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Pedro II - a história de um Homem e de um tHeatro com Agá maiúsculo

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No centésimo livro escrito por Alexandre Azevedo, ilustrado por Cordeiro de Sá, o fantasminha do imperador conta a história dos 85 anos do Theatro Pedro II, de Ribeirão Preto, São Paulo, misturando-a a algumas aventuras pessoais e com um pouco da história do teatro no Brasil

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Alexandre Azevedo

Ilustrado por Cordeiro de Sá

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A PR E SE N TAÇ ÃO

Sempre pensei que a história do Th eatro Pedro II encantaria qual-quer criança, mesmo e especialmen-te aquela que nunca visitou um te-atro. Aliás, a formação educacional vem antes do apreço; ou seja, há que se aprender sobre música, literatura, história, artes, para, só então, saber apreciar a arte e a cultura. Por isso, a história do maior teatro de Ribeirão Preto agora está sendo contada para crianças e adolescentes.

O livro é dirigido ao público in-fantil e ao juvenil. Mas, confesso, eu me surpreendi lendo os originais desta obra. O enredo, a maneira de contar, a escolha da primeira pessoa adotada pelo autor, que se transfor-ma, então, no imperador Pedro II, para, em uma conversa ‘ao pé da orelha’, numa relação amiga e ínti-ma com o leitor, transportar crian-ças, jovens e também adultos para o tempo da história, o tempo em que as coisas acontecem.

O texto é tão rico em informa-ções que as personagens, os grandes nomes da história, parecem desfi lar diante dos olhos do leitor, saindo das páginas dos livros e transfor-mando-se em personagens vivas em cena! O leitor vai deparar com ilus-trações de Cordeiro de Sá, arquiteto, ilustrador e artista ativo na cidade.

A forma acessível, didática e criativa de contar os fatos consegue agregar uma gama de conhecimen-tos importantíssimos à compreen-são do contexto histórico.

Quando convidei Alexandre Azevedo para ser o autor deste tra-balho, fi z isso em respeito à sua obra.

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Governo do Estado de São Paulo e a Secretaria da Cultura, apresentam

Apoio Patrocínio Realização

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Alexandre Azevedo

Ilustrado por Cordeiro de Sá

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Para o Pedro, é claro!

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SUMÁRIO

Prefácio • 11

Capítulo I • 15

Capítulo II • 16

Capítulo III • 18

Capítulo IV • 19

Capítulo V • 19

Capítulo VI • 21

Capítulo VII • 21

Capítulo VIII • 22

Capítulo IX • 24

Capítulo X • 25

Capítulo XI • 27

Capítulo XII • 28

Capítulo XIII • 28

Capítulo XIV • 29

Capítulo XV • 30

Capítulo XVI • 32

Capítulo XVII • 33

Capítulo XVIII • 33

Capítulo XIX • 35

Capítulo XX • 36

Capítulo XXI • 36

Capítulo XXII • 38

Capítulo XXIII • 38

Capítulo XXIV • 38

Capítulo XXV • 40

Capítulo XXVI • 41

Capítulo XXVII • 41

Capítulo XXVIII • 43

Capítulo XXIX • 43

Capítulo XXX • 44

Capítulo XXXI • 44

Capítulo XXXII • 46

Capítulo XXXIII • 47

Capítulo XXXIV • 49

Capítulo XXXV • 50

Capítulo XXXVI • 52

Capítulo XXXVII • 52

Capítulo XXXVIII • 53

Capítulo XXXIX • 53

Capítulo XL • 53

Capítulo XLI • 55

Capítulo XLII • 56

Capítulo XLIII • 58

Capítulo XLIV • 59

Capítulo XLV • 60

Capítulo XLVI • 60

Capítulo XLVII • 62

Capítulo XLVIII • 64

Capítulo XLIX • 64

Capítulo L • 65

Capítulo LI • 65

Capítulo LII • 67

Capítulo LIII • 67

Capítulo LIV • 68

Capítulo LV • 70

Capítulo LVI • 70

Capítulo LVII • 71

Capítulo LVIII • 71

Capítulo LVIX • 73

Capítulo LX • 74

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PR E FÁCIO

“Se você quiser, pode sentar-se aqui ao meu lado, está vago.” É com esse convite que Alexandre Azevedo transfere a elocução, que, até o final do livro, será proferida por um Homenageado, cujo nome pertence à Histó-ria do Brasil e nomeia um espaço digno da grandeza de Ribeirão Preto. E não há leitor que não queira sentar-se ao lado de D. Pedro II, para conhe-cer a História do teatro brasileiro e, especificamente, o símbolo do nosso orgulho de ribeirão-pretanos: o Theatro Pedro II.

Assombra-nos a criatividade de Alexandre Azevedo em todas as suas obras, sempre marcadas por precioso processo narrativo e um conse-quente e absoluto sucesso. Além disso, sua poética reúne sabedoria, rit-mo e muita criatividade.

Desta vez, sua narrativa se associa à originalidade, que o faz reu-nir, nesta obra, o fruto de suas pesquisas sobre o teatro no Brasil, seus profundos conhecimentos literários, a História do nosso Imperador e a História do nosso famoso Theatro Pedro II, tudo isso transmitido pela onipresença de um espectral personagem, que nada tem de ilusório, uma vez que foi criado para, com muita coerência e verossimilhança, transmitir não a história, mas a História que todo brasileiro e todo ri-beirão-pretano não podem desconhecer.

Em A história de um Homem e de um tHeatro com agá maiúsculo, o fluxo da consciência e a avalanche da expressão revelam um personagem-

-narrador, que é, também, seu interlocutor hipotético; melhor ainda, o emissor verbaliza o que o destinatário de sua mensagem ainda quer saber sobre o importante assunto que está sendo narrado. Assim, nós, leitores, representados por esse interlocutor hipotético, aprendemos, por meio de uma história, a História que enriquece a nossa categoria de verdadeiros cidadãos deste País. E mais: essa narrativa não admite parágrafos, pois o texto fechado não permite a quebra do pensamento de um personagem espectral, cujas palavras fluem no domínio do assunto que deseja trans-mitir e também por meio da emoção, que se representa pelas reticências...

“Mas o que quero dizer é que agora tenho também outro lugar que me dá um imenso orgulho: este teatro! Vou novamente confidenciar-lhe algo: emociono-me muito toda vez que entro neste teatro, ainda mais quando é para assistir a um espetáculo...” (...) “Então, já que chegamos cedo, vou contar-lhe um pouquinho da trajetória de nosso teatro. Não, não, não es-tou falando deste teatro em que estamos... Se você quiser e tiver um pouco de paciência, depois posso contar-lhe um pouco sobre a história dele... Você quer? Ótimo!”

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Existe um acordo perfeito entre narrador e leitor nesta obra, pois este é um autêntico e atento decodificador de mensagens e, por meio delas, ele se enriquece culturalmente; aquele, ciente de seu papel de veiculador de importante conteúdo, realiza seu sonho com a docência e se torna nosso brilhante professor. “Você não sabe o que era um ponto? Eu e essa minha mania ainda de querer ser professor.”

D. Pedro II ensina História, Cultura e Arte com intenso conhecimento da matéria e, com o jeitinho especial do educador que se preocupa com a aprendizagem de seu educando, usa humor, afetividade e um olhar sem-pre atento à recepção de suas aulas. “Você deve estar pensando: aonde é que ele quer chegar?! Acertei, não é? Às vezes, consigo ler pensamen-tos... Não, não se preocupe, não costumo ler todos, fique tranquilo. Pois lhe digo aonde quero chegar: este teatro, com a idade que tinha em 1980, não podia estar do jeito que estava, malcuidado, sem manutenção regular, com a fiação exposta... Era, em verdade, um jovem prédio decrépito...”

E D. Pedro II harmoniza-se com seu interlocutor até mesmo nas dife-renças que aparentam contrastes, mas são, em verdade, as idiossincrasias do tempo de cada um. E qual é o bom educador que não se preocupa em aproximar-se de seus educandos apesar da cronologia que poderia torná-los distantes? “Essas minhas roupas, para você, são esquisitas, não são? Mas é assim que eu me sinto bem, da mesma forma como você se sente bem com essas suas roupas, que, por sinal, também são bem esqui-sitinhas!”

Como perfeito educador, nosso mestre Pedro II é um eterno estudan-te, e isso se comprova pela sua lista de tarefas que ainda pretende cumprir.

“Mas ainda nem imagino como deve ser uma comédia musical de hoje... Você acredita? Ainda não assisti a nenhuma... Tenho, então, que colocar isso na lista de minhas prioridades!”

Alexandre Azevedo também exerce a docência cotidianamente, sendo eminente professor de Literatura, e, além da transmissão de conhecimen-to significativo, o sucesso de suas aulas também está na sua sintonia com os alunos. Com muita propriedade, portanto, o autor ensina esse diferen-cial ao Imperador, para garantir a nossa aprendizagem. Com sabedoria, D.Pedro II usa a metáfora do ioiô para justificar a seus interlocutores as deambulações cronológicas que realiza. “Vou contar-lhe algo muito bom, pelo menos para mim: depois que a gente não tem mais nenhum compromisso com este mundo, a ordem das coisas não tem mais nenhu-ma importância... Por isso, não se impressione com esta minha conversa que mais parece um ioiô... Vai e volta, volta e vai... Por vezes, vai torto e volta reto, de outras vai reto e volta torto, mas também vai reto e volta reto e, o melhor deles, é quando vai torto e volta torto!”

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Alexandre Azevedo, nesta obra, revela sua atração pelo gênero textual memorialista, e, sob esse aspecto, nós comprovamos a sua rica experiência e a sua seriedade como pesquisador. Se nós, leitores, reconhecemos que a cosmovisão do escritor recria o nosso mundo por meio do universo da palavra, podemos concluir que A história de um Homem e de um tHeatro com agá maiúsculo é uma verdadeira lição de História. Ao lado de uma fe-cunda imaginação na apresentação dos fatos, a verossimilhança documen-tada atinge até mesmo as preocupações que nossos governantes deveriam priorizar e garante a nós, leitores, um excelente critério para a escolha de nossos candidatos.

O teatro brasileiro aqui desfila, não só por intermédio de suas peças e atores importantes como também pela necessária preservação de nossos monumentos e, infelizmente, pelo antagônico descaso com o nosso patri-mônio histórico, o qual, muitas vezes, não se situa na “lista de prioridades”.

Ouço a frase final de Pedro II: “Parabéns, Ribeirão Preto, por mais um aniversário da metáfora de seu patrimônio histórico: o Theatro Pedro II, a obra que me eternizou...”

VERA LÚCIA HANNA Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo

Professora de Língua Portuguesa

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CAPÍTULO I

Se você quiser, pode sentar-se aqui ao meu lado, está vago. Estava aqui olhando, observando, reparando na beleza deste teatro. Não é maravi-lhoso? Ele por si só já é um espetáculo, não é mesmo? Desculpe-me, não me apresentei: o meu nome é Pedro... Na verdade é Pedro de Alcântara... Bem, na verdade verdadeira, é Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga... Mas você pode me chamar só de Pedro, é assim que eu gosto de ser chamado, é assim que me sinto bem. Você deve estar se perguntando: como é que alguém pode ter um nome tão comprido assim, não está? E mais: como é que se faz para decorá-lo? Acertei? Isso é porque você não viu o do meu pai... Lembro-me de que, quando criança, tive aulas para deco-rá-lo! Que sufoco! Fizeram até musiquinha para que o decorasse com mais facilidade... Acho que o do meu pai eu nunca consegui dizer corretamente! Já que agora nos conhecemos, vou contar-lhe algo: diziam as pessoas de minha época que os meus lugares preferidos eram a Escola Militar da Praia Vermelha e o Colégio Pedro II, ambos situados na cidade do Rio de Janeiro. E confesso, eram mesmo! As meninas dos meus olhos como dizíamos an-tigamente. Você não deve saber, mas eu costumava ir àquele colégio arguir os alunos, como se fosse um professor. Já disse uma vez, e repito: se não fosse Imperador, seria professor! Mas também gostava de assistir a algu-mas aulas... Sentava-me ao fundo da sala, como se fosse um aluno do colé-gio... Uma das minhas aulas preferidas, quem as dava era Gonçalves Dias... Sim, sim, esse mesmo, o poeta! Foi um dos maiores do nosso Romantismo! Quanto conhecimento! Quanta cultura! Era filho de um português e de uma cafuza... Percebeu? Corria por suas veias a mistura das três raças for-madoras da nossa nacionalidade, a branca, a negra e a indígena! Brincava sempre com ele, dizendo que o seu sangue não era vermelho, mas verde e amarelo! Pena que morreu cedo... Ah, a Escola Militar da Praia Vermelha! Tudo começou em 1792... Minha bisavó, D. Maria I, que, infelizmente, pas-sou para a história como D. Maria, a Louca, é que foi a responsável pela instalação daquela que viria a ser a primeira escola de engenharia não só do Brasil, mas das três Américas, a terceira do mundo! Chamava-se, na época, Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho! Bonito nome, não? Daí, meu avô, D. João, transformou-a em Academia Real Militar em 1811... Depois passou a se chamar Imperial Academia, mudando de nome ainda para Academia Militar da Corte, depois para Escola Central e, fi-nalmente, Escola Militar da Praia Vermelha... Hoje descobri que se chama IME, Instituto Militar de Engenharia... Mas o que quero dizer é que agora

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tenho também outro lugar que me dá um imenso orgulho: este teatro! Vou novamente confidenciar-lhe algo: emociono-me muito toda vez que entro neste teatro, ainda mais quando é para assistir a um espetáculo...

