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PDE – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL · Nesta mesma roda de leitura comentei sobre a obra a ser analisada, O pagador de promessas . Houve curiosidade e muitos questionamentos,

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PDE – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

LITERATURA E CINEMA NUMA PERSPECTIVA DIALÓGICA AMPLIAM AS

POSSIBILIDADES DE LEITURAS MAIS SIGNIFICATIVAS

Autora: Neuza Lourenço dos Santos

Orientadora: Professora Dra Anna Beatriz da Silveira Paula

Resumo

O presente artigo tem por objetivo relatar a experiência de elaboração e

aplicação do projeto de intervenção pedagógica realizada no Colégio Estadual

Frederico Guilherme Giese de Piên. A finalidade maior do trabalho foi

oportunizar o aluno o contato com o texto literário através de diferentes mídias

para que o mesmo estabelecesse uma relação dialógica entre a linguagem

literária e a cinematográfica. Neste, será relatado, a elaboração do projeto, e da

unidade didática, aplicação das atividades com alunos de 9º ano do ensino

fundamental e a troca de experiências com professores da rede estadual

através do GTR- Grupo de Trabalho em Rede, bem como, os resultados

obtidos e as conclusões a que se chegou.

Palavras-chave: Literatura; Cinema; Leitura.

Introdução

O professor de Língua Portuguesa enfrenta diariamente, na sala de aula,

uma situação bastante complexa em relação ao ensino de literatura e o

incentivo à leitura. São tantos estudos, teorias e discussões sobre o assunto,

que muitas vezes, ele sente-se inseguro, por considerar-se o sujeito

responsável pelo êxito no ensino aprendizagem e, apesar do seu esforço,

muitas vezes não ver no seu aluno, um leitor capaz de dialogar com textos

literários. Tal situação fica evidente até mesmo, no aluno que no ensino

fundamental demonstra interesse pela leitura, mas ao ter contato com textos

mais complexos, encontra dificuldades.

Diante do exposto surgem questionamentos, em busca de respostas de

como agir para que o aluno rompa com estas dificuldades? Quais seriam as

alternativas para tornar o ensino de literatura mais atraente. Como fazer para

que o aluno veja na leitura um princípio para o real exercício de sua cidadania.

Partindo do entendimento de que a leitura se efetiva no ato da recepção

procurou-se desenvolver atividades que contribuíssem para que o trabalho

pedagógico, em sala de aula, atendesse as diferentes realidades dos alunos.

O projeto, Cinema na escola: um novo olhar sobre o ensino de Literatura está

fundamentado no método recepcional elaborado por Bordini & Aguiar e no

dialogismo de Bakhtin. Visa oferecer mecanismos para que o aluno dialogue

com o texto, além de fazer uma agradável mediação entre a linguagem literária

e a linguagem cinematográfica a partir da análise dos livros, O pagador de

promessas de Dias Gomes e Memórias Póstumas de Brás Cubas e suas

respectivas adaptações para o cinema. Pois,

A literatura não se esgota no texto. Complementa-se no ato da leitura e o pressupõe prefigurando-o em si, através de indícios de comportamento a ser assumido pelo leitor. Esse, porém, pode submeter-se ou não a tais pistas de leitura, entrando em diálogo com o texto e fazendo-o corresponder o seu arsenal de conhecimentos e de interesses. (Bordini; Aguiar, 1993:p.86)

Este artigo se propõe também a apresentar a relação que os alunos

tiveram com a leitura de textos literários percebendo-a como uma atividade

prazerosa, mas ao mesmo tempo necessária para sua prática social.

Regina Zilberman, diz na revista Leituras que “O estudante também

pertence a uma época e a uma sociedade, que traduzida pelas obras de ficção,

podem levá-lo a tomar posição perante problemas como desigualdade

econômica, o racismo, ou a opressão”, (ZILBERMAN, 2006, p 25).

