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I PHAN | M INISTÉRIO D A C ULTURA   | 2012 P  A U L A  P ORTA  P OLÍTICA   DE  PRESERVAÇÃO  DO  P  A T RIM Ô NIO  C ULTURAL  N O  B RASIL Diretrizes, linhas de ação e resultados 2000 | 2010

Paula Porta

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    IPHAN | M INISTRIO DACULTURA | 2012

    PAULAPORTA

    POLTICADEPRESERVAODOPATRIMNIOCULTURALNOBRASILDiretrizes, linhas de ao e resultados 2000 | 2010

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    Presidenta da Repblica do BrasilDILMAROUSSEFF

    Ministra de Estado da Cultura

    ANA DEHOLLANDA

    Presidente do Instituto doPatrimnio Histrico e Artstico NacionalLUIZFERNANDO DEALMEIDA

    Diretoria do IphanANDREYROSENTHALSCHLEECLIAMARIACORSINOESTEVANPARDICORRAMARIAEMLIANASCIMENTOSANTOS

    Coordenao editorialSYLVIAMARIABRAGA

    Copidesque e RevisoANALCIALUCENA

    Projeto grfico e CapaRARUTICOMUNICAO EDESIGN/CRISTIANEDIAS

    FotosARQUIVOMONUMENTA/IPHAN, SUPERINTENDNCIASESTADUAIS DOIPHAN, NELSONKON, PAULAPORTA,SYLVIABRAGA.

    AgradecimentosAO PRESIDENTE, AOS DIRETORES E AOS SUPERINTENDENTES DOIPHAN, PELO TEMPO QUE DISPONIBILIZARAM PARA AS DIVERSASDEMANDAS DESTE TRABALHO E PELO TRABALHO INCRVEL QUE

    REALIZAM. A WEBERSUTTI, PELO APOIO EM TODAS AS ETAPASDE ELABORAO DESTE LIVRO.

    C R D I T O S

    P839p Porta, Paula.Poltica de preservao do patrimnio cultural no Brasil : diretrizes, linhas de ao e

    resultados : 2000/2010 / Paula Porta. -- Braslia, DF : Iphan/Monumenta, 2012.344 p. : il. ; 28 cm.

    ISBN: 978-85-7334-219-2

    1. Poltica Cultural. 2. Patrimnio Cultural - preservao. I. Ttulo.

    CDD 306.4

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    N D I C E

    APRESENTAO 05

    INTRODUO 07

    1 DO PATRIMNIO HISTRICO E ARTSTICO AO PATRIMNIO CULTURAL 111.1. PATRIMNIO CULTURAL: UM CONCEITO ALINHADO COM A DIVERSIDADE BRASILEIRA 11

    1.2. AS DIRETRIZES DA POLTICA NACIONAL DE PATRIMNIO CULTURAL 151.2.1. PARTICIPAO SOCIAL 151.2.2. RE-INSERO DOS BENS CULTURAIS NA DINMICA SOCIAL 181.2.3. QUALIFICAO DO CONTEXTO DOS BENS CULTURAIS 201.2.4. PROMOO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL 21

    2 O INSTITUTO DO PATRIMNIO HISTRICO E ARTSTICO NACIONAL HOJE 252.1. ATRIBUIES 25

    2.2. AS NOVAS REAS DE ATUAO 312.2.1. PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL 322.2.2. PAISAGEM CULTURAL 36

    2.3. AS LINHAS DE AO 412.3.1. IDENTIFICAO E DOCUMENTAO 412.3.2. PROTEO E RECONHECIMENTO 482.3.3. PRESERVAO 592.3.4. DIFUSO DE CONHECIMENTO E PROMOO 742.3.5. EDUCAO PATRIMONIAL 812.3.6. FORMAO E CAPACITAO 822.3.7. FOMENTO A ATIVIDADES ECONMICAS VINCULADAS AO PATRIMNIO CULTURAL 87

    3 FORTALECENDO A GESTO DO PATRIMNIO CULTURAL 913.1. OS AVANOS E OS DESAFIOS DA GESTO 913.2. AMPLIAO DOS QUADROS TCNICOS 933.3. AMPLIAO DO INVESTIMENTO 953.4. PARCERIAS E SISTEMA NACIONAL DE PATRIMNIO CULTURAL 1073.5. DO DEPARTAMENTO DE MUSEUS AO IBRAM 110

    4 ESTABELECENDO PONTES: COOPERAO INTERNACIONAL 1134.1. A ATUAO DO BRASIL NAS INSTNCIAS INTERNACIONAIS DE PRESERVAO 1144.2. ACORDOS DE COOPERAO 115

    5 PRESERVAO DO PATRIMNIO CULTURAL DE NORTE A SUL DO PAS 119

    6 PLANEJANDO O FUTURO 223

    7 AES EXECUTADAS 227AES DE IDENTIFICAO E DOCUMENTAO 227AES DE PROTEO E RECONHECIMENTO 233AES DE PRESERVAO 237AES DE DIFUSO DE CONHECIMENTO E PROMOO 325AES DE FOMENTO A ATIVIDADES ECONMICAS VINCULADAS AO PATRIMNIO CULTURAL 340

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    Em busca de configurar uma base de dados consistente para o desenvolvimento das polticas pblicas

    no campo da cultura, o Iphan vem ampliando o leque de suas publicaes voltadas para a informao

    de gestores pblicos e da sociedade civil, interessados em promover aes fundadas nos princpios

    considerados os mais abrangentes para baliz-las: diversidade, legitimidade, desenvolvimento e

    preservao.

    Com este livro, a autora empreende o esforo de avaliar minuciosamente as aes desenvolvidas no

    campo da preservao cultural durante o perodo de 2000 a 2010 com o objetivo de oferecer uminstrumento til ao planejamento das polticas pblicas do setor, bem como s iniciativas de cunho

    privado. No entanto, a divulgao dessas informaes no visa apenas fornecer uma ferramenta

    essencial ao estabelecimento das diretrizes e linhas de ao a serem adotadas em cada poltica, mas

    tambm favorecer o dilogo com a sociedade, com parceiros, com governos de todas as instncias.

    O presente registro democratiza, portanto, o acesso aos dados sobre poltica cultural, presta conta de

    como foram utilizados os recursos de cada ao, trata dos conceitos que fundamentaram cada uma

    delas, alm de permitir a anlise da eficincia das polticas adotadas, bem como de seus resultados edesafios de continuidade.

    LUIZ FERNANDO DE ALMEIDA

    Presidente do instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional

    ABRIL 2012

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    A P R E S E N T A O

    Matriz de Coqueiro Seco (AL). Foto: Sandro Gama de Arajo/Arquivo Superintendncia de Alagoas.

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    Durante a ltima dcada o Brasil obteve um avano significativo em sua poltica de preservao do patrimniocultural. H um grande dinamismo nesse campo, que se observa na formulao de diretrizes e instrumentos,assim como na sua aplicao. Verificam-se conquistas tanto no nvel federal quanto no local.

    Foi na dcada de 2000 que os princpios modernizadores estabelecidos pela Constituio de 1988 finalmentecomearam a ser traduzidos em ao, trazendo diversas inovaes para a poltica de preservao do patrimnio.Tais inovaes reconduziram o pas a uma posio de vanguarda nesse campo, posio que j ocupara nos anos1930, quando criou uma das primeiras instituies de preservao do mundo: o Servio do PatrimnioHistrico e Artstico Nacional (Sphan), atual Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan).

    Dentre os principais aspectos que constituem o avano da poltica de preservao do patrimnio cultural nopas, destacam-se:

    1. a atualizao do conceito de patrimnio, adequando-o diversidade cultural brasileira;

    2. a formulao de diretrizes para orientar a ao institucional, tendo como foco o envolvimento dasociedade, a promoo do desenvolvimento local e a potencializao das possibilidades de fruio dopatrimnio cultural;

    3. a abertura para novas reas de atuao, de forma a abranger os diferentes legados da cultura brasileira;

    4. a formulao e a implantao de novos instrumentos de ao;5. a reviso das metodologias de trabalho;

    6. o fortalecimento do rgo nacional de preservao para dar suporte ampliao do campo de ao;

    7. o esforo para construir instrumentos de ao conjunta e de gesto compartilhada do patrimnioentre Unio, estados e municpios;

    8. o progressivo e substancial aumento do investimento em preservao e promoo de bens culturais.

    H hoje um renascimento da poltica de preservao do patrimnio como poltica de Estado, aps um longoperodo de difcil sobrevivncia. Primeiro, o desmonte das estruturas de gesto da cultura, no incio da dcada

    de 1990, resultou na quase paralisao das atividades. Depois, com a poltica de reduo da ao do Estado,atribuiu-se cultura baixssima relevncia e investimento mnimo, o que retardou a reconstruo institucionaldo Iphan e de seus instrumentos de ao.

    A dcada de 2000 apresenta-se inteiramente distinta. O aumento dos investimentos e a preocupao emfortalecer a gesto propiciaram intensa atividade e formulao conceitual, sobretudo em seus ltimos anos,quando se estabeleceram novos parmetros de ao e teve incio o processo que visa inserir o patrimniocultural na pauta das polticas voltadas ao desenvolvimento do pas.

    I N T R O D U O

    Canoa de Tolda em Piranhas (AL). Foto: Yuri Batalha/Arquivo Superintendncia de Alagoas.

    O s o b j e t i v o s d e s t a p u b l i c a o

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    Muito do que foi formulado nesse perodo j est implantado na forma de novos instrumentos de ao, comoas aes de registro e salvaguarda do patrimnio imaterial. Outras formulaes importantes para a eficcia dapoltica de preservao do patrimnio ainda esto em implantao, como o caso do Sistema Nacional dePatrimnio Cultural, dos Planos de Ao para Cidades Histricas(que adotou o nome de PAC CidadesHistricas) e doSistema Integrado de Conhecimento e Gesto (SICG).

    O propsito da presente publicao oferecer, em um documento de fcil acesso e consulta, um panoramaatual da poltica de preservao do patrimnio cultural, apontando a formulao conceitual desenvolvida, aslinhas e instrumentos de ao hoje adotados, os avanos obtidos e os principais desafios no horizonte.

    Como complemento, para melhor avaliao do desempenho obtido, so apresentadas as aes de preservaoe promoo do patrimnio cultural realizadas ao longo da dcada com recursos do governo federal (oramentodo Iphan e do Ministrio da Cultura,Programa Monumenta, lei federal de incentivo cultura).

    Ao apresentar esse panorama, esta publicao procura atender a necessidade de:

    1. unificar o conhecimento e o entendimento das diretrizes, linhas de ao e objetivos da poltica depreservao, uma vez que o Iphan vem ganhando novos quadros a cada ano e necessrio facilitar eacelerar o compartilhamento de informaes;

    2. facilitar o dilogo com as instncias federais, estaduais e municipais atuantes nos territrios ondeesto presentes bens culturais que se objetiva conhecer, preservar ou promover, estabelecendo umhorizonte comum de informao que d suporte a parcerias e elaborao de instrumentos de aoconjunta;

    3. democratizar o acesso informao sobre o patrimnio cultural e a poltica de preservao, de modoa estimular e qualificar a participao social;

    4. suscitar a fiscalizao, a cobrana e a avaliao dos resultados e da continuidade das aes de

    preservao (realizadas por iniciativa pblica ou privada) pelas comunidades beneficiadas/envolvidas,pelos gestores pblicos e pela populao de modo geral.