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Acho que ainda temos um bom tempo até o seu início, não temos? Fomos os primeiros a chegar, não fomos? Sempre cheguei cedo aos teatros, tinha receio de chegar na hora ou, pior ainda, depois de o espetáculo ter come-çado... É uma gafe imperdoável! Então, já que chegamos cedo, vou con-tar-lhe um pouquinho da trajetória de nosso teatro. Não, não, não estou falando deste teatro em que estamos... Se você quiser e tiver um pouco de paciência, depois posso contar-lhe um pouco sobre a história dele... Você quer? Ótimo! Mas, antes, como disse, gostaria de falar-lhe alguma coisa sobre o teatro como peça, como obra literária... Não sei se você sabe, mas a primeira pessoa a trabalhar com o teatro no Brasil foi o padre José de Anchieta, que agora é São José de Anchieta... Não soube que ele foi final-mente canonizado? Pois foi, pelo Papa Francisco... Ele, o Anchieta, era um espanhol lá das Ilhas Canárias e chegou aqui em 1553, aos dezoito anos de idade. Ordenou-se jesuíta e passou boa parte da sua vida catequizando os índios. Só que ele catequizava de uma forma diferente: encenando! Ele armava um palco ao ar livre, geralmente em um terreiro de Igreja, e en-sinava os índios... É isso mesmo que você está pensando: os índios foram os primeiros atores de teatro do Brasil! Isso não é fantástico? Acho isso sensacional! Aliás, muitas coisas nós aprendemos com os índios, mas isso é outra história, que agora não vem ao caso. Por isso, voltemos ao teatro do Anchieta... Se você quiser, empresto-lhe o Auto na Festa de São Lourenço... Se não me engano, essa peça foi encenada pela primeira vez em 1585, no terreiro da Capela de São Lourenço, em Niterói... Portanto, na segunda metade do século XVI. Mas, quando o padre morreu, o teatro, de certa maneira, morreu com ele... Os poucos escritores que apareceram nos sé-culos XVII e XVIII não se sentiam motivados a escrever peças de teatro, isso porque não havia uma casa de espetáculos, nenhuma construção com cadeiras e palco para uma boa encenação, a não ser a Casa de Ópera, em Vila Rica, a então capital de Minas Gerais... Você sabia que ele é o teatro mais antigo da América do Sul? Foi inaugurado em 1769! Apesar de ter uma fachada simples, o seu interior é muito bonito... Foi no palco daquele teatro que os atores homens deixaram de se travestir para interpretarem personagens femininos, dando lugar às atrizes!

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Quando os meus avós chegaram ao Brasil e fixaram residência na cidade do Rio de janeiro, isso foi em 1808... Você sabe que eles vieram para cá fugindo das tropas de Napoleão, não sabe? Se você me permite, vamos deixar essa questão histórica para os professores da área. Já, já, o espetá-culo começa e não terei mais tempo de dizer-lhe o que desejo. Pois bem, quando eles chegaram, encontraram o Brasil muito atrasado em relação à Europa... Para você ter uma ideia, não havia aqui nenhuma faculdade, nem mesmo uma biblioteca pública. Não havia um jornal, nem revista circulando por essas terras. Não havia uma livraria sequer, muito me-nos uma editora. Por falar em editora, você sabia que a primeira editora nacional foi fundada por Monteiro Lobato? Mas isso, acredite você se quiser, só no século XX! Pois você vê, não havia nada que proporcionasse ao povo alguma diversão cultural. Como lhe disse anteriormente, havia somente um pequeno teatro, unzinho só, a Casa de Ópera de Vila Rica... Você pode imaginar isso?! E já era século XIX, o Brasil já tinha mais de trezentos anos de idade! O meu avô, então, mandou construir outro tea-tro, agora na cidade do Rio de Janeiro, que era a Corte. O Rio de Janeiro era uma espécie de Lisboa brasileira! Você já tinha visto alguma capital europeia sem um teatro ao menos? Eu nunca vi! Pois bem, com parte do material que servia para a construção de uma Catedral, lá no Largo de São Francisco de Paula, o teatro foi inaugurado em 12 de outubro de 1813, justamente no dia do aniversário de meu pai, o príncipe regente D. Pedro. No cartaz, a encenação do drama O Juramento dos Numes, de autoria de D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho. Como o santo padro-eiro do meu avô era São João, batizaram-no com o nome de Real Theatro de São João... Quero fazer aqui uma correção, pois não quero que você pense que estou sendo injusto: em 1812, a cidade de Salvador inaugurava o Theatro São João, exatamente no dia 13 de maio, dia do aniversário do meu avô... Infelizmente, em 6 de maio de 1923, um incêndio pôs abaixo o grande teatro! Sabe onde fica a Praça Castro Alves? Isso, isso, a mesma que serve de ponto de partida para o Carnaval baiano! Que multidão! Sinceramente, não sei como eles conseguem pular com tanta gente junta, espremida! Pois era ali mesmo que ficava o esplêndido Theatro São João! Já que citei Castro Alves, o grande poeta dos escravos, vou contar-lhe uma curiosidade, se você me permitir, é claro... Obrigado! O pano de boca daquele teatro, creio que o terceiro... Você não sabe o que é pano de boca? Se você não se importar, mais adiante falarei dele com mais propriedade, por ora, pano de boca é a cortina do palco... Pois bem, um

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tumulto nas ruas da cidade não poupou nem mesmo as dependências do teatro... Invadido, a plateia, que assistia ao concerto de uma companhia lírica, ainda viu, horrorizada, o tio do poeta, João José Alves, um conhe-cido herói da Guerra do Paraguai, rasgar o belo pano de boca do teatro... Sabe por que lhe contei isso? Para você começar a ter uma ideia do que os nossos teatros já passaram...

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Daí, no ano de 1821, meu avô voltou para Portugal, e meu pai ficou em seu lugar. Foi assim que o teatro mudou de nome para Imperial Theatro São Pedro de Alcântara, já que o padroeiro do meu pai era São Pedro. Meu pai ficou aqui até 1831, quando também retornou a Portugal, dei-xando-me em seu lugar. Eu ainda era uma criança, tinha só cinco anos de idade. Não, não, não fiquei sozinho... O que não faltava aqui era gente para cuidar de mim! Os meus tutores! Se você estiver interessado, adiante lhe conto um pouco sobre isso... O fato é que o Theatro São Pedro de Alcântara passou a se chamar Theatro Constitucional. Mas este não foi o último nome dele não...

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Ah, antes que me esqueça, preciso falar-lhe de uma coisa muito im-portante: a Independência do Brasil. Ela se deu em 1822. Quem nunca ouviu falar do grito que meu pai deu às margens do rio Ipiranga:

“Independência ou morte!”? A partir daí, a cara do Brasil mudou. Nessa época, a Europa vivia intensamente o Romantismo, uma escola lite-rária em que o sentimento se sobrepunha à razão, com os seus poe-tas e romancistas, cada qual idealizando o seu próprio mundo, sendo muitos deles assumidamente patriotas. Não demorou muito para que o nosso País também vivesse essa época, primeiro com Gonçalves de Magalhães, divulgando as principais características do movimento: o nacionalismo, o culto à natureza, o sentimento de religiosidade e o amor... Depois vieram os grandes poetas da escola, como Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Castro Alves; além dos romancistas, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida...

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Você já deve ter lido a “Canção do Exílio”, não é mesmo? “Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá / as aves que aqui gorjeiam / não gor-jeiam como lá!” Ou, então, ouvido falar dos “Meus oito anos”? Já? “Oh, que saudades que tenho / da aurora da minha vida / da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!”. Bem, eu não vim aqui para lhe recitar poemas desse ou daquele poeta. Quem sabe, em outra oportuni-dade, também possamos conversar sobre A Moreninha, Iracema ou sobre as Memórias de um sargento de milícias... Eu só citei esse pessoal todo, alguns deles, meus amigos de longa data, como Gonçalves de Magalhães e José de Alencar, para mostrar de que maneira o nosso teatro ressuscitou... Pelo menos uma peça de teatro cada um deles escreveu... E você sabe o motivo disso? Não sabe, não é? Pois eu lhe digo... Mas você deve estar se perguntando: por que um velho de barbas longas, vestido dessa maneira antiquada, está contando tudo isso? E eu lhe respondo: quando entrei aqui, pela primeira vez, não me contive... Fiquei emocionado, não imaginava o quão belo é este teatro, que, para minha honra, leva o meu nome... Como assim leva o seu nome? Foi isso que você perguntou? Se você puder falar um pouco mais alto... Bem, eu não lhe disse que era neto de D. João VI? Que era filho de D. Pedro I? Ora, ora, se eu também sou Pedro e filho de D. Pedro I, quem sou eu? Não, não, por favor, não se levante... Vai me dizer que você está com medo de mim? Não está? Melhor assim... Se você prefe-rir, calo-me. Não? Mas, oh, não quero incomodá-lo com essas rabugices de velho... Bem, se é assim, continuo...

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Vamos, então, ao motivo... O Brasil vivia um momento de nacionalismo... Acho que já lhe disse isso antes, é que, às vezes, a minha memória me trai. Quando o Romantismo chegou até nós, e disso eu me lembro muito bem, houve uma luta por uma literatura genuinamente brasileira. Com a Independência, o Brasil sentiu a necessidade de uma literatura que repre-sentasse a nossa identidade cultural. Já estávamos cansados de copiar a lite-ratura europeia, principalmente a portuguesa. E uma coisa incomodava os nossos autores românticos: as peças encenadas por aqui vinham da Europa. Eram autores franceses, espanhóis, italianos... Até as companhias de atores eram estrangeiras... Não que fossem ruins, longe disso, eles eram bons, mui-

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tos bons. Mas e os brasileiros? Eles não podiam ficar para trás, daí passaram também a escrever suas peças e operetas... Nossos autores eram ótimos poe-tas, excelentes romancistas, por que, então, não seriam também grandes tea-trólogos? Foi assim que Gonçalves de Magalhães escreveu a primeira tragédia romântica, Antônio José ou o Poeta e a Inquisição. Foi assim que Gonçalves Dias escreveu as peças Leonor de Mendonça e Beatriz Cenci... Também Castro Alves não deixou por menos, escrevendo Gonzaga ou a Revolução de Minas, uma peça escrita para que a sua amada, Eugênia Câmara, grande atriz portuguesa, a encenasse... E José de Alencar, quanto sucesso fez com Mãe e As Asas de um Anjo... Lembro-me de que assisti a O Cego, do meu grande amigo Joaquim Manuel de Macedo, excelente romancista, além de professor dos filhos de Isabel, minha filha... Ah, quanta saudade!

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Mas uma coisa triste aconteceu: o velho e bom teatro passou por vários incêndios, até que, no início do século XX, ficaram apenas duas paredes em pé! Uma tragédia a que ninguém gostou de assistir... É o tipo de tragédia para a qual ninguém bate palma, não é mesmo? E o que aconteceu? – deve estar você se perguntando, não está? Bem, o teatro foi totalmente recons-truído, ainda bem! Para mim, seria uma tristeza muito grande saber que o teatro que alavancou a nossa arte cênica havia desaparecido para sempre. Você se lembra, há pouco, quando lhe disse que o teatro ganharia um novo nome? E ganhou... Teatro João Caetano! Uma bela e justa homenagem a um dos maiores atores do século XIX (tenho para mim que o maior!). Era também empresário e diretor, proprietário da Companhia Nacional João Caetano. Não havia, no Brasil, autor de teatro que não sonhava em ver sua peça encenada por ele! Era a glória maior, certeza de sucesso e casa cheia! Além, é claro, de boas críticas nos jornais! Eu mesmo, que fui um frequenta-dor assíduo daquele teatro, perdi a conta das peças a que assisti, encenadas por João Caetano e sua trupe! As tragédias que eles encenavam não havia quem não saía às lágrimas, uns até tentavam disfarçar, coçando os olhos, inventando um cisco que teimava em não sair... Cá entre nós, que isso fi-que só entre mim e você, havia um autor que me era caro... De quem mais gostava... E não era nenhum especialista em tragédias tampouco em dra-mas... Era um comediógrafo... Você sabe o que é isso? Um autor de comé-dias: Luís Carlos Martins Pena, o primeiro autor desse estilo aqui no Brasil! Diverti-me até não mais poder assistindo a Juiz de Paz na Roça ou Judas em Sábado de Aleluia... E o Noviço, então?! Não me contive e caí na gargalhada

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quando assisti a Quem Casa quer Casa! Simplesmente imperdível! D. Teresa Cristina, minha esposa, cutucava-me com o seu leque, pedindo para que me calasse... Mas como, se as peças de Martins Pena eram engraçadíssimas?! Na minha época, havia também outro comediógrafo, muito esquisito por sinal... Não, não, não o conheci, tampouco assistira a uma peça sua... Seu nome era Qorpo-Santo... Isso mesmo, e com Q! Vim a conhecê-lo muito tempo depois, no famoso festival de teatro de Curitiba! Alguns críticos o consideram o introdutor do teatro do absurdo no Brasil; outros, o primeiro dos nossos surrealistas... De qualquer maneira, era um autor estranhíssimo! Para você ter uma vaga ideia do que estou falando, ele escreveu dezessete peças de teatro de janeiro a junho do mesmo ano! Vê se pode uma coisa des-sas! O que é o teatro do absurdo? Essa designação foi cunhada pelo crítico húngaro Martin Esslin. O que caracteriza o absurdo, como o próprio nome diz, é o tema inusitado... Ionesco, Beckett, Adamov e Genet são alguns ex-poentes desse tipo de teatro... Ah, Mateus e Mateusa, de Qorpo-Santo, que interessante! Vê se não é um absurdo total, um casal de velhos, casados há mais de setenta anos, que ameaçam, diante dos filhos, separar-se, alegando incompatibilidade de gênios... É ou não é um absurdo?!

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Mas nem tudo nessa vida é engraçado como uma boa comédia... Você nem imagina quantos teatros brasileiros pegaram fogo ou então foram demolidos sem um motivo aparente! Quanto aos incêndios, eu até en-tendo, mas juro a você que não compreendo... Falando assim, você deve estar pensando que eu estou doido, não é? Mas eu lhe explico: sabe por que esses teatros se incendiaram? Não, não deve saber... Simplesmente, pela falta de manutenção. Quantos fios expostos, quantas gambiarras... Essas coisas que algumas pessoas fazem de forma errada! Houve teatro, aqui no Brasil, que pegou fogo com gente dentro, assistindo a algum es-petáculo! Você deve imaginar a correria que foi! Qual? Você quer saber um em que isso tenha acontecido? Sobre isso, reservo-me o direito de contar-lhe mais adiante... Perdoe-me a formalidade, às vezes me esqueço de que sou apenas Pedro, sem título, sem número... Você não se importa se eu responder à sua pergunta depois? Ótimo! A compreensão é uma das maiores qualidades de uma pessoa... E percebo que você a tem de sobra! Voltando ao descaso com os nossos teatros, nunca compreendi por que os responsáveis por eles deixavam chegar ao ponto a que chegaram! E duvido de que alguém compreenda!

