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Perdão, Leonard Peacock

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Copyright © 2013 by Matthew Quick

Todos os direitos reservados.

TÍTULO ORIGINALForgive Me, Leonard Peacock

PREPARAÇÃONatalia Klussmann

REVISÃOSuelen Lopes

ADAPTAÇÃO DE CAPAô de casa

DIAGRAMAÇÃOFiligrana

Todos os direitos desta edição reservados àEDITORA INTRÍNSECA LTDA.Rua Marquês de São Vicente, 99, 3º andar22451-041 GáveaRio de Janeiro – RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Q57p

Quick, Matthew, 1973-Perdão, Leonard Peacock / Matthew Quick ; tradução Alexandre

Raposo. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Intrínseca, 2013.224 p. ; 23 cm.

Tradução de: Forgive me, Leonard PeacockISBN 978-85-8057-395-4

1. Ficção americana. I. Raposo, Alexandre. II. Título.

13-02427 CDD: 813CDU: 821.111(73)-3

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Para os faroleiros — passado, presente e futuro

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Eu te peço, tira teus dedos da minha garganta;Pois embora eu não seja raivoso ou violento,

Tenho em mim alguma coisa perigosa,Que tua sabedoria fará bem em respeitar.

Tire as tuas mãos!— Hamlet, Shakespeare

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UMÉ engraçado ver a pistola nazista P-38 da Segunda Guerra Mundial sobrea mesa de café da manhã junto a uma tigela de mingau de aveia. É comoum estranho anacronismo de utensílios steampunk. Mas, se você observarbem de perto, pouco acima da coronha, verá estampada a pequena suásti-ca com a águia pousada no topo, o que é real pra caramba.

Tiro uma foto do meu lugar à mesa com o iPhone, pensando que podeser tanto um testemunho quanto arte moderna. Então eu rio pra caceteolhando a imagem na minitela, porque arte moderna é uma tremendababaquice.

Quer dizer, uma tigela de mingau de aveia com uma P-38 ao lado, comose fosse uma colher — esse arranjo, fotografado, pode ser arte moder-na, certo?

Babaquice.Mas também é engraçado.Já vi coisas piores expostas em museus de arte de verdade, como uma

tela toda branca atravessada por uma única listra vermelha e fina.Certa vez contei a Herr Silverman1 sobre a pintura com a listra verme-

lha, dizendo que eu mesmo poderia ter feito aquilo, e ele respondeu comuma voz superconfiante: “Mas não fez.”

1 Herr Silverman está dando aulas sobre o Holocausto, mas originalmente, ele éo professor de alemão do meu colégio, motivo pelo qual o chamamos de Herr, e nãode Senhor.

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Devo admitir que foi uma resposta legal e engenhosa, porque eraverdade.

Fez com que eu calasse a boca.Então, aqui estou eu, fazendo arte moderna antes de morrer.Talvez pendurem o meu iPhone no Museu de Arte da Filadélfia com a

foto da tigela de mingau de aveia e a pistola nazista expostas.Podem chamar de Desjejum Para um Assassinato Adolescente ou algo

tão ridículo e chocante quanto isso.O mundo das artes e das notícias vai adorar, aposto.Tornarão a minha obra de arte moderna instantaneamente famosa.Especialmente depois que eu matar Asher Beal e me suicidar.2

O valor das obras de arte sempre sobe quando o artista é associado acoisas ruins, do tipo cortar a própria orelha, como Van Gogh, ou se casarcom a prima adolescente, como Poe, ou fazer seus seguidores matarem umacelebridade, como Manson, ou mandar atirarem as suas cinzas pós-suicídiode um imenso canhão, como Hunter S. Thompson, ou ser vestido de meni-na pela mãe, como Hemingway, ou usar um vestido feito de carne crua,como Lady Gaga, ou sofrer coisas inomináveis ao ponto de matar um colegade classe e meter uma bala na própria cabeça, como farei hoje, mais tarde.

