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Partumcam 3ª Edição

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Chega ao fim 2014, mas não a Partumcam. Esta 3ª edição da revista conta com textos de Beatriz Araújo, Mariana Vitti, Naiara Albuquerque e Guilherme Dogo, além do 3º capitulo do folhetim de Victor Hugo Felix.

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Promessas O ano está acabando, não há mais pessoas por aí fazendo planos ou promessas pra ele. Di-etas, exercícios, fazer uma faxina no guarda-roupa, parar de beber... Agora não dá mais tempo, deixa para começar tudo em 2015. O ano que está por vir deve estar apreensivo. Quantas expectativas em cima de um calendário que só pretende mudar o dígito 4 por 5, não é mesmo?

Lembro-me de 2013 como se fosse ontem. O clima era o mesmo. Toda a pressão caía no ano que viria, por sua vez, 2014. E aqui estamos todos nós, seguindo com a mesma cultura.

O que isto significa para a PartumCam?

A Iniciativa Literária PartumCam tem a honra de apresentar-lhes a terceira edição. Nesta data em que tudo se procrastina ao ano vindouro, a PartumCam oferece a vocês, leitores, a men-sagem de que o dia é hoje e a hora é agora.

O projeto de montagem dessa revista, em 2013, era apenas uma semente plantada no sub-consciente dos fundadores em forma de um distante sonho. Fundadores, esses que até então se-quer conheciam um ao outro.

Não sei se as promessas feitas para este ano foram cumpridas, mas se a PartumCam hoje é uma realidade, é porque foi um projeto tirado do papel, pensado, suado e posto em prática.

Desejamos que não sejam feitas muitas promessas para o ano vindouro, mas que todos os sonhos distantes de seu subconsciente sejam postos em prática. A mudança não vem quando fica-mos parados.

A todos os sonhadores, a PartumCam deseja boa leitura, um feliz Natal, e um 2015 repleto de sonhos realizados.

Equipe PartumCam.

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untitled, matheus moreira

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O afago de um (parapeito

Carolina de Barros

A normalidade, a paz. Farei a mesma coisa em dias diferentes, até quando não hou-ver mais dias, e nascer terá sido em vão. O que eu quero é rechear minhas horas de lem-branças, para que existir tenha um significado. Para que minha respiração signifique mais do que oxigenar células. Eu quero rechear meus dias de sentimento, pois uma vida só não é vida se for só vivida. Eu quero, mais do que ser lembrada, poder me lembrar eu mesma de mim. Não viver uma existência em branco, de folha avul-sa; de outono que acaba com todas as folhas para virar primavera sem nada a nascer. Abro a janela e choro, porque só vivo. E, por mais que minha existência seja limitada, minha mente é infinita. Ainda que eu esteja senta-da, comprimida e macerada, minha mente se expande e me leva aonde for. E, ainda que minha vida se torne infeliz, eu sou capaz de inventar uma que valha a pena. A cada ilusão que morre, são mil histórias que imaginei. O possível e o impos-sível, com tudo que há entre eles. Eu sou não o que sou, mas o que crio. Vez por outra, em um dia assim, eu me dou conta que tudo é só sonho. Que nada é real. Choro enquanto a lucidez for proeminente, até poder de novo me entregar aos devaneios ensandecidos da vida que inventei. Choro e me pergunto se es-tou louca, ou se é normal querer se libertar da

miséria que é a vida, por mais farta que seja. Era de noite e nós dois estávamos sen-tados no parapeito de uma janela. A música tocando no andar de baixo chegava abafada, misturada aos risos estridentes e ao barulho dos saltos dançando no assoalho. Na verdade, acho que só eu estava sentada, olhando para o chão, e ele chegava depois, ficava parado de frente para mim. Até quando eu subiria meus olhos e, de novo, ficaria admirada com o que acontece toda vez ao o ver. Aquele nervosis-mo bobo de adolescente. Eu sorri. Por que você está aqui sozinha? Ah, sei lá, eu estou só pensando. E meus olhos se encheriam de água. Foi só então que ele sentou. É, foi só nesse momento. Algum dia eu vou ser feliz? Eu já gostava dele, acho, mas estava tentando me ocupar com outras coisas. Concentrada no arranhão bem no meio do chão branco. Ele não me respondeu. Tudo parecia estar sain-do tão errado. Vai ver nunca acontece, sabe... Ele continuou calado, me encarando com um sorriso engraçado no rosto. Sem desviar os olhos, ficamos assim. Eu posso te ajudar, se você quiser. Não, acho que não, é meio sem conserto. Talvez, e sorriu de novo, ainda me olhando. O segundo foi interminável, todo esse constrangimento de ser vista. De ser olhada. Ele não desviava. Que foi? De repente, dessa vez, tive resposta

