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Universidade de São Paulo Prol. Dr. José Goldemberg Vrce-Rertor Prot. O r. Roberto Leal Lobo e Silva Júnior Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Diretor Prol. O r. Lucio Grinover Vice-Diretor Prof. Dr. Eduardo Corona SINOPSES Comissão Editorial Prof. Dr. Lucio Grinover Prof. Dr. Eduardo Corona Prof. Dr. Lauro Bastos Birkholz Prof. Dr. Nestor Goulart Reis Filho Prof. Dr. Ualfrido Dei Carlo Secretáría de Redação Miryam Tauil Produção Gráfica e Impressão Laboratório de Programação Gráfica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Distribuição Livraria Nobel S.A. Rua da Balsa, 559, Tel. 875-9444, CEP 02910, São Paulo, SP. Sinopses está aberta para colaborações nacionais e estrangeiras. Os artigos são de responsabilidade de seus autores. Direitos autorais reservados. Citações permitidas com indicação de fonte. Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Carlos Augusto Mattei Faggin Notas sobre o Paradeiro dos Retábulos da antiga Igreja dos Remédios em São Paulo Elizabeth Monosowski Avaliação de Impacto Ambiental: Perspectivas de Aplicação nos Palses em . Desenvolvimento Fernando Casério de Almeida Polltica e Planejamento Urbano. O Planejamento Metropolitano no Governo do Estado de São Paulo Geraldo Serra & Sílvio Zanchetti O Nordeste e a Política Urbana (1976 a 1984) lida Helena Diniz Castello Branco As Igrejas e o antigo Convento do Largo de São Francisco em São Paulo Maria da Glória Gohn A Luta pela Moradia Popular em São Paulo - As Favelas Pauld Cesar Xavier Pereira Valorização Imobiliária, Movimentos Sociais e Espoliação Ricardo Martucci Interpretações e Anotações feitas sobre a Obra "La Urbanización Capitalista" de Christian Topalov - Cap. 5 - Los Sistemas de Producción Capitalista de las Mercancias lnmobiliárias.: El Ciclo del Capital en Sector lnmobiliário Sheila Walbe Ornstein A Avaliação Pós-Ocupação (APO) como Metodologia de Projeto Suzana Pasternak Taschner A Cidade dos "Sem Terra" Junho de 1986

Pereira Sinopses

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Universidade de São Paulo At~itor Prol. Dr. José Goldemberg Vrce-Rertor Prot. O r. Roberto Leal Lobo e Silva Júnior Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Diretor Prol. O r. Lucio Grinover Vice-Diretor Prof. Dr. Eduardo Corona

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Comissão Editorial Prof. Dr. Lucio Grinover Prof. Dr. Eduardo Corona Prof. Dr. Lauro Bastos Birkholz Prof. Dr. Nestor Goulart Reis Filho Prof. Dr. Ualfrido Dei Carlo

Secretáría de Redação Miryam Tauil

Produção Gráfica e Impressão Laboratório de Programação Gráfica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Distribuição Livraria Nobel S.A. Rua da Balsa, 559, Tel. 875-9444, CEP 02910, São Paulo, SP.

Sinopses está aberta para colaborações nacionais e estrangeiras. Os artigos são de responsabilidade de seus autores. Direitos autorais reservados. Citações permitidas com indicação de fonte.

Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Carlos Augusto Mattei Faggin Notas sobre o Paradeiro dos Retábulos da antiga Igreja dos Remédios em São Paulo

Elizabeth Monosowski Avaliação de Impacto Ambiental: Perspectivas de Aplicação nos Palses em . Desenvolvimento

Fernando Casério de Almeida Polltica e Planejamento Urbano. O Planejamento Metropolitano no Governo do Estado de São Paulo

Geraldo Serra & Sílvio Zanchetti O Nordeste e a Política Urbana (1976 a 1984)

lida Helena Diniz Castello Branco As Igrejas e o antigo Convento do Largo de São Francisco em São Paulo

Maria da Glória Gohn A Luta pela Moradia Popular em São Paulo - As Favelas

Pauld Cesar Xavier Pereira Valorização Imobiliária, Movimentos Sociais e Espoliação

Ricardo Martucci Interpretações e Anotações feitas sobre a Obra "La Urbanización Capitalista" de Christian Topalov - Cap. 5 - Los Sistemas de Producción Capitalista de las Mercancias lnmobiliárias.: El Ciclo del Capital en Sector lnmobiliário

Sheila Walbe Ornstein A Avaliação Pós-Ocupação (APO) como Metodologia de Projeto

Suzana Pasternak Taschner A Cidade dos "Sem Terra"

Junho de 1986

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Abstract

The purpose of the author is to understand the urban process and city problem under capitalism. Is there a specific urban problem~ What's it~ The different types of urban movements and the circulation of capital in construction activity are considered conjointly for a general interpretation of the capitalist city. If the development of social movement·s is a consequencE of urban problems: What's the role of the state about it?

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I. Introdução

:E: conhecido o erro de absolutizar um :aspecto verdadeiro, mas parcial, esq~ecendo outros. Igualmente relevantes, embora contraditórios com o primeiro. Esse erro e especialmente grave quando se trata de discutir a cidade, ou o chamado problema urbano tão múltiplo, em que a existência de contrârios caracteriza o prÕprio objeto.

E, no'entanto, tendo.dito isto, acrescento que não pretendo evitar este erro. Afinal, me.parece que o cophecimento sobre a cidade tem progredido muito mais pela confrontação ·de idéias ·que ressaltam aspectos. parciais do urbano do que por estudos da cidade como um todo. Por isso, também eu parto de uma certa concepção de urbano - a propos·ta por Manuel Castells - que destaca os movimentos sociais como base para uma nova sociologia da cidade fundada na noção de contradição.

