). Em ambos os casos observamos

esse tempo social como instrumento de distinção de classes, empregado como

ferramenta de controle social das massas, evitando assim as violações da ordem e

garantindo a perpetuação do sistema vigente.

A outra abordagem mencionada no início deste capítulo concebe o lazer

como um fenômeno moderno nascido no interior das sociedades urbano-industriais

no século XIX. Os representantes dessa corrente, frequentemente tomam como

referência o conceito defendido pelo sociólogo francês Joffre Dumazedier, o qual

define o lazer como:

[...] um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária, ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais." (DUMAZEDIER, 1973, p. 34)

Essa definição inspirou autores brasileiros em suas próprias concepções de

lazer, como por exemplo, Renato Requixa (1990 apud MARCELLINO, 1990, p. 30)

para quem o lazer é definido como “[...] ocupação não obrigatória, de livre-escolha

do indivíduo que a vive, e cujos valores propiciam condições de recuperação

psicossomática e de desenvolvimento pessoal e social”. Um elemento comum entre

essas definições é o fato de ambas reforçarem a polarização Lazer x Trabalho,

como se estas duas dimensões da vida humana não se relacionassem. A utilização

dos termos “repousar” e “recuperação”, também denotam um caráter utilitarista do

lazer, como explica Marcellino (1990, p.37) em sua discussão sobre as abordagens

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utilitaristas do lazer. Segundo esse autor, “pode-se classificar como ‘utilitarista’ a

redução do lazer à função de recuperação da força de trabalho ou sua utilização

como instrumento de desenvolvimento.” Para esse autor o lazer é definido “a cultura

- compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada (praticada ou fruída) no

tempo disponível11. Marcellino ressalta a atitude desinteressada que permeia e

caracteriza essa ação que não deve segundo ele, objetivar nada mais que a

satisfação. Numa postura mais crítica e fundamentada no Marxismo, Mascarenhas

(2001, p.92) define lazer como “um fenômeno tipicamente moderno, resultante das

tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço e

vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de

hegemonia”.

2.3 Lazer e Modernidade

A Idade moderna trouxe consigo reformas de ordem religiosa que exerceram

grande influência sócio-econômica na Europa do século XVIII. Até então, os dogmas

católicos, consideravam o acúmulo de riqueza como um grande pecado o que fez

com que as riquezas se concentrassem principalmente nas mãos da nobreza e

obviamente do clero. Com as reformas protestantes, ocorre uma mitificação do

trabalho e este passa a ser visto como instrumento de salvação da alma, a única

maneira de encontrar o livramento para os males advindos da pobreza, um elemento

dignificador e santificador da existência humana. Ao ócio são associadas as ideias

de vício e preguiça, elementos altamente nocivos à sociedade burguesa em

ascensão. Segundo Gomes (2004a, p. 135):

[...] diante do valor ético e religioso do trabalho ressaltado pelas ideias puritanas, na Modernidade, a conduta ociosa passou a representar um grave perigo pessoal e social. A nascente burguesia industrial adotou profundamente esse pensamento, valorizando a laboriosidade e combatendo os prazeres e distrações "nocivos" - aparentemente, nocivos às camadas pobres (como alcoolismo, algazarra, prostituição, jogos de azar). Mas, na realidade, muito mais prejudiciais ao processo produtivo capitalista em desenvolvimento, que demandou uma nova disciplina de trabalho. [...]

Para Mascarenhas (2001) “os alicerces de uma concepção que propõe o

combate aos perigos da ociosidade, inimiga das distrações e prazeres mundanos,

11 Idem p. 31

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sugerindo a noção de ócio como tempo perdido, são fincados originalmente neste

período”. Essa supervalorização do trabalho, com a finalidade em si próprio, foi o

que propiciou mais tarde o surgimento da ideia de alienação, uma vez que, alheio ao

resultado de seu esforço o trabalhador não compreende como cultura o objeto

produzido e tampouco usufrui dele. O trabalho alienado é simplesmente uma

obrigação do homem da qual depende sua sobrevivência.

A Revolução Industrial muda o mundo, a maneira de produzir e a paisagem

urbana no séc. XIX que passa a ser composta por grandes fábricas de enormes

chaminés. Muda também a cara do trabalho, agora mecanizado e automatizado

causando um boom na produção industrial. A maneira de sentir o tempo do mesmo

modo é transformada dando origem a um elemento imprescindível para a existência

do lazer como conhecemos: a separação entre o tempo do trabalho e o tempo do

não-trabalho. Regulados pelo relógio de ponto, pelo apito das fábricas e não mais

pelos ciclos naturais, o início e o fim da jornada de trabalho passam a ser

rigidamente demarcados e controlados. O ritmo da máquina passa a regular o ritmo

do trabalho e da vida do trabalhador. O homem é literalmente “engolido” pelos

processos mecanizados de produção, como mostrado no filme Tempos Modernos

(Modern Times, EUA 1936). Conforme observado por Marcassa (2002, p.11):

Com o desenvolvimento do capitalismo, da industrialização e do modo de vida urbano, ocorre uma organização mais racional, mecânica e rígida do trabalho e da existência humana, cujas dimensões da vida cotidiana passam a ser divididas, contadas e regulamentadas. Isso acaba rompendo com a antiga lógica de continuidade do tempo social, pois a ele são impostas medidas de controle que selecionam as atividades desenvolvidas em cada contagem de tempo.

A revolução tecnológica e a mecanização da produção oriundos da

revolução industrial, em um primeiro momento pode nos levar a pensar em um

consequente aumento do tempo livre, no entanto o que vimos nesse período foi a

exploração do operariado em fatigantes jornadas de até 18 horas de trabalho em

ambientes insalubres e sem as mínimas condições de segurança, mulheres e

crianças submetidas a atividades degradantes em minas de carvão, essencial à

produção das fábricas. De acordo com Mascarenhas (2001):

[...] Paradoxalmente, o novo modo de produção fabril, tecnologicamente incrementado pela máquina e contando com complexos processos de organização, impõem ao operariado recente a necessidade do cumprimento de extensivas e exaustivas jornadas de trabalho. O surto de “febre da

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produção”, aliado ao “dogma do trabalho”, parece afetar o empresariado capitalista que, por sua vez, incorpora os princípios de super valorização do trabalho – não o seu próprio, obviamente o alheio - como fonte exclusiva de lucros para si.

O tempo do trabalhador torna-se mercadoria adquirida a um baixo custo

pelos empregadores, e de cuja exploração deriva grandes lucros. Dada a extensão e

dureza das jornadas de trabalho, o tempo do não-trabalho nessa época resumia-se

a algumas poucas horas em que o trabalhador mal podia recuperar as energias para

o início de um novo turno de trabalho.

Insatisfeitos com as condições de trabalho às quais eram submetidos, os

trabalhadores começam a se organizar em movimentos que exigem principalmente a

redução da jornada de trabalho e, lentamente, através de revoltas, greves e

manifestações os trabalhadores alcançam algumas vitórias. Foi neste momento que

surgiram as reivindicações por um tempo livre, e o lazer ganha um significado

enquanto direito de todos, por meio do estabelecimento de leis que garantissem o

“tempo do não trabalho” (OLIVEIRA, 2009, p. 20), o descanso semanal, por

exemplo, é determinado a partir de1850, a lei das oito horas de trabalho diários é

votada em 1919, e mais tarde os dias semanais trabalhados são reduzidos para

cinco dias e conquista-se o descanso remunerado e as férias. No entanto, Maffei

(2004) faz uma observação sobre a conveniência do aumento do tempo livre das

classes trabalhadoras para a manutenção do sistema capitalista, segundo o autor:

[...] a passagem do modo de produção artesanal para o modo industrial aumentou em muito a quantidade de produtos. E alguém teria que consumi-los. Sendo que os trabalhadores eram a grande parte da população, os industriais tinham que lhes dar tempo para consumirem alguns dos produtos que fabricavam. Para isso, os horários de trabalho foram diminuídos e as férias (remuneradas) foram expandidas, garantindo mais tempo livre – com rendimento – de modo a estimular e a manter o sistema produção-consumo. (MAFFEI, 2004 p. 44).

As afirmações de Werneck (1998) sobre a prática social do lazer

assemelham-se às de Maffei, quanto ao seu caráter funcional:

Enquanto prática social vinculada ao moderno mundo do trabalho, o lazer assume como funções básicas, dentre outras, a compensação das frustrações experimentadas, a recuperação de energias exigidas para o exercício laboral, bem como a possibilidade de consumo de bens e serviços. Dessa forma, percebo que essas duas esferas não são opostas, mas complementares: mais uma vez, o lazer se torna "útil" aos interesses – sociais, políticos e econômicos – que permeiam não somente o trabalho, mas a vida como um todo.

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Observa-se também que esse aumento do tempo livre passa a ser uma

ameaça ao sistema vigente e à ordem social. A elite industrial temia que, dotados de

mais tempo, os trabalhadores pudessem fortalecer suas estratégias de luta e

resistência. O lazer passa então a ter uma maior relevância e a burguesia começa a

demonstrar interesse em oferecer atividades que favorecessem o controle social das

classes trabalhadoras. A sociedade capitalista busca assim não só exercer o

controle sobre o trabalho, mas também formas de alienar o lazer.

2.4 Lazer e Educação

A atual crise do trabalho em que vivemos obriga muitas vezes o trabalhador

a vender seu tempo livre em outras formas de obtenção de renda com o intuito de

garantir a manutenção de suas necessidades básicas ou mesmo realizar um sonho

de consumo, sacrificando, em ambos os casos um tempo conquistado que poderia

ser utilizado como forma de questionar a realidade. Sobre os resultados de uma

pesquisa realizada com trabalhadoras da indústria tabagista Costa e outros. (2010)

conclui:

O lazer enquanto atividade transformadora e valiosa conquista da classe trabalhadora encontra-se subvertido pela sociedade de mercado que atua sob a lógica do capital. O baixo poder aquisitivo, o baixo nível de escolaridade e a dupla jornada de trabalho a qual as mulheres estão submetidas configuram-se como obstáculos para o aproveitamento consciente do tempo livre e o acesso a atividades de lazer mais críticas e politizadas. Constatamos que as concepções de lazer e de tempo livre no grupo pesquisado restringem-se ao lazer divertimento, que beneficia principalmente a indústria do entretenimento e o estímulo ao consumo compulsivo, e ao aproveitamento do tempo livre como tempo para o descanso e obviamente para a recuperação da força de trabalho, o que atende simplesmente aos interesses do empregador. Esses resultados demonstram o papel funcionalista que o lazer desempenha na sociedade e como essa conquista histórica vem sendo subvertida ao longo dos anos.

Ressaltamos que o reconhecimento do potencial do lazer enquanto

instrumento de transformação da realidade perpassa pela educação para o lazer.

