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Fls. ____ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima APELAÇÃO CRIMINAL Nº 14369 - PE (0004076-71.2010.4.05.8300) APTE : SEVERINO JORDAO EMERENCIANO JUNIOR ADV/PROC : TYAGO DINIZ VAZQUEZ E OUTROS APTE : OTTO SCHIMIDT NETO ADV/PROC : JOAO OLYMPIO VALENCA DE MENDONCA E OUTRO APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : OS MESMOS ORIGEM:13ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO (PRIVATIVA EM MATéRIA PENAL E COMPETENTE P/ EXECUçõES PENAIS) RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL CONVOCADO FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS FALSOS E GESTÃO TEMERÁRIA DE ENTIDADE FINANCEIRA. VALIDADE DA PROVA E, ADEMAIS, IRRELEVÂNCIA DAQUELA TIDA COMO ILÍCITA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. AJUSTE NA DOSIMETRIA DAS PENAS COMINADAS A UM DOS RÉUS, SEM MUDANÇA NAQUELA ESTIPULADA PARA O OUTRO. PRESCRIÇÃO RETROATIVA RECONHECIDA EM FAVOR DO PRIMEIRO. Os réus (dois) foram processados porque, valendo-se da condição de um 1. deles (gerente da CEF), haveriam aberto (com documentação materialmente falsa) duas contas bancárias em nome de pessoas inexistentes, as quais viriam a ser movimentadas para ocultar valores obtidos de forma ilícita. Teriam, então, segundo a denúncia, praticado crimes de uso de documentos públicos falsos, de gestão fraudulenta de entidade financeira e de lavagem de capitais; A prova feita, nada obstante, levou o juízo de primeiro grau à conclusão de 2. não ter havido unidade de desígnios entre os agentes (o gerente do banco, conquanto houvesse aberto as contas sem as cautelas necessárias, desconhecia a falsidade dos documentos que lhe foram apresentados pelo corréu), não tendo sido demonstrado, por outro lado, que os valores que transitaram pelas contas tivessem origem efetivamente espúria; Daí que SEVERINO JORDÃO EMERENCIANO JUNIOR (acusado de 3. apresentar documentação contrafeita para abertura das contas) foi condenado apenas por uso de documentos falsos (CP, Art. 304 c/c Art. 297); OTTO SCHIMIDT NETO, não adotando os cuidados necessários da gestão da instituição financeira que gerenciava, assim atuando negligentemente, acabou sendo condenado por gestão temerária (Lei 7492/86, Art. 4º, parágrafo único); SEVERINO JORDÃO objetiva, via provimento do recurso que interpôs (fls. 4. 695/779), a declaração da pretensa ilicitude das interceptações telefônicas realizadas, porquanto a decisão original de quebra do sigilo e as prorrogações não teriam sido fundamentadas adequadamente; pugna, outrossim, pela

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃOGabinete do Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 14369 - PE (0004076-71.2010.4.05.8300)APTE : SEVERINO JORDAO EMERENCIANO JUNIORADV/PROC : TYAGO DINIZ VAZQUEZ E OUTROSAPTE : OTTO SCHIMIDT NETOADV/PROC : JOAO OLYMPIO VALENCA DE MENDONCA E OUTROAPTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAPDO : OS MESMOSORIGEM:13ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO (PRIVATIVA EM MATéRIAPENAL E COMPETENTE P/ EXECUçõES PENAIS)RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL CONVOCADO FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS FALSOS EGESTÃO TEMERÁRIA DE ENTIDADE FINANCEIRA. VALIDADE DA PROVA E,ADEMAIS, IRRELEVÂNCIA DAQUELA TIDA COMO ILÍCITA. MANUTENÇÃO DACONDENAÇÃO. AJUSTE NA DOSIMETRIA DAS PENAS COMINADAS A UM DOSRÉUS, SEM MUDANÇA NAQUELA ESTIPULADA PARA O OUTRO. PRESCRIÇÃORETROATIVA RECONHECIDA EM FAVOR DO PRIMEIRO.

Os réus (dois) foram processados porque, valendo-se da condição de um1.deles (gerente da CEF), haveriam aberto (com documentação materialmentefalsa) duas contas bancárias em nome de pessoas inexistentes, as quaisviriam a ser movimentadas para ocultar valores obtidos de forma ilícita.Teriam, então, segundo a denúncia, praticado crimes de uso de documentospúblicos falsos, de gestão fraudulenta de entidade financeira e de lavagem decapitais;

A prova feita, nada obstante, levou o juízo de primeiro grau à conclusão de2.não ter havido unidade de desígnios entre os agentes (o gerente do banco,conquanto houvesse aberto as contas sem as cautelas necessárias,desconhecia a falsidade dos documentos que lhe foram apresentados pelocorréu), não tendo sido demonstrado, por outro lado, que os valores quetransitaram pelas contas tivessem origem efetivamente espúria;

Daí que SEVERINO JORDÃO EMERENCIANO JUNIOR (acusado de3.apresentar documentação contrafeita para abertura das contas) foi condenadoapenas por uso de documentos falsos (CP, Art. 304 c/c Art. 297); OTTOSCHIMIDT NETO, não adotando os cuidados necessários da gestão dainstituição financeira que gerenciava, assim atuando negligentemente, acabousendo condenado por gestão temerária (Lei 7492/86, Art. 4º, parágrafo único);

SEVERINO JORDÃO objetiva, via provimento do recurso que interpôs (fls.4.695/779), a declaração da pretensa ilicitude das interceptações telefônicasrealizadas, porquanto a decisão original de quebra do sigilo e as prorrogaçõesnão teriam sido fundamentadas adequadamente; pugna, outrossim, pela

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improcedência total da denúncia ou, subsidiariamente, na hipótese demanutenção de sua condenação, pela redução das penas que lhe foramcominadas, diminuindo-se, para tanto, a pena-base estipulada;

OTTO SCHIMIDT NETO pretende, por sua vez, o reconhecimento da5.atipicidade de sua conduta, mercê da inocorrência da habitualidade necessáriapara tanto e da inocorrência de má-fé, não tendo sido, segundo diz, negligenteou imprudente; pugna, ademais, pela redução da pena de multa (fls. 780/794);

O MPF postula, exclusivamente, a aplicação da pena de perda do cargo6.prevista no art. 92, inciso I, “a”, do CPB em desfavor de OTTO SCHIMIDTNETO e, posteriormente, a cassação de sua aposentadoria;

Contrarrazões apresentadas pela Procuradoria Regional da República,7.tendo sido pretendido, em preliminar, o encaminhamento dos autos ao primeirograu, a bem de que o ato fosse praticado pelo Procurador da República queoficiou no feito originalmente; no mérito, defendeu a validade da prova e dascondenações, devendo, todavia, ser minorada a pena privativa de liberdadeaplicada a OTTO SCHIMIDT. Como custos legis, outro representante da PRRofereceu parecer pugnando pelo improvimento dos apelos (fls. 817 e ss.);

A apresentação de razões recursais em segundo grau (CPP, Art. 600, § 4º)8.implica deslocamento do processamento do apelo para a Corte e,decorrentemente, oferecimento de contrarrazões pelos agentes que nelamilitam, aí incluindo-se a Procuradoria Regional da República. Pretender ocontrário, como se apenas o Procurador da República que oficiou em primeirograu pudesse oferecê-las, significaria, de um lado, ignorar a unicidade eindivisibilidade ministerial (CF, Art. 127, caput), militando, por outro, emdesfavor da razoável duração do processo (CF, Art. 5º, LXXVIII);

A prova carreada aos autos é lícita, inclusive no que pertine à quebra de9.sigilo telefônico. Toda e qualquer decisão judicial deve ser fundamentada (CF,Art. 93, IX), mas isto não significa que apenas fundamentações vastasatendam ao mandamento constitucional. No caso, as decisões impugnadasreferem-se expressamente às promoções que as justificaram, incorporando-lhes, então, os fundamentos. De mais a mais, as condenações queremanescem encontram farta prova nos autos, toda ela autônoma eindependente em relação à quebra do sigilo telefônico, de modo que o debatesobre a licitude desta prova perde toda sua possível importância;

É farta a prova, com efeito, no sentido de demonstrar que os réus -- sem10.concertação de propósitos -- agiram como descrito em sentença: o primeiroentregou ao segundo documentação contrafeita, relativa a pessoasinexistentes, postulando a abertura de duas contas correntes, por meio dasquais acabou movimentou quantias relevantes, extraídas da vigilância dosórgãos de controle; o segundo, sem adotar os expedientes de cautela exigíveis

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em sua função de gerente de banco, abriu contas sem sequer ter contato físicocom os dois pretensos titulares, o que, conquanto não seja prática totalmentealheia ao mundo bancário, não se justificava no caso;

A condenação levou em conta a quantidade de documentos utilizados para11.aumentar a pena-base, no que, relativamente ao gerente bancário, não andoubem. É que a gestão temerária de instituição financeira pela qual foicondenado OTTO SCHIMIDT NETO (Lei 7492/86, Art. 4º, parágrafo único) écrime cuja realização, naturalmente, prolonga-se no tempo, exigindopluralidade de ações, assim não se caracterizando por atos isolados. Nacondução descuidada do banco, complexamente considerada, está o malnormativamente tipificado, pelo que representaria bis in idem puni-lo comacréscimo da pena-base em razão da quantidade de documentos manejadapara a abertura das contas fraudulentas;