2 Li em Livestrong.com que “a cada 100 minutos um adolescente cometerá suicí-dio”. Não acredito de jeito nenhum que isso seja verdade. Por que nunca ouvi-mos falar desses suicídios no noticiário? Será que todos ocorrem em segredo ouem outros países? O suicídio não pode ser assim tão comum, certo? E se for...aqui estou eu imaginando estar sendo ousado e precursor em meus planos. Rá!Seguem mais provas contrárias à minha originalidade: de acordo com a Wikipé-dia — que certamente não é a fonte mais confiável e, neste caso, está totalmentedesatualizada —, “Nos EUA, as armas de fogo ainda são o método mais comumde suicídio, respondendo por 53,7 por cento de todos os suicídios cometidos em2003”. Lá também diz: “Mais de um milhão de pessoas se suicidam todos osanos.” Logo, de acordo com a Wikipédia, toda vez que nosso planeta dá umavolta em torno do Sol o suicídio dá fim a um milhão de desgraçados. Imagino oque Charles Darwin diria sobre esse pequeno e divertido detalhe. Seleção natu-ral? Um modo de a natureza proteger o mais forte e o mais necessário? Será queminha mente é apenas um agente da natureza? Estarei a ponto de orgulhar o TioCharlie Darwin?

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Meu homicídio-suicídio tornará Desjejum Para um Assassinato Ado-lescente3 uma obra de arte de preço inestimável porque as pessoas queremque os artistas sejam completamente diferentes delas. Se você é tedioso,legal e normal — como eu costumava ser —, certamente não vai se sairbem nas aulas de arte do colégio e será um artista medíocre na vida.

Inútil para as massas.Esquecido.Todo mundo sabe disso.Todo mundo.Daí que a chave é fazer algo que o destaque para sempre na memória

das pessoas comuns.Algo que importe.

3 Desjejum Para um Assassinato Adolescente é uma frase de duplo sentido, umavez que sou um assassino que é adolescente e — já que meu alvo é um adolescen-te, a quem devo matar — também sou um assassino de adolescentes!

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DOISEmbrulho meus presentes de aniversário no papel cor-de-rosa que encon-trei no armário do corredor.

Não planejava embrulhar os presentes, mas achei que talvez devessetentar tornar o dia mais oficial, mais festivo.

Não tenho medo de que as pessoas pensen que sou gay, porque, a essaaltura, realmente não me importo com o que pensam, de modo que nãoligo para o papel cor-de-rosa, embora eu tivesse preferido uma cor di-ferente. Talvez preto fosse mais apropriado, em vista do que está pres-tes a acontecer.

Embrulhar estes presentes realmente faz eu me sentir bem, como umgarotinho na manhã de Natal.

De algum modo, fazer isso me parece certo.Verifico a trava e ponho a P-38 carregada em uma velha caixa de cha-

rutos que guardo como lembrança do meu pai, porque ele gostava defumar cubanos ilegais. Forro a caixa com algumas meias velhas, paraevitar que meu “ferro” fique chacoalhando ali dentro e acabe disparan-do uma bala na minha bunda. Depois, também embrulho a caixa em pa-pel cor-de-rosa, de modo que ninguém suspeite que estou com uma armana escola.

Mesmo que hoje — seja lá por qual motivo — o diretor decida revistaras mochilas aleatoriamente, posso dizer que é um presente para um amigo.

O embrulho cor-de-rosa os enganará, camuflará o perigo, e só um ver-dadeiro idiota me obrigaria a abrir um presente perfeitamente embrulhado.

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Ninguém nunca revistou minha mochila na escola, mas não quero arriscar.Talvez a P-38 seja um presente para mim quando eu a desembrulhar e

atirar em Asher Beal.Talvez seja o único presente que eu vá ganhar hoje.Além da P-38, há outros quatro embrulhos, um para cada um dos meus

amigos.Quero me despedir deles adequadamente.Quero dar para cada um algo que os faça se lembrar de mim. Para que

saibam que eu realmente me preocupo com eles e que lamento não ter sidomais do que fui — não poder ter continuado por perto —, e que o queacontecerá hoje não é culpa deles.

Não quero que deem muita importância ao que estou prestes a fazer,nem que se sintam deprimidos depois.

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TRÊSMeu professor da aula de Holocausto, Herr Silverman, nunca arregaça asmangas da camisa como fazem os outros professores do colégio, que che-gam todas as manhãs vestidos nas suas camisas recém-passadas com man-gas enroladas até o cotovelo. Herr Silverman também não usa a camisapolo opcional às sextas-feiras. Mesmo nos meses mais quentes do ano elemantém os braços cobertos, e eu me pergunto por que há muito tempo.