Sobre essa questão algumas correntes limitam as possibilidades dessa relação à

mera recreação visando à aquisição de hábitos saudáveis, a ocupação útil e

adequada do tempo livre, forjar corpos vigorosos, porém dóceis, e comportamentos

submissos nas suas relações sociais de classe e na sua condição de força de

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trabalho no mercado capitalista produzindo novos mecanismos de controle e

subserviência (MARCASSA, 2004, p.128) outras vêem no Lazer-educação um

instrumento de promoção do desenvolvimento pessoal e social, possibilitando ao

homem equilíbrio e inteligência para resolução de problemas, assim como, criação

de respostas ajustadas às mudanças rápidas e emergentes da vida moderna, dando

sua contribuição para o bem-estar de todo o país (OLIVEIRA, 2009, p. 24). Em

ambos os casos essas concepções apóiam-se numa visão burguesa e funcionalista

da relação entre lazer e educação, colaborando para o funcionamento harmonioso

da sociedade, do poder constituído e das relações de hegemonia e por outro lado,

denotam uma preocupação com o ajustamento da comunidade à ordem social e seu

empenho para torná-la socialmente eficaz (MARCASSA, 2004, p. 130-131). No

sentido oposto a essas apreensões concordamos com a ideia de uma proposta

educativa para o lazer que contribua para uma nova ordem moral e intelectual,

favorecedor de mudanças no plano social (MARCELLINO, 1990 p. 63-64) e que,

assumindo um papel contra-hegemônico configure-se como “posição política e

político-pedagógica de compromisso com os grupos ou movimentos sociais

mediante sua resistência e luta cotidiana por sobrevivência, por emancipação e pela

conquista de um mundo mais justo e melhor para se viver" (MASCARENHAS, 2003

apud MARCASSA, 2004, p. 132).

Torna-se fundamental assim a compreensão do papel do cidadão como

protagonista das transformações sociais, principalmente no que tange às políticas

públicas uma vez que seguindo um pensamento lógico, não seria de interesse dos

detentores do poder criar mecanismos que questionem sua posição ou vigiem suas

ações, cabendo à iniciativa popular a função de interferir na construção dessas

políticas e participar ativamente de todos os seus processos.

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3 COMPREENDENDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS A divisão entre trabalho e tempo livre, iniciada nas sociedades industriais do

século XIX construiu as bases para que o lazer passasse a ser considerado direito

social. Em uma vaga definição, os direitos sociais se referem a tudo o que vai desde

o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar,

por completo, da herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os

padrões que prevalecem na sociedade. (MARSHAL, 1967 apud Marcelino, 2001).

No rol dos direitos sociais, aludimos o direito à participação política, que deve ser

compreendida também como um dever de todos uma vez que a atuação ativa da

população nas questões de interesse social influencia a atuação dos governos na

formulação de políticas públicas para o atendimento de determinadas demandas.

Neste capítulo discutiremos as políticas públicas e seu papel enquanto

instrumento promotor de bem-estar social e mecanismo de garantia dos direitos

constitucionais, a partir do conhecimento de conceitos, processo de formulação de

políticas públicas e interface com o lazer.

Grandes mudanças ocorreram na modernidade com o aprofundamento da

democracia principalmente no que diz respeito às funções que o Estado

desempenha na sociedade. Dentre as variadas possibilidades de definir o modelo de

gestão estatal existe a Democracia Social que atribui ao Estado o papel de grande

promotor do bem-estar social, utilizando-se para tanto das Políticas Públicas na

realização desse imperativo. Desse entendimento, podemos compreender as

políticas públicas como:

[...] a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os tomadores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem serem as demandas ou expectativas da sociedade. (SEBRAE/MG, 2008 p. 5).

As políticas públicas podem então serem entendidas como o conjunto de

ações desenvolvidas pelo Estado visando à resolução de um problema e o bem-

estar da sociedade. Ao Estado cabe analisar as demandas, definir prioridades e

aplicar da melhor forma os recursos na execução dessas políticas. Essa

conceituação deixa clara a ideia do governo como grande responsável por definir o

bem estar da sociedade, considerando talvez que “isto ocorre porque a sociedade

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não consegue se expressar de forma integral”12·. Críticos dessas acepções afirmam

que “por concentrarem o foco no papel dos governos, elas deixam de lado o seu

aspecto conflituoso e os limites que cercam as decisões dos governos” (SOUZA,

2006 p.25), além disso, “argumentam que elas ignoram a essência da política

pública, isto é, o embate em torno de ideias e interesses”13·. Para Di Giovanni (2009,

s/p), o conceito de política pública extrapola a simples intervenção estatal em uma

situação-problema e representa:

Uma forma contemporânea de exercício do poder nas sociedades democráticas, resultante de uma complexa interação entre o Estado e a sociedade, entendida aqui num sentido amplo, que inclui as relações sociais travadas também no campo da economia. Penso, também, que é exatamente nessa interação que se definem as situações sociais consideradas problemáticas, bem como as formas, os conteúdos, os meios, os sentidos e as modalidades de intervenção estatal.

Analisando a relação descrita nesse pensamento, podemos caracterizar as

políticas públicas como disputas entre diferentes grupos sociais que buscam

defender interesses próprios, haja vista que durante o processo de definição de

prioridades é possível que nem todos os grupos envolvidos tenham suas

expectativas atendidas o que, obviamente, gera conflitos entre esses atores sociais.

Rodrigues (2010, p.13) sintetiza muito bem essas acepções ao conceituar as

políticas públicas como:

[...] o processo pelo qual os diversos grupos que compõem a sociedade – cujos interesses, valores e objetivos são divergentes – tomam decisões coletivas, que condicionam o conjunto dessa sociedade. Quando decisões coletivas são tomadas, elas se convertem em algo a ser compartilhado, isto é, em uma política comum.

Sob essa ótica, podemos dizer que como reflexo das demandas e

expectativas da sociedade, o interesse público é formado pela ação de diversos

grupos que, durante a apresentação de suas reivindicações encontram o apoio e a

oposição de outros grupos (SEBRAE/MG, 2008), mas que tem seu fim na

coletividade. Leiro e outros (2010, p. 38) acerca da função mediadora das políticas

públicas afirmam que, “considerando que as relações sociais envolvem sujeitos

sociais, projetos e interesses diferenciados e muitas vezes contraditórios, as

12Idem. Levando-se em conta o elevado número de pedidos e necessidades da uma população, no modelo de democracia representativa vigente, as solicitações são feitas aos representantes eleitos (vereadores, deputados, senadores) que mobilizam os membros do executivo, também eleitos (prefeitos, governadores, e o Presidente da República, por exemplo) para que atendam as demandas da população. 13 Idem

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políticas públicas surgem como um importante instrumento de mediação social e

institucional”.

Neste sentido, para entender melhor a função social das políticas públicas,

discutiremos a seguir os Processos de gestão das Políticas Públicas e na sequência

as relações entre essas e o lazer.

3.1 Processos de gestão das Políticas Públicas

Os estudos sobre as políticas públicas, realizados a partir da década de

1950 nos Estados Unidos atribuem um caráter científico à política. “A ciência da

política pública” (RODRIGUES, 2010 p.36) surge nesse período e, fundamentando-

se em diversos elementos de caráter técnico objetivam, sobretudo, explicar “por que

determinadas políticas são implementadas e não outras”14. Esses estudos

consideram a existência de modelos teóricos para esclarecer o processo de

construção e avaliação de uma determinada política social. O modelo dos ciclos das

políticas públicas tem sido considerado atualmente a “forma mais simples de

compreender o processo de formulação das políticas”15. Esse modelo acaba por

“subdividir o agir público em fases parciais do processo político-administrativo de

resolução de problemas” (FREY, 2000 p.226). Ainda segundo esse modelo:

[...] as políticas públicas são concebidas como um processo, composto por um conjunto de atividades (“etapas” ou “estágios”) que visam atender as demandas e interesses da sociedade. Essas atividades constituem-se de sistemas complexos de decisões e ações, tomadas por parte da autoridade legítima (ou instituições governamentais), de acordo com a lei. [...] (RODRIGUES, 2010 p. 47)

Apesar de diferentes sistematizações das etapas desse processo, as fases

de formulação, implementação e do controle dos impactos das políticas são

elementos consensuais entre os autores. Na descrição desse modelo, faremos uma

breve exposição dessas etapas, com base nas fases descritas por Frey (2000,

p.226) as quais são: “percepção e definição de problemas, agenda-setting,

elaboração de programas e decisão, implementação de políticas e, finalmente, a

avaliação de políticas e a eventual correção da ação”, tecendo sucintas observações

sobre cada uma delas.

14 Idem, p.37 15 Ibidem p. 46

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3.1.1 Etapas do ciclo

A percepção e a definição dos problemas é a primeira etapa do processo

segundo o modelo dos ciclos. Essa é a fase da preparação da decisão política, na

qual os problemas e necessidades emergenciais são identificados pelo gestor a

partir de sua relevância social. Para Frey (2000, p. 227), “freqüentemente, são a

mídia e outras formas da comunicação política e social que contribuem para que

seja atribuída relevância política a um problema peculiar.” Incluímos aqui também os

conselhos gestores, fóruns e conferências como elementos responsáveis pela

mobilização social em torno de determinado problema.

Nessa ocasião é que ocorrem também os embates entre grupos antagônicos

que defendem a inclusão de uma ou outra demanda no programa governamental.

Segundo Rodrigues (2010, p. 48), “esse estágio constitui um momento fundamental

do processo decisório na medida em que, nele, diversos atores entram em confronto

para escolher quais problemas serão, efetivamente, incluídos na agenda”. As

divergências entre diferentes grupos ou diferentes visões derivam principalmente da

limitação do estado em prover todos os recursos necessários à resolução de tal

problema, principalmente pelas restrições orçamentárias. Nesse momento ocorrem

também os jogos políticos entre esses atores, uma vez que o governo

inevitavelmente necessitará do apoio da maioria no momento, por exemplo, das

decisões por este ou aquele projeto.

A segunda fase do processo de formação é a definição da agenda. O

agenda-setting, é o momento em a questão sobre a qual o governo decidiu intervir é

elevada à condição de problema público, o qual pode integrar ou não a agenda.

Para Frey (2000 p.227) “é nessa fase que se decide se um tema efetivamente vem

sendo inserido na pauta política atual ou se o tema deve ser excluído ou adiado para

uma data posterior, e isso não obstante a sua relevância de ação”.