Reduzida a pena-base, então, quanto a OTTO SCHIMIDT NETO, para 0212.anos e 06 meses (ao invés dos 03 anos dosados em primeiro grau), deve-se,em segunda fase, aplicar-se a atenuante da confissão (como definido emsentença), reduzindo-se a pena privativa de liberdade para 02 anos dereclusão, que, à míngua de causas de aumento e/ou diminuição, torna-sedefinitiva;

Passados, então, mais de 08 (oito) anos entre a data da abertura da13.segunda conta-corrente (03/11/2006) e a data do recebimento da denúncia(31.10.2013), constata-se lapso temporal suficiente para que seja reconhecidaa prescrição retroativa pela pena aplicada, a gerar a extinção da punibilidade,a teor do que dispõe o Art. 109, V, do CP, o qual prevê o prazo de 04 (quatro)anos para prescrição da pena superior a 01 (um) ano e não excedente a 02(dois), comunicada para as demais penas aplicáveis, desde a de multa (CP,Art. 114, II) à perda do cargo público (que o MPF, em seu apelo pretendeufosse cominada);

Havendo a ocorrência da prescrição retroativa, é de ser reconhecida14.mesmo ex officio, matéria de ordem pública que é, jamais sujeita aos rigores dapreclusão - Súmula nº 241 do extinto TFR;

É importante salientar que as alterações formuladas pela Lei nº15.12.234/2010 ao CP, Art. 110, §§ 1º e 2º --- impedindo o cômputo da prescriçãoretroativa a partir de termo anterior ao momento do recebimento da denúncia ---, não se aplicam à hipótese, vez que os autos tratam de fatos anteriores aoadvento da mencionada modificação legislativa, e a Lei Penal somenteretroagirá em benefício do réu (CF, Art. 5º, XL);

Quanto a SEVERINO JORDAO EMERENCIANO JUNIOR, mantém-se a16.pena estipulada em primeiro grau, porquanto escorreita e materialmete justa;

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PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DE OTTO SCHIMIDT NETO17.(REDUZINDO-LHE A PENA COMINADA) E, POIS, EX OFFÍCIO, RECONHECENDOA OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO RETROATIVA, DECLARANDO PREJUDICADO,CONSEQUENTEMENTE, O APELO DO MPF; IMPROVIMENTO AO APELO DESEVERINO JORDAO EMERENCIANO JUNIOR.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuramcomo partes as acima indicadas.

DECIDE a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região,POR MAIORIA, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DE OTTO SCHIMIDTNETO (REDUZINDO-LHE A PENA COMINADA) E, POIS, EX OFFÍCIO,RECONHECER A OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO RETROATIVA, DECLARANDOPREJUDICADO, CONSEQUENTEMENTE, O APELO DO MPF; E, ÀUNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DE SEVERINO JORDÃOEMERENCIANO JUNIOR, nos termos do voto do Relator e das notastaquigráficas, que passam a integrar o presente julgado.

Recife, 27 de junho de 2017.

FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTASDesembargador Federal Relator Convocado

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RELATÓRIO

O SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO WILDSON DASILVA DANTAS (RELATOR CONVOCADO):

Trata-se de três apelações criminais (interpostas pelo MPF e pelosréus) contra sentença, lavrada pelo Juízo da 13ª Vara Federal da SJ/PE, que,julgando parcialmente procedente a denúncia, condenou:

SEVERINO JORDAO EMERENCIANO JUNIOR pelo crime(i)previsto crime previsto no Art. 304 c/c Art. 297, ambos do CPB,aplicando-lhe as penas de 03 (três) anos de reclusão, a sercumprida inicialmente em regime semiaberto, mais 40 (quarenta)salários mínimos de multa;

OTTO SCHIMIDT NETO pelo cometimento do delito(ii)previsto no Art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, aplicando-lhe as penas de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a sercumprida inicialmente em regime semiaberto, mais 30 (trinta)salários mínimos de multa.

SEVERINO JORDAO objetiva, via provimento do recurso (fls.695/779), a declaração da pretensa ilicitude das interceptações telefônicasrealizadas, porquanto a decisão original de quebra do sigilo e as prorrogaçõesnão teriam sido adequadamente fundamentadas; pugna, outrossim, pelaimprocedência total da denúncia ou, subsidiariamente, na hipótese demanutenção da condenação, pela redução das penas que lhe foramcominadas, diminuindo-se, para tanto, a pena-base estipulada.

OTTO SCHIMIDT NETO pretende, por sua vez, o reconhecimento daatipicidade de sua conduta, mercê da incorrência da habitualidade necessáriapara tanto e da inocorrência de má-fé, não tendo sido negligente ouimprudente; pugna, ademais, pela redução da pena de multa (fls. 780/794).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por sua vez, postula a aplicaçãoda pena de perda do cargo prevista no art. 92, inciso I, “a”, do CPB emdesfavor de OTTO SCHIMIDT NETO e, posteriormente, a cassação de suaaposentadoria.

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Contrarrazões apresentadas pela Procuradoria Regional da República,tendo sido pretendido, em preliminar, o encaminhamento dos autos ao primeirograu, a bem de que o ato fosse praticado pelo Procurador da República queoficiou no feito originalmente; no mérito, defendeu-se a validade da prova edas condenações, devendo, todavia, ser minorada a pena privativa deliberdade aplicada a OTTO SCHIMIDT.

Como custos legis, outro representante da PRR ofereceu parecerpugnando pelo improvimento dos apelos (fls. 817 e ss.).

Houve revisão.

É o que importa relatar.

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VOTO

O SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO WILDSON DASILVA DANTAS (RELATOR CONVOCADO):

A investigação que deu origem à presente demanda iniciou-se vultosa,algo que se revela inclusive pelo gigantismo dos autos. Eram múltiplas aspessoas investigadas, cada uma delas potencialmente relacionadas a crimesdiversos, tendo como epicentro o município de Jaboatão dos Guararapes (PE).

Depois, porém, que este TRF5 determinou o desmembramento doapuratório deflagrado, apenas as questões efetivamente relacionadas àcompetência da Justiça Federal remanesceram, claro, sob seus cuidados, oque naturalmente simplificou a atividade cognitiva a ser desenvolvida.

Os réus (SEVERINO JORDAO EMERENCIANO JUNIOR e OTTOSCHIMIDT NETO) foram processados porque, valendo-se da condição de umdeles (OTTO, gerente da CEF), haveriam aberto (com documentaçãomaterialmente falsa) duas contas bancárias em nome de pessoas inexistentes,as quais viriam a ser movimentadas para ocultar valores obtidos de formailícita. Teriam, então, segundo a denúncia, praticado crimes de uso dedocumentos públicos falsos, de gestão fraudulenta de entidade financeira e delavagem de capitais.

A prova feita, nada obstante, levou o juízo de primeiro grau àconclusão de não ter havido unidade de desígnios entre os agentes (o gerentedo banco, conquanto houvesse aberto as contas sem as cautelas necessárias,desconhecia a falsidade dos documentos que lhe foram apresentados pelocorréu), não tendo sido demonstrado, por outro lado, que os valores quetransitaram pelas contas tivessem origem efetivamente espúria.

Daí que SEVERINO JORDÃO EMERENCIANO JUNIOR (acusado deapresentar documentação contrafeita para abertura das contas) foi condenadoapenas por uso de documentos falsos (CP, Art. 304 c/c Art. 297); OTTOSCHIMIDT NETO, não adotando os cuidados necessários da gestão dainstituição financeira que gerenciava, assim atuando negligentemente, acabousendo condenado por gestão temerária (Lei 7492/86, Art. 4º, parágrafo único).

SEVERINO JORDÃO objetiva, via provimento do recurso que interpôs(fls. 695/779), a declaração da pretensa ilicitude das interceptações telefônicasrealizadas, porquanto a decisão original de quebra do sigilo e as prorrogaçõesnão teriam sido fundamentadas adequadamente; pugna, outrossim, pela

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improcedência total da denúncia ou, subsidiariamente, na hipótese demanutenção de sua condenação, pela redução das penas que lhe foramcominadas, diminuindo-se, para tanto, a pena-base estipulada.

OTTO SCHIMIDT NETO pretende, por sua vez, o reconhecimento daatipicidade de sua conduta, mercê da inocorrência da habitualidade necessáriapara tanto e da inocorrência de má-fé, não tendo sido, segundo diz, negligenteou imprudente; pugna, ademais, pela redução da pena de multa (fls. 780/794).

O MPF postula, exclusivamente, a aplicação da pena de perda docargo prevista no art. 92, inciso I, “a”, do CPB em desfavor de OTTOSCHIMIDT NETO e, posteriormente, a cassação de sua aposentadoria.

Contrarrazões apresentadas pela Procuradoria Regional da República,tendo sido pretendido, em preliminar, o encaminhamento dos autos ao primeirograu, a bem de que o ato fosse praticado pelo Procurador da República queoficiou no feito originalmente; no mérito, defendeu a validade da prova e dascondenações, devendo, todavia, ser minorada a pena privativa de liberdadeaplicada a OTTO SCHIMIDT. Como custos legis, outro representante da PRRofereceu parecer pugnando pelo improvimento dos apelos (fls. 817 e ss.).

Analiso, então, o que me cabe.

A apresentação de razões recursais em segundo grau (CPP, Art. 600,§ 4º) implica deslocamento do processamento do apelo para a Corte e,decorrentemente, oferecimento de contrarrazões pelos agentes que nelamilitam, aí incluindo-se a Procuradoria Regional da República. Pretender ocontrário, como se apenas o Procurador da República que oficiou em primeirograu pudesse oferecê-las, significaria, de um lado, ignorar a unicidade eindivisibilidade ministerial (CF, Art. 127, caput), militando, por outro, emdesfavor da razoável duração do processo (CF, Art. 5º, LXXVIII).