Ao entendermos que a literatura está diretamente ligada à vida social,

entendemos também que ela é um agente transformador do homem na

sociedade. Porém, depende da maneira como o leitor interpreta um texto

literário, pois a leitura se concretiza a partir do ato da recepção. Por isso, uma

prática pedagógica que oportunize o aluno a desenvolver atividades de

interação entre leitor e texto também pode despertá-lo para a percepção da

importância e da beleza que há no texto literário.

À medida que o aluno se envolver com diferentes leituras entenderá que

a literatura se produz justamente neste diálogo entre os textos, nas retomadas,

nos empréstimos e trocas. O autor, Mikhail Bakhtin, chama de dialogismo, este

tipo de discurso. Segundo ele, tal diálogo se dá a partir da noção de recepção

e compreensão de um enunciado. Tanto na escrita quanto na leitura o texto

não é visto isoladamente, mas sim, correlacionado com outros discursos

similares ou próximos.

O aprimoramento da competência lingüística do aluno acontecerá com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas de leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. (BAKHTIN,1992, p.282).

É certo, porém que para corresponder às necessidades do leitor atual é

preciso, também, lançar mão de diferentes abordagens, sobre o ensino de

literatura. O projeto, em questão firmou-se na ideia de que a linguagem

cinematográfica vista como recurso pedagógico, é um instrumento lúdico e

sedutor que desperta o interesse e favorece o debate, a intertextualidade e

amplia o horizonte de expectativas do leitor.

O audiovisual representa para a língua falada o que o livro representa para a língua escrita. A língua é, em última instância, a dimensão mais reveladora da origem do audiovisual, aquele componente tão fortemente imbricado na sua cultura de origem, que fora dela, precisa ser traduzido. (BRASIL,1998,p.28)

Ao traçar comentários para a revista Cinema, (2008 p.15) Ismail Xavier,

diz que “o cinema que educa é o que faz pensar, provoca a reflexão,

questiona”. Assim, à medida que o texto literário for visto também através das

imagens, sons e dos outros recursos próprios do cinema fortalecerá a relação

entre leitor e obra, pois as cores e os sons já fazem parte do modo de viver do

leitor contemporâneo. Segundo as Diretrizes Curriculares do estado do Paraná

( 2008, p 59 ) “O texto literário permite múltiplas interpretações, uma vez que é

na recepção que ele significa. No entanto não está aberto a qualquer

interpretação”. É possível comparar os personagens e suas ações dentro de

uma e de outra mídia, que agem como apelos ao leitor para que este agregue

ao seu ato de ler, todo seu conhecimento, suas crenças; valores e realize uma

leitura coerente e produtiva.

Filmes não são decalques ou ilustrações para “acoplarmos” aos textos escritos nem, muito menos, um recurso que utilizamos quando não podemos ou não queremos dar aula. Narrativas fílmicas falam, descrevem, formam e informam ( Rosália Duarte, 2009,p76)

O cinema incorpora diferentes formas artísticas: pintura, fotografia,

teatro, música, dança e literatura, criando a sua própria linguagem que está,

assim como qualquer outra, em constante transformação. Para Rosália Duarte,

“Narrativas fílmicas falam, descrevem, formam e informam” (DUARTE 2009,

p.76). Mas também, é espetáculo, chama a atenção, atrai e prende o leitor. A

linguagem audiovisual atua em um campo onde tempo e espaço são

fundamentais, o presente, o passado e o futuro estão sempre se modificando.

Quando se trata de uma narrativa cinematográfica, o tempo está na ação que

comanda o ritmo, assim como o verbo está nas linguagens escritas. O tempo,

neste caso, vai além das palavras ditas pelos personagens, não ocorre de

acordo com o que está sendo representado pela ação da câmara. Isso explica

porque uma história, por mais antiga que seja, quando a vemos através do

filme temos a impressão de que a estamos vendo pela primeira vez.