As motivações que levam determinada demanda a ser incluída na agenda

em detrimento de outras inspiram questionamentos quanto à forma como os

governos as definem. Celina Souza (2006, p.30) apresenta três possíveis respostas

a essas perguntas. A primeira destaca os próprios problemas como foco principal,

para a autora os problemas entram na agenda quando assumimos que devemos

fazer algo sobre eles, assim o reconhecimento e a definição dos problemas afeta os

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resultados da agenda16. A segunda aponta a consciência coletiva como fator

determinante, a qual poderia ser construída principalmente a partir das mudanças

partidárias e ideológicas dos grupos no poder. Concomitantemente a esse fato

estariam a maior ou menor influência dos grupos de interesse. Quanto aos modos

de construção do consenso, elemento chave na inclusão de uma demanda na

agenda pública, a autora afirma que:

[...] Quando o ponto de partida da política pública é dado pela política, o consenso é construído mais por barganha do que por persuasão, ao passo que, quando o ponto de partida da política pública encontra-se no problema a ser enfrentado,dá-se o processo contrário, ou seja, a persuasão é a forma para a construção do consenso [...] (Op. Cit)

Uma terceira possibilidade admite a existência de dois grupos envolvidos

nesse processo. Num grupo estariam os participantes “visíveis”, responsáveis pela

definição da agenda (políticos, mídia, partidos, grupos de pressão, etc.) no outro

estariam os “invisíveis”, responsáveis pelas alternativas de inclusão das demandas

(acadêmicos e burocratas).

Uma vez incluídos nas agendas, inicia-se a fase de elaboração de

programas e decisão, momento em que são estudadas as alternativas apropriadas

para a resolução do problema levando-se em conta a sua viabilidade e delineando

seus objetivos. É o momento em que “o Governo traduz a questão que entrou na

agenda pública em política” (RODRIGUES, 2010, p.50). As discussões entre

possibilidades diferentes normalmente inexistem nesta fase do ciclo político e a

escolha por uma ou outra opção resulta de acordos prévios sobre determinado

programa. Segundo Frey (2000, p. 228) “a instância de decisão responsável decide

sobre um programa de compromisso negociado já antecipadamente entre os atores

políticos mais relevantes. [...] escolhas entre várias alternativas de ação, são raras

exceções [...]”.

A aplicação da política pelo governo, diz respeito à etapa de implementação.

Adequar essa prática, contudo requer como pressuposto o questionamento sobre

causa e o efeito desejados. Refere-se também a essa fase a preparação

administrativa na qual se questionam a existência de tempo e recursos suficientes, a

clareza dos objetivos da política ou programa e a eficiência da comunicação e da

coordenação (RODRIGUES, 2010, p.51).

16Idem

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31

Os impactos das ações desenvolvidas são o foco da fase de avaliação da

política, momento em que os gestores se debruçam sobre os efeitos gerados pela

implementação de determinada política ou programa. Trata-se de uma fase

“imprescindível para o desenvolvimento e a adaptação contínua das formas e

instrumentos de ação pública” uma vez que busca analisar as deficiências

encontradas durante a aplicação e os efeitos negativos que possam ter advindo das

mesmas além de fornecer informações importantes que permitem visualizar o

alcance ou não das metas estabelecidas e servir de base para orientar ações

futuras.

Orientamos a nossa pesquisa a partir de uma concepção de políticas

púbicas que se configure como um conjunto de ações estatais com a finalidade de

resolver situações emergentes e atender as demandas da população. Entendemos

que essas ações devem, além de refletir os anseios populares, ser resultado de uma

ampla discussão entre o maior número de atores sociais possível, fazendo com que

sua prática se traduza em um exercício de democracia, não eximindo assim o

cidadão de sua responsabilidade enquanto protagonista das transformações sociais.

3.2 O Lazer frente às Políticas públicas

Vimos no capítulo anterior, a diversidade de concepções teóricas do lazer e

como essas concepções expressam os diferentes sentidos e significados deste

fenômeno em momentos históricos distintos. Os estudos sobre o lazer, a partir da

década de 1980, deram a ele um significado diferente do observado na década de

30, por exemplo, momento no qual as políticas de lazer passaram se sustentar em

bases liberalistas, haja vista que os objetivos das políticas do período getulista eram;

[...] incorporar o proletariado à sociedade, por meio de medidas de proteção ao trabalhador e sua família. Tal orientação teve rapidamente suas ações práticas no campo trabalhista da previdência social e sindical, bem como alicerçou políticas de lazer (AMARAL, 2004, p. 183).

Somente com a abertura democrática da década de 1980, o lazer passou a

ser compreendido na sua dimensão transformadora e emancipatória. Com a

Constituição de 1988 o lazer passa a integrar o rol dos direitos sociais. Entre outros

momentos em que este é citado como tal, destacamos aqui o descrito no Capítulo II,

art. 6°: "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

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segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência

aos desamparados, na forma desta Constituição" (BRASIL, 1988, p. 12, grifo nosso).

De acordo com Amaral (2004, p.184):

A partir dessa atenção ao lazer, muitos governos (de diferentes esferas) dedicaram atenção especial à temática. [...] Há uma acentuada valoração da participação da população no processo de concepção, operacionalização e acompanhamento das políticas públicas e, assim, o que ocorre é que as demandas por políticas públicas de lazer, em geral, estão sempre em último lugar, quando aparecem.

Apesar do avanço alcançado através deste dispositivo, a falta de uma

definição clara sobre os meios para se assegurar esse direito social, reflete na

ausência de políticas sociais que garantam seu atendimento, diferentemente do que

ocorre com outras demandas que, ressalvadas as deficiências existentes, possuem

instrumentos e legislação específica pelos quais seu alcance é garantido à

população. Segundo a autora “não há legislação infraconstitucional ou arcabouço

legal que trate especificamente do lazer e o defina mais precisamente, como há para

outros direitos sociais como a saúde e a educação, por exemplo. (AMARAL, 2010,

p.5)

Uma explicação para esse fato pode estar na ausência de uma conceituação

para o lazer dentro das estruturas do estado, o que faz ele acabe sendo colocado

em uma posição dependente de outros direitos. O que se percebe atualmente é uma

desconexão entre o esse direito social constitucionalmente garantido e o fazer

político do estado, o que faz com que as políticas para esse setor sejam

implementadas desconhecendo-se as bases para o entendimento de seu objeto, o

que tem impedido a consolidação do lazer enquanto direito social. Cabe aqui

reconhecer a necessidade de uma compreensão política do lazer que permita a

elaboração de políticas eficazes que dêem conta de atender a essa demanda tão

importante, ressaltando-se ainda que essa compreensão filosófica do lazer é uma

premissa para que ela alcance seus objetivos. De acordo com Bramante (2004, p.

186):

Uma política de lazer não nasce num "vácuo". Ela é fruto da compreensão e assunção de determinada filosofia a qual interpreta a sociedade e as relações que nela se estabelecem. A partir desse marco filosófico que determinados princípios são estabelecidos, visando gerar diretrizes orientadoras, as quais são expressas por meio de regulamentos com a finalidade de se atingir determinados objetivos e metas preestabelecidas.

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33

Outro resultado desse afastamento entre a concepção e a ação pública, é

que as políticas de lazer têm assumido características muito mais de políticas de

governo do que de políticas de estado, uma vez que as ações públicas voltadas para

esse direito social na maioria dos casos limitam-se a iniciativas temporárias e

exauríveis ao longo das gestões e que acontecendo de maneira descontinuada

acabam por demonstrar o grau de importância dessa matéria nas agendas

municipais.

Em uma breve explanação podemos diferenciar as políticas de estado das

políticas de governo por esse caráter descontínuo e não institucionalizado. Um

direito social reconhecido deve amparar-se sob a égide do Estado como garantidor

do acesso da população a este e de sua efetivação plena na sociedade. Quando a

própria lei não define as formas de levar a efeito determinado direito, seja pela

maneira vaga ou imprecisa como o define ou pela ausência, no caso do lazer, de

mecanismos infraconstitucionais, as diversas interpretações que possui nas esferas

federal, estadual e municipal, resultarão em ações difusas e desarticuladas, fazendo

com que esse direito se constitua como política de governo, sujeita às mudanças

ideológicas das sucessivas gestões. As políticas públicas para o lazer têm assim

direcionamentos tão diversos quanto às visões que as concebem:

Diferentes concepções de lazer nos levam a políticas também diferentes, pois é a partir de uma definição de lazer que podemos pensar no conteúdo de uma política de lazer, em seus princípios e diretrizes e nos modos de efetivá-lo como direito de todos. Mas o que vemos muitas vezes é a ausência de qualquer definição de lazer nas instituições de Estado dos municípios, e a ausência de reflexões com a complexidade necessária para a construção do lazer como direito social nessas instituições. (AMARAL, 2010, p.6)

Reconhecido como direito social, o lazer deveria ser tratado como tal e

receber a devida atenção do poder público. O que acontece, na verdade é uma

“hierarquização de necessidades”17, em que demandas consideradas menos

importantes são deixadas em último plano nas agendas públicas, isso quando

chegam a ser percebidas pelos gestores. O não reconhecimento dessa questão

enquanto uma demanda de igual valor é um dos grandes problemas observados,

sobretudo pela “ausência de reivindicações populares por lazer que, por sua vez,

17Para Marcellino (2001, p. 10) esse processo tem marcado fortemente a mentalidade do brasileiro em virtude, entre outros fatores, das dificuldades de sobrevivência da população e a pouca “ressonância social do lazer”, ainda não visto como um direito social.

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leva à dificuldade de ele se legitimar como direito social e, consequentemente, como

política social18.

A utilização do lazer como ferramenta de barganha com finalidades

eleitoreiras é outro fato recorrente e que tem servido principalmente para perpetuar o

clientelismo e as práticas assistencialistas que ainda permeiam as relações entre o

poder público e a população, como a distribuição de uniformes, materiais esportivos,

patrocínios, premiações, o que de modo algum pode ser considerado como política

pública de incentivo ao esporte, mas antes de utilização de recursos público para

promoção individual, uma vez que os reflexos que poderão advir dessa conduta,

terão como maior beneficiário o próprio gestor e não os cidadãos.

Uma olhar superficial sobre a relação políticas públicas – lazer pode levar a

um frágil entendimento de que estes elementos se contradizem, uma vez que as

políticas públicas visam a manutenção de um modelo social vigente e o lazer traz

em seu cerne a ideia de transformação. Essa ideia ignora a função do Estado e o

fato de que a ação política toma o direcionamento dado pelo modelo neoliberal em

vigor. E é justamente esse modelo que tem levado o estado a eximir-se de seu papel

e esquivar-se de uma discussão mais profunda sobre o lazer. De acordo com

Linhales (1998 apud CRUZ, 2001 p.92):

[...] o conteúdo de uma política social, bem como as responsabilidades para sua implementação, guarda estreita relação com a natureza do Estado que, em outros termos, significa a forma como se processam os arranjos políticos que lhe dão sustentação. Estes por sua vez, interferem na seleção de prioridades para a alocação dos recursos públicos, que são extraídos da população e que a ela deveriam retornar, redistributivamente, na forma de programas e serviços públicos.

