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Peirce e o signo como abdução Paulo Serra Universidade da Beira Interior Índice 1 Razões de um percurso 1 2 A dupla origem da semiótica 3 3 Peirce e a semiótica 5 4 Pragmatismo e abdução 6 5 Os signos e a sua classificação 9 6 Signo e abdução 16 7 Bibliografia 18 1 Razões de um percurso As definições de ’signo’ que circulam nos manuais de semiótica corrente são diversas mas não contraditórias e são muitas vezes complementares. Para Peirce, o signo era "algo que está para alguém por algo sob algum aspecto ou capacidade."(1897, trad. it. p. 132); definição que retraduz de modo mais articulado o clássico aliquid stat pro aliquo. Umberto Eco, "O Signo", in Enciclopédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 11-51. Vivemos no século da comunicação. Para alguns, como McLuhan, o nosso mundo constituiria já uma autêntica "aldeia global", habitada por uma "tribo planetária- possibi- litadas, uma e outra, pelas novas tecnolo- gias de informação e comunicação da "ga- láxia Marconi"... Para outros, a sobrecarga de "informa- ção"e "comunicação"não se traduz, necessa- riamente, em maior aproximação e solidari- edade entre os homens, conduzindo antes a novas formas de individualismo e etnocen- trismo. Seja como for, vivemos seguramente no século das Ciências da Comunicação. Viver no século das Ciências da Comu- nicação significa que a comunicação, para além de um facto (que ninguém pode ne- gar), se tornou para nós um problema (que não pode-mos iludir). Centradas nesse pro- blema, surgem disciplinas científicas como a Sociologia da Comunicação, a Psicologia da Comunicação, a História da Comunicação, etc. Cada uma dessas disciplinas delimita, no entanto, um aspecto de um objecto que dá como constituído. Determinar os princípios formais subja- centes à totalidade do que se entende por "comunicação", é a tarefa de uma disciplina específica - a Semiótica da Comunicação. Ela deverá assegurar, em relação à Comuni- cação, o papel que Aristóteles e Kant atri- buíam à Lógica: a de "organon"ou intru-

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Peirce e o signo como abdução

Paulo SerraUniversidade da Beira Interior

Índice

1 Razões de um percurso 12 A dupla origem da semiótica 33 Peirce e a semiótica 54 Pragmatismo e abdução 65 Os signos e a sua classificação 96 Signo e abdução 167 Bibliografia 18

1 Razões de um percurso

As definições de ’signo’ que circulam nosmanuais de semiótica corrente são diversasmas não contraditórias e são muitas vezescomplementares. Para Peirce, o signo era"algo que está para alguém por algo sob

algum aspecto ou capacidade."(1897, trad.it. p. 132); definição que retraduz de modomais articulado o clássico aliquid stat pro

aliquo.

Umberto Eco, "O Signo", in EnciclopédiaEinaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa:

Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p.11-51.

Vivemos no século da comunicação. Paraalguns, como McLuhan, o nosso mundoconstituiria já uma autêntica "aldeia global",

habitada por uma "tribo planetária- possibi-litadas, uma e outra, pelas novas tecnolo-gias de informação e comunicação da "ga-láxia Marconi"...

Para outros, a sobrecarga de "informa-ção"e "comunicação"não se traduz, necessa-riamente, em maior aproximação e solidari-edade entre os homens, conduzindo antes anovas formas de individualismo e etnocen-trismo.

Seja como for, vivemos seguramente noséculo das Ciências da Comunicação.

Viver no século das Ciências da Comu-nicação significa que a comunicação, paraalém de um facto (que ninguém pode ne-gar), se tornou para nós um problema (quenão pode-mos iludir). Centradas nesse pro-blema, surgem disciplinas científicas como aSociologia da Comunicação, a Psicologia daComunicação, a História da Comunicação,etc. Cada uma dessas disciplinas delimita,no entanto, um aspecto de um objecto que dácomo constituído.

Determinar os princípios formais subja-centes à totalidade do que se entende por"comunicação", é a tarefa de uma disciplinaespecífica - a Semiótica da Comunicação.Ela deverá assegurar, em relação à Comuni-cação, o papel que Aristóteles e Kant atri-buíam à Lógica: a de "organon"ou intru-

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mento que possibilita a sistematização do co-nhecimento1.

"Comunicar"significa, etimologicamente,"pôr em comum". No processo de comuni-cação, que simplificadamente podemos en-tender como a troca de uma mensagem en-tre um Emissor e um Receptor, os Signosdesempenham um papel fundamental. SemSignos, não há mensagem, nada podemospôr em comum. Os Signos são tão importan-tes que se pode (e costuma) definir, de formaessencial, a Semiótica como a "ciência dossignos". A Semiótica da Comunicação po-deria, desta forma, ser definida como "Ciên-cia dos signos da (utilizados na) Comunica-ção"...

Um dos principais estudiosos contempo-râneos dos Signos (e um dos fundadores damoderna ciência semiótica) foi Charles San-ders Peirce (1830-1914). Considerado poralguns como sendo, porventura, o maior fi-lósofo norte-americano2, Peirce teve umavida afectiva, profissional e académica bas-tante conturbada e infeliz3.

Em matéria de obras científico-filosófiicas, a única publicada em vida,por Peirce, foi Photometric Researches, de1879, resultado do seu trabalho nos domí-nios da geodesia e da astronomia . Deixouum segundo livro terminado, The GrandLogic, e publicou vários artigos, sobre-

1António Fidalgo, Semiótica: a Lógica da Co-municação, Covilhã: Universidade da Beira Interior,1995, pp. 5-7

2J. Resina Rodrigues, "Peirce (Charles Sanders)",in Logos - Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia,Lisboa: Editorial Verbo, Volume 4, p. 38

3Para uma biografia de Peirce, ver António Fi-dalgo, "Dados biográficos de C. S. Peirce", in CharlesS. Peirce, "Como tornar as nossas ideias claras", tra-dução policopiada na Universidade da Beira Interior,1994, pp. I-V

tudo nas revistas Popular Science Monthly(1877-1878) e The Monist (1891-1893). Noentanto, a maior parte dos seus trabalhosinéditos, reunidos nos Collected Papers (em9 volumes), só foi publicada entre 1931 e1958.

Daqui resulta que muitas das teorias maisinteressantes de Peirce, nomeadamente noâmbito da Semiótica ou Lógica (disciplinasque Peirce identificava), fossem mal conhe-cidas, ou mesmo desconhecidas, até há rela-tivamente pouco tempo. À medida que es-sas teorias forma sendo "descobertas"e estu-dadas (por exemplo por autores como Eco),Peirce foi ganhando uma importância cres-cente no campo da Semiótica, da Lógica eda Filosofia em geral.

Tomando como mote a citação de Eco,este trabalho procura, fundamentalmente, es-clarecer e relacionar duas dessas teorias dePeirce: a do Signo e a da Abdução. Assim,faremos um percurso que implicará três mo-mentos, correspondendo, cada um deles, àprocura de resposta às questões que se indi-cam:

1. A Semiótica: o que é a Semiótica?como surgiu? qual a importância dePeirce nes-se surgimento? qual a con-cepção Peirceana de Semiótica?

2. O pragmatismo e a abdução: em queconsiste o pragmatismo de Peirce? oque trouxe Peirce de novo com a sua te-oria da abdução?

3. O Signo: como se construiu historica-mente a noção de Signo? como se ligaPeirce a essa história? qual a concep-ção Peirceana de Signo? como classi-fica Peirce os Signos? qual a relaçãoentre Signo e abdução?

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2 A dupla origem da semiótica

A Semiótica é uma ciência recente.Embora o projecto de construir uma "ciên-

cia dos signos"existisse desde os princípiosdo século XX, em Saussure e Peirce, podedizer-se que o aparecimento efectivo dessaciência se verifica apenas nos meados do sé-culo XX. No entanto, o estudo dos signosremonta às próprias origens do pensamentofilosófico4.