No livro, a “atemporalidade, ou seja, esta universalidade lhe é própria

marcada e determinada por falar de temas que não se esgotam e nunca são

datados nem remarcados” (FERNANDE 2007 p.1). O romance ainda é um

texto que impressiona diz algo além do que está na superfície, associa uma

situação a outro quadro de referência. O discurso literário possui uma riqueza

de conteúdos capaz de encantar, recontar e recriar mistérios que nos apegam

a leitura.

Identificados os motivos que levam o aluno a ter dificuldade de

compreender o texto literário, traçados os objetivos do projeto, foi necessário

criar as estratégias de ação as quais serão detalhadas, no decorrer deste

artigo. Assim, como todo o planejamento e execução da unidade didática, e a

interação entre os professores da rede através do GTR.

Sabendo que as atividades deveriam ser desenvolvidas em período

contrário ao que o aluno frequenta a escola; considerando já estarmos no

segundo semestre, o primeiro passo foi conversar com os alunos sobre o

modo como a leitura pode interferir na vida do cidadão; a importância e a

necessidade do aluno realizar atividades que favoreçam o diálogo entre leitor e

texto e o quanto este diálogo pode enriquecer o processo de aprendizagem.

Após verificação do perfil dos leitores, o projeto foi apresentado aos

alunos os quais perceberam que havia a oportunidade de participarem de algo

que lhes oferecia a possibilidade de conhecer e entender melhor a linguagem

dos textos literários, de modo mais prazeroso. Verificando todas as

possibilidades apresentadas pelo grupo é que foram traçadas metas para que

as atividades planejadas fossem realizadas dentro do tempo previsto, e de

modo que viessem a contribuir com as atividades normais de sala de aula.

Assim, ficou decidido que algumas atividades seriam realizadas envolvendo

toda a turma do 9º ano B, uma vez que houve interesse de todo o grupo, outras

seriam realizadas com o grupo em contra turno, conforme exigências do

programa PDE.

Na sala de aula, houve uma troca de idéias sobre os diferentes gêneros

textuais, mais especificamente, o teatro. A partir disso, os alunos foram

motivados a ler o fragmento de Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna,

uma peça teatral de fundo popular e religioso encenada pela primeira vez em

1955. O trecho faz parte da cena do julgamento, no qual as personagens, após

a morte, aguardam uma decisão quanto ao seu futuro. Após a leitura, os alunos

formaram equipes, debateram e apontaram as características deste tipo de

texto, diferenciando-o de outros gêneros, como a fábula e o conto. Ficou bem

evidente, entre outras coisas, que o texto apresenta ausência do narrador,

indicação dos nomes dos personagens antes de suas falas, adequação da

linguagem às personagens e ao contexto, indicação de cenário e figurino,

rubricas de movimento e de interpretação.

Após essa leitura, fiz comentários sobre a importância da tríade; ator,

texto e público. Houve exploração temática do texto, ambientação,

personagens e o dinamismo presente no diálogo capaz de criar uma tensão

crescente entre os personagens.

Em período contra turno os alunos foram à biblioteca pública, para uma

aula de leitura, onde leram outros textos, do mesmo gênero, de diversos nomes

da literatura brasileira. Numa troca de experiências, cada aluno expôs seu

ponto de vista sobre as leituras realizadas.

Nesta mesma roda de leitura comentei sobre a obra a ser analisada, O

pagador de promessas. Houve curiosidade e muitos questionamentos, como

por exemplo, qual era a temática do texto, a ambientação, se a leitura seria

rápida, o espaço onde ocorria a história e a minha opinião sobre o texto.

Poucos alunos sabiam da existência do texto ou assistiram ao filme.

Num segundo encontro, refletimos sobre as leituras realizadas na aula

anterior, as expectativas que se criaram em torno do texto de Dias Gomes.

