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1 1. PRECEDENTE JUDICIAL 1 Érico Andrade Prof. Adjunto da Faculdade de Direito da UFMG 1. O tema da exposição é dos mais complexos no processo contemporâneo e tem gerado muita discussão e debate não só no direito brasileiro, mas no direito europeu em geral, em que se percebe uma espécie de mixagem dos sistemas conhecidos como civil law e common law, o que vem causando grande perplexidade doutrinária. 2. Antes de se passar ao tratamento do precedente propriamente dito, cabe uma contextualização importante, para retratar a complexidade do tema. 3. O direito formado entre o século XIX e meados do século XX, se baseava no valor da lei, ou seja, da lei e dos códigos como o ponto de referência jurídico, nos quais se baseavam os juízes e tribunais para decidir. 4. Com o surgimento do chamado Estado pluriclasse (Giannini), em que várias classes sociais, com a democratização do voto, ganham o parlamento, a lei começa a perder sua condição de elemento uniformizador e de coerência do sistema, 2 papel que se desloca para a constituição, formatada, no mais das vezes, em cima de normas abertas, os chamados princípios. 5. Assim, o papel de mediação acaba por ser retratado na própria Constituição uma vez que esta acolhe os vários valores da sociedade e possibilita a convivência entre eles, conforme leciona ZAGREBELSKY: 1 Texto inicial, não revisado, da apresentação realizada para a EJEF em 02 de outubro de 2014, e disponibilizado internamente para a EJEF apenas para informação complementar aos alunos. Adiantam- se as desculpas em razão de eventuais erros de digitação e de português. 2 ZAGREBELSKY, Il diritto mite, p. 44-45: In questa situazione, viene notevolmente ridotta l’aspirazione della legge a essere fattore di ordine. Essa è piuttosto espressione di un disordine, al quale essa cerca, al più, di porre remedi ex post factum. A explicação, segundo ZAGREBELSKY, Il diritto mite, p. 45, está no pluralismo das forças políticas, que conduz não sò à perda da generalidade da lei, mas também na heterogeneidade de seu conteúdo, a contribuir para o clima de instabilidade legal: Il pluralismo delle forze politiche e sociali in campo, tutte ammesse alle competizione per l’affermazione delle proprie istanze nelle strutture dello Stato democratico e pluralista, conduce all’eterogeneità dei valori e degli interessi espressi nelle leggi. [...] La legge, insomma, non è piú garanzia assoluta e ultima di stabilità ma diviene essa stessa strumento e causa di instabilità.

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1. PRECEDENTE JUDICIAL1

Érico Andrade

Prof. Adjunto da Faculdade de Direito da UFMG

1. O tema da exposição é dos mais complexos no processo contemporâneo e tem

gerado muita discussão e debate não só no direito brasileiro, mas no direito europeu

em geral, em que se percebe uma espécie de mixagem dos sistemas conhecidos como

civil law e common law, o que vem causando grande perplexidade doutrinária.

2. Antes de se passar ao tratamento do precedente propriamente dito, cabe uma

contextualização importante, para retratar a complexidade do tema.

3. O direito formado entre o século XIX e meados do século XX, se baseava no

valor da lei, ou seja, da lei e dos códigos como o ponto de referência jurídico, nos

quais se baseavam os juízes e tribunais para decidir.

4. Com o surgimento do chamado Estado pluriclasse (Giannini), em que várias

classes sociais, com a democratização do voto, ganham o parlamento, a lei começa a

perder sua condição de elemento uniformizador e de coerência do sistema,2 papel que

se desloca para a constituição, formatada, no mais das vezes, em cima de normas

abertas, os chamados princípios.

5. Assim, o papel de mediação acaba por ser retratado na própria Constituição

uma vez que esta acolhe os vários valores da sociedade e possibilita a convivência

entre eles, conforme leciona ZAGREBELSKY:

1 Texto inicial, não revisado, da apresentação realizada para a EJEF em 02 de outubro de 2014, e

disponibilizado internamente para a EJEF apenas para informação complementar aos alunos. Adiantam-

se as desculpas em razão de eventuais erros de digitação e de português. 2 ZAGREBELSKY, Il diritto mite, p. 44-45: In questa situazione, viene notevolmente ridotta l’aspirazione della

legge a essere fattore di ordine. Essa è piuttosto espressione di un disordine, al quale essa cerca, al più, di porre

remedi ex post factum. A explicação, segundo ZAGREBELSKY, Il diritto mite, p. 45, está no pluralismo das

forças políticas, que conduz não sò à perda da generalidade da lei, mas também na heterogeneidade de seu

conteúdo, a contribuir para o clima de instabilidade legal: Il pluralismo delle forze politiche e sociali in campo,

tutte ammesse alle competizione per l’affermazione delle proprie istanze nelle strutture dello Stato democratico

e pluralista, conduce all’eterogeneità dei valori e degli interessi espressi nelle leggi. [...] La legge, insomma,

non è piú garanzia assoluta e ultima di stabilità ma diviene essa stessa strumento e causa di instabilità.

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“Le società pluraliste attuali, cioè le società segnate dalla presenza di una

varietà di gruppi sociali, portatori di interessi, ideologie e progetti differenziati ma in

nessun caso così forti da porsi come esclusivi o dominanti e quindi da fornire la base

materiale dalla sovranità statale nel senso del passato [...] assegnano alla

Costituzione il compito di realizzare la condizione di possibilità della vita comune,

non il compito di realizzare direttamente un progetto predeterminato di vita comune”.

6. Isso porque, com o surgimento do Estado pluriclasse se inicia o processo de

inflação legislativa, em que a lei é usada para proteger os interesses das várias classes

representadas no parlamento, e começa, portanto, a fragmentarização da legislação e

dos códigos, bombardeados constantemente pela legislação especial.

7. Com isso, chega-se, na doutrina italiana, a falar abertamente do nosso tempo

como a era da “descodificação” (Natalino Irti e Nicola Picardi), em que os códigos

civil e de processo civil perdem seu papel de centro do direito, bombardeado que

foram pelas leis extravagantes, que chegam a criar verdadeiros microssistemas

jurídicos independentes. O centro, pois, de estabilidade do sistema, deriva para a

Constituição. 3

8. Paralelamente, a Constituição assume papel jurídico cada vez maior, pois passa

a ser o documento jurídico máximo do Estado (o século XX é chamado o século do

constitucionalismo, que vê a Constituição ganhar o centro do ordenamento jurídico),

cristalizando os princípios básicos que irão reger o Estado e a sociedade, razão pela

qual acaba por se tornar o centro do direito.

9. O papel que antes era desenvolvido pela lei e pelos códigos, como centro de

referência jurídica, se transfere para a Constituição.