A intenção e repensar aspectos da problemática urbana e sua relação com a Zuta de classes particularmente no que se ref.ere às formas de produção do espaço construÍdo - produção domes.tica, por encomenda, de mercado e estatal - enquanto manifestação contraditória do urbano. Sem tornar necessârio rever toda literatura pertinente • não poderia, contudo, esquecer a inovadora contribuição de Manuel Castells, especialmente suas críticas ã tradicional sociologia urbana que deságuam uma corrente nova na sociologia da cidade, na medida em que procura destacar os movimentos urbano como ação transformadora da sociedade.

A partir de Castells e que as análises urbanas incorporam a noção de contradição no.estudo das cidades e que de certa

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forma se abandona grandes temas que haviam empolgado a sociologia urbana até então: como, .a cultura urbana, a organização do espaço e .a abordagem ecológica. A sua abordagem, centrada na noção de contradição, privilegia os movimentos urbanos como força transformadora e os destaca como potencialmente mais explicativos da problemática urbana. Neste sentido, procura entender tais movimentos como manifestação das contradiçÕes urbanas.

Começo a. discussão procurando· caracterizar contradição urbana como específica aos problemas da cidade, diferenciando-a. de outros motivos para a mobilização social que ocorre na cidade. Enfatizo que a distinção entre contexto e caráter urbano dos movimentos sociais deriva de como se vinculam a prodUção~ apropriação e consumo do espaço urbano, enquanto forma de valorização do capital. Por _ Último, aponto a vantagem·de expandir a noção de espoliaçao urbana para que possa abranger aspectos da valorização imobiliária e, assim, se constituir numa vertente espacial, que ao lado do processo de exploração do trabalho resultam no pauperismo urbano. Aponto, ainda, a possibilidade da mobilização social a partir de identificação social através de espaços diferenciados na produção da cidade se tornar potencialmente inovadora e mais explicativa do que lutas pelo consumo coletivo.

11. Os Problemas na ou da Cidade

Castells se coloca. a seguinte questão: "O que se entende por 'problemática urbana'? Não é seguramente 'tudo o que acontece nas cidades' ••• " (Castells: 1973; 13) Apesar de apontar tal restrição, a esquece logo em seguida, quando fala dos problemas urbanos referindo-se como sendo "toda uma série de atos e de situações da vida cotidiana cujo desenvolvimento e característica dependem estreitamente da organização social geral" (idem).

Acaba, ainda, por enumerar uma série de elementos bastante díspares que vão desde o acesso aos serviços coletivos - _ escolas, hospitais, jardins, centros culturais, etc. - at!: o conteÚdo cultural dessas atividades passando pelas condiçoes de segurança dos edifÍcios e construçÕes. Esses elementos,

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embora possam emanar, como o autor afirma, do desenvolv;i.mento progressivo de novas contradiçÕes sociais na sociedade capitalista, não constituem somente um processo social estruturado mas, vários proce.ssos ens.ej ando um entendimento mais amplo do que aquele que a problemática urbana par~ce sugerir.

Apesar da dificuldade encontrada na ~estrição.da noção.de problemática urbana, não há dúvida que uma noção abrangente não faz parte de sua intenção. Seu objetivo é o de alertar para a necessidade de preservar a especifidade dos problemas enfeixados nessa noção .porque o caráter cada vez mais urbano de nossa sociedade poderia torná-la inútil devido a seu significado excessivamente geral.

Porém, Castells não .consegue ou não parece estar muito preocupado em ser fie.l ao que afirma. Contrariamente relaciona indistintamente na problemática urbana, fatos que vão desde o tempo.de transporte gasto pela ~anhã e à tarde pelos trabalhadores, de sua .cas.a ao trabalho, até a ausência de creches e berçários, passando também pela questão das minorias étnicas, problemas da adolescência e da velhice. Afirma que este "~onjunto de fenômenos forma um todo. Não são fatos diversos de uma civilização em crise. Eles constituem um processo social estruturado cuja lÓgica e unidade decorrem do desenvolvimento progressivo de novas contradiçÕes nas sociedades capitalistas" (op. cit.; 14).

Ao entender todos os movimentos sociais e ·contradiçÕes, como contradiçÕes urbanas, Castells, contrariando sua intenção, retira a especificidade dessas· contradiçÕes. Poder i: amos, talvez, dizer que ele p-raticamente inverte o sinal das formulaçÕes dos planejadores no enfoque da problemática urbana. Se nas formulaçÕes anteriores todas as contradiçÕes sociais apareciam como sendo problemas urbanos, servindo para encobri-las e naturalizá-las - na cidade grande - nas atuais, todas as questÕes ocorridas na cidade são chamadas de urbanas sÕ·para as afirmar enquanto contradiçÕes sociais, sem contudo, revelar suas especificidades.

A trajetória sinuosa de Castells não invalida sua contradição. A discussão dos problemas atuais a partir da noção de contradição urbana continua pertinente e não parece

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que· possa ser' abandonada pelos pesquisadores que querem colllpreender a cidade. Lembrar que há uma "urbanização generalizada" aparentemente ajuda a resolver a questão, no entanto a polariza sem esclarecer. Tomemos a chamada contradição cidade-campo que embora pareça historicamente . resolvida pelos prÓprios rumos que tomam as condiçÕes de produção e consumo na sociedade atual e, no capitalismo avançado cada vez mais deixa de ser relevante a dicotomia espacial - rural e urbano - que se materializava territorialmente como contradição de dois ramos da produção, não pode ficar. reduzida ã contradição capital-trabalho, mais uma vez, encobrindo pela generalização, e polarizando a discus~ão em alguns elementos - como a urbanização da reproduçao da força de trabalho rural - que permitiriam entender a especificidade da dinâmica urbana da sociedade capitalista mas não parece suficiente para explicá-la como um todo.

Com relação ã análise dos movimentos, das lutas e das diversas formas de participação da população na cidade, parece conveniente, de in!cio, distinguir o caráter urbano e o contexto urbano de um fato social, como forma de especificar a problemática urbana.

