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Pelo Exemplo e pela Germinação: a Atualidade do Pensamento de
San Tiago Dantas
Ademar Seabra da Cruz Jr.
Seria presunçosa a tentativa de realizar mais um
panegírico, além dos tantos de que San Tiago Dantas foi alvo
durante sua vida e após seu prematuro desaparecimento, em
setembro de 1964, não fosse para reafirmar o entusiasmo com
que seu fecundo pensamento continua a ser recebido pelas novas
gerações. Por serem a atividade política, a evolução cultural
e mesmo a elaboração intelectual de novas teorias sociais
freqüentemente associadas a uma denegação do passado, e serem
propensas à absorção de modismos circunstanciais, torna-se
tarefa de primeira necessidade demonstrar a elaboração
pioneira dos fundamentos, valores e opções com que se defronta
a política e a sociedade brasileiras nos tempos recentes e nos
dias atuais. Veremos que muitos dos problemas e de suas
respectivas soluções, diagnóstico e prognóstico, foram
acompanhados e elaborados pela presciente inteligência, fulgor
humanístico e zelo patriótico - sem jamais, contudo, descambar
em nacionalismos fáceis e retóricos - de San Tiago Dantas.
Muitos foram e são os brasileiros que interpretaram a
realidade doméstica do país e as linhas dinâmicas do cenário
internacional que lhe conformam as opções e prioridades. San
Tiago talvez tenha sido o único, no entanto, que vislumbrou
uma análise holística, integrada, das dificuldades com que o
Brasil se defrontava em seu tempo, bem como apontou com
segurança e convicção as sendas que o país deveria percorrer
para transcender os obstáculos primordiais que retardam sua
inserção no rol das sociedades avançadas e tocadas pelos
valores permanentes da cultura e da civilização.
A destacada posição de San Tiago Dantas no cortejo da
inteligência brasileira assoma-se, quando reconhecemos que
talvez nenhum outro estadista de nosso país terá sido
confrontado com desafios políticos e econômicos mais graves e
pungentes e tenha sido capaz de indicar, com grande
clarividência, soluções que poderiam ter sido capazes de
mitigar os efeitos da crise - caso tivessem sido consideradas
sem preconceitos, açodamentos e oportunismos. Essas avaliações
dos severos obstáculos ao desenvolvimento configuram-se
plenamente atuais para nortear um projeto de recuperação
nacional, em suas dimensões econômica, política, cultural e
social, de maneira integrada e articulada. San Tiago Dantas
foi, assim, o proponente e o gestor de um verdadeiro projeto
nacional, que, embora se projetasse para além de sua época,
teria sido eficaz para equacionar as crises e impasses mais
percucientes já de seu tempo.
Esse projeto nacional santiaguiano persistiu e revigorou-
se, quarenta anos após a sua morte, por estar fundado em
princípios universais de acordo com os quais, na fórmula
consagrada da solidariedade social de Tim Scanlon,
"Todos somos imbuídos de um desejo
fundamental de justificar nossas ações para os
outros em termos segundos os quais não poderão
ser razoavelmente rejeitados por ninguém" (1)
O universalismo característico das formulações de San
Tiago Dantas fôra voltado para perscrutar as grandes linhas da
civilização brasileira, suas vicissitudes e regularidades,
tanto no que se refere a nossas maiores virtudes quanto a
nossos mais candentes defeitos. Pretendia San Tiago, pois,
alertar para o que, no caso brasileiro, está na raiz da maior
parte de nossas mazelas: o desprezo pela memória. Nesse
particular, denuncia Marcílio Marques Moreira esse vício como
superlativo na tradição brasileira, o maior dentre os
obstáculos para a realização das idéias de San Tiago entre
nós. A falta de contigüidade de pensamento e ação no Brasil
"(...) induziu o político, tomado como
exemplo, a sempre pender em direção ao último
ponto de vista que lhe havia sido exposto,
enredando-se num cipoal de incoerências e
comprometendo-lhe o potencial de ação política
eficaz. E a incapacidade de fixação de uma linha
consistente de conduta acabou levando-o à
paralisia decisória." (2)
Atualidade Política e Perenidade Filosófica
O ativismo público de San Tiago Dantas, mormente após o
exercício dos mandatos de Deputado e Ministro, no lustro
inaugurado em 1959 até a sua morte, se deu no sentido de
superar as análises conjunturais e o voluntarismo que se
apossou da cena política e econômica brasileira, manifestando-
se através de decisões casuísticas, arranjos imperfeitos e
experimentos inconseqüentes, temporários e desprovidos de um
sentido de continuidade. San Tiago bem sabia da parcialidade e
da provisoriedade desses experimentos, mas lealmente buscou
não rejeitá-los em prol de um projeto maior de conciliação
nacional, que, entretanto, não pôde prosperar por não exprimir
um verdadeiro consenso em torno de instrumentos e instituições
políticas brasileiras, mas um mero e conveniente modus vivendi
mantido entre forças que, ao contrário de San Tiago, não
vislumbravam nessa conciliação nacional seu supremo valor
político.