3 Segundo IRTI, L’età della decodificazione, p. 96, tem-se que não mais o código, mas sim a Constituição passa

a exercer o papel central do direito: queste garanzie, già prestate dal codice civile, si sono transferite dal piano

delle norme ordinarie al piano delle norme costituzionali. E completa IRTI, L’età della decodificazione, p. 99:

la certezza non deriva più dalla stabilità delle norme e dalla centralità del codice civile, ma dal carattere rigido

della Costituzione e dall’impegno sistematico degli interpreti.

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10. Segundo ZAGREBELSKY, “la legge, un tempo misura esclusiva di tutte le

cose nel campo del diritto, cede cosí il passo alla costituzione e diventa essa oggetto di

misurazione. Viene detronizzata a vantaggio di un’istanza piú alta. [...] Il principio di

costituzionalità è, nella nuova situazione, ciò che deve assicurare il perseguimento di

questo compito di unità”.

11. E essa transferência não é meramente formal, ou simples passagem da

referência de um documento legislativo para outro: a Constituição é montada, desde

meados do século XX, em cima de princípios jurídicos, normas abertas, flexíveis, e

que veiculam idéias-base do sistema.

12. Com isso, o ponto de referência jurídico, centrado na Constituição, gera

imensas dificuldades para os operados do direito, em especial para os juízes e

tribunais, que constatam o cambiamento do direito por leis para o direito por

princípios, situação em que o papel da jurisdição e da jurisprudência aumentam

enormemente, dentro do intenso cipoal legislativo gerado pelo processo de inflação

legislativa, e da abertura para os princípios ditada pela Constituição, permitindo à

jurisprudência assumir, às claras, um papel “criador” do direito mais intenso do que

até então teoricamente se lhe reconhecia, já que o juiz era visto, como proclamavam os

franceses, como “buche de la loi”.

13. E, para piorar, no âmbito do Estado pluriclasse, a Constituição acolhe vários

princípios ao mesmo tempo, que são muitas das vezes conflitantes entre si, mas todos

de igual hierarquia e que devem conviver na mesmo ambiente juridicamente

organizado, pela via da harmonização, e não por eliminação ou amputação, sendo esse,

aliás, um dos mais importantes papéis da jurisprudência constitucional: harmonizar os

princípios, permitindo a convivência entre eles.

14. Nesses termos, surge o tema da maior abertura conferida pela principiologia,

que permite a flexibilização da atividade do julgador, aumentando-lhe a possibilidade

de buscar soluções que melhor se adaptem ao caso concreto, dentro da margem ditada

pelos princípios constitucionais e pelos conceitos jurídicos indeterminados.

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15. Tenha-se a perfeita lição de ZAGREBELSKY: Il carattere spirituale del tempo

in cui viviamo mi pare quindi possa descriversi come l’aspirazione non a uno ma a

tanti principi o valori formativi della convivenza colletiva [...] È il tema del conflitto

dei valori, che noi vorremmo sciogliere dando la vittoria a tutti, anche se conosciamo

la loro tendenziale inconciliabilità. Il tempo presente è quello in cui sembra

dominante l’aspirazione a quanto è concettualmente impossibile ma praticamente

altamente desiderabile: non la prevalenza di un solo valore di un solo principio, ma la

salvaguardia di tanti, contemporaneamente. L’imperativo teorico di non

contraddizione – valido per la scientia juris – non dovrebbe impedire il perseguimento

del compito, proprio della jurisprudentia, di realizzare positivamente la “pratica

concordanza” delle diversità e perfino delle contraddizioni che, pur essendo tali in

teoria, non cessano per questo di essere concretamente desiderabili. “Positivamente”:

non dunque attraverso mere amputazioni di pontenzialità costituzionali, ma

principalmente attraverso accorte soluzioni cumulative, combinatorie, compensative

che portino i principi costituzionali a svilupparsi insieme, piuttosto che ad avvizzire

insieme.

16. Por isso, segundo ZAGREBELSKY, a pluralidade dos princípios não acarreta a

formação de uma ciência de composição entre eles, mas um balanceamento prudente,

marcado pela proporcionalidade e pela razoabilidade:

La pluralità dei principi e l’assenza di una gerarchia formalmente determinata

comporta che non vi possa essere una scienza della loro composizione ma una

prudenza nel loro bilanciamento. La “pratica concordanza”, cui si è fatto cenno, o la

“pesa dei beni giuridici indirizzata al principio di proporzionalità” [...]. Forse,

l’unica regola formale di cui si può parlare è quella della “ottimizzazione” possibile

di tutti i principi ma come ottenere questo risultato è questione eminentemente

“materiale”.

17. Como afirma ZAGREBELSKY, pode ser que essa conclusão não satisfaça os

espíritos voltados para maior anseio de segurança, tal como se pensava no direito

anterior, mas não há como fugir do contexto aberto das sociedades modernas e dos

direitos que as regulam:

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5

Si potrà dire che non si tratta sempre di conseguenze tranquillizzanti, rispetto a

certe esigenze che il tempo passato poneva come inderogabili – ad esempio la certezza

e la prevedibilità delle decisioni giudiziarie e forse anche la posizione non engagée

dei judici –. Ma non guardare la realtà per no vederne gli aspetti meno

tranquillizzanti non la trasforma nel senso dei nostri desideri.

18. Essa, segundo ainda ZAGREBELSKY, potrà essere una conclusione che non

soddisfa le esigenze di chiarezza, purezza, coerenza del pensiere, ma la convivenza

umana non è affare di pure pensiero.

19. Assim, sabe-se que a certeza e a segurança jurídicas constituem características

essenciais das mais remotas ordens jurídicas.4 É certo, porém, que a perspectiva de

abertura provocada pela “principialização” do direito leva a incertezas e traduz

insegurança, tendo em vista a fluidez da principiologia encampada na Constituição.5

Mas esta é a realidade jurídica atual, e não podem a Administração e os demais

operadores do direito se furtar a ela.

20. A busca da certeza jurídica sempre foi considerada um ideal, razão pela qual

não se pode ter a ilusão do seu completo atingimento.6 O que se pode e deve esperar,

inclusive do poder judiciário, é maior estabilidade nas decisões e nos mecanismos de

interpretação jurídica,7 perspectiva que pode ser atingida se se considerar que a

Constituição, hoje, é o centro de referência do direito.8

4 FARALLI, Carla. Il “diritto alla certezza” nell’età della decodificazione. In: SCRITTI Guiridici in Onore di

Sebastiano Cassarino, v. I, p. 623: Fin dall’antichità la certezza del diritto è stata considerata come una

caratteristica essenziale e costitutiva del diritto. 5 MORAES, Controle jurisdicional da administração pública, p. 19.

