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Patrimônio com futuro incerto Com o fim de uma autarquia, de uma companhia e de nove fundações aprovado pela Assembleia Legislativa, existe a dúvida sobre o que será feito com os imóveis das estruturas extintas. O governador criará uma comissão para decidir o futuro desse patrimônio, mas ainda há questões sobre os processos a serem seguidos e as decisões a serem tomadas A ssim que o governador José Ivo Sartori sancionar os projetos aprovados pela Assembleia Legis- lativa em dezembro, começará a correr o prazo para o fim de uma autar- quia, de uma companhia e de nove funda- ções extintas no pacote. Juntamente com a sanção, o governador vai, por decreto, criar uma comissão para decidir o que se- rá feito com o patrimônio das estruturas extintas. Apesar de, em um primeiro mo- mento, serem as questões trabalhistas que deverão ocupar os trabalhos da co- missão, o item patrimônio vem sendo alvo de debates no governo desde seu início e a destinação dos imóveis da companhia e das fundações tende a se tornar um dos pontos mais importantes dos trabalhos. É que a metade das que deixarão de existir hoje têm grandes áreas ou estão em terre- nos de propriedade do Estado com a mes- ma característica, todos localizados em partes nobres de Porto Alegre ou em re- giões onde há boom imobiliário. São milhares de metros quadrados de áreas nos bairros Menino Deus, Praia de Belas, Centro, Jardim Botânico e Parte- non, cuja avaliação, em alguns casos, co- meçou a ser projetada dentro da Casa Ci- vil e da Secretaria Geral de Governo (SGG) e levada a cabo por técnicos da Se- cretaria de Obras muito antes de finaliza- dos os textos que chegaram à Assem- bleia Legislativa propondo a extinção. Desde a apresentação do pacote, o titu- lar da SGG, Carlos Búrigo, que vai coorde- nar os trabalhos da comissão, informou que, tão logo as estruturas sejam extin- tas, todos os imóveis, nos casos em que já não pertencerem diretamente ao Esta- do, serão reincorporados ao seu patrimô- nio, como prevê a lei. E, depois, poderão ser alienados, vendidos ou usados pelo próprio Estado. Em pelo menos um caso, o da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH), a área on- de a estrutura está localizada, na aveni- da Praia de Belas, já tem destinação apro- vada: será permutada com uma grande companhia do setor supermercadista por construção de vagas prisionais, em proje- tos ainda a serem definidos. Uma série de ações do Executivo rela- cionadas a imóveis pertencentes ao po- der público já começaram a gerar dúvi- das sobre se há uma tentativa da atual administração estadual de “queimar eta- pas” no encaminhamento da questão pa- trimonial. O fato de o Rio Grande do Sul, ao contrário de outros estados, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Ge- rais, não disponibilizar em seu Portal da Transparência a listagem dos imóveis de sua propriedade, contribui para as es- peculações. “A questão não é se o Esta- do vai se desfazer de algumas áreas de terra valiosas e otimizar a utilização de espaços. A questão é como pretende fa- zer isso, porque é necessário que seja obedecida uma série de critérios legais e técnicos”, adverte o 2˚ vice-presidente do Conselho Regional de Engenharia, e Arquitetura do RS (CREA), Fernando Martins Pereira da Silva. “De um lado, é necessário haver a cor- retíssima preocupação em justificar o in- teresse público no momento em que o Es- tado optar por se desfazer de imóveis. Do outro, deve-se ter cuidado para não cair no formalismo absurdo e deixar de fazer as coisas”, completa o presidente do Insti- tuto de Altos Estudos de Direito Público e professor de Direito da Ufrgs e da PU- CRS, Juarez Freitas. FLAVIA BEMFICA REPORTAGEM O Estado é proprietário de uma grande área no bairro Menino Deus, um dos mais valorizados da Capital gaúcha 8| CORREIO DO POVO +DOMINGO | 15/1/2017