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- eu nunca tinha reparado como você era dif-erente, esse seu jeito, você é meio única. Fiquei sem graça, abaixei a cabeça. Sorri, o olhando meio por baixo. Pus o cabelo atrás da orelha, tão típico... Estaquei, um pensamento lampejando rápido. Serás único no mundo. Quê? Só então me dei conta de que tinha recitado em voz alta, fiquei vermelha, envergonhada. Ah, nada, é só uma coisa de um livro, li uma vez. E quer dizer o que? Olhei para ele, pela primeira vez suste-ntando as duas contas negras me escrutinando devagar. Vai ver, eu te cativei. Foi assim. O corpo escapole à alma e já mal se sabe quem é. O respirar se torna pesa-do, contido. Os rostos se procurando com a paciência de pessoas que vão ser eternas. Nos exatos instantes em que se aproxima o bico da flor, o antever do néctar a jorrar causa um im-pacto capaz de revolver a terra. Nesse momen-to, se pode contar até cada estrela no céu, mas não o palpitar do coração. O tempo, se passa, ninguém vê. Porque, se passa ou não, não vale a pena. Só a dança prestes a vir importa: são dedos que entrelaçam mãos, pés esticados em pontas, braços envolvendo cinturas. São cos-tas se dobrando sincronizadas e pescoços del-icadamente curvados em digitais que roçam a face, deslocam o cabelo caído pelo rosto até culminar no doce encontro de dois lábios, de dentes, de língua, de lábios. O róseo de pele contra pele, numa rev-olução de instintos que quanto têm de animale-scos, têm também de ternos. E são a expressão pura do amor, mesmo quando sem amor. São suspiros de amor, com gosto de descober-ta. Um alvoroço de boca, dedos, olhos, cílios, risos, cinturas e sussurros. Um alvoroço de explorar o outro e da novidade de ter o outro assim. Se são curtos ou rápidos, pouco impor-ta, quer se repitam ou não, são eternos. É um partir-se, ainda que sem se perder. E é puro. Era difícil entender como me sentir.

Era um misto de realização plena e preocu-pação com tudo o que poderia não funcionar depois. Era falar bobagens sem fim, só porque soavam bem. Não havia regras, não havia cer-to. Não havia saber o que fazer. Éramos nós, mas não éramos. Só, não éramos. Senti meu cotovelo roçar no vidro frio da janela. Ele apo-iou o pulso no meu queixo e deixou o polegar passear sobre os contornos da minha boche-cha. Eu pensei: então é isso, esse momento. Mas pensei sem realmente pensar, porque era extremamente difícil concentrar em qualquer coisa além dos olhos semi abertos, do respirar entrecortado. Então era isso. E eu me deixei ser beijada, porque eu queria ser beijada. Eu queria estar ali, naquele instante. Tudo era uma decisão minha, tomada desde o dia em que o vi sob o sol forte de um final de tarde. Tomada todas as vezes que es-cutar o nome dele me fazia tremer. Enquanto ele foi se aproximando, eu agradeci ao mundo por existir. Mas, ao mesmo tempo, fiquei com medo. Medo de não haver mais nada depois. E se não houvesse um depois? Por que, se for só isso, o que eu faço com tudo isso que nasceu agora, bem em mim? Mas, me deixei estar ali. Sentindo os fios de cabelo entre meus dedos, a mão no meu quadril, a madeira onde me reclinava. Eu toda me tornei um sentir desenfreado, um amontoa-do de tatos e gostos. Palavras faziam cócegas, se desprendendo como borboletas duma flor recém aberta. E as sensações se multiplicavam em estalos de ternura. Ele me olhou de novo. Segurava meu rosto com as duas mão, comple-tamente mudo enquanto eu tentava decifrar o que aqueles olhos queriam dizer. A noite estava fria. Eu quis sorrir, mas não sorri. Preocupada se estava bonita ou não, se pareceria boba. O silêncio pairava, estávamos estáticos, tentando digerir o que acabara de acontecer. Ele pare-cia considerar o momento. Então, se levantou, abriu a porta e saiu. Simples assim. Saiu. O