Primeiramente, o contexto·urbano corresponderia· à simples ocorrência do fato social na cidade. Serviria para indicar o local onde o fato ocorreu, como acontecimento que tem ocorrência na cidade, ao se empregar o termo. urb.ano ou está utilizando no sentido de ocorrência locacional na cidade. Apenas isso, sem lhe conferir um conteúdo de contradição urbana. Se assim o fosse, se estaria recobrindo um espectro muito amplo dá noção que não ajudaria a revelar o característico da contradição.urbana manifestada na vida social organizada nas cidades.

O caráter urbano de uma contradi_tão· seria dado pela especificidade de sua manifestaçao ou eclosão estar fundada em questÕes relativas a produção, apropriação e consumo do espaço urbano, enquanto localização.· O processo que estrutura, dã lÕgica e unidade ao desenvolvimento progressivo das contradiçÕes de caráter urbano e o·prÕprio processo de urbanização. Não parece haver nada de novo na incapacidade do Estado em oferecer as condiçÕes gerais

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necessárias à reprodução - a escassez de recursos parece .ter sido ·um lamento comum a todo tempo e lugar - e em privilegiar quase sempre a pol!tica urbana que favoreçe a produção em detrimento do consumo. A especificidade da contradi~ão urbana não. se modifica com o avanço do capitalismo porque nao se .trata de uma variedade ou somatória de problemas de conteúdos novos mas, de um desenvolvimento da prÓpria contradição·no processo de produção, apropriação e consumo. do espaço manifestados historicamente e pressupondo a lÕgica de exclusão socia1 no· uso.,..transformação da base material na sociedade capitalista.

A lÕgica de ·exclusão social na produção da cidade capitalista manifesta-se na estruturação fÍ:sica da moradia, que se urbaniza, e o urbanismo surge como o instrumento político dessa organização espacial que f~z parte de um processo mais .. geral que e o de apropriação da natureza pelo trabalho e, como tal, se subordina ao modo de produção e consumo da ~ociedade. A produção da cidade é um processo capitalista de produção embora nem sempre assuma a forma capitalista.da produção de mercadorias. Assim e. que historicamente verificamos que ã originária "crise habitacional foi-se somando, de maneira cada vez mais dramática, a dos equipamentos coletivos" (Castells, 1980; 42). Não parece haver aí uma ruptura onde uma nova contradição emerge, mesmo porque o aspecto dramático do fato novo - escassez de equipamentos - só exacerba e evidência a contradição urbana na qual se alimenta o movimento social de caráter citadino - o afrontamento das forças sociais na apropriação da cidade. A ruptura se manifesta com a emergência da necessidade de se solucionar o problema habitacional como um problema urgente onde a escassez dos equipamentos coletivos aparece como um problema adicional, não alterando o processo contraditório de produção, apropriação e consumo do espaço urbano na medida em que so lhe dã uma nova aparência, mas que e essencial para a visibilidade da contradição.

O processo de produção·e consumo da moradia urbana, enquanto privatização de parcela da cidade, apresenta características diferenciais em relação ãs outras mercadorias da sociedade capitalista - quanto à condição de acumulação e reprodução do capital - por ser uma propriedade imõvel, um produto

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construÍdo e fixado num lugar. Decorrente 4essa imobilidade, como }llercadoria especial, a produção de consumo da moradia urbana apresenta diferenças que derivam de sua articulação com o espaço previamente apropriado par~ ser utilizado enquanto localização fixa e com a divisão do trabalho na ·sociedade enquanto re.sultado dos interesses que se forjam socialmente na apropriação do espaço e do valor. Essas diferenças são uma condição particular da acumulação e da reprodução do capital na produção e no consumo do espaço urbano porque a propriedade imÕvel forja uma particularização no movimento de rotação ~o capital, que diferencia a reprodução do capital imobiliário.

Diferenciação do capital imobiliário que se valoriza através do trabalho diretamente vinculado ã construção mas, que também se potencializa através do desenvolvimento das condiçÕes gerais manifestas-na estruturação espacial da cidade. Nesse sentido tende a diversificar as formas de produção do espaço criando situações problemáticas na .cidade que ao capital - particular ou social - não cabe resolver mas sim ã sociedade e, portantç, ao Estado. O capital simplesmente se favorece dessa diversificação de formas de produçao e consumo da cidade potenciando sempre a sua valorização. Oscilando entre estímulos a produção doméstica, que tende a elevar o valor da mercadoria-habitação mesmo que reduza os custos de acesso ã moradia, e" incentivos a produção para mercado ·passando por formas alternativas que sempre elevam os preços dos aluguéis sem coibir a valorização imobiliária.

O encaminhamento das situaçÕes problemáticas criadas na cidade pela valorização imobiliária aparece como sendo tarefa do Estado, ainda mais porque a reprodução da força de trabalho individual relegada pelo capital, cada vez mais se torna um problema coletivo que sõ encontra respaldo no Estado através da socialização das condiçÕes gerais de reprodução ·da força de trabalho. f .a paFtir da socialização contraditória das condiçÕes gerais de produção, no seu sentido amplo, e de sua privatização, que as distorçÕes geradas pela valorização imobiliária da cidade começam a aparecer como um problema coletivo que atinge a reprodução da força de trabalho e que tem que ser resolvido pelo Estado.

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A canalização das reivindicaçÕes urbanas para ~Estado se, por um lado, politiza esses movimentos sociais que quase sempre são defensivos, por outro, contribui para a opacidade das·relaçÕes de apropriação do espaço e do valor. Quase que se ·tornam naturalizadas as diferenças na medida em que as reivindicaçÕes urbanas se defrontam com a impossibilidade dos recursos do Estado para resolver as carências da população e, principalmente, ao conduzir · defensivamente os movimentos, segmentados pela diferenciação do consumo na situação urbana - reivindicando asfalto, calçamento, creche, etc. - a uma mobilização que, muitas vezes, sõ dinamiza o processo de valorização imobiliária podendo servir para justificar aumentos de preços dos aluguéis para moradia e acabar expulsando a população que lutou pela melhoria.