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Você não vai acreditar no que vou dizer, mas é a mais pura verdade! Em pleno século XXI, isso, infelizmente, ainda acontece em nosso país. Em 2008, um dos mais importantes teatros de São Paulo, o Teatro Cultura Artística, se incendiou... Mas, graças a Deus, a fachada do teatro escapou, preservando um lindo painel pintado por Di Cavalcanti, um dos grandes artistas plásticos do Brasil... Di Cavalcanti, onde foi mesmo que o vi? Bom, depois eu me lembro... Voltando aos teatros incendiados em pleno século XXI, também em 2012, o Teatro Ouro Verde, da cidade de Londrina, in-terior do Paraná, inaugurado em 1952, foi duramente atingido por um incêndio de grandes proporções... O teatro foi destruído quase que total-mente! Que tragédia! Em 2013, o belo auditório do Memorial da América Latina ardeu em chamas, destruindo cerca de noventa por cento do local... Que tragédia! Que ironia, não acha? Eu, aqui, pronunciando a palavra tragédia repetitivamente, para contar histórias de teatros incendiados, en-quanto, na verdade, gostaria de contar-lhe famosas tragédias que marca-ram a história do teatro! Se tivéssemos tempo, conversaríamos sobre esse gênero teatral que teve início na Grécia antiga, especialmente com Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, considerados os pais do teatro... Havia até um fes-tival grego, em homenagem a Dionísio, deus do vinho, em que os trage-diógrafos concorriam a prêmios... Era uma disputa acirrada! Mas o mais interessante é que as tragédias explicavam muitas coisas que os homens desejavam saber, já que “existem muito mais coisas entre o céu e a terra do que julga a nossa vã filosofia.” É uma pena que muitas dessas tragédias não sejam mais encenadas hoje... Você conhece algum tragediógrafo? Sim? Quem? Ah, claro, William Shakespeare! Se você não percebeu, acabei de citá-lo... Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo... Sinceramente, não sei qual delas é a melhor... Você tem alguma preferida? Romeu e Julieta? Ótima: “Só ri de uma cicatriz quem nunca foi ferido.”... Oh, desculpe-me, lembrei-me de uma frase dessa obra! As tragédias gregas eram encenadas nos chamados teatros de arena... Você já viu um teatro de arena? Não? Como não? Aqui mesmo, em Ribeirão Preto, existe um, aliás, é o primeiro do gênero cons-truído no interior paulista! Localiza-se no Alto de São Bento, ao lado do Teatro Municipal... Isso mesmo, pertinho das Sete Capelas! Ah, sim, sobre os incêndios... Se você estiver interessado, eu posso relatar aqui um nú-mero grande de teatros que passaram por essa tragédia: o Teatro São João, de Salvador, o Teatro São José, do Rio de Janeiro, o xará dele, no Recife, o Cine-Teatro Paramount, de São Paulo, o Teatro Castro Alves, também de Salvador... Sobre o Castro Alves, uma triste curiosidade: ele pegou fogo por

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duas vezes, sendo a primeira cinco dias antes mesmo de ser inaugurado! Você acredita nisso? Parece história de pescador, não parece? O Teatro Oficina, de São Paulo, que também é o nome de uma companhia de ato-res muito famosa... Até mesmo o Santa Isabel! Ah, o Santa Isabel... Não o Santa Isabel de Florianópolis, mas o do Recife!

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Eu ainda não lhe falei sobre ele, falei? Que belo teatro! O nome dele é uma homenagem à padroeira de minha filha, Isabel. Você já deve ter ouvido falar dela, claro! Foi ela quem assinou a Lei Áurea, abolindo a escravi-dão no Brasil. Por falar nisso, o Santa Isabel não foi palco só de peças e óperas, mas de discursos inflamados em favor da liberdade do escravo! Quantas vezes não subiu ao palco o poeta Castro Alves, para declamar (e como declamava aquele jovem rapaz!) seus poemas abolicionistas?! Era uma coisa de arrepiar! O “Navio Negreiro” jamais saiu da minha memória! Sabia-o recitar de cor, de tanto que o li em minha vida... “Era um sonho dantesco... o tombadilho / que das luzernas avermelha o brilho / em san-gue a se banhar. / Tinir de ferros... estalar de açoite... / legiões de homens negros como a noite, / horrendos a dançar.”... Desculpe-me a minha em-polgação, mas essas lembranças me pegam de surpresa... Não, não, o Santa Isabel não foi o primeiro teatro do Recife... Foi o Teatro Apolo, inaugurado em 1842! Mas, depois de dezoito anos funcionando como teatro, foi trans-formado em um armazém de açúcar... Você já viu isso? Também não! Um teatro transformado em armazém de açúcar! Desculpe-me a irritação, mas isso é demais, não é?! Bem, mas o bom senso prevaleceu, o prédio voltou a ser o que era, teatro! Isso somente na década de oitenta, do século XX... Antes tarde do que nunca! E, quando um armazém é transformado em teatro, não é maravilhoso? Isso aconteceu em Piracicaba, onde um antigo armazém, tombado pelo patrimônio histórico, foi, inteligentemente, trans-formado no Teatro do Engenho! Hein? Perdoe-me, não compreendi o que você perguntou... Ah, sim, e o Santa Isabel de Florianópolis? Este também foi uma homenagem à minha filha, Isabel... Mas, com o fim da monar-quia e o surgimento do regime republicano, ele passou a se chamar Teatro Álvaro de Carvalho, homenagem ao primeiro autor de teatro da cidade... Se eu não estiver enganado, esse foi um dos teatros que mais tempo levou para ser inaugurado... Foram dezoito anos até que pudesse, finalmente, ser finalizado... Sua construção teve início em 1857, e ele só foi inaugurado em 1875! Ah, sim, por falta de recursos financeiros...

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Este teatro, onde estamos os dois, sentados nesta magnífica plateia, tam-bém pegou fogo... Você, que mora nesta cidade, deve saber disso, não sabe? Foi em 15 de julho de 1980, com certeza você nem havia nascido, claro... Mas alguém já lhe contou essa história, não contou? Quem viu as cha-mas tomando conta do terceiro maior teatro de ópera do Brasil deve ter pensado: será que é um espetáculo pirotécnico?! Estou dizendo isso por-que, naquele ano, este teatro completava cinquenta anos de vida! Quem é que podia imaginar que, justamente nas comemorações de meio século de existência, o teatro estaria pegando fogo de verdade, não é mesmo? Que belo presente de aniversário, hein? Por favor, desculpe-me a ironia...

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Quando fiquei sabendo que este teatro teria o meu nome, senti uma felicidade indescritível, dessas que a gente não consegue explicar. Você já sentiu isso? Não? Mas, com certeza, vai sentir! Então, lembrar-se-á de mim! Perdoe-me a mesóclise, ninguém mais usa isso aqui, não é mesmo? “Pedro II!”, fico meio constrangido em pronunciá-lo... Mas não foi nada fácil essa honraria... Houve um concurso, realizado por um jornal da cidade, para o povo decidir que nome o teatro teria... Isso que é democracia! O meu nome era dispu-tado ponto a ponto com o nome de François Cassoulet... Você não deve saber quem foi ele, mas eu lhe digo: foi um homem da noite, um típico bon vivant, dono de cassinos, os quais, na época, eram a melhor diversão para muitos homens de posse, da cidade e da região. Ele era um verdadeiro rei da noite ribeirão-pretana! Com os seus trinta mil habitantes, Ribeirão Preto era uma das cidades mais ricas do interior brasileiro. O tal Cassoulet chefiava o mais luxuoso cassino da região, o Cassino Antarctica! Enfim, ganhei... Quero dizer, o meu nome ganhou! Você já reparou que, na fachada do teatro, está escrito assim: Theatro Pedro II ponto? Não, não, o ponto não está errado, está no fim do meu nome: Theatro Pedro II.! Isso foi obra de um pedreiro que, por sua conta e risco, tacou-lhe um ponto final! Mas, como disse o idealizador do tea-tro, não existe teatro sem ponto! Você não sabe o que era um ponto? Eu e essa minha mania ainda de querer ser professor. Pois bem: hoje não existe mais, mas o ponto era uma pessoa que ficava em uma abertura no centro-baixo do palco, protegida por uma pequena cobertura curva, própria para projetar a sua voz para os atores, sem que a plateia escutasse, caso esquecessem o texto...

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Em outras palavras, ponto era alguém que passava cola para eles... Sabe quem trabalhou como ponto em uma companhia de teatro? Não? Cruz e Sousa, um poeta negro que se tornou um dos maiores da literatura brasileira!

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Você não vai acreditar, mas, de certa forma, estive aqui na inauguração... Isso foi em 1930! Você, com certeza, deve estar se perguntando de novo: como é possível isso, se ele morreu em 1891, não está? Como disse, há coisas que não se explicam, mas que eu estive na inauguração deste teatro, eu estive. Como estive em vários outros. Mas, se você quer saber, que eu me lembre, não estive, por exemplo, na inauguração do Teatro Municipal de São Paulo, em 1911, o que me deixou extremamente chateado. Projetado pelo arquiteto Cláudio Rossi, a sua construção ficou a cargo do Escritório Técnico Ramos de Azevedo... Ah, Ramos de Azevedo, um dos maiores arquitetos do Brasil! Foi ele quem pro-jetou também a sede da fazenda Cabuçu, em Guarulhos, que hoje é o Teatro Nelson Rodrigues, uma justíssima homenagem a um dos maiores teatrólogos do século XX! Recordo-me quando assisti à peça Vestido de Noiva, que en-redo! Um divisor de águas no teatro nacional! Por quê? Por causa dos planos que se intercalam no palco: ora é o da alucinação; ora, da realidade; ora, da memória... Tudo isso de acordo com a iluminação que se incide sobre o palco, numa esplendorosa direção de Ziembinski, o verdadeiro fundador do mo-derno teatro brasileiro! Genial! Esplendoroso! Fascinante! Desculpe-me a em-polgação, é a magia do teatro! Sabe, já assisti a uma diversidade de espetáculos, desde musicais a comédias; de teatro de revista a tragédias; de dramas a reci-tais; de esquetes a récitas! Isso é o que nós chamamos de politeama! Politeama é o teatro capaz de oferecer ao público uma variedade de gêneros, entendeu? Conheci também três teatros com esse nome... Um em Lisboa, inaugurado em 1913, um em Juiz de Fora, em Minas Gerais, que infelizmente foi mais um a ser demolido, dando lugar ao Cine-Teatro Central, e um em Jundiaí, interior de São Paulo, inaugurado dois anos antes do seu xará português. Chegou a se tornar o maior teatro do estado de São Paulo! Como todo teatro brasileiro, também entrou em decadência nos meados do século XX... Mas também foi restaurado, com um projeto de ninguém menos do que a arquiteta Lina Bo Bardi, a mesma que projetou o prédio do MASP! Conhece-o? Que ousadia! Aquilo não é um prédio, aquilo é uma obra de arte! Que ousadia! Ah, sim, também havia o Politeama de São Carlos... Vou contar-lhe mais uma triste constatação: essa cidade do interior de São Paulo, se não lidera, está bem perto disso, no quesito teatros demolidos ou descaracterizados! Vê se não tenho

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razão: Teatro São Carlos, demolido; Teatro Politeama, hoje Cine São Carlos; Cine Teatro Avenida, demolido; Teatro São Sebastião, virou loja; Cine Teatro São José, também virou loja... Quanto descaso! A verdade é que os teatros bra-sileiros não conseguiam lutar contra o interesse financeiro! Bem, falava-lhe do Teatro Municipal de São Paulo... Mas, se não estive na inauguração daquele teatro, estive nas três noites do mais importante evento artístico-cultural do século XX, o evento que mudou radicalmente a concepção de arte no Brasil, A Semana de Arte Moderna... Que agitação! Que frenesi! Nunca vi coisa igual! Os jovens artistas que lá pisaram nas três noites são, hoje, nomes importan-tíssimos para a compreensão de nossa verdadeira cultura: Anita Malfatti, Di Cavalcanti – agora me lembrei de onde o vi –, Lasar Segall, Rego Monteiro, Oswald e Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo, Raul Bopp, Heitor Villa-Lobos, Victor Brecheret, Antônio Moya, Guiomar Novaes... Ah, que pianista! Conheci-a em São João da Boa Vista, no palco do Teatro Municipal... Depois que este se transformou em cinema, passando pela inevi-tável decadência, foi totalmente reformado... Um ano depois, em 1946, assisti ao recital de Guiomar Novaes... Na década de 60, o belo teatro perdeu muito de suas belezas originais... Pensaram até em demoli-lo para virar um grande supermercado... Vejo que você nem se espanta mais, não é mesmo? Mas o certo é que isso, felizmente, não aconteceu! E ele está lá, recebendo os seus es-petáculos, dentre eles, a famosa Semana Guiomar Novaes... Mas falava-lhe de outra semana, pois não? A de 22, lembra-se? Pintores, escritores, músicos, es-cultores, arquitetos... Você já foi ao Parque Ibirapuera? Então já deve ter visto, logo à entrada dele, o Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret... Acho... Acho não, tenho certeza, a noite mais agitada da Semana de 22 foi a segunda, você não pode imaginar a reação da plateia quando o poeta Ronald Carvalho começou a recitar o poema Os Sapos, de Manuel Bandeira: “Enfunando os papos / saem da penumbra / aos pulos os sapos / a luz os deslumbra.”... Vieram coaxos de todos os lados, seguidos de latidos, miados, cacarejos! Eu estava lá, eu presenciei tudo... Ei, ei! Não faz essa cara de quem não acredita... Eu estava lá, assim como estou aqui, agora, sentado nesta poltrona, conversando com você, enquanto o espetáculo de hoje não começa...

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E, enquanto o espetáculo de hoje não começa, gostaria de conversar um pouco mais sobre este teatro. Você sabe da sua história? Engraçado, de-pois que deixei de ser Imperador, sobrou-me tempo mais do que sufi-ciente para fazer o de que mais gostava: pesquisar! E, claro, o Theatro

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Pedro II fez parte desses meus estudos... Agora, com toda essa tecnologia, ficou mais fácil pesquisar, mas eu, como você pode ver, sou antigo, bem mais que este teatro. Essas minhas roupas, para você, são esquisitas, não são? Mas é assim que eu me sinto bem, da mesma forma como você se sente bem com essas suas roupas, que, por sinal, também são bem esqui-sitinhas! Bem, nós não viemos aqui, nesta noite, para ficar observando um a roupa do outro... Se bem que, na minha época, quando havia os bailes e saraus da Corte, as mulheres cochichavam entre si, comentando os vestidos das outras mulheres... Será que isso acontece ainda hoje? Não, não, não responda, é melhor eu nem saber... Falava-lhe do teatro, pois não? Você quer saber um pouco mais da história dele? Sei que escutar um velho, ainda mais um velho do século XIX, requer um pouco de paciên-cia... Além de compreensivo, você também é muito paciente... A paciência, principalmente com os mais velhos, é também uma grande qualidade... Você está de parabéns! Já que você se mostra interessado em escutar-me, vou contá-la, mas eu prometo que, quando tocarem a última campainha, anunciando o início do espetáculo, calo-me.