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baque surdo da fechadura ressoando nos meus ouvidos. Eu fiquei, sentindo o vidro frio, mortifi-cada no parapeito. Fiquei, me sentindo a pes-soa mais sozinha do mundo, com um gosto de metal na boca. Um rodopio infinito tomou conta da minha cabeça, tentando se adaptar a transição desenfreada de acontecimentos dos últimos dez minutos. A bipolaridade de senti-mentos na decepção que nem doía, porque a expectativa mal teve tempo de ser. Assoprei a janela e, com a ponta do indicador, escrevi o nome dele, devagar. Observei as letras miúdas desaparecerem com o calor e me dei conta de que não, não haveria mais nada. Recostei no parapeito, fechei os olhos. Deixando o silêncio me embalar, escutando os sussurros da minha mente. Divagando. Navegando para um lugar que não fosse aquele, para uma terra que não fosse eu.

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Night has fallen, matheus moreira

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Se quiser partir,Já vai tardeEstou farta do seu perdãoMe deixe em pazNão choro mais Pelo presenteQue é a solidãoPoupe suas lágrimasGuarde seu coração para outraMais belaQue entenda você melhor que euVá emboraNão sou sua maisEstou feliz assimSe minhas palavras são contundentesÉ porque a realidade te espantaÉ como as coisas sãoA vida tem fases,Você foi só mais uma delasMelhor acabar agora, antes que nos magoemosSinto falta da minha independênciaDa minha força de vontadeMe cansei de vocêMe cansei de nósSou mais feliz assimVivo por mimE além do mais, ando tão ocupadaNão tenho tempo para te dar a atenção que você exigeVocê não deveria ter esperado tanto de mimEu sou assimNão tente me mudarO que você sabe sobre mim, afinal?Você pensa que me conheceComo você é arroganteVocê sempre tece esses comentários.Me basta, já estou farta

Por que você não vai embora?A porta está abertaVocê vem aqui e fala tudo issoE agora não tem coragem de ir?Quer fazer o quê aqui, então?Não te quero mais aquiSe você não vai, vou euPassar bemVai me seguir mesmo? Não tem para onde ir?Às vezes você me dá penaVocê é patéticoE ainda faz essa cara pra mimDe cachorro molhadoTenho que encontrar umas amigasVocê sabe o caminho de casa, não sabe?Me deixe um recado quando chegar, que já está tardeAcha problema em me preocupar?Eu me preocupo com meus amigosOlha, não é que eu estou bravaSó acho que não vai dar mais certoEu estou desgastada, você está desgastadoNão vejo para que continuarmos nessa in-sistênciaVocê pode, por favor, ir embora?Me deixe em pazPor favorPor favor...Tenho pena de vocêViu qual é o seu problema?Tudo o que você sabe fazer é ficar aí plantadoVocê não reageNenhuma garota quer um cara que não tem firmezaVocê precisa aprender mais sobre as mulheres

Se quiser partirBeatriz Araujo

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Barkerloo, matheus moreira

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Mas não tenho paciência para te ensinarEntão te desejo sorte com outraAfinal, você tem muitas opções para escolherTantas te dão bolaPor que você se encana comigo?Eu estou bagunçada demais para me amarrar num relacionamentoVocê nunca me agüentaria por muito tempo, mesmoEu preciso de espaço para me descobrirE nós somos pessoas diferentesNão é que tenha algo de errado com vocêÉ que não somos compatíveisTe desejo muita sorte, viu?Se cuidaQuem sabe no futuro a gente não se fala de novoVocê não vai pra casa?Não tenho que ir ainda, mas queria ficar um pouco sozinhaTenho umas músicas novas para ouvirAcho que estou naqueles dias, de qualquer jeitoPor que você não vai embora?O que você quer de mim?Qual é o seu problema?Já te disse que estou cansada de você!Você me cansa! Você não consegue entender isso??Vai emboraAh, tchau!...Meu Deus, vai pra casa, tá tardeO que você quer ouvir?Você precisa superar issoAssim como euNão é fácilMas vai ser melhor assimEu não sinto mais o mesmo por vocêVocê vai perceber que você também nãoÉ verdadeNossos abraços não são mais os mesmosEu te disse que um dia você se cansava de mimAinda não, mas você vai