Assim, Todorov, que considera Sto Agos-tinho o primeiro dos semióticos, situa as ori-gens da Semiótica ocidental nas "tradiçõesparticulares"da semântica, da lógica, da retó-rica e da hermenêutica antigas, sendo o Crá-tilo de Platão, que viveu nos séculos V/IVAC, o melhor testemunho dessa antiguidadeda Semiótica. A consideração de Sto Agosti-nho como primeiro semiótico explica-se pelofacto de, segundo Todorov, ter sido aquelePadre da Igreja o primeiro a satisfazer os doisrequisitos fundamentais implicados na noçãode semiótica: ter como objectivo o conheci-mento, a teoria; ter como objecto de estudosignos de espécies diferentes, e não exclusi-vamente os linguísticos5.

Esta inspiração filosófica dos estudos so-bre os signos está bem patente na definiçãoque, já no século XVIII, John Locke, ao pro-por o neologismo Semiótica (do grego se-meion, "signo"ou "sinal"), para substituir apalavra Lógica, dá da "nova"ciência: "O ter-ceiro ramo (da ciência, sendo os outros doisa Física e a "Prática"ou Ética) pode ser desig-

4António Fidalgo, Semiótica: a Lógica da Co-municação, Covilhã: Universidade da Beira Interior,1995, pp. 9-11

5Tzvetan Todorov, Teorias do Símbolo, Lisboa:Edições 70, 1979 ("Origens da semiótica ocidental",pp. 15 e seguintes)

nado de semiótica, ou a doutrina dos signos;e sendo as palavras os mais vulgares, é tam-bém adequado designá-lo por lógica: o seuobjectivo é considerar a natureza dos signosque a mente utiliza para a compreensão dascoisas, ou para transmitir o conhecimento aoutrém"6.

No entanto, a Semiótica do século XX vaidemarcar-se claramente dos estudos filosófi-cos dos signos em dois aspectos fundamen-tais:

1. Na definição do estatuto epistemológicodos estudos semióticos, do lugar des-tes no contexto mais geral dos estudoscientíficos. Esta preocupação é visívelquer em Saussure (que enquadra a Se-miologia, enquanto teoria geral dos sig-nos, na Psicologia Social e esta, por suavez, na Psicologia Geral, considerando,por outro lado, a Linguística como parteda Semiologia), quer em Peirce (paraquem a Semiótica, enquanto ciência dossignos, é uma ciência geral, uma es-pécie de "matemática universal"que en-globa todas as outras ciências);

2. Na sistematização da semiótica, com asua consequente subdivisão em discipli-nas (nomeadamente, e a partir de Char-les Morris, em Sintaxe, Semântica ePragmática) e a sua compendiação es-colar (traduzida no aparecimento cres-cente de manuais de semiótica, obras deintrodução, dicionários, etc.)7.

A moderna "ciência dos signos"tem ori-gem em duas diferentes tradições, que po-

6John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Hu-mano (1706), citado em Jurgen Trabant, Elementosde Semiótica, Lisboa: Editorial Presença, 1980, p. 4

7Fidalgo, ibidem, pp. 13-16

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demos sintetizar em dois nomes: Semiolo-gia (correspondente à tradição europeia, ini-ciada por Saussure) e Semiótica (correspon-dente à tradição anglo-saxónica, iniciada porPeirce). Tendo o mesmo o radical (semeion,que se pode traduzir por "signo"ou "sinal"),as duas palavras traduzem, no entanto, duasmaneiras diferentes de entender a "ciênciados signos"8.A Semiologia aparece definida por Saussure,no Curso de Linguística Geral (editado pelaprimeira vez em 1915), da seguinte forma:"Pode portanto conceber-se uma ciência queestuda a vida dos signos no seio da vida so-cial; ela constituiria uma parte da psicologiasocial e, por conseguinte, da psicologia ge-ral; nós chamá-la-emos semiologia (do gregosemeion, signo). Ela ensinar-nos-ia em queconsistem os signos, que leis os regem. (...)A linguística não é senão uma parte desta ci-ência geral (...)."9.

Quanto à Semiótica ela é definida, porPeirce, num fragmento de 1897, nos seguin-tes termos: "Em seu sentido geral, a lógica é,como acredito ter mostrado, apenas um outronome para semiótica, a quase-necessária, ouformal, doutrina dos signos"10.

Diferentes autores têm sublinhado váriasdistinções entre estas duas tradições (e con-cepções) da "ciência dos signos". Para Edu-ardo Prado Coelho11, as distinções centram-se nos seguintes aspectos: a) Ponto de par-tida: Saussure - acto sémico como facto so-cial que relaciona dois indivíduos (emissor-

8Fidalgo, ibidem, pp. 16-17; Jurgen Trabant, ibi-dem, pp. 13-17

9Ferdinand de Saussure, Cours de LinguistiqueGénérale, Paris: Payot, 1978, p.33

10Charles Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: Edi-tora Perspectiva, 1977, p. 45

11Citado em Fidalgo, ibidem, p. 17

receptor); Peirce- ideia de semiose, queexige apenas o intérprete; b) Delimitação:Saussure - a Semiologia como parte da Psi-cologia Social (o domínio exterior a este li-mite escapa à Semiologia); Peirce - tudo ésemiotizável (Semiótica ilimitada); c) Con-cepções de Signo: Saussure - relação sig-nificado/significante; Peirce - o signo como"processo de mediação"que abre para a "in-finitude", um significante remetendo semprepara outro significante, numa cadeia intermi-nável. Na opinião de Jeanne Martinet12, adistinção fundamental reside nas diferentesconcepções de signo. Já Adriano Duarte Ro-drigues13 destaca que, enquanto a reflexãode Saussure se centra na linguagem verbal,a de Peirce centra-se nos quadros lógicos doconhecimento científico. Jurgen Trabant14

acentua, por seu lado, que a diferença fun-damental entre Semiologia e Semiótica as-senta nas diferentes tradições de que são ori-ginárias, a linguística e a filosófica: a tradi-ção linguística, dando atenção especial aossignos linguísticos, tende a ver a Semiologiacomo uma extensão analógica da Linguística(que funciona como modelo) a outros domí-nios da cultura que não a língua; a tradiçãofilosófica, dando atenção aos signos em ge-ral, e preocupando-se sobretudo com o papelda linguagem no conhecimento, tende a en-carar a Semiótica como parte de uma Teoriado Conhecimento. Bem ilustrativa da tradi-ção linguística é a posição de Roland Barthesque, ressaltando o carácter de sistema mode-lizante primário da língua, propõe, mesmo,nos Elementos de Semiologia, de 1964, in-verter a relação entre Semiologia e Linguís-

12Ibidem13Adriano Duarte Rodrigues, Introdução à Semió-

tica, Lisboa: Editorial Presença, 1991, p. 7614Trabant, ibidem, p. 13

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tica, avançada por Saussure: "Em suma énecessário admitir a partir de agora a pos-sibilidade de inverter um dia a proposiçãode Saussure: a linguística não é uma parte,mesmo privilegiada, da ciência geral dos sig-nos, é a semiologia que é uma parte da lin-guística (...)"15. Note-se que esta ideia deBartthes já está, de certa maneira, presenteno próprio Saussure, quando este afirma que"a língua, o mais complexo e difundido dossistemas de expressão, é também o mais ca-racterístico de todos; neste sentido a linguís-tica pode tornar-se o padrão geral de toda asemiologia, ainda que a língua não seja se-não um sistema particular"16.

Apesar destas diferenças, as duas tra-dições vão confluir na formação de umamesma "ciência dos signos". Deste modo,Pierre Guiraud reconhecia, nos finais da dé-cada de 70, que: "... as palavras semiologiae semiótica recobrem hoje a mesma disci-plina, sendo o primeiro termo utilizado peloseuropeus e o segundo pelos anglo-saxões"17.A essa disciplina dá-se hoje, habitualmente,o nome de Semiótica - o que denota, desdelogo, a absorção da semiologia linguísticapela semiótica filosófica18.