    O compartilhamento e a difuso de informao so passos importantes para vencer os desafios e ampliar oalcance da poltica de preservao do patrimnio cultural no pas.

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    Tranado de palha de buriti de Barreirinhas (MA). Foto: Francisco Moreira da Costa/Arquivo CNFCP/Iphan.

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    Vista area do Encontro das guas em Manaus, tombado em 2010. Foto: Ftima Macedo/Arquivo Superintendncia do

    Amazonas.

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    1 . D O PA T R I M N I O H I S T R I C O EA R T S T I C O A O PA T R I M N I O C U L T U R A L

    Este captulo visa apresentar a base da transformao da atuao do Iphan na ltima dcada. Trata-se da

    efetivao, em termos de linhas e instrumentos de ao, de um novo conceito de patrimnio e doestabelecimento de diretrizes gerais para nortear as aes desenvolvidas ou estimuladas pela instituio.

    A atualizao conceitual teve como determinante a necessidade de fazer a poltica de preservao refletir de formamais consistente a diversidade cultural brasileira, rompendo a fronteira do que se entendia por patrimnio histricoe artstico, em direo a uma viso mais abrangente dos legados culturais presentes no pas.

    A formulao de diretrizes resultado de um processo de avaliao da eficcia dos instrumentos de preservaodos bens culturais e da necessidade de aprimor-los para dar conta dos novos desafios trazidos pela ampliaodas competncias da poltica de preservao e para alargar seu significado social.

    1 . 1 . P a t r i m n i o C u l t u r a l : u m c o n c ei t oa l i n h ad o c o m a d i v e r s i d a d e b r a s i l e i r a

    O conceito de patrimnio histrico e artstico que orientou a ao do Iphan em suas primeiras dcadaslimitava o foco da instituio a identificar e proteger bens destacados por sua excepcionalidade histrica,monumental ou artstica.

    Por muito tempo, a ateno e as energias do principal rgo de preservao do pas, que moldou a constituiodos rgos estaduais, estiveram estritamente voltadas proteo do legado material da colonizao portuguesae do perodo imperial. Esse foco concentrou a ao do Iphan no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e nosestados em que esto presentes os maiores legados da cultura do acar, destacadamente, Bahia e Pernambuco1.

    Na dcada de 1970, tiveram incio as discusses sobre a necessidade de atualizao e ampliao desse conceitopara que fosse capaz de abarcar os diversos legados histricos e culturais da trajetria brasileira. Isto significavaincluir os legados da cultura indgena, da cultura afro-brasileira e da cultura popular de uma sociedaderesultante de um contnuo processo de contato entre culturas diversas2.

    Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras em Vitria (ES), primeiro registro de patrimnio imaterial. Foto: Arquivo CNFCP/Iphan.

    1. Os quatro estados concentram 58% dos bens tombados no pas e permanecem sendo os maiores detentores de bens tombados individualmente: so 231 no Rio de Janeiro,209 em Minas Gerais, 182 na Bahia e 82 em Pernambuco. Em 2010, com o tombamento indito de 14 bens referentes imigrao japonesa, So Paulo passou a ser oterceiro estado com maior nmero de bens tombados (102).

    2. A criao do Centro Nacional de Referncias Culturais e da Fundao Nacional Pr-Memria foi uma tentativa de retomar a proposta de Mrio de Andrade. Essasentidades desenvolveram aes de pesquisa voltadas preservao de saberes, fazeres e formas de expresso tradicionais. Um dos resultados dessa atividade foi a propostade ampliao do conceito de patrimnio.

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    Tais legados, pouco presentes na forma de edificaes ou monumentos, mas largamente reconhecveis emsaberes, modos de fazer, celebraes e expresses artsticas, estavam contemplados no projeto de criao doIphan elaborado por Mrio de Andrade, mas no foram incorporados ao modelo adotado em termos deinstrumentos de ao e metodologias de pesquisa. No eram, portanto, alvo de pesquisa e de preservao. Domesmo modo, os constantes aportes culturais dos diversos fluxos imigratrios, que se traduziram em legadosmateriais e imateriais, ainda permaneciam fora do foco.

    A Constituio Federal de 1988, modernizadora tambm no tocante ao patrimnio, considerada um marcopara a atualizao da poltica de preservao do patrimnio no pas. O texto constitucional alargou no apenaso conceito de patrimnio, mas as responsabilidades pela sua preservao e os instrumentos para efetiv-la.

    No que se refere ao conceito de patrimnio, o texto constitucional de certa forma retomou o que fora proposto

    por Mario de Andrade, definindo-o nos seguintes termos:Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:I. as formas de expresso; II. os modos de criar, fazer e viver; III. as criaes cientficas,artsticas e tecnolgicas; IV. as obras, os objetos, os documentos, as edificaes e demaisespaos destinados s manifestaes artstico-culturais; V. os conjuntos urbanos e stios devalor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.3

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    3. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, 5/10/1988. Artigo 216.

    Inaugurao do Centro de Formao e Documentao Wajpi, Terra Indgena Wajpi, Amap. Foto: Heitor Reali/Arquivo Iphan.

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    Quanto responsabilidade na preservao do patrimnio cultural, o texto no apenas atribui competncia comum Unio, estados e municpios, como aponta a responsabilidade da comunidade no apoio poltica de preservao.

    Em relao aos instrumentos, o texto modernizador ao no apontar o tombamento como instrumentocentral de proteo:

    O Poder Pblico, com a colaborao da comunidade, promover e proteger o patrimniocultural brasileiro, por meio de inventrios, registros, vigilncia, tombamento,desapropriao e de outras formas de acautelamento e preservao.4

    Demorou mais de uma dcada para que essa tripla atualizao da poltica de preservao presente no textoconstitucional comeasse a ser traduzida em ao. A efetivao desse avano foi postergada pelo desmonte dasinstituiesfederais de gestoda cultura nosanos 19905, seguido por um perodo em que o enxugamento do Estadono permitiu que essas instituies recebessem o apoio e o investimento necessrios para restabelecer sua dinmica.

    Somente na dcada de 2000 so lanados os primeiros marcos de uma nova poltica de patrimnio. Entre estesmarcos esto: o Decreto n. 3551 (2000), que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial, dandoincio s primeiras aes de inventrio e registro (2002); o lanamento pelo presidente da Repblica doPrograma Nacional de Patrimnio Imaterial (2004), que institucionaliza e disponibiliza recursos para asalvaguarda, apoio e fomento ao patrimnio imaterial; os primeiros tombamentos de reas remanescentes dequilombos (2002), em acordo com a proteo a esses testemunhos prevista na Constituio6; o incio doprogramaLegados da Imigrao, que resultou no tombamento de diversos bens relacionados imigrao alem,italiana, ucraniana e polonesa em Santa Catarina (2007); o tombamento da Casa de Chico Mendes, entendidacomo testemunho singular de um processo social relevante para o pas (2008); a portaria de criao da chancelade Paisagem Cultural (2009); o primeiro tombamento relativo cultura indgena, protegendo comopatrimnio nacional os locais sagrados dos povos do Xingu (2010), e, por fim, os primeiros tombamentosrelativos ao patrimnio naval (2010), protegendo quatro embarcaes tradicionais e o acervo do MuseuNacional do Mar.

    Esse conjunto de aes vem representando um reencontro do pas com sua trajetria histrica, documentada

    em legados de diferentes naturezas e origens. Representa tambm uma democratizao da poltica depreservao. Os diferentes universos culturais a serem identificados, pesquisados e preservados trouxeramnovos interlocutores e novos atores sociais para a poltica de patrimnio, antes dela alheios ou apartados.Progressivamente, grupos de diversos lugares e origens comeam a se reconhecer nas aes de preservao e alhes atribuir importncia.

    A discusso em torno da preservao do patrimnio cultural est sendo enriquecida e dinamizada, aumentandoconsideravelmente as linhas de ao e, com elas, as demandas junto aos rgos de preservao.

    notvel que os bens tombados a partir de 2003 tiveram seus processos, em grande maioria, iniciados porsolicitao de organizaes sociais. Hoje, todos os processos em andamento contam com a aprovao e aexpectativa da comunidade envolvida. O mesmo ocorre com as solicitaes de registro de um bem comopatrimnio cultural imaterial nesses casos, a demanda social um pressuposto para o incio dos processos.

    Isso significa que a comunidade vem se tornando de fato colaboradora ativa da poltica de patrimnio, tal qualpreconiza a Constituio.

    O tombamento ou o registro de um bem como patrimnio cultural do pas no um mero ato administrativo.Ao longo da movimentada dcada em foco, o significado social desses atos foi comprovado reiteradas vezes.

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    4. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, 5/10/1988. Artigo 216. Pargrafo 1.

    5. Nesse perodo, pela primeira e nica vez na histria do Iphan, no houve nenhum tombamento por dois anos consecutivos: 1991 e 1992. Tambm no ocorreramtombamentos em 1982 e 1995.

    6. Vale destacar que, em 1986, ocorreram dois tombamentos importantes para o reconhecimento da diversidade dos legados que compem a trajetria brasileira: o da Serrada Barriga, que abrigou o Quilombo dos Palmares, e o do Terreiro da Casa Branca, o primeiro de uma srie de tombamentos de terreiros histricos retomada na dcadade 2000.

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    Nas palavras de Luiz Phelipe Andrs, membro do Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural:

    O ato de proteo, que est implcito na figura do tombamento, vai muito alm do quesugere a materialidade da questo, ele incide tambm sobre a autoestima das pessoasdiretamente envolvidas, bem como da comunidade envoltria, ele no atribui apenas o

    poder de coero, de vigilncia, de fiscalizao, mas tambm confere valor. E como

    valoriza, ele eleva e estabelece uma aura de respeito sobre o bem que se pretende preservar. 7

    O reconhecimento oficial conferido a manifestaes e legados histricos e culturais e a consequente valorizaodesses legados capaz de produzir uma srie de efeitos sociais positivos, que reforam a importncia da poltica depreservao do patrimnio cultural para o pas. Dentreesses efeitos, podem-se destacar principalmenteos seguintes:

    1. a diversidade cultural comea a ser percebida e valorizada como uma riqueza do pas, um doselementos de sua identidade uma identidade pluralista , o que traz evidentes benefcios para aconsolidao de uma sociedade democrtica;

    2. o dilogo propiciado pela necessidade de documentao e de estabelecimento de planos depreservao relativos a expresses materiais ou imateriais, somado aos investimentos realizados, tem um

    forte efeito no apenas na autoestima de comunidades, mas tambm no senso de responsabilidade coma preservao dos legados reconhecidos, fortalecendo compromissos com a coletividade e repercutindono exerccio da cidadania.