Eu sei que vaiNão importa, eu sei dessas coisasVocê não entendeTá ficando tardeÉ melhor você irQuer ligar para alguém te buscar?Não tem ninguém em casa, mas tem que ser rápidoSe ninguém vai te buscar você já devia ter saí-doDaqui a pouco vou me arrumar pra ir emboraAliás, já vouQuer usar o banheiro ou alguma coisa?Tem um pedaço de torta sobrandoNão, não acho que era pra você mesmoEstava sem fome, de qualquer formaVocê vai ficar bem?Está tão quietoNão quero te deixar mal, tambémDesculpa se eu fui grossaMas me sinto mais leve agoraPrecisava te falar isso faz um tempoNão tem ninguém outro, nãoAcho que quero ficar sozinha por um tempoÉ que no começo a gente era uma novidade pra mimNão quero que essa memória se desgastePrefiro continuar como amigosSe você quiser um tempo distante, eu entendoMas você vai ficar bemTanta gente se preocupa com vocêEu me preocupo com você, boboSe quiser pode mandar notíciasVocê já vai?Eu te levo até o portãoVê se anda logo que ta tarde mesmoEsperaVocê esqueceu alguma coisa?EsperaSe cuida, ta?Então táTchau

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A não ser que você queira voltarNesse caso ficaNão me deixa pra trásEu estou tão confusaFico tão perdida sem vocêPor que você não me cala antes de eu falar besteira?Estou tão cansada de falarSó quer berrar agoraOu então me calarQuero chorarEstou chorandoVocê deve ter deixado o seu casacoSeu cheiro ainda está aqui comigoO seu cheiroNão vou mais sentir seu cheiroQuero seus ombros quentesAgora só tenho meu travesseiro frioComo é frioO que eu estou fazendo?Seja forte, você não o mereceVocê só faz cagadaVocê merece ficar sozinhaVocê é uma idiota Você merece ficar sozinhaSe você não terminasse agoraEle iria cansar de vocêEle se cansou de vocêÉ claro que ele não vai voltarEle está voltandoComo ele é lindoDeve ter esquecido o casaco

Esqueceu o casaco?Não, eu estou bemSó estou cansadaEu não sei onde você deixouQuer entrar?Me solta, eu preciso me arrumarNão, me largaMe solta...Não vai

FicaNão me deixaNão me largaNão consigo te olhar nos olhosNão consigo olharSe eu olhar vou chorarEstou chorandoNão me olha

Vou buscar o casacoLarga a minha mãoQual é o seu problema?Não encosta em mim!Me deixa em paz!...Por quê?Por quê?Por que você está fazendo isso comigo?Por que você não me deixa em paz?

Meu coração vai rasgarNão sinto minhas pernasEstá tão frioEsse calor

Você não vê que eu te amo?O quê? Não, não disse nadaVocê precisa ir emboraNão sei o que você está dizendoEu já te disse...Me desculpa?Me desculpaEu não –...Não vai emboraFicaNão me deixaMe desculpa......Sim, eu estou bem

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Eu acho que vou ficar bemDesculpa, estou cansadaEstou muito confusaA gente vai se falando, tá?Não garanto nadaNão sei dizerEu tenho que resolver a minha cabeça sozinhaNão seiAcho que simEu ... tambémTambém te amo, boboSe cuida, tá?Te amoVai logo que tá tardeE me liga quando chegar em casaNão esqueceTchau

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The candles of the Castle pub, matheus moreira

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Sao PauloMariana Vitti

O problema todo deu-se da falta de amorna cidade. O povo reclamou e chamou um

especialista qualquer para amenizar o problema,

esse problema da falta de amor. Andou pela cidadeo especialista e enxergou a dificuldade do ser humano

em ser um humano e anotou que perdão era o novo ouro

da nossa geração, pois era difícil peneirá-lo no meiode tanta pedra perfurada por gente, ou gente construindo

seus corações com pedra. Cambaleando foi até a praça e, já

completamente perturbado com a realidade, gritou que a cidade sussurrou em seu ouvido

que ela deixara de ser selva de pedras

pra ser selva de perdas.