Ao antever as perspectivas e os desdobramentos indesejados
dos problemas nacionais, San Tiago jamais se jactou de tal
clarividência junto aos seus pares, seja no Congresso, no
Executivo, ou em meio à elite da qual fazia parte. Respeitava
humilde e sobriamente os diversos pontos de vista, convencido
de que correspondiam a sinceras e valiosas contribuições para
a superação dos problemas políticos e econômicos nacionais. A
primeira e mais importante de uma série de grandes
contribuições de San Tiago Dantas para a evolução política do
Brasil foi, assim, sua arguta intuição, formulada somente em
linhas gerais, do conceito que seria formulado quase trinta
anos mais tarde por John Rawls em seu Liberalismo Político
(3), o do “fato do pluralismo”: ou seja, representa uma
circunstância constitutiva e permanente das democracias
contemporâneas a convivência necessária entre diversas
doutrinas razoáveis, não podendo nenhuma delas imbuir-se da
pretensão de representar uma versão da ‘verdade’, mais cogente
e convincente que as demais. O Estado, por outro lado, de
acordo com essa concepção, não pode ser invocado para promover
qualquer dessas doutrinas em detrimento dos princípios e
valores esposados pelas demais.
Se nos dias de hoje, após a quinta eleição direta
consecutiva para Presidente da República no Brasil, essa
interpretação soa-nos relativamente banal, era verdadeiramente
revolucionária à época de San Tiago Dantas. Num mundo marcado
por irreconciliáveis divisões e tensões ideológicas -
resquícios das quais teimosamente persistem no avançar do
século XXI - e onde as ‘doutrinas totais’ ainda constituíam a
tônica, a motivação da política internacional e o substrato da
política partidária na cena doméstica brasileira, os esforços
de San Tiago em prol da moderação, da tolerância e da
composição de interesses constituem manifestações de um
espírito grandioso, magnânimo, perscrutador das grandes
essências da convivência social humana. San Tiago terá sido,
assim, um dos raros brasileiros que utilizaram o rigor
analítico do Direito, associado à convicção de sua
superioridade deontológica para a composição dos conflitos
sociais, para operar uma grande síntese entre direito,
democracia, ética e política. Foi um grande paladino das
liberdades públicas, movido por uma crença fundamental na
Razão, a razão do direito, da imparcialidade e da justiça,
como instrumento único capaz de forjar um pacto em torno de um
projeto nacional.
Se em muitas ocasiões, mormente em sua histórica aula
inaugural proferida em 20 de março de 1964 na Faculdade de
Filosofia da Universidade do Brasil, San Tiago se prontificou
a condenar a radicalização política que iria resultar, doze
dias depois, nas conseqüências conhecidas, e a promover a
conciliação como a pedra de toque para a construção desse
projeto nacional, muitos anos transcorreriam antes que os
valores abraçados pelo grande Mestre ficassem cristalizados na
tessitura política e social brasileira. Em setembro de 2001, o
então Presidente Fernando Henrique Cardoso reconhecia
explicitamente que a possibilidade de vitória da oposição
constituía “um fato normal da vida democrática do país”,
reconhecimento democrático-liberal que tem no pensamento e na
prática político-parlamentar de San Tiago expressão conspícua
e inequívoca. Se no percurso de toda a tradição política do
Brasil independente, nossa democracia imperfeita, nos curtos
entreatos em que se fizera presente, era percebida como “um
método, uma forma de se alcançar ou exercer o poder como
tantas outras”(4), ela conheceu em San Tiago Dantas, no
conturbado período da pseudo-democratização de 1945-1964, um
defensor radical e um porta-voz intimorato, convincente e, por
que não dizer, solitário. Um dos poucos brasileiros de seu
tempo que não a via como um instrumento para o poder, mas como
um fim insofismável, um requisito essencial, ponto de partida
para qualquer projeto substantivo de reforma ou de mudança.
San Tiago, coerente com suas atitudes e convicções, atraiu
- não injustamente, deve-se esclarecer - as desconfianças
tanto da esquerda, quanto da direita. O proselitismo
integralista dos anos trinta foi muitas vezes identificado com
a intolerância professada por muitos de seus adeptos, voltada
para os arquirivais socialistas e comunistas. San Tiago, se
por um lado não pode ser tido como um membro secundário do
movimento, tendo ascendido ao cargo de Secretário de Imprensa,
algo equivalente ao de porta-voz, não pôde jamais ser
considerado como um militante tradicional. Suspeitou sempre da
importação acrítica de doutrinas alienígenas, precipitadamente
transplantáveis para o complexo cenário cultural e político
nacional; desconfiava ainda do arremedo de liberalismo dos
anos trinta, incapaz de ampliar as bases de legitimidade,
econômica e política, da frágil democracia inaugurada com o
advento da Revolução de 1930. Em seus últimos anos da vida,
contudo, havia amadurecido uma sólida convicção política e uma
personalidade pública amalgamada em torno de três eixos
filosóficos: um humanismo ético de feições socialistas, um
liberalismo político promotor de ideais de democracia,
tolerância e conciliação e um patriotismo temperado pela
crença de que culturas, modos de vida, sistemas jurídicos e
políticos são igualmente valiosos e nenhum dentre eles pode
ter a pretensão de sobrepujar os demais.(5)
Na contramão da história de seu tempo, portanto, San Tiago
haveria de nutrir um saudável ceticismo - do mesmo modo que
seu integralismo se situava numa perspectiva ‘nietzscheana’,
no dizer de Hélio Jaguaribe(6)- em relação a doutrinas
messiânicas ou ‘redentoras’, que prometessem ‘salvar’ ou
‘mudar’ rapidamente o Brasil. Sua perspectiva de transformação
social rejeitava sínteses pretensiosas e ‘saltos retumbantes’
e a situava antes nas conquistas ‘lentas e aluvionais’ (7),
características dos sistemas políticos imemoriais e do direito
privado no sistema romano-germânico. Para se compreender a
perenidade e a consistência das transformações sociais na
filosofia política de San Tiago Dantas, deve-se aludir ao seu
ex-libris, ad multis ad unum - todas as perspectivas convergem
para a unidade - conjugado com o aforismo de Hipócrates, que
certamente seria um de seus prediletos, segundo o qual natura
non facit saltus - a natureza não opera em saltos. Daí resulta
a crença santiaguiana de que todas as doutrinas políticas
razoáveis têm uma genuína contribuição a oferecer em seus
projetos para o Brasil, bem como a atitude construtivista
diante dos grandes desafios nacionais, domésticos e externos.