3 Peirce e a semiótica

Refere Abbagnano que, no que respeita à Se-miótica, Peirce "retomou a teoria estóica dosignificado, em termos que lhe deram direitode cidadania na lógica moderna."Ainda se-gundo o mesmo autor, as concepções semió-

15Roland Barthes, Elementos de Semiologia, Lis-boa: Edições 70, 1977, p. 87

16Saussure, ibidem, p. 10117Pierre Guiraud, A Semiologia, Lisboa: Editorial

Presença, 1978, p. 918Fidalgo, ibidem, p. 19

ticas de Peirce "demonstraram ser fecundasna lógica e na semiótica contemporâneas, domesmo modo que se tornaram fecundas asmúltiplas distinções e classificações de sig-nos que ele forneceu nos seus escritos."19

Para Peirce, Lógica e Semióticaidentificam-se: "Em seu sentido geral,a lógica é, como acredito ter mostrado,apenas um outro nome para semiótica, aquase-necessária, ou formal, doutrina dossignos". A Semiótica é "quase-necessária"ou"formal"no sentido em que, segundo Peirce,procede por "observação abstractiva", par-tindo dos signos particulares (do que ossignos "são"), para as afirmações gerais (oque os signos "devem ser")20.A importância que Peirce atribui à Semió-tica (Lógica) está bem patente no seguintefragmento de uma carta sua a Lady Welby:"Desde o dia em que, com doze ou trezeanos, apanhei no quarto do meu irmão umexemplar da Lógica de Whately nunca maisfui capaz de estudar o que quer que fosse- matemática, moral, metafísica, gravita-ção, termodinâmica, fonética, economia,história das ciências, homens e mulheres,vinho, metrologia - senão como estudo desemiótica"21. A Semiótica aparece, assim,concebida como uma espécie de "matemá-tica universal"que, à maneira leibniziana,abarca todas as restantes ciências22.

Como o Signo envolve a relação com trêscoisas (com o próprio signo ou representa-men, o objecto e o interpretante), a Semió-tica tem três ramos:

19Nicola Abbagnano, História da Filosofia, Lisboa:Editorial Presença, Vol. XIII, 1979, pp. 9-11

20Ver nota 1021Rodrigues, ibidem, pp. 89-9022Fidalgo, ibidem, p. 14

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1. Gramática Pura (segundo Peirce, DunsEscoto chamava-lhe grammatica specu-lativa) - "a sua tarefa é determinar o quedeve ser verdadeiro quanto ao represen-tamen utilizado por toda a inteligênciacientífica a fim de que possa incorpo-rar um significado qualquer". SegundoSebeok, é a teoria geral da relação derepresentação e dos vários tipos de sig-nos.

2. Lógica Pura (ou Crítica) - "ciência doque é quase necessariamente verdadeiroem relação aos representamen de toda ainteligência científica a fim de que pos-sam aplicar-se a qualquer objecto, istoé, a fim de que possam ser verdadeiros.(...) ciência formal da verdade das re-presentações.". Segundo Sebeok, com-preende a teoria unificada da dedução,da indução e da retrodução (inferênciahipotética ou abdução).

3. Retórica Pura (ou Especulativa) - "o seuobjectivo é o de determinar as leis pelasquais, em toda a inteligência científica,um signo dá origem a outro signo e, es-pecialmente, um signo acarreta outro.".Segundo Sebeok, refere-se à eficácia dasemiose23.

Esta tripartição da Semiótica viria a serretomada por Charles Morris em 1938, nassuas "Foundations of the Theory of Signs".Morris substitui as designações de Peirce pe-las de Sintaxe (que trata da relação formaldos signos uns com os outros), Semântica

23Peirce, ibidem, p.46; Thomas Sebeok(Org.),Enciclopedic Dictionary of Semiotics, Berlin, NewYork, Amsterdam: Mouton de Gruyter, 2ž volume,p. 693; Rodrigues, ibidem, p. 94

(que trata da relação entre os signos e os ob-jectos a que se aplicam) e Pragmática (quetrata da relação entre os signos e os intérpre-tes). Como sabemos, Sintaxe, Semântica ePragmática constiuem, hoje em dia, os trêsgrandes domínios da Semiótica24.Peirce distingue, ainda, entre Semiótica ge-ral e "ciências psíquicas"(a que, mais pro-priamente, poderíamos chamar "ciências se-mióticas"), em que inclui as ciências psico-lógicas e sociais, a linguística, a história, aestética, etc.25.

4 Pragmatismo e abdução

4.1 A máxima pragmatistaCharles Sanders Peirce consta, nas Históriasda Filosofia, como um dos fundadores dopragmatismo.O pragmatismo é, segundo Abbagnano, "aforma que foi assumida, na filosofia contem-porânea, pela tradição clássica do empirismoinglês", na sequência de Locke, Hume e Stu-art Mill. Ainda segundo o mesmo autor,o pragmatismo constitui "o primeiro contri-buto original dos Estados Unidos da Amé-rica para a filosofia ocidental". Assentandoambos na noção de "experiência", empirismoclássico e pragmatismo diferem, no entanto,em relação à maneira como entendem essanoção. Assim, enquanto o empirismo clás-sico entende "experiência"como experiênciapassada (e, como tal, constituindo um "pa-trimónio limitado que pode ser inventari-

24Charles Morris, "Fundamentos da Teoria dos Sig-nos", tradução policopiada na Universidade da BeiraInterior (Tradução de António Fidalgo), 1994, p.7;Rodrigues, ibidem, pp. 94-95; Bertil Malmberg, LesNouvelles Tendances de la Linguistique, Paris: PUF,1972, p. 192

25Sebeok, ibidem, pp. 693-694

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ado e sistematizado de forma total e defini-tiva"), o pragmatismo entende a experiênciacomo abertura para o futuro, "posibilidadede fundamentar a previsão": uma verdadeé-o não em confronto com uma experiênciapassada, mas em relação com o seu possíveluso futuro. A previsão desse possível uso fu-turo (limites, condições, efeitos) é o signifi-cado dessa verdade. Nesse sentido, segundoAbbagnano, a tese fundamental do pragma-tismo é "a de toda a verdade é uma regrade acção, uma norma para a conduta futura,entendendo-se por "acção"e por "conduta fu-tura"toda a espécie ou forma de actividade,quer seja cognoscitiva quer seja emotiva.".O pragmatismo vai assumir duas formas fun-damentais: a metafísica (incluindo, entre ou-tros, William James), que procura constituir-se como uma teoria da verdade e da reali-dade; e a metodológica (fundada por Peircee incluindo também Mead e Dewey). Paradistinguir esta segunda forma da primeira,Peirce propõe mesmo um novo termo, "prag-maticismo", que no entanto acabou por nãovingar. 26

É dentro deste quadro geral que devem serentendidas as afirmações de Peirce no ar-tigo "Como tornar as nossas ideias claras",de 1878. Neste artigo o pragmatismo apa-rece concebido como um método lógico declarificação de ideias, pondo em causa o mé-todo cartesiano baseado na clareza e na dis-tinção. A crítica central de Peirce ao métodocartesiano reside na tese de que não é possí-vel distinguir entre uma ideia que apenas pa-rece clara e distinta e outra que o é efectiva-mente. Contestando a teoria inatista de Des-cartes (retomada, posteriormente, por Leib-niz), Peirce observa que "...o mecanismo da

26Abbagnano, ibidem, pp. 7-9

mente só pode transformar conhecimento,mas nunca originá-lo, a menos que alimen-tado com factos de observação"27. Comopodemos, então, estar seguros da clareza deuma ideia? Para responder a esta questão,Peirce avança a sua concepção do pensa-mento como "engenharia". O pensamento écomparado, por Peirce, à "linha de uma me-lodia através da sucessão das nossas sensa-ções"28: enquanto os sons são o imediata-mente percebido, o pensamento é uma su-cessão ordenada de ideias, mediada por essassensações e orientada para uma certa função.Essa função é a produção de uma crença.A crença tem três propriedades, segundoPeirce: é algo de que nos damos conta; sos-sega a irritação do pensamento (provocadapela dúvida); implica a determinação, nanossa natureza, de uma regra de acção ouhábito (por "hábito"deve entender-se, aqui, oconjunto de acções, tanto reais como possí-veis, que se baseiam numa crença). No en-tanto, a acção com base numa determinadacrença produz uma nova dúvida, e esta novopensamento; assim, a crença, sendo lugar deparagem, é também lugar de recomeço parao pensamento. Sendo a essência da crençaa produção de um hábito, as diferentes cren-ças distinguem-se pelos diferentes modos deacção a que dão origem. Parafraseando umexemplo de Fidalgo, se eu acreditar que umobjecto é um garfo, então servir-me-ei delepara levar à boca alimentos sólidos; mas, sefor chinês, por exemplo, e acreditar que setrata de um anchinho, utilizá-lo-ei para tratar

27Charles Sanders Peirce, "Como tornar as nossasideias claras", tradução policopiada na Universidadeda Beira Interior (Tradução de António Fidalgo),1994, p. 7; sobre este artgo, ver comentário deFidalgo, ibidem, pp. 43-49, que seguimos aqui.