Rejeito, portanto, a preliminar arguida nas contrarrazões apresentadaspela douta Procuradoria Regional da República.

A prova carreada aos autos, por outro lado, é lícita, inclusive no quepertine à quebra de sigilo telefônico. Toda e qualquer decisão judicial deve serfundamentada (CF, Art. 93, IX), mas isto não significa que apenasfundamentações vastas atendam ao mandamento constitucional. No caso, asdecisões impugnadas referem-se expressamente às promoções que asjustificaram, incorporando-lhes, então, os fundamentos.

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De mais a mais, as condenações que remanescem (notadamenteaquela alusiva ao uso de documentos falsos) encontram farta prova nos autos,toda ela autônoma e independente em relação à quebra do sigilo telefônico, demodo que o debate sobre a licitude desta prova perde toda sua possívelimportância. Rejeito, então, com tais argumentos, a preliminar suscitada noapelo de SEVERINO JORDÃO, na linha dos argumentos lançados através doparecer apresentado pela douta Procuradoria Regional da República (fls. 819e 820):

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É farta a prova, com efeito, no sentido de demonstrar que os réus --sem concertação de propósitos -- agiram como descrito em sentença: oprimeiro entregou ao segundo documentação contrafeita, relativa a pessoasinexistentes, postulando a abertura de duas contas correntes, por meio dasquais acabou movimentou quantias relevantes, extraídas da vigilância dosórgãos de controle; o segundo, sem adotar os expedientes de cautela exigíveisem sua função de gerente de banco, abriu contas sem sequer ter contato físicocom os dois pretensos titulares, o que, conquanto não seja prática totalmentealheia ao mundo bancário, não se justificava no caso.

Vale, no ponto, transcrever trechos da sentença, a cujo fundamentosadiro, fazendo questão de dispensar, para as conclusões que esboço, todas asreferências aos diálogos interceptados a que ela acabou se referindo:

"A prova documental é bastante extensa, sobretudo a colhida na seara administrativa, merecendodestaque:

* as cédulas de identidade de fls. 03, apenso VII, e fls. 12, apenso VIII, "expedidas" nos supostosnomes de ALDO SANTOS GOES e ÁLVARO LUIZ SILVA CAVALCVANTE quando, na realidade,pertenciam a JOSÉ AMÉRICO BORGES DA COSTA e LUCIANO MANOEL DA SILVA, consoante seinfere do ofício de fls. 16 do apenso IV, expedido pelo ITB dando certeza da falsidade;

* as fichas de autógrafos e documentos correlatos que demonstram a abertura das contas n.º 11.241-8e n.º 1973-2, ambas da agência n.º 045, da CAIXA, elaboradas com base nas identidades falsas, nasdatas de 03/11/2006 (fls. 11, apenso VIII) e 11/10/2006 (fls. 02, apenso VII);

(...)

Enfim, do apurado nos autos, restou evidente que, a pedido de SEVERINO, OTTO abriu duas contas naCAIXA em nome de terceiros que, ao final, foram descobertos como pessoas inexistentes.

E mais: era o próprio SEVERINO quem "mexia" em tais contas, fazendo movimentações bancárias,inclusive, de grande monta, consoante se infere, por exemplo, do laudo de exame financeiro acostado(mídia de fls. 16, apenso IV).

Aliás, na realidade, o próprio SEVERINO - como se verá adiante, em seu interrogatório judicial -admitiu que era ele mesmo quem movimentava as duas contas, em que pese "pertencerem" a outrem.

Enfim, incontroverso restou: 1) a abertura de duas contas por OTTO a pedido de SEVERINO; 2) asduas contas foram abertas com identidades falsas apresentadas por SEVERINO.

Cumpre averiguar doravante se ambos os réus agiram em conluio ou não; se munidos de dolo ou não.

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Com esse intuito, sigamos perquirindo a prova testemunhal e os próprios interrogatórios dos acusados.

Ouvido na condição de testemunha de acusação, ÁLVARO DA COSTA BIVAR afirmou que (fls. 347):

* conhece os acusados;* sabe que os acusados estão respondendo por desvio de verbas, fraudes;* nunca trabalhou, nem conhecia SEVERINO;* conheceu SEVERINO por ser gerente de pessoa física da CAIXA;* conheceu SEVERINO através de OTTO;* não teve contato com as operações financeiras ora tratadas, nem soube que foram abertas pessoasjurídicas e contas em nome de pessoas inexistentes;* quando foi chamado para ser ouvido foi que veio saber de tais condutas;* nunca desconfiou dessa situação;* quando ouvido no DPF, era gerente e as contas em análise já estavam abertas;* ficou sabendo das contas "falsas" apenas quando ouvido no inquérito policial;* SEVERINO, pelo que soube, movimentava as duas contas na condição de procurador;* as transações eram basicamente depósitos em conta e retiradas, sem deixar desconfiança deilegalidade;* não viu movimentações suspeitas;* não lembra se as falsidades das contas foram apuradas em auditoria da CAIXA;* a abertura de conta é feita com a documentação original;* no caso em tela, não sabe como foram abertas as contas;* quando assumiu a gerência, as contas de SEVERINO já estavam abertas;* todo funcionário da CAIXA tem autorização para abrir contas;* na época dos fatos, OTTO tinha possibilidade de abrir contas e soube que fora ele quem abrira asduas contas ora tratadas;* para abrir uma conta, a prática indica a apresentação de documentação original e pesquisa sobre taldocumentação;* verifica-se, por exemplo, o nome da pessoa no SERASA, SPC, Receita Federal, etc.;* não sabe como OTTO abriu essas duas contas;* quando a conta é aberta por procurador, a procuração tem que ser reconhecida por Tabelião, sendopública;* não sabe se, com relação às contas ora tratadas, SEVERINO abriu as contas;* sabe que OTTO abriu as contas;* para uma conta de pessoa física ser aberta é necessária a presença da pessoa na agência;* estava na ficha de autógrafos que SEVERINO era procurador das contas abertas;* se o gerente confiar, pode abrir a conta sem a presença do cliente;* o gerente está autorizado a abrir uma conta sem a presença do cliente;* as duas contas foram "encarteiradas" sob sua responsabilidade;* OTTO era seu chefe, já que era gerente geral da agência;* possuíam metas bastante elevadas para bater;* fazia parte da meta o número de abertura de contas e captação de recursos;* ficou sabendo depois, quando ouvido perante o DPF, que as contas haviam sido usadas de maneirailícita;* durante a movimentação das contas, jamais percebeu qualquer ilicitude;* ouviu que as contas movimentavam dinheiro oriundo de corrupção;* salvo engano, as verbas desviadas eram de merenda escolar;* soube disso na Polícia Federal;* um dos "titulares" da conta era "Aldo";* administrava 2000 clientes, dentre estes, as duas contas ora tratadas;* SEVERINO movimentava tais contas através de cheques e guias de retiradas;* SEVERINO nunca apresentou procuração à testemunha;* pode acontecer de o gerente entregar a ficha de abertura de conta para que o cliente leve e sejapreenchida por outrem;* não lembra de o sistema SIPLA ter acusado qualquer movimentação estranha, com indício de fraudee/ou lavagem de dinheiro;

Fls. ____

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* OTTO orientava para que fossem obedecidas todas as determinações do BACEN e isso era cumpridoà risca;* trabalhou uns 5 anos com OTTO;* nunca tomou conhecimento de qualquer fraude que desabonasse a conduta de OTTO;* nunca tomou conhecimento de nada que desabonasse a conduta de OTTO;* não tomou conhecimento de OTTO saber que as pessoas, titulares das duas contas, não existiam;* acha que se OTTO soubesse que as pessoas não existiam não teria aberto as contas;* se alguém chegasse, por exemplo, com uma carteira de identidade geralmente o gerente nãopesquisava sobre a autenticidade de tal documento;* acha que trabalhavam em torno de 100 funcionários na agência;* não tem conhecimento de outras contas abertas pessoalmente pelo gerente geral;* SEVERINO não era um dos maiores clientes da agência;* não sabe dizer se SEVERINO tinha relação de amizade com OTTO;* era comum SEVERINO ir à agência;* SEVERINO, quando ia à CAIXA, procurava o setor da testemunha;* das 2000 contas que a testemunha geria, apenas essas duas foram abertas pessoalmente por OTTO;* acha que OTTO não sofreu qualquer punição;* não viu os cartões de autógrafos dessas contas;* se a conta for aberta por procuração, não existe assinatura dos titulares em lugar algum;* quando soube de tudo no DPF, teve uma grande surpresa;* não havia nenhum atendimento diferenciado para SEVERINO.

Como se verifica, a testemunha tomou conhecimento da suposta abertura de contas "fantasmas" apenaspor "ouvir dizer", especificamente quando chamado para depor perante o DPF. No mais, não elucidanada relevante sobre os fatos em contenda, apenas que OTTO, na condição de gerente, poderia sim, adepender do caso e da confiança depositada no pleiteante, abrir uma conta corrente sem a presençafísica do titular.