6 FARALLI, Carla. Il “diritto alla certezza” nell’età della decodificazione. In: SCRITTI Guiridici in Onore di

Sebastiano Cassarino, v. I, p. 625: È stato scritto che un diritto che realizzi pienamente il valore della certezza

rappresenta un ideale al quale i diritti storici possono approssimarsi più o meno notevolmente senza però avere

la pretesa o illusione di realizzarlo. Aliás, como aponta a mesma FARALLI, Carla. Il “diritto alla certezza”

nell’età della decodificazione. In: SCRITTI Guiridici in Onore di Sebastiano Cassarino, v. I, p. 629, todo esse

processo de erosão da lei como centro do direito foi proclamado por autorizada doutrina como a revanche da

efetividade sobre o formalismo legal, sustentando-se que nesse contexto o contrato se destina a tornar-se o

principal instrumento de inovação jurídica. 7 Segundo FARALLI, Carla. Il “diritto alla certezza” nell’età della decodificazione. In: SCRITTI Guiridici in

Onore di Sebastiano Cassarino, v. I, p. 630, essa perda da centralidade da lei como ponto de referência para a

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21. O Judiciário deve promover o julgamento de casos semelhantes da mesma

forma, até por razões de igualdade de tratamento dos cidadãos diante da lei, o que,

certamente, irá gerar maior estabilidade e possibilidade de o cidadão ter um mínimo de

previsibilidade a respeito da sua pretensão.9

22. Hoje qualquer tipo de estabilidade jurídica que se possa esperar parte da

Constituição como centro de referência, e não da lei, diante das características do

mundo atual e da tantas vezes anunciada inflação legislativa.10

23. Assim, no âmbito do movimento pendular, no Estado, entre administração,

legislação e jurisdição, PICARDI qualifica nossos tempos atuais como o tempo da

jurisdição, em que tal função estatal tem maior destaque e aponta a vocação do nosso

tempo para a jurisdição e a doutrina jurídica: All’inizio del XXI secolo, la situazione

certeza e a segurança jurídica importa na dramática busca de um novo centro de referência em condições de

permitir grau aceitável de certeza e estabilidade. 8 IRTI, L’età della decodificazione, p. 96-97, leciona que a garanzie, già prestate dal codice civile, si sono

trasferite dal piano delle norme ordinarie al piano delle norme costituzionale. E aponta ser a certeza

constitucional l’unica certezza possibile in una società frantumata ed in un Stato scosso da violente

trasformazioni. E conclui: La certezza di ieri era fondata su ciò che la norma diceva; la certezza di oggi, su ciò

che la norma ordinaria non può dire (per il controllo di legittimità costituzionale) o deve dire (in adempimento di

obblighi, imposti dalle norme costituzionali agli organi legislativi). Ou seja, mudou o tipo de “certeza”que antes

permeava o mundo jurídico: agora, com a constituição, e a abertura principiológica, o conceito de certeza e estabilidade

muda para a “certeza”ou “estabilidade” constitucional, que é muito diversa daquela proporcionada pela lei, dentro da

fluidez dos conceitos abertos, cláusulas gerais, e as possibilidades do intérprete promover as adaptações devidas. Todavia,

essa leitura ou atividade é sempre parametrizada pela constituição, que agora é o novo centro de referência jurídica. 9 MONTESANO, La tutela giurisdizionale dei diritti, p. 88-89: L’uguaglianza dei cittadini davanti alla legge

(art. 3 Cost.) sarebbe troppo facilmente frustrata nei giudizi, se non venisse assicurata agli stessi cittadini una

ragionevole prevedibilità de loro esiti, in diverse parole se qui il detto principio costituzionale non generasse il

corollario che casi simili devono ricevere decisioni giudiziarie simili. È questa un’esigenza avvertita da tutti gli

ordinamenti sensibili ai diritti dei cittadini e che costituisce in gran parte la base dei sistemi di tipo

anglosassone a “precedente vincolante”, dai quali il nostro differisce, ma, come fra poco si vedrà, forse meno di

quanto diffusamente si crede. 10

Como aponta FARALLI, Carla. Il “diritto alla certezza” nell’età della decodificazione. In: SCRITTI Guiridici

in Onore di Sebastiano Cassarino, v. I, p. 625-626, em uma sociedade caracterizada por rápidas transformações,

além de grande mobilidade e de desenvolvimento tecnológico, a lei perde centralidade, não só em razão do

grande e variado número de leis, mas também em razão da lentidão do processo legislativo. Cf., ainda,

SCHERZBERG, Para onde e de que forma vai o direito público?, p. 28-29.

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appare ormai differente e più complessa. Potremmo sintetizzarla parlando di

vocacione del nostro tempo per la giuridizione e la dottrina giuridica.

24. E continua Picardi, no excelente texto La vocazione del nostro tempo per la

giurisdizione, apontando no âmbito dos vários fatores que contribuem para que a

jurisdição assuma tal posição de proeminência no âmbito jurídico:

a) a legislação tem perdido sua posição de proeminência em razão da inflação

legislativa, tanto do ponto de vista da quantidade como da qualidade e da pluralidade

de centros produtores de normas: no Brasil, por exemplo, veja-se a produção

normativa de todas as unidades da federação, além da produção normativa por entes

integrantes da Administração Pública;

b) e por outro lado, o legislador tem restado inativo em temas relevantes: vide no

Brasil o tema da união homossexual decida no fim das contas pelo STF;

c) diante dessa confusão normativa, o Judiciário é que tem sido chamado para se

manifestar;

d) muitas vezes o Judiciário acaba por atuar como uma espécie de fonte subsidiária do

direito, e já se admitindo com certa tranquilidade que o papel do juiz não é apenas o de

boca da lei, mas acaba por criar, em certa medida, o direito. Este é um dos temas

centrais hoje, e Picardi aponta muito bem a perspectiva quando destaca a polêmica: a

função do juiz é de descoberta do direito a partir da lei ou chega a criar o direito?

e) destaca como o poder judiciário entendido de forma burocrática vai hoje afirmando

sua posição de poder em confronto com o legislativo e o executivo, tornando incerto

os confins e a identificação de tais funções no confronto com os três poderes, ou seja,

o modelo tradicional se mostra desarticulado e desatualizado para fazer face à situação

atual.

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25. Este o cenário macro em que vem ganhando cada vez mais importância o

Judiciário e a jurisprudência, e do qual se pode partir para estudar o precedente

judicial.