28Ibidem, p. 15

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das flores.Portanto, e ao contrário do que pretendiaDescartes, a "clareza das ideias"não resultadas ideias inatas, mas da aplicação de umamáxima pragmatista, que Peirce formula daseguinte maneira: "Considera quais os efei-tos, que podem ter certos aspectos práticos,que concebemos que o objecto da nossa con-cepção tem. A nossa concepção dos seusefeitos constitui a nossa concepção do ob-jecto."O que significa que a nossa ideia (sig-nificado) de um objecto é a ideia dos efeitossensíveis que concebemos que esse objectotem29.

4.2 A lógica da abduçãoAs sete conferências que Peirce fez emHarvard, em 1903, a convite de WilliamJa-mes, procuram dar uma resposta lógica(e não psicológica) ao problema da má-xima pragmatista, formulado nos seguintestermos: "Qual é a prova de que os efei-tos práticos de um conceito constituem asoma total do conceito?". A resposta aeste problema leva Peirce a afirmar que aquestão do pragmatismo não é mais que aquestão da abdução30. Para "afiar"a máximapragmatista, Peirce propõe as seguintesproposições "cotárias"(do latim cotis, afiar):

1. "Nada está no intelecto que primeironão tenha estado nos sentidos": esteprincípio aritotélico significa, paraPeirce, que nenhuma ideia, seja de que

29Ibidem, p. 1730Sobre "Pragmatismo e abdução", ver Charles

Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: EditoraPerspectiva, 1977, pp.225-237; ver também exposi-ção de Fidalgo, pp. 49-5

tipo for, se encontra na mente sem terpassado primeiro por um juízo percep-tivo, ou seja, o juízo perceptivo é a fontedo conhecimento. No entanto, estaconcepção coloca o seguinte problema:sendo os juízos perceptivos juízos par-ticulares, como se passa deles para osconceitos e juízos universais? Este pro-blema leva Peirce à segunda proposiçãocotária.

2. Os juízos perceptivos contêm elemen-tos gerais: embora os juízos percepti-vos sejam singulares, a nível do sujeito("Esta mesa é...) eles não deixam de en-volver a generalidade, a nível do predi-cado (....verde"), possibilitando, assim,a dedução de proposições gerais. Comose faz a introdução da generalidade nosjuízos perceptivos? Pelo tipo de racio-cínio a que Peirce chama abdução.A Lógica e a Teoria do Conhecimentotradicionais distinguem dois tipos de ra-ciocínio: a dedução (prova que algodeve ser, é uma inferência necessáriaque extrai uma conclusão contida emcertas premissas, cuja verdade deixa, noentanto, em aberto) e a indução (provaque algo realmente é, é uma inferên-cia experimental que não consiste emdescobrir, mas em confirmar uma teoriaatravés da experimentação - e que, por-tanto, não cria algo de novo). A criaçãoquer das premissas (fundamentoras dadedução) quer das teorias (fundamento-ras da indução), é, deste modo, exterioraos dois tipos tradicionais de raciocínio,e reside na abdução. A abdução, queprova que algo pode ser, é uma infe-rência hipotética, é o verdadeiro métodopara a criação de novas hipóteses ex-

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plicativas. O modelo da inferência ab-dutiva pode ser traduzido da forma se-guinte: "Um facto surpreendente, C, éobservado. Mas, se A fosse verdadeiro,C seria natural. Donde há razão parasuspeitar que A é verdadeiro"31.Mas como entra, através da abdução,a generalidade nos juízos perceptivos?Esta questão conduz-nos à terceira pro-posição cotária.

3. A inferência abdutiva transforma-se nojuízo perceptivo sem que haja uma linhaclara de demarcação entre eles: os juí-zos perceptivos são casos extremos deinferências abdutivas. A percepção temsempre, segundo Peirce, um fundo ab-dutivo e interpretativo, não se limita aser um mero "dado". Seja o seguinteexemplo de juízo perceptivo, feito numlindo dia de sol: "Está a cair água dotelhado". A partir deste juízo percep-tivo, várias inferências abdutivas sãopossíveis, por exemplo: "Alguém estáa deitar água no telhado"ou "A neveacumulada no telhado está a derreter".Enquanto a inferência abdutiva admitesempre a possibilidade de ser negada(para afirmarmos uma outra), no casodos juízos perceptivos não nos é possí-vel conceber a sua negação ("prova dainconceptibilidade"). Como distinguir,de entre a infinidade de hipóteses expli-cativas de um fenómeno teoricamentepossíveis, as que são admissíveis e asque não o são? A resposta a esta per-gunta reside na máxima pragmatista - éela que nos fornece o critério de admis-sibilidade das hipóteses explicativas. Éneste sentido que, segundo Peirce, a

31Peirce, ibidem, p. 229

questão do pragmatismo é a questão daabdução. Só são admissíveis as hipóte-ses das quais podemos conceber deter-minados efeitos práticos sensíveis, quevão guiar a conduta de quem as formu-lou. Assim entendida, a máxima pra-gamatista pode formular-se do seguintemodo: "uma concepção não pode terefeito lógico algum, ou importância adiferir do efeito de uma segunda con-cepção, salvo na medida em que, to-mada em conexão com outras concep-ções e intenções, poderia concebivel-mente modificar a nossa conduta práticade um modo diverso do da segunda con-cepção"32.

5 Os signos e a sua classificação

5.1 História breve de umconceito

Sendo a Semiótica a "doutrina ou ciência dossignos", a noção central desta disciplina é,obviamente, a noção de Signo.Apesar de, segundo Morris, ser muito pos-sível "que os signos nunca tivessem sido es-tudados tão intensamente, por tantas pessoase de tantos pontos de vista, como nos nos-sos dias", interessando a linguistas, filóso-fos, biólogos, antropólogos, psicopatologis-tas, estetas e sociólogos33, não é fácil en-contrar uma definição de signo que toda agente aceite. Dessa precisa dificuldade dãoconta os dicionários correntes. A título deexemplo, Eco, em O Signo, refere a existên-cia de 20 acepções diferentes da palavra, emtrês Dicionários da Língua Italiana consulta-

32Peirce, ibidem, p. 23233Morris, ibidem, p. 3

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dos34.Correspondendo ao grego semeion (que tam-bém se pode traduzir por "sinal"), e ao la-tino signum ( que também significa "marca","entalhe"), a definição clássica de signo dá-ocomo aliquid stat pro aliquo (uma coisa queestá por outra coisa). Esta definição do signopressupõe dois planos, que Trabant exempli-fica assim: coisa 1 - coisa 2, fumo - fogo,tabuleta do artesão - artesão, palavras - coi-sas e conceitos. No entanto, este esquema,que funciona perfeitamente no que se refereàs linguagens ditas artificais, da lógica e damatemática (em que há uma correspondênciaperfeita entre a coisa que significa e a coisasignificada), torna-se complicado nas lingua-gens naturais, levantando uma série de pro-blemas, de que Trabant destaca os dois se-guintes: a relação ou conexão entre a coisa 1e a coisa 2 é arbitrária, convencional, imoti-vada ou necessária, natural, motivada? a re-lação entre o signo e a coisa a que o signose refere é directa ou é feita através de umconceito? 35 A estes problemas acrescentaEco os seguintes: qual a unidade sígnica mí-nima? como classificar os signos? qual arelação entre signo e inferência (lógica)?36

Não pretendendo fazer aqui uma histó-ria do conceito de signo37, referiremos, noentanto, que semeion aparece como termotécnico-filosófico no século V AC, com Par-ménides e Hipócrates, sendo muitas vezestomado como sinónimo de tekmerion, que se

34Umberto Eco, O Signo, Lisboa: Editorial Pre-sença, 1981, pp. 13 e segs

35Trabant, ibidem, pp. 22 e segs36Ver Eco, ibidem, pp. 27-6737Para isso, ver Umberto Eco, "O Signo", in En-

ciclopédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa: Im-prensa Nacional - Casa da Moeda, 1994, pp. 11-51,de que seguimos aqui algumas linhas essenciais

pode traduzir por "prova", "indício"ou "sin-toma"(a distinção clara entre os dois termossó surge na Retórica de Aristóteles).