Também ouvido na condição de testemunhas de acusação, LUIZ OTÁVIO DE SOUZA JORDÃOEMERENCIANO destacou que (fls. 383):

* é sobrinho de SEVERINO;* é advogado;* trabalhou com SEVERINO na Didier Levy, fazendo visitas a bancos e a clientes;* SEVERINO era o representante da aludida empresa em Recife;* a Didier Levy é uma casa de câmbio;* enquanto trabalhava na empresa, fez muitos movimentos bancários, não lembrando dos nomes dosclientes;* tratava pessoalmente com poucos clientes;* lembra que, no DPF, foi-lhe mostrado um cheque de uma dessas duas contas;* era comum andar com cheques para depositar, fazer pagamentos, etc.;* trabalhava muito com os cartões BTN;* a base da empresa funcionava em torno do cartão BTN e menos em torno das operações de câmbio;* nunca viu SEVERINO realizar operação de câmbio sem autorização e registro;* São Paulo tinha o controle total das operações de câmbio;* não tem informação alguma sobre possível uso de documentos falsos para abrir contas em agênciada CAIXA;* acha que chegou a ver OTTO uma ou duas vezes, não tendo contato próximo.

A testemunha também não fala especificamente sobre os fatos em questão, limitando-se a aduzir não terconhecimento de que SEVERINO realizada operações de crédito de maneira ilegal, tampouco atuavausando documentos falsos.

Testemunha de defesa PIETRO LUCHESE HAWSON (fls. 383), indagada, aduziu que:

* não é parente, inimigo, nem amigo íntimo dos réus;* é amigo de SEVERINO;

Fls. ____

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* conheceu o réu através de uma empresa de câmbio que ele tinha, a Didier Levy;* sempre que viajava comprava VTM e moeda a SEVERINO;* comprava mais VTM porque achava mais seguro;* costumava "carregar" o VTM com o réu;* sempre que comprava moeda ao réu, apresentava RG, CPF e comprovante de residência;* nunca comprou nada de maneira informal com SEVERINO;* sempre apresentou todos os documentos exigidos;* chegou a indicar muitos amigos e parentes a SEVERINO;* o atendimento de SEVERINO era o diferencial;* nunca ninguém lhe disse que o acusado realizou qualquer operação de maneira informal;* não tem conhecimento nenhum sobre os fatos em apuração.

Testemunha de defesa AULETE RIBEIRO JÚNIOR (fls. 383) também afirmou que:

* não é parente, amigo ou inimigo dos réus;* conhece SEVERINO desde 1980;* também conhece OTTO da CAIXA;* é engenheiro mecânico aposentado;* trabalhou muitos anos na construção civil;* reformou a CAIXA na frente do aeroporto;* na ocasião, SEVERINO era gerente da Imperial Diesel, que ficava ao lado, motivo pelo qual seconheceram;* SEVERINO vendia caminhão;* sempre manteve contato comercial com o réu desde então;* vários caminhões de sua empresa foram comprados a SEVERINO;* fez uma viagem há uns 05 anos e, na ocasião, procurou o réu, que estava trabalhando com casa decâmbio;* comprou dois VTNs ao réu;* fez apenas essas operações com o réu;* fez tudo com regularidade, apresentando os documentos de praxe;* o réu continuou "mexendo" com caminhão;* SEVERINO sempre lhe orientou na aquisição de caminhões;* fez consultas ao réu até 2012, depois a testemunha se aposentou;* já foi cliente da CAIXA, tendo esta financiado várias obras suas;* tinha um contato comercial com OTTO;* nunca teve problema algum com OTTO;* nunca tomou conhecimento de qualquer irregularidade praticada por OTTO;* não tem conhecimento algum sob os fatos em apuração.

Também na condição de testemunha de defesa, EMANUEL PLÁCIDO OLIVEIRA MORAES (fls. 383)esclareceu que:

* não é parente, amigo ou inimigo dos réus;* tem relações comerciais com SEVERINO;* não conhece OTTO;* conhece SEVERINO há muitos anos;* desde que começou a venda de cartões Visa Travel Money - VTN, começou a comprá-los na casa decâmbio do acusado, a Didier Levy;* tem costume de viajar muito para o exterior;* depois soube que o réu deixou a Didier Levy e foi para outra casa de câmbio, tendo continuado sendoseu cliente;* sempre comprou dólares e euros com o réu e de maneira absolutamente correta e legal;* normalmente não anda como dinheiro em espécie, por isso usa muito o Visa Travel Money;* sempre informou o CPF e preencheu os formulários necessários à aquisição do VTM;* sempre indicou a casa de câmbio do réu a amigos seus, inclusive a magistrados;* não conhece qualquer pessoa que tenha feito operação de câmbio informal com SEVERINO;* não tem qualquer conhecimento dos fatos tratados na denúncia.

Fls. ____

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Na condição de testemunha de defesa WALDEMAR DE ANDRADE IGNÁCIO DE OLIVEIRA (fls. 383)afirmou que:

* não é parente, amigo, nem inimigo dos réus;* conhece SEVERINO há uns 15 anos;* SEVERINO trabalhava com carros e com uma casa de câmbio quando o conheceu;* chegou a consultar a Didier Levy sobre câmbio;* acha que não chegou a comprar câmbio na Didier Levy;* nunca fez qualquer operação informal com o réu;* uma vez o réu o presenteou com um cartão Trevel Money, mas nunca o "carregou";* não lembra do diálogo lido em audiência, que consta na denúncia, mas acha que foi uma meraconsulta, cotação de dólar;* a testemunha é conhecido como "DEMA";* não lembra de ter efetuado qualquer compra de câmbio com SEVERINO;* não tem qualquer conhecimento sobre os fatos relatados na denúncia;* só conhece SEVERINO, mas não OTTO;* não chegou a conversar com SEVERINO sobre o que aconteceu;* ouviu falar desse processo apenas no jornal;* há um tempo, SEVERINO ligou para a testemunha para lhe informar que o havia indicado comotestemunha.

As aludidas testemunhas, como se viu, não tinham conhecimento específico sobre os fatos em apuração,limitando-se, pois, a atestarem a idoneidade de SEVERINO.

Na condição de testemunha de defesa CARLOS GALINDO AUGUSTO PACHECO (fls. 383) esclareceuque:

* não tem amizade com OTTO, sendo apenas colega de trabalho;* também foi gerente da agência em que OTTO fora gerente geral;* OTTO era gerente geral e a testemunha, gerente de pessoa física;* isso ocorreu entre 2002 e 2007;* saiu da agência Guararapes em 2010;* era gerente de pessoa física;* geria aproximadamente 10000 contas;* durante esse período, acha que OTTO pode, na condição de gerente geral, ter aberto alguma conta;* isso não é muito comum, mas pode ter acontecido;* nas contas sob sua alçada não lembra de ter contas abertas por OTTO;* poderia acontecer de o gerente fornecer, por confiança, carteira de autógrafo para que determinadocliente levar para outro preencher;* isso é raro, mas pode acontecer;* havia recomendação para que o funcionário verificasse se a documentação apresentada pelo clienteera realmente legítima;* havia checagem, por exemplo, da fotografia de documento de identidade;* não havia recomendação para que o funcionário verificasse perante o órgão expedidor se odocumento de identificação apresentado era verdadeiro;* não tomou conhecimento de contas em nome de pessoas inexistentes;* só veio a saber disso quando os fatos saíram na impressa e fora chamado para ser ouvido no DPF;* na impressa se falou muito no nome de OTTO;* não tem conhecimento do fato de OTTO saber que tais pessoas não existiam;* nunca presenciou, nem tomou conhecimento de conduta irregular por parte de OTTO;* OTTO era competente, envolvido, eficiente, etc.;* OTTO era um bom gerente;* a CAIXA estipulava metas a serem cumpridas pelos gerentes;* abertura de novas contas, em si, não é uma meta;* não existe benefício ao empregado por abertura de conta;* recebem alguns "pontos" para "trocar" por algo;

Fls. ____

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* lembra de SEVERINO, mas ele não era de sua carteira;* as metas serviam basicamente para os gerentes serem mantidos com as funções;* lembra de Artur Tabosa Viana, que era escriturário;* qualquer empregado poder dar visto de conta;* o empregado confere o documento original, dando visto;* acredita que Artur dava visto na presença de documento original, como era a recomendação;* existia o sistema SIMPLA, que alertava transações com indícios de irregularidade;* quando havia alerta, tinham a obrigação de ligar para o cliente para averiguar;* não lembra de transações relacionadas às contas ora tratadas;* para abrir uma conta, é necessário o RG, o CPF, comprovante de residência e de renda;* após a apresentação de tais documentos, consultam sistemas da Receita Federal e outros internos;* não é normal abrir conta sem a presença da pessoa física, mas isso pode ocorrer no caso deconfiança;* SEVERINO tratava muito com OTTO e com ÁLVARO, que era o gerente de sua conta;* não sabe dizer nada sobre as duas contas abertas e tratadas nesses autos;* depois do ocorrido, soube do que houve através dos jornais;* soube que tinha havido problemas em Jaboatão com recursos de merenda escolar e repasses nessalinha, com a participação do gerente da CAIXA, que era OTTO.

As declarações da testemunha só reforçam a tese de que OTTO, na condição de gerente, poderia abrircontas sem a presença física do pretenso titular. Tal hipótese, todavia, deveria ser excepcional,justificando-se apenas em casos raros.

No mais, atestam a regularidade de sua conduta.