Penso nisso constantemente.Talvez seja o maior mistério da minha vida.Talvez ele tenha braços muito cabeludos, pensei várias vezes. Ou tatu-

agens de cadeia. Ou uma marca de nascença. Ou tenha queimaduras mui-to graves. Ou talvez alguém tenha derramado ácido nele durante algumaexperiência de ciências na escola. Ou, então, ele era viciado em heroínae seus braços estão cobertos por um zilhão de cicatrizes de agulhas. Tal-vez ele tenha algum problema circulatório que o faça sentir frio perma-nentemente.

Mas suspeito que a verdade seja mais séria do que isso — tipo, talvezele tenha tentado se suicidar certa vez e haja cicatrizes de gilete nos pulsos.

Talvez.Para mim é difícil crer que Herr Silverman tenha tentado se suicidar,

porque ele é uma pessoa muito centrada hoje em dia; é realmente o adultomais admirável que conheço.

Às vezes, chego a desejar que em algum momento ele tenha se sentidovazio, sem esperança e desamparado o bastante para cortar os pulsos até

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os ossos, porque, se ele sentiu essas coisas horríveis e sobreviveu para setornar um adulto tão fantástico, então talvez haja esperança para mim.4

Sempre que tenho um tempo livre, pergunto-me o que Herr Silvermanpode estar escondendo, e tento resolver o mistério em minha mente, criandotodo tipo de cenários que induzam ao suicídio, inventando o passado dele.

Às vezes, penso que seus pais o espancavam com cabides e o deixavamcom fome.

Outros dias penso que seus colegas de escola o jogavam no chão e ochutavam até ele ficar coberto de sangue, momento em que se revezavamurinando em sua cabeça.

Às vezes, ele sofre com um amor não correspondido e chora sozinho noarmário todas as noites, agarrando um travesseiro contra o peito.

Outras vezes, ele foi sequestrado por um sádico psicopata que o tortu-rava todas as noites — estilo baía de Guantánamo — e o impedia de beber

4 Procurei no Google: “Quanto tempo alguém demora para morrer quando cortaos pulsos?” Muita gente faz esta pergunta na Internet e a maioria diz estar pes-quisando o tópico para as aulas de saúde na escola. A maioria das respostas pos-tadas acusa quem pergunta de ser um mentiroso e o aconselha (a aconselha?) aprocurar ajuda profissional. Há respostas diretas de pessoas que alegam seremmédicos e outras de gente que realmente cortou os pulsos com gilete e sobrevi-veu. Todos dizem que é um modo muito doloroso de morrer (ou não morrer), quenão é tranquilo, que nada tem a ver com “se deitar em uma banheira de água quen-te e adormecer”, como os filmes fazem você acreditar. O sangue pode coagular, oque mantém você vivo e com dores terríveis. Mas então eu encontrei postagenssobre como cortar os pulsos do “jeito certo”, de modo que você morra mesmo, eisso me deprimiu, porque as pessoas de fato postam coisas assim e, embora euachasse que queria saber a resposta para poder avaliar as minhas opções, tal in-formação talvez não devesse estar na Internet. Não contarei o jeito certo de cortaros pulsos nem vou explicar como se faz, porque não quero mais sangue em mi-nhas mãos. Mas, falando sério, por que algumas pessoas postam na Internet ojeito correto de cometer suicídio? Será que querem que gente estranha e tristecomo eu se vá para sempre? Será que acham que é uma boa ideia algumas pesso-as darem fim a si mesmas? Como saber se você é uma dessas pessoas que devecortar os pulsos do modo certo com uma gilete? Há uma resposta para isso tam-bém? Procurei no Google, mas não encontrei nada de concreto. Apenas maneirasde completar a missão. Nenhuma justificativa.

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água durante o dia, quando era forçado a ficar sentado em uma sala comoa de Laranja Mecânica, repleta de luzes estroboscópicas, sinfonias deBeethoven e imagens terríveis projetadas em uma tela enorme.