Iniciamos a leitura oralmente na sala de aula, ao mesmo tempo em que

identificávamos características do gênero, conversávamos sobre o que estava

acontecendo naquela cena. Ao perceber que havia certo encantamento, sugeri

continuar a leitura em pequenos grupos, sugestão aceita, pois já começavam

a se identificar com os personagens. Leram por quase uma hora. Ao final da

aula cada um fez colocações e comentários sobre a cena lida pelo seu grupo.

Como sugestão de atividade, cada aluno continuaria a sua leitura em

casa e realizaria uma pesquisa sobre a vida e a obra do autor Dias Gomes.

Este trabalho de pesquisa foi apresentado durante as aulas de Língua

Portuguesa. À medida que surgiam novas informações sobre o assunto eles

comentavam com a classe. Foi interessante porque eram feitos comentários

sobre outras obras do autor, cuja leitura já havia sido feita por alguém da

família ou que conheciam. Sempre se fazia uma nova descoberta e, assim, um

aluno complementava o que fora dito por seu colega, de modo que Dias

Gomes passou a ser conhecido pelo grupo.

No encontro seguinte cada leitor comentou sobre o texto, seu

personagem favorito, a cena mais interessante; e também suas dificuldades,

para compreender o texto.

A leitura prosseguiu além dos encontros. Sempre no início da aula de

leitura da semana, no período normal de aula, os alunos tinham um espaço

para trocar os livros, pois como havia somente quinze exemplares, um

precisava repassar para o outro. Também era o momento em que

comentavam sobre como foi o diálogo com o texto. A leitura fluiu de maneira

muito positiva.

Assim que todos comunicaram a conclusão da leitura do texto, nos

encontramos novamente. Os alunos se reuniram em grupos menores para

discutir e cada um falou de seus encantos e desencantos diante da obra.

Alguns trechos foram discutidos para que houvesse melhor entendimento.

Após este primeiro debate, cada grupo conversou novamente e

escolheu os momentos considerados mais interessantes do texto e justificou a

escolha.

Apresentação do filme

Neste momento dialogamos sobre alguns livros que foram transpostos

para o cinema; quais já haviam sido vistos por eles; qual a impressão que ficou

de cada mídia; a percepção de algumas semelhanças e diferenças entre texto

e filme.

Após este debate assistimos ao filme, O pagador de promessas, de

Anselmo Duarte. Foi um momento muito importante, pois a discussão que

houve demonstrou o envolvimento que estava acontecendo entre leitor e texto.

Todos tinham algo a dizer, comentaram semelhanças e diferenças. Em alguns

casos demonstravam frustração, pois as cenas imaginadas por eles não

correspondiam às mostradas no filme. Houve ampla discussão sobre uma e

outra mídia, bem como os recursos que cada uma utiliza para envolver o seu

leitor.

Assim, foi possível a compreensão do modo como o leitor caracteriza

seu personagem durante a leitura do livro, o porquê de certas cenas não

corresponderem ao imaginado.

O texto e o filme

Foram revistas algumas cenas do filme na busca de identificar aspectos

que caracterizam a linguagem cinematográfica diferenciando - a da linguagem

do texto escrito, destacando elementos demarcadores de tempo; espaço;

ambiente; emoção; comunicação e características dos personagens. Foi o

momento de se posicionarem como leitores diante destas duas mídias,

analisando os recursos utilizados para transformar as cenas do filme e do livro

em obra capaz de encantar diferentes gerações.

Surgiram várias propostas de atividades. Entre elas: a elaboração de

uma peça de teatro, a organização de um vídeo e vestir-se de personagem.

Mas, optaram por formar apenas um grupo e elaborar o vídeo.

Cada aluno escolheu o personagem que demonstrou maior interesse em

representar. Combinaram que cada um se empenharia para decorar suas falas

no menor tempo possível. Elegeram a pessoa que demonstrou ter as

habilidades necessárias para organizar todo o processo de elaboração do

vídeo.

Alguns alunos demonstraram maior facilidade para decorar as falas,

outros precisaram de mais tempo. Por isso, os ensaios aconteceram de acordo

com a organização das equipes. Aos poucos a peça ficou completa.