Também na condição de testemunhas de defesa, MÁRCIO LUIZ DE ALBUQUERQUE E SILVA (fls.457) afirmou que:

* conhece SEVERINO há uns 30 anos;* é oriundo do mercado financeiro e gerente de banco há muitos anos, tendo conhecido SEVERINOdaí;* chegou a trabalhar com SEVERINO durante uns 02 meses;* teve uma longa convivência com SEVERINO como cliente do banco;* depois, passou cerca de 02 meses trabalhando com o réu fazendo "operação" que estava sendoiniciada;* trabalhou ajudando a estruturar essa pequena loja de câmbio do réu;* nunca soube de SEVERINO realizar operação informal;* durante o tempo que passou lá, nunca viu qualquer irregularidade;* sabe que SEVERINO também comercializava veículos;* houve uma época em que o réu honrou um compromisso com o banco dando os veículos;* gerenciava uma conta de SEVERINO no Banco Bandeirantes;* nunca forneceu ao réu conta de terceiros com cheques assinados;* a conta do réu era de pessoa física;* a casa de câmbio aberta pelo réu era uma franquia da Didier Levy, empresa de São Paulo;* desconhece a existência de metas por parte da Didier Levy;* acha que o réu não ficou trabalhando com a casa de câmbio e veículos concomitantemente;* nunca soube de ter vindo alguém da matriz para Recife;* não sabe nada sobre os fatos tratados nos autos.

Testemunhas de defesa EDUARDO GUERRA FONTES (fls. 457):

* conhece SEVERINO há uns 10 ou 15 anos;* trabalha na atividade de turismo desde os 19 anos;* alguns de seus clientes adquiriram VTMs com SEVERINO;* nenhum cliente disse que o réu agiu ilegalmente na venda de cartões VTM;* todos os bancos têm cartão VTM;* dos poucos clientes seus que adquiriram VTMs ao réu, nenhum reportou-lhe algum problema;

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* conhece OTTO e sua esposa da CAIXA;* era cliente da CAIXA;* abriu uma conta na CAIXA por amizade que tinha com OTTO e jamais teve qualquer problema;* a conduta de OTTO sempre foi ilibada;* a conta de agência de viagem é muito básica;* nunca fez nada além do básico em sua conta;* nunca ouviu nenhum comentário que desabonasse a conduta de OTTO;* foi cliente da CAIXA há 20 anos;* nunca ouviu ninguém falar mal de OTTO;* não conhece ALDO SANTOS GOIS nem ALVARO LUIZ CAVALCANTI;* não tem qualquer conhecimento sobre os fatos ora tratados.

Testemunhas de defesa MANUEL RAU DE ALMEIDA (fls. 457):

* conhece SEVERINO há aproximadamente 30 anos;* conhece SEVERINO de relacionamento comercial e de amizade;* SEVERINO tinha negócios de automóveis e de casa de câmbio, sendo cliente dele em ambos os casos;* comprou, vendeu, consertou carros com SEVERINO;* seus filhos viajaram para a Europa e compraram câmbio a SEVERINO;* compraram VTM a SEVERINO;* não tem conhecimento de qualquer fato que desabone a conduta de SEVERINO;* não tem qualquer informação sobre os fatos em apuração.

Testemunhas de defesa ANTÔNIO CÂNDIDO DE OLIVEIRA FILHO (fls. 457):

* conhece SEVERINO desde 2004;* conheceu SEVERINO por terem amigos em comum;* também teve relação comercial com SEVERINO, tendo comprado um VTM para sua filha, que residiana Europa;* SEVERINO nunca ofereceu aquisição de moeda estrangeira informal;* só fez mesmo uma operação comercial com SEVERINO, que vou a relativa ao VTM já narrada;* não sabe dizer se SEVERINO comercializou veículos;* não tem conhecimento de qualquer fato desabonador da conduta de SEVERINO;* não tem conhecimento sobre os fatos tratados nos autos.

Testemunhas de defesa LUIZ AUGUSTO MACHADO COSTA TABOAS (fls. 457):

* conhece SEVERINO desde os 25 anos de idade, tendo atualmente 62 anos;* conhece SEVERINO de clubes e também comercialmente;* SEVERINO trabalhava com carros e caminhões da Mercedes Benz no Nordeste;* acha que SEVERINO era gerente da área comercial;* SEVERINO sempre trabalhou com veículos e depois também com atividade de câmbio;* é conhecido por GUGA e TIGER;* sobre a transcrição na denúncia de conversa telefônica entre a testemunha e SEVERINO falandosobre empréstimo de 120 mil reais, não se trata de forma alguma de operação de câmbio;* essa operação era de fomento mercantil;* nunca fez operação de câmbio desse valor elevado;* não tem conhecimento de SEVERINO fazer operação de câmbio não declarada;* SEVERINO participava da empresa Didier Levy, que é uma operadora de câmbio;* a atividade de SEVERINO sempre foi mais focada na comercialização de veículos;* nunca ouviu falar em ALDO SANTOS GÓIS, nem ALVARO LUIZ CAVANTANTI;* teve uma empresa de fomento há muitos anos;* especificamente sobre esse valor de 120 mil reais tratado na ligação, não lembra exatamente dessaoperação de fomento;* tem conta na CAIXA;* não tem ideia do montante que tratou com SEVERINO;* não tem mais negócios com SEVERINO;

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* sempre trabalhou com bancos, empresas de fomento e fundos;* não tem conhecimentos sobre os fatos ora tratados.

Como também se viu, as derradeiras testemunhas não têm conhecimento direto sobre os fatos oratratados. No mais, limitaram-se a atestar conduta ilibada do acusado.

Em suma, portanto, as testemunhas ouvidas perante o juízo não trouxeram conhecimento relevantesobre os fatos em apuração.

Fortaleceram, todavia, a possibilidade de OTTO, na condição de gerente geral, abrir conta mediante aapresentação de documentos e ficha do pretenso titular, mesmo sem a presença deste. Tal hipótese,todavia, deveria ser excepcional e somente se justificaria quanto existisse alto grau de confiança entreo "requerente" e o gerente ou situação em que, pelas próprias circunstâncias de tempo e quantidade depessoas - o que será esclarecido doravante -, fosse materialmente impossível exigir a presença de todosos titulares (por exemplo, no caso de "mutirão").

Vejamos, doravante, o que disseram SEVERINO e OTTO ao serem interrogados em juízo.

SEVERINO (fls. 457) afirmou, resumidamente, que:

* tem 53 anos;* é casado há 30 anos e tem duas filhas maiores de idade;* tem terceiro grau, sendo formado em Administração;* trabalha com comércio de caminhão e máquinas agrícolas;* está inviabilizado comercialmente;* tem um irmão que possui empresa e trabalha colaborando com o irmão;* tem renda média mensal de R$ 10.000,00;* tenta construir, fazer terraplanagem, mas não tem conseguido;* nunca foi preso;* não é mais dono da Didier Levy desde 2009;* a filial foi encerrada;* era gerente da filial de Recife/PE;* a acusação é totalmente falsa;* nunca fez uma operação de câmbio não autorizada pelo BACEN;* sobre as duas contas abertas no nome de ALDO e ÁLVARO, operou essas duas contas, depositando eretirando valores delas;* no final de 2005, OTTO lhe foi apresentado por um amigo em comum;* foi procurado por OTTO para abrir contas na CAIXA;* a corretora trabalhava nacionalmente com o UNIBANCO;* por isso, não podia abrir conta em outro banco;* OTTO então sugeriu que abrisse uma conta de pessoa física;* na época, estava financeiramente mal;* tinha apenas uma conta no UNIBANCO e, como devia ao banco, não podia encerrá-la;* movimentava valores de compra e venda de caminhões, apartamentos, etc.;* abriu então uma conta corrente na CAIXA para sua esposa;* mas também não podia movimentar tal conta para não comprometer a esposa, já que transitariamverbas não declaradas por ela no IR;* OTTO disse então que tinha algumas contas estagnadas e precisava bater metas, perguntando aointerrogando se ele tinha interesse em movimentar alguma delas;* começou operando uma conta e depois passou a operar a outra também;* as duas contas já estavam abertas, não tendo sido o interrogando que requereu a OTTO a abertura;* não confirma a versão de OTTO no sentido de que o interrogando pediu que ele abrisse as duascontas fantasmas para movimentar valores de operações de câmbio;* nunca pagou nada a OTTO;* OTTO apenas precisava bater metas;* tinha cheques assinados dessas contas;* o dinheiro que movimentava nessas contas era apenas o relativo ao que comercializava;