26. Também Costantino (Rivista Trimestrale, 2011, n. 4-speciale) destaca a subida

de importância do precedente judicial a partir das seguintes constatações:

a) o frenesi legislativo, com frequentes alterações de rumo, além de elaboração de

normas opacas, implicam em sérias consequências para o sistema jurídico, pois: i) dá-

se mais atenção à interpretação do que ao funcionamento da justiça em si; ii) gera

interpretações criativas; iii) legislador ineficiente leva a jurisprudência a lugar de

destaque;

b) este cenário eleva a importância da jurisprudência como direito vivo, e sobe

também a importância da jurisprudência como uniformizadora dos entendimentos em

torno da interpretação da lei, o que leva, inclusive, parte da doutrina a propor a

jurisprudência como fonte do direito,

1.1 A evolução do sistema brasileiro de valorização do precedente

27. O CPC de 1973 já previu um instrumento de valorização da jurisprudência,

inclusive para se buscar sua uniformização, qual seja, o chamado “incidente de

uniformização da jurisprudência” (arts. 476/479, CPC).

28. O incidente pode ser suscitado por qualquer juiz no tribunal, ao dar voto na

turma, câmara ou grupo de câmaras, a fim de solicitar o pronunciamento do tribunal

acerca da interpretação do direito quando se verificar que ocorre divergência ou no

julgamento a interpretação for diversa da que adotada por outra turma ou câmara.

Segundo a jurisprudência do STJ e deste TJMG trata-se de faculdade do relator, ou

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seja, cabe ao relator, em juízo de conveniência e oportunidade, suscitar ou não o

incidente.

29. A parte pode também preventivamente indicar o incidente no recurso ou em

petição avulsa, mas sempre antes do julgamento do recurso diante do reconhecido

caráter preventivo e não repressivo do incidente de uniformização de jurisprudência.

30. A doutrina aponta que os tribunais de segunda instância (TJ’s e TRF’s) não têm

o costume de editar súmulas de jurisprudência e nem admitem com facilidade

incidente de uniformização de jurisprudência, de modo que o instituto previsto no CPC

nunca teve grande utilização nos tribunais de segunda instância (José Rogério Cruz e

Tucci). Registre-se que o TJMG todavia, nos últimos tempos, tem editado súmulas,

chegando atualmente a 29 súmulas (número baixo se se considerar que o CPC está em

vigor desde 1973: e mais, estas súmulas foram criadas basicamente nos últimos 10

anos).

31. Neste sentido, em pesquisa no site do TJMG nos últimos dois anos foram

encontrados apenas 2 incidentes acolhidos, o que de certa maneira confirma a

indicação doutrinária:

a) incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 1.0000.12.126587-0/002: É cabível

a impetração de mandado de segurança contra decisão judicial que rejeita os

embargos infringentes previstos no artigo 34 da Lei nº 6.830/80, desde que debate

matéria de cunho infraconstitucional, e, portanto, não atacável por recurso

extraordinário;

b) incidente uniformização jurisprudência 1.0024.11.312690-8/002: “ACOLHERAM O

INCIDENTE PARA DECLARAR QUE A PRESCRIÇÃO DO BENEFÍCIO DE

PENSÃO POR MORTE DEVIDO AOS DEPENDENTES DOS SERVIDORES DO

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IPSEMG ALCANÇA APENAS AS PARCELAS SUCESSIVAS VENCIDAS ANTES DO

QUINQUÊNIO QUE PRECEDEU O AJUIZAMENTO DA AÇÃO, CONTANDO-SE O

PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA NEGATIVA DA ADMINISTRAÇÃO”.

32. Ao lado da baixa utilização do incidente de uniformização de jurisprudência no

âmbito dos tribunais de segunda instância, o que se percebia no direito brasileiro, no

âmbito do CPC de 73, era uma utilização cada vez maior nos tribunais superiores da

súmula e sua valorização cada vez maior.

33. A súmula surge no direito brasileiro, segundo a doutrina (Higashiyama, RePro

200/76) na década de 1960, no âmbito do regimento interno do STF, em que se

aprovou a edição de súmulas da jurisprudência dominante do STF, sem efeito

vinculante, sob o fundamento de que seria instrumento simplificador dos julgados. Na

sequência foi acolhida também pela Lei 5010/66 (lei que organiza a Justiça Federal),

na qual se atribuiu ao extinto TFR competência para organizar, a fim de orientar a

Justiça Federal, súmulas de sua jurisprudência (art. 63).

34. E depois a perspectiva da súmula da jurisprudência adentra o próprio CPC, cujo

art. 479, no âmbito do incidente de uniformização da jurisprudência, veio a dispor que

“o julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o

tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da

jurisprudência”.

35. A partir da CF/88 que cria o STJ como tribunal superior competente para

uniformizar a lei federal e mantém o STF como tribunal constitucional, surge a Lei

8.038/90 a perspectiva legal de se conferir maior força às súmulas, como permitir que

o relator, no STF ou no STJ, negue monocraticamente seguimento a recurso que

esbarre em entendimento da jurisprudência sumulada:

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“Art. 38 - O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de

Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará

seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou,

improcedente ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito,

Súmula do respectivo Tribunal”.

36. O que se observa a partir daí é um crescente cada vez maior de valorizar a

súmula, tanto do ponto de vista destes tribunais superiores como do ponto de vista

legislativo.

37. Nesse sentido, por exemplo, o STJ, em voto da lavra do Min. Sálvio de

Figueiredo, já indicava a necessidade de órgãos judiciais observarem as súmulas,

mesmos que desprovidas de força legal:

“RESPEITADAS AS RESSALVAS LEGAIS, MESMO REITERADA E DIUTURNA A

JURISPRUDENCIA NÃO TEM FORÇA DE VINCULAR OS PRONUNCIAMENTOS

JURISDICIONAIS. NÃO SE JUSTIFICA, NO ENTANTO, QUE OS ORGÃOS

JULGADORES SE MANTENHAM RENITENTES A JURISPRUDENCIA

SUMULADA, CUJO ESCOPO, DENTRO DO SISTEMA JURIDICO, E ALCANÇAR

EXEGESE QUE DE CERTEZA AOS JURISDICIONADOS EM TEMAS POLEMICOS,

UMA VEZ QUE NINGUEM FICA SEGURO DO SEU DIREITO ANTE

JURISPRUDENCIA INCERTA” (REsp 14.945/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE

FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/1992, DJ

13/04/1992, p. 5002)

38. Tenha-se outro precedente do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min.

Humberto Gomes de Barros:

“PROCESSUAL – STJ - JURISPRUDÊNCIA - NECESSIDADE DE QUE SEJA

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OBSERVADA.

O Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a

aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim

ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e

coerente.

Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é

sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso

com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor

das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se

nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar,

estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou

certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor

será extingui-la” (AgRg nos EREsp 228.432/RS, Rel. Ministro HUMBERTO

GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/02/2002, DJ 18/03/2002,

p. 163).