É pouco eficiente deblaterar contra posições de adversários ou
na identificação dos problemas; mais sensato é acumular
forças, testar hipóteses, convencer os pares da vis directiva
adotada e não hesitar em recuar se forem percebidos erros
nesse itinerário. San Tiago desdenhava, assim, de soluções que
não pudessem ser plena e criteriosamente justificadas para
seus interlocutores, que não pudessem ser “razoavelmente
aceitas por todos”.
Aqui cabe referir ao mais dramático episódio da vida
pública de San Tiago Dantas, o momento em que sua
clarividência, suas excepcionais credenciais de estadista e de
homem público foram postas à prova perante um corpo que
refletia e argumentava com outros parâmetros e pressupostos:
trata-se da sessão do Congresso Nacional de 28 de junho de
1962, quando se apresentou para postular o cargo de Primeiro-
Ministro do Gabinete parlamentarista do Presidente João
Goulart. Na ocasião, proferiu alocução memorável que terá sido
uma das mais lúcidas, argutas e convincentes explanações da
situação brasileira de seu tempo. San Tiago concitou, então,
seus pares a se erguerem em luta pela união do Brasil;
demonstrou, com sua autoridade de financista, o poder
corrosivo da inflação sobre a economia e sobre a auto-estima
nacionais; bateu-se pelas reformas de base e especialmente
pela reforma agrária; recuperou os contornos da política
externa independente; e exortou os partidos a se unirem na
responsabilidade e na solidariedade para a condução dos
destinos do país. Não obstante o Congresso ter sido palco de
uma das maiores demonstrações de reconhecimento jamais
prestadas a um homem público no Brasil, com o eflúvio das
palmas e ovações dirigidas a San Tiago Dantas, seu pleito não
teve a necessária acolhida majoritária. A razão para tal
paradoxo deveria ser encontrada no fato de que
“ (...) a política é a arena propícia ao
quieta non movere, pois representa interesses
consolidados e alianças inamovíveis. O medo da
transformação é o medo da perda de posições. É
conveniente, portanto, que os governos sejam
conduzidos por homens mais próximos do
sentimento comum de mediania, dominante em todos
os países.”(8)
Daí se observa que, fosse San Tiago apenas um homem do seu
tempo, certamente teria sido eleito.
Encontramos, assim, no pensamento de San Tiago Dantas, a
notável síntese entre Direito, Política e Sociedade, no
sentido de que em nenhum desses domínios as mudanças abruptas,
as revoluções espetaculares e as grandes reviravoltas podem
efetivamente operar as transformações duradouras e construídas
de que necessita a sociedade. A superação das desigualdades
não resultará da promulgação de decretos apressados ou de
expropriações violentas, mas antes de reformas de base que
permitam a correção incremental, sujeita a acréscimos
infinitesimais (ou ‘aluvionais’) das doses necessárias ao
tratamento seguro e eficiente para o equacionamento das
injustiças históricas. Mais importante do que o imediatismo
dos resultados é a garantia de que as transformações operadas
não retrocederão. O exemplo por excelência da lenta
consolidação das transformações sociais se situa em dois
planos distintos da vida nacional: a política externa e o
Direito Civil.
Atualidade Jurídica
A contribuição de San Tiago Dantas para o Direito, e
somente para o Direito, já o inscreveria no panteão dos
maiores jurisconsultos e intelectuais brasileiros, tendo sua
poderosa inteligência jurídica se estendido por vários ramos
do Direito, público e privado, e sendo seus ensinamentos e sua
doutrina ainda sobejamente estudados em cursos jurídicos e
citados em acórdãos de diversos tribunais brasileiros. Não se
tratará especificamente aqui da atualidade dessa contribuição,
mas se mencionará apenas como a atividade doutrinária de San
Tiago se corresponde harmonicamente com outros aspectos de sua
personalidade pública e de seu pensamento. Não obstante sua
visão disciplinada e rigorosamente positiva do direito,
esforçava-se por interpretá-lo segundo os ditames impostos
pela evolução da sociedade e pela transformação de seus
valores e necessidades; não concebia, entretanto, como é
característico do Common Law, que os fundamentos da norma e os
pressupostos de estabilidade social a ela correspondentes
pudessem ficar comprometidos pelos ímpetos renovadores e
incessantes das disputas e tensões sociais. Se o Direito deve
ser permeável à dinâmica da evolução social, aduzia San Tiago,
a mudança social deve ter no Direito um limite claramente
reconhecido, para que não degenere em voluntarismo político e,
em última análise, em arbítrio.