Pretendo deixar claro, que a costumeira prioridade dada ao consumo nas análises urbanas, tende a privile~iar a superfície do problema encampando a segmentaçao manifesta na,aparência da situação urbana dos moradores que se organizam, conforme suas condiçÕes de moradias, como os favelados, cortiçados, etc.

A crise urbana não é para mim, uma crise da -cidade capitalista como um todo, nem tampouco uma crise do capitalismo que se instala na cidade; penso que é uma crise do modo como· vem se produzindo e. consumindo a cidade, ou seja, baseada no crescimento da infra-estrutura que exige obras gigantescas como base material de um capital que é concentrado e centralizado cada vez mais. A superação dessa crise não ~ignifica o fim das cidades capitalistas e muito menos-o fim do capit~lismo 1 • Nada impede que superada a hegemonia da produção industrial no capitalismo, ou, provavelmente, devido ã prÕpria hegemonia do capital industrial na produção em t"odos os ramos da sociedade, seja contido e controlado o processo de valorização imobiliária que gera, acentua e consolida as diferenças no crescimento da cidade. Enquanto isso os movimentos de caráter urbano podem continuar se constituindo como defesa dos moradores contra tais diferenciaçÕes ou até como artifício de outros segmentos da sociedade em se aproveitar delas.

Desta forma, os chamados movimentos urbanos sao,para mim,

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aqueles·que se envolvem com tais diferenças no crescimento da cidade, e que se afrontam minimizando ou ampliando a valorização imobiliária. Assim, movimentos•de minorias étnicas, culturais, etc. podem até formar guetos na cidade e aparecem como problemas urbanos. São, na verdade, problemas específicos que se territorializam mas não expressam a contradição urbana, pelo menos quanto ã especificidade de caráter que lhe atribuÍmos como apropriação da ·-cidade. A distinção· entre contexto e caráter urbano dos movimentos sociais parece contribuir para especificar o que entendemos como contradição urbana, diferenciando-se assim os problemas ·da cidade daqueles que ocorrem na cidade; os primeiros seriam resultado da dinâmica da produção e cónsumo do espaço urbano (cidade) manifestos nas formas contraditórias de apropriação do espaço (localização) e do.valor produzido (edifício); os

' Últimos problemas seriam manifestaçÕes de outras contradiçÕes sociais que acontecem nas cidades, sem, no entanto, contarem cÕmo elemento .de sua dinâmica urbana.

111. Os Movimentos Sociais e o Espaço Urbano

À "medida que a sociedade modifica mais rapidamente-o seu ambiente e as.suas condiçÕes materiais de.instalação, a importância da destruição dos equilÍbrios ecológicos e das condiçÕes de habitabilidade faz-,se sentir mais fortemente. Ao mesmo tempo ·que as formas mais patológicas do capitalismo desorganizam o espaço social, abandonando-o ao jogo da especulação, o poder tecnocrãtico, encerrado no seu plano de crescimento econÔmico; resistindo à-negociação e ã informação, destrói.a capacidade da.sociedade de transformar as suas formas· de vida., de imaginar um novo espaço, d~ suscitar novas formas de relaçÕes sociais e de atividades culturais" (Touraine: 1970; 64). Com base nesses conflitos sociais é que se ·amplia o caráter dos movimentos urbanos cuja identidade não é mais construÍda tendo como base as atividades dos indivíduos na produção mas, que nem por isso, ficam, no entanto, restritas ao campo do consumo. A denominação de urbano, ·para um movimento, se de um lado, tende a recobrir tensÕes sociais, de 9utro, pode revelar um modo de vida no qual alguns pesquisadores puderam ver novas estratégias de mudança da sociedade.

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Não se trata, como apontaram algumas. vezes, espe_cialmente os estudiosos do capitalismo avançado, da contradisão urbana .estar mais no campo do consumo· do que no da produçao. Também, não se trata de enquadrar os movimentos num esquema prévio de lutas principais. e secundárias. Acreditamos, em concordância com uma afirmação de Touraine, que é "simultaneamente verdadeiro e falso que os conflitos- se situam mais na ordem do consumo do que na da produção. • •• O c,onsumo pode ser concebido· como um elemento do sistema econômico ou como a expressão da liberdade dos indivíduos ou dos grupos. ];; essa a razão porque o que s.e deve opor ã produtividade não é o consumo em geral, mas a vida privada" (Touraine: 1970; 94).

Também, não se trata de enquadrar os movimentos num esquema prévio .de lutas principais e ·secundárias. O ·exacerbamento das contradiçÕes sociais acabaram por transformar a importância das ·formas de participação social no contexto urbano. As. lutas envolvendo os probl.emas da vida pessoal, dados os aspec,tos coletivos da organização social em _ cidades, tornaram-se relevantes no enfrentamento-ocupaçao do Estado. Nessa confrontação com o Estado- responsável por aspectos da organização coletiva das cidades, muitas vezes, o espaço urbano torna-se um elemento que se reforça como fator de identificação social; de certa forma o espaço passa a cumprir um papel de identificação entre indivíduos .que antes se restringia ã inserção na produção. Seria o espaço urbano um.eiemento realmente novo? Penso que não. Porém, o papel e a força que vêm·tomando como elemento de identificação de forças sociais, têm se alterado e passado a ser visto com um olha~ mais atento.- O destaque que Castells dá aos· movimentos sociais urbanos, em muito tem contribuído para essa atenção, porem o fato dele denominar como urbano· uma gama diversificada de movimentos tem dif.icuitado a compreensão de sua especificidade. De que forma? · ·

Castells, quando se.refere ao que chamou de "sistema de planificação urbana" fala da tendência de se apresentar como sendo "urbano" todo tipo de problema e de haver a preocupação dos planejadores em resolvê-los através de tratamentos "técnicos, neutros .e racionais". Indica que a postura do p.lanejamento é fruto de idealizações e mitos a

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respeito do urbano e~ preocupado em·revelar as contradiçÕes~ destaca o papel dos movimentos sociais.