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Se você me permite, farei mais uma pergunta: você sabia que havia outro teatro antes de este ser construído? Não? Pois havia. E bem próximo daqui, na praça vizinha desta, que está em frente ao teatro. Chamava-se Carlos Gomes... Já ouviu falar dele? Não, não, do Carlos Gomes. Você deve estar pensando agora: como esse velho faz perguntas! Admiro cada vez mais a sua paciência e sua boa vontade em me escutar... Ah, se todos os jovens fossem assim! Bem, Carlos Gomes foi um grande compositor, um maestro de primeira linha! Uma de suas principais obras é a ópera O Guarani, ins-pirada no romance histórico-indianista do grande escritor cearense José de Alencar! Você sabia que esse escritor foi o meu Ministro da Justiça? Desculpe-me, mas perguntas são uma forma de a conversa não cair na mo-notonia! Acho-as mais interessantes que as respostas... Você não acha? Por isso, pergunto a todo tempo! Perguntei-lhe sobre o José de Alencar... Pois foi, sim, o meu ministro da justiça. Ele teve um papel preponderante no meu governo: o de me ajudar a unificar o Brasil por meio de seus roman-ces. Quando assumi para valer o governo do Brasil, encontrei-o separado... As províncias distantes e isoladas, sem nenhuma ligação entre si! Era um Brasil desunido, se você quer saber! E isso não era nada bom para um go-vernante começar a governar... Aí entrou a pena de Alencar, literalmente...

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Ele mostrou aos brasileiros as várias regiões do Brasil, as quais muitos des-conheciam até então, suas tradições, seus usos e costumes, sua cor local, o seu linguajar, a sua cultura. Assim é em O Tronco do Ipê; O Sertanejo; As Minas de Prata; O Gaúcho; Til...

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Ah, falar-lhe do escritor fez lembrar-me do Teatro José de Alencar! Que lindo teatro! Exemplo máximo da belle époque brasileira! Fica em Fortaleza, a ci-dade natal desse escritor... Não podia ter outro nome, não é mesmo? Estive também em sua inauguração... Isso foi em 1910! Acho que foi um dos primei-ros teatros que visitei após a minha passagem... Será? Não, não, não tenho cer-teza... Mas sei que aquele teatro lembra um pouco este teatro aqui, devido ao seu estilo eclético... Por exemplo, a sala de espetáculo é em estilo art noveau... Uma arte nova, antiacadêmica, caracterizada por linhas curvas, não tão geo-métrico, assim como a art déco... Entendeu? Não? Para simplificar, a art no-veau é uma espécie de transição entre o antigo e o moderno... Recomendo-lhe pesquisar mais sobre os vários estilos de arte... Hoje, com a tal da internet, fica muito fácil! Pesquise, estude, leia... Você sabia que a arquitetura é uma das be-las artes? Engenheiro é um calculista, um exato... Arquiteto não. O arquiteto é um artista... Um sonhador... Aliás, que artista não é um sonhador? Você conhece algum arquiteto famoso? Não vale o Ramos de Azevedo, hein? Ah, sim, Oscar Niemeyer, quem é que nunca ouviu falar dele? Conheço muitas obras desse artista... Dentre elas, dois teatros que levam também o seu nome: o Teatro Municipal de Uberlândia e o Teatro Popular de Niterói... Ah, além do Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília, também projetado por ele... Três interessantíssimos teatros modernos, futuristas... Por falar nisso, co-nheci, recentemente, um teatro que me impressionou bastante, o Ópera de Arame... Fica em Curitiba, todo feito com tubos de aço e teto transparente de policarbonato... Um atrevimento, no melhor sentido da palavra!

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Falava-lhe há pouco do compositor Carlos Gomes, mas esqueci-me de con-tar-lhe do Theatro Carlos Gomes, que cabeça a minha! Mas ainda é tempo de redimir-me: que belo teatro! Tão bonito e imponente como este! Pena que foi demolido e nem sei dizer-lhe por que razão. Se você, um dia, tiver essa

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informação, repasse-a para mim, combinado? Ótimo! Ele foi construído a mando de um dos mais ricos cafeicultores da região, o fazendeiro Francisco Schmidt, um dos mais conhecidos barões do café da região... Você sabe onde é a USP? Ali era uma fazenda dele! Pois bem, o Theatro Carlos Gomes foi inaugurado em 1897, no dia 15 de novembro, e demolido em 1946, com ape-nas 49 anos de existência! Pode isso? Sei muito bem o que está pensando: se eu o visitei, não é? Claro, assisti ali a uma ópera italiana. Ah, que beleza! Que espetáculo! Mas agora ele não existe mais! No seu lugar, apenas uma praça com o seu nome... Acho que um teatro com o nome desse famoso compo-sitor mais próximo daqui é o de São Simão... Se você tiver oportunidade, vá conhecê-lo, é um teatrinho encantador! Seria muito bom se você pudesse co-nhecer também o de Blumenau e o de Vitória, ambos Carlos Gomes! Antes eu evitava ao máximo falar coisas que pudessem causar polêmicas, ainda mais porque era um homem público, e nem sempre o que um homem pú-blico fala chega aos ouvidos da maneira como ele falou... Gente para distor-cer é que não falta! Mas, agora, como você sabe, não tenho por que não falar, é um direito adquirido, mesmo porque agora não devo satisfação a ninguém, não é mesmo? O Teatro Alberto Maranhão, de Natal, Rio Grande do Norte, já foi Teatro Carlos Gomes... Inaugurado em 1901, o imponente teatro em estilo art noveau, passou por algumas reformas e, em 1957, recebeu o nome do político Alberto Maranhão, isso a mando do prefeito da cidade, Djalma Maranhão... Ah, meu amigo Carlos Gomes... Que talento para a ópera! Eu mesmo o condecorei com a comenda Imperial Ordem da Rosa...

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Quando este teatro aqui foi inaugurado, eu já havia partido há quase qua-renta anos, se é que você me entende, mas isso não me impediu de estar na sua inauguração. Guardo, ainda, na memória, a data, 8 outubro de 1930! Lembro-me, também, de que assisti a um filme naquela noite de gala, se não me falha a memória, Alvorada do Amor... Era uma comédia musical, protagonizada pelo francês Maurice Chevalier, que, além de ator e humo-rista, era um excelente cantor! Já ouviu falar nele? É claro que não, não é da sua época... Na verdade, também não é da minha; eu, para variar, sou bem mais antigo... Mas, como lhe falei, depois que eu me fui desta para melhor, como dizem por aí, tempo para fazer o que quero não me falta... Mas ainda nem imagino como deve ser uma comédia musical de hoje... Você acre-dita? Ainda não assisti a nenhuma... Tenho, então, que colocar isso na lista de minhas prioridades! Depois, se você puder, poderia me indicar alguns

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filmes, pode ser? Confio no seu bom gosto... Não sei por que, mas confio... O mais curioso e irônico de tudo isso é que este teatro estreou com uma comédia, e sua trajetória foi, de certo modo, interrompida por uma tragé-dia de grande proporção, um incêndio! E é aí que a ironia se confirma: no momento em que o fogo começou, uma plateia de oitenta pessoas também assistia a uma comédia... É ou não é uma coisa muito maluca?

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Olhando, agora, para este teatro, que está totalmente reformado, concluo que em nada deve ao seu original, isto é, antes do incêndio e antes das arrumações que fizeram a fim de que deixasse de ser teatro para virar cinema. Já lhe disse, mas digo-lhe novamente, eu conheci os maiores e mais bonitos teatros da Europa, e este não fica atrás em nada, e isso graças a um arquiteto chamado Hipólito Gustavo Pujol Júnior, que nasceu em Ribeirão Preto e fixou residên-cia na capital paulista... Esse mesmo engenheiro-arquiteto projetou, também, um dos mais nobres bairros da cidade de São Paulo, o Jardim Europa. Olha, vou dizer-lhe algo com toda segurança, se você quer saber mesmo como é um teatro europeu de que estou falando é só olhar para este... É isso mesmo o que você ouviu: basta olhar para este teatro! Claro que, se você tiver a oportuni-dade de conhecer a Europa, não pense duas vezes, vá! Paris, Londres, Madri, Roma... Quanta beleza! Quanta cultura! Mas, caso não as conheça, este te-atro aqui é, na verdade, um pedacinho dessas cidades de que lhe falei! Isto aqui é um pedacinho da Europa... Ah, o Ópera de Paris! Quanta saudade! Quanto brilho! Quanta emoção! Perdoe-me o devaneio... Que coisa mais sem sentido um velho romântico, não é mesmo? Mas você sabe, eu vivi durante o Romantismo, portanto dou-me o direito desses rompantes! O quê? Você nunca ouviu falar em Ópera de Paris? Chegou, então, o momento...

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Não só este teatro, mas também o de Manaus e os municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro lembram um pouco o estilo neobarroco do Ópera de Paris, um magnífico teatro que hoje tem o nome de Teatro Ópera Garnier, em homenagem ao arquiteto que o projetou, Charles Garnier. Eu mesmo fui um assíduo frequentador daquele teatro. Todas as vezes que ia a Paris, e não foram poucas, não deixava de visitá-lo... Quantas vezes não assisti

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também à famosa Companhia Ópera de Paris, com seus músicos e baila-rinos admiráveis?! Se estiver errado, por favor, você me corrija, mas tenho para mim que o Teatro Garnier foi o 13º teatro a hospedar essa companhia, que foi fundada em 1669, por ninguém menos que Luís XIV, rei da França...

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Sabe o que mais me impressiona aqui neste teatro? É o seu ecletismo... Na verdade, ele é uma junção de vários estilos... Como a art nouveau, da qual já lhe falei há pouco, não? Já reparou nas grandes colunas deste teatro? Nas carrancas que im-pressionam tanto? Isso é o tal barroco italiano... Já visitou a sala dos espelhos? Lá prevalece a arte iluminista... Cá entre nós, vir a este teatro e não visitar o foyer, o saguão do teatro, é como ir a Roma e não ver o Papa! E os lustres, que maravilha! Os três lustres de cristal que embelezam ainda mais a sala são da chamada art déco... Esquisito, não? Mas seria algo assim: moderno, sem perder o requinte, o luxo... Por falar nisso, sabe qual é a maior estátua art déco do mundo? Ora, é uma das sete maravilhas do mundo moderno: o Cristo Redentor do Rio de Janeiro!

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Uma das novidades pós-reforma deste teatro foi a criação de um auditório em seu subsolo. Por sinal, um charmoso e simpático auditório! Lá são realizadas conferências, palestras e espetáculos para um público reduzido. Tivéssemos agora tempo, convidaria você para um café no aconchegante bar que há em seu hall. O mais interessante é que o auditório pode ser usado ao mesmo tempo em que o principal realiza também um espetáculo. Quem está lá não ouve nada do que se passa aqui! Isso, graças ao ótimo isolamento acústico que há entre eles. Coisas da modernidade! O auditório se chama Meira Júnior...

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Citei o nome de João Meira Júnior, mas não lhe disse nada sobre ele, não é? Vamos a ele, então. Ele teve um papel muito importante... Não, não! Ele não foi um ator de teatro, não! O papel a que me refiro é outro, nada menos do que o do idealizador deste teatro. Meira Júnior, que além de dar

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nome ao auditório do qual já lhe falei, você sabe, é também o nome de uma importante avenida da cidade, foi um dos fundadores e também presi-dente da Companhia Cervejaria Paulista, instalada na cidade em 1914, ano em que se iniciava a Primeira Guerra Mundial. Ah, sim, o prédio ao lado, à nossa esquerda, em que está instalado o Pinguim, é o palacete Meira Júnior... Vai dizer-me que você não sabia? Não sabia? Mas onde é que está o seu senso de curiosidade? Sobre toda cidade a que vou, procuro saber um pouco, mesmo que um pouquinho só... É como conhecer uma pessoa, não basta apertar-lhe a mão e pronto, você está me entendendo? Mas dizia-lhe sobre o Meira Júnior, pois não? Em 1925, ele propôs a construção de um novo teatro na cidade, este aqui em que estamos agora, esperando ansiosos pelo início do espetáculo...

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Três anos depois, no ano de 1928, iniciavam a construção deste teatro. Foram dois anos de trabalho intenso, de sol a sol, sob a responsabilidade de uma empresa alemã. Por vezes, eu dava uma escapadela e vinha para cá só para ver como estava a construção do teatro... Não, não, até então eu não sabia que ele ia ter o meu nome... Engraçado você me perguntar isso... Depois que me fui deste mundo, comecei a sentir-me diferente... Para va-riar, você não está entendendo nada do que eu estou falando, não é mesmo? Quando fiquei sabendo que este teatro ia ser levantado, senti-me atraído por ele, como se ele me chamasse para cá... A vontade que eu tinha era de pôr também a mão na massa e ajudar os operários que bravamente cons-truíam esta joia! Por que está rindo? Acha que estou velho demais para isso, não é mesmo? Pois fique sabendo você que, se eu pudesse, carrega-ria pedras, empurraria carrinhos, subiria em andaimes... Não via a hora de vê-lo pronto, entregue finalmente à sua cidade, ao seu povo, aos seus artistas! E, em 1930, em um momento de profunda crise por que passava o Brasil, justamente com a Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas ao poder – isso sem falar da quebra da Bolsa de Nova Iorque em 29 –, o tea-tro era inaugurado. Devido a tudo isso, sem muita pompa, mas com bom gosto e certo requinte... Como lhe disse, estive aqui na inauguração, como estou aqui agora conversando com você... Meu Deus, ocorreu-me agora uma coisa: não lhe perguntei seu nome! Que gafe! Você, por favor, descul-pe-me a minha falta de educação... Sou um velho e você há de me perdoar, não é mesmo? Pois então, qual é a sua graça? Ah, sim, é um belo nome, um tanto diferente, mas um belo nome!

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O quê? Você está me perguntando sobre a crise de 29? Gostaria que eu discor-resse um pouco sobre o assunto? Hoje estou me sentindo de fato um professor! Obrigado por proporcionar-me essa oportunidade... Sobre a crise de 29, não? Pois lhe conto, assim, quando o seu verdadeiro professor de História explanar sobre o assunto, você já terá uma pequena bagagem sobre o tema... Uma aula fica muito mais atraente quando os alunos já conhecem um pouco do que será explicado, você não concorda? Não gosto de uma aula em que o professor fala o tempo todo sem um aparte sequer dos alunos... Às vezes, dá sono, não dá? Bem, vamos à crise de 29, acho que temos um tempo para isso, não temos? Ótimo... Essa crise ficou conhecida também como a Grande Depressão! Daí dá para você imaginar o que foi essa crise econômica que se alastrou pela década seguinte até o início da Segunda Grande Guerra... O marco inicial desse período, que causou uma alta taxa de desemprego em muitos países, inclusive no Brasil, foi no dia 24 de outu-bro de 1929, quando as ações da Bolsa de Valores de Nova Iorque caíram dras-ticamente! Os países exportadores não conseguiram vender os seus produtos, causando um enfraquecimento sem precedentes na sua economia. Como você já sabe, não vivi esse período, o que causaria em mim uma enorme tristeza... No Brasil, o produto mais afetado foi o café... Ah, os barões do café, coitados! Muitos tiveram que vender suas propriedades para pagar as enormes dívidas adquiridas...