Direito, sociedade, política e economia devem harmonizar-
se em prol da satisfação das necessidades fundamentais dos
membros da sociedade - liberdade e justiça sendo as mais
importantes dentre essas - devendo esse avanço ser cumulativo,
consistente e irreversível, pautado por considerações de
eqüidade. O método para que a mudança social, mormente a
partir das relações privadas entre indivíduos e instituições,
atenda a esses imperativos, pode ser haurido da análise
santiaguiana do Direito Civil, entendido como
“o campo das aquisições lentas, das
transformações aluvionais. Lidando com
grandezas microscópicas, penetrando nos
alvéolos sociais, analisando e perquirindo
os tecidos, decompondo as células, o
trabalho do civilista não atinge a forma
geral, mas atinge a substância, fixa os
detalhes da sociedade.”(9)
Em que pese a preclara convicção de San Tiago de que o
exercício das liberdades civis e republicanas requer que se
desfrute de condições sócio-econômicas minimamente dignas para
que essas liberdades não sejam eivadas de um formalismo
jurídico estéril, intuía ele que soluções redistributivas
forçadas e radicais poderiam ser contraproducentes, uma vez
que teriam como conseqüência não pretendida a depressão da
renda e do produto nacional e o comprometimento da eficiência
e da imparcialidade do próprio Estado como intérprete do
interesse nacional.
Ao preconizar o vínculo entre liberdade e igualdade, entre
conciliação política nacional e distribuição, antecipou-se San
Tiago Dantas em algumas décadas ao moto que prevaleceria na
economia e na filosofia política contemporâneas, no sentido de
reconhecer na liberdade e na democracia variáveis dependentes
do desenvolvimento, entendido como crescimento com
distribuição de renda, via mecanismos de proteção e de bem-
estar social.(10)
Expressiva parcela de sua curta, mas profícua atividade
parlamentar, foi dedicada a identificar e alertar a elite
brasileira para os riscos de comprometimento irreversível do
projeto nacional de desenvolvimento, caso persistam os níveis
existentes de desigualdade entre classes sociais, entre
regiões e entre campo e cidade, fortalecendo círculos
concêntricos e virtualmente indissolúveis de pobreza e
miséria, os quais inviabilizarão, por sua vez, a possibilidade
de se formular políticas públicas efetivas na área econômica.
Terá transcorrido o período uma geração desde o
desaparecimento de San Tiago para que a elite e a sociedade
brasileiras tenham-se convencido verdadeiramente da gravidade
desse alerta. Parece igualmente que, pela primeira vez na
história do Brasil, as elites e a sociedade (o “povo-massa”,
no dizer de Oliveira Vianna) estão unidas em torno da
prioridade de atenuação da pobreza e da miséria e da mitigação
da apartação social no Brasil. Denunciava San Tiago que a
elite esteve sempre e historicamente divorciada do povo, na
interpretação e na percepção dos nossos mais candentes
problemas sociais, não estando à altura das graves
responsabilidades que lhe são cotidianamente cobradas. Somente
agora há indícios, ainda que preliminares, de que essa
conciliação está em vias de se realizar, em resposta, assim,
aos chamamentos de San Tiago, ecoantes na imprensa, no
Congresso, nos seus livros, artigos e discursos daqueles idos
pré-ruptura da ordem constitucional de março/abril de 1964.
Atualidade da Política Externa
A coerência do sistema de pensamento santiaguiano
abarcaria também, além da política, da economia e do direito,
a política externa, na sua atuação como Chanceler e nas
diversas ocasiões em que se manifestou em relação aos graves e
percucientes problemas internacionais de seu tempo. Sensível
aos apelos igualitaristas que promanavam, ainda que de maneira
deturpada, da esfera de influência da União Soviética, e
entusiasta do ideário político liberal, embora manipulado
ideologicamente pelo bloco Ocidental nos lances ideológicos e
estratégicos da Guerra Fria, San Tiago estava convencido, no
seu íntimo, de que ambas essas grandes concepções de
sociedade, que se embatiam no seu tempo, continham aportes
valiosos para o projeto de sociedade que vislumbrava para o
Brasil. Esse reconhecimento teve, por um lado, o condão de
evitar que o Brasil assumisse posições simplistas nesse
embate, em termos de alinhamento automático com um ou outro
bloco; essa necessária independência se manifestaria, por
outro, pelo reconhecimento lúcido de que, por trás de uma
aparentemente inconciliável oposição entre os dois sistemas
políticos e ideológicos, se ocultava uma reconciliação entre
as duas superpotências, no sentido de assegurar uma divisão do
mundo de acordo com seus desígnios, e que cristalizasse os
termos da ordem internacional pactuada em Yalta.(11)
Este era justamente o background internacional da época,
reconstruído pela leitura ex ante lúcida e arguta do sistema,
realizada por San Tiago, o pioneiro e principal executor da
estratégia - ainda que não se mostrasse pronta em todos os
seus contornos, desde os primeiros momentos da sua aplicação -
cunhada por Gelson Fonseca Jr. de “autonomia pela distância”.
Tal orientação consistiu na busca de espaços de atuação
externa, ainda que restritos e exíguos, e limitados pela
lógica confrontacionista da Guerra Fria, em que a autonomia
externa do país pudesse ser efetivamente exercida. A “política
externa independente” nada mais era, assim, do que uma
compreensão, parcialmente intuitiva e parcialmente elaborada,
dos limites estabelecidos e das possibilidades abertas pela
política internacional dos anos sessenta, limites e
possibilidades esses que viriam a ser sintetizados na fórmula
da “autonomia pela distância”, em contraste com a da
“autonomia pela participação”, esta última própria da
estratégia externa brasileira aplicada a partir dos anos
noventa.(12) O que se quer argumentar com essa redução teórica
é que historiadores e analistas de relações internacionais não
vislumbram outra alternativa mais eficiente e coerente com a
tradição brasileira de política externa, durante os perigosos
e dramáticos anos da primeira metade da década de 1960, do que
a política traçada por San Tiago à frente do Itamaraty, em
termos da afirmação de nossos objetivos nacionais e de nossa
inserção naquele tumultuado cenário global.