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Patrimôniocom futuroincerto

Com o fim de umaautarquia, de uma

companhia e denove fundações

aprovado pelaAssembleia

Legislativa, existe adúvida sobre o que

será feito com osimóveis das

estruturas extintas.O governador criaráuma comissão para

decidir o futurodesse patrimônio,

mas ainda háquestões sobre osprocessos a serem

seguidos e asdecisões a serem

tomadas

Assim que o governador José IvoSartori sancionar os projetosaprovados pela Assembleia Legis-lativa em dezembro, começará a

correr o prazo para o fim de uma autar-quia, de uma companhia e de nove funda-ções extintas no pacote. Juntamente coma sanção, o governador vai, por decreto,criar uma comissão para decidir o que se-rá feito com o patrimônio das estruturasextintas. Apesar de, em um primeiro mo-mento, serem as questões trabalhistasque deverão ocupar os trabalhos da co-missão, o item patrimônio vem sendo alvode debates no governo desde seu início ea destinação dos imóveis da companhia edas fundações tende a se tornar um dospontos mais importantes dos trabalhos. Éque a metade das que deixarão de existirhoje têm grandes áreas ou estão em terre-nos de propriedade do Estado com a mes-ma característica, todos localizados empartes nobres de Porto Alegre ou em re-giões onde há boom imobiliário.

São milhares de metros quadrados deáreas nos bairros Menino Deus, Praia deBelas, Centro, Jardim Botânico e Parte-non, cuja avaliação, em alguns casos, co-meçou a ser projetada dentro da Casa Ci-vil e da Secretaria Geral de Governo(SGG) e levada a cabo por técnicos da Se-cretaria de Obras muito antes de finaliza-dos os textos que chegaram à Assem-bleia Legislativa propondo a extinção.

Desde a apresentação do pacote, o titu-lar da SGG, Carlos Búrigo, que vai coorde-nar os trabalhos da comissão, informouque, tão logo as estruturas sejam extin-tas, todos os imóveis, nos casos em quejá não pertencerem diretamente ao Esta-do, serão reincorporados ao seu patrimô-nio, como prevê a lei. E, depois, poderão

ser alienados, vendidos ou usados pelopróprio Estado. Em pelo menos um caso,o da Fundação para o Desenvolvimentode Recursos Humanos (FDRH), a área on-de a estrutura está localizada, na aveni-da Praia de Belas, já tem destinação apro-vada: será permutada com uma grandecompanhia do setor supermercadista porconstrução de vagas prisionais, em proje-tos ainda a serem definidos.

Uma série de ações do Executivo rela-cionadas a imóveis pertencentes ao po-der público já começaram a gerar dúvi-das sobre se há uma tentativa da atualadministração estadual de “queimar eta-pas” no encaminhamento da questão pa-trimonial. O fato de o Rio Grande do Sul,ao contrário de outros estados, comoRio de Janeiro, São Paulo e Minas Ge-rais, não disponibilizar em seu Portal daTransparência a listagem dos imóveisde sua propriedade, contribui para as es-peculações. “A questão não é se o Esta-do vai se desfazer de algumas áreas deterra valiosas e otimizar a utilização deespaços. A questão é como pretende fa-zer isso, porque é necessário que sejaobedecida uma série de critérios legais etécnicos”, adverte o 2˚ vice-presidentedo Conselho Regional de Engenharia, eArquitetura do RS (CREA), FernandoMartins Pereira da Silva.

“De um lado, é necessário haver a cor-retíssima preocupação em justificar o in-teresse público no momento em que o Es-tado optar por se desfazer de imóveis. Dooutro, deve-se ter cuidado para não cairno formalismo absurdo e deixar de fazeras coisas”, completa o presidente do Insti-tuto de Altos Estudos de Direito Públicoe professor de Direito da Ufrgs e da PU-CRS, Juarez Freitas.

FLAVIA BEMFICA

REPORTAGEM

O Estado éproprietário de

uma grande área nobairro Menino Deus,

um dos maisvalorizados

da Capitalgaúcha

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LEI 14.954/2016.