Quando todos se sentiram prontos, reuniram-se para o primeiro ensaio

geral. Surgiram muitas dúvidas, mas também muitas ideias, pois além das

falas, havia entre outras coisas, a preocupação com o figurino e o cenário.

O dia marcado para fazer o vídeo, foi de trabalho intenso. Como a

opção foi de realizar quase todas as cenas ao ar livre, surgiram problemas de

última hora, como o barulho do vento, por exemplo.

O grupo optou por fazer um resumo do texto todo e isso também

dificultou um pouco, mas despertou mais o interesse do grupo, pois houve a

participação de alunos de outras turmas, que atuaram como figurantes.

O trabalho de edição foi moroso devido aos créditos e outros recursos

necessários na produção do vídeo que ao final tem duração de 20minutos.

O filme ficou pronto em dezembro, um pouco mais tarde do que fora

previsto. Como havia certa expectativa em relação a este trabalho, por parte

dos alunos e também de outros segmentos da escola, o filme foi apresentado,

para as outras turmas. Não houve tempo para que fosse mostrado aos pais,

mas cada aluno interessado salvou em pendrive para que as famílias

conhecessem um pouco do trabalho realizado.

Elaboração e aplicação da unidade didática:

Conforme previsto nas regras estabelecidas no programa PDE foi

elaborado o material didático para ser aplicado com os mesmos alunos. Trata-

se de uma unidade didática cujo título é o mesmo deste artigo: Literatura e

Cinema numa perspectiva dialógica ampliam as possibilidades de leituras mais

significativas.

Esta unidade didática tem como finalidade nortear o desenvolvimento

das estratégias metodológicas adotadas no projeto e assim intensificar o que é

proposto pelas DCES, ou seja, o dialogismo de Bakhtin e o método recepcional

de Bordini & Aguiar. As atividades nela propostas estão focadas no texto de

Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, o livro e a sua

adaptação para o cinema. As atividades formam pensadas para turmas de 9º

ano, para serem desenvolvidas durante o segundo semestre. Além destas

atividades há, no final da unidade didática, outras sugestões de leituras de

obras para serem trabalhadas com as demais turmas, tanto do ensino

fundamental quanto do médio, e que podem seguir a mesma sequência de

atividades propostas para o 9º ano.

Tais atividades objetivam auxiliar o aluno a vencer as dificuldades de

compreender e dialogar com o texto literário, e perceber a relação dialógica

entre a linguagem literária e a cinematográfica. Ao se pensar em proporcionar

ao aluno a possibilidade de dialogar com o texto e efetuar uma leitura mais

prazerosa, é importante oferecer-lhe a possibilidade de conhecer um pouco

mais sobre o autor e o contexto histórico em que a obra foi produzida.

Para tanto, a unidade didática foi distribuída em dez atividades. Na sua

aplicabilidade, no primeiro momento houve uma conversa com os alunos sobre

o texto, o autor e as atividades que poderiam ser desenvolvidas. Como houve o

interesse de todos os alunos, as primeiras atividades foram realizadas em sala

de aula, num total de seis aulas.

Inicialmente, foi necessário direcionar algumas questões procurando

descobrir até que ponto eles tinham algum conhecimento sobre o autor em

questão. Falei sobre o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, e também

conversamos sobre o filme.

A partir disso, alguns aspectos relevantes sobre Machado de Assis

começaram a ser levantados. Assim, foram discutidas algumas questões a

começar pela curiosidade do título do livro; as imagens das diferentes capas

que o livro foi recebendo ao longo do tempo; o modo como é feita a

distribuição de capítulos e as comuns interferências do narrador no decorrer

do texto.

Foram distribuídas cópias para a leitura do 1º e do 2º capítulos. Os

alunos realizaram primeiro a leitura silenciosa e após tirarem suas dúvidas

sobre alguns vocábulos realizaram, de modo espontâneo, a leitura oral.