É certo, entretanto, que San Tiago não gostaria de ser
percebido exageradamente como um visionário, como um
responsável solitário - ainda que a solidão tenha sido um
aspecto recorrente de sua vida política - pela formulação de
políticas escorreitas e inacessíveis aos seus contemporâneos.
A verdade é que a política externa brasileira atravessou
décadas, e agora mais de século - pelo menos desde as
negociações de que fôra protagonista o Barão do Rio Branco na
fase da delimitação das fronteiras do Brasil - sempre imbuída
de uma pletora de valores, de corte grociano e kantiano, que
naturalmente lhe dão uma orientação ótima em tempos de crise,
como foi, por exemplo, a ameaça do estrangulamento da
autonomia externa do Brasil diante do recrudescimento das
hostilidades próprias do período da Guerra Fria. Desse modo, a
vocação pacifista do Brasil, a condenação do uso da força na
solução das controvérsias, a exortação ao uso da energia
nuclear exclusivamente para fins pacíficos, a celebração da
democracia como valor político universal, o direito à
autodeterminação dos povos, etc., dentre outros princípios de
corte semelhante e agora consubstanciados no art. 4° da
Constituição Federal, fazem parte de um patrimônio político
que, em grande medida, já precedia a notável visão de San
Tiago Dantas dos problemas e alternativas externas do Brasil.
Das cinco grandes diretrizes de política externa coligidas por
San Tiago para o Itamaraty(13), a formulação e execução de
pelo menos três delas (desarmamento tarifário da América
Latina e intensificação das relações comerciais do Brasil com
todos os países, inclusive os socialistas; apoio à emancipação
de territórios não autônomos, seja qual for a forma jurídica
utilizada para sua sujeição à metrópole; e autoformulação dos
planos de desenvolvimento econômico e de prestação e aceitação
de ajuda internacional) couberam à diligência e à correta
interpretação de San Tiago quanto ao papel de liderança de
alcance médio que o Brasil poderia desempenhar diante dos
constrangimentos do sistema internacional da Guerra Fria.
O episódio por excelência que assinala a conjugação
precisa de princípios vetustos de política externa brasileira
com a aplicação e reinterpretação dinâmica desses princípios à
luz de novos e inéditos fatos internacionais - quando a
verdadeira coerência de uma política é posta à prova e
plasmada para enquadrar-se em situações cujas soluções são
aparentemente antitéticas - foi a atuação do Brasil na VIII
Reunião de Consulta da Organização dos Estados Americanos de
Punta del Este, de janeiro de 1962. Sendo o principal e mais
delicado ponto da pauta a expulsão de Cuba do sistema da OEA,
por infringir obrigações democráticas mandatadas pela Carta de
Bogotá, o Chanceler brasileiro teve oportunidade de valer-se
de seu pan-humanismo multidisciplinar para rechaçar a proposta
radical, ao apelar para os valores consagrados da
autodeterminação e da não ingerência nos assuntos domésticos
de outros países, ao mesmo tempo em que reconhecia a violação
do princípio democrático protegido pela OEA nos desdobramentos
da Revolução de 1959. Ao anatematizar tanto a quebra das
instituições democráticas formais quanto a segregação proposta
pela delegação dos EUA, San Tiago relacionou argumentos
jurídicos, políticos, históricos e lógicos contra a proposta
exacerbada, que, no entanto, respeitaria e acataria
incondicionalmente, coerente com seu amor pelo direito e pelo
império da lei no ambiente essencialmente anárquico das
relações internacionais do seu tempo. Dentre esses argumentos
em prol de uma solução moderada, destaca-se um de natureza
lógica, argüido por San Tiago nos seguintes termos:
“(...) o retorno do país às condições
próprias do nosso Hemisfério, no caso cubano, em
que justamente se acusa o regime de manter
vínculos políticos e econômicos com um sistema
extracontinental, o isolamento só produziria,
como conseqüência, o reforço desses vínculos,
sem qualquer possibilidade evolutiva favorável
ao Ocidente.”(14)
Torna-se desnecessário insistir numa exegese ou análise
mais detida dessa primorosa avaliação do caráter
contraproducente das sanções que seriam efetivamente impostas
a Cuba pela OEA, uma vez que o país atravessou o umbral do
século XXI sem ter realizado as reformas políticas
pretendidas, sem ter-se constituído em “ameaça” efetiva para
nenhum outro país e tendo o próprio movimento anticastrista
radicado na Flórida perdido influência e sendo suas propostas
para a “transição” cubana descartadas como crescentemente
irrealistas. Aqui, a simplicidade da mensagem visionária de
San Tiago torna-se translúcida para os que buscam o
fortalecimento da democracia no nosso Continente: levantem-se
as sanções contra Cuba, deixe que o país se exponha
inteiramente aos valores políticos e filosóficos do Ocidente,
que estes acabarão por se impor natural e paulatinamente sobre
o regime, forçando-o a adaptar-se aos novos ventos. Sanções
motivadas por sentimentos imediatistas quase sempre degeneram
em situações contraproducentes, o que, no caso concreto,
impediu a realização do objetivo pretendido, ou seja, a
democratização de Cuba. Novamente San Tiago Dantas apontava o
caminho mais prudente a ser seguido:
"Todo problema em que se acha em causa
a soberania dos Estados oferece
dificuldades e reclama soluções, que muitas
vezes não satisfazem a espectadores
ansiosos por lances sensacionais, mas que,