O autor aponta~ ainda~ que o planejamento visto como instrumento de transformação social, seria mera forma de dominação e regulação das contradiçÕes~ Com isso, acaba por negar qualquer ação modernizad.ora ao· Estado· afirmando que "Os movimentos ·sociais urbanos, ·e não as instituições de planificação, são os ~erdadeiros impulsores da transformação e inovaÇão da cidade" (Castells: 1972; 19). Por outro lado, os problemas deveriam ser analisados do ponto de vista social e não da quimérica "ordem espacial" que tambêm e eliminada do campo de suas preocupações, rejeitando sua proposição inicial de que "toda forma da matéria tem uma histõria ou, mell;lor ainda, ela ê sua histõria. Esta· proposição não resolve o problema do conhecimento de uma certa realidade, ela o coloca" (op. cit.; 18).

Tal formulação nos permite reconduzir a discussão para a questão que nos interes·sa mais de perto no momento. A questão ·e que, privilegiando o que chama de movimentos sociais· urbanos, ressalta o seu poder reivindicativo e de luta como agente da transformação social mas, com isso acaba por encobrir a articulação dessa força pol!tica com o Estado e seus desdobramentos na produção e uso da cidade como apropriação do ·espaço urbano.

Jã no "Posfãcio", mais claramente do que no "A questão Urbana", o autor abandona a. problemática do espaço porque entende que na aglomeração hâ uma tendência à eliminação do espaço enquanto fonte de especificidade e que por isso a aglomeração e o sentido do urbano ficam restritos ao espaço cotidiano da reprodução da força de trabalho (Castells: 1977; 8 e 9) que se dâ de forma cada vez mais coletiva. A noção de espaço urbano vai se transformando numa expressão cada vez mais .dispensável por que se limita a denominar um modo de vida ·concentrada (Castells: 1973; 18) a partir do qual se pode privilegiar, mais livremente, os movimentos sociais·na luta pelo consumo.

Na sua abordagem Castells acaba por "retraduzir em termos de reprodução coletiva (objetivàmente socializada) da força de trabalho a maioria das realidades conotadas pela noção de

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urbano ••• " (Cas.tells: 1977; 10) e que o estudo dos chamados problemas urbanos deveria se dirigir aos.processos de consumo coletivo e na sua determinação "dis·tinguir entre a produção dos meios de consumo ·e processo de consumo em si mesmo, se bem que o segundo depende do primeiro e o marca" (op. cit.; 26). Assim posto para o capitalismo av.anç.ado e argumentando do ponto de vista histÕrico parece se esquecer que a causalidade histórica não e sempre a mesma, mas do ponto da minha preocupação, novamente,desloca para o campo do consumo o que poderia ser explicado do ponto de vista da

produção.

Na verdade, não creio que nem mesmo no capitalismo avançado aconteceu assim. Os.problemas no consumo coletivo aparecem como novas contradiçÕes do capitalismo avançado que se adiciona aos ·antigos problemas da ·habitação. "Ã crise

.habitacional foi-se somando, de maneira cada vez mais dramática, a dos equipamentos coletivos" (Castells: 1980; 42). Para mim ê di:f!cil entender porque ele não os considera como provenientes do desenvolvimento da contradição urbana manifesta na necessidade de morar na cidade, imposta ao trabalhador assalariado pelo capitalista desde o primeiro momento. Afinal a cidade e um produto coletivo no qual a casa ê uma parcelização com objetivo de privatização.

Os problemas no consumo coletivo poderiam ser visto como resultado dessa contradição, socialização dos meios de produção e consumo materializados na cidade contrapostos a sua apropriação privatizada, que chamamos de urbana. Não me parece ter importância que hoje, talvez, a situação seja mais dramática e nem que o Estado não possa responder às necessidades que se impÕe à reprodução da força de trabalho. O importante ê perceber que desde o primeiro momento essa contradição manifesta~ de forma aparentemente diferente, um processo de redução do custo de reprodução da força de trabalho, em qual se recorre, ora, ao Estado, ora, ã· cooperação social; ressalto que as duas alternativas são socializantes e nesse sentido urbanizadoras.

Esse.processo de redução do custo de reprodução da força de trabalho corresponde a um processo. de pauperização ao qua1-a resistência do trabalhador urbano não se limita ãs lutas

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por aumentos salariais e, por isso, ultrapassa. o mundo da fábrica. Apesar disso, a· ·tradição das pesquisas soCiais baseada na contradição sJ.iqestimaram os movimentos. não.,..operários e, ·por is:s·o, desqualificaram as lutas ul'hanas •. A luta .pela habitação ''dã ·.tanto. o que falar porque não afeta somente a ·classe operária; mas igualmente .a pequena burguesia" (Engels: l,976; 50).

f claro ,que todo·problema:~ relacionado.com a origem e nas . cidades atuais a· contradiçao urbana - exacerbada e des~nvolvida- já não se pode·tratar de simplesmente proporcioAar uma casinha ao operário, mas de suprir também as c.arências mais amplas. que resultam do prÕprio -' desenvolvimento da cidade enquanto lugar de moradia que, cada vez mais, está.indissociável do espaço .urbanizado. Mas, embora s.e possa. afirmar que seja um mesmo processo de formação de cidades e evidente que .ele se manifesta diferentemente ·não ·so·· conforme o tempo e .o lugar mas, depende sobretudo da dinâmica da acumulação na qual se insere, ponto concentrado.na divisão territorial do trabalho.