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* quanto às operações de crédito, trabalhava numa empresa centenária que não permitia que nadaocorresse fora da legalidade;* tinha uma remuneração muito boa, não precisando operar legalmente;* movimentou nessas duas contas apensa valores relativos a compra e venda de veículos e imóveis;* nunca transitou nessas contas valores de operações de crédito;* não sabe dizer porque OTTO afirmou isso, ou seja, que fora o interrogando quem pediu que abrisseas duas contas, trazendo documentos dos "titulares" e fichas preenchidas;* nenhum dos valores relativos às operações de crédito transitou por tais contas;* sobre a negociação de 120 mil reais, referia-se à compra de algum caminhão;* mesmo tendo boa remuneração pela Didier Levy, continuou trabalhando com automóveis, já quesempre trabalhou com esse ramo;* especificamente em relação à operação realizada com DEMA, tem a dizer que SANDRA, que era umaconhecia, de fato ligou para o interrogado dizendo que tinha uns Euros para vender;* na ocasião, o réu informou que não poderia, ele mesmo, comprar, mas poderia indicar algum amigoque estivesse precisando;* foi quando ligou para DEMA, pois este iria viajar brevemente;* fez, portanto, a intermediação entre SANDRA e DEMA;* de todo modo, DEMA nem chegou a comprar os Euros de SANDRA;* vivia de suas comissões e, até por isso, não costumava fazer esse tipo de intermediação;* em 2009, a Didier encerrou as atividades em Recife/PE;* foi então convidado por outra empresa, a B e T, para trabalhar com câmbio;* sabia que estava cometendo uma irregularidade usando duas contas de terceiros como se fossemsuas;* hoje, com a clareza que tem, verifica que, de fato, isso não era correto;* não declarava imposto de renda relativo a esses valores que transitavam nessas contas;* todas as operações de câmbio que fez eram registradas no BACEN;* a Didier Levy operava cerca de um bilhão de dólares por mês, de modo que não iria admitir que umairregularidade fosse cometida por um "cafuçu" de Recife;* lembra do depoimento que prestou no DPF em 2011;* aceitou a proposta de OTTO de movimentar as duas contas em razão de dificuldade financeira;* pensou em recorrer a algum parente, chegando, inclusive, a abrir conta em nome de sua mulher;* de todo modo, os recursos não seriam declarados no imposto de renda de sua esposa, motivo peloqual desistiu;* não acha que burlou propriamente o IR porque, na realidade, a maior parte dos valoresmovimentados não eram seus, mas tão somente os que se referiam à sua comissão;* OTTO que lhe procurou com tal proposta;* sobre a operação de 120 mil com GUGA (TIGER), diz novamente que não se referia à operação decâmbio;* deve ter sido relativa a fomento mercantil, pois GUGA trabalhava com isso;* seu sobrinho passou mais ou menos um ano trabalhando consigo, basicamente como office boy;* sobre o fato de ter sido apontado por um blog como "doleiro" do PSB, tem a dizer que o intuito da"blogueira" foi apenas atingir o PSDB;* isso foi "jogado" na mídia irresponsavelmente;* sabe que existe um processo em Jaboatão dos Guararapes, mas não é réu nele;* existem pessoas que conhece que são réus nesse processo, mas não sabe bem seu conteúdo;* nunca realizou operação de câmbio informalmente para políticos;* de todos os diálogos interceptados, nenhum se refere a câmbio, com exceção do diálogo com DEMAna tentativa de vender Euros de SANDRA;* nunca assinou cheques dessas contas, nem cartões de autógrafos;* só tinha talões de cheques dessas contas;* nunca recebeu dinheiro de merenda escolar;* não sabe nem como essa história de merenda escolar surgiu;* os cheques das contas estavam sempre consigo, em seu poder;* sobre a existência de depósito em favor de GERALDO CYSNEIROS, tem a dizer que era amigo dele ejogavam gamão e baralho pela internet;* portanto, ele e GERALDO sempre apostavam valores e faziam encontro de contas;

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* sobre uma ligação com OTTO pedindo para abrir "novas contas" e perguntando se não existiam"outros amigos" com contas já abertas, isso só corrobora com o que afirmou;* não movimentou valores em outras contas, só nas duas ora tratadas.

Como se infere, a versão de SEVERINO é a seguinte: fora procurado por OTTO para abrir conta naCAIXA. Em virtude de seu nome estar "sujo", embora precisasse de contas bancárias, não podia abri-las, o que informara a OTTO. Para "sanear" o problema, OTTO lhe oferecera duas contas de terceiros- já anteriormente abertas - para que SEVERINO as movimentasse e assim foi feito.

Em suma, segundo SEVERINO, sua conduta consistiu basicamente em aceitar movimentar duas contasde terceiros. Portanto, não teria sido o responsável pela abertura das contas, muito menos tiveraconhecimento de que as pessoas não existiam.

No mais, segue atribuindo a OTTO o fato de ter lhe oferecido a aludida "movimentação" das contas,que, como dito, já existiam.

Apesar da tese simplória, o réu não empresta verossimilhança nas justificativas que dá, por exemplo,ao fato de existirem depósitos em tais contas relativos à pessoa de GERALDO CYSNEIROS. Sobre talevento, quer fazer crer que os valores se referiam a apostas de jogos pela internet, o que não se mostraminimamente razoável já que, em outro momento, afirmou que tais contas eram utilizadas única eexclusivamente para depositar valores relativos às suas transações mercantis. Ora, se era mesmo tãoamigo de GERALDO - o via constantemente - por que não "acertas as contas" das apostas de jogospessoalmente?

(...)

Pelas provas e lógica, o que aconteceu foi o contrário: SEVERINO, este sim, pediu a OTTO queprovidenciasse a abertura das duas contas, versão, inclusive, apresentada por este, como se verá.

OTTO (fls. 457), interrogado em juízo, afirmou que:

* tem 56 anos;* é casado há 33 anos;* tem 03 filhos, todos maiores de idade;* não trabalha mais na CAIXA, tendo se aposentado;* atualmente não está exercendo nenhuma atividade;* recebe mensalmente em torno de R$ 16.000,00;* essa é a única renda que possui na atualidade;* não chegou a ser preso, nem a responder a outro processo criminal;* não sabe detalhes do processo de Jaboatão;* fez curso de Gestão Imobiliária;* tem conhecimento da acusação que lhe é feita;* a acusação não é verdadeira;* foi gerente de banco durante quase 35 anos;* acordava e dormia pensando em captar clientes;* quando os fatos ora tratados ocorreram, era da agência da Guararapes, a maior do Norte-Nordeste;* desde os 28 anos é diabético;* para o banco, não houve um problema de fato;* não esquece do dia em que foi submetido à condução coercitiva;* no dia 25 de agosto, a Polícia Federal entrou em sua casa às 6h da manhã e o levaram de formabastante rude;* por ser diabético, ficou muito mal durante várias horas na delegacia esperando;* não sabe nem dizer quem era a delegada em virtude do fato de estar muito perturbado;* a delegada dizia que "já sabia de tudo", mas que o interrogado só sairia dali quando dissesse o queela quisesse;* seu interrogatório foi totalmente equivocado;* tem muitas coisas no interrogatório que não disse;

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* sofreu momentos de terror no DPF;* a delegada disse um monte de coisas e o réu apenas assinou o termo;* até hoje não dorme direito;* todos os dias quando chega 6h da manhã acorda mesmo sem despertador de tão traumatizado queficou;* ainda pretende trocar de apartamento só para ver se deixa de lembrar tanto;* sobre as duas contas ora tratadas, tem a dizer que, na época, o grande desafio era manter ou trazerclientes para a agência que acabava de assumir como gerente;* conheceu SEVERINO através de GERALDO CYSNEIROS;* falou para GERALDO CYSNEIROS que estava precisando vender consórcios bancários, ocasião emque este lhe indicou SEVERINO;* GERALDO então ligou para SEVERINO e começaram (SEVERINO e o interrogando) a ter umrelacionamento comercial;* ofereceu o consórcio a SEVERINO, mas este lhe disse que estava com problemas, inclusive sem poderabrir contas de pessoas jurídicas;* SEVERINO pediu então que abrisse uma conta no nome de sua esposa;* depois, SEVERINO disse que iria ajudar mais o interrogando e lhe pediu kits de abertura de contas;* SEVERINO lhe perguntou se o interrogando tinha interesse que ele indicasse amigos para abriremcontas na CAIXA, ao que respondeu prontamente que "sim";* depois SEVERINO lhe mandou dois desses kits preenchidos;* na época, precisava apenas da ficha preenchida e de alguns documentos, sem necessidade dereconhecimento de firma;* foi preparado para analisar os documentos originais e assim fez com os documentos apresentadospor SEVERINO;* na prática, quando conhece o cliente, pode abrir conta sem sua presença;* foi isso o que fez em relação a SEVERINO e às duas contas que este pediu que abrisse;* é uma prática do mercado abrir contas sem a presença física do cliente;* conferiu os documentos originais e abriu pessoalmente uma das contas a pedido de SEVERINO;* com relação à outra conta, pediu a um funcionário seu que o fizesse;* quanto à versão apresentada por SEVERINO no sentido de que o interrogando lhe ofereceu as duascontas de terceiros para movimentar, tem a dizer que não confirma tal versão, mas sim a sua;* nunca apresentou conta para nenhum cliente movimentar;* SEVERINO está faltando com a verdade;* o interrogando apenas ofereceu os serviços da CAIXA, jamais tendo oferecido contas de terceirospara SEVERINO movimentar;* depois disso, SEVERINO de fato lhe pediu para abrir outras contas;* sobre o diálogo interceptado entre o interrogando e SEVERINO no sentido de que "precisarem de 11jogadores" e "não dá para jogar com todos num dia só", não se recorda;* lembra que SEVERINO lhe perguntou realmente se tinha interesse em abrir outras contas de amigosseus;* nunca imaginou que as pessoas não existiam;* sempre achou que a origem dos valores era de negociações imobiliárias;* sempre soube que SEVERINO tinha muitos negócios, mas imaginava que todos eram legais;* ficou chocado quando soube que GERALDO CYSNEIROS estava envolvido com desvio de verbas demerenda;* nunca pensou que GERALDO fosse lhe colocar em contato com alguém que agisse errado;* não imaginava que as duas contas abertas por SEVERINO eram fantasmas;* não sabia de onde vinha o dinheiro;* nunca viu SEVERINO trazer uma nota sequer de dólar;* afirma que só cometeu um erro, que foi o de abrir as duas contas a pedido de SEVERINO sem ver ossupostos "titulares";* no caso dessas duas contas abertas a pedido de SEVERINO, realmente não "olhou para a cara" dosdois supostos titulares;* aliás, já agiu assim várias vezes, inclusive para a Moura Dubeux, Ferreira Costa, etc., ou seja, deabrir contas sem ver propriamente o cliente;* ocorria, por exemplo, de irem para a Moura Dubeux para fazerem as contas de todos osfuncionários, ocasião em que não viam todos;