na aparente modéstia de suas limitações,
conseguem modificar a longo prazo o rumo
dos acontecimentos e baixar, em benefício
da paz, as tensões internacionais. É o que
o Delegado do Brasil espera que venha a
suceder, graças à experiência e à
ponderação dos Chanceleres americanos, ao
fim da presente reunião." (15)
Como na sessão do Congresso Nacional que iria rejeitar sua
candidatura a Primeiro-Ministro, San Tiago logrou demonstrar
novamente, desta feita em Punta del Este, que sua posição e a
posição brasileira (juntamente com a da Argentina, Bolívia,
Chile, Equador e México, que também se abstiveram) eram as
mais coerentes, ponderadas e desapaixonadas. Também como na
sessão do Congresso, a posição de San Tiago foi novamente
derrotada. Essa coerência seria, ao final da Conferência,
reconhecida pelo próprio Secretário de Estado norte-americano,
Dean Rusk, ao admitir que “o Brasil foi o único país que
chegou e saiu da Conferência com a mesma posição.”(16)
Atualidade de San Tiago Dantas: Ética, Economia, Cultura e
Educação
A atualidade, ou melhor se diria, o caráter perene e
universal, do pensamento de San Tiago Dantas, não se reflete
apenas na concretude das propostas e das avaliações quanto aos
caminhos para o desenvolvimento nacional, mas se aplica a
conceitos, teorias e leituras de aspectos da cultura de seu
tempo, a partir das quais enfrentaria os elementos simbólicos
e infra-estruturais da crise política brasileira que chegaria
ao seu ápice em 1964. Acreditava San Tiago que as mazelas do
subdesenvolvimento poderiam ser creditadas à sofrível atenção
conferida pelas elites ao problema educacional brasileiro.
Problemas como a instabilidade das instituições políticas e da
economia, decorrente do descontrole inflacionário, estariam
diretamente relacionados ao crônico déficit educacional
brasileiro, o qual, se ainda é grave nos dias atuais, nos idos
dos anos 60 havia feito com que o Brasil perdesse chances
irrecuperáveis de aproveitar as oportunidades geradas pelo
processo de substituição de importações.
San Tiago tinha muito claro diante de si que os esforços
em prol da modernização econômica e política do país seriam
baldados caso não fossem amparados por um sólido programa de
elevação do nível educacional do país, tanto do povo quanto da
elite. Não por acaso, manteve extenso contato com educadores
da estirpe de Darcy Ribeiro, Paulo Freire e Anísio Teixeira,
com vistas à implantação de uma Lei de Diretrizes e Bases que
atendesse ao imperativo de massificar e aperfeiçoar a
organização e a estrutura do sistema de ensino do país.
Dedicou-se com afinco, no exercício do mandato de Deputado, a
propugnar por uma nova estrutura educacional brasileira,
através de uma LDB que reconhecesse o vínculo existente entre
educação, desenvolvimento econômico e democratização da
sociedade. Em suas “Dez Proposições Preliminares sobre
Educação para o Desenvolvimento”, de 1956, esse vínculo foi
explicitado em termos verdadeiramente premonitórios, ao
concitar o país a modernizar-se tecnologicamente e a aumentar
a eficiência do trabalho mediante o aumento da qualificação
profissional. É, de fato, uma das mais distintas
características do processo de globalização o eixo da
competitividade ter-se deslocado para economias e produtos
intensivos em conhecimento (“knowledge-based”), e relegado a
plano secundário o setor de matérias-primas e produtos semi-
manufaturados. Sabe-se igualmente que hoje um dos principais,
senão o principal, fator de composição do chamado “custo
Brasil” é o baixo nível relativo de qualificação profissional
do trabalho em setores-chave da cadeia produtiva do país.(18)
Sabia assim San Tiago Dantas que era na infra-estrutura
cultural e simbólica da nacionalidade, e não no seu produto
interno bruto e nos seus indicadores macroeconômicos - sendo
que hoje em dia variáveis culturais e simbólicas tornam-se
determinantes para a análise econômica(19) – que residia a
riqueza sustentada ou o retrocesso das nações. Além da
incessante atuação político-parlamentar e da militância
intelectual em prol dessa convicção - que, não é demasiado
repetir, somente hoje em dia se aparenta banal - San Tiago
propugnou por uma educação cívica, humanística e cidadã
fundada em preceitos éticos que, mais uma vez, estariam muito
adiantados para o seu tempo. Estabeleceu os contornos de uma
teoria ética que só viria a ter sua expressão integralmente
formulada a partir da publicação de Uma Teoria da Justiça, de
John Rawls, em 1971. Dado o espírito holístico e multifário de
San Tiago, sua ética filosófica seria trabalhada numa das mais
influentes análises literárias já publicadas em língua
portuguesa, onde humanismo ético, modesta erudição, clareza e
distinção analítica combinam-se para fazer do seu D. Quixote
um dos grandes momentos da prosa em língua portuguesa.(20)
Á ética precursora santiaguiana, como todo sistema vivo e
articulado, encaixa-se modularmente em outras esferas de seu
pensamento, mormente o jurídico. Somente a leitura completa de
sua apologia do Quixote revelará os contornos dessa ética
filosófica, embora o trecho a seguir nos forneça pistas
suficientes para o propósito deste artigo:
“É o Quixote um herói fracassado? Sim, se atentarmos
apenas no desvario de suas aventuras e arremetidas contra
alvos imaginários, e no fatal insucesso que, uma por uma, lhe
encerrou todas as ações. Mas quando passamos à última página