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untitled, matheus moreira

untitled, matheus moreira

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Reptiliacapitulo iii

Victor Hugo felix

– Eu vou entrar antes, conversar com eles, e depois, se eles deixarem, você entra. Ricardo quis contestar a ordem da prima Bianca, mas ela não estava aberta a discussões. A jovem levara o rapaz para o apartamento de Gabriel onde se realizavam as reuniões da Sociedade Reptiliana, o grupo que garantiu a ela a independência financeira para sair da casa dos pais. Ele queria fazer parte do grupo para conseguir ajuda em sua campanha eleitoral para o cargo de ver-eador. Sendo a sociedade, porém, secreta, não era permitido a ele participar das reuniões.– Me espera aqui. – ordenou Bianca apertando a campainha. A porta se abriu revelando Maria do outro lado.– Quem é esse? – esbravejou a outra, indignada com a intrusão de Ricardo. – Você não pode trazer convidados, Bianca, você sabe as regras!– Mas é muito importante, Maria, o Gabriel precisa...– Eu não quero saber, você ta fora! – Maria fechou a porta, mas Bianca a interrompeu usando o pé.– Você não pode me pôr pra fora, você não é ninguém. O Gabriel é quem manda, e eu quero falar com ele! Maria bufou, nervosa.– O Gabriel vai te chutar daqui de qualquer jeito. Bianca se virou para o primo e ordenou mais uma vez:– Espera aqui! As duas entraram e a porta se fechou diante de Ricardo, que ficou no hall, ansioso. O am-biente não era nada ameno e convidativo. O que levaria Bianca a fazer parte daquilo, num aparta-mento tão velho, onde cheiro de naftalina podia ser sentido de dentro do elevador? No quarto de Gabriel, no entanto, os pensamentos e discussões eram outros.– Ele está aí! – anunciou Maria ao entrar apressada na companhia de Bianca. – A gente mandou bem, eu acho... Fingimos uma briga e ele ficou com uma cara bem assustada.– Tá, e o que fazemos agora? Mandamos ele entrar? – indagou Lúcio, que estava inquieto, sem saber como ajudar no plano. Em verdade, ninguém ali além de Gabriel sabia ao certo o que seria feito. Era óbvio que o líder já tinha tudo muito bem calculado em sua mente, mas ele não falava nada a respeito a menos que fosse para ditar alguma ordem, como fizera com Bianca e Maria.– Ele precisa acreditar que estamos ainda em reunião e que provavelmente nos irritamos muito por Bianca tê-lo trazido aqui. – explicou Gabriel.– Você quer que a gente comece a xingar a Bianca pra ele ouvir alguns gritos? – zombou Antônio, que no momento sentia-se como o segundo líder do grupo.