    Outro avano recente da poltica de preservao diz respeito releitura territorial do patrimnio cultural.Em todos os estados tm sido reavaliadas a representatividade e a abrangncia do universo de atuao dapoltica de preservao em relao aos processos histrico-sociais e s referncias culturais das distintas regiesde seu territrio. Essa releitura vem resultando em expressiva ampliao do nmero e da diversidade de bensculturais documentados, divulgados e protegidos.

    A adoo de um olhar largo e generososobre os diversos legados da trajetria

    do pas exige da poltica de pre-servao do patrimnio cultural umesforo constante de adequao dosinstrumentos de ao, para quepossam dar conta da preservao e davalorizao de bens to diversificados,dispersos e desafiadores. Esse esforotem ampliado o grau de represen-tatividade dessa poltica e despertadomaior interesse das comunidadesenvolvidas.

    O maior desafio da poltica depreservao do patrimnio cultural noBrasil estimular e reforar esseinteresse, facilitando formas departicipao que ampliem a legiti-midade e a importncia social dopatrimnio cultural e, dessa forma,favoream a efetivao de seu poten-cial como gerador de desenvolvimentoqualificado.

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    7. Ata da 35 Reunio do Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural, 22/8/2002.

    Obras do Programa Monumentaem Cachoeira (BA). Foto: Arquivo Monumenta/Iphan.

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    1 . 2 . A s d i r e t r i z e s d a P o l t i ca N a c i o n a l d eP r e s e r v a o d o P a t r i m n i o C u l t u r a l

    As diretrizes da poltica nacional de preservao do patrimnio cultural emanam da experincia concreta do

    Iphan, de seus sucessos e insucessos. Originam-se de um processo de avaliao das potencialidades, do alcancee dos limites dos instrumentos de preservao.

    Tais diretrizes so, portanto, recomendaes que passam a ser levadas em conta na formulao e implantaodos programas e das aes que visam preservar e promover o patrimnio cultural do pas. Elas refletem aatualizao da poltica nacional quanto ao conceito de patrimnio cultural, quanto aos instrumentos depreservao e quanto necessidade de contar com a participao da sociedade.

    As diretrizes tambm dialogam com as trs dimenses da cultura que organizam a ao do Ministrio daCultura a partir da gesto Gilberto Gil: cultura como produo simblica, cultura como vetor de cidadaniae incluso social e cultura como economia capaz de produzir riqueza, trabalho e renda.

    So quatro as diretrizes gerais da poltica de preservao:

    1. participao social;

    2. reinsero dos bens protegidos na dinmica social;

    3. qualificao do ambiente em que esto inseridos os bens culturais;

    4. promoo do desenvolvimento local a partir das potencialidades do patrimnio cultural.

    Essas diretrizes j foram incorporadas em muitas das aes em curso; para torn-las efetivas em outras, aindaesto sendo construdos os instrumentos e as parcerias necessrios.

    1 . 2 . 1 . PA R T I C I PA O S O C I A L

    A ampliao do campo de atuao dos rgos de preservao determinada pelo conceito de patrimnio culturalrequer a incluso de novos protagonistas na poltica de preservao. A extenso do patrimnio cultural presenteno pas e o tamanho do nosso territrio no permitem que a preservao seja entendida como atribuioexclusiva dos rgos de preservao. Por mais recursos humanos e financeiros que se aporte (e ainda h muitopor melhorar nesses quesitos), nunca sero suficientes se no estiveram associados a uma significativaparticipao da comunidade, representada por indivduos, organizaes e empresas.

    A essa questo soma-se a necessidade de ampliar continuamente o significado social da preservao dopatrimnio cultural. Essa ampliao est ligada capacidade de detectar valores culturais ou identitriosatribudos a bens culturais, sejam eles materiais ou imateriais, para isso estabelecendo mecanismos permanentesde dilogo com diferentes comunidades. Alm de atores importantes no estabelecimento das aes, ascomunidades so fonte de conhecimento acerca dos bens culturais com os quais esto envolvidas.

    A importncia da colaborao da comunidade na poltica de preservao, preconizada no texto constitucional,ganhou destaque no cotidiano do Iphan ao longo da dcada. Hoje ela entendida como a principal diretrizorientadora da ao do instituto, aquela que deve ser perseguida com tenacidade, pois determinante para aeficcia de qualquer ao de preservao.

    O Iphan vem alargando consideravelmente o seu rol de interlocutores na sociedade. Se antes essesinterlocutores restringiam-se aos moradores de cidades histricas, as novas reas de atuao abriram o campodo dilogo sobre as questes da preservao a um grande espectro de comunidades de diferentes origenssociais, geogrficas e tnicas, como no caso de grupos indgenas e de comunidades quilombolas.

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    A colaborao da comunidade na preservao do patrimnio cultural tende a ser cada vez mais importanteno que se refere aos seguintes aspectos:

    1. identificao do patrimnio a ser conhecido e preservado;

    2. fiscalizao da conservao e do uso conferido ao patrimnio;

    3. aporte de conhecimento;

    4. contribuio para a formulao de aes pelos rgos de preservao;5. apresentao de projetos de preservao a serem apoiados com recursos pblicos.

    O envolvimento da sociedade na poltica de preservao proporcional ao grau de conhecimento e informaoa que tem acesso, assim como aos instrumentos de participao que lhe sejam disponibilizados. Por isso, aoferta de informao e a construo de instrumentos de participao social so hoje tarefas fundamentais napauta dos rgos de preservao.

    D I F U S O D E C O N H E C I M E N T O E I N F O R M A O

    Tornar mais conhecidos a forma de atuao e os instrumentos utilizados pelos rgos de preservao do

    patrimnio cultural o primeiro passo para ampliar a participao da sociedade. Diferentes meios podem serempregados, de acordo com as caractersticas das comunidades que se quer atingir: publicaes, cartilhas,boletins (impressos ou digitais), eventos peridicos, exposies itinerantes, presena na mdia (rdio, jornal,tev local), etc.

    A maior presena institucional junto s comunidades tambm tem sido um facilitador desse processo deaproximao. A ramificao de sedes estaduais, escritrios tcnicos, casas do patrimnio e museus vemtornando o tema preservao mais prximo do cotidiano de muitas cidades, facilitando a parceria com escolase organizaes sociais. O programaCasas do Patrimnio, iniciado em 2009, dever fortalecer esse processo.

    A educao patrimonial hoje est presente na pauta de ao de todas as superintendncias estaduais do Iphan

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    Reunio do Conselho Municipal de preservao em So Cristvo (SE). Foto: Arquivo Iphan.

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    e na atuao de muitos rgos estaduais de preservao e de prefeituras. Trata-se de oferecer informaoqualificada sobre o patrimnio cultural em formato e linguagem acessveis a diferentes pblicos (estudantes,moradores, gestores pblicos, associaes comunitrias etc.), de forma a sensibiliz-los para sua importnciacultural, social e mesmo econmica, estimulando e ajudando a qualificar a participao na poltica de preservao.

    A busca de participao social requer dos rgos de preservao o constante mapeamento dos atores que

    podem e devem ser envolvidos na elaborao, execuo e fiscalizao das aes relativas ao patrimnio cultural.

    C A N A I S D E P A R T I C I P A O

    Nos ltimos anos tm ocorrido experincias no sentido de estabelecer canais de participao social maispermanentes. Embora no se disponha hoje de um modelo estabelecido, pode-se depreender de algumasdessas experincias que esses canais devem ser moldados realidade local e que seu sucesso depende do graude informao e sensibilizao previamente obtido.

    OPrograma Monumentaempenhou-se em estabelecer os Conselhos e os Fundos Municipais de Preservaocomo instncias de participao e compartilhamento de responsabilidades entre gestores pblicos e sociedade. uma experincia em construo. Os fundos encontram-se em atividade em 14 das 26 cidades integrantesdo programa, e nem todos esto associados a conselhos. Outra experincia a do Ncleo Gestor do CentroHistrico de So Lus, que conseguiu estabelecer um frum para pactuar as aes de preservao.

    As dificuldades observadas nessas experincias vm sendo levadas em conta na formulao de novos formatos,uma vez que essas instncias so consideradas essenciais para o sucesso de programas como oPAC das CidadesHistricas, que requerem ambientes de deliberao e compartilhamento de responsabilidades com amplaparticipao social.

    Uma outra forma de participao social hoje em curso diz respeito elaborao dos planos de salvaguarda dosbens registrados como patrimnio cultural imaterial. uma ao cuja efetivao est atrelada participaoda comunidade envolvida, como se ver mais adiante.

    Da mesma maneira, a realizao de inventrios de referncias culturais ou de conhecimento e as aes deproteo e socializao de stios arqueolgicos s alcanam seus objetivos se forem capazes de contar com aparticipao da comunidade.

    F O M E N T O A I N I C I A TI V A S D A S O C I E D A D E

    O maior xito do Ministrio da Cultura nos ltimos anos foi seu empenho em reconhecer e estimular asaes culturais da sociedade, sobretudo dos grupos apartados do acesso a benefcios de financiamento pblico,como a lei de incentivo fiscal.

    A ampla poltica de editais pblicos de seleo de projetos, que se procurou estender tambm ao dasempresas pblicas federais, e oPrograma Cultura Viva, que criou os Pontos de Cultura e d apoio financeiro

    e tecnolgico para a ampliao de atividades culturais de grupos estabelecidos, so aes hoje consolidadas ereconhecidas em sua eficcia. A poltica de preservao do patrimnio cultural tambm vem utilizando comsucesso esses instrumentos.

    Os editais lanados regularmente pelo Iphan buscam dar maior flego e escala s aes de preservao. Forammuito importantes para a consolidao das aes de identificao e documentao do patrimnio imaterial,assim como para a modernizao dos museus. Ainda h muitas linhas de ao que podem ampliar seu alcanceatravs desse instrumento, realizando o chamamento de projetos para finalidades especficas. Da mesmaforma, esse pode ser um instrumento para apoiar iniciativas estaduais ou municipais de preservao,descentralizando a execuo.

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    1 . 2 . 2 . R E I N S E R O D O S B E N S C U L T U R A I S N A D I N M I C A S O C I A L

    No bastam a restaurao, a conservao ou a documentao: um bem cultural preservado quando temuma funo social e se degrada quando a perde. Reinserir um bem cultural na dinmica social significa reforarou restabelecer essa funo.

    A formulao de plano de uso, de projeto de socializao ou de plano de salvaguarda elemento essencial da

    preservao, praticamente uma garantia de eficcia. Essa ao deve estar na base das propostas de intervenoem bens culturais e precisa sempre levar em conta a participao da comunidade envolvida.

    Restaurar uma igreja que j no realiza celebraes ou outras atividades, um stio arqueolgico que no podeser visitado, uma fortaleza que no abriga qualquer atividade, registrar um bem imaterial sem produzir edivulgar conhecimento sobre ele ou intervir em um centro histrico com imveis sem uso so aes de baixaeficcia, pois a mera conservao no capaz de reverter a perda de funo e o consequente desinteresse socialpor esses bens, que geraram sua degradao.