39. A partir daí a legislação ordinária passa a trilhar o caminho de conferir cada vez

mais valor às súmulas, como se observa do seguinte caminho trilhado pelas reformas

do CPC:

a) Lei 9.756/98, que alterou, entre outros, o art. 557 do CPC, em cujo âmbito se passou

a admitir o julgamento monocrático de recursos nos tribunais, quando o recurso estiver

em confronto com súmula ou jurisprudência dominante: “Art. 557. O relator negará

seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em

confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do

Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”;

b) Lei 10.352/01: eliminação do reexame necessário quando a sentença estiver fundada

em jurisprudência do plenário do STF, ou de súmula deste ou de outro tribunal

superior: art. 475, § 3º: “§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a

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sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal

ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente”;

c) Lei 11.276/06: inviabilidade da apelação se a sentença estiver em conformidade

com súmula do STF ou do STJ, conforme nova redação dada ao §1º do art. 518, CPC:

“§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em

conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal

Federal”.

d) Lei 11.418/06 que regulamentou a repercussão geral no âmbito do recurso

extraordinário indicando acrescendo os arts. 543-A e 543-B ao CPC, prevendo, por

exemplo, no art. 543-A, §5º, CPC, que: “Negada a existência da repercussão geral, a

decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos

liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do

Supremo Tribunal Federal”.

e) Lei 11.672/08 que acresceu o art. 543-C no CPC, para regular o julgamento de

recurso especial no âmbito de demanda múltiplas ou seriadas, determinou a

observância do precedente do STJ, conforme §7º do citado artigo: “Publicado o

acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na

origem: I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir

com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II - serão novamente

examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da

orientação do Superior Tribunal de Justiça”;

f) no projeto de CPC (versão Câmara enviado ao Senado em 26.03.2014 – PL 8046-

B), evolui-se ainda para permitir o julgamento de improcedência preliminar da

demanda, quando esta contrariar súmula de jurisprudência: “Art. 333. Nas causas que

dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará

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14

liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I – súmula do Supremo Tribunal

Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido pelo Supremo

Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos

repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas

repetitivas ou de assunção de competência; IV – frontalmente norma jurídica extraída

de dispositivo expresso de ato normativo; V – enunciado de súmula de tribunal de

justiça sobre direito local”.

40. E o coroamento ou ápice do prestígio sumular vem com a alteração da CF, por

meio da EC 45/04 que acresceu o art. 103-A, prevendo a chamada súmula vinculante,

ou seja, súmulas editadas pelo STF e que uma vez editadas na forma da Constituição

vinculam todos os demais juízos e tribunais, bem como a própria Administração

Pública. Relembre-se o teor do art. 103-A, CF:

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,

mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre

matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa

oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem

como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”. (a lei

em questão já foi editada: Lei 11.417/06).

41. Determina ainda o § 1º do art. 103-A a razão de ser e o objeto da Súmula

vinculante:

“A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas

determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou

entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e

relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”.

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15

42. E cria ainda a CF um mecanismo eficaz, canal direto com o STF, para impedir o

desrespeito à súmula vinculante: a reclamação como se extrai do § 3º do art. 103-A:

“Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que

indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que,

julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial

reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da

súmula, conforme o caso”.

43. Segundo a doutrina (v.g., José Roberto Freire Pimenta) a ideia base da súmula é

a redução do número de demandas nos tribunais superiores, que se encontram

abarrotados de recursos, muitas vezes sem fundamento, tendo, assim, o propósito de

combater o uso predatório da justiça por meio da interposição de recursos protelatórios

ou inúteis, já decididos pelo STF.

44. Acatou-se a proposta moderada que indicou a viabilidade de edição de súmula

vinculante só para o STF, e não de outros tribunais superiores.

45. O STF de 2007 até hoje já editou 32 súmulas vinculantes.

46. Críticas às súmulas vinculantes (José Roberto Freire Pimenta):

a) Súmula vinculante: não resolveu o problema da enxurrado de processos que assola o

Judiciário, já que os tribunais superiores a e justiça brasileira continua assoberbada:

vide dados CNJ 2013: tabelas 5 e 6 indicam maior volume de processos que entram na

Justiça e maior estoque processual na Justiça (CNJ Justiça em Números – Sumário

Executivo);

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b) as súmulas, como contêm enunciados genéricos, muito assemelhados à lei, e que

não tem como retratar, por isto, a lógica dos precedentes que as geraram, e, ao se

traduzirem como súmulas vinculantes, podem representar a concessão ao Judiciário de

função legislativa que não é adequada em sistemas da família romano-germânica como

o brasileiro;

c) as súmulas vinculantes podem ser editadas logo após edição de medidas legislativas

controversas, polêmicas, e com isso inibiria o Judiciário de discutir mais amplamente a

matéria, evitando-se o debate jurisprudencial: ou seja, a súmula pode aparecer em

qualquer momento, e não só após amplo debate judicial com uma gama de precedentes

alinhados;

d) aprovação prematura da súmula vinculante, sem maiores debates e reiteração de

decisões sobre o tema, inclusive por parte das instâncias inferiores, não obstante a

ideia de que as súmulas. Apontam-se, nesta linha, incongruências em algumas das

súmulas vinculantes, como aprovação de súmula sem que aquele próprio Tribunal já

houvesse proferido reiteradas decisões no sentido da interpretação nelas consagrado.11

1.2. Breves referências críticas

47. Do ponto de vista da crítica da perspectiva das súmulas e do precedente judicial,

a doutrina nacional e estrangeira tem apresentado ponderações muito razoáveis que

merecem meditação:

11

Como ocorreu no caso da Súmula Vinculante nº 4, relativa à base de cálculo do adicional de insalubridade,

que resultou de decisão contrária ao que até então vinha sendo decidido pelo STF, que em algumas decisões

anteriores, proferidas em sede de julgamento de recursos extraordinários, não havia admitido que o salário

mínimo legal fosse utilizado como base de cálculo do adicional de insalubridade.