Voltemos por instantes a Engels que foi dos primeiros a se debruçar sobre a situaç~o do trabalhador na cidade. No prefácio a·segunda ediçao, dos seus artigos no jornal do Partido·Operário Social-Democrata Alemão, nos c.orita como o trabalhador alemão, proprietário de uma casa ·e de uma horta, foi· a b.ase da ampliação do comércio exterior da Alemariha. Mostra .como sõ assim, a custa de infamantes salários, é que a indústria alemã pÔde concorrer com os preços ingleses e a qualidade dos produtos. industriais fra.:nceses no mercado intern.acional gerando cidades diferentes mas sobretudo sem linearidade no ·.processo. Afirma: "Vemos aqui· claramente como, o q\le numa etapa anteriór era a·base de um bem-estar relativo dos operários·-. a .combinação ·do cultivo e da indústria; a posse de uma casa, de uma horta e de um sítio, a segurança da habitação converte-se não somente na pior das cadeias .para o operário, mas também na maior desgraça para toda a classe operária, na.base de um· descenso sem precedentes do salário abaixo <le seu nível" (op. cit.; 47).

Francisco de Oliveira num artigo ·que também se tonl.ou clássico, sobre a economia brasileira, enfatiza a importância-

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da redução do custo de reprodução da força de q:abalho através da casa construída pelo próprio morador. A urbanização brasileira sem indústria, não deixou de ser um fator que favoreceu a industrialização porque contribuÍa com a tentativa de "expulsar" o custo de reprodução do trabalhador do custo de produção, ficando para o assalariado a solução de seu problema de moradia". Na urbanização dependente não houve lugar para a afirmação de Engels "nas cidades que surgem desde o.primeiro momento como centros indust'(iais essa escassez de habitação e quase desconhecida • :F! o caso de Manchester, Leeds, Bradford, Barmen-Elberfeld" (op. cit.; 41). Essa possibilidade de provimento de habitaçÕes para os trabalhadores pode parecer, para nõs, até mesmo incompreensível. Aqui, "ao contrário do modelo 'clássico', que necessitava absorver sua 'periferia' de relaçÕes de produção, o esquema num país como o BrasiZ neaessita:va criar sua 'periferia'" (Oliveira: 1975; 33) e por isso necessitava um processo de urbanização mais voraz e espoliador em relação aqueles países onde a industrialização ocorreu primeiro,. e hoje o capitalismo está avançado.

Essa diferença na origem do problema permite pensar que um processo geral de formação de cidades sob o capitalismo como a "espoliação urbana ê um resultado inequívoco da forma em que se processou a expansão urbana em São Paulo, e que criou uma configuraião espac.ial extremamente segregada e rarefeita, onde a tonica dominante é a urbanização por extensão das periferias" (Nunes, Jacob: 1983; 28). Insisto em dizer que· esse processo não ê peculiar à cidade de são Paulo, nem ao Brasil e de que não ·se trata de um resultado particular da·urbanização com marginalidade social, trata-se, sim, de um processo espoliador prÕprio do uso-transformação de cidades pelo capital que tem uma manifestação espacial específica conforme sua posição, sítio geográfico e inserção na divisão.territorial do trabalho.

A discussão da forma da·cidade e da sua estruturaçao espacial apenas. coloca o aparenté do problema da espoliação urbana, não se constituindo em questão do ponto de vista social. Mas, colocado deste.ponto de vista,o problema da forma e da estrutura da·cidade recupera a quimérica "ordem espacial", não a reduz a simples reflexo ou a condição de suporte ou base, e a considera significativa para o

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conhecimento das contradiçÕes sociais que se articulam na produção material das condiçÕes necessárias a reprodução·do trabalho e do capital. Desse ponto a cidade deixa de ser vista, como·costumeiramente e estudada, sem a consideração do trabalho que a constrói; porque sem o trabalho de construir, a cidade não e nada; ela. simplesmente, não existe. ~ esse o tipo de cidade - inexistente - que mais aparece nos estudos so·ciológicos sobre urbanização onde hã completa ausência de preocupação com as condiçÕes ma~eriais em que· se manifesta o ·urbano. • No entanto, não hã urbano sem condiçÕes materiais, e •é claro, a elas não poderia ser reduzido. · · · ·

A dinâmica da contradiç'ão urbana associa-se ã complexidade e variedade das formas de apropriação do espaço e do valor envolto em questÕes jurÍdico-polí·ticas de ocultação do econômico no capitalismo que só .. o permite emergir de forma simplificada e rasteira. O específico do urbano se configura. nessa confluência dos processos de espoliação dos moradores com a exploração do trabalhador que se reveste em pauperização e exclusão. Neste revestimento evidencia-se só o problema manifesto - a pobreza de um lado e a riqueza de outro - em que o conhecimento fica impregnado não só de moral e religião, mas de outras noçÕes que estabelecem as referências ·para a hegemonia burguesa ·na sociedade. Por isso não se trata de discutir qual é chamada a contradição p'rincipal, nem de cotejar o movimento .operário com outros moviment.os soé.iais mas de perceber o avanço da vida social, que acontece de inúmeras· fôrmas ·e com multiplicados meios de contorno próprio a.cada tempo e lugar.

Daí a diferença· que faz com q'ue a questão urbana nos países . avançados apareça C.oino· disputa de monopÓlios pelos recursos do Est-ado, enquànto nos países dependentes embora a espoliação se manifeste exacerbada desde o primeiro momento da urbanização· a questão aparecerá· como falta de recursos ou autoritarismo do Estado. Numa cidade como são Paulo, o processo de espoliação·aparece exacerbado; a produção e consumo de inoradias·a:parecem.extremamente diversificados. A produção para mercado n~i"o se generaliza e só atende um pequeno segmento social deixando que a .ma~qr p_arte da população encontre, fora do mercado.; s.u~s prÓprias soluçÕes para o problema de inorar. Convivem ao lado-da solução de

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mercado, outras soluçÕes de moradia polarizadas no patrocínio do Estado·ou do prÓprio morador, que se manifestam no espaço urbano heterogeneamente conforme a resistência da população a pauperização.