Mas Hipócrates, enquanto médico, nãoestá interessado no signo linguísitico, o ter-mo semeion não se aplica às palavras ouonoma. Parménides, por seu lado, distin-gue entre onomaxein, como nome arbitrário,tomado por verdadeiro, quando não corres-ponde à verdade (o nome é uma etiqueta fa-laciosa, ocultadora) e semeion, como provaevidente, princípio de inferência que conduzà via do Ser.

Platão e Aristóteles vão distinguir, no quese refere às palavras, entre significado e sig-nificante, e sobretudo entre significação e re-ferência. No entanto, Aristóteles não usa, ha-bitualmente, a palavra semeion para se refe-rir às palavras (a que se refere normalmentecomo symbolon). Os signos (semeia), referi-dos na Retórica, são uma das fontes dos enti-memas ( a outra são os eikota ou verosímeis).Os signos são distinguidos em duas catego-rias: o tekmerion, no sentido de "prova",que poderíamos traduzir por "signo necessá-rio"ou "forte"("se tem febre, então está do-ente"), governado pela relação de implica-ção e indo do universal para o particular; e o"signo fraco"("se tem a respiração alterada,então tem febre"), a que Aristóteles não dáum nome particular, governado pela relaçãode conjunção e indo do particular para o par-ticular.

Os Estóicos, apesar da articulação dasua semiótica, ainda não vão unificar, deforma clara, a doutrina da linguagem ver-bal e a doutrina dos signos. No quese refere à linguagem verbal, os Estói-cos distinguiam entre "expressão"( semai-non), "conteúdo"(semainomenon) e "refe-rente"(tynchanon). Apesar de parecem re-

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produzir a tríade já sugerida em Platão eAristóteles, na opinião de Eco trabalham-nade forma mais elaborada do que muitos dosseus imitadores subsequentes, mesmo con-temporâneos. Quanto aos signos, os Estói-cos distinguem entre signos comemorativos(que associam dois eventos observáveis, porexemplo "fumo"e "fogo") e signos indicati-vos (em que o signo remete para algo nãoobservável, por exemplo "o riso"que remetepara "o contentamento"). Em qualquer doscasos, é central a noção de inferência, feitacom base na associação que resulta da expe-riência (p => q). Mas o signo (p), de que seretira a inferência (q), não é um evento físico,mas a proposição em que se exprime (não "ofumo"mas "Ali há fumo"; não "o riso"mas"O João está a rir"). O signo é uma proposi-ção antecedente ( "Se ali há fumo..."; "Se oJoão está a rir...") que revela um consequente("...então há fogo"; "...então está contente").A semiótica estóica une, assim, doutrina dalinguagem e doutrina dos signos (embora osEstóicos ainda não digam que as palavras sãosignos): todo o signo se revela como umaproposição, toda a proposição implica, nasua organização, a utilização da sintaxe ló-gica que regula os signos, e que só se tornavisível através da sintaxe linguística. Poder-se-ia dizer que, para os Estóicos, a línguaaparece como sistema modelizante primário(Lotman).

No entanto, será só com Sto Agostinhoque, segundo Eco, se fará a união defini-tiva entre teoria dos signos e teoria da lin-guagem, aparecendo os signos linguísticoscomo uma espécie ( entre outras espécies,como as dos letreiros, dos gestos, dos sinaisostensivos) do género signo. Quanto à no-ção de signo, Sto Agostinho dá duas defi-nições que contemplam quer a sua dimen-

são semântico-representativa quer a sua di-mensão comunicacional (representando, estaúltima, uma novidade em relação aos Es-tóicos): "Um signo é o que se mostra a simesmo ao sentido, e que, para além de si,mostra ainda alguma coisa ao espírito"e "Apalavra é o signo de uma coisa que podeser compreendida pelo auditor quando é pro-ferida pelo locutor". Em vez dos três ele-mentos referidos pelos Estóicos, Sto Agosti-nho indica quatro elementos constitutivos dosigno: a palavra (verbum), o exprimível (di-cibilis), a expressão (dictio) e a coisa (res),ainda que verbum e dictio pareçam poder sertomados como sinónimos, referindo-se o pri-meiro ao aspecto comunicativo e o segundoao aspecto semântico-referencial do signo38.

A esta concepção triádica do signo, pro-fundamente radicada na tradição filosófica,vai opor-se claramente Saussure (e a tradiçãoque dele emana). Saussure define o signo(linguístico) da seguinte forma: "O signolinguístico une não uma coisa e um nome,mas um conceito e uma imagem acústica.Esta última não é o som material, coisa pu-ramente física, mas a marca psíquica dessesom, a representação que dela nos dá o teste-munho dos nossos sentidos; ela é sensorial,e se nos acontece chamar-lhe "material", éapenas neste sentido e por oposição ao outrotermo da associação, o conceito, geralmentemais abstracto"39. O signo apresenta, assim,uma dupla face: significante ("imagem acús-tica") e significado ("conceito"), excluindo-se claramente o referente (e, em consequên-cia, pelo menos assim o pensava Saussure,

38Fidalgo, ibidem, pp. 12-13. Saussure, ibidem, p.98

39Saussure, ibidem, p. 98

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a concepção da língua como nomenclatura,ligando palavra-coisa).

O que, de facto, Saussure também pre-tendia eliminar eram os problemas filosófi-cos (lógicos e gnoseológicos) colocados pelaconcepção triádica do signo. Problemas cla-ramente levantados (e tornados incontorná-veis) pelo artigo de Frege sobre o significado(sinn) e a referência (bedeutung), de 1892,em que este lógico e filósofo procura, nome-adamente, distinguir entre a dimensão refe-rencial e a dimensão significativa dos signos.Limitando-nos a um exemplo de Frege: "Aestrela da manhã"e "A estrela da tarde"têmdiferentes significados (entendendo-se por"significado"o modo segundo o qual o ob-jecto se apresenta à mente), embora tenhama mesma referência (entendendo-se por "re-ferência"o objecto ou a classe de objectos aque se refere o signo, neste caso o planetaVénus). Pode, por outro lado, haver signifi-cados a que não corresponda nenhuma refe-rência, como no caso de "O corpo mais afas-tado da Terra"40.

A concepção Peirceana do signo é clara-mente herdeira da tradição lógico-filosófica(estóica e agostiniana) do signo e ultra-passa, claramente, a concepçao Saussurianado mesmo. Foi inspirando-se nos trabalhosde Peirce que C.K. Ogden e I.A. Richards, nasua obra The Meaning of Meaning, de 1923,propuseram o seu célebre "triângulo semió-tico"(incluindo os seguintes termos: Sym-bol, Thought or reference e Referent41), quese constitui como um dos conceitos de baseda Semiótica contemporânea.

40Fidalgo, ibidem, pp. 27-3241Malmberg, ibidem, p. 191

5.2 A concepção peirceana designo

Sobre a importância que atribui aos signos,escreve Peirce numa carta a Lady Welby:"Gostaria de lhe escrever a respeito dos sig-nos que, para si como para mim, têm tãogrande importância. Mais para mim do quepara si, julgo eu. É que, penso eu, o maiselevado grau de realidade só é alcançado pe-los signos, isto é, por ideias tais como a Ver-dade e o Direito e outras. Isto parece parado-xal; mas quando lhe expressar inteiramentea minha teoria dos signos, parecer-lhe-á me-nos"42.

São diversas, quanto à forma, as defini-ções que, em vários passos da suas obra,Peirce dá de Signo. Vejamos quatro das maisimportantes:

1. "Um signo, ou representamen, é aquiloque, sob certo aspecto ou modo, repre-senta algo para alguém. Dirige-se a al-guém, isto é, cria na mente dessa pes-soa um signo equivalente, ou talvez umsigno mais desenvolvido. Ao signo as-sim criado denomino interpretante doprimeiro signo. O signo representa al-guma coisa, seu objecto. Representaesse objecto não em todos os seus as-pectos, mas com referência a um tipo deideia que eu, por vezes, chamei funda-mento do representamen. "Ideia"deveser aqui entendida num certo sentidoplatónico..."43.