    Um bem restaurado pode ser destinado s mais diversas finalidades, mas ser de fato preservado se a finalidadeescolhida atender necessidades ou anseios concretos da comunidade.

    Restabelecer a funo social de um bem , de modo geral, uma tarefa complexa, tanto mais se esse bem um

    centro histrico que j no desempenha a funo de centro ou est em uma cidade que se esvaziou ao perderdinmica econmica. Nem sempre os anseios da comunidade so convergentes; muitas vezes h interessesconflitantes, exigindo dos gestores da poltica de preservao o preparo para o exerccio de pactuar. Almdisso, em muitos casos necessrio reunir e comprometer instituies federais, estaduais, municipais ou sociaisque tm competncias ou presena no territrio em questo e das quais depende a eficcia da interveno.

    A essas dificuldades soma-se o fato de ainda no haver, na maioria das cidades, instrumentos formais einstncias regulares de participao social.

    Tais problemas foram enfrentados nos ltimos anos de diferentes maneiras, e as experincias bem-sucedidastm sido tomadas como ponto de partida para a elaborao de programas para atuao em maior escala.

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    Imvel degradado e imvel recuperado em Salvador. Foto: Arquivo Iphan.

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    Dentre essas experincias h o xito do Programa Monumentaem cidades como So Francisco do Sul (SC) euma grande expectativa em relao aos desdobramentos da instalao de universidades federais em cidadeshistricas que perderam sua dinmica econmica, como Cachoeira (BA) e Laranjeiras (SE), que estorecebendo forte investimento na recuperao de seu patrimnio. A presena de estudantes-moradoresdemandar servios que estimularo tanto os pequenos negcios quanto a dinmica cultural. Essas experinciasso fruto de parceria entre o Iphan e o Ministrio da Educao, que pode beneficiar outras cidades histricas.Cabe lembrar que a dinmica de cidades como Ouro Preto e Diamantina decorre em grande parte do fato deabrigarem instituies universitrias.

    Os centros histricos degradados constituem um dos maiores desafios para a poltica de preservao, desafiopresente em todas as regies do pas. H um certo consenso quanto ao papel decisivo do uso habitacional paraa recuperao desses centros. No entanto, esse uso no suficiente, sozinho, para restabelecer a dinmica deum centro esvaziado. H consenso sobre a ineficcia de especializar o uso dos centros histricos. A presenade servios pblicos e privados, de comrcio, de instituies educacionais e culturais deve ser igualmenteestimulada. Os centros histricos no se restabelecem sendo transformados apenas em bairros residenciais ouem meros cenrios tursticos ou de lazer. Precisam ter dinmica econmica e social que restitua sua importnciapara a cidade, precisam que se evidencie o legado histrico que representam e precisam que se favorea seu

    papel simblico para as identidades locais.O programaPAC das Cidades Histricas, em implantao, tem todos esses desafios pela frente e a certeza deque s pode obter resultados se conseguir estabelecer a ao conjunta entre Unio, estados e municpios,assim como implantar instncias permanentes de participao social.

    A importncia do uso ou da funo social de um bem cultural j um elemento reconhecido comofundamental para a poltica de preservao. Pouco a pouco essa importncia vem sendo traduzida nos

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    Destinao de bens restaurados:shopping centerno centro histrico do Recife. Foto: Arquivo Monumenta/Iphan.

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    instrumentos de ao. Hoje, oPrograma Nacional de Patrimnio Imaterialtem o plano de salvaguarda comoelemento estruturante, os esforos de socializao de stios arqueolgicos fazem parte da estratgia de tornaresse patrimnio mais prximo da sociedade e comea a haver maior preocupao em facilitar e estimular oacesso a acervos arquivsticos.

    Em um pas com enorme disparidade na distribuio de equipamentos culturais entre os municpios, no

    difcil estruturar um plano consistente de uso que restitua a funo social a um determinado bem. Faltambibliotecas, cinemas, centros culturais e salas de exposio e essas so funes que seguramente ampliam edemocratizam a fruio do patrimnio cultural.

    Para ganhar maior escala em todas as aes que visam restituir ou ampliar a funo social dos bens culturaisno basta o esforo de rgos pblicos. fundamental adequar aos novos tempos um instrumento importanteda poltica de preservao: a Lei de Incentivo Cultura. Estabelecer diretrizes relativas fruio dos resultadosdos projetos que solicitam recursos pblicos um dos maiores desafios. Hoje, a maioria dos projetos se detmem apresentar detalhadamente a interveno que visa realizar, mas, no tocante destinao, uso e fruio dosresultados, traz apenas proposies genricas, difceis tanto de ser analisadas quanto de ser cobradas.

    1 . 2 . 3 . Q U A L I F I C A O D O C O N T E X T O D O S B E N S C U L T U R A I SPor muitas dcadas o papel dos rgos de preservao esteve restrito s intervenes de proteo e conservaodos bens culturais. A experincia doPrograma Monumentaveio mostrar que a maior eficcia na preservaodepende da associao de aes de natureza distinta em um mesmo territrio. Aes como restaurao,qualificao urbanstica, promoo de atividades econmicas ligadas ao patrimnio e estabelecimento deequipamentos culturais, quando somadas, produzem maior resultado no sentido de recuperar a dinmicasocial de uma determinada rea ou regio.

    A experincia do Monumenta demonstrou a necessidade de se estabelecer uma leitura mais abrangente dopatrimnio em um determinado territrio. Uma leitura que envolve a avaliao do seu contexto e acompreenso da dinmica econmico-social que vem gerando sua degradao ou perda de vitalidade.

    Muitas vezes os riscos preservao de um bem encontram-se no contexto em que ele est inserido e no nasua degradao material. O reconhecimento de que as condies do contexto influem diretamente napreservao e devem ser alvo da poltica de preservao do patrimnio cultural vem se tornando consensual.Porm, faltam aos rgos de preservao instrumentos adequados para intervir nesses contextos. Comfrequncia, s possvel realizar uma interveno eficaz articulando-se competncias de rgos diversos.

    A importncia do contexto evidente quando se trata da preservao de cidades oucentros histricos, mas no diz respeito somente a esses casos. Bens culturais de naturezaimaterial, assim como stios arqueolgicos, devem sempre ser analisados em seucontexto e qualquer ao de interveno precisa se estender a esse contexto.

    Os riscos preservao do patrimnio cultural podem estar associados a fatores, entretantos outros, como a dificuldade de vias de acesso, a degradao ambiental, o excessode trfego pesado, as atividades econmicas realizadas em seu entorno ou a escassez dematria-prima para atividades artesanais tradicionais.

    Buscar os meios para qualificar o contexto dos bens culturais deve figurar entre asatribuies dos rgos de preservao. O programaPAC das Cidades Histricas, emimplantao, prope-se a dar esse passo adiante com relao s cidades e centroshistricos. Seu grande desafio justamente atuar em conjunto com as demais instnciasgovernamentais desde a formulao das aes at a gesto ps-execuo, para quetenham interface com programas urbansticos, ambientais, de saneamento, detransporte, de comunicao, de desenvolvimento, de turismo, de cultura, etc.

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    Uso de bens restaurados: hotel estabelecido no centro histrico de Salvador. Foto: Arquivo Monumenta/Iphan.

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    1 . 2 . 4 . P R O M O O D O D E S E N V O L V I M E N T O L O C A L

    Comea a se disseminar o entendimento das atividades da cultura como integrantes de um setor da economiacom grande potencialidade para se desenvolver em um pas com enorme riqueza cultural, como o Brasil.

    A primeira coleta de dados sobre esse setor, realizada pelo IBGE, trouxe informaes interessantes. Em 2005,havia 320 mil empresas (5,7% do total de empresas do pas) trabalhando em atividades ligadas cultura,empregando formalmente 1,6 milhes de pessoas (4% dos postos de trabalho do pas). O salrio mdio pagopelo setor (5,1 salrios mnimos) era equivalente ao da indstria e 47% superior mdia nacional.

    Esses nmeros mostram que esse setor pode e deve integrar a estratgia de desenvolvimento de muitas cidades,mais ainda daquelas que contam com presena expressiva de patrimnio cultural.

    A presena de centros histricos preservados, como tambm de festas, de produo artesanal tradicional oude festivais regulares hoje o motor da economia de muitas cidades e parte significativa da economia dealgumas capitais, onde a essas atividades somam-se a indstria da msica, do audiovisual, do livro.

    A presena do patrimnio cultural est deixando

    de ser vista por seus gestores como um problemaou um entrave. Em muitas cidades o patrimnioj alcanou destaque na administrao municipal,entendido como oportunidade de desenvolvi-mento. Isso se deve ampliao e diversificao,nos ltimos anos, dos instrumentos e recursospara sua preservao e promoo. Por parte dosmunicpios, h uma disposio cada vez maisforte de estabelecer ao conjunta com o governoestadual e o federal. notvel que as reunies doConselho Consultivo do Patrimnio Cultural tmcontado com a presena de prefeitos que vmmanifestar o apoio ao tombamento ou registro dopatrimnio de sua cidade. Frequen-temente, soas prprias prefeituras que solicitam a aberturados processos de tombamento federal, cientes dasoportunidades que a valorizao do patrimniopode gerar.

    A efetivao do tombamento, do registro ou dachancela de um bem como patrimnio culturaldo pas significa um reconhecimento e umavalorizao que tm desdobramentos sociais eeconmicos. De imediato, significa visibilidade nacional e muitas vezes internacional. Com ela,vem o aumento do interesse por conhecer essepatrimnio em destaque. Este um dosimportantes aspectos com os quais a poltica depreservao do patrimnio deve lidar. A maneirade potencializar e manter esse interesse embenefcio da comunidade e da preservao umdesafio que se coloca hoje tanto para os rgos depreservao como para os gestores municipais.

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    Festival Internacional de Cinema Ambiental movimenta GoisVelho desde 1999. Foto: Paulo Rezende/Arquivo Iphan.

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    Festa do Divino em Pirenpolis (GO). Foto: Christophe Scianni/Arquivo Superintendncia de Gois.

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    O turismo constitui, sem dvida, uma das principais vias de desenvolvimento baseadas nopatrimnio cultural. Pode ser potencializado com a atrao de eventos culturais regulares (a FeiraLiterria de Paraty hoje o exemplo mais conhecido, entre diversos outros), a divulgao das festastradicionais e o estmulo ao artesanato tradicional. Porm, ao mesmo tempo que um forte aliado,o turismo pode ser um risco para o patrimnio cultural. Por isso preciso que seja trabalhado commuita responsabilidade e com participao social.

    O turismo aliado medida que h um crescente interesse nacional e internacional pelas culturaslocais, pelas particularidades, pela diferena dos modos de ser, de fazer, de se expressar. Tudo issopode ser vivenciado atravs do turismo, trazendo oportunidades para cidades e lugares com fortepresena do patrimnio cultural.

    Pode ser um risco para o patrimnio cultural quando estimulado sem estratgia. Muitas dascidades histricas no comportam turismo de massa, manifestaes culturais no podem sertransformadas em meros atrativos tursticos, a arte popular no precisa adaptar-se ao gosto dovisitante, festas no devem ser moldadas de acordo com os formatos requeridos pela mdia. Aesdessa natureza podem oferecer resultados momentneos, mas costumam resultar em perda deautenticidade e consequente perda de interesse por parte do pblico.