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– Não! – anunciou Gabriel. – Dá um tapa na cara dela, Maria.Todos ficaram em silêncio. Incrédulos.– Eu não posso bater nela porque eu sou homem. Anda, bate nela. – Gabriel tinha um tom sóbrio, sereno, quase solícito. Maria hesitou.– Claro que não, você tá louco?– É só pra deixar uma marca na cara dela, pra ele ficar com medo...– Não! Antônio se adiantou. TAP! O rosto de Bianca ficou vermelho e dolorido.– Desculpa, linda... A gente só precisa andar logo com isso. – disse o rapaz dando nela um beijo no rosto. Lúcio, Maria e Bianca continuaram atônitos, sem dizer palavra alguma.– Ande, Bianca... Vá chamar o seu primo... – Gabriel pediu com delicadeza.Assim foi feito. Quando Bianca retornou ao quarto acompanhada do primo, ela ainda esfregava o rosto avermelhado, enquanto ele estava pálido, apreensivo. Antônio fechou a porta atrás dos dois primos e Gabriel pediu que Ricardo se sentasse em uma cadeira bem ao meio do quarto. Os demais membros da sociedade formaram um círculo ao seu redor.– A gente permitiu que você entrasse, mas sua prima precisou pagar por isso. – agora Gabriel as-sumia um tom sisudo e arrogante, o que combinava muito mais com sua personalidade. Ricardo assentiu. Sua garganta estava seca, travada, não emitia som algum.– Ela diz que você quer fazer parte da Sociedade Reptiliana, não é? Uma sociedade que só quer ajudar jovens derrotados, como nós, a sair do limbo que essa vida é e alcançar o sucesso. Você sabe que é pra isso que a sociedade serve, não é? Ricardo assentiu, mais uma vez.– Mas diga, pra que você quer fazer parte do nosso grupo? O rapaz tossiu antes de responder. O quarto de Gabriel tinha um cheiro forte de mofo.– Bom... Meu pai está em seu último ano como prefeito e quer que eu siga sua carreira política. Eu... Eu vou me candidatar a vereador, só para manter a presença na família Dumas na Câmara e na prefeitura.– Mas o partido do seu pai é forte, você já deve ser muito bem assessorado... Não precisa da gente.– É, mas... Uma sociedade secreta sempre pode ser mais interessante, eu acho. É isso o que toda sociedade secreta quer, não é? Poder? E o poder político não poderia ser deixado de lado. Gabriel sorriu.– Bom, parece que este jovem está se sentindo mais confiante. – ele olhou para os outros compan-heiros, que riram também, em tom de desdém. – Então você não quer só nossa ajuda como quer também nos oferecer ajuda?– É claro... O princípio de ajuda mútua é básico para sociedades secretas como essa.– Engraçado... O seu pai pode muito bem dar continuidade a carreira dele como deputado, gover-nador, presidente, e o caralho a quatro. Pra que ele quer que você continue os passos dele?– Desculpa, eu não posso dizer.– Oh, então temos um segredo aqui.

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– Sim. Gabriel balançou a cabeça em negativa.– Não aceitamos segredos entre os nossos membros. Se você quer nossa ajuda, terá que nos dizer a verdade. Ricardo olhou para os lados. Não reconhecia o rosto de ninguém ali. Não sabia sequer os nomes das pessoas que o acompanhavam naquela sala, apenas sua prima, e nem ela era uma pessoa que poderia saber dos segredos de sua família. A verdade não sairia de sua boca nem sob tortura.– Eu não vou dizer nada. – anunciou ele.Gabriel bufou.– Ok. Vamos te aceitar mesmo assim. Está feliz? – Gabriel sorriu. Ricardo não. – Podemos dar continuidade aos trabalhos. Vamos ao rito de iniciação.Os outros membros da sociedade secreta ficaram apreensivos. Rito de iniciação? Não havia nen-hum rito. O que Gabriel estava planejando? Bianca suava frio. Algo ruim aconteceria com seu pri-mo e ela não podia fazer nada. O tapa de Antônio ainda doía em seu rosto. Eles se entreolhavam, incomodados, inseguros em se manifestar contra o tal rito.– Lúcio – chamou Gabriel. – pegue a fita, a corda e a câmera dentro da gaveta.

Continua

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cold brugge, matheus moreira