O governo do Rio Grande do Sul enca-minhou à Assembleia Legislativa o pa-cote de medidas de enxugamento, entreelas as extinções de estruturas do Esta-do, em 22 de novembro, 20 dias após aaprovação do projeto de lei (PL)181/2016, que criou o Programa deAproveitamento e Gestão dos Imóveis.O texto, que autoriza o Executivo a alie-nar bens imóveis por meio de leilão, per-muta por outros imóveis públicos ou pri-vados ou permuta por área construída,foi sancionado em 30 de novembro,transformando-se na lei 14.954.

Alvo de debates dentro e fora do Le-gislativo, a lei dispensa o Executivo deprecisar obter autorização legislativaespecífica para alienar bens imóveis desua propriedade que se enquadrem nacategoria dominical. A autorização valeaté o final de 2018, quando o atual go-verno termina. Os bens dominicais sãoaqueles usados pelo Estado com finali-dade econômica. Neles se enquadramprédios públicos desativados e terrassem destinação pública específica.

Além disso, o parágrafo terceiro doArtigo 2 prevê que “imóveis que even-tualmente sejam desafetados dadestinação pública após a publicaçãodesta lei também estão abrangidos peloprograma.” Por parte de especialistasem Direito Administrativo, o trecho éapontado como “sob medida” para osimóveis de estruturas extintas. A leiprevê ainda que, no contrato de promes-sa de permuta por área construída, aposse dos imóveis poderá ser repassa-da, possibilitando aos interessados utili-zarem o bem até a celebração definitivado contrato. E o Parágrafo Único do Ar-tigo 4 estabelece cessão onerosa de imó-vel por meio da edificação de prédio co-mo contrapartida pela utilização de imó-vel por prazo determinado.

À época, uma emenda apresentadapelo líder do governo na Assembleia Le-gislativa, deputado Gabriel Souza(PMDB), deixou de fora do programa asfundações, de forma que projeto atingiasomente bens próprios do Estado e desuas autarquias. Mas o fato de o Esta-do ser o proprietário de fato de váriosimóveis que estavam vinculados à fun-dações e o projeto para extinção de no-ve delas — encaminhado na sequênciaao Legislativo — mostraram que a medi-da não tem efeito prático.

Contudo, o presidente do Institutode Altos Estudos em Direito Público,professor Juarez Freitas, adiantaque, se o Executivo projeta transfor-mar todos os bens das estruturas ex-tintas em dominicais para “apressar”alienações, vendas ou permutas, aca-bará tendo problemas. “Pode até sero que queiram, mas já está estabeleci-da uma grande discussão jurídica so-bre isso. O fato é saber se o Estadopode dispensar algo que a lei federalestabeleceu. A lei estadual, no meuentendimento, não pode afetar nor-mas gerais de licitação. Por isso, porexemplo, se alguém quisesse impug-nar o processo, iria por aí.” O juristalembra que está em tramitação noCongresso o projeto de lei do Senado(PLS 559/2013), que altera a Lei dasLicitações e tende a ser aprovado.“Só que ainda não foi. No caso da Co-rag, que é uma companhia, o Executi-vo pode se valer da Lei das Estataise se desfazer do patrimônio de umaforma mais simples. Mas, no casodas fundações, a lei é muito clara. Ointeresse público terá que ser muito

bem justificado. Além disso, certa-mente a questão do patrimônio seráacompanhada de lupa pela socieda-de”, considera.

No entendimento da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), tudo o que en-volver entes privados e, por extensão,possibilidade de lucro, vai precisar deautorização legislativa específica.

PERMUTAS.A discussão das permutas se dá so-

bre a possibilidade de o Estado permu-tar imóveis sem autorização legislativae também em função da possibilidadede fazer permutas que envolvam trocaspor áreas construídas, o que não estáprevisto na Lei das Licitações. O prece-dente é o caso da FDRH. Uma lei apro-vada em 2013 previa que a permuta fos-se feita em troca da construção de umprédio para a Escola de Governo em ter-renos do empreendedor privado e entre-gues ao Executivo. No ano passado o go-verno aprovou uma alteração na lei.Por ela, ao invés de um prédio para se-diar a escola, serão construídas vagasprisionais, mas em áreas do Estado,sem cedência de terrenos por parte doempreendedor.