2. "Um Signo é tudo aquilo que está re-lacionado com uma Segunda coisa, seu

42Peirce, citado em Rodrigues, ibidem, p. 8543Charles Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: Edi-

tora Perspectiva, 1977, p. 46

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Objec-to, com respeito a uma Quali-dade, de modo tal a trazer uma Terceiracoisa, seu In-terpretante, para uma rela-ção com o mesmo Objecto, e de modotal a trazer uma Quarta para uma relaçãocom aquele Objecto na mesma forma,ad infinitum. Se a série é inter-rompida,o Signo, por enquanto, não correspondeao carácter significante perfeito."44

3. "Um Signo, ou Representamen, é umPrimeiro que se coloca numa relaçãotriádica genuína tal com um Segundo,denominado seu Objecto, que é capazde determinar um Terceiro, denomi-nado seu Interpretante, que assume amesma relação triádica com seu Ob-jecto na qual ele próprio está em relaçãocom o mesmo Objecto."45

4. Signo: "qualquer coisa que conduz al-guma outra coisa (seu interpretante)a referir-se a um objecto ao qual elamesma se refere (seu objecto) de modoidêntico, transfor-mando-se o interpre-tante, por sua vez, em signo, e assimsucessivamente, ad infinitum. (...) Sea série de interpretantes sucessivos vema ter fim, em virtude desse facto o signotorna-se, pelo menos, imperfeito."46

Estas definições permitem identificar, natríplice relação que é o Signo, três elemen-tos:a) o Signo propriamente dito ou represen-tamen (Morris chamar-lhe-á "veículo síg-nico"): é "aquilo que representa"; b) o In-terpretante ou "imagem mental": é o signo

44Ibidem, p. 2645Ibidem, p. 6346Ibidem, p. 74

criado na mente de alguém (o "intérprete")pelo representamen; c) o Objecto: é aquilo(algo) que é representado (porque este Ob-jecto é representado, pelo signo, não na suatotalidade, mas de um certo ponto de vista,em relação apenas a determinados aspectos,Peirce refere-se-lhe também como "funda-mento"do representamen. Assim, para recor-rermos a um exemplo, se eu me quiser sentare disser a um amigo: "Passa-me aí a cadeira","cadeira"é visada como "objecto em que meposso sentar", e não por exemplo como "ob-jecto que tem efeitos decorativos").Nas definições anteriores assumem especialrelevância as seguintes relações :a) Relação entre o Signo (representamen) eo Objecto: Peirce diz que o primeiro "repre-senta", "está relacionado com", "coloca-senuma relação com", "refere-se a"o segundo.No entanto, a relação do Signo com este Ob-jecto incide sempre e apenas num certo "as-pecto", "modo"ou "qualidade"do Objecto,não na totalidade do Objecto (daí que Peircefale, na 2a definição, em "fundamento do re-presentamen").Estas duas maneiras de entender o Objectolevam Peirce a distinguir entre Objecto Ime-diato e Objecto Dinâmico. O que o Signo ex-prime imediatamente é o Objecto Imediato,mas para dar conta de um Objecto Dinâmico;por outras palavras: o Objecto Imediato é omodo (sempre incompleto, por vezes incor-recto) como o Objecto Dinâmico (a "coisaem si") é dado pelo Signo ("para mim")47.b) Relação entre o Signo (representamen) eo Interpretante: Peirce diz que o primeiro"cria", "traz", "determina", "conduz a"o se-

47Umberto Eco, "O Significado", in EnciclopédiaEinaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa: Imprensa Nacio-nal - Casa da Moeda, 1994, p. 80; Sebeok, ibidem, p.680

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gundo. Estabelecer o significado de umSigno é representar o seu Objecto Imedi-ato, traduzindo-o através de um Interpre-tante. Nas palavras de Peirce, "o significadode um signo é o signo no qual ele deve sertraduzido. (...) a tradução de um signo nou-tro sistema de signos"48.Nisto consiste, segundo Eco, o processo desemiose ilimitada, descrito e fundado porPeirce, e bem explícito nas definições 2 e4: não há modo de estabelecer o significadode uma expressão, de a interpretar, sem sertraduzindo-a noutros signos (interpretantes),pertencentes ou não ao mesmo sistema se-miótico. Para ilustrar este processo, Eco dá oseguinte exemplo: /gato/ significa (pode sig-nificar) a imagem visual de gato, a definição("Gato é um mamífero que mia"), a inferên-cia ("Se gato, então animal que mia quandolhe pisam a cauda"), etc. Mas, por seu lado,cada um destes interpretantes pode, por suavez, ser Signo que leva a outras interpreta-ções, ad infinitum, segundo Peirce...A fecundidade da noção Peirceana de In-terpretante reside, na opinião de Eco, nosseguintes aspectos: descreve o único modocomo os seres humanos estabelecem, estipu-lam e reconhecem os significados dos signosque usam; mostra a "circularidade"dos pro-cessos semióticos (a referência de um signoa outros signos ou a outras cadeias de sig-nos); os Interpretantes são dados objectivosque não dependem das representações men-tais dos sujeitos e são colectivamente verifi-cáveis nas enciclopédias, nas intertextualida-des, nas "bibliotecas"49.

48Peirce, citado em Eco, ibidem, p. 8049Eco, ibidem, pp. 79-80; ver igualmente Sebeok,

ibidem, pp. 675-679

5.3 A classificação dos signosA classificação dos signos é um dos proble-mas que a Semiótica ainda não conseguiuresolver de forma totalmente satisfatória.A prova disso são as sucessivas classifica-ções, mais ou menos inspiradas em Peirce,tentadas por Eco50. Segundo este autor,o único pensador que, até hoje, tentouuma classificação global dos signos foiPeirce, tendo no entanto a sua classificaçãoficado incompleta. Apesar disso, muitasdas distinções feitas por Peirce ganharamdireitos de cidadania na Semiótica51 e, porisso, importa fazer aqui a sua análise, aindaque sumária.Peirce distinguiu três grandes divisõesternárias ou tricotomias, a partir das quais épossível obter dez classes de signos. Assim,teoricamente, o número possível de tiposde signos seria de 310 = 59 049! Dessenúmero, no entanto, apenas sessenta e seisclasses serão significativas.Os signos podem ser classificados a partir detrês pontos de vista: Signo em si, rela-ção doSigno com o Objecto e relação do Signo como Interpretante. Obtêm-se, assim, as trêstricotomias e as nove categorias seguintes:

• Signo em si: Qualisigno (Tone), Sin-signo (Token), Legisigno (Type);

• Signo em relação com o Objecto: Ín-dice, Ícone e Símbolo;

50Essas tentativas de classificação constam do livroO Signo e do Artigo "O Signo"(ver Bibliografia)

51 Ver, por exemplo, Jeanne Martinet, Chaves paraa Semiologia, Lisboa: Publicações D. Quixote,1983, que distingue entre "tipo"e "ocorrência"e clas-sifica os signos em índices, ícones e símbolos

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• Signo em relação com o Interpretante:Rema, Dicisigno, Argumento.

Da combinação destas categorias derivamdez classes de signos (as outras combina-ções teoricamente possíveis não têm signi-ficado), que nos dispensaremos de analisaraqui52. Classes que, no entanto, nem sempreé fácil saber como aplicar. Como diz Peirce,"é um terrível problema dizer a que classeum signo pertence"53.

