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0 Pedro Henrique Pellegrini Cesar TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II O PRETO E BRANCO USADO NA FOTOGRAFIA DO CINEMA CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE DO FILME FEBRE DO RATO Santa Maria RS 2016

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Pedro Henrique Pellegrini Cesar

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II

O PRETO E BRANCO USADO NA FOTOGRAFIA DO CINEMA

CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE DO FILME FEBRE DO RATO

Santa Maria – RS

2016

1

Pedro Henrique Pellegrini Cesar

O PRETO E BRANCO USADO NA FOTOGRAFIA DO CINEMA

CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE DO FILME FEBRE DO RATO

Trabalho Final de Graduação apresentado

ao Curso de Publicidade e Propaganda,

Área de Ciências Sociais, do Centro

Universitário Franciscano – Unifra, como

requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Codevilla

Santa Maria, RS

2016

2

Pedro Henrique Pellegrini Cesar

O PRETO E BRANCO USADO NA FOTOGRAFIA DO CINEMA

CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE DO FILME FEBRE DO RATO

Banca examinadora:

_________________________________________

Prof. Dr. Fernando Codevilla – Orientadora

(Centro Universitário Franciscano)

_________________________________________

Prof. Carlos Alberto Badke

(Centro Universitário Franciscano)

_________________________________________

Profª. Michele Kapp Trevisan

(Centro Universitário Franciscano)

Aprovado em ___ de ____________ de 2016.

3

SUMÁRIO

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES 4

1 INTRODUÇÃO 6

2 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA 10

2.1 FOTOGRAFIA 11

2.2 PLANIFICAÇÃO E MOVIMENTOS DE CÂMERA 17

2.3 SUPORTE 29

3 NARRATIVA 34

4 VANGUARDAS E ESCOLAS CINEMATOGRÁFICAS 39

4.1 EXPRESSIONISMO ALEMÃO 41

4.2 NOUVELLE VAGUE E CINEMA NOVO 45

5 METODOLOGIA 48

6 ANÁLISE 50

6.1 OBJETO DE ESTUDO 50

6.2 ANÁLISE 53 6.2.1 Panorama de Recife 53 6.2.1.1 Tabela de decupagem 54 6.2.1.2 Decupagem descritiva 55 6.2.1.3 Interpretação de decupagem. 58 6.2.2 O Quatrilho 59 6.2.2.1 Tabela de decupagem 60 6.2.2.2 Decupagem descritiva 61 6.2.2.3 Interpretação de decupagem 64 6.2.3 Conversa com Eneida 65 6.2.3.1 Tabela de decupagem 66 6.2.3.2 Decupagem descritiva 66 6.2.3.3 Interpretação de decupagem 68 6.2.4 Aos caranguejos 69 6.2.4.1 Tabela de decupagem 69 6.2.4.2 Decupagem descritiva 70 6.2.4.3 Interpretação de decupagem 70

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 72

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75

4

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Gradiente de cinza (imagem retirada do site

http://www.fazendovideo.com.br/vtsin4.asp). ................................................................ 14

Figura 2. Cena retirado do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. ................... 15

Figura 3. Cena retirado do filme Tree of Life (2011), de Terrence Malick. .................. 15

Figura 4. GPG cidade de Recife, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio

Assis. .............................................................................................................................. 18

Figura 5. PG periferia, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

........................................................................................................................................ 19

Figura 6. PC da conversa do quatrilho, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de

Cláudio Assis. ................................................................................................................. 19

Figura 7. Pano inteiro do poeta Zizo, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de

Cláudio Assis. ................................................................................................................. 20

Figura 8. PM do poeta Zizo com um megafone, cena retirada do filme Febre do Rato

(2011), de Cláudio Assis. ............................................................................................... 21

Figura 9. Close de Pázinho, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio

Assis. .............................................................................................................................. 21

Figura 10. Plano detalhe evidenciando as mãos de Zizo enquanto escreve em seu próprio

corpo, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. ........................ 22

Figura 11. Plano detalhe retirado do filme Inception (2010), de Christopher Nolan. .... 22

Figura 12. Regra dos 180º - planta da cena (imagem montada pelo autor). ................... 23

Figura 13. Câmera 1 - plano conjunto (imagem montada pelo autor). ........................... 24

Figura 14. Câmera 2 - plano médio da personagem B (imagem montada pelo autor). .. 24

Figura 15. Câmera 3 - plano médio da personagem A (imagem montada pelo autor). .. 25

Figura 16. Plano normal retirado do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. .... 25

Figura 17. Plano contra-plongée retirado do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio

Assis. .............................................................................................................................. 26

Figura 18. Plano zenital retirado do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. ..... 26

Figura 19. Sequência retirada do filme Panorama du Gran Canal vu d’un bateau (Veneza,

1896), de Lumière. ......................................................................................................... 27

Figura 20. Equipamentos de travelling: trilho, dolly e grua (imagens retiradas do site:

http://funnyshadows.blogspot.com.br/ e montadas pelo autor). ..................................... 28

Figura 21. Steadycam (Imagem retirada do site http://funnyshadows.blogspot.com.br/).

........................................................................................................................................ 28

Figura 22: Câmera Aaston Penelope 35mm e cena do filme Febre do Rato (2011), de

Cláudio Assis. Usando a janela de corte de 1.85:1. ........................................................ 30

Figura 23: Câmera Arri Alexa SXT 4K e cena retirada do filme Ida (2013), de Paweł

Pawlikowski. Usando a janela de corte 1.33:1. (Imagem retirada do site: www.arri.com,

montagem feita pelo autor). ............................................................................................ 30

Figura 24. Arri Alexa 65mm (imagem retirada do site: www.arri.com). ....................... 31

Figura 25. Cena retirada do filme The Revenent (2015) de Alejandro González Iñárritu.

........................................................................................................................................ 32

Figura 26: Síntese do Monomito – A Jornada do Herói (imagem retirada do site:

http://www.heroisemitos.com.br/2012/12/a-jornada-do-heroi.html). ............................ 35

Figura 27. Imagem retirada do filme Annie Hall (1977) de Woody Allen. ................... 36

Figura 28. Imagem retirada do filme Deadpool (2016) de Tim Miller. ......................... 37

Figura 29. Imagem retirada do filme Febre do Rato (2011) de Cláudio Assis. ............. 37

Figura 30: Pubertet (1894), de Edvard Munch (Imagem retirada do site:

https://br.pinterest.com/pin/541980136376297790/). .................................................... 43

5

Figura 31: Cena retirada do filme Nosferatu, uma sinfonia de horrores (1922) de Friedrich

Murnau. .......................................................................................................................... 44

Figura 32. Comparativo da fonte de luz: Quadro de Munch e filme de Murnau (imagem

montada pelo autor). ....................................................................................................... 44

Figura 33 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Panorama de Recife - plano 1 ......................................................................................... 55

Figura 34 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Panorama de Recife - plano 2 ......................................................................................... 55

Figura 35 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Panorama de Recife - plano 3 ......................................................................................... 56

Figura 36 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Panorama de Recife - plano 4 ......................................................................................... 56

Figura 37 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Panorama de Recife - plano 5 ......................................................................................... 57

Figura 38 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Panorama de Recife - plano 6 ......................................................................................... 57

Figura 39 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Panorama de Recife - plano 7 ......................................................................................... 58

Figura 40 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Quatrilho - plano 1. ......................................................................................................... 61

Figura 41 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Quatrilho - plano 2. ......................................................................................................... 61

Figura 42 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Quatrilho - plano 3. ......................................................................................................... 62

Figura 43 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Quatrilho - plano 4. ......................................................................................................... 62

Figura 44 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Quatrilho - plano 5. ......................................................................................................... 63

Figura 45 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Quatrilho - plano 6. ......................................................................................................... 63

Figura 46 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Quatrilho - plano 7. ......................................................................................................... 63

Figura 47 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Referência de

iluminação. ..................................................................................................................... 64

Figura 48 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Conversa com Eneida - plano 1. ..................................................................................... 66

Figura 49 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Conversa com Eneida - plano 2. ..................................................................................... 67

Figura 50 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência:

Conversa com Eneida - plano 3. ..................................................................................... 67

Figura 51 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Referência de

luz. .................................................................................................................................. 68

Figura 52 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Aos

caranguejos. .................................................................................................................... 70

6

1 INTRODUÇÃO

A história do cinema pode ser guiada pela evolução dos suportes utilizados para a

captação dos filmes. No final do século XIX, o cinema tem início com câmeras escuras

que rodavam a película preto e branco (PB), a 24fps (frames por segundo). Essas

máquinas rudimentares que iniciaram a história da sétima arte eram utilizadas, em

princípio, apenas para pequenas cenas documentais – que retratavam nada mais que o

cotidiano das grandes metrópoles – posteriormente foram introduzidas pequenas

narrativas teatrais. Com o passar dos anos, e com o desenvolvimento tecnológico, a

película ganhou cores, primeiro avermelhada, depois em tons de ciano até evoluir para a

película colorida como conhecemos hoje em dia.

O uso da película PB era justificado nos anos de 1940 a 1960, segundo Jean-

Claude Bernardet em seu livro O que é cinema (1980), pelo seu baixo custo em

comparação à película colorida. Por esse motivo seu uso tornou-se recorrente em

produções independentes ou de pequeno orçamento. Em muitos casos, o uso,

primeiramente justificado pela pouca de verba disponível, acabou criando a estética de

novos movimentos dentro do cinema, como no caso da Nouvelle Vague1, do Cinema

Novo2 e posteriormente do Film Noir Americano3.

Observa-se, a partir dos anos 1980, um resgate da película PB como recurso

fotográfico trabalhado junto à direção de arte. Esta retomada do filme em preto e branco

na era do cinema colorido ocorre para diversas finalidades, como para enfatizar a

arquitetura no filme Manhattan (1979), de Woody Allen, ou para recriar a época em que

o enredo se passa como em A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, que utiliza

do PB para destacar o casaco de uma menina em vermelho, tornando-se essencial para a

narrativa.

1 Nouvelle vague: ou nova onda francesa, é o movimento cinematográfico caracterizado por quebrar os

laços com o cinema de estúdio. (BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense,

1981, p 47). 2 Cinema novo: corrente cinematográfica surgida no Brasil, na década de 1960, e fortemente comprometida

com a cultura nacional. (Ibid. p.93) 3 Termo francês referente à estética de filmes hollywoodianos – que entraram na França na época da

ocupação alemã - que absorveram da estética expressionista a fim de contar filme de plot policial.

(MASCARELLO, Fernando. Film Noir In: MASCARELLO, Fernando (org.) História Mundial do Cinema.

Campinas, Papirus Editora. 2006).

7

Luiz Adelmo, que é diretor e cinematógrafo, em entrevista a Danielle Noronha4,

no artigo Representação do Preto e Branco (2015) para o site www.abcine.com, discorre

sobre o uso e a justificativa do suporte PB no cinema contemporâneo:

Considerando que a grande maioria dos filmes hoje é feita em cores, usar o

preto e branco deve vir acompanhada de alguma indicação de estado de

personagem, indicando tom de cena ou mesmo referência temporal, algo nesse

estilo, de expressar uma intenção ao menos implícita. (NORONHA, 2015) 5.

Já Claudio Assis, cineasta brasileiro, afirma em entrevista a Andréia Silva6 que “o

preto e branco ajuda você a se distrair, a amar, a abstrair”. No filme Febre do Rato (2011)

em que Assis é coautor e diretor, o recurso da fotografia em um suporte PB é usado para

ambientar e determinar o clima do filme. O roteiro é uma parceria de Hilton Lacerda com

Claudio Assis e a direção de fotografia é de Walter Carvalho.

Com o advento da cinematografia digital que vem barateando o custo de

produções de pequeno e médio porte e o auxílio tecnológico que se tem para se obter

diferentes paletas de cores para o cinema, ainda se recorre à película PB como suporte

com a finalidade de auxiliar na narrativa, por mais que aumente o custo da produção. Esse

trabalho busca entender como as influências fotográficas atuam junto à escolha da

película como suporte para rodar um filme fotografado em PB e como esses fatores

determinam a estética do filme e auxiliam na sua narrativa.

Pretende-se, com esse trabalho, entender o porquê do uso da película PB no

cinema contemporâneo diante da consolidação da cinematografia digital. Para isto,

observa-se como o uso dessa linguagem fotográfica auxilia na construção da história e na

estética do filme a partir da obra Febre do Rato (Brasil, 2011), de Cláudio Assis, com a

direção de fotografia de Carvalho. Essa pesquisa tem como objetivo responder como o

suporte e a fotografia são empregadas no filme de Assis criando a estética para o ambiente

apresentado.

Esse trabalho busca compreender como a estética do PB pode ser útil para se

contar uma história, além de investigar como o diretor de fotografia pode fazer uso dessa

estética e também discorrer sobre as escolas que podem ter influenciado a fotografia em

4 Jornalista responsável pelo site da Associação Brasileira de Cinematografia (ABCine), graduada em

Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo (2009), doutoranda em Medios, Comunicación y

Cultura pela Universitat Autònoma de Barcelona. 5 NORONHA, Daniele. Representação em preto e branco: Técnicos da cinematografia debatem os

significados da representação em preto e branco hoje, disponível em:

http://abcine.org.br/artigos/?id=1583&/representacao-em-preto-e-branco, 13/03/2015. 6 Assis em entrevista a Andréia Silva, da www.saraivaconteudo.com.br.

8

preto e branco. Assim, analisa-se em quais aspectos ela se diferencia do colorido para sua

contribuição na narrativa do filme e sobre a escolha do diretor em rodar um filme em

película PB, como o suporte escolhido influencia – junto da fotografia PB – para estética

do filme.

A fotografia PB é utilizada no filme de Assis trabalhando em prol da narrativa e,

por fim, o cruzamento de sequências do filme onde é observado a intersecção entre a

fotografia das cenas e das escolas apontadas como inspiradoras do PB no cinema. Para

esse fim, a linguagem cinematográfica será abordada no capítulo 2 a partir de três

aspectos: A fotografia, parte responsável pelos assuntos aparecerem em cena, à luz que

será usada e como ela será usada para apresentar a mise-en-scène, o tom que se deseja dar

ao ambiente e as personagens. Apresentando como é pensado a luz dentro do cinema, em

relação a câmera, e o tipo de iluminação que foi usado, em principio, para se fotografar

em preto e branco.

Movimentos de câmera e enquadramentos: determinam como e o que vai aparecer

dentro da janela, como o espectador vai ser apresentado ao mundo estabelecido e que

recorte desse mundo deve ser visto assim como ele deverá percorrer esse ambiente para

percebe-lo. Também são explorados os movimentos de câmera e como eles mudaram a

maneira de fazer cinema, como esse aspecto fotográfico garante uma dinamicidade para

a narrativa.

O suporte: determinado pelo equipamento utilizado para a captação do filme,

sendo muitas vezes determinante na linguagem da obra cinematográfica – podendo ser

captado em película (super8, 16mm, 35mm) ou, atualmente, em suportes digitais

(mantendo o aspect ratio7 equivalente as da película). Um próximo capítulo trata da

narrativa e como os três elementos cinematográficos trabalham em prol dela no filme, a

história e todo o contexto em que ela se desenvolve, assim como as referências que serão

utilizadas e a construção das personagens.

Por último, serão apresentadas as escolas cinematográficas que serão utilizadas

para as análises. Para isso foram observadas três escolas que tiveram grande importância

para o uso da fotografia a favor da narrativa e da fotografia preto e branco como

linguagem. A primeira delas é o Expressionismo Alemão, vanguarda europeia da década

de 1920 que ousou a utilizar a luz para dar tom a seus filmes; a Nouvelle Vague francesa

7 Proporção de tela

9

que quebrou paradigmas rompendo com o dito cinema de qualidade8 e o Cinema Novo,

movimento cinematográfico brasileiro que buscava discutir sobre o homem comum

diante da sociedade em que ele está inserido (governo, estado e religião). Para auxiliar o

referencial teórico, serão utilizados trechos do filme ou de filmes referência para

exemplificar cada ponto abordado.

O capitulo 5, sobre a metodologia usada no trabalho, será apresentado o método

de análise utilizada para fazer o cruzamento entre o referencial teórico e as sequências

retiradas do filme. Essa análise consiste em decupar as sequências retiradas do filme

quanto sua planificação, ângulo de câmera, movimento de câmera, imagens dispostas em

cena, fotografia empregada no plano e sua sonoplastia.

No capítulo 6 (análise), será feita a análise em si, primeiramente será construída

(para cada sequência retirada do filme) uma tabela de decupagem, que apresenta os

principais pontos abordados em cada cena, depois uma decupagem descritiva, contendo

os elementos observados de forma expandida e por último uma interpretação da

decomposição da sequência seguido pelas considerações finais sobre o assunto.

8 Cinema de qualidade foi o termo que François Truffaut usa para descrever os filmes de estúdio da década

de 1950/1960. A primeira vez que foi usado foi na revista Cahiers du cinema em 1953.

10

2 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA

O homem desenvolveu no decorrer dos séculos maneiras de registrar fatos e contar

histórias, sejam elas por meio de pinturas em paredes de cavernas, telas e afrescos. Com

o passar dos anos e o crescer da tecnologia, veio à possibilidade de registrar momentos

através de fotografias – primeiro em telas de metal e vidro besuntados em sal de prata, e

posteriormente, em pedaços de celulóide sensível a quantidades específicas de luz –

através da câmera escura.