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17

a) no direito brasileiro tem-se buscado uma eficiência quantitativa, na busca de alta

produtividade no âmbito judiciário, o que leva à necessidade de uniformização da

jurisprudência para que os precedentes sejam seguidos, uniformização que tem se dado

de forma superficial, antes de maiores debates em torno do caso, na busca de se

aumentar a estatística de casos resolvidos (Humberto Theodoro, Dierle Nunes,

Alexandre Bahia);

b) muitas vezes o tribunal superior, ao julgar as demandas múltiplas ou seriadas,

destaca alguns casos e a partir daí busca-se impor a jurisprudência para os outros

casos, sem maiores análises ou aprofundamentos no caso concreto;

c) nem mesmo nos países em que historicamente se usam os precedentes (common

law), o precedente não é levantado em tese, mas devidamente contextualizado no

âmbito do caso concreto, de modo que a situação do direito brasileiro em busca da

suposta igualdade de tratamento acaba por fomentar o engessamento dos

posicionamento, principalmente em razão da forma superficial com que os precedentes

são criados, com o que se favorece inclusive, uma concepção hierarquizada da Justiça,

com quebra da independência interna (Humberto Theodoro, Dierle Nunes, Alexandre

Bahia);

d) Humberto Theodoro, Dierle Nunes, Alexandre Bahia, inclusive se referem ao

fenômeno sumular como uma espécie de “common law à brasileira”, sem a

preocupação científica de consolidação de uma verdadeira “teoria dos precedentes” em

nosso país, pois a aplicação e alegação e súmulas se dá de forma completamente

desconectada dos casos concretos, como se se tratasse de norma legal, de forma muito

diferente do que se passe nos países da common law.

48. Vale também invocar, a título de análise crítica, a doutrina italiana que tem se

produzido desde 2010 sobre a perspectiva do precedente judicial e que foi suscitada

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18

por um pronunciamento da Corte de Cassação italiana que em setembro de 2010

revirou jurisprudência consolidada anteriormente no sentido de que o prazo para

defesa em caso de decreto de pagamento seria de 10 dias, para se estabelecer um prazo

menor de 5 dias. O julgamento veio a causar comoção porque muitos devedores

apresentarem defesa no prazo de 10 dias e com isso o decreto de pagamento se

consolidaria, com a improcedibilidade da defesa (Calzolaio, Rivistra Trimestrale,

2013, n. 3p. 901).

49. O ponto suscitou então fortíssimo debate a respeito da perspectiva do

revirement jurisprudencial ser ou não aplicado de imediato, para os casos em curso,

em que a parte se fiou na linha dos precedentes consolidados no âmbito da

jurisprudência e depois vê a orientação jurisprudencial dar uma guinada de 180 graus.

50. Assim, os autores italianos têm observado que:

a) não se pode entender que a alteração em precedentes seria irretroativa, ou seja, só se

aplicaria para frente, porque os precedentes não tem força de lei, já que tratar o

precedente judicial como lei não seria possível em sistemas como o italiano, de civil

law, e a jurisprudência não pode ser vista como fonte do direito (Punzi, Rivista Direito

Processuale, 2011, n. 6)

b) justo processo impõe reflexão para proteção da parte que confiou no precedente

consolidado e atuou de acordo com tal orientação. Se tal orientação é alterada a parte

que confiou no precedente não pode ser prejudicada: surge a ideia da proteção da

confiança na orientação jurisprudencial anterior. Todavia, não se pode invocar a

irretroatividade do precedente, pois precedente não é lei, e como o precedente

interpreta a lei é naturalmente retroativo. A solução então para a proteção daquele que

confiou no precedente que veio a ser alterado no curso do processo é a perspectiva da

proteção da confiança (Rufini, Rivista Diritto Processuale, 2011, n. 6);

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19

c) destaca-se que as diferenças entre os sistemas de common law e civil law, apesar da

mistura atual entre os dois, existem e não podem ser ignoradas, razão pela qual não se

pode admitir a jurisprudência, nos sistemas de civil law como fonte do direito, em

razão do acolhimento do princípio da separação de poderes com maior rigidez (Verde,

Rivista Diritto Processuale, 2012, n. 1);

d) para que se tenha a possibilidade de aplicar a teoria da confiança no âmbito dos

precedentes, diante da impossibilidade de irretroatividade de posicionamentos

jurisprudenciais, é preciso ficar muito claro: a) existência de jurisprudência

consolidada; b) superveniência de alteração desta jurisprudência; c) conhecimento

posterior pela parte da reviravolta no âmbito da orientação consolidada (Verde, Rivista

Diritto Processuale, 2012, n. 1);

e) de qualquer forma Verde alerta para o fato de que se esta situação se tornar

corriqueira, pode ser que a parte não queira recorrer para buscar a reviravolta em um

precedente, pois a decisão então não se aplicaria para o caso, já que a outra parte

estaria protegida pela confiança (Verde, Rivista Diritto Processuale, 2012, n. 1);

f) o entendimento da corte de cassação italiana no sentido da irretroatividade da

reviravolta do precedente, quando prejudicar a parte que se valeu do entendimento

consolidado, eleva a jurisprudência como fonte do direito, com toda perplexidade

sistemática que isto gera em sistemas de civil law (Comoglio, Rivista Trimestrale,

2013, n. 2);

@

g) jurisprudência como fonte criadora do direito surge no cenário de insuficiência

legislativa, em cenário da parda da centralidade dos códigos e das leis, com grande

fragmentação do ordenamento, o que abre então espaço maior para a jurisprudência e

sua importância (Calzolaio, Rivistra Trimestrale, 2013, n. 3p. 901);

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20

h) Calzolaio indaga se esta valorização da jurisprudência no âmbito dos sistemas de

civil law implicaria em identificação com o sistema common law. Entende o autor que

não é possível a transposição pura e simples do sistema inglês para os sistemas

continentais, de fonte legislativa, em razão das diferenças históricas e culturais entre os

dois sistemas, indicando, inclusive, que a invocação dos sistemas de common law vem

para justificar a jurisprudência “criativa”, que cria o direito muitas vezes à revelia do

sistema legislativo, inclusive num cenário de desvinculação dos sistemas políticos e

eletivos por parte dos juízes, quando criam o direito à revelia da perspectiva política e

democrática (Calzolaio, Rivistra Trimestrale, 2013, n. 3p. 901);

i) Taruffo, em recentíssimo artigo (Rivista Trimestrale, 2014, n. 1), destaca que o valor

da uniformidade da jurisprudência é antigo, e se arguem como vantagens de tal

uniformização: i) certeza do direito; ii) garantia de igualdade de tratamento para as

partes; iii) previsibilidade do direito e das decisões dos tribunais. Mas como destaca

Taruffo, trata-se de visão estática do direito, baseada na completude do ordenamento

jurídico;

j) E, ainda segundo Taruffo, o órgão encarregado da uniformização seria uma corte

superior, alocada no ápice do ordenamento judiciário, o que cria então o mito da corte

suprema e dos precedentes que edita, que depois vêm repetidos como um mantra,

gerando uma obsessão pelo precedente (Rivista Trimestrale, 2014, n. 1);

l) Taruffo destaca como valorização do precedente o direito brasileiro com suas

súmulas vinculantes, que só encontra paralelo na Rússia e em Cuba (Rivista

Trimestrale, 2014, n. 1);

m) a perspectiva torna a corte superior, no vértice da pirâmide judicial, mais

importante do que o próprio legislador, e esta corte superior acaba por se manifestar

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21

com enunciados que mais parecem enunciados legislativos e que são desvinculados

dos fatos, o que leva a repensar a função dos precedentes nestes moldes (Rivista

Trimestrale, 2014, n. 1).