Vejamos, a maneira como Peirce define,num texto de 1903, cada uma das nove cate-gorias anteriores (indica-se, entre parêntesis,a respectiva exemplificação e/ou interpreta-ção):

• Qualisigno (Tone): "é uma qualidadeque é um Signo"(tom de voz, vestuário,etc);

• Sinsigno (Token ou "ocorrência"): "éuma coisa ou evento existente e real queé um Signo"(por exemplo, todos os /o/deste texto);

• Legisigno (Type ou "tipo"): "é umalei que é um Signo"(traduz-se nos sin-signos, que são as suas "ocorrências";exemplo: o artigo definido "o", que setraduz nos /o/ deste e de outros textos);

• Ícone: "é um signo que se refere aoObjecto que denota apenas em virtudedos seus caracteres próprios, caracte-res que ele igualmente possui quer umtal Objecto realmente exista ou não";"qualquer coisa, seja uma qualidade,um existente individual ou uma lei, é

52Encontram-se descritas em Umberto Eco, OSigno, Lisboa: Editorial Presença, 1981, pp. 66-67

53Eco, ibidem, p. 67

Ícone de qualquer coisa, na medida emque for semelhante a essa coisa e utili-zado como um seu signo"(inclui, comosub-categorias, as imagens, os diagra-mas e as metáforas; exemplos: foto-grafias, desenhos, diagramas, fórmulaslógicas e algébricas, imagens mentais,etc.);

• Índice: "é um signo que se refereao Objecto que denota em virtudede ser realmente afectado por esseObjecto"(funda-se não na semelhança,como o Ícone, mas na conexão físicacom o Objecto; exemplos: dedo apon-tado para um objecto, catavento, fumocomo sintoma do fogo, pronome /este/,referido a um objecto, os quantificado-res lógicos, etc.);

• Símbolo: é um signo que se refereao Objecto que denota em virtude deuma lei, normalmente uma associaçãode ideias gerais que opera no sentidode fazer com que o Símbolo seja inter-pretado como referindo-se àquele Ob-jecto"(exemplos de Peirce: todas as pa-lavras, frases, livros e outros signosconvencionais);

• Rema (Termo): "é um Signo que , parao seu Interpretante, é um Signo de Pos-sibilidade qualitativa, ou seja, é enten-dido como representando esta e aquelaespécie de Objecto possível"(é ou umtermo simples, ou uma descrição, ouuma função; por exemplo: "Sócrates","alto", "e", etc.);

• Dicisigno (Proposição): "é um Signoque, para o seu Interpretante, é um

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Signo de existência real"(uma propo-sição como, por exemplo, "Sócrates émortal");

• Argumento: "é um Signo que, para oseu Interpretante, é Signo de lei (é umraciocínio complexo, por exemplo umsilogismo)54.

Para percebermos melhor o funciona-mento daquela que Peirce considera ser "amais importante divisão dos signos", em Íco-nes, Índices e Símbolos, vejamos os seguin-tes exemplos de Peirce - que mostram como,na linguagem do quotidiano, Símbolos, Íco-nes e Índices se relacionam:

Exemplo 1. Um homem, que caminhacom uma criança, levanta o braço para oar e aponta, dizendo: "Lá está um balão".A criança pergunta: "O que é um balão?".Responde o homem: "É parecido com umagrande bolha de sabão".

Neste exemplo verifica-se que: o braçoapontado para o ar funciona como um Índice(denota um individual), a bolha de sabão fun-ciona como um Ícone, e as palavras funcio-nam como Símbolos.

Exemplo 2. Se eu digo "Todo o homemama uma mulher", isto equivale a dizer "Tu-do o que for homem ama algo que é mulher".

Neste exemplo verifica-se que: "tudoo que"(quantificador universal) e "algoque"(quantificador particular) funcionamcomo Índices; "for homem", "ama"e"mulher"funcionam como Símbolos.

Exemplo 3. A diz a B: "Há um fogo". Bpergunta: "Onde?". Responde B: "A cercade mil metros daqui".

54Charles Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: Edi-tora Perspectiva, 1977, p. 51 e sgs.; ver também Eco,ibidem, pp. 29-30, 51-52

Neste exemplo, "metros"e "da-qui"funcionam como Índices, e os restantessignos como Símbolos.

Sobre a relação entre Índices, Ícones eSímbolos, Peirce diz ainda que ela estápresen-te em qualquer proposição, sendo im-possível encontrar uma proposição, por maissimples que seja, que não faça apelo a pelomenos dois destes tipos de signos.

Especialmente importante é o papel quePeirce atribui ao Ícone, que considera aúnica maneira de comunicar directamenteuma ideia, levando a que todo o métodode comunicação indirecta de uma ideia devepassar pelo uso de um Ícone. Assim, toda aasserção deve conter um Ícone ou um con-junto de Ícones, ou signos cujo significadosó seja explicável por Ícones. No dizer dePeirce, o Predicado de uma asserção é "aideia significada por um conjunto de ícones(ou o equivalente a um conjunto de ícones)contido numa asserção"55.

De qualquer modo, só num determinadocontexto podemos determinar se um signofunciona como um Índice, um Ícone ouum Símbolo (por exemplo: o fumo tantopode significar fogo, como nevoeiro, como"aproxima-se um rosto-pálido", no caso dos"sinais de fumo"...)56.

6 Signo e abdução

Com a sua teoria da abdução, Peirce vai rom-per com os paradigmas referencialista e idea-cionista do Signo, ambos baseados na noçãode equivalência (ou entre signo-refe-renteou entre significante-significado). Trata-se,

55Peirce, ibidem, p. 6456Sobre a relação entre estes tipos de signos, ver

Peirce, ibidem, pp. 71-75

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agora, de substituir a noção de equivalênciapela de implicação: "Um signo é algo atravésdo qual nós conhecemos algo mais"57.

Se o signo fosse uma simples relação deequivalência, a sua descodificação seria ummero processo dedutivo (da regra geral parao resultado), como se verifica nas equivalên-cias das semias substitutivas: "/.-/ está sem-pre por /a/; dá-se o caso que /.-/ ; logo, /a/ ".O que, manifestamente, não acontece.

Assim, se não conhecermos o significadode um signo, e tivermos de obtê-lo a partirde experiências sucessivas, o processo pare-cerá indutivo (partindo dos resultados parti-culares para a regra geral). Para darmos umexemplo: "cada vez que o nativo (que falauma língua desconhecida) pronuncia a ex-pressão /x/, indica o objecto ’y’ (resultados);então, a expressão /x/ significa, provavel-mente, "y"(regra). No entanto, este processosó aparentemente é indutivo: a repetição daexperiência, por si só, não basta para relacio-narmos /x/ e "y"; exige-se um "quadro de re-ferência"ou "regra metassemiótica"("quandoo nativo aponta o objecto "y"está a indicaro significado de /x/") que possibilite a pas-sagem do signo para o seu significado; ora,a descoberta desse "quadro de referência"sóse pode efectuar por abdução.

O mesmo acontece aquando da descodi-ficação de signos que possam pertencer aduas línguas diferentes: /cane!/ pode signifi-car quer "canta!", em latim, quer um insulto,em italiano. Sem a suposição (abdutiva) doquadro de referência do código linguístico,é impossível decidir qual das alternativas écorrecta.

57Peirce, citado em Umberto Eco, "O Signo", inEnciclopédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo), Lisboa: Im-prensa Nacional - Casa da Moeda, 1994, p. 39

Usamos igualmente a abdução quando in-terpretamos figuras retóricas, vestígios, sin-tomas, indícios, o valor de uma palavra-chave ou de um episódio num texto, etc. Noentanto, essa interpretação (como qualquerhipótese abdutiva) pode sempre falhar, já queela representa "o propósito, a tentativa arris-cada, de um sistema de regras de significaçãoà luz das quais um signo adquirirá o seu sig-nificado"58.

Um dos exemplos clássicos de abdução(no domínio dos "signos naturais") é dadopelo próprio Peirce, e poderíamos apresentá-lo assim: Kepler verifica que a órbita deMarte passa pelos pontos x e y (facto surpre-endente C); mas, se a órbita de Marte fosseelíptica ( hipótese A), o facto C seria natu-ral; donde, há razão para supor que A sejaverdadeira. Verificação de A: x e y são signode que Marte deveria passar pelos pontos ze k (aplicação da máxima pragmatista). Ve-rificada a hipótese, alarga-se a abdução aosoutros planetas - o comportamento de Martetorna-se signo do dos outros planetas.

Este exemplo de Peirce mostra bem, se-gundo Eco, que todo o signo, mesmo que na-tural, implica a descoberta (Eco fala de "in-venção") de uma regra - e, como tal, é denatureza abdutiva ou interpretativa. O nascerdo Sol, que para os Antigos era signo do mo-vimento solar, passa a ser, para os Modernos,signo do movimento terrestre...

A condição do signo é, assim, como viuPeirce, não apenas a da substituição e equi-valência (aliquid stat pro aliquo) mas tam-bém a da interpretação. Interpretação emque o interpretante não se limita a retradu-zir o "objecto imediato"(conteúdo do signo)mas alarga a compreensão daquele, partindo

58Eco, ibidem, p. 39

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do signo para a semiose ilimitada. No dizerde Peirce, um termo (/Pai/) é uma proposi-ção rudimentar ("Se pai, então alguém queé filho deste pai") e esta uma argumentaçãorudimentar ("Todos os pais têm ou tiveramfilhos; Este homem é pai; Então este homemtem ou teve um filho")59.