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* não via ilegalidade nisso;* agradece a oportunidade de poder esclarecer esses fatos;* abriu as duas contas a pedido de SEVERINO consultando os cadastros, os documentos originais,etc.;* a única coisa que não fez foi exigir a presença dos titulares;* nunca ofereceu contas fantasmas a ninguém;* teve uma ocasião em que uma gerente de São Paulo ligou porque tinha uma pessoa na agênciaquerendo realizar um depósito, dizendo-se titular da conta, mas se negando a apresentar documentos;* depois disso, SEVERINO ligou para o interrogando reclamando, ocasião em que o interrogandodisse que realmente a pessoa precisava se identificar;* achou tal fato estranho e, depois do evento, não quis mais abrir contas tendo SEVERINO porintermediário;* a partir dai, começou a desconfiar que os valores movimentados nas duas contas não era de origemlícita;* além dessas duas contas, havia a conta da esposa de SEVERINO;* na verdade, SEVERINO movimentava três contas: duas de amigos e uma da esposa;* SEVERINO disse que essas duas contas eram de amigos/parceiros com quem trabalhava;* SEVERINO não eram procurador dessas contas, movimentando-as por intermédio de talão decheques;* não acompanhava a movimentação das contas;* quando ouvido perante o DPF, foi dito que havia a movimentação de dinheiro oriundo de corrupçãoatravés da Prefeitura de Jaboatão, com o envolvimento de GERALDO CYSNEIROS;* sobre SEVERINO, foi dito que ele trabalhava com dólar;* ocorreu a ventilação de notícia por colunista de que estava havendo desvio de dinheiro e corrupçãona agência da CAIXA em que era gerente;* com relação às contas abertas a pedido de SEVERINO, viu que o padrão da assinatura das fichas"batia" com os documentos de identificação, o que deu credibilidade ao fato;* como gerente geral, abriu várias contas;* claro que abriu menos contas do que outros agentes a si subordinados, mas abriu várias contas;* se errou, jamais foi por dolo.

Como se verifica, a versão de OTTO e absolutamente diversa da de SEVERINO, mas não só: reveste-sede mais verossimilhança, credibilidade e conta com o respaldo da prova testemunhal.

Segundo OTTO, assumiu uma agência bastante problemática - o que foi confirmado pelas testemunhas-, cujas metas eram enormes. Assim, precisava angariar clientes. Por ser amigo pessoal deCYSNEIROS - "homem de muitos negócios" -, o procurou, tendo este lhe apresentado a SEVERINO,sendo a versão bastante coerente.

Após os contatos inicias com SEVERINO, tendo este lhe confessado que estava com problemasfinanceiros, OTTO aceitou o fato de ele não poder abrir contas pessoalmente. Mas não só: aceitoutambém sua "ajuda", já que SEVERINO se comprometera a "angariar" clientes para a CAIXA.

Aliás, a postura de SEVERINO perante OTTO se mostrou, de certa forma, compreensível. Já queSEVERINO não podia - embora precisasse - abrir contas na CAIXA, mas tinha "parceiros" de negóciosque podia, nada mais justo do que viabilizar tal abertura. E fora exatamente isto o que OTTO fez. Poracreditar em SEVERINO e encontrar razoabilidade no que este lhe dissera, aceitou abrir duas contaspara os "parceiros" de SEVERINO, que seguia fazendo as movimentações. OTTO só não imaginavaque os tais "titulares" não existiam.

Resumidamente, portanto, a tese de OTTO é mais digna de credibilidade: atuara, isto sim, munido deconfiança e boa-fé, apenas auxiliando SEVERINO que, por sua vez, pedira que abrisse contas -regulares, segundo ele - para seus amigos.

Mais adiante, percebendo movimentação estranha das aludidas transações, o próprio OTTO cuidou detomar as medidas necessárias para estancá-las, o que só demonstra que atuara de boa-fé e não emcomunhão de desígnios com SEVERINO.

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Enfim, das provas carreadas, mostraram-se induvidosos apenas alguns fatos:

* duas contas foram abertas por OTTO a pedido de SEVERINO;* OTTO aceitou abrir as duas contas sem a presença física dos supostos interessados por acreditarque, de fato, os titulares apresentados por SEVERINO eram reais;* antes de abrir as contas, OTTO conferiu alguns dos documentos necessários, deixando tão somentede "olhar para a cara" dos pretensos titulares;* tal prática somente se justificava em situações excepcionais, onde houvesse grande confiança entregerente e "requerente" - o que não era o caso, já que OTTO tinha acabado de conhecer SEVERINO -e/ou impossibilidade material por conta da quantidade de pessoas e pouco tempo (no caso de"mutirão", o que também não era o caso).

Por outro lado, não restou devidamente comprovado que:

* SEVERINO realizava operações de crédito ilegais;* os valores depositados e movimentados nas duas contas tinham origem ilícita.

Destas constatações, chega-se a outras:

SEVERINO deve ser condenado pelo uso de documento falso, na medida em que utilizou-se dedocumentos contrafeitos para abrir duas contas na CAIXA. Por outro lado, deve ser absolvido doscrimes de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro.OTTO, por seu turno, não deve ser condenado pelo crime de gestão fraudulenta, já que não tinhaconhecimento de que os documentos utilizados por SEVERINO eram falsos.

Deve, OTTO, todavia, responder pelo crime de gestão temerária, já que, como gerente, embora tivessemesmo o poder de abrir conta sem a presença física do titular, tal exceção só se justificava em casosraros de alta confiança e/ou "mutirão", o que não se aplicava, como dito, ao caso.

Em outras palavras, não ficou comprovado que OTTO agiu com o dolo de fraudar a CAIXA e/ouSEVERINO (elemento necessário à configuração do crime de gestão fraudulenta).

Por outro lado, houve sim, por parte de OTTO, negligência e prática desarrazoada que, como visto,colocou em risco a aludida instituição financeira e clientes (elemento exigido para a consumação docrime de gestão temerária)."

As conclusões da sentença, então, sobre os fatos apurados em juízo,parecem-me irreprocháveis, merecendo especial destaque o depoimento dadopor OTTO SCHIMIDT NETO, rico em detalhes e absolutamente crível.

Em atenção ao novo argumento veiculado em sustentação oral pelopatrono de SEVERINO JORDAO, gizo, com todas as vênias, que a pretendidaconsunção do uso de documento falso por potenciais crimes contra a ordemtributária (os quais seriam impuníveis pela decadência verificada naconstituição de eventuais créditos fiscais) não faz, no caso, qualquer sentido.

Certo que há precedentes desta Corte afirmando que o uso dedocumentos falsos, quando perpetrado exclusivamente para a finalidade desuprimir tributo, constitui crime-meio à sonegação, não podendo dar ensejo à

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punição autônoma, na esteira da melhor inteligência da Súmula 17 do STJ,que, claro, não trata do caso, embora possa ser tomada como referência:

“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por esteabsorvido.”

Na hipótese presente, todavia, a situação narrada contra o réu é muitomais abrangente, ainda quando não se descarte que -- também, não apenas -pudesse ter havido sonegação de sua parte. A lesividade dos documentoscontrafeitos, é dizer, não se exauriu no crime contra a ordem tributária, ao quala acusação sequer fez referência na denúncia.

Resta, finalmente, a análise da dosimetria. Transcrevo a sentençamais uma vez, destacando seus pontos sensíveis:

"3.1. Dosimetria:

3.1.1. Da aplicação da pena privativa de liberdade: critério trifásico:

Primeira fase: análise das circunstâncias judiciais:

A - Culpabilidade:

No caso sub examine, verifica-se que o SEVERINO, de forma voluntária e consciente, apresentou duascarteiras de identidade falsas a OTTO para que este abrisse duas contas bancárias, passando amovimentá-las de maneira substancial.

Já OTTO, por negligência, aceitou os documentos apresentados por SEVERINO sem exigir a presençados "titulares", adotando postura arriscada e incompatível com a de um gerente.

Sobre a conduta de ambos, portanto, máxime levando em conta a quantidade de documentos falsos (emrelação a SEVERINO) e a quantidade de contas abertas de forma temerária (em relação a OTTO),entendo que a culpabilidade assumiu grau mediano.

B - Antecedentes:

Em obediência ao princípio constitucional da presunção de inocência e em anuência ao entendimentoesposado por boa parte da doutrina e reiteradamente assentado na jurisprudência, inclusive do STF eSTJ, entendo como maus antecedentes - a serem sopesados negativamente em desfavor do réu - apenasos registros em folhas de antecedentes criminais que representem condenação com trânsito em julgadoe que, adiante, não possam ser acatadas como agravante genérica da reincidência.

Sob este enfoque, portanto, verifico não poderem os réus ter esta circunstância sopesada em seudesfavor.

C - Conduta Social:

Quanto a essa circunstância, deve o magistrado perquirir, diante das provas coligidas e se assim forpossível, o papel assumido pelos réus na sociedade, sua forma de se portar no ambiente familiar,profissional, perante seus vizinhos, conhecidos e amigos, para que se possa concluir se este secomporta ou não de acordo com as normas sociais que exigem uma conduta harmônica e baseada emrespeito mútuo.

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Sob este enfoque, do que pôde apreender este magistrado, verifico que não há nos autos provas queapontam para uma má conduta social assumida pelos réus.

D - Personalidade:

Considerando a personalidade como sendo o conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa que,muitas vezes, se tornam patentes por intermédio de seus atos, volto-me às provas carreadas paraconcluir que não se mostraram os réus como sendo pessoa perigosas, ardilosas e voltadas ao mundodo crime.

E - Motivos:

Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa, o fundamentodo crime perpetrado, sua mola propulsora.

Sob este enfoque, portanto, verifico que, no caso dos autos, a motivação do delito não se afastou daintenção contida no próprio tipo.