Heterogeneidade espacial que se comhina com.a valorização imobiliária diferenciada da cidade e que pode se evidenciar em alguns bairros como ·segregação, para obscurecer na fragmentação espacial· e social da vida urbana as causas do processo espoliador que é imposto a·todos os moradores. Pode aparecer como lutas por equipame~tos serviços e posse da terra nas quais se organizam movimentos em torno da situação de moradia: favelas; cortiços, bairros, vilas, etc,. quase sempre "periféricos" e tendo como opositor o Estado, mas ê também a luta miÚda do inquilino-imobiliaria-proprietârio, do morador-administradora-condomínio, dos abaixo-assinados para mudar o tráfego ou ponto de Ônibus, para preservar a árvore ou conservar a praça que, sempre identificando-se a partir

·do espaço, resistem a espoliação.

Daí que a necessidade ·de retomar Castells naquilo que foi o seu ponto de partida no A questão Urbana o estudo da "organização do· espaço". Creio que o autor envolvido com a importância da imediaticidade na prâtica dos movimentos sociais retoma o sentido usual de urbano e acaba por não conseguir de fato realizar a reviravolta epist~molÕgica que pareCia propor. Pois, partindo da discussão dos mitos e ideologia do urbano como ob·s tâculo ã compreensão dos problemas da cidade e demonstrando como eles correspondiam aos interesses da dominação-social acaba por não romper com a percepção cotidiana dos movimentos· de moradores que se confunde com ·a linguagem dos técnicos de planeJ.amento quando tratam os problemas urbanos a partir da situaçao de moradia. Portanto, aborda a relação- de :Produção .e consumo de espaço urbano sem articular com as formas de apropriação e produção do espaço construído·; como .privilegia o consumo dificilmente chega a revelar os fundamentos· da desigualdade das condiçÕes de moradia da população. A trama das rela~Ões que a propriedade imobiliária estabelece com a valorizaçao de diferentes fraçÕes do capital social - imobiliário, fundiário, financeiro e industrial - na produção,

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apropriaçãó e consumo do espaço-construÍdo nao e analis.ada inclusive quando esses interesses. levam a "privatização" de partes do aparelho·· administrativo esta tal. Por isso, a valorização imobiliária, que fundamenta a espoliação e que poderia revelar a face ambígua da imediaticidade dos movimentos sociais frente aos problemas urbanos não é tocada.

IV. Valorização Imobiliária e Espoliação Urbana

No seu livro, A Questão Urbana, Castells se propÕe a discutir "qual e o processo de produ.ção social das formas espaciais de unia sociedade" (Castells: 1972; 33). O autor, preocupa-se com a materialidade do espaço e, procura analisar os elementos da estrutura espacial (produção, consumo, troca e circulação), sua organização institucional, o caráter· simbólico do urbano e a centralidade urbana. vãrios autores são .analisados e criticados apontando suas ideologias e mitos sobre essas questÕes como dificuldade para o seu entendimento e se posiciona propondo o "sistema urbano entendido c:omo articulação especÍfica das instânc;ias de uma estrutura social no interior de uma unidade (espacial) de reprodução da força de trabalho" (op. cit.; 299). Alerta que a idéia de sistema é sõ um recurso conceitual para análise dos problemas, pois estes exigem o estudo da poli tica urbana para serem compreendidos e enquadrados.·

Neste livro, aquilo que toma várias páginas de discussão - o espaço - no posfácio aparece resolvido de forma breve e nas primeiras páginas. "Comecemos, portanto, pelo espaço. Eis uma coisa bastante material, elemento· indispensável de toda atividade humana. Entretanto, esta mesma evidência retira-lhe toda especificidade e o ·impede de ser utilizado diretamente como uma categoria na análise das relaçÕes sociais ••• · Do.ponto.de vista social, não há o espaço ••• O espaço, socialmente falando, assim como tempo, é uma conjuntura, isto é, a articulação de práticas históricas concretas" (Castells: 1977; 6 e 7). Parte da consideração da materialização do espaço apontando~o como indispensável mas acaba transformando-o numa conjuntura onde entende que pode haver uma determinação espacial do social na medida em

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que a atividade social expressa uma certa eficácia nu~ certa forma espacial.

A fala irônica de Carlos Nelson insiste criticamente que com "este jogo em que primeiro apresenta uma 'realidade' ilusória para depois revelar as 'ilusÕes' do real, ••• Castells está querendo dizer e que, socialmente falando, o espaço·é o que se represente como sendo 'espaço'. Bem ••• não há nenhum produto intelectual humano,... que não seja isto. Mas se o espaço é um processo histórico, a história também e, em uma certa medida, o resultado da construção material e simbÓlica do espaço através do tempo. O homem é o que faz e, portanto, é também feito por suas obras... A menos que se possa imaginar uma história mêcânica, uma espécie de 'Deus ex Machina' que prescinda de um sentido e de um compromisso culturais" (Santos: 1979; 16).

O espaço, como materialização, não só é indispensável a toda atividade humana como, neste mesmo sentido, ele resulta da atividade humana. Poderia dizer ainda de modo mais específico: o espaço e produzido pelo homem através da atividade de construir. Em outras palavras, o espaço e resultado do trabalho, construir e criar espaço. Poderia afirmar, ainda, que expressa trabalho social, trabalho abstrato como expres·são da sociedade capitalista para não reduzir - ao que considero mais importante - ã materialidade de produto e objeto na concretude do processo de construir, mesmo porque todo processo de trabalho na sociedade capitalista se manifesta em duas dimensÕes: ao nível do processo material e ao nível do processo de valoriza~ão; de um lado, como materialização, de outro, como expressao de trabalho. ·

Carlos Nelson nas suas ironias concluiu que as· "definiçÕes enfáticas de. Castells são círculos e não as linhas. retas que ele pretende. Pensar no espaço e no que lhe é específico (v. g. pensar no urbano) não e, po.is, andar ãs voltas com fantasmas metafÍsicos que enganam os bobos com sua aparência de realidade" (Santos: 1979; 16). Mais tarde nas suas indicaçÕes finais parece-me.que tentando recuperá-lo, afirma, que: " ••• talvez esta seja a maneira mais adequada de trabalhar o conceito de Conjuntura: vê-lo como um espaço que, ao mesmo tempo, é dado e aonstrutdo. Os MSU'S seriam

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processos que 'fariam' suas conjunturas, seriam, por conseqUência, estruc.urais e estruturantes" (Santos: 1979; 377). (Grífos meus.) Para mim, fica uma fruscação, mas. também uma indagação que deixo aqui: Por·que será tão difÍcil encontrar ate nos. estudos que se interessam pelo espaço - mesmo os que o entendem como resultado de trabalho -a ·consideração de. sua materialidade como prod1,1to e objeto do trabalho de construir?