Posteriormente, o desenvolvimento de equipamentos capazes de capturar e

reproduzir movimentos estavam sendo pesquisados, ao mesmo tempo, por cientistas de

diversos países, os que receberam maior destaque foram os irmãos Lumière na França,

Thomas Edison nos Estados Unidos e irmãos Skladanowsky na Alemanha. Todos

baseados no mesmo princípio: ser capaz de registrar e reproduzir imagens em movimento.

Seus projetos eram embasados nos estudos de Eadweard J. Muybridge fotógrafo inglês

que, em meio a estudos de movimento dos animais, constatou que para haver fluência nos

movimentos, eram necessários 24 fotogramas por segundo (que é a base de frames9 usada

até hoje no cinema).

Entre esses inventores, os mais aclamados como vanguardistas foram os irmãos

Lumière que, no final do século XIX na França, segundo Merten (2005), desenvolveram

uma forma de registrar imagens em movimento, o cinematógrafo, equipamento capaz de

captar imagens e reproduzi-las com o auxílio de um projetor. Esse equipamento foi

apresentado pela primeira vez em Paris no ano de 1895 na primeira sala de projeções

montada no Grand Café – onde se deu a apresentação de dez curtas metragens. Esses

curtas-metragens, mudos e em PB, apresentavam cenas do cotidiano urbano da cidade de

Lyon: trens passando, trabalhadores saindo das fábricas e pessoas caminhando.

Os irmãos franceses podem ter desenvolvido o cinematógrafo, porém, foi Georges

Méliès, um mágico francês e dono de teatro, que desenvolveu o cinema mais parecido

com o que conhecemos hoje, que é descrito por Merten como:

Estórias para serem interpretadas em frente à câmera, noções de montagem e

edição para uma narrativa linear e conceitos técnicos de fotografia

cinematográfica que foram desenvolvidos com o passar dos anos se tornando

mais rebuscada e específica. (MERTEN, 2003, p. 10).

9 Frames: referente a um fotograma na película.

11

Ele adaptou o teatro convencional para frente da câmera e acabou criando uma

linguagem na fotografia, edição, planificação e narrativa para esse novo meio. Essa

linguagem adaptada evoluiu e se desenvolveu uma forma, agora própria do cinema, de se

contar histórias. Na década de 1920 nascem as chamadas Vanguardas Europeias,

movimentos artísticos que vieram a influenciar o cinema daquela época. Em meio a

experimentalismo se desenvolve novas formas de usar a câmera e as luzes para contribuir

na narrativa dos filmes.

A fase, descrita por Martin (2005), como palco-tela, do cinema dura até meado

dos anos 30, quando começam a serem empregados pequenos movimentos a câmera. A

possibilidade desses movimentos revoluciona mais uma vez o jeito de contar histórias,

que agora podem apresentar, de forma mais imersiva, o cenário e o contexto onde o filme

se passa para o espectador.

A revolução tecnológica dos anos 30 a 60 permitiu que houvesse maiores

movimentos com a câmera. Os rolos de filme maior possibilitaram gravar planos

sequência mais extensos e com novos refletores foi possível experimentar novos jogos de

luzes. Todo esse experimentalismo e desenvolvimento de tecnologia para o cinema

proporcionou a criação de novas Escolas Cinematográficas com características muito

próprias em sua fotografia, em seus movimentos de câmera e planificações e,

posteriormente, com o uso de suportes diferente como: película 35 mm, 16 mm, 8mm,

70mm IMAX e digital.

Diante desses recursos usados a fim da narrativa do filme, esse capítulo divide a

linguagem cinematográfica em 3 principais tópicos: Fotografia e luz, planificação e

movimento e suporte. A divisão foi feita baseado na decupagem fílmica, proposta por

Vanoye e Goliot-Lété, em seu livro Ensaio sobre a análise fílmica (2002), que propõem

a desconstrução do objeto analisado, no caso a sequência retirada do filme, em seu menor

fragmento, ou seja, a sequência será analisada quanto ao suporte, os planos, os

movimentos de câmera e a sua fotografia (luz presente no ambiente).

2.1 FOTOGRAFIA

No início do cinema a fotografia tinha apenas a função de revelar os assuntos em

cena para serem registrados. Havia pouco ou nenhum movimento de câmera e a ação das

personagens era teatral. Com o passar do tempo, há uma evolução na linguagem

cinematográfica, assim a fotografia começa a ter um papel mais importante do que apenas

apresentar o ambiente para uma boa exposição na película. A fotografia acaba ganhando

12

a importância na narrativa de apresentar e guiar o olhar do espectador durante o plano. O

papel do fotógrafo se torna cada vez mais importante, não apenas para apresentar os

assuntos em cena, mas também para dar o tom que esses assuntos aparecem.

Para fotografar um ambiente, antes de qualquer coisa, deve se entender onde a

ação ocorre e quais são os pontos de luminosidade desse ambiente – posição do sol,

janelas, lâmpadas, luminárias – e quais delas deve ser intensificada ou reposicionada a

fim de iluminar – apresentar - o assunto. Para isso é feito uma planta baixa do ambiente,

decidindo o quadro que se deseja gravar – o posicionamento do assunto e o

enquadramento do ambiente em relação à câmera10. Depois de ter o enquadramento em

mente e a câmera posicionada, deve-se decidir o tom que se deseja obter com a cena, para

isso deve ser levado em conta o horário que a cena se passa (dia ou noite), as luzes que o

ambiente possui para que possa apresentar o assunto e a ação, assim as luzes são

posicionadas para que a cena possa ser rodada.

Para entender como o fotógrafo produz um determinado tom a cena, é necessário

entender o posicionamento dos refletores em uma gravação. Tendo como princípio que a

câmera é o observador e o que importa é o que aparece dentro do quadro, Edgar Moura

estabelece três posições básicas de posicionamento de luz em seu livro 50 anos de luz

câmera e ação:

Uma radiação se difundindo em linha reta num espaço de três dimensões pode

ser localizada com três coordenadas: mais alto ou mais baixo, pela direita ou

pela esquerda, pela frente ou por trás. Aplicando esses dados à iluminação,

temos as três posições de luz possíveis: ataque, compensação e contraluz.

(MOURA, 2001, p. 28)

Para a iluminação de uma cena segundo Moura (2001), primeiramente é pensado

na luz de ataque que apresenta o primeiro plano do ambiente, normalmente, focado no

assunto – o ataque, vindo de uma única fonte, produz uma única sombra, que ambas

determinam uma reta, no meio dessa reta fica a atriz. A função do ataque, na fotografia,

é dar relevo para o que é filmado, assim produzindo sombra em direção oposta a fonte de

luz e se percebe a profundidade do campo que é apresentado, para isso a posição da luz

de ataque varia de 45º a 90º em relação a câmera, pois, se ela estiver em cima da câmera

a sombra será formada atrás do assunto – tirando o relevo que se deseja no quadro.

10 O posicionamento do assunto e o enquadramento do ambiente em relação à câmera será aprofundado no

capitulo 2.2 Planificação e movimentos de câmera.

13

Depois da luz de ataque ser estabelecida, deve-se pensar na compensação, que

Moura (2001) poetiza como:

A compensação é o drama. É a técnica. É a continuidade. Fotografia é

contraste. A compensação é o contraste. O ataque dá relevo. O ataque é a

primeira luz que se coloca. O ataque é a luz principal, mas é na compensação

que está o clima da fotografia. Tudo que se diz quando se quer descrever uma

imagem é em função da compensação. Por exemplo: o cinema noir é noir porque não tem compensação. Nele, as sombras são negras. A compensação é

o brilho nos olhos dela. A compensação está sempre atrás da câmera. Sua luz

não se vê, se sente. Em compensação, a natureza da compensação é constante.

A compensação é sempre difusa. A compensação, por si só, nunca é demais ou

de menos. Ela se define, sempre, tonto em direção quanto em intensidade, em

função do ataque. E na compensação que está o erro ou o acerto do fotógrafo:

compensação demais desaparece o relevo; de menos, não se vê nada nas áreas

de sombra. (MOURA, 2001, p. 65)

Em quanto à ‘luz de ataque’ modela o assunto, a luz de compensação vem como

reação a essa iluminação direta, ela está presente para preencher – de luz – o espaço vazio

que o ataque gera. Em inglês o termo Fill Light significa, em uma tradução livre, luz de

preenchimento, como diz Moura (2001, p. 66), refletor com o objetivo de “encher de luz

a sombra causada pelo refletor de ataque. Compensar a ação do ataque. Encher as sombras

do ataque”.

A ‘luz de compensação’ causará um efeito de luz adicional ao ambiente,

iluminado o espaço já iluminados pela luz de ataque e, principalmente, iluminando as

sombras e as deixando menos duras11 – menos marcadas, suavizadas. O refletor

responsável pela compensação estará posicionado junto à câmera (ou em cima, ou em

baixo, ou do lado ou todos eles), pois sabemos que o que deve ser enfatizado – o que

importa - é o que aparece dentro do quadro, e as sombras que devem ser suavizadas são

aquelas que aparecem na tela (formadas outrora pelo ataque).

Lembrando que a compensação está ali para preencher a cena, deve-se ter o

cuidado de dosar muito bem sua intensidade. Se ela estiver tão forte quanto o refletor de

ataque ela produzira uma segunda sombra, caso esteja muito fraca não cumprira seu

objetivo de suavizar as sombras. Essa posição de refletor, como apresentado por Moura

anteriormente, dará o tom da cena, permitindo que as sombras sejam mais duras, dando

um clima mais pesado ou as suavizando deixando, para o espectador, uma visão mais leve

do ambiente e revelando mais do que está sendo apresentado.

11 Referente a qualidade da luz.

14

Por último a posição do contraluz, como o próprio nome sugere, a contraluz está

contra a luz – a luz principal, de ataque. O refletor do contraluz está na direção oposta a

tudo que está no set, contra-o-assunto, contra-o-campo e contra-a-câmera, não incidindo

direto a ela, ou teríamos apenas um branco estourado ou os famosos flare (um efeito

causado por um raio de luz que, ao entrar na ótica da câmera, reflete parte da luz no vidro

da lente).

A utilização do contraluz vem dos primeiros anos do cinema, herdada da

fotografia PB. Quando o suporte fotográfico era incapaz de registar cores, ele apenas

absorvia quantidades de luz que eram expressas em preto (sombras) e em branco (luz),

todos os objetos e suas cores eram transformados em quantidade absorvida de luz pelo

suporte, ou seja, cinza. O gradiente de cinza, ou de luz, compreende todos os tons de cinza

que vão do branco ao preto, como na Imagem 1.

Figura 1. Gradiente de cinza (imagem retirada do site http://www.fazendovideo.com.br/vtsin4.asp).

Por esse motivo, para não misturar determinada cor, expressa em um tom de cinza

pelo assunto (objeto em primeiro plano) com a cor, também expressa em um tom de cinza

pelo campo (tudo que está além do assunto12), se fez o uso do contraluz, posicionando

seu refletor contra-a-câmera, atrás do assunto, recortaria a personagem – destacando-a do

fundo (imagem 2). A imagem apresenta a origem do contraluz (seta vermelha) e o efeito

causado por ele, uma aura luminosa em volta da personagem de Irandhir Santos,

delimitando onde termina o ator e começa o campo, impedindo que seu cabelo se misture

com o resto do cenário, o que impossibilitaria determinar o que é personagem e o que é o

fundo.

12 Objeto em foco em frente a câmera.

15

Figura 2. Cena retirado do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

Hoje em dia, com a possibilidade de se rodar um filme em cores que permite

diferenciar com maior facilidade um assunto do campo, o uso do contraluz se tornou

opcional – um detalhe artístico a ser adicionado pelo fotógrafo. Seu uso, no filme rodado

em cores, pode ser com o objetivo de realçar cabelo da personagem, causar algum reflexo

na silhueta do assunto, dar maior destaque para o primeiro plano, reforçando o recorte

com o campo.

Figura 3. Cena retirado do filme Tree of Life (2011), de Terrence Malick.

Pode-se perceber, no fragmento retirado do filme de Malick, o uso do contraluz

recortando e definindo os planos (de trás para frente): recorta as árvores do fundo da cena

– canto esquerdo – projetando suas sombras no gramado. Define o contorno da casa e a

separa do resto do campo. A luz sobrepõe a árvore, destacando-a da casa e a colocando

em um plano mais próximo a câmera. Recorta a personagem, representado pelo ator Brad

16

Pitt, diferenciando-o da árvore e dando um contorno iluminado no seu braço e cabelo. E

por fim, deixa o garoto em primeiro plano, diferenciando-o de todo o resto, e da

perspectiva do observador-câmera, a luz está vindo ao rosto do garoto, iluminando sua

frente e dando-lhe uma silhueta marcada com a luz do sol.

Essas regras existem para se teorizar uma fotografia adequada, mas o que é

adequada? Somente o roteiro e a história, o tom que se deseja dar no filme, determinam

o que é adequado na fotografia. Como a fotografia sem ataque que enfatiza a silhueta das

personagens, escondendo-os na sombra em primeiro plano, falsear um cenário noturno

fazendo apenas o uso do contraluz, ou retirar a compensação para que a sombra da

personagem se mescle com o fundo sombrio.

Alguns fotógrafos optam por trabalhar apenas as luzes existentes no ambiente e

usufruem da luz natural que incide na locação, como o fotografo mexicano Emmanuel

Lubezki, diretor de fotografia do filme The Tree of Life (A Arvore da Vida, 2011), de

Terrence Malick (figura 3). Para isso são usados rebatedores13 para direcionar a luz para

onde se deseja ou intensifica-la em algum ponto, bandeiras de corte14 que impossibilitam

a luz de passar e geram sombra e difusores15 para espalhar a luz e deixa-la mais suave.

O uso dessas luzes do ambiente, ou o uso de refletores para intensificar as luzes

que o ambiente apresenta se chama luz justificada, o uso dessa fotografia aproxima o

espectador da ação por verossimilhança. Diferente de um comercial de roupa, que a

intenção é apresentar a modelo e, principalmente, a roupa que está vestindo, para isso é

usado – normalmente – uma luz de ataque que priorize a roupa, uma luz de compensação

para retirar as sombras, refletores para detalhes, joias e cabelo e um contraluz para definir

o contorno com um glow light16.

Ou em novelas e programas de auditório, em que se filma com mais de uma

câmera, e para que todos possam ter uma fotografia semelhante, ilumina-se tudo.

Padronizando o ambiente em que todos os pontos recebem a mesma quantidade de luz,

produzindo o mínimo de sombra possível – diferente da uma sala convencional, que

13 Rebatedor: cartão, malha de tecido opaco que rebate a luz de volta para sua origem (ou angulada,

conforme a posição que é colocado), é utilizado para preencher de luz, posicionando ele contra a fonte de

luz – devolvendo parte dela para a origem (ou ambiente). 14 Bandeiras de corte: placa de madeira ou tecido opaco que é colocado para impedir o avanço da luz em

determinada região da cena. 15 Difusores: malha de tecido ou vidro difuso utilizado para difundir a luz incidente na cena, espalhando ela

pelo ambiente. 16 Glow light: que para Moura (2001), “é aquela luz um pouquinho pra lá dos 90º em relação a câmera”.

Forma um ângulo quase reto – em relação à câmera – e o resultado é aquele brilho na lateral do cabelo da

modelo, uma luz formando uma aura e dando um brilho para o assunto.

17

possui, normalmente, dois pontos de incidência luminosa: a luz do sol que entra pela

janela, de cima para baixo, deixando um lado da sala mais iluminado que o outro. Ou a

luz que vem do teto, produzindo sombras marcadas do centro da sala em direção as

paredes.

2.2 PLANIFICAÇÃO E MOVIMENTOS DE CÂMERA

Outras responsabilidades do fotógrafo dentro do filme consistem em determinar

os planos, os enquadramentos e os ângulos em que de câmera vai perceber o assunto e

como irá aparecer em tela – câmera alta, câmera baixa. Também está dentro dessas

responsabilidades os movimentos de câmera, podendo ser utilizado à câmera livre, em

que o cinegrafista percorre a cena com a câmera no ombro, o uso de travelling,

movimento horizontal – pan ou panorâmica - com o uso de trilhos e movimentos verticais

com uso de tripé ou grua.

Para Martin (2005), plano refere-se à distância entre a câmera e os objetos em

cena e a distância focal17 da objetiva utilizada, escolher uma quantidade de imagem a ser

exibida em tela – tudo que está dentro do quadro, é o enquadramento -, nada que está ali

está por acaso, o diretor e o fotógrafo pensam muito bem em o que colocar e como colocar

atores e objetos em quadro. Para isso são pensados os planos, a parte técnica do

enquadramento, que - em suas nomenclaturas – especificam a porção do assunto a

aparecer dentro do quadro.