A permuta por construções, agoraconsolidada na lei 14.954, não está pre-vista na Lei das Licitações, que regraas ações do poder público nestas ques-tões. Para fazê-la, o Executivo se ba-seou em um parecer da ProcuradoriaGeral do Estado (PGE) datado de 2007,que abriu mais possibilidades. O pare-cer, que na época já examinava a trocada área da FDRH, concluiu, com baseem decisão anterior do Supremo Tribu-nal Federal (STF), que, para permutas,não há a necessidade, no caso de bensimóveis dos Estados e Municípios, deser respeitado o requisito legal de licita-ção, na modalidade de concorrência,contanto que sejam respeitados os de-mais requisitos gerais de alienação debens públicos, como o interesse públicodevidamente justificado e a prévia ava-liação dos bens. O parecer foi ainda nos e n t i d o d e q u e é p o s s í v e l aconcretização de permuta de imóvel deente público por área a ser construídaem outro imóvel também pertencente àadministração. À época, a PGE sugeriuque a administração estadual primeiroefetivasse a permuta entre os órgãos doEstado para só depois fazer o segundonegócio, no caso, envolvendo ente parti-cular. Vedou a permuta em bem imóveldo Estado por reforma em outro imóveldo Estado. E alertou que, no caso espe-cífico, não estava devidamente justifica-do o interesse público da FDRH, alémde advertir que a transação poderia im-plicar “a extinção da Fundação, o quedeverá ser devidamente aquilatado, emface da difícil justificação frente ao inte-resse público que deve permear os negó-cios efetivados pela Administração.”Com a extinção da fundação, o embara-ço deixa de existir.

ESTADO DE CALAMIDADE.Ainda em novembro, um dia depois

de anunciar o pacote de medidas queextingue as fundações, o governo gaú-cho decretou estado de calamidade fi-nanceira na administração estadual,imitando o que já havia sido feito noRio de Janeiro. Na época, a medida foicriticada por especialistas em DireitoAdministrativo, como o professor daFaculdade de Direito da Ufrgs, RafaelMaffini, que lembrou que situação de

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AVALIAÇÃO DE IMÓVEIS

Procedimentos e cálculos estabeleci-dos pela Associação Brasileira deNormas Técnicas (ABNT), leis e de-cretos, normas de engenharia e perí-cias determinam os critérios de ava-liação de imóveis, levando em contaáreas, topografia, existência ou nãode infraestrutura, construções e ben-feitorias, documentação, entre ou-tros itens. Grosso modo, contudo,engenheiros e arquitetos costumamfazer projeção mais simples paraavaliar quanto vale um terreno. Ocálculo leva em conta primeiro ovalor do metro quadrado de constru-ção nova da região. Em Porto Ale-gre, começa em cerca de R$ 5 mil epode chegar a R$ 14 mil. Em segui-da, busca-se o índice de aproveita-mento da região, determinado pelaprefeitura. O índice representa arelação entre a área total e a possibi-lidade de metragem construída. NaCapital, este índice varia de 1 a 3.Em uma região com índice 2, porexemplo, poderá ser construídaduas vezes a área avaliada. Depois,o valor do metro quadrado é multi-plicado pelo índice de aproveitamen-to. O número resultante é, por suavez, multiplicado pela área total doterreno. O valor do terreno, semconstrução, é o equivalente a entre10% e 20% do resultado da multipli-cação dos três fatores. Por exemplo,um terreno de 10 mil metros quadra-dos, em uma região com índice deaproveitamento de 1,9 (o mais co-mum entre as áreas das fundaçõesextintas) e com metro quadrado deR$ 9 mil poderia ser negociado porR$ 19 milhões a R$ 38 milhões.