Após a leitura ficou evidente a dificuldade que os alunos encontram

para entender o texto. Como forma de contribuir para o entendimento do que

estava sendo lido, iniciei uma discussão a partir de outras questões que

auxiliassem nesta compreensão.

Comentei sobre o livro de Pentateuco – os cinco primeiros livros do

velho Testamento atribuídos a Moisés e que é citado no primeiro capítulo, pois

Brás Cubas o compara às suas memórias. Buscamos encontrar as possíveis

diferenças entre os textos. Aos poucos, começam a perceber que uma das

chaves para entender o texto machadiano é desconfiar do narrador, prestar

atenção em algumas pistas que denunciam seus exageros, sua mania de

grandeza. Outro fato que despertou certa curiosidade foi o momento em que ao

relatar seu enterro, Brás Cubas justifica a presença de apenas onze amigos a

quem demonstra estar agradecido, considerando que ele se comparou ao

profeta Moisés, personagem universalmente conhecido. Outra situação que

mereceu discussão foi o que motivou Brás Cubas, o narrador-personagem a se

auto-intitular um “defunto autor” e não um “autor defunto”.

Em relação ao segundo capítulo a discussão foi em relação às

propriedades do medicamento e seus reais benefícios.

Houve uma comparação entre o que o aluno já sabia e o que passou a

compreender a partir desta discussão, como por exemplo, a clareza de que se

está diante de um narrador contraditório, narcisista, irônico, e até certo ponto

exagerado.

À medida que os alunos foram entendendo melhor o modo de escrever

de Machado de Assis, passaram a entender a estrutura da narrativa e

demonstraram estarem mais bem preparados para a leitura dos próximos

capítulos.

A sequência da leitura ocorreu de forma paralela ao horário normal das

aulas. Assim chegamos ao capítulo 8º. A partir deste momento surgiram

algumas dificuldades, pois havia um número reduzido de livros disponíveis na

biblioteca para atender a todos os alunos e a leitura on-line, não fluiu como o

esperado. Porém, mesmo com estas dificuldades, na data marcada a maioria

dos alunos cumpriu com o proposto, chegando ao capítulo que havíamos

estipulado.

Realizamos um encontro no qual houve muitas colocações,

questionamentos e curiosidades, sobre a leitura realizada. Depois deste debate

foi o momento de ampliar as discussões sobre as diferenças entre a linguagem

verbal e a linguagem cinematográfica. Já que estes alunos haviam adquirido

um bom conhecimento a respeito do assunto a partir do trabalho que fizemos

no início do projeto.

Tendo este prévio conhecimento foi possível intensificar certas marcas

que diferem a linguagem verbal da cinematográfica, destacando-se entre elas a

atemporalidade, a participação do leitor, alguns posicionamentos da câmara,

movimentos dos personagens e expressões faciais. A partir disso, os alunos

assistiram o trecho do filme: Memórias Póstumas, que tem a duração de

07h58min. e abrange até o 8º capítulo do livro.

Ao final do vídeo foi realizado um breve debate para evidenciar os

pontos de aproximação entre o filme e o texto lido, oportunizando ao aluno

expor o que percebeu em relação às semelhanças e diferenças entre as duas

linguagens.

Até aqui as atividades desta unidade foram realizadas em sala de aula

com todos os alunos do 9º ano B. A partir deste momento se fez necessário

que os encontros acontecessem em contra turno, como já foi dito

anteriormente, estava previsto nas regras do programa PDE. Assim, passaram

a fazer parte do grupo somente os alunos que poderiam frequentar as

atividades que ocorreriam no período vespertino. Deste modo, o número de

participantes passou a contar com 16 alunos, os mesmos que já frequentavam

o projeto.

Realizamos mais um encontro onde cada aluno expressou suas dúvidas

e inquietações sobre a leitura do texto. Pelas colocações feitas percebeu-se

haver entendimento sobre aquilo que eles estavam lendo.