Quanto aos conteúdos e práticas do lazer, o que se percebe é a

supervalorização do lazer-espetáculo, e um direcionamento das políticas públicas

para os “conteúdos culturais do lazer”, reduzindo o lazer ao simples entretenimento,

provocando dessa forma a despolitização desse fenômeno dado o caráter

reducionista dessa postura “que vê o lazer apenas como prática de atividades

realizadas no tempo livre” (ROCHA, 2004 p. 192-193). Aproveitando-se da

mobilização que ocorre em torno desses eventos (festas dançantes, torneios de

futebol, trios elétricos e etc.) e do calor que provocam na população, muitos dos

normalmente denominados como projetos, são na verdade acontecimentos pontuais

18 Idem, p.3

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35

e esporádicos que têm finalidade em si próprios. Essa visão estreita dissemina-se

amplamente no seio da sociedade, fazendo com que o lazer passe de elemento

questionador de um modelo hegemônico à expectante das mudanças sociais, o que:

[...] reflete para a sociedade o entendimento das políticas públicas de lazer como uma ocupação do tempo livre das pessoas, visando simplesmente ao divertimento, retirado do debate a importância que ele tem no conjunto da sociedade, principalmente como uma possibilidade de analisar e entender as transformações ocorridas no mundo contemporâneo.19

Essa inação do poder público em proporcionar o exercício cidadão do lazer

com atividades politizadas resultam no avanço crescente do setor privado sobre

esse “nicho”, transformando um direito social em um produto, enlatado, rotulado e

tarifado conforme as regras de mercado, o qual passa a ser privilégio de poucos a

despeito da necessidade da maioria. A ausência de políticas públicas ou a

ineficiência das existentes torna o lazer um elemento de distinção entre classes,

onde os abastados têm à disposição múltiplas opções de escolha enquanto aos

menos favorecidos resta contentar-se com os espaços e deficientes e sucateados

que a cidade oferece.

Os recentes estudos acerca do lazer têm contribuído muito para uma

compreensão cada vez mais ampla da necessidade de mudanças na forma de

gestão das políticas setoriais no Brasil, no nosso caso de lazer e esporte. Atribui-se

isso principalmente ao “crescimento da demanda, motivada, principalmente, pela

organização de determinados setores da sociedade que, inspirados na ideia do lazer

como um direito social, reivindicam dos poderes públicos ações que atendam essa

realidade”20. Reconhece-se também a importância da aproximação entre o poder

público e a comunidade na busca de soluções para os problemas relacionados a

esse tema e no fortalecimento de processos educativos que possibilitem a formação

necessária para que a sociedade possa acompanhar devidamente os processos que

integram a implementação das políticas públicas. Acreditamos que o

empoderamento das comunidades através de estruturas como os conselhos

gestores possibilitará um controle social das ações do executivo e na discussão

sobre as políticas públicas de lazer. É sobre esse instrumento que nos

debruçaremos no capítulo a seguir.

19 Idem, p. 192 20 Ibidem, p. 193

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4 SITUANDO CONCEITOS: DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR

Antes de iniciarmos as discussões acerca dos Conselhos municipais de

esporte e lazer no cenário pesquisado, suas formas de construção e a análise da

participação popular nesse processo, faz-se necessário situar historicamente esta

participação e discorrer brevemente sobre democracia. A opção por essa discussão

preliminar deriva do entendimento que a existência da democracia pressupõe a

plena participação dos cidadãos nas decisões políticas.

A luta contra o regime ditatorial na década de 1970 instigou o nascimento

de diversos movimentos sociais, esses grupos a partir da resistência ao regime

militar, reivindicavam principalmente os direitos à liberdade de expressão, à eleição

de representantes e à livre organização. A efervescência política da década de 1980

levava o Brasil rumo à redemocratização e no decorrer dos “anos perdidos” centrais

sindicais, entidades de classe e diversos outros movimentos organizados

começaram a conquistar espaço na sociedade brasileira. Se o período de 1970

representou um marco histórico para os estudos sobre democracia e participação

popular (SILVA, 2004 apud ARAÚJO, JARA e MAGALHÃES, 2011 p. 31) a partir da

década de 1980 a sociedade brasileira abriu espaço para essa participação, como

afirma Amaral (2005):

Na década de 1980, o cenário nacional concedeu espaço para duas conquistas em relação à participação: constituiu-se um campo democrático no interior da sociedade civil formado, sobretudo, pelos movimentos populares e pelos movimentos sociais pluriclassistas, que desenvolveu uma cultura política de mobilização e de pressão direta para encaminhar suas demandas e houve a abertura de canais de participação da população em assuntos que dizem respeito à administração pública. (AMARAL, 2005 p.12)

O fato que talvez represente o ápice das conquistas da sociedade

organizada pela participação na política e nos assuntos relacionados com a coisa

pública foi a promulgação da Constituição de 1988, também conhecida como

Constituição cidadã. Através dela a participação popular passa a ser

institucionalizada, dentre outras formas, quando estabelece o sufrágio universal

como condição fundamental para o exercício do poder através de representantes

eleitos bem como ao estabelecer mecanismos de participação na gestão pública

tanto nas decisões políticas quanto no exercício do controle social dentre os quais

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realçamos os congressos, plenárias temáticas, orçamento participativo, conferências

e os conselhos gestores. De acordo com Saule Jr.:

O princípio democrático na Constituição Brasileira está inserido no artigo 1º, parágrafo único, pelo qual o poder emana do povo e é exercido de forma direta e indireta por meio de representantes eleitos. Ao tratar dos direitos políticos, a Constituição determina que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular. A Constituição, portanto acolhe os postulados da democracia representativa e participativa, onde predomina como pressuposto da democracia a existência de um processo dinâmico, com a existência de uma sociedade aberta e ativa, [...] (1998, p. 2, 3).

Podemos caracterizar a existência de um estado democrático de direito no

Brasil a partir da observação dos princípios contidos na Carta Magna. Baseando-se

nessa observação, José Afonso da Silva (1995 apud SAULE JR., 1998) descreve os

Princípios Democráticos da soberania popular, da democracia representativa e

participativa e o Princípio da Constitucionalidade, pelo qual exprime que o Estado

Democrático de direito se funda na legitimidade de uma constituição, emanada da

vontade popular, dotada de supremacia. Cita também os Princípios da justiça social,

da Igualdade da separação dos poderes e da legalidade além de descrever um

sistema de direitos fundamentais, compreendido como o conjunto de direitos

individuais, coletivos, sociais, econômicos e culturais.

No estado democrático de direito, os valores da soberania popular se

impõem como premissas para o exercício legítimo do poder político. A participação

popular nas decisões políticas faz-se necessária e indispensável na atual

democracia participativa uma vez que um sistema político só pode se qualificar

como democrático a partir da efetiva participação popular no poder (RAMOS, 1991),

elevando assim o papel dos cidadãos de meros figurantes à protagonistas das

decisões políticas. Nesse contexto, os conselhos se constituem como alternativas de

enfrentamento e de participação21. Observamos ainda que Constituição Federal de

1988 expressa essa pressão popular ao incorporar no texto constitucional a

participação e a descentralização na condução da coisa pública22.

21Clicia Maria Leite Nahra (2005) em uma sistematização sobre os Conselhos Municipais Gestores de Políticas Públicas em Porto Alegre. 22Idem

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4.1 Modelos Democráticos

Grandes mudanças ocorreram na sociedade brasileira com a ampliação da

democracia principalmente no que diz respeito às funções que o Estado

desempenha em nossa sociedade. Tomando a expressão de Abraham Lincoln que

define a democracia como sendo o governo “do povo, para o povo e pelo povo”,

podemos observar relações com os modelos democráticos ainda vigentes de forma

a estabelecer breves definições para os mesmos.

O modelo de Democracia Social atribui ao Estado o papel de grande

promotor do bem-estar social, para tanto este utiliza as Políticas Públicas na

realização desse imperativo. O estado de bem estar social (WelfareState) observado

em países no pós-guerra preconiza que o estado deve ser o garantidor dos direitos

fundamentais do cidadão e este talvez tenha sido seu grande mérito. No entanto na

democracia social houve o fortalecimento da ideia de partido como representante da

vontade popular. Mesmo reconhecendo os avanços na participação política com

este tipo de democracia representativa, estudiosos observaram a formação de

“oligarquias partidárias que, a partir da cúpula, comandam o disciplinado exército de

filiados” (R. MICHELS, 1910 apud RAMOS, 1991, p.58). Percebe-se que esse

modelo ainda vigente apresenta algumas exceções, no entanto em sua

generalidade, observamos o descrito por Ramos (1991):

A participação política na Democracia Social ficou limitada, no que concerne à maioria do povo, à escolha de uma entre organizações partidárias concorrentes, em função dos fins genéricos que os seus programas arrolam, objetivos esses a serem delineados, concretamente, e implementados por candidatos selecionados primeiro pela direção partidária e, depois, pelo corpo eleitoral. (RAMOS, 1991, p.59).

Com base no exposto, afirmamos aqui que o modelo de Democracia social

aproxima-se mais de um “governo para o povo” do que propriamente “pelo povo”

uma vez que tem como fundamento a representatividade da maioria nas decisões

políticas e, por conseguinte, como principal forma de exercício democrático, não

privilegiando a participação direta na construção, implementação e no controle social

das políticas públicas.

Na democracia participativa o imperativo fundamental é a vontade popular,

que se expressa na participação direta dos cidadãos nas decisões políticas. Essa

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participação deve ser estimulada com a criação de mecanismos de participação e

controle social como os fóruns, conferências e os conselhos. Consiste assim a

democracia participativa em “uma maneira nova de entender o sistema democrático

em que a participação política passa a ser vista como vital, posto que nela se

contém a força criadora do sistema que lhe permite o evoluir contínuo”23,

correspondendo a uma visão mais crítica da democracia social sob a ótica da

participação popular. E é sob essa ótica que Dallari afirma:

Um dos elementos substanciais da democracia é a vontade do povo sobre a de qualquer indivíduo ou grupo. Quando um governo, ainda que bem intencionado e eficiente, faz com que sua vontade se coloque acima de qualquer outra, não existe democracia. Democracia implica autogoverno e exige que os próprios governados decidam sobre as diretrizes políticas fundamentais do Estado. [...] (DALLARI, 1972 apud RAMOS, 1991 p.65).

Mesmo com discrepância entre as duas concepções democráticas, ambas

não podem ser consideradas antagônicas, antes disso a democracia participativa

busca a ampliação da participação popular na sociedade. Segundo Starepravo

(2007, p. 6):

Apesar de a princípio se caracterizarem como formas diferentes de democracia, a democracia participativa, bem como a democracia direta trilham um caminho de aproximação, no sentido de garantir um alargamento do processo democrático. Não se trata de substituir uma forma de democracia pela outra, mas sim garantir a extensão da democratização.

Esse pensamento nos leva à compreensão de que não cabe só ao estado a

obrigação de garantir o bem estar da sociedade, mas que também é dever de cada

cidadão participar ativamente e intervir nos rumos da sociedade. Para Langoski:

Não depende exclusivamente do Estado a efetivação do bem comum, a ação é conjunta, ou seja, há que haver a participação dos indivíduos que o compõem, no cumprimento de seus deveres e no exercício de seus direitos junto à sociedade, concomitantemente com os direitos e deveres da unidade estatal, os quais, todos, estão agasalhados e recolhidos na Constituição. (LANGOSKI, 2008).