    Uma estratgia para o turismo requer, entre diversos aspectos, a definio do pblico que se queratrair, dos servios a aprimorar (incluindo informao sobre o patrimnio cultural) e da forma deenvolver e preparar a sociedade local. O incremento do turismo cultural deve ser benficoprincipalmente para a qualidade de vida da comunidade, que a principal responsvel pelapreservao do patrimnio.

    A promoo do desenvolvimento local a partir das potencialidades do patrimnio culturalcertamente no se restringe ao turismo. A atrao de eventos profissionais (congressos, reuniescorporativas), de feiras de negcios, de produes audiovisuais ou de moda e o apoio ou a atraode empresas culturais, apenas para citar alguns exemplos, podem ser igualmente relevantes. Aprpria atividade de preservao do patrimnio, seja atravs de restaurao, promoo, salvaguarda

    ou gesto dos bens culturais, gera dinmica econmica e empregos diretos e indiretos, formaprofissionais locais e abre oportunidades.

    Identificar atividades econmicas que possam ser estimuladas ou atradas para uma cidade emvirtude de seu patrimnio uma tarefa que apenas recentemente comeou a constar na pauta dosrgos de preservao.

    Evidentemente esses rgos no contam com tcnicos especializados nessa rea e nem se espera quevenham a contar, mas, pela sua posio, podem abrir caminhos, facilitar o dilogo, conectarinstituies e empresas, sensibilizar e ganhar novos parceiros. Em suma, podem ajudar a qualificaresse processo. Por essa razo, a promoo de desenvolvimento local hoje entendida como umadiretriz para um rgo como o Iphan. No se trata, porm, de uma linha de ao, pois no seenquadra nas competncias tcnicas da instituio.

    Por fim, vale destacar que o desenvolvimento que se busca promover atravs da preservao dopatrimnio cultural no se traduz apenas em fomento a atividades econmicas; leva em conta,sobretudo, a melhoria da qualidade de vida nas cidades e nas comunidades.

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    2 . O I N S T I T U T O D O PA T R I M N I OH I S T R I C O E A R T S T I C O N A C I O N A L H O J E

    Est em curso no pas um novo entendimento do papel e do alcance da poltica de preservao do patrimniocultural. A preservao e o incentivo fruio do patrimnio cultural passam a ser entendidos como aesindissociveis, que devem ser pensadas conjuntamente, sendo uma a garantia da outra. Estimular as diversaspossibilidades de vivncia e usufruto do patrimnio cultural pela populao tarefa hoje vista como atributoessencial de qualquer proposta de preservao.

    O conceito de patrimnio cultural, as novas linhas de atuao que originou e o estabelecimento de diretrizesque procuram potencializar o efeito das aes de preservao esto desenhando um perfil diferente para oInstituto Nacional do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. H um claro esforo de aproximao com aadministrao municipal e com os rgos estaduais de preservao, buscando somar ideias, recursos e capacidadede gesto em prol de resultados mais expressivos e de longa durao. H tambm uma indita aproximao com

    as comunidades, entendidas como atores fundamentais para o sucesso de qualquer ao de preservao.Aps 70 anos de atuao, o Iphan vem deixando para trs a imagem de rgo responsvel por dizer o que nopode ser feito. Tem demonstrado, por meio de uma srie de novos instrumentos de ao e do dilogo, que apoltica de preservao pode e deve atuar na identificao e na realizao das oportunidades que a presenado patrimnio capaz de oferecer para as comunidades e para o pas no sentido da valorizao da cultura, dodesenvolvimento social e da melhoria da qualidade de vida.

    Com essa mudana na postura da instituio, seu trabalho comea a ser mais compreendido, valorizado erequisitado, tanto por gestores pblicos como por diferentes comunidades.

    2 . 1 . A t r i b u i e s

    O conceito de patrimnio cultural e o sentido mais amplo que hoje se confere ao conceito de preservaoalargaram muito o campo de ao dos rgos de preservao de modo geral.

    As atribuies do Iphan esto estabelecidas em um conjunto de instrumentos legais que nos ltimos anosrecebeu vrios acrscimos relativos s novas reas de atuao, como o patrimnio imaterial e a paisagemcultural. Esse conjunto vem sendo revisto e atualizado para se adequar aos novos tempos vividos pela polticade preservao.

    Arte sacra do acervo do Museu das Misses, So Miguel das Misses (RS). Foto: Eneida Serrano/Arquivo Superintendncia do Rio

    Grande do Sul.

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    P R I N C I P A I S AT O S R E G U L AT R I O S D O S E T O R

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    p

    j

    Decreto-Lei n.25/1937 Estabelece a proteo do patrimnio histrico e artstico nacional; o decreto queregula o tombamento.

    Lei 3.924/61 Dispe sobre o patrimnio arqueolgico.Lei 4.845/65 Probe a sada de obras de arte e ofcios produzidos no pas at o fim do perodo monrquico.

    Lei 6.292/75 Dispe sobre o tombamento de bens no Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.

    Decreto 80.978/77 Promulga no pas a Conveno de Paris (1972) sobre o patrimnio mundial.

    Portaria 10 do SPHAN, 10/09/1986 Regulamenta procedimentos e intervenes relativos a bens tombados.

    Constituio Federal de 1988: artigos 20, 30, 215 e 216.

    Cdigo Penal Brasileiro: artigos 165 e 166 Define o crime contra o patrimnio.

    Portaria Interministerial 69, 23/01/1989 Aprova normas sobre a pesquisa, explorao, remoo e demoliode bens de valor artstico, de interesse histrico ou arqueolgico, afundados, submersos, encalhados ou perdidosem guas sob jurisdio nacional, em terrenos marginais.

    Lei 8.029/90 Recria o rgo nacional de preservao, sob a denominao IBPC.Lei 8.313/91 Restabelece o princpio da Lei n 7.505, de 02 de julho de 1986, institui o Programa Nacionalde Apoio Cultura (Pronac) e d outras providncias.

    Portaria 262, 14/08/1992 Veda a sada do pas de obras de arte e bens tombados sem a prvia autorizao do IBPC.

    Decreto 3.551/2000 Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imateriale o Programa Nacional dePatrimnio Imaterial.

    Portaria 28, 31/01/2003 Resolve que os empreendimentos hidreltricos devem prever a execuo de projetosde levantamento, prospeco, resgate e salvamento arqueolgico.

    Portaria 299, 6/07/2004 Dispe sobre a necessidade de fomentar a gesto compartilhada dos stios histricosurbanos tombados.

    Decreto-Lei 5.264/2004 Institui o Sistema Brasileiro de Museus.

    Decreto 5.753/2006 Promulga a Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, celebradapela Unesco em 2003.

    Resoluo n.001/2006, do Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural Regulamenta a instaurao, instruoe tramitao dos processos de registro de bens culturais imateriais.

    Instruo Normativa 01, 11/06/2007 Dispe sobre a forma de insero no Cadastro Especial dos Negociantesde Antiguidades, de Obras de Arte de qualquer natureza.

    Lei 11.906/2009 Cria o Instituto Brasileiro de Museus.

    Portaria 127, 30/04/2009 Regulamenta o conceito de Paisagem Cultural.

    Decreto 6844/09 Dispe sobre as competncias e organizao do Iphan.

    Resoluo n.001/2009, do Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural Regulamenta e estabelece critrios para

    o envio de candidaturas de bens culturais s Listas da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio CulturalImaterial.

    Instruo Normativa n.001/2009 Regulamenta a cesso e o uso da metodologia do Inventrio Nacional deReferncias Culturais.

    Portaria 187, 11/06/2010 Dispe sobre os procedimentos para a apurao de infraes administrativas porcondutas e atividades lesivas ao patrimnio cultural edificado, a imposio de sanes, os meios de defesa, osistema recursal e a forma de cobrana dos dbitos decorrentes das infraes.

    Decreto 7.387/2010 Institui o Inventrio Nacional da Diversidade Lingustica e d outras providncias.

    A legislao pertinente ao patrimnio cultural pode ser consultada em www.iphan.gov.br/bibliotecavirtual.

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    O patrimnio cultural o setor mais regulamentado da cultura, o que tem maiores responsabilidades legaisa exercer e o nico com poder de polcia, ou seja, com obrigao de acionar judicialmente pessoas, empresasou instituies que ameacem a integridade dos bens culturais do pas, assim como de intervir em bens queestejam correndo risco, mesmo que sejam de propriedade privada.

    Em razo dessa responsabilidade e da ampliao de suas atribuies, o Iphan ainda requer uma estrutura mais

    adequada de funcionamento, sobretudo no que diz respeito ao aumento de seu quadro de tcnicos, para quepossa atender de forma mais gil a uma demanda crescente de aes em todo o pas.

    O I P H A N T E M C O M O A T R I B U I E S :

    Elaborar e implantar a poltica nacional de patrimnio cultural, buscando a ao articulada entre osentes pblicos e a participao da sociedade civil.

    Identificar e documentar o patrimnio cultural brasileiro.

    Reconhecer, valorizar e proteger o patrimnio cultural atravs do cadastro, tombamento, registro ouchancela.

    Instruir os processos de tombamento, registro e chancela.

    Conservar, fiscalizar e proteger os bens tombados.

    Estabelecer normas de proteo, conservao e interveno em bens culturais.

    Promover a salvaguarda do patrimnio imaterial atravs de aes que estimulem a continuidade dessasmanifestaes culturais.

    Promover a formao de tcnicos e de mo de obra especializada para a preservao do patrimnio cultural.

    Promover e divulgar o patrimnio cultural.

    Estimular a fruio, a vivncia e o uso do patrimnio cultural pela sociedade.

    Facilitar e estimular o acesso aos acervos arquivsticos, bibliogrficos e museolgicos relativos aopatrimnio cultural.

    Analisar, aprovar e acompanhar qualquer projeto de interveno em bens tombados.

    Acompanhar e participar da formulao e implantao de planos de salvaguarda de bens registrados.

    Emitir parecer tcnico sobre todos os projetos relativos ao patrimnio cultural apresentados aoPrograma Nacional de Apoio Cultura (Lei de Incentivo Cultura e Fundo Nacional de Cultura).

    Adotar medidas legais em caso de furto ou dano de bens tombados.

    Autorizar a sada de bens culturais no pas, bem como sua comercializao.

    Fornecer suporte tcnico preparao dos processos de candidatura de bens culturais brasileiros aPatrimnio Mundial e s Listas da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial.

    Emitir laudos tcnicos relativos ao patrimnio cultural solicitados por instncias de governo ou pelojudicirio.

    Analisar projetos de pesquisa, de interveno ou de salvamento relativos a stios e bens arqueolgicos.

    Elaborar relatrios de impacto:

    de empreendimentos capazes de afetar o patrimnio cultural;

    de empreendimentos em reas de proteo e entorno de bens tombados.