Uma cena é composta por diversos planos, que por sua vez cada plano possui

determinado enquadramento – salvo os planos sequência que consistem em um único

plano rodado de uma única vez, sem cortes. O corte intercala os planos: posiciona-se a

câmera em determinado lugar, com determinado enquadramento, filma-se a ação e corta,

temos um plano. Posteriormente a câmera é reposicionada, filma-se outro plano – de outro

ponto de vista com outro enquadramento – e corta, temos outro plano. Posteriormente o

filme é montado, plano a plano, montando as cenas juntando as cenas temos uma

sequência linear, ou não, que consiste o filme.

17 Distância focal: “ela representa a distância entre o centro ótico de uma dada lente delgada e seus pontos

de foco, quando o meio em que se encontram inseridos o plano principal do objeto e o plano principal da

imagem é o mesmo, então a distância focal imagem e a distância focal objeto serão iguais (...) isso

possibilita determinar o ângulo de visão de uma objetiva. ” TERRA, Leonardo Augusto Amaral (2005).

"Distância Focal, Zoom e Crop: entendendo os mm da lente”. Disponível em:

http://forum.mundofotografico.com.br/index.php?topic=2999.0 . Consultado em 03/04/2016.

18

Para classificar um plano, segundo Martin (2005), devemos levar em

consideração: O enquadramento, a distância entre câmera e o objeto a ser filmado. Quanto

à duração, podendo ser um plano sequência quando há mais enquadramentos sem nenhum

tipo de corte. Quanto ao ângulo vertical, podendo ser ele com a câmera apontada

diretamente ao assunto, para cima em um contra plongeé ou apontada para baixo em um

plongeé, ela pode estar em cima do assunto, olhando completamente para baixo em um

plano zenital. Quanto ao ângulo horizontal, enquadrando a personagem de frente, de perfil

ou de costas. Quanto ao movimento de câmera, por trilhos em um travelling, em uma

steadycam ou com ouso da câmera na mão.

Para dar nome aos enquadramentos, pensa-se de fora para dentro – do

enquadramento mais aberto, que percebe o ambiente como um todo, ao mais fechado, que

se foca em um único objeto ou detalhe desse objeto. O plano mais aberto se chama grande

plano geral, ele é utilizado para situar o espectador onde determinada trama se desenvolve

– normalmente é feito um GPG da cidade em que a ação ocorre (Imagem 4).

Figura 4. GPG cidade de Recife, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

Esta é a cena inicial do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis, é um grande

plano geral da cidade de Recife, onde o filme se passa. Em primeiro momento ela é usada

para situar o espectador onde a trama ocorre – guiando sua visão em movimento pelo Rio

Capibaribe, apresentando seus prédios, casas e pontes, adentrando a cidade.

Posteriormente, esse movimento que a câmera executa no rio guia a narrativa para a

periferia da cidade, contrastando os dois ambientes.

Em seguida temos o plano geral, que reduz a distância do espectador com o local

em que o filme se passa – se o GPG apresenta a cidade, o PG pode vir a apresentar o

prédio, a casa ou o parque em que a ação irá acontecer. Tanto o GPG quanto o PG são

planos que tem a função de situar o espectador em um contexto geral da trama, eles são

19

utilizados, segundo Martin (2005), para apresentar o contexto de espaço e tempo em que

a história ocorre (Imagem 5).

Figura 5. PG periferia, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

Na imagem 4, temos a continuação do plano apresentado na imagem 4. Primeiro

a apresentação da cidade de recife, seguido pela aproximação da câmera a apresentação

da periferia da cidade, onde ocorre à história que virá a ser contada. Diferente do GPG, o

PG delimita uma porção do todo no enquadramento, a porção relevante para o contexto

da trama que será contada, no caso, a periferia da cidade.

Já o plano conjunto vem com o objetivo de apresentar as personagens, o PC

apresenta duas ou mais personagens no contexto de uma ação – seja ela em uma cena de

efeito, experienciando um ambiente ou uma conversa, como na imagem (imagem 6) que

retrata um casal - formado por quatro pessoas - sentados dialogando. O quatrilho é

interpretado, respectivamente, pelos atores Juliano Casarré, Vitor Araújo, Hugo Gila e

Mariana Nunes.

Figura 6. PC da conversa do quatrilho, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

20

O PC foi muito usado no início do cinema, quando ele ainda simulava

apresentações teatrais em frente à câmera. Toda a ação era vista de apenas um ponto de

vista que para Martin (2005) era a visão do espectador simulando a experiência teatral.

Com o passar dos anos a linguagem cinematográfica se modificou, e a montagem se

tornou uma possibilidade. A montagem consiste em cortar a película em diferentes planos

e junta-los apresentando diversos pontos de vista de uma mesma cena.

Já o plano inteiro, como o nome sugere, é um plano que compreende toda a

personagem, apresentando-a dos pés à cabeça. Esse enquadramento permite apresentar a

personagem de maneira completa, seu design, sua roupa, cabelo, altura em relação ao

espaço em que está inserido. No frame (imagem 7), retirado do filme, podemos observar

a personagem de Zizo em pé, debaixo de uma ponte fumando um cigarro após a colagens

de alguns cartazes. Nesse enquadramento percebe-se a personagem inteira, vestimentas,

cabelo, trejeitos e porte físico.

Figura 7. Pano inteiro do poeta Zizo, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

O plano médio vem para apresentar melhor a personagem, permite que seja visto

da cintura para cima, normalmente dando ênfase para suas mãos e objetos que eles

possuam. Como na imagem 8, que apresenta a personagem discursando com fervor,

segurando um megafone e gesticulando as mãos, dando destaque a ação e ao discurso da

personagem.

21

Figura 8. PM do poeta Zizo com um megafone, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

Porém, para evidenciar a expressão da personagem ou o que ela está falando,

recorremos ao close (imagem 9), que em tradução livre significa perto ou fechado, nada

mais é que o momento de evidência da personagem e de suas expressões ou texto que está

sendo falado. Como também usado no filme Febre do Rato, para dar ênfase a angustia da

personagem de Matheus Nachtergaele após trair sua namorada em um bordel.

Figura 9. Close de Pázinho, cena retirada do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

O plano detalhe, para Martin (20005), é o plano mais dramático, enfático e

instrutivo, ele se contém a um detalhe que deve ser observado pelo espectador – por valor

dramático a trama ou para evidenciar um ponto crucial para o decorrer do filme. No caso

da imagem 10, o plano evidencia as mãos da personagem Zizo enquanto ele escreve em

seu próprio corpo, um plano que é usado para evidenciar a situação da personagem – que

estava escrevendo em todo seu tronco, rosto e membros.

22

Figura 10. Plano detalhe evidenciando as mãos de Zizo enquanto escreve em seu próprio corpo, cena retirada do

filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

Por ser apenas um recorte de um plano mais amplo, ele dura poucos segundos,

diferente de um plano detalhe com um teor de alta significância para a narrativa – vide a

última cena do filme Inception (2010), do diretor britânico Christopher Nolan, que deixa

a cena de um pião girando em cima de uma mesa (imagem 11) que, com a finalidade de

gerar tensão para o plot 18do filme, tem seu tempo de duração maior que apenas apresentar

um detalhe de uma cena maior.

Figura 11. Plano detalhe retirado do filme Inception (2010), de Christopher Nolan.

A montagem é a guia para o espectador, ela que define qual plano antecede o corte

e qual será o plano seguinte, ela guia a narrativa – linear ou não – e fornece ritmo ao

filme. Seja ele contemplativo como em 2001: The Space Odyssey (1968), de Stanley

Kubrick, que possui planos longos e orquestrados para que haja uma imersão do

espectador diante da imensidão do espaço, ou com cortes mais rápidos, que passem a

tensão de um ataque, como Alfred Hitchcock apresenta na cena do ataque na banheira do

18 Aquilo que movimenta o filme.

23

filme Psycho (1961). A cena de 3 minutos, segundo Brolia19 em seu artigo ao site

www.101horrormovies.com, foi rodada com cerca de 70 planos diferentes em uma

montagem dinâmica que passa a tensão do ataque e o mistério do assassino.

Para guiar a montagens e manter um sentido lógico para o expectador, existem

duas regras que baseiam o corte entre as câmeras. A primeira delas é a ‘Regra dos 180º’,

ela traça uma linha imaginaria na ação e compreende que a câmera só deve se mover

dentro dos 180º que lhe cabe, podendo fazer cenas abertas de PC com as personagens ou

closes fechados de cada um, porém, sem ultrapassar a linha dos 180º. Essa linha permite

ao espectador um sentido lógico de entendimento, a personagem - que no PG estava à

direita - em um plano fechado terá seu rosto a direita da tela olhando para a esquerda –

onde se encontra seu interlocutor. (Imagem 12)

Figura 12. Regra dos 180º - planta da cena (imagem montada pelo autor).

Na imagem vemos dois personagens dialogando, na visão da câmera 1 (plano

conjunto – imagem 13) temos, respectivamente, a personagem A a direita e a personagem

B a esquerda da tela. A linha dos 180º passa pelas duas personagens, ou seja, quando

forem feitos planos fechados (câmera 2 e 3) em cada uma delas, sua posição ira se manter

a mesma.

19 Marcos Brolia: Jornalista e editor chefe da empresa 101 Horror Movies.

24

Figura 13. Câmera 1 - plano conjunto (imagem montada pelo autor).

A lógica da regra dos 180º é permitir plano e contra plano de uma conversa em

que cada personagem pudesse ter um plano médio ou close mantendo sua orientação no

espaço e na tela. Em um plano médio ou um close da personagem B, com o uso da câmera

no posicionamento número 2, teríamos a personagem B no canto direito da tela (imagem

14):

Figura 14. Câmera 2 - plano médio da personagem B (imagem montada pelo autor).

Assim como um plano médio ou close da personagem A, ficará no lado esquerdo

do quadro (imagem 15). Permitindo que o espectador tenha uma lógica em sua cabeça de

onde estão as personagens e como o dialogo ocorre.

25

Figura 15. Câmera 3 - plano médio da personagem A (imagem montada pelo autor).

A segunda regra baseia-se no mesmo princípio, a regra de continuidade prevê: se

uma personagem sai pelo canto direito da tela ela deve entrar em cena pelo canto esquerdo

– mantendo assim uma lógica visual.

O plano refere-se ao enquadramento do que está sendo apresentado na tela, mas

também existe outra variável quando se trata de enquadrar o assunto, o eixo angular da

câmera. O eixo de angulação normal mantém a câmera alinhada com o horizonte, o

espectador observa o assunto frente a ele (imagem 16).

Figura 16. Plano normal retirado do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

O plongée, ou plano picado, é uma visão angula de cima para baixo. O espectador

observa assunto menor do que ele realmente é, normalmente usado para inferiorizar uma

personagem ou dar a dramaticidade necessária para uma cena em que ela esteja deprimida

– faz com que ela fique menor, em uma sensação física ou ‘esmagando-o moralmente’,

como diz Martin (2005).

O plano contra-plongée ou contrapicado, o oposto do plongée, ao invés de

diminuir a figura do assunto apresentado ela o enaltece, fazendo uso da câmera baixa,

26

olhando o assunto de baixo para cima, segundo Martin (2005), esse plano da em geral

uma impressão de superioridade, de exaltação e de triunfo, por engrandecer o indivíduo

(imagem 17).

Figura 17. Plano contra-plongée retirado do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

Já a orientação de ângulo de câmera zenital traz um olhar diferente para a cena.

Ela é determinada pelo posicionamento da câmera em cima da ação, permitindo uma

visão incomum do ambiente apresentado. Como pode se perceber na imagem 18, que

apresenta a ação vista de um ponto de vista incomum, mas que se percebe o cenário inteiro

da cena.

Figura 18. Plano zenital retirado do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

A câmera ganhou movimento muito cedo no cinema, o primeiro registrado foi um

movimento de travelling improvisado em uma balsa (imagem 19), feito por Alexandre

27

Promio, um dos operadores de câmera dos irmãos Lumières, que rodava uma vista20 do

canal vienense para ser apresentado para a população francesa. Posteriormente esses

movimentos ganham importância na narrativa, também como narrador:

A câmara é então uma criatura em movimento, ativa, uma personagem do

drama. O realizador impõe os diversos pontos de vista ao espectador.

Abandona-se o palco-tela de Méliès. “O espectador da plateia sobe num tapete

voador”. (MARTIN, 2005, p. 38)

Figura 19. Sequência retirada do filme Panorama du Gran Canal vu d’un bateau (Veneza, 1896), de Lumière.

Porém, demora algum tempo para se entender como esses movimentos atuariam

dentro da narrativa fílmica, até a década de 1930 a maioria dos filmes eram rodados com

a câmera parada (cena após cena), de maneira que, para o espectador, a ação era entendida

como a ação teatral. O movimento começa a entrar na sétima arte aos poucos,

primeiramente com movimentos sutis, posteriormente, com a evolução tecnológica –

câmeras menores, grips para auxiliar o operador – surgem movimentos que permitem que

câmera adentre a trama. Esses movimentos inseridos - a fim da narrativa -, vem com a

função de guiar o espectador, não somente pela trama, mas pelo cenário onde a ação se

desenvolve.

O primeiro movimento a ser citado consiste no movimento da própria câmera,

permitindo que ela se aproxime ou se distancia do assunto. Também é elencado o

movimento de panorâmica que consiste em um movimento horizontal no próprio eixo da

câmera. Esse movimento permite apresentar o ambiente para o espectador ou guiar seu

olhar dentro do cenário ou permitindo o foco de vista de algum personagem. Nos

movimentos da câmera no seu próprio eixo, há o movimento de tilt, o movimento vertical

da câmera – podendo ser um tilt up (para cima) ou um tilt down (para baixo).

Como já citado anteriormente, há também o movimento de travelling que consiste

no movimento horizontal da câmera que, diferente do movimento de panorâmica que

20 Vista: “Até aproximadamente 1915, os filmes eram bem mais curtos, e no fim do século nem contavam

estórias. Eram o que hoje chamamos de documentário, na época ‘vistas’ ou, no Brasil, filmes ‘naturais’.”

(BERNARDET, O que é cinema, p. 31).

28

move apenas em seu próprio eixo, esse movimento desloca a câmera em um eixo

horizontal com o auxílio de trilhos, dolly, grua ou carrinhos. (Imagem 20).

Figura 20. Equipamentos de travelling: trilho, dolly e grua (imagens retiradas do site:

http://funnyshadows.blogspot.com.br/ e montadas pelo autor).

Com o avanço tecnológico as câmeras diminuíram de tamanho, isso possibilitou

o cinematógrafo empunhar a câmera na mão e seguir a ação das personagens ou

apresentar o cenário de maneira mais ampla, inserindo o espectador de forma diferente

na trama, esse movimento ficou conhecido como câmera livre. Para auxiliar o

cinematógrafo com a empunhadura da câmera foi criado, posteriormente, a steadycam

(imagem 21), que permite apoiar a câmera em um suporte que minimiza o tremor da

imagem gerado pela mão do cinegrafista.

Figura 21. Steadycam (Imagem retirada do site http://funnyshadows.blogspot.com.br/).

Todos esses aparelhos que permitem o movimento da câmera por dentro da ação

permitiram novos focos narrativos como: apresentar a visão de alguma personagem,

seguir uma ação em plano sequencia ou guiar o espectador por dentro dos cenários,

29

inserindo-o de uma maneira diferente na história que está sendo narrada. O espectador

deixa de estar assistindo um palco-tela e passa a andar por dentro do filme, permitindo

narrativas mais dinâmicas e menos contemplativas.

2.3 SUPORTE

Com a inserção da película colorida no mercado cinematográfico em 1930 pela

empresa Technicolor Motion Picture Corporation, demorou pouco tempo para que se

consolidasse como suporte padrão da indústria. Na metade da década de 1960, era o

máximo da tecnologia de suporte para captação de um filme, mas com a consolidação da

película colorida no mercado cinematográfico, o PB virou uma alternativa barata ao

cinema tido como marginal21 ou experimental.

No início dos anos 2000 o suporte digital começou a se inserir dentro do mundo

do audiovisual. Sua entrada no cinema se deu no blockbuster22 Star Wars Episódio I:

Ameaça Fantasma (USA, 1999), de George Lucas. Que, segundo Cristoper Kenneally

em seu documentário Side by side (EUA, 2012), foi o primeiro grande filme a ter trechos

rodados em câmeras digitais. Seis anos depois do lançamento do filme de Lucas, o cinema

digital filmado em sensores Super 35mm (sensor com a proporção de 24,89x18,66 mm)23

é consolidado com a entrada da câmera Red One que prometia uma qualidade e uma

latitude24 semelhante a película de celulóide.

Nos anos seguintes, a qualidade da produção digital aumentou significativamente,

com a entrada de diversos fabricantes de câmeras, como a Canon, Panasonic, Sony e no

ano de 2010 a marca Arri, que está no mercado desde 1917, entra no cinema digital com

o lançamento da câmera Alexa. De acordo com Kenneally (2012), as câmeras digitais

ganharam o gosto dos cinematógrafos rapidamente por permitir o uso de lentes analógicas

e anamórficas e, com o uso de adaptador, permite a troca entre marcas, podendo assim

atingir a imagem idealizada pelo diretor de fotografia com um menor custo para a

produção.