Essa extensão democrática busca assim garantir a soberania da vontade

popular, que deve ser expressa através de sua participação nas decisões políticas

para além da escolha de seus representantes com a abertura de “instrumentos

novos de acesso do povo ao poder ou mesmo a utilização de instrumentos já

23Idem p.63

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40

existentes e não utilizados ou subutilizados”24. Sobre esses mecanismos,

destacamos o apresentado por Amancio: (2010 p.45)

Os conselhos gestores de políticas públicas, conferências, audiências públicas, orçamento participativo e alguns tipos de fóruns, são conhecidos como espaços participativos. Os espaços participativos são, por excelência, espaços de interlocução, de interface, de intermediação entre poder público e sociedade civil. São espaços em que há regras conhecidas e aceitas por todos que definem o seu funcionamento, composição e a regularidade de seus encontros. Uma de suas vantagens principais é justamente essa regularidade de encontros, dinâmicas e procedimentos. Assim fica mais fácil planejar a atuação neles e o tempo que se leva para encaminhar uma demanda. Outra vantagem é que eles têm a participação de representantes do poder público e atribuições legais para tomar decisões. (AMANCIO, 2010, p.45 grifos do autor)

A constituição de 1988, ao prever diversos instrumentos e espaços de

participação direta do cidadão no controle da administração pública objetiva garantir

a soberania da vontade popular nas decisões políticas. Dentre esses mecanismos,

daremos destaque aos conselhos, dos quais trataremos a seguir.

4.2 Conselhos Municipais

Vários estudos e produções sobre essa temática têm sido realizados nos

últimos anos como reflexo das demandas da sociedade acerca dessa matéria.

Durante a pesquisa tivemos a oportunidade de vislumbrar a realidade no campo

pesquisado, o território 18 e formular hipóteses sobre o que foi observado. Porém

antes de apresentarmos esses dados, faremos aqui uma breve discussão de alguns

conceitos.

A participação do cidadão nas decisões políticas obedece a um princípio

constitucional descrito no Artigo 1o da CF segundo o qual “todo poder emana do

povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente nos termos desta

constituição” (BRASIL, 1988) dessa forma a democracia não se realiza plenamente

sem a participação popular, assim:

A presença de cidadãos participativos nas ações governamentais faz com que os governos não atendam a lei simplesmente por obrigação ou constrangimento, mas porque percebem que é de interesse da coletividade, estando de acordo com os direitos fundamentais preconizados pela

24Ob. Cit. p.75

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Constituição Federal. Isto porque a participação é uma determinação política e constitucional, que possui proteção jurídica. (LANGOSKI, 2008)

Os conselhos gestores apresentam-se como um dos mecanismos mais

importantes nesse processo uma vez que se constituem como espaço de

possibilidades de co-gestão e controle social das políticas públicas. Para Amancio

(2010 p. 47):

Os Conselhos Municipais são importantes, pois são espaços participativos que têm como atribuição geral aprovar e controlar a execução da política municipal em um setor, definindo diretrizes mais amplas sobre o seu funcionamento. Por tratarem de questões mais amplas da política e terem relação direta com a secretaria municipal do setor, podem ser espaços estratégicos de controle social.

Os conselhos municipais são órgãos colegiados cujo caráter pode ser

consultivo, deliberativo, de assessoramento formado por representantes de

entidades governamentais ou da sociedade civil (IBGE, 2006) com atribuições

específicas à sua área de atuação (esporte, saúde assistência social, etc.). Esse

conceito define objetivamente os conselhos sem, no entanto adentrar em suas

peculiaridades e possibilidades enquanto canal de participação e controle social.

Compreendemos os conselhos municipais como instrumentos democráticos

de gestão das políticas públicas do município. Eles representam o elo entre o estado

e a sociedade e tem o papel de participar da formulação, implementação e

fiscalização das ações do governo em sua área de atuação. Segundo Maria do

Carmo A. A. Carvalho (1998) do Instituto Pólis, os conselhos são:

[...] espaços de interface entre o Estado e a Sociedade. São pontes ente a população e o governo, assumindo a co-gestão das políticas públicas. O poder é partilhado entre os representantes do governo e da sociedade, e todos assumem a tarefa de propor, negociar, decidir, implementar e fiscalizar a realização do interesse público. (CARVALHO, 1998 p. 3)

Os conselhos gestores adquirem relevância e se efetivam enquanto espaços

para reivindicações quando suas ações superam as de órgãos estáticos ou de

referendo das ações do executivo. “Nesses espaços, em princípio, a sociedade civil

tem assento garantido, o que significa que se trata de uma porta de acesso ao poder

público e que todos os cidadãos podem fazer uso através de seus representantes”

(AMANCIO, 2010 p. 45). Ou seja, a interlocução entre poder público e sociedade

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civil ocorre de forma permanente25. A sua atuação deve visar o diálogo com o poder

público sem, no entanto abandonar sua independência. Sobre a importância do

papel dos conselhos municipais destacamos o descrito por Virgílio Oliveira, José

Roberto Pereira e Vânia Oliveira:

[...] Os conselhos podem contribuir para a democratização da gestão pública, a ampliação quantitativa e qualitativa da participação, a condução coletiva de políticas sociais, a responsabilização de governantes (accountability), o controle social pró-ativo e para o intercâmbio de informações entre população e poder local. [...] (OLIVEIRA, V. C.; PEREIRA, J. R.; OLIVEIRA, V. A. R., 2010 p.423)

No entanto esse importante instrumento pode ser subvertido e servir

simplesmente para legitimar as ações governamentais quando suas deliberações

referendam as decisões do executivo municipal sem o debate e o diálogo. Dessa

forma os conselhos tornam-se estruturas sem vida própria, perdem a característica

fiscalizadora das ações governamentais. Essa existência figurativa faz dos

conselhos estruturas apáticas que mais se assemelha a departamentos, instâncias

ou órgãos do próprio governo inexistindo assim um efetivo controle da sociedade

sobre as decisões que são tomadas pelo executivo. Essa é uma estratégia do

estado de limitar e restringir a atuação popular a um participar meramente

instrumental26. Podemos afirmar que esses espaços carregam consigo a

“possibilidade de emancipação ou de legitimação de um sistema excludente e

promotor da miséria e de desigualdades socioeconômicas violentas.”27

4.2.1 Controle Social

Controle social “é a capacidade da sociedade de intervir nas políticas

públicas com o objetivo de garantir direitos” (AMANCIO, 2010, p. 8). Se a sociedade

não intervém nos processos decisórios, as resoluções serão tomadas à revelia da

vontade popular e a despeito dos seus interesses.

A garantia dos direitos coletivos é a principal característica do controle social

uma vez que “encaminhada por um indivíduo ou grupo representando a

25Idem 26ARAÚJO et al, 2010 p.33 referindo-se a análise de Maria da Conceição Araújo Batista sobre a participação popular na gestão pública. 27OLIVEIRA, 2009 apud ARAÚJO et al, 2010 p. 42

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comunidade, a ação de controle social não visa privilégios individuais ou favores,

mas busca representar os interesses e necessidades de um coletivo e efetivar

direitos na prática”28. Dessa forma:

[...] o controle social é um mecanismo eficaz contra o clientelismo e as relações de favor, que não garantem direitos por tratar-se de ações ou reivindicações isoladas que visam resolver problemas imediatos de algumas pessoas. Quando se reconhece que a falta de médico não é um problema individual, mas uma necessidade da comunidade para garantir o direito fundamental à saúde, a forma de relacionar-se com o poder público é diferente e se dá na base da conquista de direitos.

É dessa maneira que o controle social torna-se uma ação legítima da

sociedade perante o Estado, e que deve ser exercida continuamente29.

Vale aqui salientar que os conselhos municipais, apesar de representarem

avanços na descentralização da gestão pública e configurarem-se como um espaço

de grandes possibilidades para a melhoria da qualidade de vida de uma comunidade

e, especificamente no nosso caso, de garantir a democratização do acesso ao lazer

e ao esporte, não podem por si só garantirem a solução de determinados problemas

uma vez que sua participação na construção de políticas públicas representa apenas

uma das formas de atuação popular sujeita a inúmeros empecilhos, dentre eles a

falta de interesse das prefeituras em estimular a participação e a fiscalização de

suas ações pela população, uma vez que essa participação representa riscos à

manutenção de um modelo hegemônico e de políticas clientelistas tradicionais. Para

tanto os conselhos muitas vezes são reduzidos à qualidade de órgãos consultivos

“restringindo suas ações ao campo da opinião, da consulta e do aconselhamento,

sem poder de decisão ou deliberação”30, ou seja, sujeitos à vontade política dos

grupos em atuação no município.

28Ibidem p.9 29Ibidem 30GOHN, 2007 apud ARAÚJO et al p. 48

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5 METODOLOGIA

A abordagem metodológica a ser considerada nesta pesquisa toma como

referência as características próprias do estudo e orienta-se pela perspectiva

qualitativa. Essa afirmação apoia-se na sua característica descritiva e na análise

indutiva dos dados por parte do pesquisador, haja vista que as dimensões e

categorias apresentadas acabaram por surgir livremente durante a coleta e a análise

dos dados. Além disso, tem seu foco na interpretação e na compreensão dos

fenômenos humanos e sociais encaixando-se adequadamente ao perfil do objeto de

estudo dessa pesquisa.

Para Minayo (1998, p. 21) a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo

dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das

atitudes.” Aliado a isso observa-se também que as pesquisas norteadas por essa

abordagem compreendem a relação entre o indivíduo e o ambiente como “um

vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não

pode ser traduzido em números” (SILVA, 2001 p. 20). O caráter essencialmente

descritivo da pesquisa é percebido na sua descrição do fenômeno e no

estabelecimento de relações entre variáveis, para os quais envolve o uso de

técnicas padronizadas de coleta de dados, assumindo em geral, a forma de

levantamento31.

Os instrumentos utilizados para a coleta de informações foram a entrevista e

a observação simples. A entrevista foi realizada com base num roteiro previamente

elaborado, organizado num formato semi-estruturado haja vista a forma aberta das

questões que segundo Gil (1987, p.118) “proporcionam ampla variedade de

respostas, pois podem ser expressas livremente pelo respondente”, as questões

foram apresentadas de maneira espontânea, adotando uma sequência mais livre

(TOZONI-REIS, 2009). Os áudios das entrevistas foram gravados com a autorização

dos participantes e transcritos para, a partir daí serem analisados.

A observação foi realizada como proposta por Gil (1987, p.105) que a

descreve como um tipo de observação em que o pesquisador observa

espontaneamente os fatos que ocorrem no ambiente pesquisado de forma a

31 Idem p. 21

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permanecer alheio a estes, assumindo o papel de espectador dada a maneira

informal e não-planificada como esta é realizada.

O campo empírico foi o Território 18 denominado de Litoral Norte e Agreste

Baiano, uma das 27 regiões socioeconômicas pertencentes ao estado da Bahia

após a criação do Programa Territórios de Identidade promovida em julho de 2010.