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nightfall, matheus moreira

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Novo morador,

Você já pensou se o mundo tivesse cores? Não, eu sei que ele não tem, sei que esse branco e preto é pra sempre. Mas houve aquele tempo em que eu via cores, via as flores amarelas, o sangue vermelho, via a cor dos meus olhos, a cor do lençol da minha cama, e eu sei que você via tam-bém. Do nada, foi se perdendo. Um dia eu vi meus cabelos loiros e no outro os vi num tom quase branco. Pouco a pouco, as cores sumiram, não é? Como você não se lembra? Talvez você me ache um louco, espero que não. Irei contar minha trajetória até chegar aqui, com poucos detalhes, para você entender o motivo desta casa ser tão importante para mim. Durante toda minha adolescência, eu me sentia como o único que lembrava as cores das coisas. Meus amigos agiam como se tudo estivesse igual, como se fosse normal não vê-las mais, mas eu lembrava muito bem. Minha mãe não me permitia falar nisso, meu pai já até me bateu por eu falar daquele tempo. Sei que não estou enlouquecendo, como me diziam lá naquele lugar. “Existiam, sim. Você pode me contar e será nosso segredo”, foi o que ele me disse naquele dia. Ele lembrava também, eu sabia. Ele falava que o mar era azul, que a grama era verde, que a rua era quase preta, ele via o que eu via. Ah! Eu não contei, né? “Ele” era meu médico. Quer dizer, minha mãe dizia que eu estava indo lá só pra conversar, mas tinha algo a mais. Era um lugar estranho, sabe? Tinha aqueles fios na minha cabeça, eu dormia lá, me davam comida, não era maltratado, ainda bem, mas nunca soube o porquê mamãe me mandara para aquele lugar. Mas quando ele aparecia, nós conversávamos mesmo, como pessoas normais, sem fios, sem nada. Ele dizia que esperava por alguém como eu, alguém que se lembrasse da época de criança. Eu fiquei sabendo que ele tinha estudado aquilo, não sei como. Disse que havia feito algu-mas anotações: tudo que ele não via mais colorido, ele foi anotando, dia por dia. Daí ele chegou à conclusão de que quanto mais nós envelhecíamos, menos cores nós víamos. Mas não é alguma doença de idade, é algo que acontece com todos. Ele dizia que a cada aniversário, uma cor sumia. Talvez existam cores que eu ainda consiga enxergar. O estranho era que nós dois nos lembrávamos disso; a maioria das pessoas – o que pode incluir até você, que comprou esta casa também – sofreu um apagão: elas se lembram da infância, mas não das cores. Até que vieram outros médicos. Eles não me disseram o que aconteceu com o antigo, mas eu sabia que boa coisa não era, talvez tenham descoberto as nossas conversas. Ou talvez não, ele dizia que era nosso segredo. Não o encontrei novamente. Passei por vários anos de testes, exames, perguntas, tudo que era possível para que eles tivessem “os padrões”. Não sei bem o que são esses “padrões”, entendi que era como eu reagia ou respondia. Mas eles disseram que eu estava bem, que era apenas um lapso. Aí eu finalmente pude

O mundo nao e esse cinza que voce ve

Guilherme Dogo

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encontrar minha mãe, achei que ela estaria em casa. Mas ela não estava. Ela tinha deixado um bilhete. Estava escrito: “Eu sei que o que eu fiz foi errado, mas foi para o seu bem. Agora você deve esquecer o que você percebeu, será melhor para todos.” Nunca mais a encontrei. Eu a procurei, mas foi em vão. Meu pai já havia sumido antes de eu ir para o hospital. Talvez fosse tudo culpa minha. Eu jamais quis lembrar que vi cores um dia, mas o mundo estava tão triste. Foi num dia como qualquer outro: o céu estava cinza, algumas árvores eram com folhas mais escuras, outras com folhas mais claras, as pessoas não tinham cor, apenas tonalidades difer-entes. E então eu olhei aquilo. Era uma casa com uma cor diferente, um tom meio azul meio cinza, não sei se essa cor tem nome, mas eu a vi. Era a única cor que eu conseguia ver, entretanto, parecia que ninguém mais conseguia, visto que todas passavam reto pelo local. Nem mesmo a dona sabia o nome da cor, ela dizia que só via um cinza, como todo mundo. Eu sentia falta de um mundo com cores, mesmo que só uma, e aquela visão de um mundo neutro com apenas uma casa azul me encantava. Passava por aquela casa todos os dias antes de ir para o estudo. Até que tive coragem de pedir as latas de tinta para a moradora, a qual já tinha um pouco de amizade. Ela me entregou, mesmo sem entender o motivo do meu pedido. Cheguei a minha casa e, sem perder tempo, a pintei. Passei o dia todo pintando a frente, depois a parte de trás, as dos lados, até que terminei e a vi: ela estava com cor. Eu pude ver minha casa com cor! Você acredita? E depois, por mais que o tempo passasse, eu nunca deixara de ver aquele azul cinzento, uma cor linda. Não me pergunte o motivo. Também não quero saber, sei que aquilo me fez ficar nessa casa por todos esses anos. Agora a deixo para você. Estou velho demais para cuidar de algo grande como uma casa. Não sei se você consegue ver a cor dela, não sei nem se você lembra que viu cores um dia. Mas eu tenho fé, tenho fé que você não deixou que eles te tirassem isso, que essa correria, que essa pressa, que essa normalidade tirasse a cor dos seus olhos, tirasse a cor dos seus cabelos, da sua cama, da sua comida, da sua família, e por fim, da sua vida inteira. Procure cores, tente as enxergar, com es-forço você conseguirá ver alguma cor que ninguém mais será capaz. Afinal, nem todos se lembram daquele tempo onde tudo tinha cor e parecem que não fazem questão de lembrar. Se esforce.