Nesse ínterim, a entrada de câmeras digitais na primeira década dos anos 2000,

observa-se uma divisão entre diretores pró-digital e pró-película. Com o fim de criar uma

21 Cinema Marginal, Nouvelle Vague e o Cinema Novo. 22 Blockbuster: é uma palavra de origem inglesa que indica um filme produzido para ser popular e que pode

obter elevado sucesso financeiro 23 Super35: Formato 32% maior que o standart 35 mm (comumente usado), deixando maior espaço dentro

da janela. 24 Latitude: é a relação entre o maior e o menor valor possível de quantidade de luz, indo dos 100% branco

aos 100% preto.

30

determinada estética, alguns diretores recorrem ao uso da película PB como suporte para

seus filmes. Como no caso do filme Febre do Rato (2011) de Cláudio Assis, que optou

por rodar o filme em película PB com o uso da câmera Aaston Penelope 35mm. Porém

finalizou o filme com a janela-americana de 1.85:1, a janela contemporânea usada pela

Academia, dando ao seu filme uma aparência que relembra o início do Cinema Novo,

porém com uma janela moderna (figura 22).

Figura 22: Câmera Aaston Penelope 35mm e cena do filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Usando a janela

de corte de 1.85:1.

O uso da janela-americana dá ao filme uma noção de contemporaneidade que

poderia ser per perdida pelo uso do PB. Como no caso do filme Ida (Polônia, 2013) de

Paweł Pawlikowski, que, apesar de usar uma câmera moderna – Arri Alexa SXT 4K -,

faz uso da janela-clássica de 1.33:1 junto da fotografia PB para datar o filme que se passa

nos anos de 1960 (figura 23).

Figura 23: Câmera Arri Alexa SXT 4K e cena retirada do filme Ida (2013), de Paweł Pawlikowski. Usando a janela

de corte 1.33:1. (Imagem retirada do site: www.arri.com, montagem feita pelo autor).

Assim, pode-se perceber que a escolha do suporte tem sua importância para a

construção da aparência do filme, que pode ser filmado em digital e transformado em PB

ou filmá-lo diretamente em película PB. Diante de tantas opções e do baixo custo da

utilização de câmeras digitais, por vezes é preferido pelo diretor e fotógrafo a utilização

do suporte da película 35 mm a fim de criar determinada estética para seu filme, tendo a

experiência completa do filme rodado em PB.

31

A escolha do suporte a ser captado o filme, normalmente, vem de uma escolha

entre diretor e fotógrafo que, antes de escolher o suporte a ser captado, fazem testes para

ver qual melhor se adapta a estética que se deseja alcançar. Como no caso do filme The

Revenant (2015), Alejandro González Iñárritu, e fotografado pelo mexicano Emmanuel

Lubezki, que fez diversos testes com suportes e marcas diferentes até chegar na escolhida

Arri Alexa 65mm (imagem 24).

Figura 24. Arri Alexa 65mm (imagem retirada do site: www.arri.com).

Sua justificativa para o uso da câmera vem de que, segundo a matéria “as lentes

de ‘O Regresso’” de Rodrigo Rebouças (2016)25, “Segundo Emmanuel, a ideia de usar

essas lentes e partir para o processo digital era causar uma maior imersão para o

espectador, deixando tudo mais presente sem nenhuma textura na imagem.”. Usufruindo

da baixa granulação que o processo de cinematografia digital dispõe. Além da escolha da

câmera, Lubezki também optou por fazer uso apenas de lentes grande angulares (12mm

– 21mm), que costumam gerar o efeito “barril” na imagem, ele também justifica o uso

desse tipo de lente:

Podemos até perceber a distorção da lente em muitas sequencias,

principalmente nos closes dos atores, onde a câmera está tão próxima que a

própria respiração do personagem é perceptível na lente, ou nas cenas dentro

do bosque, onde a distorção é notada nas árvores trazendo uma mistura de

fantasia e realidade. (REBOUÇAS, 2016)

Na imagem 25 pode ser percebido, com o auxílio dos traços vermelhos, o efeito

causado pela lente grande angular. Esse efeito é chamado de “efeito barril”, justamente

por distorcer os cantos da imagem para dentro – conforme exemplificado com as linhas

25 REBOUÇAS, Rodrigo. As Lentes de “O Regresso”, Disponível em:

http://www.updateordie.com/2016/01/29/as-lentes-de-o-regresso/

32

vermelhas-. Tende a ovalar a imagem, distorcendo de fora para dentro (esse efeito permite

que lentes grande angulares sejam capazes de registrar um ângulo maior que lentes

normal, semi-tele ou teleobjetivas).

Figura 25. Cena retirada do filme The Revenent (2015) de Alejandro González Iñárritu.

Outro caso em que o suporte foi escolhido com o intuito de exaltar determinada

característica da produção foi a escolha de do diretor de filmagem David Tattersall na

pré-produção da série The Walking Dead (2010 – presente) criado por Frank Darabont e

exibido, originalmente, pelo canal a cabo AMC dos Estados Unidos. O fotografo David

Boyd, conta a história da escolha do suporte em uma matéria escrita por Rafael Façanha

no site www.walkingdeadbr.com:

Eu sei que eles testaram cada câmera do mercado durante mais ou menos uma

semana. Eles inicialmente pensaram em usar a RED ou outra câmera digital,

talvez até 35mm. Alguém então pensou em levar alguns rolos de 16mm e,

quando eles tentaram com aquilo, descobriram que dava uma certa textura e

efeito granulado que garantiam ás maquiagens e efeitos de zumbis um tom

mais real. (FAÇANHA, 2011)26

A série está sendo filmada com a câmera Arriflex 416 (imagem00), que foi a

última câmera 16mm a ser produzida pela marca alemã Arri. O suporte escolhido, apesar

de ser um formato retirado de linha, atende ao objetivo do diretor e do fotografo, que no

caso da série de televisão é: exaltar a maquiagem dos zumbis. Isso aponta o fato de que a

escolha do suporte se torna algo completamente subjetivo, ele deve ser adequado com a

proposta do diretor e do cinematógrafo, a fim de produzir algo que se assemelhe com o

26 FAÇANHA, Rafael. David Boyd Fala Sobre Seu Trabalho em The Walking Dead, Disponível em:

http://walkingdeadbr.com/david-boyd-fala-sobre-seu-trabalho-em-the-walking-dead/

33

que se deseja apresentar, passando determinadas características que, muitas vezes,

somente determinado suporte pode alcançar.

Um último caso onde a escolha do suporte se deu em função de uma cena em

especial, e isso acarretou em uma estética própria dentro do filme, foi o caso de Psycho

(1960) de Alfred Hitchcock. O que torna o caso importante não é a câmera em si que foi

usada, mas sim o suporte, que apesar da popularização da película Technicolor colorida

na década de 60, Hitchcock optou pelo uso da película preto e branco.

Primeiro por ser mais barato, tendo em vista que o orçamento do filme não era

muito grande e em segundo lugar a famosa cena onde a personagem Marion Crane,

interpretada pela atriz Janet Leigh, é assassinada enquanto toma banho. O diretor achou

que o sangue vermelho escorrendo pela porcelana da banheira poderia ser muito chocante,

sendo assim foi escolhido o suporte preto e branco, que, além cumprir a ideia do diretor

de tornar a cena menos chocante para o público da época, como explica Fan27 em seu

artigo ao site www.pontocritico.com, também foi capaz de criar a tenção nas cenas no

casarão e deixar o filme, que se passa em grande parte à noite, com um clima maior de

suspense.

É percebido como a escolha do suporte (digital ou analógico, preto e branco ou a

cores) pode contribuir para a narrativa do filme, gerando sensações idealizadas por

fotógrafos e diretores – com o uso objetivo desse recurso – e, posteriormente, sentido pelo

espectador, por ser uma estética adequada que complementa a narrativa do roteiro.

27 Ritter Fan: pseudônimo do colunista do site www.pontocritico.com.

34

3 NARRATIVA

No início do cinema, segundo Bernardet (1980), os filmes eram mais curtos,

chamados de “vistas”, o que conhecemos hoje por documentários, ou filmes “naturais” –

como eram chamados no Brasil. Esses pequenos documentários, capturados a partir de

imagens de pessoas e cenários exóticos para o homem europeu, eram gravados ao redor

do mundo por fotógrafos cinematográficos treinados pelos irmãos Lumière utilizando a

câmera parada em um tripé captando o cenário.

Quando a ficção teve início no cinema, a câmera também ficava fixa registrando

a ação que ocorria de forma teatral. Para Bernardet (1980), os filmes eram uma sucessão

de quadros intercalados por letreiros que apresentavam os diálogos da cena e a perspectiva

era a de um espectador sentado em uma poltrona do teatro assistindo a uma peça.

O avanço tecnológico e a diminuição do tamanho das câmeras possibilitaram

maiores e mais ousados movimentos, além de movimentos travellings que eram feitos no

final do século XIX com a câmera em cima de trens e gôndolas por exemplo. Ademais,

essa redução no tamanho do equipamento possibilitou que esses movimentos adentrassem

o cenário, e produziram uma nova sensação para o espectador, expandindo as

possibilidades da narrativa. E agora não dependia apenas de planos estáticos ou

movimentos panorâmicos, mas possibilitou que a câmera transitasse entre o cenário,

enriquecendo a narrativa.

Em meio aos elementos da narrativa, as jornadas criadas pelos autores, estão os

fatores o que impulsionaram o desenvolvimento da linguagem cinematográfica. O tema

de jornada vem dos tempos aristotélicos, que descreve a construção da personagem como

mimese28 das relações humanas, em que ela teria que percorrer uma jornada para o seu

amadurecimento indo de encontro a uma provação. Dentre as jornadas trabalhadas pelos

autores a principal delas é a jornada do herói ou narrativa do Monomito (figura 24).

28 Visto para Platão e Aristóteles como representação do universo perceptível, onde toda a criação é uma

imitação da realidade.

35

Figura 26: Síntese do Monomito – A Jornada do Herói (imagem retirada do site:

http://www.heroisemitos.com.br/2012/12/a-jornada-do-heroi.html).

A saga do Monomito foi posteriormente copilada em um livro, O herói de mil

faces (1949) de Joseph Campbell, onde ele discorre sobre os doze passos para a jornada

do herói. Resumidamente a jornada tem início com a saída do herói do mundo comum, o

momento de sua provação e por fim o retorno às origens, onde ele volta para ajudar as

pessoas com o conhecimento adquirido.

Para ajudar na construção da saga do herói criada na história do filme Febre do

Rato (2011) de Cláudio Assis, está a fotografia PB que auxilia na construção do cenário

da periferia da cidade de Recife. Esse cenário é evidenciado pelo alto contraste do PB que

passa para o espectador uma ideia de sujeira, com o auxílio de planos fechados e

claustrofóbicos que salientam a opressão sofrida pela periferia.

Quando o espectador assiste a um filme ou uma peça, entende-se que há quatro

paredes: a parede do fundo do cenário, da lateral direita, da lateral esquerda (que limitam

o que aparece em tela), e por último, a quarta parede. Que segundo Rockenbach29 (2014),

em uma matéria para o site da UPF, “a quarta parede é uma parede imaginária situada na

frente do palco do teatro, através da qual a plateia assiste passiva à ação do mundo

encenado”.

A quarta parede é responsável pela suspenção de descrença, ou contrato

espectador-diretor. Esse contrato separa o mundo ficcional da realidade e permite ao

espectador de determinados eventos possam realmente existir dentro da realidade

proposta no filme. Isso permite suspendermos nossa descrença no impossível ou

29 Fábio Rockenbach: Jornalista, especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual, mestre em Produção e

Recepção do Texto Literário. Idealizador do Núcleo de Estudos em Cinema e do projeto Ponto de Cinema

UPF

36

fantástico e aceitar que, na realidade proposta pelo diretor, coisas inimagináveis possam

ocorrer dentro das regras do mundo ficcional.

Pode ser mais fácil conceber a ideia de quarta parede e suspensão de descrença

quando falamos de algo utópico ou fantástico. Porém, esse contrato é firmado também

em filmes onde o objetivo é trabalhar com histórias plausíveis ou em ambientes comuns

ao espectador, causando uma aproximação do mesmo por verossimilhança com a trama.

Mas ainda há o distanciamento entre personagem e espectador estabelecido com o

contrato da quarta parede.

Entretanto, há um recurso narrativo que tem o intuito de estreitar o canal e o laço

espectador-personagem, esse recurso se chama ‘quebra da quarta parede’. Essa quebra

desconstrói a expectativa do espectador – de que ele vai assistir a algo, e algo vai ser

assistido por ele. A quebra se dá quando a personagem se mostra consciente do seu

ambiente e consciente da presença de um espectador observando-a, essa quebra pode ser

feita com intenções diferentes: intenção de distanciar o espectador da trama (quando a

personagem dá a entender que sabe que aquilo que ela vive é uma fantasia), aproximar o

espectador da trama (quando a personagem sabe que o espectador está observando a

realidade em que ela está inserida) ou como recurso narrativo (onde a personagem sabe

da existência do espectador e narra a história para ele, porém seu período de lucidez se dá

em momentos chave de conversa com a câmera).

Figura 27. Imagem retirada do filme Annie Hall (1977) de Woody Allen.

Na imagem 27, recorte feito do filme Annie Hall (1977) de Woody Allen, vemos

a personagem Alvy Singer conversando com o espectador e comento os acontecimentos

na fila do cinema. Esse recurso utilizado pelo diretor de quebra da quarta parede serve

para fazer pequenos comentários sobre a narrativa do seu filme, a personagem sai da

37

trama para um ambiente intimo entre ela e o espectador, mantendo a realidade do filme

em espera para sua volta.

Figura 28. Imagem retirada do filme Deadpool (2016) de Tim Miller.

Na adaptação dos quadrinhos para o cinema no filme Deadpool (2016) de Tim

Miller, a personagem sabe que está em um filme quando está vestida como o anti-herói

Deadpool e se permite a comentar com o espectador sobre a ação que está enfrentando.

Nesse caso há um distanciamento do espectador com sua suspensão de descrença, pois a

própria personagem afirma que o filme é uma ficção e ela tem consciência do todo.

Figura 29. Imagem retirada do filme Febre do Rato (2011) de Cláudio Assis.

No filme Febre do Rato (2011) de Cláudio Assis, há apenas um breve momento

de quebra da quarta parede, quando a personagem Zizo está falando dobre individualidade

e falta de coletividade para Pazinho, nesse momento ele olha para a câmera dando o ar de

quem questiona o espectador sobre o que ele está falando. Uma quebra sútil, porém,

pontual, permitindo a pessoa que está assistindo ao filme se questione sobre o que foi dito

e sobre as ações do Poeta durante a trama e se ligar de forma diferente a suas ações.

38

A narrativa é o fim de todos os elementos cinematográficos. Da concepção do

roteiro, a estética da direção de arte, a iluminação para as cenas, os planos, ângulos e

movimentos de câmera, os diálogos, os ruídos e efeitos sonoros, o suporte que se deseja

filmar, a janela que se deseja finalizar o filme. A narrativa é como o espectador será

conduzido pela trama em meio as personagens e ambientes apresentados pelo diretor, em

meio a todos esses recursos disponíveis para criar a estética do filme e guiar a narrativa

da história, cada um dos elementos é pensado com o fim de gerar algo em quem o

consome, com a finalidade de passar a ideia que ele foi concebido e os sentimentos nele

agregado.

39

4 VANGUARDAS E ESCOLAS CINEMATOGRÁFICAS

Do francês avant-garde, o termo vanguarda, antes usado como guarda de frente

do exército até o século XII. Posteriormente foi ressignificado para o campo político e

cultural, cuja o significado venha a qualificar formas de experimentação figurativa e

representativa nas artes plásticas e para designar grupos de cineastas, geralmente

marginalizados pela indústria ou opostos a ela, como aponta Aumont (2003).

O cinema de vanguarda, de maneira ampla, denota todo cinema transgressor – na

fotografia, na plástica ou na narrativa. São classificados, segundo Mascarello (2006)

como Cinema de Vanguarda determinados movimentos cinematográficos idealizados na

década de 1920 como o Expressionismo Alemão, o Impressionismo Francês, os

Surrealismo e Cinema Soviético. Más, além dos movimentos na década de 20, outros

movimentos posteriores também tiveram grande importância como transgressores de um

modus operandi de se fazer cinema e podem ser encarados como vanguarda, em seu

sentido mais amplo, como o Neorrealismo Italiano (1940), a Nouvelle Vague francesa

(1960), o Cinema Novo brasileiro (1960) e o mais recente Dogma 95 (1995).

Para fim desta analise fotográfica, foram observadas semelhanças com três escolas

vanguardistas: o Expressionismo Alemão, a Nouvelle Vague e o Cinema Novo. Essas

escolas contêm elementos fotográficos que vieram a influenciar o cinema contemporâneo,

não que o filme se encaixe dentro de uma das escolas, porém há técnicas que foram

criadas e desenvolvidas por elas que são usadas no filme Febre do Rato (2011) de Cláudio

Assis, e o seu uso vem com o intuito de contribuir para a narrativa do filme.

Dentro do Expressionismo Alemão é observado, pela primeira vez no cinema, o

uso da luz como elemento da narrativa. Uma estética vinda do movimento plástico

homônimo a ele que, junto do contexto socioeconômico da Alemanha na segunda década

do século XX como Cánepa (1991) aponta no livro História do Cinema Mundial, rendeu

um retorno ao gótico e o uso de holofotes baixos a fim de criar sombras verticais

produzindo assim um clima denso e pesado para seus filmes.