O território Litoral Norte e Agreste Baiano é composto pelos municípios de Acajutiba,

Alagoinhas, Aporá, Araçás, Aramari, Cardeal da Silva, Catu, Conde, Crisópolis,

Entre Rios, Esplanada, Inhambupe, Itanagra, Itapicuru, Jandaíra, Mata de São João,

Olindina, Ouriçangas, Pedrão, Pojuca, Rio Real e Sátiro Dias, totalizando 22

municípios, compreendendo uma área territorial de 14.377,83km2. Esse território,

localizado na porção nordeste do estado tem uma população estimada de 620.155

habitantes e seu PIB, de acordo com dados da SEPLAN é de 4.608,14 milhões32. O

IDH da região varia entre 0,52 e 0,72 englobando assim municípios cujo índice

encontra-se entre a média nacional e também entre os piores do país.

Apesar de nos últimos anos, muitas indústrias terem se instalado na região,

o perfil econômico do território ainda é essencialmente agrícola. O território tem

grande participação na produção de cítricos do estado, chegando alguns municípios

como Rio Real a representar oitenta por cento do total de laranjas produzido na

Bahia. Essa região também conta com importantes jazidas de petróleo. Grandes

empresas do setor estão instaladas em municípios como Catu, Pojuca, Alagoinhas,

Entre Rios e Esplanada.

Os sujeitos entrevistados foram os gestores municipais de esporte e lazer. A

opção por esses (as) atores (as) sociais considerou entre outros aspectos o papel

destes como representantes das políticas governamentais dos municípios e a

relevância de suas respostas no que diz respeito às questões relacionadas ao

ordenamento legal e às políticas públicas de esporte e lazer. Alinhada com os

objetivos desta pesquisa, a participação dos gestores municipais de esporte e lazer

nos permitiu compreender qual a posição dos municípios e do Território frente a

essa demanda social.

Após o levantamento das informações organizamos a análise dos dados a

partir da delimitação de três categorias fundamentais da pesquisa, são elas:

Conselhos municipais de esporte e lazer; Projetos e programas de esporte e lazer e

Participação popular na elaboração dos projetos.

32 Dados de 2008, disponíveis no site da SEPLAN (www.seplan.ba.gov.br)

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Sobre a primeira estabelecemos como discussão central a existência ou não

de tais conselhos na região, sua estrutura e funcionamento. Na segunda dimensão,

avaliamos a forma de elaboração dos projetos e programas e as concepções que

estão por detrás dessas intervenções. Buscamos nas respostas dos entrevistados,

observar se tais projetos se dão unicamente a partir de Iniciativas do executivo ou

em parceria com outras entidades que atuam no âmbito do esporte e lazer.

Observamos também nas entrevistas a existência ou não de projetos

voltados ao esporte e ao lazer, que possam atender as demandas da população e

garanti-los como direitos constitucionais.

Na terceira e última etapa discutimos a participação popular na elaboração

dos projetos de esporte e lazer e como se processam as relações entre Governo

local e as entidades neste processo.

Dessa forma, construímos um lastro de informações que nos permitiram

compreender melhor a situação das políticas públicas de esporte e lazer,

particularmente, a questão dos conselhos municipais no Território Litoral Norte e

Agreste Baiano.

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47

6 ANÁLISE DE DADOS

Neste capítulo, analisaremos os dados coletados nas entrevistas com os

gestores de esporte e lazer dos municípios pesquisados tendo como base três

categorias elementares: Conselhos municipais de esporte e lazer; Projetos e

programas de esporte e lazer e Participação popular na elaboração dos projetos.

Relacionaremos as informações obtidas com dados oficiais do IBGE (2006), como

forma de contextualizar os resultados da pesquisa realizada nos municípios do

território com a realidade nacional. Desta forma, apresentaremos uma visão mais

ampliada da realidade das políticas públicas de esporte e lazer no território Litoral

Norte e Agreste Baiano.

6.1 Conselho Municipal de Esporte e Lazer

A primeira pergunta realizada nesta categoria foi focada na existência e na

composição dos conselhos municipais, indagou-se: “Existe Conselho Municipal de

Esporte e Lazer no município? Quem participa e como funciona o conselho?” Na

amostra analisada foi possível identificar a presença de conselhos de esporte e lazer

em dois municípios. No primeiro caso o conselho encontra-se inativo, segundo o

entrevistado, em virtude da falta de mobilização dos integrantes. Segundo o seu

relato:

Gestor 1: [Existe o conselho, ele esta legalizado desde o inicio do ano

passado, no entanto ele não é funcional, o que é que significa, as pessoas que

compõem este conselho terminam por ser um compromisso mais de cidadania, do

que um compromisso de trabalho em si ou de algum retorno financeiro, terminam

não comparecendo a essas reuniões [...], não se preocupam em realmente terem

esse compromisso de cidadania de compromisso [...] de fiscalização, e orientação

do órgão gestor, porque o conselho é a representação da comunidade, justamente

em prol de um beneficio a partir das políticas publicas.]

No outro município, o relato do entrevistado dá conta da existência do

conselho, presidido pelo diretor de Esportes do município e composto por um total

de doze membros. Segundo ele, esse conselho se reúne mensalmente, no entanto

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não ficou definido em sua fala o caráter da atuação desse conselho: se consultivo ou

deliberativo.

Gestor 2: [Existe, é formado por 12 pessoas, onde nós temos como o

presidente do conselho é o [...] diretor de esporte [...]. Normalmente é feita as

reuniões mensal [...], como aqui a gente tem muito futebol, jogador de futebol, ele

faz as reuniões todas as segundas de mês em mês, que é citado a questão de

estádio, de campo, de bola, de rede...]

A inexistência de instrumentos democráticos de gestão das políticas públicas

municipais, tais como os conselhos, fóruns e conferências, na grande maioria das

cidades visitadas aponta para uma preocupante similaridade com os resultados

publicados no suplemento de esporte do IBGE (2003) no que se refere à existência

de conselhos gestores nos municípios brasileiros. Observando o recorte da região

nordeste, percebemos também o distanciamento da região em relação à média

nacional (11,8%):

Tabela 1 – Proporção dos municípios com existência ou não de Conselho Municipal de Esporte e/ou outro Conselho Municipal que atue na área do esporte por

região - 2003

No que se refere ao estado da Bahia, a proporção dos municípios

possuidores de conselhos específicos de esporte é de 6%:

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Tabela 2 – Municípios, total e com existência ou não de Conselho Municipal de Esporte e/ou outro Conselho Municipal que atue na área do esporte – Região

Nordeste

A tabela acima mostra que dos 185 municípios baianos que possuem

conselhos que atuam na área do esporte, apenas 25 deles são exclusivamente

destinados ao esporte. Relevante também é a informação sobre a proporção de

municípios onde não há quaisquer conselhos operando na área de esporte (232) o

que representa 56% do total dos municípios baianos. Percebe-se então que a

ausência de estruturas colegiadas que atuem sobre as demandas relacionadas ao

lazer e ao esporte é um fato predominante na maioria das regiões brasileiras. A falta

de um espaço de discussão e de deliberação sobre a matéria e o baixo índice de

ocorrência destes na região Nordeste (3,2%, o menor índice entre as regiões do

país), pode refletir entre outros aspectos o baixo índice de politização da população

em torno de determinado tema e no caso específico do lazer e do esporte impactar

no alcance e na qualidade das políticas para o setor.

6.2 Projetos e Programas de Esporte e Lazer: realidades e desafios do território

No quesito projetos e programas de esporte e lazer, procuramos

compreender a forma de elaboração destes no que se refere à participação popular.

As categorias utilizadas na análise foram decorrentes das respostas encontradas

nas entrevistas realizadas nos municípios selecionados e estão expressas no

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quadro abaixo. De acordo com as respostas, definimos quatro categorias para

análise:

Quadro 1 – Categorias estabelecidas e suas definições

Categoria Descrição

Iniciativa do Executivo Os projetos/programas são pensados e elaborados pela

própria secretaria ou pelos gestores municipais juntamente com uma equipe técnica interna.

Executivo e Associações

desportivas

Elaboração dos projetos/programas ocorre nas secretarias em conjunto com as ligas e outras associações desportivas

do município.

Executivo e grupos de interesse

A construção dos projetos/programas acontece nas secretarias e conta com a opinião de pessoas conhecidas no município ligadas ao esporte (desportistas, ex-atletas, entusiastas do esporte e etc.), sem vínculo institucional

com a administração municipal.

Não existem projetos/programas Casos em que os gestores de esporte e lazer dos

municípios afirmaram não existirem quaisquer projetos ou programas destinados ao esporte e ao lazer.

Observamos que as maneiras como se desenvolvem os projetos e

programas de esporte e lazer quanto às iniciativas, podem ajudar a entender o nível

de participação da comunidade nas questões relacionadas a esse assunto. Esse

juízo fundamentou a identificação dessas quatro categorias. Quando uma ação

governamental origina-se exclusivamente no âmbito do próprio governo, corre-se o

risco que de suas motivações resultem em práticas clientelistas. Além disso, quando

pensadas por quem detém o poder de implementação, sem a interferência da

sociedade, a ação será o resultado de uma única compreensão ou visão sobre o

problema, sem que os próprios interessados expressem as suas verdadeiras

necessidades e aspirações.

Do mesmo modo, quando apenas uma agremiação ou um pequeno círculo

de pessoas (categorias 2 e 3) opina sobre o direcionamento de uma política setorial,

estas irão refletir as concepções desses grupos sobre determinada demanda,

fazendo com que os resultados da ação governamental sobre determinado tema

(lazer e esporte) acabem por atender aos interesses muitos restritos, uma vez que o

processo de formulação não contou com uma discussão ampla e democrática entre

os membros da comunidade.

No caso da quarta categoria, a ausência de mobilização da população nas

questões relacionadas ao lazer e ao esporte, talvez justificada pela falta de

compreensão destes como direitos sociais podem levar os gestores a ignorarem

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intencionalmente essa matéria de forma que essa inação se reflita na ausência de

projetos e programa para o setor. A partir das respostas obtidas nas categorias

comentadas, construímos a seguinte tabela:

Tabela 3 – Formas de elaboração dos projetos e programas de esporte e lazer por categoria.

Formas de Elaboração dos Programas e Projetos de Esporte e Lazer

Municípios Iniciativas do

executivo

Executivo e Assoc.

Desportivas

Executivo e Grupos

de interesse

Não Existem

Programas/Projetos

Acajutiba • Aporá •

Aramari • Cardeal da Silva •

Catu • Conde •

Crisópolis • • Entre Rios • Esplanada • Inhambupe • Itapicuru • Jandaíra • Olindina •

Ouriçangas • Pedrão • Pojuca •

Rio Real • Sátiro Dias •

Percebemos no quadro acima que a maioria dos programas e projetos de

esporte e lazer existentes nos municípios da amostra (8 ocorrências) são

construídos e avaliados no interior das secretarias municipais sem nenhuma

participação da população. Os discursos de alguns dos gestores corroboram essa

afirmativa:

Gestor3: [Até o momento existia uma pessoa que era nomeada como

Coordenador de Cultura e juntamente com a Secretária de Educação, o secretário

no caso é que definia coisas neste lado e o Prefeito também né.]