Em grupos menores, fizeram a escolha do personagem considerado

mais interessante, para descrever, apontando as características físicas, morais,

objetivos de vida e sua relação com as outras personagens. Além disso, em

duplas escreveram o capítulo 55. Criaram o diálogo entre Brás Cubas e Virgília.

O resultado demonstrou que houve interesse e criatividade na produção.

Por decisão do grupo, apresentaram esta atividade para a turma toda,

assim aqueles que não participaram no período contra turno tiveram a

oportunidade de acompanhar mais este trabalho.

Os alunos prosseguiram a leitura do texto em casa, para isso, liam-se

alguns capítulos e passava-se o livro para outro colega. Este momento também

foi de dificuldades, pois às vezes o aluno estava empolgado e não gostaria de

repassar o seu livro.

Para finalizar houve mais uma roda de leitura, este encontro, como das

outras vezes ocorreu na biblioteca pública, onde foi realizada a leitura oral de

alguns capítulos previamente selecionados, dos 90º ao 100º.

Foi uma das partes mais produtivas do projeto e que mais emocionou

alunos e professor, pois à medida que liam, discutiam e respondiam aos

chamados do narrador, faziam previsões do porquê de Brás Cubas agir desta

ou daquela forma. Houve clara demonstração de compreenderem melhor a

linguagem do texto literário.

Depois disso, constantemente um aluno anunciava a conclusão de sua

leitura.

Havia ainda a expectativa de assistir e analisar a adaptação para o

cinema, mas não foi possível, pois as atividades foram intensas e o tempo

muito curto. O trecho do filme trabalhado foi o correspondente aos capítulos do

primeiro ao oitavo, conforme foi descrito anteriormente.

Além do pouco tempo, enquanto os alunos trabalhavam com as

atividades da unidade didática, o grupo encarregado organizava e fazia os

ajustes do vídeo referente ao texto de Dias Gomes. Segundo os alunos foi

bastante trabalhoso, demorou mais que o previsto e ficou pronto no início do

mês de dezembro.

O vídeo era esperado por todos os segmentos da escola. A direção

solicitou que outros alunos tivessem a oportunidade de assisti-lo. Então como

era um período de final de ano e de atividades intensas na escola, os alunos se

dividiram em pequenos grupos, agendaram com os demais professores e o

vídeo foi visto por quase todas as turmas do colégio.

Segundo depoimento dos alunos, participantes, as atividades foram

interessantes, produtivas e diferentes. O parecer da equipe pedagógica “diz

que “As contribuições para os alunos deste colégio, em especial na 9ª B, foram

significativas com o desenvolvimento das atividades do projeto: Cinema na

escola: um novo olhar sob o ensino de literatura”

Experiência com Grupo de Trabalho em Rede- GTR

Durante, a aplicação do projeto e da unidade didática na escola, a

Secretaria Estadual de Educação disponibilizou para os professores da rede

estadual a oportunidade de participar das experiências dos professores PDE,

através de grupos de estudo a distância, o GTR ( Grupo de Trabalho em

Rede).

O curso foi dividido em três etapas. Na primeira, como professora PDE,

devidamente treinada para se tutora, disponibilizei o projeto para leitura,

análise e apreciação dos alunos.

Na segunda foi disponibilizada a unidade didática para leitura e

apreciação dos cursistas.

No terceiro momento cada aluno fez suas considerações sobre a

aplicabilidade da proposta em sua escola.

Em cada temática, o aluno deveria ler o texto e participar do fórum

fazendo suas considerações e interagir com outros colegas. Além desta

participação deveria postar sua análise sobre a proposta no diário.

No curso, Cinema e Literatura: um novo olhar sob o ensino de Literatura,

as dezesseis vagas disponibilizadas foram preenchidas rapidamente, e a

participação dos alunos foi expressiva.