CONTINUA >>

OS MOVIMENTOS DO EXECUTIVO

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O Menino Deus é umdos bairros valoriza-

dos no qual o governopossui terrenos. Na

páginas a seguir, estãoas reproduções de do-cumentos que indicam

as áreas dos imóveis

O QUE DIZ A LEI DAS LICITAÇÕES (LEI 8.666/93)

BAIRRO MENINO DEUSO Estado possui área gigantesca no

coração do Menino Deus, um dos bairrosmais nobres da cidade, e as últimas me-didas adotadas pelo governo fizeramcrescer no setor da construção civil a dis-cussão sobre a possibilidade de que aatual administração pretende se desfa-zer de pelo menos parte delas. O espaçofica em um quadrilátero que abrange asruas Gonçalves Dias, Botafogo e Salda-nha Marinho, além das avenidas EricoVerissimo e Getúlio Vargas. Na Gonçal-ves Dias 570, na esquina com a Botafogo,em uma área de 5 mil metros quadrados,está localizada a Fundação Estadual dePesquisa Agropecuária (Fepagro), umadas nove fundações extintas em dezem-bro, durante a votação de parte do paco-te do governo. Ao fundo, a área da Fepa-gro faz divisa com o Centro Estadual deTreinamento Esportivo, o CETE, queexiste desde a década de 60, inicialmen-te vinculado à Secretaria de Educação e,desde 2001, vinculado à Fundação de Es-porte e Lazer do RS (Fundergs).

A extinção da Fundergs, proposta pe-lo governo de José Ivo Sartori, foi aprova-da pela Assembleia em 2015 e sanciona-da pelo governador em janeiro do anopassado. Com a extinção, o CETE pas-sou a ser ligado à Secretaria do Turis-mo, Esporte e Lazer que, também pormeio de projeto do pacote, foi fundida

com a Secretaria da Cultura. Apesar dasdiferentes vinculações, a área nunca foida Fundergs. No registro da 2ª Zona dePorto Alegre, o proprietário é o Estadodo Rio Grande do Sul. A matrícula do nú-mero 628 da Gonçalves Dias, endereçodo CETE, está individualizada, mas comuma área de 628 metros quadrados, beminferior a área real ocupada. O Estado éproprietário de praticamente a quadra in-teira entre a Botafogo, a Gonçalves Dias,a Saldanha Marinho e a Erico Verissimo,onde estão a Fepagro e o CETE e, ainda,a Escola Estadual Mané Garrincha e aEmater. A escritura foi lavrada em 1922,quando o Estado adquiriu seis terrenoscom área total de 29,8 mil metros qua-drados. Duas décadas depois, em 1940, oEstado permutou uma segunda área, emuma faixa de terra de 88 metros entre aGonçalves Dias e a avenida Getúlio Var-gas. A área, com 6,2 mil metros quadra-dos, é onde está a Secretaria da Agricul-tura. Nas tratativas de elaboração do pa-cote anunciado no final de novembro, téc-nicos da Casa Civil cogitaram elaborarprojeto que autorizasse o Estado a sedesfazer da área onde está a secretaria,que é separada do CETE e da Fepagropela rua Gonçalves Dias, transferindo asatividades da pasta para outro local. Aca-baram optando por não lançar a discus-são neste primeiro momento.

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Oemergência e estado de calamidadesão conceitos relacionados com desas-tres naturais. “Em um ato criativo, ogoverno do Rio de Janeiro usou a si-tuação de ‘calamidade financeira’ aqual o Rio Grande do Sul agora recor-re”, destacou o professor.

Maffini explicou ainda que a medidapoderia ter um caráter de proteçãopreventiva ao Executivo, colocando apossibilidade de repasse de recursosfederais, abertura de créditos extraor-dinários, além de poder funcionar co-mo uma tentativa de suspender provi-dências contra o gestor previstas naLei de Responsabilidade Fiscal (LRF)em caso de descumprimento de limitesreferentes a despesas e prazos. E, porfim, chamou a atenção para a possibili-dade de o governo, com o decreto, ten-tar flexibilizar regras licitatórias e con-tratos administrativos.