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Como as adquiridas por Monteiro Lobato... Lembra-se dele? O dono da nossa primeira editora... Ah, sim, também o do Sítio do Picapau Amarelo, que criança não o conhece, não é mesmo? Mas ele também foi um escritor para adultos, como nas Cidades Mortas... Já leu? O Monteiro Lobato era neto de José Francisco Monteiro, o Barão (depois Visconde) de Tremembé, um famoso barão do café no Vale do Paraíba. Eu o conheci, um bom amigo... O Tremembé, grande homem! Grande político! Colaborou e muito com a construção do Teatro de São João, um belo teatrinho em Taubaté! Muitas companhias que sa-íam do Rio de Janeiro em direção a São Paulo acabavam parando em Taubaté e se apresentavam no São João! Peças de teatros e óperas de grande sucesso passaram pelo seu palco... Uma pena que aquele teatro também decorou o mesmo script de tantos outros: o da decadência... Daí para a demolição foi um ato só! Como eu disse, quando um teatro não pegava fogo no Brasil, ele era demolido! Pareço um disco arranhado em uma vitrola, repetindo, repetindo,

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repetindo sempre a mesma coisa... Vai me dizer que você não sabe o que é uma vitrola? Não?! Gramofone, então, nem pensar? Deixa isso para lá... Voltando ao Barão, quando ele morreu, deixou para o neto a sua fazenda de café, a São José do Buquira... Monteiro Lobato, portanto, também foi um cafeicultor e sofreu muito quando da Grande Depressão... Ele teve que vender a sua fazenda, a fa-zenda que fora do Barão... Recomendo a você ler os contos que enfeixam o livro Cidades Mortas, que o Lobato publicou. Nele, você verá um pouco das cidades do Vale do Paraíba, pobres cidades, que outrora viviam a riqueza do café...

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Após a sua inauguração, este teatro passou a exibir com frequência muitos fil-mes... Havia sessões à tarde, à noite... Era diversão certa para a população! Mas muitos concertos também foram exibidos neste palco... Era preciso agradar a to-dos, não é mesmo? Nem todo mundo gosta de ópera... Por isso era preciso diver-sificar! Sinceramente? Para mantê-lo funcionando, era necessária a exibição de filmes, devido ao custo... Óperas e peças requeriam um custo bem maior e não era possível assistir a eles com muita constância. Isso não é diferente hoje, ou é? Pois então. Depois de sua inauguração, andei assistindo a alguns recitais... Vou confidenciar-lhe algo: atualmente, tenho predileção por alguns pianistas, gente que não é da minha época, mas que passei a admirar depois que os vi tocar neste mesmo palco... Vou citar alguns nomes, talvez já tenha ouvido falar: Nelson Freire, Eudóxia de Barros, Arthur Moreira Lima... E também conheci e aplaudi atores que me fizeram lembrar João Caetano, principalmente um deles, Paulo Autran... Ah, que interpretação! Não foi à toa que ele ficou conhecido como “o senhor dos palcos”... É preciso dizer mais alguma coisa? Bem, neste palco, assisti a Variações Enigmáticas, de Eric-Emmanuel Schmitt... Mas as interpretações em Rei Lear, Otelo e Macbeth, de William Shakespeare, foram memoráveis! Realmente, “o senhor dos palcos”! Agora que sei onde encontrá-lo, pois ele já passou também para o outro lado, preciso parabenizá-lo pessoalmente, pedir-

-lhe um autógrafo... Vou colocar isso também na minha lista de prioridades...

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Quando fiquei sabendo que, na cidade, havia uma orquestra sinfônica, resolvi conhecê-la. E fiquei impressionado com o que vi e ouvi! Tornei-me um admi-rador, um verdadeiro fã, e, toda vez que posso, sento-me aqui, neste mesmo

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lugar, para apreciá-la. Lembro-me da vez em que me emocionei de tal forma, que não consegui segurar as lágrimas e chorei copiosamente... Mas eu tenho certeza de que não fui o único a chorar... Desculpe-me se estou sendo um tanto reticente, mas, quando eu explicar, você há de me compreender e me dará razão.

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Uns quatro meses depois que o fogo destruiu o interior deste teatro... Não gosto muito de tocar neste assunto de incêndio, pois isso me entristece muito. Mas não posso deixar de dizer-lhe o porquê da minha emoção quando as-sisti, a céu aberto, na esplanada deste teatro, a um concerto realizado pela Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, tendo como maestro convidado Isaac Karabtchevsky, um dos mais conhecidos maestros do Brasil. Na verdade, era um pedido de socorro! Naquele dia, a orquestra era a voz do teatro, e este es-tava pedindo por socorro... Eu olhava para o teatro e não escutava a orquestra, escutava, sim, a voz do teatro pedindo por socorro... Você compreende agora o motivo da minha emoção? E eu, ali, sem poder fazer nada... Mas o que é que eu podia fazer? Não vê você que sou um fantasma? Camarada, mas um fantasma...

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Por falar em fantasma, um dos maiores musicais de todos os tempos é O Fantasma da Ópera... Já ouviu falar? Quem nunca ouviu? Tão popular... Não sei se você sabe, mas o espetáculo é, na verdade, uma adaptação de um romance francês, de autoria de Gaston Lerou,... Você já o leu? Não? Então, leia-o! Você não sabe o que está perdendo! Mas para matar a sua curiosidade, posso aqui resumi-lo brevemente, senão, depois, perde a graça! Bem, as ações se passam na Paris do século XIX, tendo como cenário o Ópera de Paris, um edifício construído sobre um lençol d’água subterrâneo... Um fantasma as-sombra o local e chantageia seus administradores, exigindo que lhe paguem um alto ordenado, além de exigir sempre o mesmo camarote para as repre-sentações... Paro de contar por aqui, pois tenho a esperança de que você o leia um dia, combinado? Nele, tenho certeza, você vai encontrar muita emoção, muito medo, muita aventura e muito amor... Quer mais uma curiosidade? Então, lá vai: o musical já foi visto, na Broadway, por mais de cem milhões de pessoas! E, claro, eu estou entre elas... Que engraçado, um fantasma de verdade assistindo a um fantasma de mentira... Coisas da vida... E da morte!

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Não lhe falei antes, mas já havia conhecido o maestro Isaac Karabtchevsky em outra oportunidade... Isso, isso, o mesmo maestro que regeu a orques-tra da cidade na esplanada deste teatro... Vejo que está atento às minhas lembranças... Fico feliz com isso! Ficar sentado ao lado de um velho do século XIX, escutando-o falar sem parar não é tarefa nada fácil! Se eu pu-desse, eu o condecoraria com medalha de honra ao mérito... Bem, conheci o maestro Karabtchevsky em 1984, quando eu estive na reinauguração do Theatro São Pedro, uma das maravilhas de Porto Alegre. Ele regeu, numa noite memorável, a Orquestra Sinfônica Brasileira! E, para o meu deleite, conheci, também, uma atriz que me lembrou e muito a portuguesa Eugênia Câmara, uma das grandes atrizes de meu tempo... Bibi Ferreira! Como não me comover com a sua apresentação?! Era um musical, creio que Piaf... Quando fiquei sabendo que ela ia apresentar-se também no Teatro Quatro de Setembro... Não conhece? É um lindo teatro em Teresina, capital do Piauí, em estilo neoclássico, inaugurado em 21 de abril de 1894... Ah, como são interessantes os seus detalhes greco-romanos! Para minha honra, ele se localiza na praça Pedro II! O pai de Bibi Ferreira também foi um grande ator! Chamava-se Procópio Ferreira... Lembro-me de ter assis-tido a algumas peças por ele encenadas! Que interpretação! Que presença de palco! Que voz! Você sabia que ele foi o ator que mais peças nacio-nais encenou? Não? Pois foram mais de 450 peças! A minha preferida era Deus lhe pague, de Joracy Camargo. Hoje existe, em São Paulo, o teatro Procópio Ferreira, uma justa homenagem a esse homem que brilhou pelos palcos do Brasil e do exterior! Uma coisa puxa a outra, não é assim? Por isso, Procópio Ferreira fez lembrar-me de outro grande ator, chamava-

-se Rodolfo Mayer... Você acredita que ele encenou o monólogo As mãos de Eurídice, de Pedro Bloch, mais de três mil vezes? Que coisa, hein?! Desculpe-me, falava-lhe do Theatro São Pedro. Como não podia fugir à regra, o Theatro São Pedro também passou por dificuldade... Fundado na Porto Alegre de 1858, aquele teatro em estilo neoclássico foi interditado em 1973, por não atender às normas de segurança... Por pouco não pegou fogo também! Você não vai acreditar, mas, bem em frente àquele teatro, foi construído um edifício gêmeo, isso mesmo, os dois iguaizinhos, com se fossem irmãos gêmeos, era a cara de um e o focinho do outro, onde funcionou o Tribunal de Justiça... Em 1950, este foi totalmente demolido, após sofrer um terrível incêndio...

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Vou contar-lhe algo muito bom, pelo menos para mim: depois que a gente não tem mais nenhum compromisso com este mundo, a ordem das coisas não tem mais nenhuma importância... Por isso, não se impressione com esta minha conversa que mais parece um ioiô... Vai e volta, volta e vai... Por vezes, vai torto e volta reto, de outras vai reto e volta torto, mas também vai reto e volta reto e, o melhor deles, é quando vai torto e volta torto! Dito isso, não há por que você estranhar! Há pouco lhe falava sobre o ator Procópio Ferreira, lembra-se? Pois a primeira vez que o vi encenar foi no Teatro Deodoro, de Maceió, em Alagoas! Esse nome lhe diz algo? Pois sim, o marechal que proclamou a República em 15 de novembro de 1889... E foi por causa do novo regime que tive de deixar o Brasil... Você sabe quanto tempo eu governei o Brasil? Tem ideia? Não? Foram 48 anos! E tenho certeza de que fiz um bom governo, mas hoje posso dizer--lhe, sem problema algum, que um governo longevo, como foi o meu, não é mais interessante, não caberia, de nenhuma forma, nos dias de hoje... Mas o Brasil, naquela época, era monarquista, e eu era o Imperador... Ah, sim, pas-sei por várias crises, mas qual o governante que não passa por elas? E, com a implantação do novo regime, fui expulso do meu país como um criminoso da mais alta periculosidade... Agora sei como se sentiram os inconfidentes... Lembra-se deles? Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto... Quem não foi morto, foi mandado para o exílio em alguma colônia africana... Engraçado, não guardo mágoa nenhuma, po-rém... Acho que é porque onde estou não existe lugar para essas coisas... Por isso, fui conhecer o Teatro Deodoro, inaugurado em 1910, exatamente no dia 15 de novembro, numa comemoração pelos vinte e um anos da Proclamação da República... Você não vai acreditar, mas eu também estive no dia da sua inauguração e o achei maravilhoso! Que bom gosto! E foi justamente lá que, quarenta anos depois, em 1950, assisti a uma peça encenada pelo ator Procópio Ferreira! Vou-lhe contar mais uma curiosidade: o terreno onde foi erguido o Teatro Deodoro foi palco da demolição de um teatro que nunca chegou a ser um teatro... Antes que você fale que sou maluco, eu lhe explico: no terreno, começaram a construir um teatro que se chamaria Teatro 16 de Setembro, mas ele acabou sendo demolido antes mesmo de inaugurado... Você já viu isso alguma vez na vida? Nem eu... No mesmo terreno, inauguraram uma estátua do Marechal Deodoro em cima de um cavalo... Ah, lembrei-me agora! Já que estamos falando em República, vou contar-lhe mais um fato curioso: doze dias antes da implantação do regime republicano, portanto, ainda na época monárquica, foi inaugurado o Teatro Santa Rosa pelo então presidente da pro-víncia paraibana, Francisco da Gama Rosa, o mesmo que, quando presidente

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da província de Santa Catarina, fez do poeta Cruz e Sousa... Lembra-se dele? Isso mesmo, aquele que trabalhara como ponto em companhia teatral... Pois é, fez dele o seu oficial de gabinete... Além dos espetáculos que por lá passaram, o Teatro Santa Rosa, imponente em seu estilo greco-romano, também foi palco de importantes atos políticos, como a assembleia que deu origem à criação da nova bandeira da Paraíba, com seu Nego em destaque... Ah, sim, isso foi uma homenagem ao grande político João Pessoa, hoje nome da capital do es-tado, negando a indicação de Júlio Prestes para suceder a Washington Luís na presidência do Brasil. Você percebeu como o teatro também é um lugar de grandes transformações politico-sociais? Isso mesmo, como as campanhas abolicionistas lideradas por Castro Alves no Santa Isabel! Interessante como uma coisa puxa a outra... Castro Alves foi colega de Rui Barbosa na faculdade de Direito... Não sei se você sabe, mas Rui Barbosa foi um dos maiores orado-res do Brasil! Vi-o, certa vez, no palco do Teatro Coliseu de Santos, em uma fascinante palestra sobre os monumentos históricos daquela cidade! Ah, sim, estava lá do mesmo jeito que estou agora aqui... Já que citamos a cidade de Santos, lá também se encontra o Teatro Brás Cubas... Certamente já ouviu fa-lar em Brás Cubas, estou certo? Sim, sim, o das Memórias Póstumas, romance de Machado de Assis, pois não? Muito bem, uma das maiores obras da litera-tura brasileira, sem dúvida nenhuma! Tenho para mim que é o personagem mais bem construído da nossa literatura! Você concorda? Não, não, não me responda, você tem muito tempo ainda para conhecer outros personagens... Por isso, não é justo responder-me agora. Mas não é esse personagem literário quem dá nome ao teatro de Santos, não! O Brás Cubas a que me refiro foi o fundador da vila de Santos, um fidalgo e explorador português...

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Sinceramente? Hoje não consigo ver este teatro aqui sem a orquestra sinfônica e vice-versa. Eles foram feitos um para o outro, não foram? Um casamento perfeito, desde 1938, quando a orquestra foi fundada! E, claro, não podia ser diferente, a sua primeira exibição foi neste palco! Fiquei sabendo que a noite foi majestosa! E para a minha surpresa, aquela noite tão especial foi encer-rada com a ópera O Guarani, de meu grande amigo Carlos Gomes! Posso fazer-lhe um pedido? Quando estiver em sua casa, reserve um tempinho para escutar O Guarani... Hoje, com essa tecnologia da internet, fica tão fácil, não é mesmo? Toda vez que a escuto, a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto vem-

-me logo à cabeça! Quantos músicos já passaram por ela! Brasileiros e estran-geiros! Quantos ensaios realizados no subsolo do teatro! Quantos maestros

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regeram-na brilhantemente! Dentre eles, o Cônego Barros, Ignácio Stábile, Spartaco Rossi, Edmundo Russomano, Dinorá de Carvalho, Roberto MinczuK... E todos neste palco, o que é mais importante! Você sabia que ela é a segunda orquestra profissional mais antiga do Brasil em atividade? Você não imagina como me senti quando assisti à Flauta Mágica, de Mozart... E a Tosca, de Puccini, então?! Que interpretação! Mas O Guarani, de Carlos Gomes...