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    O patrimnio cultural brasileiro abrange edificaes (isoladas ou em conjuntos), cidades, stios e coleesarqueolgicos, objetos e elementos integrados a edificaes, acervos de museus, colees de arte, acervosarquivsticos e bibliogrficos, paisagens, saberes e ofcios tradicionais, formas de expresso, celebraes, lugaresque abrigam prticas culturais coletivas. O quadro a seguir apresenta os nmeros do patrimnio sob a proteodo Iphan.

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    Arquivo Central do Iphan no Rio de Janeiro. Foto: Arquivo Iphan.

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    B E N S C U L T U R A I S S O B A P R O T E O D O I P H A N ( 2 0 1 0 )

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    9. Bens mveis integrados so objetos e elementos artsticos integrados arquitetura, como retbulos, altares, forros pintados, painis de azulejos, peas entalhadas, etc.10. Existem conjuntos urbanos com poucos imveis, outros com algumas dezenas e alguns com milhares de bens. Os maiores so: Salvador, So Lus, Ouro Preto, Olinda,Diamantina, Penedo e Cachoeira, com cerca de 2 mil imveis compondo as reas tombadas. Paraty, Gois, Tiradentes, Parnaba, Laguna, So Cristvo, Corumb eMarechal Deodoro aproximam-se dos mil imveis. A maioria das cidades inclui em mdia 300 a 400 imveis.

    11. Chafarizes, audes, pontes, aquedutos, bebedouros, ptios ferrovirios.12. A responsabilidade pela proteo das paisagens naturais compartilhada entre Iphan e Ibama.

    TIPO ESPECIFICAO QUANTIDADE

    OBJETOS E

    DOCUMENTOS

    DOCUMENTOS TEXTUAIS 3.400 metros lineares

    FOTOGRAFIAS 711 mil

    MAPAS E PLANTAS 195 mil

    LIVROS E DOCUMENTOS BIBLIOGRFICOS 834 mil

    OBJETOS PERTENCENTES A MUSEUS 250 mil

    BENS MVEIS EINTEGRADOS9

    OBJETOS E BENS INTEGRADOS TOMBADOSISOLADAMENTE

    47

    OBJETOS EM BENS TOMBADOS 370 mil

    COLEES DE ARTE E ACERVOS DE MUSEUS

    17

    BENS IMVEIS

    CONJUNTOS URBANOS (CENTROSHISTRICOS)

    96 (incluem cerca de 60 milimveis)10

    CONJUNTOS RURAIS 1

    EDIFICAES 882

    EQUIPAMENTOS URBANOS EINFRAESTRUTURA11 19

    JARDINS E PARQUES HISTRICOS 10

    RUNAS 18

    BENSARQUEOLGICOS

    STIOS ARQUEOLGICOS 5

    COLEES E ACERVOS ARQUEOLGICOS 7

    BENS PALEONTOLGICOS 1

    STIOS ARQUEOLGICOS CADASTRADOS 19.790

    PATRIMNIONAVAL

    EMBARCAES 4

    ACERVO MUSEOLGICO 1

    BENS IMATERIAISSABERES 8

    FORMAS DE EXPRESSO 8

    CELEBRAES 4

    LUGARES 2

    PAISAGENS PAISAGENS NATURAIS12 17

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    BENS INCLUDOSNA LISTA DOPATRIMNIOMUNDIAL DA

    UNESCO

    Cidade Histrica de Ouro Preto, MG (1980); Cidade Histricade Olinda, PE (1982); Misses Jesuticas dos Guarani: Runas deSo Miguel das Misses, RS (1984); Centro Histrico deSalvador, BA (1985); Santurio de Bom Jesus do Matosinhos,Congonhas do Campo, MG (1985); Parque Nacional de Iguau,Foz do Iguau, PR (1986); Plano Piloto de Braslia, DF (1987);Parque Nacional Serra da Capivara, So Raimundo Nonato, PI(1991); Centro Histrico de So Lus, MA (1997); CentroHistrico da Cidade de Diamantina, MG (1999); Mata Atlntica:reservas do Sudeste, SP/PR (1999); Costa do Descobrimento:reserva da Mata Atlntica, BA/ES (1999); Parque Nacional do

    Ja, AM (2000); rea de Conservao do Pantanal, MS/MT(2000); Centro Histrico da Cidade de Gois, GO (2001); reade Conservao do Cerrado: parques nacionais da Chapada dosVeadeiros e das Emas, GO (2001); Ilhas Atlnticas: reservas deFernando de Noronha, PE, e Atol das Rocas, RN (2001); Praade So Francisco, So Cristvo, SE (2010)

    20

    BENS INCLUDOSNA LISTA DOPATRIMNIO

    CULTURALIMATERIAL DAHUMANIDADE

    Expresses orais e grficas dos Wajpi, AP (2008);Samba de Roda do Recncavo Baiano, BA (2008)

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    Bens mveis integrados da Igreja do Conjunto do Carmo em Cachoeira (BA). Foto: Paula Porta.

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    A ampliao dos instrumentos de preservao promovida nos ltimos anos vem permitindo conhecer, valorizare preservar um universo muito mais extenso de bens culturais. Porm, a ampliao da significncia dopatrimnio cultural no pas, buscada pelo Iphan, depende da presena efetiva das instituies de preservaoem todas as regies. Somente em 2009, o Iphan conseguiu estabelecer estruturas permanentes em todos osestados, mas ainda no logrou implantar pontos de referncia e atendimento populao em todas as cidadeshistricas tombadas.

    Essa presena institucional fundamental e precisa ser potencializada quanto a recursos humanos e materiais,no apenas com maior investimento federal, mas tambm por meio de parcerias com rgos estaduais,prefeituras e organizaes sociais que ampliem a capacidade de ao em territrios extensos, nos quais o

    patrimnio cultural muitas vezes est bastante disperso.O esforo empreendido na construo de atuaes conjuntas comea a ultrapassar aes pontuais e a se dirigira projetos de mdio prazo e a aes de carter permanente. Como exemplos de sucesso podem ser citados asaes-piloto, em Santa Catarina, do programaRoteiros Nacionais de Imigrao, que foi capaz de articular umexpressivo rol de parceiros pblicos e privados13, o Plano de Salvaguarda do Frevo, acelerado pela participaoativa da prefeitura do Recife, e os primeiros passos para a construo dos Planos de Ao das CidadesHistricas.

    2 . 2 . A s n o v a s r e a s d e a t u a o

    A ampliao das reas de atuao do Iphan trouxe instituio uma aproximao com as comunidades e umavisibilidade social extremamente relevantes para a poltica de preservao.

    Alm do significado social, as novas reas abrangidas pelo Iphan o patrimnio imaterial e a paisagem cultural vm produzindo, como destacou Antonio Arantes, mudanas radicais na geopoltica do patrimnio,trazendo ordem do dia regies mais tardiamente incorporadas vida cultural do pas como um todo, ou seja,

    31

    Sambaquis de Jaguaruna (SC), stio arqueolgico tombado. Foto: Arquivo Superintendncia de Santa Catarina. Aspectos da culturae do modo de vida registrados no INRC de Xapuri. Foto: Dhrcules Pinheiro/Arquivo Superintendncia do Acre.

    13. O programa envolve o governo do estado de Santa Catarina, o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, o Sebrae e 15 prefeituras (Apina, Ascurra, Benedito Novo,Blumenau, Doutor Pedrinho, Guabiruba, Indaial, Itaipolis, Jaragu do Sul, Joinville, Nova Veneza, Orleans, Pomerode, Rio dos Cedros, Rio do Sul, Rodeio, So Bentodo Sul, Timb, Urussanga e Vidal Ramos). Tambm conta com a adeso dos micro e pequenos empresrios da regio.

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    o Norte e o Centro-Oeste, assim como os territrios localizados nos interstcios das reas que apresentamconcentraes patrimoniais j consagradas14. So elementos fundamentais para a ampliao da visibilidadee do significado atribudo ao patrimnio cultural no pas.

    A poltica de patrimnio imaterial gerou uma indita democratizao no campo da preservao do patrimniocultural, fundamental para sua expanso e para a ampliao de seu significado social. A criao do primeiro

    instrumento voltado preservao das paisagens culturais, por sua vez, associa, de forma tambm indita,preservao do patrimnio cultural e preservao ambiental.

    As duas novas reas da poltica de preservao desempenham o papel fundamental de consolidar a valorizaoda caracterstica mais marcante do pas: sua diversidade cultural e paisagstica.

    Ao incorporar o patrimnio cultural imaterial e a paisagem cultural, criando marcos regulatrios einstrumentos de ao, estabelecendo o dilogo com comunidades envolvidas e alcanando rapidamente osprimeiros resultados, o Iphan evidenciou sua capacidade de se atualizar, de operar como agente demodernizao na discusso sobre o desenvolvimento das cidades e do pas. Dessa forma, voltou a se posicionarcomo protagonista no cenrio internacional.

    A experincia do Brasil na preservao do patrimnio imaterial tornou-se uma das referncias internacionaisnesse campo e alvo de demandas de cooperao tcnica por vrios pases. Da mesma forma, o incio da polticade preservao de paisagens culturais desperta expectativas e observado como fator de fortalecimento econsolidao desse campo no mbito internacional.

    2 . 2 . 1 . PAT R I M N I O I M AT E R I A L

    A valorizao e a documentao da cultura popular estavam previstas no projeto de criao do Iphanapresentado por Mrio de Andrade em 1936. No entanto, no foram incorporadas na implantao do rgo,tendo prevalecido uma viso mais restrita do conceito de patrimnio.

    A preocupao de Mrio de Andrade vinha de sua experincia frente do Departamento de Cultura de SoPaulo, pioneiro nessa prtica e inspirador do trabalho da Comisso Nacional de Folclore, estabelecida em 1947.Essa entidade deu origem Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (1958), depois Instituto Nacional deFolclore (1976) e, a partir de 1997, Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Foram essas instituiesque se encarregaram, no mbito federal, de aes de documentao e valorizao da cultura popular.

    A necessidade de incorporar as distintas expresses da cultura popular poltica de preservao do patrimniovoltou discusso somente em meados da dcada de 1970, mas os estudos ento realizados no seconsolidaram como prtica regular e no tiveram desdobramentos institucionais.

    A Constituio de 1988 trouxe o tema novamente tona, incluindo as formas de expresso, os saberes, osmodos de criar, fazer e viver entre os bens que constituem o patrimnio cultural do pas e devem ser alvo da

    poltica de preservao. As dificuldades enfrentadas pela poltica cultural ao longo da dcada de 1990, comoj foi apontado, retardaram as atualizaes previstas no texto constitucional.

    As primeiras discusses sobre a forma de incorporar o patrimnio imaterial s prticas da poltica depreservao tiveram incio em 1997, quase simultaneamente ao debate do tema no mbito da Unesco15.

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    14. Iphan: Relatrio de atividades, 2003-2004. p.11.