Gestor 4: [É uma parceria da secretaria de cultura esporte e lazer com a

secretaria de Educação. Nós elaboramos o projeto de cultura e esporte na escola,

fizemos reuniões com os coordenadores e com a Secretaria de Educação e

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implantamos já. A partir das escolas abrimos as inscrições para os alunos

interessados para que eles praticassem essas atividades esportivas no contraturno

escolar.]

Gestor 5: [São desenvolvidos todos pela secretaria. Nós temos aqui uma

comissão que avalia todos os programas municipais. No final se faz uma avaliação.]

Gestor 6: [Como é avaliado veja bem, vamos começar pela criação primeiro,

a criação temos uma coordenação com o secretário e nosso prefeito chegou pra

gente e pra gente criar e ver o que podia ser feito diante do recurso, ao todo temos

uma pequena participação no fundo municipal para a gente poder a partir desse

valor fazer um trabalho, pra desenvolver.]

Vemos também que a participação de atores externos na elaboração desses

projetos ficou limitada a alguns grupos ou pessoas vinculados exclusivamente ao

esporte, o que sugere que essa dimensão do lazer é a que tem se destacado com

mais freqüência:

Gestor 7: [São feitos e elaborados em conjunto com a liga desportiva da

cidade. A avaliação é feita durante e após os projetos.]

Gestor 8: [Todos os projetos municipais são elaborados na secretaria em

conjunto com as equipes técnicas, por exemplo, de esporte nos temos professor de

educação física, dois técnicos de futebol, diretor de esporte, presidente da LADE

(liga desportiva) e algumas outras pessoas que estão sempre convivendo nessa

comunidade ligada ao esporte e a gente da às opiniões, discute temos o projeto já

elaborados se possível a gente vai te apresentar e a gente vê né quanto vai custar, a

quem vai atender, aonde vai acontecer, quando deve acabar e as premiações de

incentivo.]

Gestor 9: [Veja bem, os projetos são elaborados na secretaria com a ajuda

de algumas pessoas interessadas no sentido de verem as demandas, nos temos

reuniões mensais com todos os dirigentes de times de comunidades ou de pessoas

que tem projetos já em comunidades, seja relacionado a qualquer área que envolva

o esporte... Esporte especificamente...]

Mesmo no município em que foi relatada a existência de um conselho ativo,

não foi possível detectar na fala do gestor a participação desse conselho nas

discussões relacionadas ao processo de elaboração de projetos e programas de

esporte e lazer:

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Gestor 2: [Normalmente o grande foco aqui é o futebol, como eu falei há

poucos minutos. Nós temos uma liga que é a Liga Desportiva [...] que tem 22 clubes.

Então cada presidente faz a sua proposta, seu plano e traz e aí uma dessas

propostas é analisado, é avaliado, é aí nessa análise a gente faz, dá sugestões e aí

resolve o que deve ser feito.]

Vale observar também que três dos municípios da amostra não possuem

nenhum tipo de programa ou projeto de esporte e lazer, reflexo supomos, entre

outros fatores, da inexistência de estruturas e instrumentos que permitam à

população participar ativamente do processo de definição da agenda para o lazer,

tais como os conselhos e as conferências municipais:

Gestor 10: [Olha, programa assim não tem né. 2005 ou 2006 foi a ultima

edição do projeto/programa Segundo Tempo do governo federal no município. Acho

que 2005 ou 2006 terminou/finalizou em 2006 esta edição e depois disto não teve

mais nenhuma iniciativa nem por parte do governo federal nem estadual e

municipal.]

6.3 Participação Popular

Observamos durante as entrevistas, um fato relevante. Alguns gestores

quando questionados sobre a participação da população na concepção dos

programas municipais de lazer e esporte responderam que havia participação

apoiando essa afirmação na mobilização entusiasmada das comunidades em torno

dos eventos esportivos ocorridos no município, confundindo assim a idéia de

participação popular, nos termos do questionário, com a movimentação dos

indivíduos enquanto participantes ou expectadores de determinado evento:

Gestor 11: [Existe. Existe a participação né? É dos alunos dos pais ai

participa de campeonato, um campeonato, que tem no estádio municipal, num dos

estádios aqui da região, um dos melhores, bem mais equipados [...]. Agora precisa

ser mais explorado essa questão [...]. Então a gente ta ainda engatinhando na

questão desses programas.]

Gestor 12: [Agora nós temos uma participação popular em termos de

torneios de futebol de salão, então existe uma participação muito ativa da

comunidade. Hoje o nosso estágio está sendo reformado, já está licitado, a reforma

vai começar agora, a drenagem, tudo [...]. Temos um projeto já feito, já concluso,

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com 16(dezesseis) times inscritos da Zona Rural onde vão ser disputados em 60

(sessenta) dias o campeonato, envolvendo 400 (quatrocentos) atletas e quase

5(cinco) mil pessoas da comunidade. Vai ser um negócio bastante grande.]

A partir do exame da tabela anterior, e buscando classificar o nível de

entrosamento da sociedade com as ações do poder público municipal, construímos

um pequeno gráfico que, reconhecidas suas limitações, ilustra o grau de

participação da população na construção dos projetos e programas de lazer e, por

conseguinte nas políticas públicas do setor.

Gráfico 1: Grau de participação popular

Assim, tomando por base esse critério, na representação acima agrupamos

os municípios em que o executivo é o único responsável pela elaboração de tais

projetos bem como os casos em que estes inexistem (12 ocorrências) para

classificar a participação popular como negativa e aglutinamos as demais situações

(6 ocorrências), classificando-as como de participação “limitada”, haja vista que

nesses casos a participação de atores externos à administração municipal se limitou

às associações e ligas desportivas, times de futebol e a pessoas envolvidas com o

esporte.

Sob a ótica da participação popular, na maioria dos municípios da amostra,

não ocorre nenhum diálogo entre o poder público e à comunidade no que se refere

aos projetos e programas de esporte e lazer. Nos casos em que os gabinetes

municipais se abrem, a aproximação do executivo limita-se em acolher sugestões de

uma minoria, que defendem interesses relacionados diretamente ao esporte, o que

diverge da compreensão de participação popular discutida nesse trabalho, que

0

2

4

6

8

10

12

14

Negativa Limitada

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pressupõe, entre outros aspectos, uma atuação ampla da população e de setores da

sociedade que permita protagonizar mudanças e avanços na gestão pública bem

como garantir o controle das ações do estado como forma de exercício da cidadania.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos nessa pesquisa um distanciamento entre a sociedade e os

processos de co-gestão das políticas públicas municipais de lazer e esporte no que

diz respeito à participação popular. Na totalidade do campo pesquisado, não

pudemos detectar um envolvimento mais amplo entre a sociedade e o poder público

dada a inexistência de um debate aberto sobre as formas de elaboração dos

programas e projetos voltados para o lazer e o esporte.

Os projetos e programas de lazer e esporte elencados pelos representantes

dos executivos municipais têm, em sua maioria se configurado como eventos

pontuais e isolados de uma política institucional o que reflete, a nosso ver, a falta de

uma visão mais crítica e contextualizada com os novos valores inerentes ao lazer,

tanto por parte do executivo quanto pela própria população, fato que demonstra

como as políticas para este setor têm se constituído essencialmente como políticas

de governo ao invés de políticas de estado. Esses projetos apresentam ainda os

vícios de práticas assistencialistas que muito pouco tem a contribuir para a melhoria

da qualidade de vida da população, mas que tem servido como instrumento de

promoção dos grupos políticos no poder.

No contexto evidenciado nesse trabalho, as secretarias municipais, em sua

maioria, são as únicas responsáveis pela elaboração desses projetos, contando

eventualmente, com uma mínima interferência da sociedade, representada tão

somente por associações esportivas e pessoas envolvidas com o esporte, o que

explica o direcionamento dado às políticas municipais. Paralelamente a esse fato,

verificamos também situações em que programas, projetos e políticas públicas

voltadas para essa área simplesmente inexistirem.

Uma das prováveis causas para essas situações talvez seja a inexistência

de estruturas e instrumentos que permitam a participação da população e o

exercício democrático assegurado constitucionalmente. Os conselhos municipais de

esporte e lazer, foco desse trabalho, não têm se constituído como mecanismos de

participação e controle social das ações dos governos municipais e das políticas

municipais de lazer e esporte, tanto pela inexistência, verificada na maioria dos

casos, ou pela sua inoperância.

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Reconhecemos aqui a necessidade premente da ação popular no que diz

respeito ao lazer, e aos processos de formulação e implementação das políticas

públicas municipais. Para tanto, o poder público deverá estimular e promover fóruns,

conferências, debates, palestras e a instalação dos conselhos gestores de forma a

instigar a participação da comunidade na vida política do município. Porém é

necessária também a quebra de alguns paradigmas e uma mudança na visão dos

gestores em relação ao controle da sociedade sobre suas ações. Deve-se ter em

vista que a participação e o debate são elementos de grande importância na

resolução de situações-problema e fundamentais ao exercício da democracia.

Acreditamos, porém que para se alcançar quaisquer mudanças nesse

sentido, fazem-se necessárias iniciativas voltadas para a educação e para a

formação dos gestores e dos usuários das políticas públicas, haja vista que só a

partir do reconhecimento do lazer e do esporte como direitos sociais é que se

poderá caminhar em direção às mudanças necessárias.

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RODRIGUES, Marta M. Assumpção. Políticas públicas. São Paulo: Publifolha, 2010 (Folha Explica) SANTOS, Flávia da Cruz. AMARAL, Silvia Cristina Franco. Sobre lazer e políticas sociais: questões teórico-conceituais. In Pensar a Prática, Goiânia, v. 13, n. 3, p. 113, set./dez. 2010. SEBRAE/MG. Políticas Públicas: conceitos e práticas. Supervisão por Brenner Lopes e Jefferson Ney Amaral, coordenação de Ricardo Wahrendorff Caldas. Belo Horizonte, 2008. 48p. SAULE JR., Nelson. A Participação dos Cidadãos no Controle da Administração Pública. Pólis Papers, São Paulo, no 1, 1998. Disponível em: <http://www.polis.org.br/uploads/840/840.pdf> Acesso em: 14 nov. 2011. SILVA, Edna Lúcia da. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação – 3. ed. Florianópolis: Laboratório de Ensino a Distância da UFSC, 2001. 121p. SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão de literatura. In Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, p. 20-45, jul/dez 2006. STAREPRAVO, Fernando Augusto. Políticas públicas para o esporte e lazer: conselhos municipais de esporte e lazer e outras formas de participação direta. In CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 15., 2007, Recife. Política Científica e Produção do Conhecimento em Educação Física. Anais... CBCE, 2007 SUASSUNA, Dulce Maria F. de A.. AZEVEDO, Aldo Antonio de (Org.). Política e Lazer: interfaces e perspectivas. Brasília: Thesaurus, 2007. TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Metodologia da Pesquisa. 2.ed. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009 WERNECK, Christianne Luce Gomes. Lazer, trabalho e qualidade de vida. In: CONGRESO DE EDUCACIÓN FÍSICA E CIENCIAS DO DEPORTE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 6., 1998, A Coruña. Deporte e Humanismo en Clave de Futuro. Anais... A Coruña: Universidade da Coruña, 1998.