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Aquele concerto foi o início de um grande movimento para a recuperação deste teatro! Como? Ah, sim, o concerto na sua esplanada... Eu não lhe disse que a minha conversa é um ioiô? Pois então, ela é como na matemática, a ordem dos fatores não altera o produto... Bem, a cidade já havia perdido o Carlos Gomes, infelizmente, e não poderia perder o Pedro II... Fica meio esquisito eu falando assim, não fica? Mas, agora, sou apenas Pedro... Aqui, Pedro II é o teatro, está bem? Pois então, como é que a cidade ia conviver com mais essa perda, como? Diga-me? E, você sabe, não foi nada fácil re-construí-lo... Foram dezesseis anos de espera até que ele pudesse ter as suas suntuosas portas abertas novamente, para o povo da cidade. Sim, eu estava aqui na sua reinauguração... Você acha que iria perder uma coisa dessas? Vim com a minha roupa de gala, a mesma que vesti em 1930... Um pouco puída aqui e ali, mas ainda em bom estado, nada que uma boa escovada não resolvesse. E adivinha quem reencontrei? Ah, que emoção, que felici-dade! Que surpresa, que sorte! Se você pensou na orquestra – pensou nela? Pensou? Acertou! E não podia ser diferente! Como disse, um não vive sem o outro... Lembra-se do espetáculo na esplanada? Sim, sim, aquele concerto a céu aberto... a céu aberto... Perdoe-me a minha emoção... É que esse termo, a céu aberto, lembrou-me do maior teatro a céu aberto do mundo! O Teatro Nova Jerusalém! Você sabe onde fica? Não? Pois, acredite, fica no Brasil e está situado em Pernambuco, no distrito da Fazenda Nova, pertencente ao muni-cípio de Brejo da Madre de Deus. Lá, todos os anos, durante a Semana Santa, é encenada a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, da autoria do jornalista Plínio Pacheco, também o idealizador da réplica da cidade de Jerusalém... Que espetáculo grandioso! Uma superprodução sem precedentes! São mais de quinhentos atores em cena! Apesar de todos os anos participarem atores renomados, comovem-me mesmo os atores da região... Eles sim é que são os verdadeiros protagonistas dessa peça! Para você ter uma pequena ideia do que eu estou falando, o teatro possui uma área de cem mil metros quadra-dos! É claro que já estive lá, e não foram poucas as vezes... E pretendo voltar!

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Mas, voltando aos cinquenta anos deste teatro, em verdade, o que era para ser uma comemoração feliz pelo cinquentenário do teatro, pois pouco antes de acontecer o incêndio, a orquestra já havia programado um grande espetáculo, virou um grande protesto! No programa, compo-sições de Beethoven, Schubert, Rossini e Tchaicovsky... Você tem algum preferido? Talvez Beethoven? Eu admiro todos eles... Não saberia dizer-

-lhe minha preferência... O mesmo teatro que, antes, abraçara a Sinfônica como a uma filha estava agora impossibilitado de fazê-lo... Que dó! Mas a cidade mostrou a sua força e o seu amor pelo teatro. Era preciso alertar as autoridades... O cartão-postal da cidade não podia ficar do jeito que estava... Podia?

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Na minha época, teatro era só teatro... Íamos ao teatro para assistir a uma peça ou a uma ópera... Passei para o outro lado, quatro anos an-tes de os irmãos Lumière inventarem o cinematógrafo. Surgia, aí, a sé-tima arte... Conheci-a depois, já lhe disse isso, e tornei-me também um admirador... Já perdi a conta de a quantos filmes assisti! Divirto-me e emociono-me muito com eles! Posso dizer-lhe que, hoje, sou um autên-tico cinéfilo, mas com uma coisa eu nunca concordei: a ideia de trans-formarem teatros em cinemas! Os tais cines-teatros! Este teatro aqui, por exemplo, quando passou a ser efetivamente um cinema, sofreu com as suas modificações, descaracterizando-o completamente... Vou dizer uma coisa, mas não me tome por radical, por favor, mas a verdade é que o cinema, infelizmente, foi o responsável pela decadência física dos teatros... Os empresários que passaram a administrá-los não eram ho-mens de teatro... Eram homens de cinema! Sei que o povo gostava, para muitos era a única diversão... Seus avós, seus bisavós devem ter assistido a muitos filmes aqui dentro. Você já teve a curiosidade de perguntar isso a eles? Não? Pois pergunte... Eu estou sendo radical? Talvez... Esse negó-cio de teatro virando cinema... Vou dar-lhe um clássico exemplo disso: o Teatro São Pedro, que, na época de sua inauguração, em 1917, foi tido como o mais moderno e luxuoso da cidade de São Paulo, virou cinema logo na década seguinte... Isso perdurou até 1967, quando ele passou a ser teatro novamente...

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Não pense mal de mim, por favor! Mas, durante os cinquenta anos que antecede-ram ao fatídico incêndio, este teatro exibiu muito mais filmes do que qualquer ou-tra coisa! As óperas, as peças, os recitais, esses foram bem poucos em comparação à avalanche de filmes... Mas este teatro começou mesmo a ser descaracterizado a partir de 1960... Aí não teve jeito: o teatro viu-se totalmente transformado em ci-nema! Os 1.200 lugares foram reduzidos a 800... Não se via mais a beleza original do teatro... Tudo foi coberto! Mas o que mais me chocou foi saber que a sala dos espelhos, aquela maravilha de sala, fora transformada em escritório do empresá-rio... Eu nem preciso dizer-lhe, você já deve estar imaginando o que virou a sala...

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Ah, a sala dos espelhos, o xodó deste teatro! Não sei se eu já lhe perguntei, mas você já foi visitá-la? Ah, ótimo... Linda, não? E os três lustres? Reparou quanta beleza há neles? São obras de arte, você sabia? Isso, isso, em estilo art déco... Ah, eu já lhe falei sobre eles? Que cabeça a minha! O lustre central teve que ser to-talmente reconstruído... Ele não resistiu à fome voraz dos cupins e acabou des-pencando no chão feito uma fruta madura... Desculpe-me a comparação, mas foi assim mesmo que aconteceu... Estilhaçou-se todo! Uma pena, não? Mas, como tem gente competentíssima nesta nossa terra tupiniquim, ele foi refeito à maneira dos outros dois, seus vizinhos, e nada deve ao seu original, ainda bem! Por falar nos outros dois, eles são originais sim, sofreram apenas alguns arranhões e foram facilmente restaurados! Aquele espaço, também chamado de foyer, era para abrigar os convidados enquanto havia uma troca de cenário ou uma pausa para “esticar o esqueleto”... As pessoas conversavam, fumavam os seus charutos, bebiam os champanhes, isso na época das chamadas vacas gordas, trocavam cumprimentos, alguns, disfarçadamente, cochichavam...

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Você sabia que o cinema chegou a esta cidade de Ribeirão Preto em 1910? Vinte anos antes da construção deste teatro! Tenho que dar mão à palmatória, o ci-nema é uma tradição por aqui... A cidade, se não me engano, possuía cerca de quarenta mil habitantes naquela época... Li, certa vez, em um velho jornal, que

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a média de público por ano era de cento e oitenta mil telespectadores! Você tem ideia deste número?! As fitas... Às vezes me esqueço de que sou do século XIX e estou conversando com alguém do século XXI... Os filmes eram exibidos em grandes salões de festas, pois não havia ainda uma sala apropriada para exibi-

-los... Creio que o primeiro cinema ribeirão-pretano foi o Avenida, fundado em 1926, pela Empresa Teatral Paulista! Empresa de cinema com nome de teatro, isso sim eu acho muito esquisito... Depois veio o Cine São Paulo, em 1936, de propriedade da mesma empresa... Eles poderiam ter poupado o Pedro II, não é mesmo? Como você sabe, conheço um bocado de teatros brasileiros e me lem-bro de pouquíssimos teatros que também eram cinema, desde a sua fundação, isto é, um autêntico cine-teatro. Um deles é o de Cuiabá, mais conhecido como CTC, Cine Teatro de Cuiabá... Ah, sim, também o de Juiz de Fora... Que memó-ria a sua, hein? Assim como o de Juiz de Fora, o de Cuiabá também foi constru-ído no estilo art déco, inaugurado no ano de 1942. Foi ali que tive a grande opor-tunidade de conhecer uma das maiores atrizes do cinema mundial: Bety Davis! Assim como este teatro, o CTC ficou fechado por mais de uma década! Mas o mais impressionante deles, era o Cine-Teatro Paramount, da cidade de São Paulo, construído em estilo eclético, prevalecendo a art déco, projetado por dois mestres da arquitetura luso-brasileira, Silva Rocha, um dos maiores especialistas da arte nova, e Ramos de Azevedo, que você já conhece. Ele foi inaugurado em pleno 1929, lembra-se dessa data? Exatamente! A Grande Depressão! Aquele ci-ne-teatro foi, na verdade, o primeiro cinema sonoro da América Latina! Mas ele também foi palco dos grandes festivais de Música Popular Brasileira na década de 1960, patrocinados por uma rede de televisão. Esses festivais fizeram história! Em 1969, um grande incêndio destruiu boa parte de suas instalações, perdendo importantes documentos referentes a essa fase cultural do Brasil! Graças a Deus, ele foi também reformado e hoje é conhecido por abrigar megaproduções da Broadway! Uma coisa eu percebi, andando por várias cidades deste nosso imenso país: quase não existem mais cinemas no centro ou mesmo em seus bairros, parece-me que todos eles se concentram somente nos tais shoppings... E isso me deixa muito chateado... Fiquei sabendo que os antigos cinemas ou fo-ram demolidos, virando estacionamentos, ou templos religiosos... Não, não, não tenho nada contra a abertura de templos, mas sim ao fechamento dos cinemas...

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Você gosta de Carnaval? Que brasileiro não gosta? Tivéssemos um tempo maior, falaria um pouco sobre a história do Carnaval, suas origens... Não, não, acho que não temos tempo para isso... Está bem, está bem... Só para matar a sua curiosi-

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dade, um pupilo jamais deve ficar sem uma resposta, modesta que seja... Bem, o Carnaval teve o seu início na época colonial, chamava-se entrudo, uma festa lusitana, brincada aqui inicialmente pelos escravos, que saíam às ruas com os seus rostos pintados, jogando, nos transeuntes, farinha e bolas cheias d’água... Creio que essa prática divertida persiste ainda em algumas cidades... Aqui não? Não? Tempos depois, essas brincadeiras passaram a ser reprimidas pela polícia... Enquanto isso, os mais abastados se divertiam nos bailes realizados nos teatros, ao som das famosas polcas, que eram as composições populares da época. Há um conto muito bom do mestre Machado de Assis, creio que Um Homem Célebre, em que se tem a história de um conhecido compositor de polcas... É melhor você ler o conto do que eu ficar aqui contando, não é mesmo? Voltando ao Carnaval, muitos foliões da cidade brincaram no subsolo deste teatro... Muitas famílias se divertiram ao som das marchinhas... Acho que hoje elas nem são tocadas mais, ou são? Não? Sabia... Com o passar dos anos, os bailes carnavalescos já não eram os mesmos... As famílias não mais se divertiam ali, trocando-o pelos clubes... E pessoas com outras intenções é que passaram a frequentá-lo... Mesas de bilhar, de sinuca tomaram conta do lugar... Não gosto da palavra, mas aquilo virou um antro! Um covil! Para você ter uma ideia do que estou falando, o subsolo deste teatro ganhou um apelido nada interessante: Caverna do Diabo... Hoje eu falo sem problema algum... Por favor, não se constranja por mim... Muitas pessoas passaram a chamar o subsolo deste teatro de... Pedro I!

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Pedro I, você sabe, foi meu pai... Isso, isso, o mesmo que, às margens do rio Ipiranga, proclamou a nossa independência. Quem é que nunca viu a pintura do Pedro Américo, com o seu Grito do Ipiranga? Ele exagerou um pouco, não? Fui eu mesmo quem encomendou ao artista o quadro... Agora posso contar-lhe a ver-dade: naquela época, em 1822, não existiam ainda os “Dragões da Independência”, como registrou Pedro Américo em seu quadro. Também meu pai não usava uni-forme militar, tampouco seu cavalo era um alazão, mas uma mula, uma besta de carga, aquelas utilizadas pelos tropeiros. E o pior de tudo é que meu pai estava com uma baita dor de barriga! Você ri, não é? Isso porque não foi com você... Coitado dele, que situação constrangedora! Foi nessas condições que se deu o famoso grito de “independência ou morte!”. Isso você talvez já tenha sabido, seu professor de História já deve ter-lhe explicado. Talvez o que você não saiba é que meu pai tinha a fama de... digamos, namorador... Ele era um homem público, qualquer coisa que fazia logo virava notícia... Ainda mais quando se tratava da vida pessoal dele... Aí, não lhe perdoavam! Principalmente quando se referia à dona Domitila...