    15. A criao de instrumento internacional para a valorizao das culturas que no estavam contempladas na Conveno do Patrimnio Mundial (1972), focada naantiguidade e materialidade dos bens culturais, foi uma demanda elaborada pelos representantes da Amrica Latina, sia e frica, insatisfeitos com uma abordagem queprivilegiava as caractersticas do patrimnio presente sobretudo na Europa, sem espao para a proteo do patrimnio de comunidades tradicionais e da cultura popular,fundado principalmente em expresses, conhecimentos e tcnicas muitas vezes transmitidas oralmente e no registrados em elementos materiais. Essa demanda, lideradapela Bolvia, foi atendida de fato somente em 2003, com a aprovao da Conveno Internacional para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial. Para um histricoda proteo ao patrimnio imaterial e, verO Registro do Patrimnio Imaterial. Braslia: Iphan, 2006.

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    Ritual Yaokwa dos Enawenwe Nawe, em Juna (MT), registrado em 2010. Foto: Arquivo Superintendncia do Mato Grosso.

    Tambor de Crioula, celebrao do registro nas ruas de So Lus (MA), em 2007. Foto: Tadeu Gonalves/Arquivo do Iphan.

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    Foram necessrios cinco anos para que as discusses se traduzissem em aes. Em agosto de 2000 criou-se oprimeiro instrumento de ao: oRegistro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Seu uso foi inaugurado em2002, com o reconhecimento do Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras, no Esprito Santo.

    As aes de identificao, documentao, promoo e salvaguarda das expresses da cultura popular ganharamespao institucional e recursos para se consolidar como poltica de preservao somente em 2004, com a

    transferncia doPrograma Nacional de Patrimnio Imaterial(PNPI) do MinC para o Iphan e o estabelecimentodo Departamento de Patrimnio Imaterial (DPI). A incorporao ao Iphan do Centro Nacional de Folcloree Cultura Popular, antes vinculado Funarte, reforou o novo departamento, que ganhou flego com aexperincia acumulada por essa instituio e ampliou sua capacidade de ao.

    Com o projeto Celebraes e Saberes da Cultura Popular, o Centro foi responsvel pelos primeiros inventriosque deram suporte formulao dos instrumentos de ao e do PNPI e continuou com papel de destaquetanto na coordenao de inventrios quanto na implantao de planos de salvaguarda, em apoio ao DPI.

    O Departamento de Patrimnio Imaterial conta com a Cmara do Patrimnio Imaterial como instncia deapoio conceitual e tcnico. Vinculada ao Conselho do Patrimnio Cultural, a Cmara colabora na avaliaoda pertinncia das solicitaes de registro, na identificao de instituies capacitadas para apoiar a instruo

    dos processos e na formulao de critrios de avaliao dos bens registrados e de abertura de novos livros deregistro.

    OPrograma Nacional de Patrimnio Imaterialtem como orientao a abordagem das expresses culturais nocontexto social e territorial em que se desenvolvem. Isso requer a ateno com as condies sociais, materiaise ambientais que permitem sua realizao e reproduo. Diversamente do modelo asitico, inspirador dapoltica adotada por alguns estados brasileiros, a poltica federal de salvaguarda no centrada na figura dosmestres e sim nas comunidades e no territrio em que atuam.

    A abordagem das expresses culturais em seu contexto exige que as aes de preservao do patrimniocultural estendam-se a questes educacionais, ambientais, sociais e econmicas que atingem as comunidades,buscando articulao com polticas pblicas de outras reas de governo.

    Tambm ponto estruturante dessa poltica o reconhecimento de que a atribuio de valor patrimonial a umadeterminada expresso cultural no cabe apenas a especialistas. As comunidades tm um papel fundamentalna indicao das expresses que traduzem sua identidade, que constituem suas referncias e que por issodevem ser valorizadas e preservadas.

    s comunidades tambm cabe um papel ativo na produo de conhecimento e na documentao dasexpresses culturais que praticam. A capacitao de grupos e indivduos nas metodologias de documentao parte fundamental dos planos de salvaguarda.

    A pesquisa realizada para dar suporte criao dos instrumentos de salvaguarda indicou o seguinte diagnstico:

    Os principais problemas que interferem na continuidade e na manuteno das expresses

    da cultura tradicional so o turismo predatrio, sua apropriao inadequada pela mdia,a uniformizao de produtos decorrente do processo de globalizao da economia, aapropriao industrial dos conhecimentos tradicionais e a comercializao inadequada.Esta prejudicial quando ocorre por meio da produo em srie de cpias de objetostradicionais; da introduo de materiais no apropriados ou formas inadequadas comvistas ao lucro rpido; da apropriao gratuita de padres originais ou princpiostecnolgicos tradicionais. Diante do valor econmico desses bens, necessrio que cada

    pas crie disposies legais que lhes garantam melhor proteo16.

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    16. Mrcia SantAnna. Relatrio Final das Atividades da Comisso e do Grupo de Trabalho Patrimnio Imaterial. In:O Registro do Patrimnio Imaterial. Braslia: Iphan,2006. p.18.

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    De acordo com esse diagnstico, a defesa dos direitos de imagem e depropriedade intelectual coletiva e o apoio manuteno das formastradicionais de produo e reproduo da cultura popular esto entre osdesafios a serem enfrentados na preservao do patrimnio imaterial. Valedestacar que a preservao no significa o congelamento das expressesculturais em oposio a qualquer transformao ou atualizao, mas garantira permanncia das caractersticas essenciais que as distinguem e identificam.

    Os instrumentos legais para a defesa de direitos coletivos e relativos aconhecimentos tradicionais ainda so imprecisos e a discusso est em cursono pas. O Iphan tem avaliado algumas alternativas de proteo, como autilizao da indicao de origem geogrfica para determinados bensregistrados.

    Quanto ao apoio s formas tradicionais de produo, uma das principais aesdo Iphan foi a implantao, em 2008, doPrograma de Promoo do ArtesanatoTradicional (Promoart), examinado mais adiante.

    OPrograma Nacional de Patrimnio Imaterialatua atravs de editais de seleopblica de projetos apresentados por rgos pblicos e organizaes sociaissem fins lucrativos que tenham como objetivo:

    1. pesquisa e documentao com difuso de resultados;

    2. melhoria das condies de transmisso, produo e reproduo debens culturais imateriais;

    3. tratamento e disponibilizao ao pblico de acervos bibliogrficos,audiovisuais, sonoros e outros, relativos a bens culturais de naturezaimaterial;

    4. estmulo transmisso de conhecimentos de detentores e/ou produtores de bens culturais de naturezaimaterial para as novas geraes;

    5. estmulo organizao comunitria e gerencial de produtores e/ou detentores de bens culturais decarter imaterial;

    6. estmulo formao de pesquisadores e agentes de preservao no seio das comunidades onde sedesenvolvero os projetos;

    7. realizao de inventrios piloto para o Inventrio Nacional da Diversidade Lingustica.

    Os editais anuais do PNPI, lanados a partir de 2005, j apoiaram 52projetos, originrios de 23 estados, somando um investimento deR$4.171.000,0017. Vale destacar que os editais tm contado com umaparticipao expressiva de projetos da regio Centro-Oeste, bem maissignificativa que nos demais instrumentos relacionados ao patrimnioimaterial.

    O Programa Nacional de Apoio Cultura (Pronac), atravs do FundoNacional de Cultura e do Mecenato, tambm tem sido um instrumentoimportante para a viabilizao de aes no campo do patrimnio imaterial.Empresas como a Caixa Econmica Federal e a Petrobras criaram editaisprprios de apoio a projetos de patrimnio imaterial utilizando o Pronac.

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    Baiana de Acaraj em Salvador (BA), saberregistrado em 2004. Foto: Francisco Moreirada Costa/Arquivo CNFCP.

    17. Para a lista de projetos contemplados nos editais do PNPI, ver Captulo 7.

    E D I T A I S D O P N P I : P R O J E T O SA P O I A D OS P O R R E G I O , 2 0 0 5 - 2 0 1 0

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    O esforo de construir aes conjuntas com prefeituras e governos estaduais tambm tem surtido resultados,principalmente na acelerao dos processos de registro e na implantao dos planos de salvaguarda, mastambm nas aes de promoo do artesanato tradicional. O compartilhamento de conceitos e metodologias,a oferta de capacitao de gestores e a difuso de material didtico fazem parte desse esforo.

    Para ampliar o alcance da poltica de preservao do patrimnio imaterial, o Iphan investiu, a partir de 2008,

    no projeto Balaio do Patrimnio Cultural, voltado capacitao de seus tcnicos, de gestores pblicosmunicipais e estaduais e de agentes comunitrios. Foram realizados encontros em todas as regies do pas edistribudas publicaes de referncia.

    Ao longo da dcada em foco, a preservao do patrimnio imaterial foi implantada e consolidada comopoltica, conquistou parceiros e alcanou indito reconhecimento social. Hoje, aes de preservao nessecampo esto em andamento em todos os estados por meio das superintendncias do Iphan, de parceirosgovernamentais e da sociedade.

    O maior desafio que se projeta daqui para frente diz respeito s maneiras de associar de forma maiscontundente preservao do patrimnio imaterial e preservao do patrimnio material, para que se reforcemmutuamente e possam ser elementos efetivos de qualificao do desenvolvimento das cidades. Outro grande

    desafio o aprofundamento da articulao da poltica de preservao com as polticas pblicas das reas deEducao, Meio Ambiente, Desenvolvimento Social, Cincia e Tecnologia e Turismo.

    2 . 2 . 2 . PA I S A G E M C U LT U R A L

    O conceito de paisagem cultural diz respeito a lugares geograficamente circunscritos onde o patrimniocultural guarda uma relao singular com a natureza e as condies do meio, moldado por essa relao e deladepende a sua permanncia.

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    Rio de Janeiro: bens materiais, bens imateriais e paisagem natural, indissociveis. Foto: Arquivo Iphan.

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    A criao de instrumentos de proteo e gesto das paisagens culturais pelo Iphan, efetivada em 2009, estligada preocupao com a forte expanso das cidades e de grandes obras de infraestrutura, que temprejudicado modos tradicionais de vida e de interao com o meio ambiente, colocando em risco o patrimniocultural presente nesses contextos.

    As paisagens culturais so situaes em que bens materiais, bens imateriais e contexto natural so praticamente

    indissociveis e sua preservao deve necessariamente envolver essas trs dimenses. Exige, portanto, umesforo de leitura global do contexto e de coordenao entre os instrumentos de preservao e os instrumentosda poltica pblica relacionados ao meio ambiente, agricultura, ao desenvolvimento social, ao trabalho e aodesenvolvimento das economias locais.

    O desenvolvimento de um instrumento especfico de preservao das paisagens culturais ainda depende daconcluso e aprovao dos primeiros processos. Esse instrumento dever ter o formato de plano de gesto, que,tal como nos planos de salvaguarda do patrimnio imaterial, precisa estar fundado na participao e nocompromisso da comunidade, dos gestores pblicos e dos empreendedores presentes no contexto.

    Como linhas inaugurais para a implantao da poltica de preservao das paisagens culturais, foram escolhidoso universo da imigrao e o universo das embarcaes tradicionais, envolvendo a pesca e o transporte, por

    constiturem contextos complexos e extremamente ricos em patrimnio cultural e natural. Alm dessas linhas, estem curso o processo relativo Paisagem Cultural do Rio de Janeiro, pioneiro por se referir a um contexto urbano.