Atenciosamente,

S.

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untitled, matheus moreira

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TartaroMatheus Moreira

Uma rua qualquer, no imaginário, na Escócia. Anos 90, usuarios de heroína caidos ao chão, incompreendidos. O lugar já era nosso. A desistên-cia da especulacao agravou a situação. Ao caminhar, mais a frente, um con-junto de habitações de dois andares pouco acabadas, surpreende por sua arquitetura, e até encantaria se não fosse a transformação do local em antro de redistribuição de anfetamina. O cinza de todos aqueles prédios ainda é menos deprimente que o céu inglês, odeio, na verdade a colonização. Aquela rua poderia ser diferente, se não fosse o que é: centro da mágoa e do ressentimento. O estabelecimento a esquerda, proximo da esquina é um pub frequen-tado por punks, xenofóbicos, clubes de dardos e apostadores. Pode parecer exagerado dizer isso, mas chega a ser difícil não exagerar para extrair daquela frieza mórbida um pouco de vida. É como se aquele quarteirão tivesse parado no tempo, como se em um segundo, tudo tivesse congelado e hoje fosse ontem de tal forma que já nem lembro mais a quanto tempo estou aqui. Quero sair, mas algo me prende a esta rua, algo nefasto e nostalgico a um só tempo. Sinto falta do sol, os altos prédios que contornam o quarteirão barram a passagem de luz, em dias mais escuros, os postes de iluminação acendem por volta das 15h.

Se essa rua fosse minha, eu construiria um muro e chamaria de tártaro.

Triste.

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Ah, distinctly I remember it was in the bleak December, matheus moreira

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Como adquirir rugas no verbo? Naiara Albuquerque

Quando tinha oito anos ganhei um prêmio de melhor redação na escola. Aquilo me encheu os pulmões de alegria e foi boa parte da decisão que tive de querer tentar trabalhar com as palavras. Não aquele prêmio em si, mas pensando em meus anos iniciais, aquela foi a primeira conquista, de não muitas, posso falar. Quando crianças acreditamos que nuvens são algodão, em caça aos tesouros, em pa-pei Noel, e por acreditar passamos essas crenças para um papel, transformando o desenho em tinta, no mais sincero dos verbos. Ao crescer necessitamos de embasamentos, retórica e tantas outras ferramentas para embasar os argumentos, usamos a moralidade para reforçar xingamentos, muitas das vezes, até rezamos para ver se nossas dúvidas são sanadas pelo suposto divino, a palavra perde força. E como haveria de não perder? De pouquinho em pouquinho nos tornamos vul-neráveis a nossa incredulidade. O “ter algo a contar”, mesmo quando sequer há sílaba pro fonema. Temos ideias mirabolantes para se ter durante o caminho a palavra. Recortamos, gravamos e editamos histórias alheias para vender um produto, nem sempre um pedaço verdadeiro que acreditamos.

Demanda-se notícia, perde-se poesia.

Tenho uma amiga que a cada vez que se apaixona diz “ tô me sentindo como uma adolescente de 15 anos”, e sabe-se lá quantas vezes mais repetirá tal bordão. Aos poucos, enquanto negamos a veracidade da poesia e do fatídico, na verdade acreditamos que nossa sinceridade esteve nas primeiras vezes. O primeiro choro, riso, a primeira vez que se acred-ita amar como nunca antes. Somos um processo de cópia do mesmo, continuamente. E saberá quantas vezes minha amiga dirá a mesma frase?

Um pedaço de mim que concede algo em uma escrita, nunca mais será o mesmo, como o agora nunca mais será. Eu, transcrevendo meu verbo tedioso nesse breu, a lanterna pisca, quase apagando... falta luz.

Nada nunca e, ao mesmo tempo, sempre será o mesmo; Ainda que prolixo, paradox-al, poético, nisso tudo existe também tristeza... para se completar é necessário sempre estar retornando.

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untitled, matheus moreira

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Hogwarts: A History, matheus moreira

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