Agora, após a edição da Lei14.954, do pacote de extinção de es-truturas do Estado e do início doprocesso para decidir a destinaçãodos imóveis das estruturas extintas,o decreto de calamidade volta a inte-grar os debates. Isto porque incisoIV do Artigo 24 da Lei das Licita-ções prevê dispensa de licitação“nos casos de emergência ou de cala-midade pública, quando caracteriza-da urgência de atendimento de situa-ção que possa ocasionar prejuízo oucomprometer a segurança de pes-soas, obras, serviços, equipamentose outros bens, públicos ou particula-res, e somente para os bens necessá-rios ao atendimento da situaçãoemergencial ou calamitosa e para asparcelas de obras e serviços que pos-sam ser concluídas no prazo máxi-mo de 180 (cento e oitenta) dias con-secutivos e ininterruptos, contadosda ocorrência da emergência ou ca-lamidade, vedada a prorrogação dosrespectivos contratos.”

Maffini, contudo, considera que ogoverno não poderá se utilizar do de-creto para tentar flexibilizar regrasreferentes à alienação de seus imó-veis. “O Artigo 17 da Lei, que tratadas alienações, se sobrepõe ao 24. Ea alienação não pode ser permitidasimplesmente pela emergência. Por-que, caso isso ocorresse, e falo demodo geral, facilitaria a dispensa doprocesso licitatório, gerandodistorções”, assegura o jurista.

Das Alienações

Art. 17. A alienação de bens da Admi-nistração Pública, subordinada à exis-tência de interesse público devida-mente justificado, será precedida deavaliação e obedecerá às seguintesnormas:I - quando imóveis, dependerá deautorização legislativa para órgãosda administração direta e entidadesautárquicas e fundacionais, e, paratodos, inclusive as entidades paraes-tatais, dependerá de avaliação pré-via e de licitação na modalidade deconcorrência, dispensada esta nosseguintes casos:

a) dação em pagamento;

b) doação, permitida exclusivamentepara outro órgão ou entidade da ad-ministração pública, de qualquer es-fera de governo, ressalvado o dispos-to nas alíneas f, h e i;

c) permuta, por outro imóvel que

atenda aos requisitos constantes doinciso X do art. 24 desta Lei; (X - pa-ra a compra ou locação de imóveldestinado ao atendimento das finali-dades precípuas da administração,cujas necessidades de instalação elocalização condicionem a sua esco-lha, desde que o preço seja compatí-vel com o valor de mercado, segun-do avaliação prévia;

d) investidura;

e) venda a outro órgão ou entidadeda administração pública, de qual-quer esfera de governo;

f) alienação gratuita ou onerosa, afo-ramento, concessão de direito realde uso, locação ou permissão de usode bens imóveis residenciais cons-truídos, destinados ou efetivamenteutilizados no âmbito de programashabitacionais ou de regularizaçãofundiária de interesse social desen-volvidos por órgãos ou entidades daadministração pública.

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O Estado negocia há anos a permutada área de 4,3 mil metros quadrados on-de está localizada a Fundação Para oDesenvolvimento de Recursos Humanos(FDRH), na Avenida Praia de Belas, evizinha ao shopping que leva o nome daavenida. Mas, oficialmente, conformeconsta de documentação existente no 3ºRegistro de Imóveis, ainda precisa regu-larizar a propriedade do terreno, quelhe foi doado pela Prefeitura Municipalde Porto Alegre em 1991.