Outras duas escolas também usadas para a análise fílmica nasceram

contemporaneamente uma da outra, de acordo com Bernardet (1981) em seu livro O que

é Cinema, a fim de se desvencilhar da rigidez estabelecida pela Academia de Cinema da

época. A primeira a ser citada é a escola da Nouvelle Vague que teve seu início na França

no final dos anos de 1950, ela nasce de jovens acadêmicos, críticos de cinema, que optam

40

por fazer um cinema que fosse de encontro ao “cinema de qualidade”, termo usado por

Truffaut para descrever o cinema de estúdio francês até aquela década.

Esse movimento cinematográfico vem com novas propostas narrativas e

fotográficas, para Manevy (2006) muitas delas desenvolvidas para sanar o baixo

orçamento disponível para execução dos filmes, com isso é criada uma nova maneira de

se fazer cinema e contar histórias, partindo de pessoas comuns para a sociedade com uma

narrativa que, por vezes, proporcionasse a aproximação do espectador por

verossimilhança com a trama.

Concomitantemente, no Brasil, há um movimento muito semelhante no quesito

linguagem sendo desenvolvido. Esse movimento seria chamado de Cinema Novo, esse

movimento cresce em função do baixo investimento em cultura e a centralização do

cinema em poucos estúdios que, a fim de arrecadar dinheiro certo, fazia filmes medíocres

– que não representavam a sociedade da época - com bons atores da televisão. Os diretores

cinemanovistas vinham com a intenção de criticar e reavaliar o contexto socioeconômico

que o país vivia na época, seus filmes partiam do cidadão comum questionando e

criticando a religião/religiosidade, a desigualdade e a marginalização da sociedade.

Sua fotografia, como a da Nouvelle Vague, evidenciava o ambiente em que a trama

se passava com um certo naturalismo - aqui naturalismo está sendo usado para

caracterizar a fotografia que evidencia as luzes do ambiente, reforçando seu contraste e

provocando sensações de uma cena mais crua diferente de fotografia naturalista que,

resumidamente, faria apenas o uso da luz presente no ambiente (como a luz do sol ou a

iluminação própria de uma sala: abajures, lâmpada do teto) -, esse naturalismo

aproximava o expectador da trama por remontar ambientes comuns.

Esses movimentos introduziram o movimento de câmera como algo essencial para

a narrativa, não apenas movimentos como panorâmicas e tilt, mas o movimento do

travelling e da câmera livre se tornam recorrentes, por vezes dando uma impressão de

gravações documentais, como feitas por telejornais que usam a câmera apoiada no ombro

do cinegrafista para percorrer determinado espaço no ambiente.

Os subcapítulos apresentaram o contexto histórico em que os movimentos se

desenvolveram e suas principais características fotográficas que vieram a influenciar o

cinema contemporâneo. Também apresentam como essas características agregam na

linguagem do filme analisado, a fim de criar uma narrativa que tem como objetivo inserir

o espectador na cidade de Recife, onde o filme se passa, transmitindo o tom das

personagens e da periferia onde se desenvolve a trama.

41

4.1 EXPRESSIONISMO ALEMÃO

O Expressionismo nasce na Alemanha no final do século XIX, a cultura erudita

europeia estava cercada pelo mercado cultural de massa. Devido ao início da

globalização, a arte sofria influências vindas da Ásia e da África e como diz o historiador

Eric Hobsbawm (1991, p.316 apud Cánepa, 2006, p. 56):

Ao mesmo tempo em que as culturas nacionais europeias se orgulhavam de

seus impérios e de sua influência espalhada pelo globo, multiplicavam-se as

manifestações políticas contra o capitalismo, as obras "decadentistas" de

autores como Charles Baudelaire e a difusão de ideias filosóficas

irracionalistas como as de Friedrich Nietzsche. (CÁNEPA, 2006, p. 56).

Influenciados por essas discussões filosóficas antropocentristas e da confluência

cultural, uma pequena classe burguesa, influente, defendia a emancipação individual

contra os cânones clássicos, criou-se uma arte com o compromisso com a verdade

individual (a subjetividade como comprovação do real). Essas características

influenciaram o expressionismo pré-guerra, como caracteriza Cánepa (2006), “uma

doutrina que envolvia o uso extático da cor e distorção emotiva da forma”, porém,

desenvolvendo um diálogo com as vanguardas em busca de uma linguagem expressiva.

O cinema alemão teve início em 1895, concomitantemente aos irmãos Lumière,

os irmãos Skladanowsky desenvolveram, na Alemanha, o ‘bioscópio’ – aparelho

semelhante ao cinematógrafo – capaz de capturar imagens em movimento e reproduzi-las

através de um projetor. Porém, em seus primeiros 20 anos o cinema alemão não teve

grande expressão, por um desenvolvimento mais lento que o resto da Europa em função

de conflitos que acabaram culminando na Primeira Guerra Mundial, seu cinema foi

considerado, como denota Kracauer (1988, p.42 apud Cánepa, 2006, p.62), “um cinema

‘arcaico’ e sem importância, ou um ‘amontoado de sucata’”.

Com o termino do conflito da Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918) e a vitória

para o lado dos Aliados (Reino Unido, França e o Império Russo) em cima dos Impérios

Centrais ou Tríplice Aliança formada pelo Império Alemão, Áustria-Hungria e Itália, a

arte Expressionista passa a adquirir um caráter nacionalista e politicamente engajado. Em

função do isolamento político e cultural causado pela derrota, o Império Alemão se isola

do resto da Europa, e com os sentimentos de terror pós-guerra, a arte se torna mais

sombria e voltada para a expressão do ser para com o meio onde ele está inserido, havendo

assim uma retomada ao gótico medieval com “tendência a abstração”, como é adjetivado

por Wilhelm Worringer (apud Cánepa, 2006, p. 59).

42

A corrente Expressionista alemã passa a influenciar as artes cênicas e o cinema

depois da PGM. As peças de teatro da corrente Expressionista eram caracterizadas pelo

desenvolvimento psicológico dos personagens, como lembra Cánepa (2006), uma

narrativa que somente a personagem principal existia, sendo os outros, apenas projeções

distorcidas provindas da mente do herói – “arquétipos portadores quase abstratos de

visões apocalípticas ou utópicas” – caracterizado por roteiros que abordavam a

marginalidade, a descoberta da sexualidade e o conflito de gerações.

A mise-en-scène apresentada nas peças Expressionistas trouxe novidades, como

apresenta Silvia Fernandes (2002, p.224 apud Cánepa, 2006, p. 61), “nas encenações,

todo o cenário estava a serviço da explicitação emocional”. Os palcos vazios apenas

fazendo uso de elementos cubistas, com a implementação da iluminação como recurso

expressivo, descrito por Rosenfeld (1993, p 308 apud Cánepa, 2006, p.62), “uma luz que

modela os traços fisionômicos a partir de focos baixos ou laterais, e o uso de maquiagens

que transformavam os rostos dos atores em mascaras, cujo tratamento exagerado podia

levar ao grotesco”.

A partir do final da primeira década do século XX, o cinema alemão é influenciado

pelo movimento Expressionista do teatro e pelo cinema escandinavo, com a importação

de profissionais para auxiliar a construção dessa nova linguagem. Como observa Thomas

Esaesser (2000, p. 20 apud Cánepa, 2006, p.63), sobre a influência do cinema

dinamarquês “o trabalho e fotografia desse cinema foi sempre marcado pelo competente

uso da paisagem realista como elemento dramático – o que seria fundamental para a

constituição do cinema expressionista”.

A partir da década de 1920 a fotografia começa a ser incorporada como linguagem

dentro do cinema, absorvendo técnicas da estética de iluminação proposta pelos

movimentos artísticos – cênicos pós-guerra e plásticos do final do século XIX -, o

Expressionismo:

O expressionismo, nascido na Alemanha no final do século XIX, é maior que

a ideia de um movimento de arte, e antes de tudo, uma negação ao mundo

burguês. Seu surgimento contribuiu para refletir posições contrárias ao

racionalismo moderno e ao trabalho mecânico, através de obras que combatiam

a razão com a fantasia. Influenciados pela filosofia de Nietzsche e pela teoria

do inconsciente de Freud, os artistas alemães do início do século fizeram a arte

ultrapassar os limites da realidade, tornando-se expressão pura da

subjetividade psicológica e emocional. (MONTEIRO, 2007) 30.

30MONTEIRO, Pedro. O Expressionismo Recriando conceitos e Valores, Disponível em:

http://www.overmundo.com.br/overblog/o-expressionismo-recriando-conceitos-e-valores.

43

O Expressionismo foi um movimento das artes plásticas caracterizado pela

distorção das imagens e o retorno ao gótico, uma grande oposição à sociedade vigente

voltada ao trabalho mecânico e industrial. A intenção era refletir essa sociedade de uma

forma lúdica e, por vezes, soturna.

Enquanto pintores expressionistas como Edvard Munch31, usavam de paletas de

cores pesadas para sombrear o assunto (imagem 30), o cinema usufruiu do contraste

produzido por luz e sombra proporcionado pela película PB para conseguir contrastes e

tons de cinza que suprissem a ausência de cor e capazes de passar a tensão desejada.

Figura 30: Pubertet (1894), de Edvard Munch (Imagem retirada do site:

https://br.pinterest.com/pin/541980136376297790/).

O movimento Expressionista é a primeira escola absorvida pelo cinema, que ainda

era uma arte em desenvolvimento e não tinha características próprias. Sua mise-en-scène

era ainda derivada da atuação teatral, da narrativa literária e a fotografia e direção de arte

que foi absorvido dos movimentos plásticos e cênicos que representavam o sentimento

de uma geração (imagem 31).

31Pintor norueguês e ícone do movimento Expressionista.

44

Figura 31: Cena retirada do filme Nosferatu, uma sinfonia de horrores (1922) de Friedrich Murnau.

O Expressionismo Alemão, como fica conhecido o movimento no cinema, tem

como destaque o alemão Friedrich Murnau, pelo seu pioneirismo e pela maneira com que

usou dos recursos de iluminação em prol da estética de seus filmes.

Na película preto e branco trabalha-se com dois extremos; luz e não luz, luz e

sombra. Preto e branco. A imagem e transposição das cores para esse tipo de

“linguagem/superfície” são os meios-tons, latitude ou escala de cinza. Ou seja,

qualquer cor, dependendo do seu tom e da luz que bate sobre ela, ira

corresponder a um tom de cinza queimado na película. Possibilitando

diferenciar o cinza do assunto do cinza do cenário e dos objetos que estão ali

dispostos. (MOURA, 2001, p. 73).

Pode-se perceber a semelhança na iluminação das imagens 25 e 26. A luz

principal, luz de ataque ou keylight, tem sua origem de um refletor do lado esquerdo do

quadro (o refletor tem a função de concentrar a luz em um ponto), essa luz de ataque

lateral salienta o primeiro plano e projeta uma sombra dura para o lado oposto da sua

origem. Porém, enquanto na pintura, Munch usa de cores para separar o assunto do campo

e Murnau faz o uso de uma contraluz que recorta e separa o vampiro do fundo escuro de

onde ele vem.

Figura 32. Comparativo da fonte de luz: Quadro de Munch e filme de Murnau (imagem montada pelo autor).

45

Pode-se observar na imagem 32 a seta vermelha que aponta o sentido da luz de

ataque, que no quadro de Munch projeta uma sombra na parede, já no filme de Murnau

ela ilumina o primeiro plano – da esquerda para a direita – deixando o vampiro Nosferatu

mais iluminado do lado esquerdo. Já a seta azul aponta o contraluz, no filme essa luz

recorta a silhueta do vampiro, destacando-o do fundo, é possível observar sua origem

atrás da porta (seguindo a orientação da flecha), causando uma silhueta iluminada do lado

esquerdo do vampiro, já no quadro de Munch, essa iluminação é muito menos perceptível,

já que o recorte do assunto em relação ao fundo é dado pela diferença de cor, mas pode

se perceber uma maior luminosidade do lado esquerdo do assunto.

O Expressionismo Alemão revoluciona o mundo cinematográfico por incorporar

a fotografia como recurso narrativo, o ambiente criado pela iluminação não vinha apenas

com o intuito de apresentar os objetos em cena, mas compor a dramaticidade da narrativa.

Cria-se uma técnica de iluminação que pretende expressar algo através da iluminação que

se desenvolve no cenário onde, não apenas a narrativa - a história em si -, a atuação e seus

diálogos desenvolveria o drama, mas a própria fotografia seria capaz de expressar o tom

da narrativa através do ambiente para o espectador.

A fotografia criada pelo cinema expressionista tem como características o grande

contraste – fazendo uso da película preto e branco – para gerar tensão para o espectador,

corroborando com a temática grotesca influenciada pelos movimentos góticos e

românticos do século XIX. Porém essa característica se estende a expressar algo, no

casso, determinado tom que se deseja aplicar na obra através da luz que se emprega a ela.

Diferente de movimentos como o impressionismo, que tem como objetivo gerar a

impressão do espectador/apreciador, o expressionismo vem com a característica de

‘expressar’ determinado sentimento – vindo do autor, diretor ou pintor – para quem o

consome através da técnica da fotografia (contrastes causados por luz e sombra), tanto

nas artes plásticas, como nas cênicas e na cinematográfica.

4.2 NOUVELLE VAGUE E CINEMA NOVO

O cinema francês, a partir dos anos 1930, acaba se estagnando como uma Arte de

Estúdio, filmes que refletiam a burguesia francesa da época que havia vencido a Primeira

Grande Guerra na década passada e era representada por romances vazios, monótonos e

com enquadramentos óbvios e pouco movimento de câmera. Assim um movimento de

jovens franceses, críticos e recém-saídos da Academia de Cinema são motivados a romper

46

com aquele cinema, que Truffaut32 (1954, apud BERNARDET, 1980, p. 96): chamou de

“comercial, acadêmico e prestigiado – competentes artesãos dirigiam competentes atores

e aplicavam regras para narrar estórias absolutamente previsíveis em filmes onerosos”.

A Nouvelle Vague nasce no final de 1950, quando jovens partem para a direção,

roteirização e produção. Pela falta de verba, usava-se material sucateado como câmeras

de segunda mão. Assim, marcou-se a ruptura com a linguagem clássica do cinema com a

utilização de movimentos de câmera como centro da mise-en-scène, como diria Godard

segundo Merten (2005), “o uso do travelling era uma questão de moral” e o uso da

película PB, pelo seu baixo custo.

Histórias quase adolescentes provindas de jovens de vinte-e-poucos anos, porém,

segundo Merten (2005) eram carregadas de expectativas e frustrações de uma geração

que amadureceu durante a guerra fria em uma Europa massificada e hiperpovoada de

imagens do cinema, da publicidade e da recém-consolidada televisão. Essas

características, para Merten (2005), acabaram se tornando uma linguagem a ser explorada

pelos diretores, como a fotografia, quase sempre justificada pelo ambiente e movimentos

de câmera livre se tornaram características de um novo cinema que buscava discutir sobre

o homem e a sociedade em que ele vive.

Segundo Manevy (2006, p. 221), a Nouvelle Vague se tornou “um laboratório de

uma nova estética composta de fragmentos, a incorporação do acaso na filmagem,

narrativas polifônicas e uso de uma linguagem antes atribuída apenas a documentários”.

Desse laboratório nasceram filmes capazes de fazer observações críticas do imaginário

urbano, uma visão do homem oposta à vulgaridade e ao comercio do cinema e das

mitologias da sociedade de consumo, um cinema contracultura.

A Nouvelle Vague viria influenciar o cinema brasileiro, que vivia a mesma

situação de descontentamento em função da alienação cultural imposta pela Indústria

Nacional de Cinema. O chamado Cinema Novo coloca em pauta assuntos como

religiosidade, a política arcaica existente em algumas partes do país e as relações do

cidadão comum entre eles e as autoridades que o cercam.

O marco do Cinema Novo se dá por um baiano, Glauber Rocha, que tem em sua

filmografia a direção de nove filmes, entre eles os mais conhecidos: Deus e o Diabo na

Terra do Sol (Brasil, 1963), Terra em Transe (Brasil, 1967) e O Dragão da Maldade

contra o Santo Guerreiro (Brasil, 1969). São filmes que buscam refletir sobre a sociedade

32 TRUFFAUT, François. Cahier du Cinema: Uma certa tendência do cinema Francês, nº 31, janeiro de

1954. In: BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema, 1980, p.96.

47

da época, criticando a conduta do estado, da religião e tratando da alienação cultural do

homem comum. Em seu manifesto da Estética da Fome, Rocha33 (1965, apud

CARVALHO, 2006, p.289) caracteriza o Cinema Novo como feito “com uma câmera na

mão e uma ideia na cabeça”, evidenciando a precariedade das produções, porém provido

de um engajamento político-social empregado no enredo de seus filmes.

