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53 Relicários Cruz do Santo Lenho Mogol No Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, guarda-se um invulgar conjunto de peças de fun- ção litúrgica, uma cruz relicário e um par de galhetas, de evidente manufactura oriental ao estilo mogol, datados de finais do século XVII e princípios do século XVIII. d O seu material constituinte principal, a nefrite verde (uma variedade de jade), e a decoração vegetalista materializada em ouro, segurando quase 300 rubis polidos em cabuchão, são fortes indicadores desta proveniência. O par de galhetas, utilizado para levar o vinho e a água para a consagração na Eucaristia, faz conjunto com a cruz, tendo em comum, além do estojo, o material constituinte principal, a nefrite, e a decoração vegetalista dourada, que segura vidros azuis, quartzos com forro colorido e apenas um rubi, poden- do quase dizer-se que se tratam de pedras de imitação. O enriquecimento mais faustoso da cruz, com rubis, será porventura mais consentâneo com a dignidade da relíquia que para aí era destinada. São raros os objectos religiosos de culto católico feitos em jade, em especial com marcadas caracte- rísticas de arte mogol, sendo este povo conhecido apreciador de trabalhos em jade com aplicações de ouro e pedrarias. Este conjunto será, assim, uma provável peça feita de encomenda, porventura no período em que os jesuítas portugueses frequentaram a corte mogol, a qual, embora muçulmana, demonstrava grande interesse e curiosidade pela iconografia e arte cristãs 33 . Tal como foi referido, o material constituinte da cruz relicário e do par de galhetas em apreço é a nefrite, uma variedade de jade. Cumpre, então, esclarecer que a expressão jade é meramente uma designação de um conjunto de minerais com determinadas características texturais, em concreto a mencionada nefrite e a jadeíte, que apesar das semelhanças visuais são materiais diferentes com propriedades também diferentes. A nefrite, que ocorre noutras cores além do verde (e. g. branco, creme), é de utilização muito ancestral na China, sendo-lhe associado um forte simbolismo do culto dos mortos enraizado nas culturas taoísta e budista. Os portugueses de Quinhentos chamavam a este mineral “pedra da ilharga”, designação que foi utilizada pelos conquistadores espanhóis coe- vos para descrever um material semelhante encontrado em artefactos olmecas e maias na Meso- -América que, na realidade, é a outra variedade deste grupo, a jadeíte, procedente da actual Guate- mala. Uma sucessão de corruptelas deu origem à expressão “piedra da hijada” que depois derivou na palavra jade, ficando aqui sugerido que esta palavra tem, no fundo, uma origem portuguesa. d Raro conjunto de cruz relicário e par de galhetas ao estilo mogol, datado de finais do séc. xvii a princípios do séc. xviii e de evidente fabrico oriental. O jade (nefrite) é o material gemológico fundamental, estando enriquecido com aplicações de ouro e prata dourada que seguram, no caso da cruz, quase 300 rubis em cabuchão e, nas galhetas, essencialmente vidros e quartzos. Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto Foto: IMC / DDF / José Pessoa

Pedras Preciosas na Arte Sacra

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Page 1: Pedras Preciosas na Arte Sacra

53Relicários

Cruz do Santo Lenho MogolNo Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, guarda-se um invulgar conjunto de peças de fun-ção litúrgica, uma cruz relicário e um par de galhetas, de evidente manufactura oriental ao estilo mogol, datados de finais do século xvii e princípios do século xviii. d O seu material constituinte principal, a nefrite verde (uma variedade de jade), e a decoração vegetalista materializada em ouro, segurando quase 300 rubis polidos em cabuchão, são fortes indicadores desta proveniência. O par de galhetas, utilizado para levar o vinho e a água para a consagração na Eucaristia, faz conjunto com a cruz, tendo em comum, além do estojo, o material constituinte principal, a nefrite, e a decoração vegetalista dourada, que segura vidros azuis, quartzos com forro colorido e apenas um rubi, poden-do quase dizer-se que se tratam de pedras de imitação. O enriquecimento mais faustoso da cruz, com rubis, será porventura mais consentâneo com a dignidade da relíquia que para aí era destinada. São raros os objectos religiosos de culto católico feitos em jade, em especial com marcadas caracte-rísticas de arte mogol, sendo este povo conhecido apreciador de trabalhos em jade com aplicações de ouro e pedrarias. Este conjunto será, assim, uma provável peça feita de encomenda, porventura no período em que os jesuítas portugueses frequentaram a corte mogol, a qual, embora muçulmana, demonstrava grande interesse e curiosidade pela iconografia e arte cristãs33 .Tal como foi referido, o material constituinte da cruz relicário e do par de galhetas em apreço é a nefrite, uma variedade de jade. Cumpre, então, esclarecer que a expressão jade é meramente uma designação de um conjunto de minerais com determinadas características texturais, em concreto a mencionada nefrite e a jadeíte, que apesar das semelhanças visuais são materiais diferentes com propriedades também diferentes. A nefrite, que ocorre noutras cores além do verde (e. g. branco, creme), é de utilização muito ancestral na China, sendo-lhe associado um forte simbolismo do culto dos mortos enraizado nas culturas taoísta e budista. Os portugueses de Quinhentos chamavam a este mineral “pedra da ilharga”, designação que foi utilizada pelos conquistadores espanhóis coe-vos para descrever um material semelhante encontrado em artefactos olmecas e maias na Meso- -América que, na realidade, é a outra variedade deste grupo, a jadeíte, procedente da actual Guate-mala. Uma sucessão de corruptelas deu origem à expressão “piedra da hijada” que depois derivou na palavra jade, ficando aqui sugerido que esta palavra tem, no fundo, uma origem portuguesa.

dRaro conjunto de cruz relicário e par de galhetas ao estilo mogol, datado de finais do séc. xvii a princípios do séc. xviii e de evidente fabrico oriental. O jade (nefrite) é o material gemológico fundamental, estando enriquecido com aplicações de ouro e prata dourada que seguram, no caso da cruz, quase 300 rubis em cabuchão e, nas galhetas, essencialmente vidros e quartzos.

Museu Nacional de Soares dos Reis, PortoFoto: IMC / DDF / José Pessoa