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APÊNDICE A – Roteiro de entrevista – Gestor municipal de Esporte e Lazer

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Departamento de Educação - Campus II - Alagoinhas Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer – GEPEFEL

Instituições parceiras na pesquisa: REDE CEDES- Ministério do Esporte e Grupo de Estudos e

Pesquisa em Mídia/memória, Educação e Lazer – MEL da Universidade Federal da Bahia

ROTEIRO DA PESQUISA DE CAMPO II GESTOR MUNICIPAL DE ESPORTE E LAZER

1) Existe Conselho Municipal de Esporte e Lazer no município? Quem participa e

qual a situação de funcionamento do conselho?

2) Como são elaborados, desenvolvidos e avaliados os projetos e programas de

esporte e lazer no município?

3) Os programas atendem as demandas da população? Tem participação popular

(Conferência Municipal e Conselho Municipal de Esporte e Lazer) e previsão

orçamentária específica?

4) Existem projetos e programas voltados para atender a juventude e a população

deficiente?

5) Quantos gestores e educadores de esporte e lazer e quais as suas respectivas

formações no município? Existem programas de formação de gestores, educadores

e usuários das políticas municipais de esporte e lazer?

6) Existe um diagnóstico (piscinas, campos e quadras) e uma política de construção

e manutenção de espaços e equipamentos públicos de esporte e lazer? Quais são

os critérios de prioridade na atuação neste campo?

7) O município conta com projetos e programas estaduais e federais de esporte e

lazer? Quais?

8) A prefeitura tem um cadastro de modalidades, grupos de esporte, dança, luta e

ginástica em atividade no município?

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APENDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

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Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

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ANEXO A – Decreto Estadual nº 12.354/2010

Decreto nº 12.354 de 25 de agosto de 2010 Institui o Programa Territórios de Identidade e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 105, inciso V, da Constituição Estadual, D E C R E T A Art. 1º - Fica instituído o Programa Territórios de Identidade, com a finalidade de colaborar com a promoção do desenvolvimento econômico e social dos Territórios de Identidade da Bahia, em consonância com os programas e ações dos governos federal, estadual e municipal.

§ 1º - Considera-se Território de Identidade o agrupamento identitário municipal formado de acordo com critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos, e reconhecido pela sua população como o espaço historicamente construído ao qual pertence, com identidade que amplia as possibilidades de coesão social e territorial.

§ 2º - São territórios de identidade os agrupamentos de municípios referidos no Plano Plurianual, sem prejuízo do disposto no inciso III, do art. 4º, deste Decreto.

Art. 2º - O Programa Territórios de Identidade, coordenado pela Secretaria do Planejamento - SEPLAN, tem por objetivo elaborar estratégias de desenvolvimento territorial sustentável que contemplem:

I - a integração e compatibilização de políticas públicas com base no planejamento territorial;

II - a ampliação dos mecanismos de participação social na gestão das políticas públicas de interesse do desenvolvimento dos territórios;

III - a valorização das diversidades social, cultural, econômica e geográfica das populações.

Parágrafo único - Para o desenvolvimento das ações do Programa Territórios de Identidade, os órgãos públicos envolvidos poderão firmar convênios, acordos de cooperação, ajustes ou outros instrumentos congêneres, com órgãos da administração pública, bem como com entidades de direito privado, observada a legislação em vigor.

Art. 3º - Fica instituído o Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial - CEDETER, fórum permanente de caráter consultivo, com a finalidade de subsidiar a elaboração de propostas de políticas públicas e estratégias integrantes do Programa Territórios de Identidade.

§ 1º - Ao CEDETER caberá coordenar, articular e propor ações que promovam o desenvolvimento territorial sustentável do Estado da Bahia, em diálogo permanente com instituições públicas, entidades da sociedade civil e Colegiados Territoriais.

§ 2º - O CEDETER contará com uma Secretaria Executiva, a ser exercida pela SEPLAN.

Art. 4º - Compete ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial - CEDETER:

I - propor estratégias de implementação do Programa Territórios de Identidade, e diretrizes para a elaboração dos programas e projetos a ele relacionados;

II - elaborar os critérios de agrupamento de municípios para a formação de territórios de identidade, a partir de estudos técnicos e indicadores, realizados pelos órgãos estaduais competentes;

III - analisar propostas de criação e modificação dos territórios de identidade, encaminhando parecer acerca das propostas aprovadas para apreciação do Secretário de Planejamento, e posterior submissão ao Governador do Estado;

IV - criar procedimentos para homologação dos Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável - CODETERs;

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V - promover o apoio político-institucional à atração de investimentos públicos federais, do setor privado e da cooperação internacional, destinados ao fortalecimento das atividades de geração e incremento da renda e da qualidade de vida dos habitantes dos territórios;

VI - analisar e sistematizar as propostas dos CODETERs referentes às políticas públicas de interesse comum dos territórios de identidade;

VII - propor intercâmbio com organizações e instituições nacionais, públicas ou privadas, visando a implementação de políticas e programas de Governo para os territórios de identidade;

VIII - fomentar e promover eventos que estimulem o debate, a reflexão, a compreensão e a difusão da abordagem territorial para o desenvolvimento do Estado;

IX - elaborar e aprovar o seu Regimento Interno, bem como homologar os Regimentos Internos dos CODETERs.

Art. 5º - À Secretaria Executiva do CEDETER caberá coordenar os processos de constituição e homologação dos CODETERs, de que tratam os incisos III e IV, do art. 4º, os quais serão precedidos de amplo diálogo com os poderes públicos municipais e com as entidades da sociedade civil atuantes em cada território proponente.

Parágrafo único - O reconhecimento dos CODETERs, pelo CEDETER, observará as seguintes diretrizes gerais:

I - diversidade dos seus membros, assim entendida a pluralidade da participação do conjunto dos atores públicos e privados pertencentes aos territórios de identidade;

II - representatividade da sua composição, que deve reunir segmentos regionalmente organizados.

Art. 6º - O Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial - CEDETER terá a seguinte composição:

I - 01 (um) representante da Secretaria do Planejamento, que o presidirá;

II - 01 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional, que exercerá a vice-presidência;

III - 01 (um) representante da Secretaria da Saúde;

IV - 01 (um) representante da Secretaria da Educação;

V - 01 (um) representante da Secretaria de Cultura;

VI - 01 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento Urbano;

VII - 01 (um) representante da Secretaria de Relações Institucionais;

VIII - 01 (um) representante da Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária;

IX - 01 (um) representante da Delegacia Estadual do Ministério do Desenvolvimento Agrário;

X - 01 (um) representante do Ministério da Integração Regional;

XI - 08 (oito) representantes dos Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável - CODETERs.

§ 1º - O CEDETER funcionará com a presença da maioria dos seus membros, e suas deliberações serão tomadas pelo voto da maioria dos presentes.

§ 2º - Cada representante do CEDETER contará com 02 (dois) suplentes para substituí-lo, um por vez, em suas ausências ou impedimentos, devendo cada um dos membros de que trata o inciso XI pertencer a territórios de identidade diversos.

§ 3º - Os representantes do CEDETER e seus respectivos suplentes serão indicados pelos seus respectivos órgãos e entidades, e designados através de Portaria conjunta do Secretário do Planejamento e do Secretário de Desenvolvimento e Integração Regional para mandato de 02 (dois) anos, permitida uma recondução.

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§ 4º - Em casos de empate na votação de qualquer matéria, o Presidente do Conselho tem o voto de qualidade.

Art. 7º - Poderão ser convidados para participar das reuniões do Conselho as demais Secretarias, órgãos e entidades da Administração Pública Estadual, oportunidade em que poderão manifestar-se quanto aos assuntos inerentes às suas respectivas áreas de atuação, sem direito a voto.

Art. 8º - Os serviços prestados pelos membros do CEDETER, inclusive a participação nas reuniões, são considerados de interesse público relevante e não serão remunerados.

Art. 9º - Caberá à Secretaria do Planejamento dotar o CEDETER do apoio técnico, administrativo e financeiro necessário para subsidiar as suas reuniões.

Parágrafo único - O apoio financeiro limitar-se-á às despesas indispensáveis para viabilizar as reuniões do Conselho e da Secretaria Executiva, considerando o deslocamento, a alimentação e a acomodação dos seus participantes, bem como a organização, o local e o material necessários à sua realização, observado o disposto no art. 8º.

Art. 10 - São Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável - CODETERs os fóruns consultivos de discussão local das ações e projetos de desenvolvimento territorial, compostos paritariamente por representantes dos poderes públicos estadual e municipal, e pela sociedade civil organizada, presentes na esfera de cada território.

§ 1º - A participação dos representantes e suplentes do CODETER é considerada de interesse público relevante, não ensejando qualquer tipo de remuneração por parte do Estado.

§ 2º - Caberá aos CODETEREs elaborar e aprovar, em plenária especialmente convocada para este fim, através do voto da maioria simples de seus membros constitutivos, seus regimentos internos, a serem homologados pelo CODETER, nos quais constarão os deveres e atribuições dos seus componentes, a organização e a forma do seu funcionamento.

Art. 11 - Para a instalação do CEDETER, e até que o processo de homologação dos Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável seja finalizado, os representantes de que trata o inciso XI do art. 6º serão eleitos dentre os membros dos CODETERs que sejam representantes de organizações civis legalmente constituídas, em plenária coordenada pela SEPLAN, garantida a participação de todos os Colegiados Territoriais.

Parágrafo único - A primeira homologação dos CODETERs deverá ser realizada pelo CEDETER no prazo máximo de 01 (um) ano, a partir da data da publicação deste Decreto, em conformidade com o estabelecido no inciso IV do art. 4º e no caput do art. 5º.

Art. 12 - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, em 25 de agosto de 2010.

JAQUES WAGNER – Governador

Eva Maria Cella Dal Chiavon- Secretária da Casa Civil

Antônio Alberto Valença - Secretário do Planejamento

Edmon Lopes Lucas - Secretário de Desenvolvimento e Integração Regional

Jorge José Santos Pereira Solla - Secretário da Saúde

Osvaldo Barreto Filho - Secretário da Educação

Márcio Meirelles - Secretário de Cultura

Emilson Gusmão Piau Santana - Secretário de Relações Institucionais

Cícero de Carvalho Monteiro - Secretário de Desenvolvimento Urbano

Eduardo Seixas de Salles - Secretário da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária

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ANEXO B – Mapa dos Territórios de Identidade

Mapa dos Territórios de Identidade

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