Algumas dessas características fotográficas, oriundas da Nouvelle Vague francesa

com a licença poética da adaptação tupiniquim dada pelos cinemanovistas podem ser

observadas no filme Febre do Rato (2011). A fotografia que ressalta o ambiente onde a

história se passa fotografia essa que também faz uso do suporte PB, o uso da câmera

presente nos acontecimentos do filme - lembrando muito a utilização da câmera em

documentários - e o enredo com questionamentos políticos que é apresentado através da

jornada de um cidadão com uma ideologia que almeja uma revolução da periferia para o

centro burguês da cidade de Recife.

33 ROCHA, Glauber. Estética da fome, 1965. In: CARVALHO, Maria do Socorro. História do cinema

mundial: Cinema Novo brasileiro, 2006, p.289.

48

5 METODOLOGIA

A pesquisa será constituída de modo qualitativo, que para Michel (2009) consiste da

experimentação empírica, a partir de análise feita de forma detalhada, abrangente,

consistente e coerente, assim como na argumentação lógica das ideias.

A pesquisa bibliográfica foi montada com base nas escolas cinematográficas que

evidenciam o uso do preto e branco – não apenas como suporte, mas que com o auxílio

da fotografia tem a intenção de criar uma estética que irá contribuir para a narrativa do

filme. A pesquisa apresentará, de modo descritivo, as escolas vanguardistas e

comparando-as ao filme Febre do Rato (2011) de Cláudio Assis, evidenciando onde as

influências são observadas.

Para esse fim a linguagem cinematográfica foi dividida em três categorias. A

primeira é o suporte, referente a como o filme foi capturado – apresentando as tecnologias

de captação do cinema como analógico e digital. A fotografia, que visa apresentar como

a luz é montada para gerar determinado clima para a ação e movimentos de câmera a fim

de inserir o espectador dentro do filme. Por fim a narrativa, que apresenta a jornada do

herói como espinha dorsal do filme e como os elementos fotográficos e a escolha do

suporte criam determinada estética para auxiliar a história.

Concluindo o referencial teórico, foi estruturada uma retomada a três escolas

vanguardistas que usufruíram da fotografia preto e branco em função da sua narrativa. A

primeira delas é o Expressionismo Alemão, escola pertencente as vanguardas dos anos

20 e responsável por implementar o uso da fotografia como uma função narrativa, esse

movimento buscou referências da escola plástica expressionista que usava de cores

pesadas para expressar angustia em seus quadros. Apesar do movimento Expressionista

Alemão não utilizar cores em função da falta dessa tecnologia na época, os diretores e

fotógrafos utilizaram do contraste criado pelas luzes na película preto e branco.

Outras duas escolas foram colocadas em um mesmo capítulo, a Nouvelle Vague e o

Cinema Novo. As duas vanguardas dos anos 60 dividem o mesmo espaço no referencial

em função da sua origem concomitante e suas propostas semelhantes, ambas as escolas

vieram com uma proposta de ir contra o cinema dito de qualidade e experimentar formas

distintas de contar histórias, seja mudando o foco da narrativa ou usufruindo de suportes

ultrapassados com o objetivo de criar algo diferente, por mais que, muitas vezes, o uso

desse suporte – a película preto e branco – tenha sido usada por questões orçamentais,

que pelo seu baixo custo, era mais viável para os cineastas de primeira viagem.

49

Com o intuito de responder as hipóteses apresentadas sobre as influências e o uso

da fotografia PB no filme Febre do Rato (2011) de Cláudio Assis, é utilizado o

embasamento do referencial teórico, assim como a análise de conteúdo. Para Michel

(2005), analise de conteúdo é definida por três etapas: a) pré-análise, que consiste na

coleta e organização do material a ser analisado; b) descrição analítica, estudo a partir das

hipóteses e do referencial teórico, escolha do material de análise e c) a interpretação

inferencial, que consiste em revelar os conteúdos em função dos propósitos do estudo.

Foram retiradas quatro sequências do filme que serão utilizados para análise,

cruzamento com as escolas mencionadas no referencial teórico e usadas para afirmar às

hipóteses sobre o uso do PB e suas referências dentro do filme de Assis. As sequências

escolhidas representam uma fotografia e movimentos de câmera recorrentes no filme

Febre do Rato (2011), e servem para elucidar como a fotografia é montada pensando

especificamente no PB como estética do filme.

As cenas coletadas representam pontos específicos onde o recurso fotográfico do

PB é usado de maneira que vem a contribuir para a narrativa do filme. Tendo em vista os

três pilares estabelecidos no início trabalho: fotografia, suporte e narrativa. Esse trabalho

visa entender as possíveis influências para a fotografia PB junto do suporte escolhido pelo

diretor – película 35mm - como esses fatores vem auxiliar na estética e o que agregam a

narrativa do filme.

A análise de conteúdo aplicada a análise fílmica será feita em duas etapas,

primeiramente a sequência será decupada em plano, ângulo de câmera, movimento de

câmera, descrição da cena, iluminação da cena e comentário sobre o uso do preto e

branco. Posteriormente serão enfatizados os pontos necessários a serem abordados na

análise e as escolas que estão sendo feitos os paralelos, assim como as características

fotográficas e narrativas. A decupagem analítica fotográfica montada para esse trabalho

é embasada pela decupagem proposta por Vanoye e Goliot-Lété, em seu livro Ensaio

sobre a análise fílmica (2002), que propõe quebrar o filme até seus menores pedaços,

analisando as partes – uma por uma – pode se entender o todo.

Para isso, primeiramente, haverá uma explicação da sequência retirada do filme,

posteriormente uma tabela de decupagem que conterá os quesitos propostos por Vanoye

e Goliot-Lété como necessários para a análise fílmica: timecode indicando o tempo do

filme em que a ação ocorre, o plano usado pela câmera na cena, o ângulo de câmera, se

há ou não movimento de câmera, as imagens que constam no quadro, fotografia (referente

a luz que incide no ambiente) e o som que captado ou colocado na sequência.

50

6 ANÁLISE

6.1 OBJETO DE ESTUDO

O filme Febre do Rato (2011) é o terceiro longa-metragem do diretor

pernambucano Cláudio Assis, um entusiasta do Cinema Novo que sempre incorporou

características desse movimento em seus filmes. Na narrativa são abordados temas sociais

que partem do cidadão comum da periferia de Recife e suas relações com a sociedade em

que ele está inserido. A fotografia conta com luzes justificadas e movimentos de câmera

que lembram os que costumam ser usados em documentários com a finalidade de inserir

o espectador na da trama.

Em seus filmes, Assis coloca em pauta temas sociais que vão de encontro ao status

quo e tendem a perturbar o espectador. Com o objetivo de discutir o problema

apresentado, retrata em seus filmes um ambiente que distorce a moral vigente a fim de

exemplificar a efemeridade de conceitos e certezas com o intuito de problematizar a

moralidade e a sociedade.

Nas produções mais recentes do diretor como o curta-metragem Texas Hotel

(1999) e os longas Amarelo Manga (2002), Baixio das Bestas (2006) e Febre do Rato

(2011), Assis tem trabalhado em conjunto com - o também influenciado pelos

cinemanovistas - Walter Carvalho. Carvalho é responsável por ícones do cinema nacional

contemporâneo como Central do Brasil (1998), de Walter Salles e Carandiru (2003), de

Hector Babenco.

Os filmes fotografados por Carvalho contam com uma fotografia que, não só

refletem a amargura das personagens através do ambiente em que estão inseridos, mas

também tem a função de inserir o espectador dentro da trama. No filme Central do Brasil

(1998) de Walter Salles, a cor amarela é usada por Carvalho, na maior parte do filme,

para reforçar o clima quente e pesado da trama, salvo por momentos chave em que a cor

predominante é azul passando a frieza e a tensão de casos específicos.

A parceria entre Assis e Carvalho teve início em 1999 com o curta-metragem

Texas Hotel, que apresentou as relações, reações e ações dos hóspedes do Hotel Texas

após o assassinado a sangue frio do dono da hospedaria por imigrantes argentinos. O

curta-metragem mostra o homem como animal insensível com os seus semelhantes e

completamente egocêntrico em suas ações. Através de longos planos que exaltam a ação

imediata dos hóspedes após o assassinato, o filme também conta com uma fotografia que

51

evidencia a sujeira e o caos de cada morador do hotel através da luz que revela a mise-en-

scène34.

No filme Febre do Rato (2011), os diretores buscam inserir o espectador na

periferia da cidade de Recife em preto e branco, que apesar de estar à margem da cidade

e ignorada pelo centro, é um espaço fortemente criativo onde há compartilhamento de

ideias e há respeito entre todas as personagens que fazem parte desse contexto.

A narrativa é guiada por Zizo, também conhecido como Poeta, personagem de

Irandhir Santos. Zizo é editor de um zine, homônimo ao filme, que tem como finalidade

compartilhar suas poesias e ideias com a comunidade que o cerca. Em seu mundo, onde

há liberdade moral e sexual, conhece Eneida, paixão que se torna platônica após ela se

recusar a ter um relacionamento com o ele. A saga do herói se dá pelo amadurecimento

da personagem e de seus sentimentos, que faz com que ele entenda o poder da

coletividade e a responsabilidade de encabeçar um movimento social que tende a crescer

com a disseminação de suas ideias.

O primeiro mentor de Zizo é Pazinho, personagem vivido pelo ator Matheus

Nachtergaele, coveiro, com pouco estudo, semianalfabeto, em um casamento conturbado

com Vanessa, uma travesti interpretada por Tânia Granussi. A personagem de

Nachtergaele acaba fazendo com que Zizo reflita sobre sua posição no contexto em que

vive – poeta, instruído e gerador de opinião na periferia onde mora – e sua importância

para as pessoas que o cercam.

Diante das turbulentas e efêmeras relações, Zizo tem como modelo de estabilidade

o quatrilho, casal formado por quatro pessoas, que é composto por Rosangela (Mariana

Nunes), Oncinha (Vitor Araujo), Boca (Juliano Casarré) e Bira (Hugo Gila). Estes são

bem resolvidos quanto à sexualidade e ao poliamor em que se encontram. A relação dos

quatro, melhor exemplificada por um plano sequência em zenital35, que relata o casal

acordando e indo para a piscina, mostra as quatro personagens na intimidade do despertar

juntos. A sequência será decupada e analisada no capítulo dedicado a análise fílmica.

A fotografia também monta situações específicas no filme que refletem a situação

das personagens em quadro, como a conversa entre Zizo e os pescadores de caranguejo.

34 Mise-en-scène: define, entre outros elementos, o espaçamento de corpos e coisas em cena. Surge com a

progressiva valorização da figura do diretor, que passa a planejar de forma global a colocação do drama

no espaço cênico. (RAMOS, Fernão Pessoa. A Mise-en-scène realista: Renoir, Rivette e Michel Mourlet

In: XIII Estudos de Cinema e Audiovisual SOCINE.1, 2012, v.1, p. 53-68). 35 Zenital: a câmara é colocada no alto do cenário, apontando diretamente para baixo. (COSTA, Antonio.

Compreender o cinema, editora Globo, 1989, p. 180-188)

52

A cena se inicia com a silhueta do Poeta e os pescadores contra a luz do dia, apresentando

a cidade de Recife bem exposta ao fundo e as personagens na sombra embaixo de uma

ponte. A conversa tem início sobre a pesca em si, mas o Poeta acaba evoluindo e fazendo

uma comparação a realidade social em que vivem – “E a fome não é não? Josué que tinha

razão (...). O homem que produz a merda, que suja o mangue, que nasce o caranguejo,

que é comido pelo homem...” – referência à música Da Lama ao Caos36. Na cena, a

personagem é apresentada saindo da sombra da contraluz e se direcionando ao segundo

plano onde é evidenciado pela luz natural que será analisada no capítulo sobre

Expressionismo Alemão.

Outra situação, onde também é usada a contraluz para expressar o sentimento de

um determinado personagem, ocorre na cena do aniversário de Pazinho. A personagem

está em um relacionamento conturbado, em função do ciúme que sente pela sua

namorada, Vanessa, que entra em cena trazendo um presente para ele em um plano-

sequência. O plano tem início com a entrada de Vanessa na festa – câmera alta, luz dura

com uma leve contraluz de recorte, causando sombra no rosto das personagens – Pazinho

vem para o centro da cena, em meio aos convidados – a câmera começa a descer e a luz,

que antes sombreava o rosto das personagens, agora os revela com mais detalhes – indo

para altura do rosto dos atores.

Além desses recursos, também é usado o recurso de câmera livre, em que o

cinegrafista tem maior liberdade em percorrer o cenário com a câmera na mão37. Este

recurso gera um balanço na câmera – quebrando o contrato espectador-ficção – e passa a

sensação de realidade plausível, assemelhando-se à linguagem de documentários e

matérias jornalísticas, apresentando as personagens e o ambiente de forma bruta. Esse

recurso era utilizado pelo Cinema Novo principalmente para debater questões sociais,

políticas e religiosas.

A estética PB, assim como no Expressionismo Alemão, na Nouvelle Vague e no

Cinema Novo vem a contribuir e se torna, por vezes, essencial a construção da narrativa

do filme. O Expressionismo Alemão foi a primeira escola a usufruir do PB como recurso

estético, não apenas como suporte disponível na época, usando de recursos vindos das

artes plásticas. O movimento cinematográfico consolidou-se pelo uso de sombras de alto

36 Chico Science e Nação Zumbi. Da Lama ao Caos, 1994 – precursor do movimento Manguebeat, que

tinha como principal crítica o abandono econômico-social do mangue e da desigualdade social de Recife. 37 Câmera na mão: Trata-se de movimentos obtidos através de deslocamento do operador que manobra a

câmera sem a ajuda instrumental. (COSTA, Antonio. Compreender o cinema, editora Globo, 1989, p.186).

53

contraste e cenário macabro, posteriormente inspirando o Film Noir Americano e

diretores como Hitchcock.

A Nouvelle Vague que, em função da pouca verba disponível, usufruiu do suporte

mais barato da época e fez dele uma estética que contribuiu para a narrativa de seus filmes,

além de transgredir o cinema de estúdio para contar histórias de pessoas reais, fugindo da

dicotomia do herói/vilão e apresentando heróis com a moral questionável. O Cinema

Novo, que concebe a narrativa visual de forma que se assemelhe por vezes a linguagem

fotográfica de documentários, com uso de câmera como um narrador38.

A influência desses movimentos na estética do filme Febre do Rato (2011) de

Cláudio Assis será problematizada posteriormente em capítulos que buscam refletir as

escolas cinematográficas escolhidas e apresentar as características semelhantes entre elas

e o filme analisado.

6.2 ANÁLISE

6.2.1 Panorama de Recife

A sequência denominada Panorama de Recife foi retirada do trecho inicial do

filme Febre do Rato (2011), tendo seu início no timecode39 00:01:31, após os créditos

iniciais, com duração de 2 minutos e 17 segundos. A sequência inicial apresenta a

cidade de Recife, onde ocorre a trama e, com o auxílio da locução off40, é evidenciado o

tom e o tema que será abordado pelo longa-metragem.

Essa sequência foi escolhida por dar o tom do filme, não somente pela narrativa

que é colocada, mas principalmente por ser responsável por definir para o espectador

onde a história ocorre (apresentando a cidade em um travelling por um dos rios de Recife).

Esse movimento guia o espectador do centro urbano da cidade até a periferia, onde o

enredo se passa, nesse movimento percebe-se o centro da cidade com uma fotografia preto

e branco flat41 e bem iluminada e quando há o direcionamento para a periferia a fotografia

38 Narrador-Câmera: pedaços da vida das personagens acontecendo em uma ordem em frente a um

observador que navega pelo universo. (FRIEDMAN, Norman. O Ponto de Vista na Ficção: o

desenvolvimento de um conceito crítico. IN Revista USP. São Paulo, CCS-USP, n 53, março/maio 2002,

trad. Fábio Fonseca de Melo, p.179) 39 Timecode: código de oito dígitos, representando hora, minuto e segundo, utilizado para localizar frames

em um filme. 40 Locução off (loc. off): Locução inserida em cima de imagens, onde o locutor não aparece falando na tela.

Locução não captada no momento da gravação das cenas, por cima da cena. 41 Flat (fotografia): referente a uma boa exposição em todos os pontos do quadro (sem pretos ou brancos

absolutos), normalmente tendo todos os cinzas da escala degrade referente ao aspect ratio.

54

PB se torna mais contrastada, evidenciando o contraste entre centro e a comunidade

marginalizada.

Pode-se notar na primeira sequência do filme como a fotografia determina o tom

de cada ambiente, contrastando os dois polos da cidade, e determina como o uso do preto

e branco não se dá apenas por capricho do diretor e do fotografo, mas sim para estabelecer

um maior contraste e evidenciar diferentes ambientes, contraste esse que, talvez, não fosse

tão evidente com o uso de uma película colorida. A sequência possui sete cortes, sete

planos, todos possuindo algum movimento de câmera, guiando o espectador do ponto A,

centro da cidade, e direcionando para o ponto B, a periferia, apresentando suas diferenças

através do contraste fotográfico.

6.2.1.1 Tabela de decupagem

Timecode

(referente

ao plano)

Plano Ângulo de

câmera

Movimento

de câmera

Imagens em

cena

Fotografia

(luz)

Som

00:01:31

00:02:10

GPG

Normal

Travelling

Rio Capibaribe

Pontes

Cidade de Recife

Iluminação

ambiente

Contraste flat

Trilha

Loc.