Não creio que mais alguém tenha percebido os antebraços constan-temente cobertos de Herr Silverman, ou, se alguém percebeu, não fezqualquer menção a isso durante as aulas. E não ouvi nenhum boato noscorredores.

Eu me pergunto se realmente sou o único a ter notado, e, nesse caso, oque isso diz a meu respeito?

Isso me torna uma pessoa estranha?(Ou mais estranha do que já sou?)Ou apenas observadora?Diversas vezes pensei em perguntar a Herr Silverman por que ele nun-

ca dobra as mangas da camisa, mas, por algum motivo, nunca fiz isso.5

Em alguns dias, ele me encoraja a escrever; em outros, diz que tenhoum “dom” e depois sorri como se estivesse sendo sincero, e eu chego per-to de perguntar sobre seus braços sempre cobertos, mas nunca pergunto,e isso me parece estranho, absolutamente ridículo, considerando o quantodesejo saber e o quanto tal resposta poderia me salvar.

É como se a resposta dele fosse sagrada, capaz de alterar a minha vidaou alguma outra coisa, e eu a estivesse guardando para mais tarde, comoum antibiótico emocional, um barco salva-vidas da depressão.

Às vezes eu realmente acredito nisso.Mas por quê?Talvez meu cérebro esteja mesmo ferrado.Ou talvez eu tenha pavor de estar errado a respeito dele e esteja apenas

inventando coisas – não há nada sob aquelas mangas afinal, ele apenas gos-ta dos braços cobertos.

É uma questão de moda.

5 Algumas vezes, quando fico depois da aula para conversar com Herr Silver-man sobre a vida — enquanto ele tenta imprimir um aspecto positivo em seja láqual for o assunto deprimente eu tenha levantado —, imagino ter visão de raiosX e olho para seus braços cobertos, tentando desvendar o mistério, mas nuncafunciona porque, infelizmente, eu não tenho visão de raios X.

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Ele se parece mais com Linda6 do que eu.Fim de papo.Tenho medo que Herr Silverman ria de mim quando eu perguntar so-

bre seus braços cobertos.Ele fará eu me sentir um idiota por ter pensado nisso — com esperan-

ça — todo esse tempo.Medo que ele me chame de anormal.Que ele ache que sou um pervertido por pensar tanto nisso.Que ele fique de cara feia, contrariada, que faça com que eu me sinta

como se nunca pudéssemos ser parecidos, e que, portanto, estou delirando.Acho que isso me mataria.Acabaria comigo para valer.Certamente acabaria.Daí eu me pergunto se o fato de não perguntar não seria simplesmente

produto da minha covardia ilimitada.Enquanto estou ali, sentado à mesa do café da manhã me perguntando

se Linda se lembrará do significado do dia de hoje — e, no fundo, sabendoque ela simplesmente não vai telefonar —, decido, em vez disso, imaginarse o oficial nazista que era dono da minha P-38 na Segunda Guerra Mun-dial alguma vez sonhou que sua pistola acabaria como uma peça de artemoderna do outro lado do Oceano Atlântico, em Nova Jersey, uns setentaanos depois, carregada e pronta para matar o que mais se aproxima de umequivalente moderno de um nazista que temos em minha escola.

O alemão que originalmente possuía a P-38 — qual seria seu nome?

6 Linda é minha mãe. Eu a chamo de Linda porque isso a aborrece. Diz que cha-má-la pelo nome a “descaracteriza como mãe”. Mas ela se descaracterizou comomãe quando alugou um apartamento em Manhattan e me deixou completamentesozinho em South Jersey para me virar por conta própria na maior parte da se-mana e, cada vez mais, nos fins de semana. Ela diz que precisa estar em NovaYork por causa da carreira de estilista, mas estou certo de que é para poder tran-sar com o namorado francês, Jean-Luc, e ficar longe do filho perturbado. Ela saiuda minha vida logo depois que começou aquela merda com Asher, talvez porquefosse algo intenso demais para ela. Eu não sei.

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Seria um dos bons alemães de que nos fala Herr Silverman? Aquelesque não odiavam judeus, nem gays, nem negros, nem ninguém e que ape-nas tiveram o azar de nascer na Alemanha durante aquela época horrível?

Será que ele se parecia comigo?