51. Estas importantes críticas a respeito do precedente e da função dos tribunais

superiores, independentemente de emprestarmos ou não adesão a elas, são importantes

para meditar a situação atual da jurisprudência, inclusive num momento tão importante

no Brasil, em que se está às vésperas da edição de um novo CPC que dedica todo um

capítulo aos precedentes, instituindo uma espécie de “teoria do precedente”, e que

merece destaque a seguir, para fechar o ponto relativo aos precedentes judiciais.

1.3. O projeto de CPC (versão aprovada na Câmara e tramitando no Senado: PL

8046-B finalizado na Câmara em 26.03.14)

52. O projeto, como já anunciado, dedica um capítulo especial ao “precedente

judicial” estabelecendo a regulamentação da formação e aplicação do precedente (arts.

520/522). A indicação numérica dos artigos (apenas 3) parece evidenciar um

tratamento mais geral, mas não é o que se verifica, pois o art.521 tem vários incisos e

11 parágrafos, de modo que o projeto, neste ponto, institui uma grande novidade no

direito brasileiro, já que, não obstante a reconhecida importância dos precedentes,

como visto no decorrer da exposição, ainda não havia regulamentação consistente e

sistematizada do precedente judicial.

53. Passa-se, então, a partir de agora a uma breve e panorâmica visão inicial do

tema do precedente judicial, no Projeto de CPC.

54. Cabe, antes, uma pequena indicação da evolução do tema do Anteprojeto

apresentado no Senado pela Comissão de Juristas em meados de 2010, passando pela

versão do Projeto aprovada no Senado e depois na mais atual, aprovada na Câmara.

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22

55. O Anteprojeto dispunha genericamente e de forma indicativa sobre o

precedente, no seu art. 847, dispondo que os tribunais deveriam velar para

uniformização e estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte:

a) os tribunais devem, sempre que possível, editar enunciados correspondentes à

súmula da jurisprudência dominante;

b) os órgãos fracionários devem seguir a orientação dos órgãos especiais e plenos aos

quais estejam vinculados internamente dentro do mesmo tribunal;

c) a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos

os órgãos a ele vinculados;

d) a jurisprudência do STF e do STJ deve nortear as decisões de todos os tribunais e

juízos singulares do país, de modo a concretizar os princípios da legalidade e da

isonomia.

e) no caso de alteração da jurisprudência dominante do STF ou do STJ, pode haver

modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica;

sendo que a mudança de entendimento sedimentado deve ser fundamente de maneira

adequada e específica considerando a estabilidade das relações jurídicas. Veja-se que

aqui o Anteprojeto partiu para se alinhar à orientação da Corte de Cassação italiana

acima indicada, no sentido de proteger a confiança da parte que acreditou e atuou de

acordo com os precedentes, ao admitir a modulação de efeitos na revisão do

precedente.

56. O projeto votado no Senado, PLS 166/2010, no final de dezembro, manteve, no

art. 882, basicamente a mesma estrutura do Anteprojeto.

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23

57. A matéria, todavia, sofreu uma reviravolta na Câmara dos Deputados, em cuja

versão final (PLS 8046-B) foi incluído o capítulo específico “Do Precedente Judicial”,

no âmbito, como dito, dos arts. 520/522, matéria, portanto, que pode sofrer

reapreciação por parte do Senado.

58. Como indicado, passa-se a uma breve panorâmica do tema no Projeto aprovado

na Câmara:

1) o art. 520 mantém a linha do art. 847 do Anteprojeto e indica que os tribunais

devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, devendo

os tribunais editar os enunciados de súmula correspondente à jurisprudência

dominante. Acrescenta-se porém que as súmulas devem se vincular às circunstâncias

fáticas dos precedentes (art. 520, §2º): aqui se vislumbra uma dificuldade, pois

considerando a prática do direito brasileiro de súmulas curtas, com enunciados

completamente genéricos, a observância do dispositivo, no sentido de que as súmulas

devem se ater à circunstâncias fáticas do precedentes, levaria a que as novas súmulas

indicassem, pelo menos, a base fática do caso;

2) o art. 521 anuncia as seguintes perspectivas para dar efetividade à aplicação do

precedente, na linha dos princípios da legalidade, segurança jurídica, duração razoável

do processo, proteção da confiança e isonomia:

a) inicialmente, indica-se a vinculação dos juízes e tribunais ao precedentes,

indicando-se que deverão seguir (“seguirão”) os precedentes nos seguintes termos:

I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal

Federal em controle concentrado de constitucionalidade

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24

- Aqui não se vê problema, pois a Constituição é que determina este efeito vinculante:

art. 102, §2º, CF.

II – os juízes e tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos e

os precedentes em incidente de assunção de competência ou de resolução de

demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial

repetitivos:

- Não se vê problema também quanto às súmulas vinculantes (art. 103-A, CF), mas o

drama da constitucionalidade pode aparecer nos outros casos (precedente em incidente

de assunção de competência; incidente de resolução de demandas repetitivas, ou em

julgamento de recursos especiais repetitivos), em que surgiria a dúvida: seria possível

ao legislador ordinário determinar a vinculação do precedente, independentemente de

previsão constitucional expressa, quando a Constituição só indica dois casos expressos

de vinculação do precedente? Não seria tema reservado à Constituição, tanto que os

dois casos estão expressos na Constituição (arts. 102, §2º, e 103-A)?

- A indicação nos outros casos referidos acima é de que se teria um precedente

vinculante, como se extrai do art. 959, relativamente ao incidente de assunção de

competência (causas relevantes e de grande repercussão social, em que o julgamento

do recurso pode ser afetado a um órgão colegiado específico: art. 959, §1º) e, segundo

o § 3º do art. 959, “o acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos

os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese, na forma do art.

521, §§ 6º a 11”.

- O incidente de resolução de demandas repetitivas é previsto nos arts. 988 a 999 do

PL Câmara, e é cabível junto aos TJ’s e TRF’s “quando, estando presente o risco de

ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva repetição de processos que

contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito”, e no art. 995

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25

se prevê a vinculação da tese jurídica estabelecida na decisão do incidente: “Art. 995.

Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos individuais ou

coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de

jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados

especiais do respectivo estado ou região”.