    P R O J E T O R O T E I R O S N A C I O N A I S D E I M I G R A O

    O projetoRoteiros Nacionais de Imigraoprecedeu a criao da chancela de paisagem cultural. Foi a partirdos estudos para sua implantao que se verificou na prtica a necessidade de construo de instrumentos maisadequados para a preservao de determinados contextos culturais fortemente vinculados s condies dapaisagem natural. O projeto foi oficialmente lanado em 2007, com a consolidao da experincia realizadano vale do Itaja, em Santa Catarina.

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    Propriedade rural em Blumenau (SC). Foto: Sergio Vignes/Arquivo Iphan.

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    Tendo como objetivo a preservao do patrimnio cultural e paisagstico relacionado s pequenas propriedadesagrcolas estabelecidas por imigrantes, o projeto procura incentivar a permanncia dos produtores rurais emsuas propriedades e a continuidade de suas atividades. Para isso, o Iphan buscou a parceria dos programasfederais e estaduais de estmulo agricultura familiar, gerao de renda e ao turismo rural.

    Entre as aes inditas de preservao que o Iphan experimenta atravs desse projeto est o incentivo

    qualificao da insero no mercado dos produtos oriundos das pequenas propriedades (queijos, embutidos,doces, pes, etc.), destacando as caractersticas tradicionais de produo e seu lastro cultural, com vistas sustentabilidade dessas propriedades. Tal ao guarda vrias similaridades com o programa Promoart, voltadopara a promoo e a valorizao do artesanato tradicional. Outra iniciativa em curso o desenvolvimento deroteiros tursticos.

    So parceiros nas aes desenvolvidas no vale do Itaja o Ministrio do Turismo, o Ministrio doDesenvolvimento Agrrio, o governo do estado, dezesseis prefeituras e o Sebrae.

    Os prximos contextos previstos para incorporao ao Projeto Roteiros Nacionais de Imigrao so o daimigrao japonesa no vale do Ribeira, em So Paulo, o da imigrao ucraniana e polonesa no Paran e o daimigrao alem e italiana no Rio Grande do Sul.

    P R O J E T O B A R C O S D O B R A S I L

    O patrimnio naval um dos elementos de destaque da diversidade brasileira, apresentando notvel variedadede tipologias de embarcaes. Os barcos so indissociveis das paisagens e dos conhecimentos tradicionais queos originaram. comum no Brasil que cidades, estados e regies tenham seus barcos tradicionais comosmbolo, como a jangada para o Nordeste e o saveiro para a Bahia. Mas, apesar de seu significado simblico,econmico e social, o patrimnio naval inclui-se entre os setores do patrimnio cultural brasileiro que seencontram sob maior risco de desaparecimento.

    Conforme levantamentos realizados pelo Iphan, so fortes indcios dessa situao os pouqussimos saveiros

    hoje existentes na Bahia de Todos os Santos, as raras canoas de tolda no So Francisco, o fim da fabricaodas baleeiras em Santa Catarina, o desaparecimento das jangadas de pau do Cear, o uso de plstico deconstruo para confeco de velas e a ampliao da presena de barcos de alumnio de fabricao industrial.

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    A ltima Jangada de Pau de Alagoas, em Lagoa Azeda. Foto: Dalmo Vieira Filho/Acervo Iphan. Saveiro Sombra da Lua do RecncavoBaiano, tombado em 2010. Foto: Associao Viva Saveiro/Arquivo Iphan.

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    O desaparecimento de embarcaes tradicionais no representa apenas uma perda simblica, mas a perda deconhecimentos tradicionais de tecnologia nutica e pesqueira, o impacto ambiental gerado pelo uso de motores

    a diesel e gasolina em lugares que apresentam ecossistema frgil e um enorme impacto social em comunidadesque se estabeleceram em torno da construo nutica e da pesca artesanal. Essas atividades, alm da gerao derenda, deram origem a saberes, festas, culinria e diversas expresses culturais que constituem sua identidade.

    O projetoBarcos do Brasil, utilizando os instrumentos de preservao do patrimnio material e imaterial,tem como objetivo valorizar o patrimnio naval por meio da documentao, divulgao, recuperao econservao de embarcaes tradicionais, do apoio construo de embarcaes, do apoio a mestres epescadores e da promoo do uso sustentvel de matrias-primas e das atividades pesqueiras.

    A criao de um Centro de Referncia do Patrimnio Naval e de unidades regionais do Museu Nacional do Mar,sediado em So Francisco do Sul (SC)18, est prevista no projeto, visando valorizar e divulgar o patrimnio navale as tcnicas tradicionais de construo, alm de disseminar aes de conservao. Tambm deve atuar no

    diagnstico socioeconmico e cultural dos principais ncleos de ocorrncia de construo naval tradicional.

    Por meio de parcerias com governos estaduais e prefeituras, o projeto est desenvolvendo suas primeiras aesem Elesbo (AP), So Lus (MA), delta do Parnaba (PI), Camocim (CE), Pitimbu (PB), Itapissuma (PE),Marechal Deodoro (AL), Indiaroba (SE), So Cristvo (SE), Valena (BA), Camamu (BA), Ilhus (BA),Itacar (BA), Itaparica (BA), Maragogipe (BA), Arraial do Cabo (RJ), Florianpolis (SC) e Laguna (SC).

    So parceiros do projeto o Ministrio de Cincias e Tecnologia, o Ministrio do Turismo, o Ministrio daPesca, o Ibama e a Secretaria de Portos. O navegador Amir Klink o seu patrono.

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    No alto: Canoa de Prancho em Rio Grande, embarcao tradicional. Foto: Acervo Museu Nutico. Museu Nacional do Mar em SoFrancisco do Sul (SC). Foto: Acervo Museu Nacional do Mar. Acima: Construo de embarcao em Elesbo (AP). Foto: ArquivoSuperintendncia do Amap. Canoa de Tolda Luzitnia do rio So Francisco, tombada em 2010. Foto: Sociedade Canoa de Tolda.

    18. O Museu foi revitalizado em 2004 e hoje recebe mais de 60 mil visitantes por ano. As novas unidades sero instaladas em Maragogipe (BA) e Parnaba (PI).

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    Antiga Estao de Amarpolis, hoje Vila de Santo Amaro, em Venncio Aires (RS), transformada em restaurante. Foto: Arquivo

    Superintendncia do Rio Grande do Sul.

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    2 . 3 . L i n h a s d e a o

    Na dcada em anlise foram criados diversos instrumentos de preservao e reformulou-se a maioria dos jexistentes, numa intensa atividade de atualizao, ainda em curso.

    Embora o tombamento e o registro continuem a ser entendidos como instrumentos fundamentais, hoje apoltica de preservao conta com uma gama variada de instrumentos que visam responder diversidade eextenso do patrimnio a conhecer e proteger no pas e inserir esse patrimnio, de forma mais consistente,na pauta das polticas de desenvolvimento.

    Outro aspecto a ser destacado o estmulo que o Iphan passou a oferecer a rgos estaduais, municipais ouorganizaes sociais, para que executem aes com seu apoio tcnico e/ou financeiro. A descentralizao daexecuo das aes vem sendo incentivada e testada atravs de convnios e tambm de editais de chamamentode projetos com objetivos especficos, utilizados em diversos setores com bons resultados.

    A Poltica Nacional de Patrimnio Cultural hoje se organiza em sete linhas de ao:

    1. Identificao, documentao e pesquisa.2. Proteo e reconhecimento.

    3. Preservao.

    4. Difuso de conhecimento e promoo.

    5. Educao patrimonial.

    6. Formao e capacitao.

    7. Fomento a atividades econmicas vinculadas ao patrimnio cultural.

    Segue uma breve exposio sobre essas linhas de ao e seus instrumentos de execuo.

    2 . 3 . 1 . I D E N T I F I C A O , D O C U M E N T A O E P E S Q U I S A

    O Iphan vem construindo uma mudana de paradigma no que se refere documentao do patrimniocultural. Essa mudana manifesta-se tanto no statusconferido documentao no conjunto das aes depreservao, quanto na sua relao com a gesto.

    Durante dcadas a documentao foi entendida apenas como o primeiro passo no processo de preservao,que se efetivaria com o tombamento de um determinado bem. Hoje h consenso quanto ideia de que adocumentao , em si, uma ao de preservao. Ela pode ou no ser seguida de outras aes, de acordo com

    a natureza e situao do bem cultural em foco.A documentao uma ao de preservao, mas tambm um instrumento de gesto requerido por outrostipos de ao. A energia institucional a ser despendida na atividade de documentao deve se adequar aoque a requer, para que se ganhe eficincia na gesto da poltica de preservao.

    A adequao do grau de aprofundamento da documentao finalidade da ao que se quer empreender outro ponto relevante da mudana de paradigma nessa linha de ao. Quando a documentao constitui emsi uma ao de preservao, ela pode ter profundidade diferente daquela requerida quando parte de umprocesso de tombamento ou quando produzida para um cadastro ou como suporte para a formulao deum projeto.

    PolticadePreservaodoPatrimnioCulturalnoBrasil

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    Num pas em que h um vasto universo de bens culturais a conhecer e divulgar, importante que adocumentao do patrimnio comece a ser entendida como uma prioridade, pois, de todas as linhas de aoda Poltica Nacional de Preservao, a nica que pode ser realmente abrangente e ilimitada.

    Entender a documentao e a produo de conhecimento sobre o patrimnio cultural como uma prioridade nosignifica atribuir essa competncia estritamente aos rgos de preservao. Ao contrrio, trata-se de ao que

    requer a participao de universidades, centros de pesquisa e outras organizaes afins para que se acelere, ganheescala e venha a cobrir de forma cada vez mais substancial a extenso do patrimnio cultural presente no Brasil.

    A importncia que a documentao do patrimnio cultural vem ganhando no rol das aes de preservaoaparece na diversificao de instrumentos de execuo e tambm nas iniciativas para ampliar a capacidade deao atravs de convnios com universidades e instituies de pesquisa, assim como de editais de apoio aprojetos. So aes que precisam ser reforadas e ampliadas.

    O investimento em documentao pode ser reforado com o apoio do Programa Nacional de Cultura(Pronac), por meio do Fundo Nacional de Cultura ou do mecenato (Lei Rouanet), fonte ainda poucoutilizada. A criao do Fundo Setorial de Preservao e Memria, proposta no projeto de reforma da LeiRouanet, tambm pode vir a favorecer esse segmento, mas, para um impacto mais consistente, seria necessrio

    que o benefcio do artigo 18 da Lei, que confere 100% de deduo fiscal do valor investido, se estendesse aprojetos de documentao do patrimnio cultural.

    Outro ponto importante a destacar que a documentao, enquanto ao de preservao, cumpre sua funode forma eficaz somente quando o conhecimento produzido chega ao pblico. Dar maior publicidade e acessoao conhecimento sobre o patrimnio cultural um desafio enfrentado de forma aind