F - Circunstâncias:

As circunstâncias a que se refere o art. 59 do CPP são aquelas relacionadas ao cometimento do fatohavido por delituoso, ou seja, são peculiaridades, particularidades, detalhes e/ou nuanças observadasao derredor da conduta, que podem ser sopesadas ou não em desfavor daquele que age. No presentecaso, principalmente para evitar o bis in idem com a análise da culpabilidade, entendo o requisitocomo favorável aos réus.

G - Consequências:

Como se sabe, a prática de qualquer crime traz consequências já implícitas à violação da norma, que,inclusive, podem compor o próprio tipo penal infringido. Não obstante, como circunstâncias judiciais,não serão essas as consequências analisadas e sopesadas, mas sim aquelas que extrapolam ocometimento padrão do ilícito em questão.

No caso dos autos, vislumbro consequências outras além das inerentes à violação do tipo penal emapreço. É que, graças ao uso de documento falso por parte de SEVERINO e gestão temerária por partede OTTO, todos os recursos que transitaram nas "contas fantasmas" fugiram à fiscalização do Fisco.

H - Comportamento da vítima:

O comportamento da vítima, no presente caso, o patrimônio da CAIXA e a fidúcia documental, emnenhum momento pode ser encarado como provocador da conduta dos réus. Por isso, a circunstânciajudicial em exame não é favorável aos agentes.

Pena-base:

O art. 304 do CPB, c/c art. 297, ambos do CPB, preveem para quem os infringe pena de 02 (dois) a 06(seis) anos e multa.

O art. 4º, parágrafo único, da Lei n.º 7.492/97 prevê para quem o macula pena de 02 (dois) a 08 (oito)anos e multa.

Considerando o acima fundamentado, máxime a quantidade de circunstâncias desfavoráveis aosacusados, fixo as penas-base privativa de liberdade um pouco acima do mínimo, ou seja, em 03 (três)anos de reclusão para SEVERINO e 03 (três) anos de reclusão para OTTO.

Segunda fase: análise das circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas:

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Não vislumbro atenuante, tampouco agravante em relação a SEVERINO.

Em relação a OTTO, vislumbro a confissão, que utilizo para diminuir a pena em 06 (seis) meses.

Terceira fase: análise das causas de aumento e de diminuição de pena:

Não vislumbro causa de diminuição, tampouco de aumento de pena.

Pena privativa de liberdade definitiva:

Assim sendo, considerando a pena-base aplicada, bem como as demais nuanças correlatas, as penasprivativas de liberdade definitiva cominadas são de 03 (três) anos de reclusão para SEVERINO e 02(dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão para OTTO, a serem cumprida inicialmente em regimesemiaberto (art. 33, § 2º, "b", do CPB).

3.1.2. Aplicação da pena de multa: critério bifásico:

Primeira fase: fixação da quantidade de dias-multa:

Tendo em conta a análise já traçada acerca das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CPB,bem como as considerações tecidas acerca das atenuantes e agravantes genéricas, causas de aumento ediminuição de pena, fixo, entre os limites de 10 a 360 (art. 49 do CPB), a quantidade de 120 (cento evinte) dias-multa a serem pagos por SEVERINO e 90 (noventa) dias multa a serem pagos por OTTO.

Segunda fase: fixação do valor do dia-multa:

Levando em conta a atual situação econômica dos réus, determino como valor do dia multa, dentre oslimites de um trigésimo do salário mínimo vigente no tempo do fato delituoso até cinco vezes essesalário (§ 1º do art. 49 do CPB), o de 1/3 (um terço).

Pena de multa definitiva:

Com essa operação, portanto, a multa a ser paga por SEVERINO é de 40 (quarenta) salários mínimose por OTTO, de 30 (trinta) salários mínimos, todos vigentes na época da consumação do crime, valoreste sobre o qual deve incidir a correção monetária oficial até a data do efetivo pagamento (art. 49, §2º, do CPB).

3.2. Substituição da pena privativa de liberdade:

Levando em conta que a pena privativa de liberdade aplicada não supera o limite objetivo previsto noart. 44, I, do CPB (de quatro anos), tampouco são os acusados reincidentes em crime doloso (art. 44,II, do CPB), estão preenchidos os requisitos objetivos para a substituição da pena privativa deliberdade aplicada por penas restritivas de direitos.

Da mesma forma, os requisitos subjetivos previstos no art. 44, III, do CPB, como já foi acimademonstrado, também são favoráveis aos acusados, recomendando a aludida substituição.

Com efeito, a substituição em comento, no caso em tela, atenderá aos princípios da suficiência e daadequação, representando resposta efetiva do Estado frente à conduta criminosa perpetrada.

Dessa forma, substituo a pena privativa de liberdade imposta por duas restritivas de direitos, a seremcumpridas individualmente (art. 44, § 2º, do CPB).

A primeira pena consiste na prestação de serviços a entidade pública (art. 43, IV, do CPB), devendoser cumprida à razão de uma hora por dia de condenação (art. 46, § 3º, do CPB), consoante vier a ser

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fixado pelo Juízo da Execução, de modo que esta pena restritiva de direito tenha a mesma duração dapena privativa de liberdade substituída (art. 55 do CPB).

A título de segunda pena substitutiva, de prestação pecuniária, fixo, nos termos do art. 45, § 2º, doCPB, a obrigação de cada réu entregar, mensalmente, durante todo o período de pena substituído, ovalor de R$ 200,00 (duzentos reais) na forma que será definida quando da audiência admonitória,podendo o Juízo das Execuções, caso a situação fática a recomende, operar a substituição dessasegunda pena restritiva por outra mais conveniente.

A condenação levou em conta, como se viu, a quantidade dedocumentos utilizados para aumentar a pena-base, no que, relativamente aogerente bancário, não andou bem.

É que a gestão temerária de instituição financeira pela qual foicondenado OTTO SCHIMIDT NETO (Lei 7492/86, Art. 4º, parágrafo único) écrime cuja realização, naturalmente, prolonga-se no tempo, exigindopluralidade de ações, assim não se caracterizando por atos isolados. Nacondução descuidada do banco, complexamente considerada, está o malnormativamente tipificado, pelo que representaria bis in idem puni-lo comacréscimo da pena-base em razão da quantidade de documentos manejadapara a abertura das contas fraudulentas.

Reduzida a pena-base, então, quanto a OTTO SCHIMIDT NETO, para02 anos e 06 meses (ao invés dos 03 anos dosados em primeiro grau), deve-se, em segunda fase, aplicar-se a atenuante da confissão (como definido emsentença), reduzindo-se a pena privativa de liberdade para 02 anos dereclusão, que, à míngua de causas de aumento e/ou diminuição, torna-sedefinitiva.

Passados, então, mais de 08 (oito) anos entre a data da abertura dasegunda conta-corrente (03/11/2006) e a data do recebimento da denúncia(31.10.2013), constata-se lapso temporal suficiente para que seja reconhecidaa prescrição retroativa pela pena aplicada, a gerar a extinção da punibilidade,a teor do que dispõe o Art. 109, V, do CP, o qual prevê o prazo de 04 (quatro)anos para prescrição da pena superior a 01 (um) ano e não excedente a 02(dois), comunicada para as demais penas aplicáveis, desde a de multa (CP,Art. 114, II) à perda do cargo público (que o MPF, em seu apelo pretendeufosse cominada).

Havendo a ocorrência da prescrição retroativa, é de ser reconhecidamesmo ex officio, matéria de ordem pública que é, jamais sujeita aos rigores dapreclusão - Súmula nº 241 do extinto TFR.

É importante salientar que as alterações formuladas pela Lei nº12.234/2010 ao CP, Art. 110, §§ 1º e 2º --- impedindo o cômputo da prescrição

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retroativa a partir de termo anterior ao momento do recebimento da denúncia ---, não se aplicam à hipótese, vez que os autos tratam de fatos anteriores aoadvento da mencionada modificação legislativa, e a Lei Penal somenteretroagirá em benefício do réu (CF, Art. 5º, XL).

Quanto a SEVERINO JORDAO EMERENCIANO JUNIOR, mantém-sea pena estipulada em primeiro grau, porquanto escorreita e materialmete justa:03 (três) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto (enão semiaberto, como equivocadamente assinalado na sentença, em claroequívoco material), mais 40 (quarenta) salários mínimos de multa, sendo certoque a pena privativa de liberdade foi corretamente substituída por restritiva dedireitos.

Sublinho, em resposta necessária aos argumentos lançados no apelo,que a circunstância judicial comportamento da vítima não deve ser valoradanegativamente, porquanto, sim, tem caráter neutro.

Sem embargo, culpabilidade e consequências do crime militam contra oréu (pelos argumentos declinados em sentença), bastando, a meu juízo, paramanter a pena-base nos moldes em que foi estipulada (03 anos de reclusão,os quais, à míngua de agravantes e/ou atenuantes, bem assim de causas deaumento e/ou diminuição, tornam-se definitivos, nos moldes já referidos).

Nestes termos, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DE OTTOSCHIMIDT NETO (REDUZINDO-LHE A PENA COMINADA) E, POIS, EX OFFÍCIO,RECONHEÇO A OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO RETROATIVA, DECLARANDOPREJUDICADO, CONSEQUENTEMENTE, O APELO DO MPF; E, COM ASCONSIDERAÇÕES ANTES FORMULADAS, NEGO PROVIMENTO AO APELO DESEVERINO JORDãO EMERENCIANO JUNIOR.

É como voto.

FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTASDesembargador Federal Relator Convocado

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