Off

00:02:11

00:02:30

GPG

Contra-

plongeé

Normal

Travelling

Tilt down

Rio Capibaribe

Cidade de Recife

Iluminação

ambiente

Contraste flat

Trilha

Loc.

Off

00:02:31

00:02:43

PG

Contra-

plongeé

Travelling

Rio Capibaribe

Cidade de Recife

se afastando

Iluminação

ambiente

Contraste flat

Trilha

Loc.

Off

00:02:44

00:02:54

PG

Normal

Travelling

Rio Capibaribe

Pontes

Casebres

Iluminação

ambiente

Maior contraste

Trilha

Loc.

Off

00:02:55

00:03:17

PG

Normal

Travelling

Rio Capibaribe

Casebres

Árvores

Iluminação

ambiente

Maior contraste

Trilha

Loc.

Off

55

00:03:18

00:03:33

PG

Contra-

plongeé

Travelling

Pan

Tilt down

Rio Capibaribe

Casebres

Construções

Iluminação

ambiente

Maior contraste

Trilha

Loc.

Off

00:03:34

00:03:48

PG

Normal

Travelling

Pan

Rio Capibaribe

Casebres

Prédios ao fundo

Iluminação

ambiente

Maior contraste

Trilha

6.2.1.2 Decupagem descritiva

Figura 33 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Panorama de Recife - plano 1

00:01:31 – 00:02:10 – GPG, câmera oblíqua ao assunto e em ângulo normal,

movimento de travelling descendo o rio (esquerda-direita). Em primeiro plano observa-

se pássaros pousados em uma pedra próxima a ponte que se situa em segundo plano e em

terceiro plano vê-se a cidade de recife surgindo atrás dos prédios, conforme a câmera se

move e atravessa a ponte, por baixo, pode ser ver a cidade em movimento em um primeiro

plano. A luz que incide na cidade é orientada pela luz do sol com pouco contraste em uma

fotografia PB flat. Início de uma trilha sonora e uma loc. Off da personagem principal.

Figura 34 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Panorama de Recife - plano 2

56

00:02:11 – 00:02:30 – GPG, câmera em contra-plongeé, movimento de travelling

para frente e, após câmera sair debaixo da ponte, ocorre um tilt down, levando a câmera

para o nível normal e apresentando a cidade de recife. Observa-se, primeiramente, o teto

da ponte e, após o tilt down, o Rio Capibaribe, uma ponte em primeiro plano e ao fundo,

em terceiro plano, percebe-se prédios da cidade de Recife ao fundo, a imagem é

fotografada de maneira flat, onde todos os objetos em cena estão bem expostos. Segue a

trilha sonora e a loc. Off.

Figura 35 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Panorama de Recife - plano 3

00:02:31 – 00:02:43 – O corte aproxima a câmera da ponte vista no plano anterior.

PG, câmera em um leve contra-plongeé e movimento de travelling para frente, se

dirigindo para baixo da ponte. Observa-se a ponte cortando o rio de um lado a outro,

prédios surgindo atrás da construção e uma mata que cerca a margem do rio. A fotografia

ainda é flat, com uma boa exposição de todos os objetos em cena, o corte se dá quando a

ponte atinge o teto do quadro. Trilha sonora e loc. Off.

Figura 36 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Panorama de Recife - plano 4

00:02:44 – 00:02:54 – PG, ângulo de câmera normal, movimento de travelling

esquerda-direita. Em primeiro plano, no centro do quadro, há uma ponte unindo os dois

lados da tela, pode se observar, por baixo da ponte, casebres de madeira ao fundo,

57

dispostos na ribanceira no percurso do rio. A luz que incide ainda é oriunda do sol, porem

os contrastes ressaltados são maiores que antes, evidenciando a chegada da câmera na

periferia da cidade. O direcionamento do movimento de travelling leva o espectador para

de baixo da ponte. Trilha sonora e loc. Off ainda presente.

Figura 37 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Panorama de Recife - plano 5

00:02:55 – 00:03:17 – PG (o recorte diminui e agora apresenta a periferia da

cidade de uma maneira mais próxima), o ângulo da câmera é normal e o movimento de

travelling se mantem, porem agora ele vai da direita para esquerda. O rio estabelece o

chão da cena e na sua encosta estão dispostos casebres da periferia da cidade, o

movimento da câmera segue o percurso do rio e se aproxima das casas de madeira,

fechando o ângulo de visão. A fotografia ainda é justificada pela luz natural e está mais

contrastada, conforme se aproxima da margem. A trilha sonora continua e a loc. Off é

pontual.

Figura 38 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Panorama de Recife - plano 6

00:03:18 – 00:03:33 – PG, contra-plongeé, movimento de travelling da direita-

esquerda e movimento da câmera em seu próprio eixo (pan) da direita para esquerda. São

apresentados casebres se sobrepondo e uma construção mais alta, também de madeira,

com cartazes de pessoas coladas nela. 00:03:21 tilt down e movimento da câmera para a

58

esquerda, apresentando mais casebres amontoados. Percebe-se, a margem do rio, a

apresentação da favela em alto contraste. Trilha sonora continua e a loc. Off termina.

Figura 39 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Panorama de Recife - plano 7

00:03:34 – 00:03:48 – PG, enquadramento com a imagem oblíqua, movimento de

travelling direita-esquerda com a câmera girando no próprio eixo (pan), esquerda-direita.

Percebe-se casebres montados a margem do rio, algumas árvores e um alto contraste. Em

segundo plano prédios e construções de concreto que ultrapassam o teto do quadro. Trilha

sonora continua até o fim, fadeout.

6.2.1.3 Interpretação de decupagem.

Primeiramente deve-se notar o grande plano geral (GPG) que apresenta a cidade

de Recife e guia o espectador pelo rio Capibaribe, apresentando os prédios, pessoas e

trânsito vistos do rio. Posteriormente esse movimento de travelling pelo rio leva o

espectador até a periferia, onde a trama realmente acontece. Nesse movimento o GPG se

restringe a um plano geral (PG), afunilando o a imagem do centro da cidade, para o

particular, a periferia, onde a história será contada. Também pode ser notado o contraste

em que os ambientes se apresentam, em princípio, quando o assunto é o centro da cidade,

o preto e branco é trabalhado de uma maneira flat – com pouco contraste – e quando se

direciona para a periferia, essa falta de contraste é substituída por um preto e branco mais

intenso, com ênfase nos pretos e nos brancos (mais contrastados).

Esse contraste estabelecido no panorama, posteriormente, vem a se tornar parte da

trama da personagem, caracterizando o enredo social que é apresentado de maneira que

insere o espectador dentro da realidade utópica/distópica proposta pelo diretor. O

contraste realça os tons da periferia da cidade, passando um ar da sujeira do mangue e do

calor de Recife.

59

Essa inserção do espectador na história do filme é feita, também,

fotograficamente, com o uso de luzes justificadas, que dão veracidade aos cenários

apresentados, sombras justificadas e origem de luz aparentes no cenário fazem com que

o espectador sinta que o ambiente é plausível, reforçando a suspensão de descrença do

início do filme.

Nota-se também nessa sequência uma semelhança do movimento de câmera usado

por Alexandre Promio, cinegrafista e fotógrafo que acompanhou os irmãos Lumière no

projeto de filmar os quatro cantos do mundo. Nesse projeto, Promio acabou colocando a

câmera em uma gôndola para fazer uma panorâmica da cidade de Veneza, movimento

esse conhecido hoje como travelling, em Panorama du Grand Canal vu d’un bateau

(Veneza, 1896), de Lumière.

6.2.2 O Quatrilho

A sequência denominada O Quatrilho tem seu início no timecode 00:28:01 e tem

a duração de dois minutos e trinta e um segundos. Ela ocorre logo antes da primeira meia

hora de filme e seu fim narrativo é consolidar o casal formado por quatro pessoas,

quatrilho, como um casal normal.

A cena tem início com o casal acordando em um futon, todo processo de um casal

acordando é relatado visualmente em um ângulo de câmera zenital e com o uso do recurso

de jump cut’s, recurso usado como estética na Nouvelle Vague. A sequência foi escolhida

por ter uma importância na narrativa da história com o fim de estabelecer os quatro como

um casal como outro qualquer, pelo recurso de cortes rápidos utilizados e pela fotografia

naturalista que emula a luz ambiente entrando pela janela e projetando a sombra dos

objetos no quatro.

Essa fotografia também é utilizada para dar passagem temporal, já que a

incidência da luz muda com o passar do tempo, se tornando menos dura. Após a primeira

sequência de cortes, também é apresentado um pequeno plano sequência, com a câmera

posicionada em ângulo zenital, um recurso fotográfico pouco usado no cinema, mas muito

bem trabalhado pelo diretor e pelo fotógrafo para apresentar a unidade e intimidade do

casal, da hora que despertam, relembrando o compromisso e indo para a banheira.

60

6.2.2.1 Tabela de decupagem

Timecode

(referente

ao plano)

Plano Ângulo

de

câmera

Movimento

de câmera

Imagens

em cena

Fotografia

(luz)

Som

00:28:01

00:28:39

PC

Zenital

Parada

Centro da

cena: futon e o

casal deitado

(quatrilho)

Luz unilateral

(direita -

esquerda) em

diagonal

Som

ambiente

00:28:40

00:28:52

PC

Zenital

Parada

Centro da

cena: futon e o

casal deitado

(quatrilho)

Luz unilateral

(esquerda -

direita) em

diagonal

Som

ambiente

00:28:53

00:29:00

PC

Zenital

Parada

Centro da

cena: futon e o

casal deitado

(quatrilho)

Luz unilateral

(direita -

esquerda) em

diagonal

Som

ambiente

00:29:01

00:29:19

PC

Zenital

Parada

Centro da

cena: futon e o

casal deitado

(quatrilho)

Luz unilateral

(esquerda -

direita) em

diagonal

Som

ambiente

00:29:20

00:29:27

PC

Zenital

Parada

Centro da

cena: futon e o

casal deitado

(quatrilho)

Luz unilateral

(esquerda -

direita) em

diagonal

Som

ambiente

00:29:28

00:29:40

PC

Zenital

Parada

Centro da

cena: futon e o

casal deitado

(quatrilho)

Luz unilateral

(esquerda -

direita) em

diagonal

Som

ambiente

00:29:41

00:30:32

PC

Zenital

Parada

Posteriormente

movimento de

travelling

Casal

levantando do

futon e indo

em direção a

banheira.

Casal na

banheira

Luz unilateral

(direita -

esquerda) em

diagonal

Som

ambiente

Inserção

de trilha

61

6.2.2.2 Decupagem descritiva

Figura 40 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Quatrilho - plano 1.

00:28:01 - 00:28:39 – PC, câmera em posição zenital, câmera parada. Na imagem

vista de cima é apresentado o quatrilho deitado em um futon, as personagens estão

centralizadas no quadro – ocupando da base até o teto da tela -, todas as personagens estão

peladas e abraçadas, acordando aos poucos, uma delas levanta e sai da cama. A fotografia

se repete por toda a sequência, uma fotografia com um contraste mais baixo, porém sem

iluminação de compensação, a luz incide da direita para a esquerda da tela em uma

diagonal do canto inferior direito para o canto superior esquerdo (é possível notar a

orientação pela sombra que ela projeta nos objetos em cena). O som é ambiente com

poucas falas das personagens.

Figura 41 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Quatrilho - plano 2.

00:28:40 – 00:28:52 - – PC, câmera em posição zenital, câmera parada, porém

invertida 180º em relação ao plano anterior. O três dos quatro ainda estão deitados no

futon se abraçando e se beijando, o enquadramento ainda é com o casal centralizado na

tela. A orientação de luz é a mesma, porém a imagem está de ponta cabeça em relação ao

plano anterior, agora a luz segue do canto superior esquerdo para o canto inferior direito

mantendo o mesmo contraste. O som é ambiente e se ouve os cochichos das personagens.

62

Figura 42 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Quatrilho - plano 3.

00:28:53 – 00:29:00 - PC, câmera em posição zenital, câmera parada, girada

novamente 180º, voltando para a posição do plano 1. Uma personagem está sentada no

lado esquerdo do futon bebendo uma garrafa de água e as outras três estão se abraçando

e trocando caricias no centro do quadro, o plano termina quando a personagem que estava

do lado esquerdo oferece água para as outras. A orientação de luz e o contraste da

fotografia seguem o apresentado no primeiro plano da sequência, porém levemente mais

escuro, dando noção de uma passagem de tempo (é perceptível pelo escurecimento das

sombras e pelo branco levemente acinzentado). O som é ambiente com alguns cochichos

e múrmuros presentes.

Figura 43 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Quatrilho - plano 4.

00:29:01 – 00:29:19 - PC, câmera em posição zenital, câmera parada, voltando a

posição do plano 2. O casal se encontra deitado no futon no centro do quadro, trocando

carícias e um deles, no lado direito, fumando um cigarro. Como no plano 2, a luz incidente

vem do canto superior esquerdo para o canto inferior direito, marcando a sombra dos

objetos e das personagens. O som é ambiente e se ouve os cochichos e murmúrios das

personagens.

63

Figura 44 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Quatrilho - plano 5.

00:29:20 – 00:29:27 - PC, câmera em posição zenital, câmera parada e invertida

em 180º como no plano anterior. No centro da tela todos do casal trocam carícias no futon.

A incidência de luz e a fotografia é a mesma do plano anterior, apenas é usado um jump

cut para passar a ideia de passagem de tempo do casal acordando. O som é ambiente e

ouve-se murmúrio e cochichos.

Figura 45 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Quatrilho - plano 6.

00:29:28 – 00:29:40 - PC, câmera em posição zenital, câmera parada, o eixo é

novamente invertido em 180º. Com a orientação de câmera voltando para o eixo normal

(de cabeça para cima), as personagens, ainda no centro da tela e deitados no futon,

começam a se levantar aos poucos. O som é ambiente e se ouve um início de conversa.

Figura 46 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Quatrilho - plano 7.

64

00:29:41 – 00:30:32 - PC, câmera em posição zenital, movimento de travelling.

Há um diálogo evidenciando um compromisso e as personagens começam a se levantar

em um plano sequência em zenital de 41 segundos, que mostra as quatro personagens

saindo do futon e indo até a banheira. Som ambiente, conversa e inserção de uma trilha

sonora no final da cena.

6.2.2.3 Interpretação de decupagem

O primeiro ponto que deve ser notado na sequência é a presença de jump cut’s,

utilizados para dar a noção temporal e o processo natural de um casal acordando. Esse

recurso, como dito anteriormente, provém da Nouvelle Vague onde era utilizado para dar

a impressão de lapsos de tempo em uma sequência, mostrando apenas as partes relevantes

para a narrativa da história apresentando pequenos recortes de um plano, no caso do filme

Febre do Rato (2011), usado para naturalizar e estabelecer o casal formado por quatro

pessoas.

Também deve ser evidenciado o uso da câmera em posição zenital, principalmente

em um plano longo, em que ela não serve apenas para apontar um ponto de vista da

situação ou como recurso para apresentar o plano completo, mas sim para registrar todo

o processo das personagens acordando e o pequeno plano sequência do casal indo para a

banheira. Esse recurso de ângulo de câmera permite que o espectador veja o quadro inteiro

de cima, tendo noção do espaço em que a cena se passa e da disposição e ação de todas

as personagens.

Figura 47 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Referência de iluminação.

A luz que incide no ambiente é um aspecto importante, pois ela não serve apenas

para apresentar e refletir nos objetos, mas para dar a sensação do sol da manhã adentrando

a janela, dando o tom do processo de acordar do casal. A luz entra em 45º no quadro,

65

como apresentado na imagem 47 com a orientação de luz expressa por flechas vermelhas,

projetando as sombras em direção ao ângulo superior, definindo sua origem e

estabelecendo que há uma janela por onde ela entra, permitindo que haja uma ideia do

cômodo em que a ação se passa. O contraste é ainda maior por ser trabalhado com o

suporte PB, já que nele toda imagem é uma parte do gradiente de cinza (luz ou sombra),

deixando mais evidente a entrada de luz e marcando mais as sombras dentro do quarto.

Por último, outro recurso fotográfico – também vindo da Nouvelle Vague – é o

uso da quebra da linha dos 180º, isso ocorre quando há a mudança de direção do quadro

(a cena fica de ponta-cabeça). Esse recurso pode confundir o espectador, por há mudança

na orientação de luz e posicionamento das personagens dentro da tela, porém, como todos

os planos tem o mesmo enquadramento e consistem de um PC com todas as personagens

em cena, a quebra da linha dos 180º é usada apenas como recurso de movimento e para

dar a sensação de passagem de tempo, agregando para evidenciar a situação que é

apresentada.

6.2.3 Conversa com Eneida

Nessa sequência o Zizo conhece Eneida, uma estudante que não está tão

familiarizada ao mundo do Poeta, o encontro e o flerte entre os dois acaba movimentando

parte da trama do filme – pois é a paixonite e a não concretização do ato entre as

personagens que move as paixões de Zizo, desencadeando a ação no manifesto final. O

plano possui dois minutos cinquenta e dois segundos sem nenhum tipo de corte,

apresentando a festa onde a ação ocorre, o encontro das personagens e a conversa dos

dois.