- A mesma perspectiva de vinculação do precedente também é confirmada no âmbito

dos recursos especial e extraordinário repetitivos, prevista no art. 1049 do Projeto

Câmara, no sentido de que “sempre que houver multiplicidade de recursos com

fundamento em idêntica questão de direito, o recurso extraordinário ou especial será

afetado para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o

disposto no regimento interno do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal

de Justiça”. E o art. 1053 prevê a força vinculante indicando, por exemplo, que, após a

decisão do recurso repetitivo, “os processos suspensos em primeiro e segundo graus

de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo

tribunal superior” (inciso III).

III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal

Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria

infraconstitucional

- Aqui, como se observa, se institui também a vinculação dos juízes e tribunais aos

enunciados das súmulas persuasivas, hoje sem efeito vinculante, do STF, e as do STJ,

que hoje são todas persuasivas. Valem as mesmas observações realizadas para o item

anterior sobre a dúvida de constitucionalidade.

IV – não sendo a hipótese de aplicação dos incisos I a III, os juízes e tribunais

seguirão os precedentes:

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26

a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de

constitucionalidade;

b) da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional

- Ainda estabelece o projeto a vinculação dos juízes a precedentes mesmo não

sumulados do STF e do STJ. De modo que valem as mesmas observações anteriores

quanto à dúvida de constitucionalidade.

- Veja-se que se parte do cenário atual de súmulas persuasivas e de poucas súmulas

vinculantes para o estabelecimento de uma série de amarras vinculativas e se se

interpretar o “seguirão” do texto do CPC na sua literalidade todos esses precedentes

vão vincular os juízos e tribunais.

- O ponto pode gerar ainda uma chuva de reclamações no STJ e STF, pois se

desobedecidos os precedentes gerados em julgamento de casos repetitivos ou em

incidente de assunção de competência, é cabível reclamação direta perante os dois

tribunais superiores (art. 1000, IV).

- E nos demais casos o Projeto Câmara não indica instrumento específico para a

correção no caso de não se observar, por exemplo, os precedentes indicados no art.

521, III e IV, de modo que provavelmente a arguição de eventual desobediência se

daria nos moldes atuais, por meio de recurso especial ou extraordinário, com o que não

se teria, nas duas hipóteses, súmulas propriamente vinculantes, mas sim persuasivas,

como ocorre com as atuais súmulas do STJ e as não vinculantes do STF. Isso porque,

súmula vinculante sem mecanismo específico para fazer prevalecer a súmula, pode ser

vinculante só no nome, mas não de fato.

3) o art. 521, § 3º, estabelece que o efeito vinculante do precedente decorre dos

fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo

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27

entendimento tenha ou não sido sumulado. Enquanto que o §4º do mesmo dispositivo

indica que não possuem efeito vinculante os fundamentos: “I – prescindíveis para o

alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão; II –

não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda

que relevantes e contidos no acórdão”. Ter-se-á, então, de realizar uma triagem nos

precedentes para indicar quais são os pontos vinculantes e aqueles não vinculantes, o

que vai obrigar os tribunais a instituírem um sistema rigoroso de triagem destes

fundamentos, sob pena de se instalar uma série de dúvidas no ponto.

4) o art. 521, § 5º, acolhe a distinguishing do sistema common law, em que se retira o

caso da aplicação do precedente mostrando que possui particularidades que podem

retirá-lo do espectro do precedente. Confira-se: “O precedente ou jurisprudência

dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido,

quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando

fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta

ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa”.

5) O 521, §§6º a 11, delineia as linhas gerais da modificação do precedente

sedimentado, podendo-se destacar o seguinte:

- o §7º prevê que “a modificação de entendimento sedimentado poderá fundar-se,

entre outras alegações, na revogação ou modificação de norma em que se fundou a

tese ou em alteração econômica, política ou social referente à matéria decidida”. A

disposição é interessante e parece acatar sem maiores problemas a perspectiva do

precedente como fonte do direito, já que se admite a alteração do precedente a partir

não apenas da modificação do cenário legislativo, mas também de alteração

econômica, política ou social referente à matéria decidida, com o que se abre a

perspectiva para se praticamente legislar por meio da jurisprudência, já que terá efeito

vinculante.

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- O § 10, na linha já indicada da proteção da confiança no precedente, dispõe que “na

hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de

precedente, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o

entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos

prospectivos”. Assim, na revisão do precedente vinculante, o tribunal poderá modular

os efeitos da decisão, estabelecendo uma data a de corte a partir da qual a orientação

passa a ser aplicada ou mesmo aplicar o “efeito prospectivo”, ou seja, pró-futuro, de

modo que a nova orientação só vale para o futuro, tal como ocorre hoje na ADI/ADC,

nos termos do art. 27, da Lei 9.868/99, e do art. 4º da Lei 11.417/06. Veja-se, a título

de exemplo, o teor do art. 27 da Lei 9.868/99: “Art. 27. Ao declarar a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança

jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por

maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou

decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro

momento que venha a ser fixado”.

- No ponto cabe, ainda, menção ao Enunciado 54 do II Encontro dos Jovens

Processualistas do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), realizado em

Salvador-BA, indicado que a regra da alteração do precedente seria efeito prospectivo

(pró-futuro): “Pelos pressupostos do § 6º do art. 521, a modificação do precedente

tem, como regra, eficácia temporal prospectiva. No entanto, pode haver modulação

temporal, no caso concreto”.

- Neste ponto vale relembrar as perspectivas da doutrina italiana sobre a confiança no

precedente, de um lado, e de outro o fato de que a situação pode desestimular recursos,

já que se a alteração só vale para o futuro não atingiria o caso em julgamento que

levou à alteração do precedente.

6) Por fim, vale indicar que o art. 521, §1º, ainda determina que no âmbito da

formação do precedente devem ser observados os arts. 10 e 499, §1º, do Projeto.

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29

- O art. 10 do Projeto dispõe que “em qualquer grau de jurisdição, o órgão

jurisdicional não pode decidir com base em fundamento a respeito do qual não se

tenha oportunizado manifestação das partes, ainda que se trate de matéria apreciável

de ofício”.

- Daí, por exemplo, a orientação cristalizada no II Encontro dos Jovens Processualistas

do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), realizado em Salvador-BA,

indicada o Enunciado 2 para interpretação do art. 521 conjugado com o art. 10 do

Projeto, no sentido de que “Para a formação do precedente, somente podem ser

usados argumentos submetidos ao contraditório”.

- E o art. 499, §1º, é artigo de grande destaque no Projeto, pois traz o elenco de

decisões judiciais que padecem do vício de falta de fundamentação:

“§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela

interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar

sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de

sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,

infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus

fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta

àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado

pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a

superação do entendimento”.

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BIBLIOGRAFIA REFERIDA NO TEXTO

CALZOLAIO, E. Mutamento giurisprudenziale e overruling. Rivista Trimestrale di

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