Sendo todo o signo eminentementementeabdutivo, podemos afirmar, de forma reci-proca, que toda a abdução é eminentementesígnica. A abdução parte sempre de um"resultado"(facto surpreendente) para uma"regra"(hipótese explicativa), funcionando oprimeiro como signo da segunda. Toda a ab-dução envolve um acto de interpretação, desemiose, de atribuição de significado (quenão tem nem o rigor formal da dedução nemo carácter de confirmação experimental daindução).

Esta dupla implicação entre Signo e Abdu-ção esclarece, a uma nova luz, a identifica-ção Peirceana entre Semiótica (do Signo) eLógica (da Abdução). Simultaneamente ga-nha um novo sentido a afirmação de Peircede que todas as ciências (todos os factos) nãosão , no fundo, senão Lógica - Semiótica: to-das as ciências procuram, a partir de determi-nados fenómenos (signos naturais), abduziras leis explicativas (regras gerais da interpre-tação) dos mesmos...

7 Bibliografia

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Acta no 1OUniversidade da Beira InteriorMestrado: Ciências da ComunicaçãoDisciplina: Semiótica da ComunicaçãoDocente: Prof. Doutor António FidalgoDdata da sessão: 2 de Fevereiro de 1996Secretário: J. M. Paulo Serra

Tema da Sessão: Os Estóicos(doutrina da linguagem e doutrinados signos)Pressupostos: Na sessão anterior ti-nha sido visto que, no que se refere àlinguagem ver-bal, os Estóicos distin-guiam entre "expressão"( semainon),"conteúdo"(semainomenon) e "refe-rente"(tynchanon). Também tinha sidoexplicitada, nessa sessão, a forma comoos Estóicos entendiam a "expressão". Nasessão a que a presente Acta se refere,tratava-se de completar a análise da suadoutrina da linguagem verbal, analisar a suadoutrina do si-gno e procurar estabelecer arelação entre as duas doutrinas.

Doutrina da linguagem (verbal)Para os Estóicos, o conteúdo não é umaideia, mas um "incorporal".

Sendo radicalmente materialistas, os Es-tóicos negam a realidade das ideias entendi-das, à maneira de Platão, como algo de auto-

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subsistente. Assim, só restam duas maneirasde conceber o conteúdo: ou como estandonas coisas, na realidade empírica (solução doempirismo) ou como estando na Razão (so-lução do idealismo alemão). Os Estóicos de-fendem a primeira solução.

Os "incorporais"são entes de razão (entiarationis), existem apenas na medida em quehá uma apreensão cognitiva da sua realidade.Tal não significa, no entanto, que não sejamdotados de uma identidade própria, que per-mite a sua predicação (exo do triângulo: trêslados, três ângulos, etc.). Não são coisas,mas "estados de coisas", "modos de ser", "re-lações", "maneiras de ver". São exemplos de"incorporais"o vazio, o lugar, o tempo, as re-lações espaciais, as sequências cronológicas,as acções e os eventos.

Esta concepção da idealidade da signifi-cação aproxima os Estóicos das semânticaschamadas ideacionais ou conceptualistas (deque Ockham e os nominalistas em geral,Locke, Husserl e Saussure são os principaisrepresentantes).60

Entre os "incorporais"conta-se o lektón,que tem sido traduzido por "exprimível","dictum"ou "dizível". O lektón (completo)é uma proposição que se refere a um estadode coisas (não a uma coisa) e que, comotal, pode ser verdadeira ou falsa (Exo: Se euafirmo "A mesa é verde", não afirmo nem a

60Ver Carlos Bizarro Morais, "Estoicismo", inLOGOS - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cul-tura,Volume 2, Lisboa: Verbo, 1990, que refere os es-tóicos como "sensistas e nominalistas"(p. 295). Vertambém Manuel de Costa Freitas, "Conceptualismo",in LOGOS - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura,Volume 1, Lisboa: Verbo, 1989, que classifica o es-toicismo antigo como "conceptualismo empirista"(p.1083).

"mesa"nem o "verde", mas que "É verdadeque a mesa é verde").

Um dos problemas postos pela doutrinaestóica da linguagem verbal é o da relaçãoentre o semainomenon e o lektón. Para SextoEmpírico eles são sinónimos. Esta interpre-tação não se afigura, no entanto, aceitável aEco.

O lektón pode ser completo (uma propo-sição, por exemplo: "Dione caminha") ouincompleto (parte de uma proposição, no-meadamente o sujeito ou o predicado; porexemplo: "Dione", "caminha"). O lektón in-completo não é uma categoria da "expres-são", mas do "conteúdo": ele traduz umaposição, um lugar dentro de uma proposi-ção. Um exemplo elucidativo poderia sero seguinte: nas proposições "Ele tem umcoração de oiro"e "Um coração de oiro éuma riqueza espiritual", "um coração deoiro"exprime "conteúdos"diferentes porqueocupa posições diferentes (de complementodirecto e de sujeito, respectivamente). Naslínguas ditas flexionais (com "casos"), comoo latim e o alemão, a "posição"(função) é in-dicada pela desinência, pela forma que a pa-lavra assume .61

Assim, sendo o lektón completo ("Dionecaminha") um "incorporal", também os lek-tá incompletos que o constituem ("Dione","caminha") são "incorporais".

61José Nunes de Figueiredo e Maria Ana Almen-dra, Compêndio de Gramática Latina, Porto: Livra-ria Avis, 1967, definem "casos"como "as diferentesformas que toma um substantivo, um adjectivo ouum pronome, segundo as diferentes funções (sujeito,complemento directo, indirecto, de posse, determina-tivo, circunstancial)."(p. 22) (itálicos nossos).

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Doutrina dos signosOs Estóicos distinguem entre signos come-morativos (que associam dois eventos ob-serváveis, por exemplo "fumo"e "fogo") esignos indicativos (em que o signo remetepara algo não observável, por exemplo "oriso"que remete para "o contentamento").Em qualquer dos casos, é central a noção deinferência, feita com base na associação queresulta da experiência (p => q). Mas o signo(p), de que se retira a inferência (q), não éum evento físico, mas a proposição em quese exprime (não "o fumo"mas "Ali há fumo";não "o riso"mas "O João está a rir"). O signoé uma proposição antecedente

("Se ali há fumo..."; "Se o João está arir...") que revela um consequente ("...entãohá fogo"; "...então está contente"). Este tipode inferências, feitas por todos os homens,no seu dia a dia , releva de uma logica utens(do utilizador), não de uma logica docens(teórica). Na linguagem de Peirce, poderádizer-se que o signo é tipo (relação geral en-tre fumo e fogo) e não ocorrência (relaçãoentre este fumo e este fogo particulares).

Sendo o signo um lektón (proposição), eleconta-se também entre os "incorporais".

Relação entre doutrina dalinguagem e doutrina dos signosA semiótica estóica une, assim, doutrina dalinguagem e doutrina dos signos (embora osEstóicos ainda não digam que as palavras sãosignos): todo o signo se revela como umaproposição, toda a proposição implica, nasua organização, a utilização da sintaxe ló-gica que regula os signos, e que só se tornavisível através da sintaxe linguística. Poder-se-ia dizer que, para os Estóicos, a língua

aparece como sistema modelizante primário(Lotman), no sentido em que, no dizer deBarthes, "qualquer sistema semiológico secruza com a linguagem".62

Em termos de teorias contemporâneas, po-deria traduzir-se a relação entre termo lin-guístico e signo natural recorrendo ao mo-delo hjelmesleviano da conotação63 a um1o nível, denotativo, a palavra /fumo/ (E)remete para o conteúdo "fumo"(C); a um2o nível, conotativo, E/C torna-se expres-são que conota o conteúdo "fogo"(semânticaintensional dos termos), a proposição "Háfogo"(semântica intensional dos enuncia-dos) ou, ainda, a proposição "então aquihá fogo"(semântica extensional dos enunci-ados).

62Roland Barthes, Elementos de Semiologia, Lis-boa: Edições 70, 1977, p. 86.

63Ibidem, pp. 165-169. Ver também António Fi-dalgo, Semiótica: a Lógica da Comunicação, Covi-lhã: Universidade da Beira Interior, 1995, pp. 73-76

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