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A Marquesa de Santos, você já deve ter ouvido falar de seu nome, pois não? A pri-meira e a única marquesa do Brasil e a mais famosa amante do meu pai... É que ele teve muitas outras, e, geralmente, eram mulheres casadas... Até mesmo a irmã da Marquesa de Santos, a Baronesa de Sorocaba, foi amante do meu pai, com quem teve até mesmo um filho... Quem sofreu muito com isso tudo foi a minha mãe, coitada! Eu mesmo não convivi muito com ele... Quando ele voltou para Portugal, em 1831, deixou-me aqui, com apenas cinco anos de idade, isso você também já sabe... Não sei se você sabe é que minha mãe, a Imperatriz Maria Leopoldina, morreu um ano depois do meu nascimento... Meu pai depois se casou com D. Amélia de Leutchtenberg... Uma boa madrasta, muito carinhosa, atenciosa e dedi-cada, apesar de eu ter convivido pouco com ela também... Lembro-me, ainda, de quando ela e meu pai visitaram a Casa da Ópera de Sabará, hoje Teatro Municipal de Sabará, em Minas Gerais... Foi ela quem me contou pela primeira vez sobre esse pequeno teatro... Falava-me, com grande alegria e com brilho nos olhos, de sua beleza e de sua aparente fragilidade... Parecia, no seu interior, todo feito de pa-lhinha, um teatro de brinquedo para crianças... Por dentro, até parece uma minia-tura do Pedro II, consegue imaginar isso? Sonhava em conhecê-lo, um teatro de brinquedo, já pensou? Tempos depois, fui pessoalmente conhecê-lo e comprovei o que D. Amélia havia-me descrito! Lindo! Maravilhoso! Está entre as sete mara-vilhas da Estrada Real! A Estrada Real? Era o caminho do ciclo do ouro, ligando as cidades auríferas das Minas Gerais ao Rio de Janeiro... Aconselho você, um dia, a percorrê-lo, a paisagem é exuberante! Mas, antes, visite o teatrinho de Sabará... Coincidência ou não, o endereço é: rua Pedro II... Mas, como este teatro, aquele também virou cinema, entrando, para variar, em melancólica decadência, sendo totalmente descaracterizado... Em 1970, foi finalmente restaurado, voltando no-vamente a ser o que era, um teatro! Hã? Não, não, não foi Dona Amélia quem me criou... Quem me criou de verdade, quem eu tinha mesmo por mãe, minha mãezinha postiça, foi a Dadama... Desculpe-me, Dona Mariana Carlota, a minha Dadama... Ah, que doce criatura! Mimou-me até o último suspiro de sua vida! Estou aqui novamente com as minhas doces lembranças... Ah, sim, o subsolo deste teatro... Que ironia, não? O subsolo deste teatro pejorativamente chamado de Pedro I... Nesse caso, não houve nem ao menos plebiscito!

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Você já deve ter percebido que o meu nome está intimamente ligado a alguns teatros do Brasil, não é? Isso me deixa imensamente orgulhoso! Às vezes, o meu nome está implícito... Como assim? Eu lhe explico: o Theatro Sete de Abril, da cidade de Pelotas, por exemplo, o mais antigo teatro do Rio Grande do Sul,

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inaugurado em 1833... Você, claro, já ouviu falar no Sete de Abril? Não, não, não no teatro, mas na data... É histórica! Foi nessa data que o meu pai abdicou-se do trono em meu favor... Daí o nome do teatro... Isso, por si só, já foi uma bela ho-menagem à minha pessoa, não? Mas, se não bastasse essa deferência, o teatro foi inaugurado no dia dois de dezembro, justamente no dia do meu aniversário! Lá, o ator João Caetano também brilhou! Por falar em brilho, lembrei-me de que foi lá no Sete de Abril que tive a honra de assistir a uma estrela de nossos palcos: Fernanda Montenegro! Sim, sim, que grande atriz! Que brilho! Que luz! Uma estrela de primeira grandeza! Um patrimônio do nosso teatro! Por falar nisso, a melhor coisa que aconteceu depois que este teatro pegou fogo, antes, é claro, de sua reforma, foi o seu tombamento... Não, não, não é esse tipo de tombamento que você está pensando, o teatro não tombou literalmente... Pelo contrário, a partir daí, ninguém mais poderia nem pensar em derrubá-lo quanto mais em fazê-lo! Virou um patrimônio da cidade! Outra coisa também de grande im-portância aconteceu para a recuperação e a preservação deste teatro: a sua desa-propriação! Deixou de ser propriedade de uma companhia de cerveja, passando para as mãos da prefeitura! Assim as esperanças de reforma aumentaram...

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Quando começaram essa reforma, isto é, quando os operários botaram li-teralmente a mão na massa, veio-me novamente aquela mesma vontade de ajudar... Eu queria vê-lo logo pronto! Novinho em folha! Dezesseis anos de espera era tempo demais, não era? Só de pensar que o famoso Quarteirão Paulista... Um momento: você não sabe o que é o Quarteirão Paulista? Pois são esses imóveis magníficos que estão ao lado deste teatro, formando belo conjunto arquitetônico! Além do teatro, o antigo Palace Hotel e o palacete Meira Júnior, onde se encontra o disputadíssimo Pinguim, lembra-se? Não gosto nem de pensar, mas cogitaram até construir um Shopping Center nesse lugar, pode isso?! Não consigo acreditar que existiram pessoas que apoiavam essa ideia! Você consegue? Não, não é? Graças a Deus, isso não aconteceu! Eu mesmo não duvido disso, pois fiquei sabendo que isso aconteceu com o pré-dio de um tradicional colégio da cidade... Eu falava-lhe sobre a reconstrução do teatro, e uma coisa eu devo confessar-lhe: no início, fiquei meio receoso... Será que eles conseguiriam trazer de volta o teatro do passado? Era um traba-lho tão minucioso que eu mesmo duvidei... Você faz essa cara é porque você não viu como ficou o teatro depois do incêndio. Dava pena... Se você tivesse visto, daria razão para mim agora... Acho que também você duvidaria de que alguém pudesse reconstituí-lo tal como fora no passado!

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Você já reparou na quantidade de detalhes que embelezam este teatro? As arandelas e os lustres! Os capitéis de colunas e pilastras! Os espelhos bisotados! E as portas e janelas, então! Vidros restaurados e refeitos, um a um, num trabalho de formiguinha! E os medalhões, aqueles ali, ó! Eles foram remontados como se fossem peças de um quebra-cabeça! Quanta maravilha! Quando eu via os restauradores com os seus pincéis, pacientemente, espanando poeiras, com as suas espátulas e cinzéis, pa-cientemente, reconstituindo aquilo que foi destruído pelo fogo, era tanta dedicação que eu não tive mais dúvida nenhuma de que este teatro vol-taria com a mesma beleza de outrora! Os engenheiros, os arquitetos, os artesãos, os restauradores, os pedreiros, os marceneiros e os ferreiros, foram, sim, os primeiros artistas a se apresentarem no novo Pedro II... Sem plateia, sem aplausos... Mas que espetáculo! Cada um interpretando o seu papel com se cada um fosse o protagonista de uma grande peça! Ou melhor, de uma grande orquestra! É isso mesmo, todo aquele barulho de marretas, de martelos, de serrotes, de esmeris, de maçaricos... Que har-monia para os meus ouvidos! Você deve estar achando que sou louco, não é mesmo? Mas só de ver que o teatro estava sendo reformado a todo vapor causava em mim uma grande felicidade! Eu via no engenheiro-chefe o maestro... Nos marceneiros com serrotes, os violinistas... Nos pedreiros com martelos e marretas, os percussionistas... Nos soldadores, os pia-nistas... Nos artesãos, os flautistas... E todos, ao mesmo tempo, afinados, concentrados, empolgados... Quero fazer aqui uma correção... Quando disse que ninguém aplaudia, não é verdade, eu aplaudia... Era o mínimo que eu poderia fazer, não era?

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Daqui a pouco, a cortina vai-se abrir... E, toda vez que isso acontece, meus olhos já começam a marejar... Coisas de velho, desculpe-me mais uma vez... Você sabe como é que se chama essa cortina na linguagem cênica? Isso mesmo, pano de boca! Como é que você sabe? Falei-lhe, é? E a outra, oposta a essa, também já lhe falei? Não? Por que é que eu não lhe havia dito isso antes também? De qualquer maneira, digo-lhe agora: chama-se o pano de fundo! Antigamente, o pano de fundo representava o cenário, que era artisticamente pintado... Uma pena que o pano de boca deste tea-

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tro tenha se queimado todo no incêndio... Ele era uma verdadeira obra de arte! Quando me vi retratado na cortina, juntamente com a minha corte e as sete musas da mitologia grega, senti-me muito honrado... Descobri que o autor da façanha foi um pintor e decorador de nome Dakir Parreiras, nascido no Rio de Janeiro, três anos após a minha passagem... O seu raro talento me fez depois conhecer algumas de suas obras... E não me decep-cionei! Que grande artista! Voltando ao pano de boca, citei as sete mu-sas gregas, não? Não sei se é do seu conhecimento, mas, na verdade, são nove musas: Clio, a que proclama, representando a História... Erato, por sua amabilidade, simboliza a Poesia Lírica... Euterpe, a que doa prazeres, representando a Música... Polimnia, a musa dos hinos e que simboliza a Música Sacra... Tália, a que faz brotar flores, simbolizando a Comédia... Terpsícore, a que rodopia, representando, é claro, a Dança... Melpôneme, a poetisa, que representa a Tragédia... Essas sete estavam presentes no pano de boca... Mas eu disse-lhe que são nove, não? Pois não estavam lá a Calíope, a de bela voz, simbolizando a eloquência, e Urânia, a celestial, re-presentando a Astronomia e a Astrologia... Essa ausência dessa última até que é compreensível, porque se refere à criação científica e não à artística, mas a Calíope, coitada...

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Você já reparou naquele prédio que fica na esquina da frente? É o Edifício Diederichsen, o primeiro arranha-céu da cidade. É considerado o marco do processo de modernização desta cidade. O prédio, em estilo art déco, foi levantado a mando do imigrante Antônio Diederichsen, um rico empreen-dedor... Acho que posso dizer que aquele edifício foi o primeiro Shopping Center da cidade, vê você se não tenho razão: além de hotel, havia (e há ainda hoje) lojas comerciais em seu térreo, há consultórios, escritórios e apartamentos residenciais espalhados por seus andares, também havia um cinema, um restaurante... Ah, você sabia que até um circo foi instalado em seus andares? Isso é que é modernidade, não é mesmo? Antes que me esqueça, o Sr. Antônio Diederichsen, num belo gesto, deixou o prédio para a Santa Casa de Misericórdia da cidade! Por muito tempo, na janela do último andar, ficava, quase dependurado, um boneco... Quando o vi pela primeira vez, pensei ser alguém de verdade, prestes a pular... Mas era ape-nas um boneco, obra de um grupo de atores de teatro... Esse boneco passou a ser uma espécie de fiscal da reforma do teatro... Ele, literalmente, ficava de olho vivo dia e noite, noite e dia...

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Falta pouco para o espetáculo começar... Por que esse espanto? Você nunca viu um relógio de bolso? Pois pegue-o... Dê uma olhada na data de fabrica-ção... Viu? Se ele é antigo? Tenho-o comigo há muito tempo, desde a época em que era Imperador! Presente de um rei europeu quando de sua visita à Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro! Tem para mim um valor inesti-mável... Você não conhece a Quinta da Boa Vista? Pois foi lá que eu passei quase toda a minha vida, foi lá também que nasceu Isabel... Era o Paço Imperial, hoje é um importante parque municipal, situado no bairro de São Cristóvão. Mas e o seu relógio, você não o tem? Ah, sim, este é o seu relógio, pois não? O tal celular... A verdade é que o celular é a volta do re-lógio de bolso, não é mesmo? Você já reparou quantos aqui dentro estão mexendo em seus celulares? Nunca vi coisa igual! Quando conheci essa máquina, pensei que fosse só telefone... É a tecnologia, não é mesmo? Mas acho que as pessoas exageram um pouco, ou estou errado? Você tem aí o seu celular, isso é claro! Sinto-me um pouco culpado disso... Você sabe que fui eu quem trouxe o telefone para o Brasil? Você não vai acreditar, mas o primeiro brasileiro a fazer uma ligação telefônica fui eu... Tudo começou comigo! Por isso, essa minha culpa... Seja em teatros, seja em cinemas, seja em eventos culturais, há o recado para que as pessoas desliguem os seus ce-lulares... Você acha que ainda é preciso avisar? Pior é que é! Nessas minhas visitas a teatros, já presenciei pessoas atendendo a seus celulares no meio do espetáculo... Você não imagina o quanto isso desconcentra os atores, os cantores, os músicos! É uma falta de respeito tremenda, não é mesmo? Eu sei, eu sei... Você desliga o seu celular quando o espetáculo começa, e é tão simples, não? Basta apertar o botãozinho...

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Vou contar-lhe aqui uma rápida história: em 1876, quando os Estados Unidos comemoraram o centenário da independência, fui à Filadélfia vi-sitar uma grande exposição sobre eletricidade... Lá conheci um famoso inventor, o professor Alexander Graham Bell... Lembra-se dele? Isso mesmo, o inventor do telefone... Ele dirigiu-se a mim, convidando-me a conhecer o seu invento, apesar de algumas pessoas tentarem me con-vencer de que aquele professor não passava de mais um inventor maluco. Movido por uma grande curiosidade, fui ao estande do inventor, que me

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apresentou o seu invento. Fiquei surpreso quando ouvi o professor Bell, na ponta de um fio, do outro lado, declamando-me Shakespeare! Daí, não me contive e disse-lhe: - Meu Deus, isto fala! E hoje ninguém sai à rua sem o seu telefone móvel!

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Como está gostoso aqui, não? Nem parece que esta cidade é famosa também pelo seu clima quente. Já ouvi dizer que o verão é a única estação da cidade... Exageros à parte, a cidade é bem quente mesmo... Mas, aqui dentro, o clima é ameno... Graças ao excelente sistema de ar-condicionado. Na minha época, o refrigério era o leque! A minha esposa, Dona Teresa Cristina, tinha uma coleção deles! Alguns, verdadeiras obras de arte! Quem hoje usa um leque? Virou peça de museu. E as nossas roupas então? Pesadas, calorentas, como esta que estou usando, mas agora já me acostumei, onde vivo ninguém sente frio ou calor, não se preocupe... Por muito tempo imitamos a moda pari-siense... Como hoje boa parte das lojas aqui no Brasil tem nomes norte-ame-ricanos, na minha época, as lojas tinham nomes franceses... Era o chic... No começo do século XX, por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro, a avenida Central, que hoje se chama Rio Branco, era apinhada de lojas assim! Por fa-lar nisso, você sabia que Ribeirão Preto já foi conhecida como Petit Paris? É isso mesmo, uma pequena Paris! Ribeirão Preto também vivenciou a famosa bellé époque, com certo charme caipira, diga-se de passagem!

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Esta cidade era famosa por seus cassinos, por suas noites efervescentes... O dinheiro corria solto, já ouvi dizer até que muitos coronéis, os conhecidos barões do café, chegavam a acender os seus charutos cubanos com cédu-las de dinheiro! E bebiam champanhes franceses como se bebessem água! Ouvi dizer de uma senhora cujos cães eram banhados com champanhe em vez de água! Será? Quem devia gostar disso era o Cassoulet, lembra-

-se dele? O rei da noite ribeirão-pretana... Você sabia que ele criou o pri-meiro café-cantante do país? Chamava-se Eldorado... Eldorado! Você já ouviu falar em Eldorado? Não? A cidade lendária toda feita de ouro! Uns diziam localizar-se na Colômbia, outros, na Guiana... Disseram, também, que se localizava no Brasil, em Roraima... Vou contar-lhe o que li certa

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vez: em 1925, um capitão francês, de nome Percy Fawcett, juntamente com seu filho, realizou uma grande excursão pela Amazônia, em busca do Eldorado... Nunca mais foram encontrados! A região era povoada pelos índios Kalapalo... A cidade de ouro nunca foi encontrada? Ou foi? Talvez encontrada pelo Cassoulet... De que cor é a cerveja? Tudo começou com a implantação de uma cervejaria... Entendeu, agora, a importância desta cidade? Agora que me dei conta... Você se lembra quando lhe disse que houve uma espécie de plebiscito para a escolha do nome deste teatro? Os dois candidatos, de certa forma, eram nobres... Um imperador e um... rei!