Além de ser o momento onde as personagens se conhecem, a sequência conta com

uma fotografia onde a iluminação é justificada pelo ambiente – apresentando a origem de

todas as luzes durante o plano sequência. Pelo fato de ser um plano sequência e haver

movimento de câmera, há também diversos enquadramentos, pois há diversos focos

durante a ação, como: a apresentação do ambiente, da confraternização entre os presentes,

a iluminação que o ambiente possui, a origem da trilha sonora (que é apresentada por

personagens tocando instrumentos), até chegar o Poeta e o caminho dele até sentar ao

lado de Eneida, onde há a conversa entre os dois.

66

6.2.3.1 Tabela de decupagem

Timecode

(referente

ao plano)

Plano Ângulo

de

câmera

Movimento

de câmera

Imagens em

cena

Fotografia

(luz)

Som

00:36:53

00:37:25

PC

PG da

festa

Normal

Travelling

Pessoas assistindo

ao telão, pessoas

ao fundo

confraternizando

Origem

ambiente

Contraste alto

Som e

trilha

ambiente

00:37:26

00:37:42

PP de

Zizo

Normal

Travelling

Zizo em primeiro

plano pessoas ao

fundo

Origem

ambiente

Contraste alto

Som e

trilha

ambiente

00:37:43

00:39:45

PC de

Zizo e

Eneida

Normal

Parada

Zizo e Eneida em

primeiro plano

(PC) e pessoas ao

fundo

Origem

ambiente

Contraluz e

ataque frontal

Som e

trilha

ambiente

Conversa

entre

Eneida e

Zizo

6.2.3.2 Decupagem descritiva

Figura 48 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Conversa com Eneida - plano 1.

00:36:53 – 00:37:25 – Início do plano sequência, PC, câmera em ângulo normal e

movimento de travelling apresentando o ambiente da festa com pessoas assistindo a um

telão, bebendo, fumando, tocando música e confraternizando. O movimento de travelling

é da esquerda para a direita, apresentando o ambiente e as pessoas e a fonte luz que incide

no ambiente é apresentada é justificada com a apresentação de luminárias, lâmpadas e o

telão que está passando uma apresentação. Há uma trilha sonora que está sendo tocada no

ambiente por uma personagem. O travelling para quando a câmera encontra a personagem

de Zizo, no canto oposto onde o movimento começou.

67

Figura 49 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Conversa com Eneida - plano 2.

00:37:26 – 00:37:42 – seguindo o plano sequência, Zizo entra em quadro e assume

um primeiro plano com um corte médio, na altura da cintura, e segue o movimento de

travelling seguindo a personagem (agora da esquerda para a direita), ele está em primeiro

plano e percebe-se a festa em segundo plano. Enquanto a personagem caminha a câmera

faz um movimento de tilt down, mostrando as pernas da personagem e o local que ele vai

se sentar, ao lado de Eneida em um PC. A luz que apresenta o ambiente segue sendo

justificada pela iluminação do telão e das luminárias presentes. O som é ambiente e a

música que faz a trilha também.

Figura 50 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Conversa com Eneida - plano 3.

00:37:43 – 00:39:45 – Após o tilt down a câmera estabiliza em um PC em ângulo

normal, apresentando o Poeta Zizo sentado ao lado de Eneida. A fotografia é justificada

pela luz do ambiente, porém a luz que provem das luminárias ao fundo criam um

contraluz que recorta as personagens, separando-as do fundo escuro, e a luz do telão

ilumina o rosto delas em 45º, em relação a câmera, fornecendo uma luz de ataque

diagonal. O som é ambiente e há conversa de apresentação entre as duas personagens.

68

6.2.3.3 Interpretação de decupagem

O ponto principal a ser observado é o fato de ser um plano sequência, que não

apenas expõe parte de uma ação, mas sim o ambiente, o início da ação (as personagens

se conhecendo) e a conversa dos dois, sendo a conversa o ponto objetivo da sequência. O

PS foi usado de uma forma que insere o espectador dentro da trama, como um caminhar

pela festa, onde se vê diversas ações ocorrendo simultaneamente até a retomada da trama,

quando o Poeta entra em quando e vai até Eneida que está sentada do outro lado da tela.

Para isso a câmera percorre o caminho duas vezes, primeiro da direita para a

esquerda, apresentando o ambiente e sua iluminação – como se o espectador caminhasse

pela cena, recurso utilizado pela Nouvelle Vague e pelo Cinema Novo para inserir o

espectador dentro da trama –, e em um segundo momento quando encontra Zizo no lado

esquerdo, a câmera volta com ele, fazendo o mesmo movimento, porém agora

acompanhando a personagem. Os movimentos de câmera podem ser percebidos na

imagem 51, onde o movimento de travelling para a esquerda é representado pela flecha

vermelha e o movimento de travelling para a direita pela flecha azul.

Figura 51 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Referência de luz.

A iluminação que aparece no primeiro movimento de câmera (direita-esquerda),

que é a iluminação da festa, acaba sendo a iluminação da conversa entre as personagens.

Quando sentadas para a conversa no PC, a iluminação do telão é responsável pela luz de

ataque, que incide em 45º nas personagens (representado pela flecha amarela na imagem

51), por vezes gerando sombra em Eneida (que está disposta mais distante do telão que

Zizo). A luz de recorte, o contraluz, é formado por abajures e suportes de luz que

iluminam algumas partes da festa, essa iluminação vem oposta à luz de ataque e forma

uma silhueta iluminada nas personagens, separando-as do fundo ().

A iluminação de recorte, como apresentado no capitulo 2.1, vem com o intuito de

separar os planos – principalmente com o uso da película preto e branco, onde os tons de

cinza ou pretos se misturam – e, se tratando de uma cena externa noite, o contraluz divide

69

as personagens na hora da conversa, deixando-as em primeiro plano e o resto do ambiente

em segundo plano. Esse recurso, vindo das origens da fotografia, permite que o foco da

atenção seja na conversa de Zizo e Eneida, deixando a festa e seus convidados em

segundo plano na atenção do espectador e como preenchimento para a cena.

6.2.4 Aos caranguejos

A sequência denominada Aos Caranguejos foi escolhida pelo excelente uso do

contraluz junto da película preto e branco. Nesse plano sequência o contraluz não é

utilizado como recorte – como na sequência Conversa cm Eneida -, o uso do contraluz é

feito para apresentar apenas a silhueta das personagens em baixo da ponte, onde Zizo faz

um pequeno discurso sobre a marginalização do catador de caranguejo.

Além da silhueta das personagens, que estão em primeiro plano, pode se observar,

bem exposta, a cidade de Recife ao fundo. O contraste evidencia o discurso da

personagem que salienta a marginalização e a desigualdade social sofrida pela classe do

trabalhador, no caso os catadores de caranguejos, concluindo seu discurso com uma

citação de Chico Science.

O plano sequência tem a duração de um minuto e oito segundos e serve para

mostrar os motivos da personagem para organizar o manifesto. A cena é retirada no

timecode de 01:02:34 do filme, estabelecendo a conturbação diante da posição social que

a personagem está, e dos seus manifestos pelo seu zine e como esses fatos culminam na

manifestação no arco final da história.

6.2.4.1 Tabela de decupagem

Timecode

(referente

ao plano)

Plano Ângulo

de

câmera

Movimento

de câmera

Imagens em

cena

Fotografia

(luz)

Som

01:02:34

01:03:42

PC

Normal

Parada

Catadores de

caranguejo de

baixo de uma

ponte e o Poeta

Zizo discursando.

Contraluz

apresentando a

cidade de Recife

bem exposta ao

fundo e a silhueta

das personagens

em primeiro

plano.

Som

ambiente e

o

monologo

de Zizo

70

6.2.4.2 Decupagem descritiva

Figura 52 Cena retirada o filme Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis. Sequência: Aos caranguejos.

01:02:34 – 01:03:42 – PC, câmera em ângulo normal parada, a cena é rodada em

plano sequência. Na imagem observa-se, em primeiro plano a silhueta (dada pela

contraluz) da personagem do Poeta de pé e de catadores de caranguejo sentados de baixo

de uma ponte, a ponte consome o teto da tela e ao fundo pode se perceber a cidade de

Recife, bem exposta. No decorrer da cena, a personagem de Zizo discursa sobre a

marginalização da periferia e dos catadores de caranguejo, fazendo uma alusão a, também

citada, música Da Lama ao Caos da banda Nação Zumbi.

A fotografia consiste em um contraluz, vindo do horizonte, onde se localiza a

cidade de Recife, deixando a cidade bem exposta e as personagens na escuridão, podendo

ser percebidas pelas suas silhuetas. No decorrer do discurso de Zizo há uma

movimentação da personagem para próximo do segundo plano, onde ele conclui o

discurso saindo da escuridão e se dirigindo a luz. Som ambiente, voz, e entrada de trilha

no final da sequência.

6.2.4.3 Interpretação de decupagem

O uso do contraluz para evidenciar a silhueta das personagens em contraste com

os prédios da cidade de Recife deve ser observado primeiramente, ele faz o contraste

direto entre centro e periferia, retomando o contraste dado na sequência inicial do filme

(analisada no capitulo 6.2.1). Ela coloca, em um mesmo enquadramento, a cidade de

recife bem exposta, como apresentado na sequência Panorama de Recife e a periferia,

representada por Zizo e os catadores de caranguejo, na escuridão de baixo da ponte. Esse

contraste é importante para evidenciar o sentimento de que o morador da periferia não

pertence e não é notado pelo centro urbano, a fotografia é ancorada pelo discurso da

personagem, que remonta a opressão.

71

Para remontar a opressão sofrida pelo morador da periferia, Zizo cita diretamente

em seu discurso trechos da música Da Lama ao Caos da banda Nação Zumbi, que fala

sobre a marginalização do catador de caranguejo e das favelas de Recife. No crescer do

discurso, a personagem se aproxima do segundo plano, saindo da escuridão que se

encontra embaixo da ponte – o uso do recurso de luz e sombra para evidenciar estado de

espirito ou dar tensão para a ação foi visto no capítulo 4.1, onde é apresentado o

Expressionismo Alemão.

Há diferentes conotações do uso da luz nos filmes expressionistas e no filme de

Assis, porém pode se observar o mesmo movimento (da sombra para a luz) que Zizo faz

nessa cena, com o movimento feito pelo vampiro Nosferatu no filme de Murnau, em

ambos os filmes há a saída da sombra para a luz para evidenciar a aparição da

personagem, um para apresentar a criatura que sai das sombras e no outro para evidenciar

o esclarecimento do protagonista.

Por fim, o plano sequência evidencia os conflitos da personagem e seve como

ponte para unir o início do filme, com a ida do centro para a periferia com o uso de

imagens mais contrastadas, com o arco final, que consiste na mobilização para uma

manifestação, da periferia para o centro da cidade.

72

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como livros claves o introdutório O que é cinema de Jean-Claude

Bernardet, Cinema: entre a realidade e o artifício de Luiz Carlos Merten e 50 anos de

luz, câmera e ação de Edgar Moura, pode-se fazer uma retrospectiva na história mundial

do cinema e da fotografia, estudando como se deram os primeiros passos para criação da

tecnologia no final do século XIX e seu desenvolvimento até o início do século XXI.

Os primeiros artistas que trabalharam o cinema como linguagem artística, os

primeiros movimentos que lutaram por estabelecer uma linguagem e como a estética

utilizada por outros movimentos artísticos (como o plástico, o cênico e a própria

fotografia) influenciaram a construção de uma das populares formas de arte da atualidade.

Pode se observar como a tentativa de resgatar o passado a fim de se criar algo novo é

recorrente, também, no cinema.

Em princípio se trabalhava com as limitações tecnológicas de uma geração que

almejava transcender sua própria época visando mundos extraordinários, como feito por

Méliès em seus primeiros filmes como Le Voyage dans la lune (1902). Um diretor que

via dentro do cinema uma possibilidade de ir além da própria imaginação com truques

visuais e expondo sua criatividade máximo, seja na narrativa criada para o novo meio ou

na capacidade de criar cenários e truques visuais nunca antes vistos.

Com o passar dos anos se percebe uma mudança na forma de se fazer cinema, uma

vertente mais introspectiva que tinha a intenção de falar do cotidiano, sem tanto apelo

visual, porém com grandes evoluções na narrativa, como observado no cinema soviético

e no realismo francês. Movimentos cinematográficos que expuseram sentimentos de uma

nação em crise em meio a guerras, apelando para o lúdico ao fantástico, retomando

escolas góticas e românticas do início do século XIX e desenvolvendo uma linguagem

completamente contemporânea e cabível no momento em que surgiram, expressando um

sentimento de um mundo que enfrentara pela primeira vez uma guerra que mobilizou o

globo.

Estudar e observar os primeiros filmes experimentais que viram que o cinema não

é apenas uma história dramatizada em frente a câmera, mas também é imagem e fotografia

e como essas escolas de vanguarda arriscaram e utilizaram a luz e sombra do preto e

branco a fim de criar cenários que oscilavam entre sonhos e pesadelos, principalmente,

ver que a arte é um eterno resgate e adaptação de linguagem para externar e falar sobre

uma geração.

73

É notado, hoje, o cinema autoral como uma produção voltada a desenvolver a

narrativa além da própria história do filme, usufruindo muitas vezes da fotografia a fim

de criar uma estética que contribua com o drama das personagens – servindo como uma

expressão do contexto apresentado pelo filme. Apesar de vivermos em uma geração que

a captação de imagens se tornou algo banalizado por celulares, câmeras compactas e

computadores, ocasionalmente retroceder na tecnologia pode ser interessante a fim de se

criar algo novo, mesmo que – por vezes – o algo novo seja um mashup42 de estéticas

estabelecidas.

Pode se observar no filme de Cláudio Assis um retorno de estética e expressão

visual, tanto pela sua narrativa, mas também pela sua fotografia (iluminação, movimentos

de câmera e suporte) e como ela foi utilizada com a intenção de contribuir para a história

do filme, expressando o tom de cada cena e de cada ambiente, como apontado no

Panorama de Recife43, que é retomada no arco final do filme44 Febre do Rato (2011).

Como o uso do preto e branco presente no filme serve ao propósito de ambientar os dois

ambientes – centro da cidade e periferia – se tornando parte essencial da narrativa do

filme, dando o tom de cada ambiente e o contraste entre os dois.

Além disso, também é feito o uso do seu contraste para dar o clima de diversas

cenas, como a sequência analisada Conversa com Eneida 6.2.3, que faz o uso dos pretos

profundos e dos brancos estourados para evidenciar o clima noturno da festa. A sequência

O quatrilho 6.2.2, que o preto e branco evidencia as sombras e o rastro de luz entrando

em 45º no quarto do casal, a sequência Aos Caranguejos 6.2.4, que faz o uso da contraluz

em PB para construir uma cena onde é possível ver apenas a silhueta das personagens em

preto e fazer o contraste com a cidade bem exposta ao fundo, retomando o Panorama de

Recife 6.2.1, que estabelece o centro urbano com a fotografia flat e a periferia com um

maior contraste.

O uso da fotografia com o auxílio do suporte preto e branco usado, não para

evidenciar temporalidade mas para contribuir na estética a fim de determinar o tom e o

clima do filme. O uso do suporte PB, no caso do filme Febre do Rato (2011), se torna

essencial para a construção do clima da narrativa, evidenciando a dualidade da cidade, a

42 O termo Mashup veio da música, mais especificamente da eletrônica e significa misturar. CAMARGO,

Camila (2009). “O que é Mashup? ”. Disponível em: http://www.tecmundo.com.br/twitter/1401-o-que-e-

mashup-.htm. Consultado em 25/05/2016. 43 Sequência analisada no capitulo 6.2.1 44 Sequência analisada no capitulo 6.2.4

74

marginalização da periferia e ressaltando a fotografia naturalista que evidencia a luz

ambiente, enriquecendo a obra e exaltando, de forma visual, o tom de cada cena.

Não se pode fazer um filme Expressionista Alemão, Nouvelle Vague ou

cinemanovista hoje em dia, são movimentos que pertencem ao seu local no tempo e

espaço, mas sempre podemos revisitar sua estética e suas propostas a fim de criar algo

novo. O filme escolhido como objeto para esse estudo resgata, além do uso de um suporte

analógico em tempos digitais, uma proposta narrativa com um grande teor cinemanovista

partindo do ser particular e expressando suas questões na sociedade onde está inserido,

com a intenção de problematizar situações contemporâneas. Também é observado no

filme a utilização da luz e das sombras, o contraste que o suporte permite, para criar

ambientes distintos dentro de um mesmo universo relembrando as propostas do cinema

vanguardista alemão da década de 1920.

A pesquisa feita não encerra, nem pretende encerrar, a eterna polarização entre

cinéfilos e cineastas a respeito do que é cinema de qualidade. O assunto foi pesquisado e

estudado para servir como uma porta de entrada para discutir sobre o uso de elementos

fotográficos, melhor explorados no cinema autoral, a fim de enriquecer e auxiliar na

estética e na narrativa do filme e como esses elementos são utilizados, tendo as

vanguardas cinematográficas como referência, para a análise de um filme contemporâneo

que reinvente ou explore outras formas de se perceber a história contada.

75

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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