do livro inimitável, compreendemos que a efusão do heroísmo
não ficou perdida; que os atos malogrados do último cavaleiro
foram recebidos a crédito, para compensação das injustiças e
agravos que ele não soube ver, nem reparar; e finalmente que
dele brota um ensinamento contrário ao ideal da eficiência,
que é o da simples entrega de si mesmo, para operar pelo
exemplo e pela germinação. [...] Cada vez que, em nossa
própria vida, nos recusamos a uma salida, porque sabemos que
nosso ato não terá força sobre as condições externas e assim
não poderá remover os obstáculos opostos ao nosso intento,
estaremos agindo contra o espírito de D.Quixote.”(21)
Transparece da interpretação de San Tiago da contribuição
do Quixote para o espírito Ocidental a fundamentação
filosófica do liberalismo, em que os direitos individuais, as
escolhas de vida que julgamos valiosa, nossa autonomia, enfim,
não podem ser subjugadas em nenhuma circunstância, mesmo em
nome de um pretenso beneficio coletivo e difuso. A ética
santiaguiana, kantiana por excelência, é pautada por
universais de dignidade humana que requererão uma série de
bens primários, a liberdade, a educação, condições materiais
mínimas de existência, etc., do substrato dos quais nossas
ações poderão ser plenamente justificadas para os demais
membros da sociedade. O ideal da eficiência, anatematizado por
San Tiago, é inteiramente congruente com o conseqüencialismo
na ética, em que a validade de um ideal será medida justamente
pela função e pelo nível de utilidade que podem ser atribuídas
à ação. Já a “entrega de si mesmo” é mais consentânea com o
ideal kantiano, e, mais tarde, rawlsiano, do primado da
justiça e da autonomia sobre os constrangimentos do Estado e
da sociedade. A ética do Quixote, que, por transposição, seria
a ética de San Tiago Dantas, é a verdadeiramente liberal, de
corte deontológico, que requer o respeito resoluto e
inequívoco aos projetos de vida de outrem, por mais
disparatados que pareçam, do mesmo modo que disparatados
seriam os ideais do Quixote quando lidos pelas lentes do
utilitarismo que ainda prevalece nas relações entre os
indivíduos e entre estes e o Estado.
Essa forte concepção deontológica da ética de San Tiago
Dantas transparece igualmente em muitos de seus estudos
jurídicos, mas notadamente quando analisa os limites que devem
ser impostos ao uso da propriedade, quanto o proprietário
deverá responder pelos abusos e prejuízos causados a outrem
decorrentes do exercício inadequado desse direito,
antecipando, assim, dispositivos de lege ferenda que viriam a
ser consagrados somente a partir da vigência do novo Código
Civil, a partir de 2003.(22)
Ainda que San Tiago não nos tenha legado um repertório
enciclopédico de seu pensamento plural e multidisciplinar, sua
contribuição para a vida intelectual brasileira assoma-se ao
nível do aporte herdado dos grandes humanistas e estadistas do
país, como o foram Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. O
universalismo do pensamento santiaguiano é incontestável, a
ponto de termos continuamente de recorrer a seus ensinamentos
jurídicos mesmo após as infindáveis reformas e alterações do
direito positivo observadas nas quatro últimas décadas. Esse
universalismo, que insere seu pensamento na melhor tradição do
liberalismo clássico, é que faz dele o grande jurisconsulto, o
crítico, o cientista político, o ensaísta, o publicista e o
diplomata que aprendemos a reverenciar, mesmo não tendo vivido
em seu tempo e podido acompanhar a sua trajetória pública. Do
mesmo modo que a liberdade é um bem público que não se vincula
prioritariamente ao indivíduo que dela desfruta, o talento, a
disciplina e a acuidade intelectual de San Tiago não são bens
que avocaria para si, mas verdadeiras expressões da grandeza
do Brasil, de nossa capacidade de encontrar caminhos para o
desenvolvimento, de oferecer inovadoras contribuições para a
paz e para a solução dos graves problemas domésticos e
internacionais dos nossos dias. Tal é o legado de San Tiago
Dantas, que vibrará para sempre no coração dos democratas
brasileiros, de todos os tempos e gerações.
Notas:
(1) Scanlon, T. M., "Contractualism and Utilitarianism", in
Sen, A., & Williams, B., Utilitarianism and Beyond, Cambridge,
Cambridge University Press, 1996, pp. 117 e passim.
(2) Moreira, M. M., apresentação de San Tiago Dantas, D.
Quixote: um Apólogo da Alma Ocidental, Brasília, ed. da UnB,
1979, p. 5.
(3) Rawls, J., Political Liberalism, Nova York, Columbia
University Press, 1993, pp. 36/37.
(4) Weffort, F. C., Por que Democracia?, São Paulo,
Brasiliense, 1985, pp. 33/34 (3ª edição).
(5) Exemplo eloqüente dessa síntese filosófica, em torno de
três grandes eixos de pensamento, está contida no prefácio de
sua Política Externa Independente (Rio de Janeiro, ed.
Civilização Brasileira, 1964), em que afirmava a coerência e a
‘constãncia’ da política externa brasileira, moldada
exclusivamente na proteção de nossos valores e interesses,
sendo o Brasil um país que aspira “(1) ao desenvolvimento e à
emancipação econômica e (2) à conciliação histórica entre o
regime democrático representativo e uma reforma social capaz
de suprimir a opressão da classe trabalhadora pela classe
proprietária.”
(6) Jaguaribe, H., "San Tiago e o Projeto Nacional", in
Coelho, J. V. et allii, San Tiago - Vinte Anos Depois, São
Paulo/Rio de Janeiro, Paz e Terra/IEPES, 1985.