No mês passado, um funcionário dogoverno solicitou ao cartório informa-ções de como proceder para regulari-zar a doação e foi comunicado de que énecessário pagar as taxas correspon-dentes. A discussão sobre o terreno re-monta ao governo do peemedebistaGermano Rigotto. Em 2013, na gestãoTarso Genro (PT), a Assembleia Legis-lativa aprovou projeto do Executivo pre-vendo a permuta da área com empreen-dedor privado. O projeto se transfor-mou na Lei 14.397/2013, que previa a

troca do terreno da FDRH por dois ter-renos do empreendedor no bairroTeresópolis e mais a construção, na se-gunda área, de um prédio de 5,5 milmetros quadrados para a Fundação.No ano passado o governador José IvoSartori (PMDB) enviou ao Legislativo oprojeto de lei (PL) 182/2016, que alte-rou a lei 14.397: ao invés de um prédiopara a FDRH, deverão ser construídospelo empreendedor prédios de unida-des prisionais em áreas próprias ou ce-didas do Estado, conforme projetos daSuperintendência dos Serviços Peniten-ciários (Susepe).

No projeto, aprovado e sancionado, oExecutivo assinalou que a lei anteriorautorizou a FDRH a realizar a permutasem que esta fosse legítima proprietá-ria do imóvel. No momento as partestratam de valores. Técnicos da Secreta-ria de Obras cotaram o terreno emmais de R$ 20 milhões, enquanto avalia-dores de mercado apontam um valormáximo de R$ 15 milhões.

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ZOOBOTÂNICA

A Fundação Zoobotânica, que abrigao Jardim Botânico, está área nobre, nocentro do bairro de mesmo nome. Ao to-do, são 361,7 mil metros quadrados deformato irregular, propriedade da Funda-ção, que ocupam toda a extensão entreas avenidas Salvador França e CristianoFischer, fazem divisa com algumas ou-tras vias menores, com áreas doadas aoClube Farrapos e à PUCRS e outras per-tencentes à Prefeitura de Porto Alegre.

Após a construção da Terceira Peri-metral, o bairro Jardim Botânico, antesregião de pequenos estabelecimentos co-merciais, construções irregulares e bai-xa densidade de ocupação, passa porum boom de empreendimentos imobiliá-rios. No entorno da rua Dona Inocência,nas proximidades do Círculo Militar, des-pontam condomínios residenciais. NaSalvador França, uma leva de novos em-preendimentos segue agora o alto pa-drão que já existia na direção norte, nasavenidas Carlos Gomes e Dom Pedro II,que também integram a via. Nos anos2000, quando as obras da Perimetralavançavam, uma extensa área na TarsoDutra, na continuidade da SalvadorFrança, vizinha ao Botânico, de proprie-

dade particular, obteve aval para o proje-to de um grande shopping center. O pro-jeto, porém, esbarrou na possibilidadede existência de fonte mineral no local.

O maior temor de ambientalistas e ser-vidores da Zoobotânica não é de que oEstado venha a permutar ou vender aárea do Botânico, mas de que estejaabrindo caminho para, no futuro, tentarpermutar ou alienar pequenas fraçõesdos mais de 300 mil metros quadrados, lo-calizadas nas extremidades da área. Elesinvocam o fato de a área ser especial deproteção ao ambiente natural, por abri-gar um parque natural. Citam, comoexemplo, que uma destas frações, antesera utilizada pela Fepam para pesquisa,ter sido desativada no ano passado, forta-lecendo o argumento de que era área quea Fundação não necessitava. “Agora o Es-tado não pode vender. Para isso, precisa-ria haver uma nova lei, e eu duvido queisso ocorra. Porque a área é uma unida-de de conservação. Mas é fato que a Aga-pan (Associação Gaúcha de Proteção aoAmbiente Natural) tem um certo temorsobre o que pode vir a ocorrer no futu-ro”, destaca o ex-secretário de Meio Am-biente de Porto Alegre, Beto Moesch.