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Muitos homens ricos, que não moravam na cidade, e vinham para cá, fi-cavam hospedados no Palace Hotel, bem ao lado deste teatro... Você o conhece? Não, não, agora não é mais hotel, é um centro cultural... Mas, quando era hotel, havia até uma passagem secreta que os ligavam... É isso mesmo: uma passagem ligando o teatro ao hotel! Não, não, nunca me hospedei nele, nem que eu quisesse, já que ele foi inaugurado em 1926... Esse hotel, cujo primeiro nome era Central Hotel, foi construído por um comerciante de café de nome Adalberto Roxo... No ano seguinte, já per-tencia à Companhia Cervejaria Paulista o primeiro prédio do famoso Quarteirão Paulista! Comprados os terrenos ao lado, vieram o teatro e o palacete Meira Júnior para completá-lo! Muita gente fez isso: hospedava-se no Palace Hotel, assistia a um espetáculo no teatro e depois ia saborear um chope no Pinguim... É mole ou quer mais? Não é assim que vocês falam?

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A cidade do Rio de Janeiro também já foi considerada uma Paris... Época em que o famoso prefeito Pereira Passos fez uma grande reforma no centro da cidade... Ele era um apaixonado pela capital francesa... Conheci-o muito bem, pois ele trabalhou como engenheiro em meu governo. Eu sabia muito bem de suas intenções: fazer do Rio de Janeiro uma nova Paris! Por isso, viajava sempre para lá... Chegou a assistir à reforma urbana da cidade, pro-movida pelo barão Haussmann, conhecido como o “artista-demolidor”... Ele era uma espécie de prefeito de Paris, e a reforma foi avalizada por ninguém menos que Napoleão III, o sobrinho de Napoleão Bonaparte, o mesmo que

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provocou a fuga de meus avós e seus filhos para cá... Claro, você já sabe de toda essa história, não sabe? Bom, Haussmann tornou-se uma referência na história do urbanismo... Quando Pereira Passos tornou-se prefeito do Rio de Janeiro, a cidade sofria com a falta de esgoto, com a precariedade do transporte, com o aumento da violência... O centro da cidade estava um caos! Os cortiços se alastravam, sem condições mínimas de vida para os seus moradores, que sofriam com as doenças epidêmicas... A sua reforma, inspirada na reforma de Haussmann, visava a melhorias na cidade, como o saneamento básico e a reurbanização... Com mais de um milhão de habi-tantes, o Rio de Janeiro tornava-se, então, uma metrópole, deixando de ser A Cidade da Morte, com era tristemente conhecida, passando para A Cidade Maravilhosa... Bem melhor! O problema foi que, para que isso acontecesse, muitos casarões foram demolidos, pois as ruas foram alargadas, e a popula-ção que habitava o centro não teve outra saída a não ser subir o morro...

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Pois foi com o Pereira Passos que, em 1905, teve início a construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro... Antes que me esqueça, e isso precisa ser dito, a ideia de construir um teatro municipal partiu de um dos maiores teatrólogos da segunda metade do século XIX, Arthur Azevedo, uma espécie de conti-nuação de Martins Pena... Foi de tanto ele tratar do assunto na imprensa, que uma lei foi criada: a da construção do teatro! Em São Luís do Maranhão tem um teatro com o nome dele, você sabia? Não? Um dos mais antigos teatros do Brasil, construído na época em que meu avô ainda morava aqui... Foi inaugurado em 1817! Chamava-se Teatro União, numa singela homenagem à criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves... Um belo teatro em estilo neoclássico! Ah, sim! Esse teatro também sofreu com a chegada do cinema, também entrou em decadência, sendo bastante descaracterizado! Hoje, graças a Deus, está completamente restaurado! Dê-me licença, por fa-vor, de abrir aqui um parêntese, mas preciso fazer justiça a outro grande au-tor de teatro da época, França Júnior! Um dos grandes alunos que passaram pelo colégio Pedro II! E que comediógrafo! Assisti, com grande prazer, à peça Como se fazia um Deputado! Parecia-me que o teatro tremia, tantas eram as gargalhadas da plateia! Claro que Dona Teresa Cristina cutucava-me com o seu leque, pedindo que não risse daquela maneira, às gargalhadas! Fechado o parêntese, voltemos à lei que sancionou a construção daquele teatro: isso foi em 1894, mas, só em 1903, a construção teve início... O teatro também fazia parte do processo de reurbanização da cidade... E, como tal, não poderia ser

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diferente do da Ópera de Paris, não é? Oh, quantas companhias de teatro e quantas orquestras europeias se apresentaram em seu palco! Eu mesmo assisti a muitas! Também em seu palco, conheci grandes astros e estrelas do universo artístico, como Heitor Villa-Lobos, Bidu Sayão e Maria Callas! Além do ecletismo que os caracterizam, esses dois grandes teatros de ópera do país, o Pedro II e o Municipal do Rio de Janeiro, são administrados por uma fundação, o que facilita e muito a sua conservação...

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Quando vejo este teatro conservado, fico feliz e triste ao mesmo tempo... Ih, agora você deve ter confirmado: esse velho é, com certeza, maluco mesmo! Pensou isso, não pensou? Não? Você é muito educado... Mas eu lhe ex-plico, antes de vir para cá, hoje, dei uma volta pela cidade... Como é grande, não? Mas percebi que alguns imóveis antigos estão abandonados, jogados à própria sorte... Esse descaso com o patrimônio histórico é algo que me revolta, a você não? Como se já não bastasse a demolição de nossos teatros, também os palacetes, os casarões, os prédios que poderiam ajudar a contar a história deste país também viram pó! Quando me lembro de demoli-ção, inevitavelmente, lembro-me do Carlos Gomes... Você já imaginou se aquele teatro não tivesse sido demolido, o que seria esse complexo cultural e arquitetônico? Acho que não teria cidade no Brasil com dois teatros de tal magnitude frente a frente! Carlos Gomes e Pedro II...

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Você acha que um prédio de cinquenta anos é velho? Nem velho, muito menos antigo, não é mesmo? Você deve me achar velho... Ou melhor, an-tigo. E você está certo! Eu, hoje, tenho todas as idades... Essa é a diferença entre velho e antigo: velho tem uma idade, antigo tem todas! Quando esse teatro pegou fogo, ele nem velho era, apenas um cinquentão! Você deve estar pensando: aonde é que ele quer chegar?! Acertei, não é? Às vezes, consigo ler pensamentos... Não, não se preocupe, não costumo ler todos, fique tranquilo. Pois lhe digo aonde quero chegar: este teatro, com a idade que tinha em 1980, não podia estar do jeito que estava, malcuidado, sem manutenção regular, com a fiação exposta... Era, em verdade, um jovem prédio decrépito...

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Já transformado em cinema, como você já sabe, 80 pessoas foram assistir a uma comédia, Os três mosqueteiros trapalhões – já assistiu? Também não, mas vou colocar na lista de minhas prioridades –, mas o que viram mesmo foi uma tragédia. Uns barulhos esquisitos, uns estalos diferentes, e o fogo co-meçou a tomar conta do pobre teatro transformado em cinema. A sorte é que ninguém saiu machucado, a não ser o teatro, esse sim se machucou e muito! Felizmente, este teatro não foi destruído quase que totalmente como foi o Real Theatro de São João, lembra-se dele? Aquele que virou João Caetano... Pois é, o fogo, que atingiu este teatro destruiu a cobertura, o forro, o palco e quase tudo mais o que havia em seu interior... Mas ficou de pé! Menos mal! Eu lhe disse que a reforma após o incêndio foi feita com tal maestria que, entrando aqui, pareceu-me que entrava em 1930... É claro que a tecnologia de hoje não é a mesma de antes... Mas isso só veio para facilitar a vida dos artistas que aqui se apresentam e a nossa, os espectadores... Uma coisa me impressionou... ou melhor, me emocionou ainda mais quando entrei hoje aqui: o teto do teatro, que movimento!... Movimento das águas, você per-cebeu? E o lustre, que mais parece uma gota... Quem poderia imaginar que o antigo e o moderno pudessem fazer um par perfeito como este? Descobri que a artista dessa obra-prima abstracionista era uma nipo-brasileira cha-mada Tomie Otake, conhecida como a dama das artes plásticas do Brasil. Morreu centenária, não? Como as coisas são engraçadas, não é mesmo? O teatro Garnier, o da Ópera de Paris, de que lhe falei agora há pouco, passou também por uma reforma no século XX. E o teto do teatro recebeu uma nova pintura, de Marc Chagall, um artista russo-francês, antiacadêmico, de estilo surrealista... um vanguardista, vê se pode?! O antigo, lado a lado com o moderno, em perfeita comunhão, assim como o teto deste teatro...

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Deixe-me contar mais outra curiosidade... Veja a posição daqueles cama-rotes ali. Você acha que as pessoas que se sentavam lá tinham uma boa visão do palco? Tinham nada! As pessoas estavam mais interessadas em ver a plateia e também em serem vistas do que propriamente em assistir ao espetáculo! É isso mesmo! Com aquele binóculo de teatro, observavam tudo, gestos, roupas, joias... E o espetáculo correndo solto! Uma coisa mu-dou radicalmente: antigamente o bilhete dos camarotes era bem mais caro

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do que o da plateia. Hoje é o contrário. Você sabe por quê? Por que os lus-tres não eram como este que você vê aí em cima de sua cabeça, não! Para iluminar o teatro era necessário acender as velas colocadas nos lustres... Aí você já viu, pingava cera quente em cima da vasta cabeleira da plateia, estragando as perucas e os chinós...

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Você viu? O piano? Na minha época isso era mágica, e das grandes! Fazer surgir no palco um piano deste tamanho só para os maiores mágicos do mundo! Mas você deve saber que isso não foi truque, nem mágica, tam-pouco ilusionismo... É a mais pura tecnologia! Nada mais que um fosso com elevador para facilitar a vida dos músicos! O nome correto é elevador de orquestra! Ele chega a abrigar cerca de 60 músicos! Ele consegue erguer até trinta mil quilos! Magnífico, não?! Conheci também o fosso da orquestra do Teatro Amazonas, muito parecido este aqui... Vou confessar-lhe mais uma coisa: as duas cúpulas mais bonitas para mim são a deste teatro e a do Teatro Amazonas... A beleza deste está em seu interior, com as águas e a gota de Tomie Othake; a do outro está em seu exterior, com as suas mais de trinta e seis mil escamas em cerâmica e telhas vitrificadas coloridas, homenageando a bandeira brasileira! Falei-lhe do Teatro Amazonas e quase me esqueço de outros dois grandes teatros da região norte, o do Pará e o de Rondônia... Vamos a eles: o do Pará se chamava, inicialmente, Theatro Nossa Senhora da Paz, nome dado pelo bispo Dom Macedo Costa, numa grata referência ao final da Guerra do Paraguai, mas, a pedido do próprio bispo, passou a ser chamar somente Theatro da Paz... Por quê? O seu senso de curiosidade está cada vez mais aguçado, e isso é muito bom! Quem pergunta quer saber! Pois lhe respondo: porque ele achava que possíveis apresentações mundanas poderiam ofender o nome de Nossa Senhora... Passou, então, a chamar-se Theatro da Paz... Que teatro! Todo ele em estilo neoclássico! Inaugurado em 1878, lembro-me bem da data! Infelizmente, não pude ir à sua inauguração... Você não tem ideia do que seja a agenda de um imperador! Ali, Carlos Gomes também esteve com a sua ópera O Guarani... Uma pena que, com o declínio da borracha, o teatro também tenha entrado em decadência... Por muito tempo, as suas portas ficaram fechadas... De 1878 a 2014, figurou como o maior teatro da região Norte! E o de Rondônia? Maior que o do Pará! Maior que o do Amazonas! É um teatro moderno, do século XXI! Apesar de co-nhecer as suas dependências, ainda não tive a oportunidade de assistir a um espetáculo lá... Vou colocar isso também na lista das minhas prioridades...

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Escutou? É a terceira campainha... Bem, campainha é modo de dizer... Sempre que venho aqui, deparo-me com uma boa novidade... Você não percebeu? Os três toques que anunciaram o início do espetáculo são tre-chos do Hino de Ribeirão Preto... Agora, fiquemos em silêncio, que o espe-táculo vai começar...

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Realização: Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura, Theatro Pedro II e Fundação Dom Pedro II

Autor: Alexandre AzevedoIlustração: Carlos Alberto Cordeiro de Sá FilhoAssistência de colorização: Ana Márcia ZagoRevisão ortográfica: Vera HannaProjeto gráfico e diagramação: ComTexto ComunicaçãoPesquisa: Alexandre Azevedo e Luciana RodriguesCoordenação Geral: Dulce NevesAssessoria de Imprensa: Texto e Cia ComunicaçãoProponente junto ao ProAC: Letícia Edith Adriazola Cáceres

Apoio Patrocínio Realização

A história de um Homem e de um tHeatro com agá maiúsculo / Alexandre Azevedo, ilustrado por Carlos Alberto Cordeiro de Sá Filho – Ribeirão Preto, SP: Fundação Instituto do Livro, 2015.

76 p.

ISBN XXX-XX-XXX-XXXX-X

1. Literatura Infantojuvenil. 2. Teatro 3. Theatro Pedro II – Ribeirão Preto. I. AZEVEDO, Alexandre. II. SÁ FILHO, Carlos Alberto Cordeiro de. III. Título.

CDD 028.5

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Amigo e profissional dedicado, tudo o que faz, ele o faz com grande envolvimento e comprometimento. Além de ser um grande estudioso, todas essas virtudes tornam o tra-balho desse educador, escritor, pes-quisador e amante do conhecimento algo de muito valor.

Assim, junto com D. Pedro II, eu me sento aqui para ler, ver e ouvir a história deste ícone da cultura e da história de nossa cidade – o Theatro Pedro II. Sente-se aqui, você tam-bém – como convidaria o imperador Pedro II – e acompanhe essa narra-tiva rica, alegre e cheia de novidades.

DULCE NEVESJornalista

Presidente da Fundação Dom Pedro II – Theatro Pedro II

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