(7) Moreira, M. M., “O Veio Humanista na Reflexão de San
Tiago”, idem, p. 27.
(8) Discurso proferido pelo Deputado lbrahim Abi-Ackel na
Sessão da Câmara dos Deputados em homenagem ao 90° natalício
de San Tiago Dantas, 30/10/2001, iniciativa do Deputado Valdir
Pires.
(9) Dantas, S. T., Palavras de um Professor, Rio de Janeiro,
Forense, 1975, p. 18, apud De-Mattia, F. M., "Legado
Multidisciplinar de Francisco Clementino de San Tiago Dantas",
aula inaugural do ano letivo de 1995 da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, 02/03/1995, mimeo.
(10) O filósofo de nossos dias que logrou demonstrar
analiticamente esse vínculo é Amartya Sen, especialmente em
seus três livros traduzidos e publicados no Brasil, Sobre
Ética e Economia e Desenvolvimento como Liberdade (São Paulo,
Companhia das Letras, 1999 e 2000, respectivamente) e
Desigualdade Reexaminada (Rio de Janeiro, Record, 2001).
(11) O reconhecimento explícito e doutrinariamente acabado
dessa realidade de reconciliação de interesses aparentemente
antagônicos entre EUA e URSS no cenário internacional seria
realizado no magistral ensaio “O Congelamento do Poder
Mundial”, do então Embaixador na ONU João Augusto de Araújo
Castro, in Araújo Castro, Brasilia, ed. da UnB, 1982, pp. 197-
212 (Col. ‘Itinerários’).
(12) Fonseca Jr., G., A Legitimidade e Outras Questões
Internacionais, São Paulo, Paz e Terra, 1998, esp. O capítulo
"Alguns Aspectos da Política Externa Brasileira
Contemporânea". O autor vislumbra precisamente na “Política
Externa Independente” a expressão por excelência dessa
“autonomia pela distância” (op. cit. p. 360).
(13) Os “cinco pontos de política externa” de San Tiago Dantas
encontram-se relacionados no livro Política Externa
Independente, apud Archer, R., op. cit. pp. 34/35.
(14) Discurso de San Tiago Dantas na Comissão Geral da OEA, em
Punta del Este, 24/01/1962, extraído do portal
www.cebela.org.br/txtpolit/socio/vol7/G_253_2.html
(15) Idem, ibidem.
(16) Archer, R., “San Tiago e a Política Externa
Independente”, in Coelho, J. V. et alli, op. cit., p. 38.
(17) “Dez Proposições Preliminares sobre Educação para o
Desenvolvimento”, in Revista Brasileira de Política
Internacional, set. /dez de 1964, ano VII.
(18) Cf. em Arbache, J. S., "Comércio Internacional,
Competitividade e Políticas Públicas no Brasil", Brasília,
Departamento de Economia da UnB, junho de 2002, mimeo.
(19) Cf., por exemplo, em Knack, S. & Keefer, P., "Does Social
Capital Have an Economic Payoff? A Cross-Country
Investigation”, in The Quarterly Journal of Economics,
novembro de 1997, pp. 1251-1288.
(20) Dantas, S. T., D. Quixote - Um Apólogo da Alma Ocidental,
Brasília, ed. da UnB, 1979 (prefácio de Marcílio Marques
Moreira). A modéstia invulgar desse texto consiste na recusa
de San Tiago de incluí-lo no rol dos textos de análise
literária, considerando-o apenas como uma contribuição
“propedêutica” (pág. 16).
(21) D. Quixote... op. cit., p. 45.
(22) Dantas, S. T. O Conflito de Vizinhança e sua Composição,
Rio de Janeiro, ed. Forense, 2ª edição, 1972. A clareza
analítica de San Tiago, aliada a uma poderosa ética
interveniente em conflitos de direitos, transparece na
passagem seguinte da obra citada, às páginas 280 e 281:
"Verificando (...) que os incômodos são excessivos por ser
anormal o uso da propriedade que lhes dá origem, o juiz
indagará se a supremacia do interesse público legitima este
uso excepcional; se legítima, e se a ofensa à saúde, segurança
ou sossego não é de molde a inutilizar o imóvel prejudicado, o
juiz manterá os incômodos inevitáveis e, pela expropriação que
assim inflige ao proprietário incomodado, ordenará que se lhe
faça cabal indenização (direito oneroso de vizinhança); [...]
Se, porém, o interesse público não legitima o uso excepcional,
é de “mau uso” que se trata, o juiz mandará cessar". Note-se
aqui que o aspecto deontológico da proteção de direitos fica
patente quando San Tiago se refere a “interesse público” como
sinônimo, no caso concreto, de um bem “particular” que está
sendo infringido, como saúde, segurança e sossego. O bem é
público na medida em que a proteção desse direito, embora
privado, interessa a toda à coletividade. É o mesmo que se
passa, mutatis mutandis, com a defesa do Coronel Dreyfuss
empreendida por Émile Durkheim no famoso caso do século XIX na
França, em que não visava propriamente à defesa de Dreyfuss,
mas a assegurar um direito de primeira ordem, apelando para a
“consciência moral coletiva”, cuja promoção era de interesse
de toda a sociedade. Aqui a autonomia do agente, exatamente
nos termos do individualismo de Kant e Rousseau, expressa a
autonomia da razão como um “produto social”. O individualismo
beneficia a sociedade de maneira que, ao defender Dreyfuss,
Durkheim almejava no fundo defender a França das ameaças à
liberdade de expressão, ao direito ao contraditório e à
presunção de inocência.