FDRH

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A Companhia Riograndense de ArtesGráficas (Corag), que também teve a ex-tinção proposta pelo Executivo aprova-da na Assembleia Legislativa em dezem-bro, tem sua sede encravada no meiode uma região dominada pela ocupaçãode diferentes setores da Brigada Militar(BM), no bairro Partenon. Ela está situa-da em uma área de 9,6 mil metros qua-drados na avenida Aparício Borges (ou-tra avenida integrante da Terceira Peri-metral, imediatamente após a SalvadorFrança), número 2199, na esquina entrea Aparício e a rua Capitão André LagoPáris. Ao seu lado, na avenida, está a

1ª Companhia do 19º Batalhão de Polí-cia Militar (BPM) e, ao fundo, antes darua Silvado, onde fica o Batalhão deOperações Especiais (BOE), o canil dacorporação. Dentro do governo, háquem defenda que, como parte do enxu-gamento, o Executivo pudesse dar iní-cio a discussões no sentido de que a cor-poração, no futuro, otimizasse o uso daregião, que abrange áreas extensas lo-calizadas não apenas junto à Aparício,mas também às avenidas Ipiranga eBento Gonçalves. “Mas a verdade é queisso ainda é um tabu”, revela um inte-grante do governo.

A Fundação de Ciência e Tecnologia (Cien-tec), outra a ter sua extinção aprovada no pa-cote de dezembro, ocupa um terreno de 33,3mil metros quadrados na rua WashingtonLuiz, no Centro, que consta no Registro deImóveis da 2ª Zona como propriedade do Insti-tuto Tecnológico do Estado do RS. Apesar dasrestrições construtivas que pesam sobre partedo Centro Histórico, o que pode resultar em al-

Localizada na avenida Ipiranga,5.400, a Fundação Estadual de Prote-ção e Pesquisa em Saúde (FEPPS) éuma das fundações extintas pelo pacotedo governo José Ivo Sartori. Assim co-mo a Fundação Zoobotânica e a Compa-nhia Riograndense de Artes Gráficas(Corag), ela está localizada em uma re-gião muito cobiçada por incorporado-ras, construtoras e empreendedoresimobiliários, junto à Terceira Perime-tral. O fato de o terreno ter mais de 26mil metros quadrados e ficar em uma

esquina entre as avenidas Ipiranga eSalvador França (uma das que formama Perimetral), o valoriza ainda mais.

Na Ipiranga, apenas o 35 CTG e arua 18 de Setembro a separam de umshopping com hipermercado. Pela Sal-vador França, ela está a menos de dezquadras do Jardim Botânico e do cam-pus da Escola de Educação Física, Fi-sioterapia e Dança da Ufrgs. Pela Ipi-ranga, no sentido oposto ao do shop-ping, estão o Hospital São Lucas e ocampus da PUCRS.

A Fundação Estadualde Proteção e Pesquisaem Saúde fica em uma

região cobiçada porconstrutoras e

empreendedoresimobiliários, junto àTerceira Perimetral

FEPPS

CORAG CIENTEC

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Desde que o governo incluiu a Funda-ção Cultural Piratini no pacote das fun-dações a serem extintas começaram asespeculações sobre a destinação da ex-tensa área de terra nos altos do MorroSanta Tereza, na zona Sul. Na totalida-de, as áreas incluem três matrículas, to-das registradas no 5º Registro de Imó-veis de Porto Alegre.

A primeira consiste de um terreno de

242 metros quadrados, de frente para arua Dona Alda. A segunda é um terrenoentre as ruas Rio Branco e Prisma. Aterceira são 11 terrenos, com quase 1,7mil metros quadrados cada, somandouma área de 18,6 mil metros quadrados.As terras, contudo, não pertencem ao Es-tado e sim à Empresa Brasil de Comuni-cação (EBC), que as adquiriu do Institu-to Nacional do Seguro Social (INSS).

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guma margem de negociação de preços, aárea é cobiçada por construtoras, incorporado-ras e outros empreendedores. Além da imensaextensão de terras em pleno Centro da cidade,ela está próxima à orla do Guaíba, à Câmarade Vereadores, ao Centro Administrativo e àregião que concentra os órgãos do poder Judi-ciário, além de ser vizinha a bairros como Ci-dade Baixa e Praia de Belas.

FUNDAÇÃO PIRATINI

15/1/2017 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 13