No grupo havia professores que já participaram do PDE e também puderam

contribuir com suas experiências, havia também aluno cursando a graduação

de cinema e isso ajudou muito para a qualidade das discussões.

Além disso, o fato dos professores serem todos atuantes na disciplina

de Língua Portuguesa, preocupados com o ensino de literatura, e educadores

de diferentes regiões do estado, favoreceu o debate e proporcionou a troca de

experiências entre diferentes realidades.

Nesta troca de experiências ficou muito clara a grande preocupação que

o professor de Língua Portuguesa tem com a questão do ensino de literatura.

Dos quinze alunos que chegaram ao final do curso as impressões

deixadas a respeito do projeto foram muito boas.

“Acredito piamente que o cinema traz todo encantamento e facilidade

de apreensão de conteúdos curriculares, bem como pode deixar mais

claro e incitar a reflexão e a discussão entre os estudantes, de

assuntos que, somente lidos nos textos, seriam pouco atrativos.

Dessa maneira, o projeto da Profa. Neuza só vem a contribuir com a

maior disseminação do audiovisual na escola, e sua correta forma de

utilização...

Assim, penso que as linguagens literária e cinematográfica se

complementam quando utilizadas para o trabalho pedagógico: a partir

do texto escrito, partindo da bagagem de vida de cada leitor, de suas

experiências e conhecimentos, pode-se observar a forma como o

diretor de um filme realiza essa transposição para a linguagem

cinematográfica, pois não podemos esquecer que ele também é um

leitor e, ao ler a obra literária, obteve as suas impressões, as suas

“leituras” para transformá-las em imagens para o cinema, fazendo

uso de uma linguagem própria a esse formato de mídia: a linguagem

cinematográfica.

Para mim, o curso foi bastante válido, pela troca de ideias e,

principalmente, pelo fato de se poder discutir, com os colegas, o

papel, a importância e as diversas possibilidades de trabalho com o

cinema na escola, quebrando preconceitos e resistências que ainda

percebemos nesse ambiente...” (Parecer de aluna do GTR 2010)

Conclusão:

O projeto: Cinema na escola: Um novo olhar sobre o ensino de Literatura

permitiu a comprovação de que utilizar o cinema como recurso pedagógico

contribui de forma muito positiva para o ensino de literatura. Os objetivos

propostos no projeto, na unidade didática e também no GTR foram atingidos.

Foi notável que os alunos corresponderam muito bem às atividades

referentes ao primeiro livro, O Pagador de promessas, de Dias Gomes e a sua

adaptação para o cinema.

Quanto à unidade didática percebi que as atividades foram bem

desenvolvidas e despertaram o interesse do aluno, porém o texto, Memórias

Póstumas de Brás Cubas, exigiu muito mais e houve a necessidade de um

acompanhamento maior de minha parte, como professora, pois os alunos

buscavam esclarecimentos sobre o texto.

Conforme já estava previsto, analisamos o trecho do filme

correspondente ao que ocorre até o capítulo 8º. As atividades seqüenciais

foram focadas no diálogo do texto escrito. Houve interesse em assistir todo o

filme, mas não houve tempo.

Em relação ao GTR, a participação dos professores foi excelente, e a

troca de experiências certamente contribuirá para que efetivemos um trabalho

mais significativo.

Após esta experiência fica bastante claro que para o aluno ter maior

facilidade de dialogar com o texto literário é preciso que ações que promovam

a leitura sejam uma realidade constante nas escolas, por isso atividades, como

estas devem continuar sendo aplicadas, pois acredito que o projeto de

intervenção, cuidadosamente elaborado e posto em prática contribuiu para que

o aluno despertasse um novo olhar sobre a literatura, mais especificamente a

literatura brasileira.

Conforme ficou constatado aqui, há textos que precisam de mais tempo

para leituras, por isso parece coerente realizar as atividades do projeto no

primeiro semestre e a unidade didática no segundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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