O entendimento do espaço como objeto e produto do trabalho, pode conduzir tanto a idéia de que a cidade e um produto do t.rabalho social, como d,e um resultado coletivo de uma série de trabalh.os individuais concretos. De um lado, está a idéia do espaço como expressão da sociedade - como trabalho social e abstrato -, de outro, está a consideração da materialidade do espaço, da cidade como dado e como produto de trabalho concreto e imediato. Em que medida essa formulação pode modificar alguma coisa? Na medida em que.itoda a discussão da problemática urbana passa a requerer uma análise da particularidade do capital vinculado à atividade de construção. Requer resposta ã questão da forma particular de valorização imobiliária do capital. As questÕes suscitadas bastariam para formular o problema da cidade e da moradia, não só a partir do consumo, considerando a r~produção da força de trabalho; mas a partir da produção e, portanto do ponto de vista acumulação de capital e da valorização. ·

Haveria no estud.o da materialidade do espaço algum problema "estranho'•, algum "ponto negro" no conhecimento da sociedade· capitalista que dificulta esse tipo de estudo. ~ de notar que são variados os estudos sobre a indústria, e, também sobre a urbanização e poucos estudam a construção e raramente na sua condição de intersecção entre o urbano ~ o industrial. Considerar essa intersecção seria a possibilidade de ver a atividade de construir como de produzir espaço, na qual ele funciona como base e sua apropriação se constitui condição previa para o. trabalho. Parece, certamente, haver aí uma dificuldade para os que estudam a economia - o espaço é transparente - não existe; para os que estudam o espaço embora possam considerá-lo como um dado e produto do trabalho e, por isso, ate o acentuam como ·.expressão da sociedade, quase nunca chegam a considerar a atividade de

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construir como atividade econômica particular de um ramo da .. produção capitalista.

Não importa se uma cidade como são Paulo somente 1/4 das moradias foram produzidas· com vistas ao mercado imobiliário e o restante, 3/4 das moradias paulistanas serem oriundas de soluçÕes domesticas de seus moradores. O importante ~ perceber o que determina uma forma e outra - a produçao para mercado ou as chamadas "alternativas" -. não basta apelar para acUIII1lla.ção .do capital em geral, hâ que mostrar como a produção capitalista da mercadoria-habitação se determina pela re?rodução particular do capital no prÓprio ramo da constru~ão e como se articula com a reprodução em geral. Não basta, segmentar a cidad,e e estudar a produção de favelas ou dos conjuntos habitacionais; há que procurar a articulação do lugar em referência com a cidade como um todo e com o capital em geral; embora se possa privilegiar um aspecto da cidade ou uma·das várias for~s de produção do espaço - domestico, de encomenda, para mercado ou estatal -ê preciso contextuar num processo de valorização imobiliária mais ampla.

No estudo da cidade, como no de um lugar qualquer, e necessário articulá-la com â divisão territorial do trabalho e com as condiçÕes de reprodução do capital em geral como determinação de um processo de ocupação, produção e uso do espaço. Processo através do qual homogeneiza e diferencia o espaço na valorização-reprodução do capital, que se particulariza na produção social e se fixa no território diferenciadamente, criando campo e cidade e nela uma · diversificação de técnicas construtivas que no caso do uso do espaço para moradia se tornam cada vez mais polarizadas. Isso porque, de um lado, as fraçÕes do capital vinculado ã construção se interessam e se limitam a produzir habitaçÕes só para.o segmento da população com capacidade de pagar os preços mais altos no.mercado; de outro, as chamadas soluçÕes prÓprias de moradia, se constituindo nas alternativas possíveis àqueles que percebem os níveis salariais mais baixos. Trata-se, no primeiro pÓlo, de uma determinação direta e imediata de fraçÕes do capital .vinculado ã a!ividade de construção e, no segundo, de uma determinação nao menos direta do processo de reprodução do capital em geral, porem mediada pelos salários do trabalhador que

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através de soluçÕes próprias reproduz~se minimamente.

Do ponto de vista do capital ao contrário do que possa parecer, não se trata de uma contradição no seio do capital em :geral nem deste com a propriedade imobiliária; mas de uma forma de acumulação do capital particularizada no seu processo de valorização para contornar o obstáculo que a propriedade de terra poderia significar. O que poderia aparecer como um problema - a propriedade imobiliária - no conjunto da reprodução do capital social total não passa de uma forma particular de valorização, que parcela desse capital total enfrenta e resolve pela particularização de reprodução do valor do capital aplicado à construção apoiada e atravancada pela propriedade da terra. O processo de valorização do capital vinculado a produção imobiliária, se pà.rticulariza por ser simultaneamente apropriação do espaço e do valor, enraizando sua valorização tanto no trabalho de construção imediata como na potenciação desse trabalho pelo desenvolvimento.das condiçÕes·gerais.

A valorização do capital imobiliário ê formada tanto pelo trabalho diretamente incorporado ao terreno- através, do trabalho imediato na construção - como pelo desenvolvimento das condi~Ões gerais - através da valorização do espaço. Valorizaçao imobiliária que não decorre, necessariamente, de lances de ocasião no mercado imobiliário, mas de mudança da· estruturação do espaço urbano-rural, e diferenciação intra-urbana e de alteraçÕes do preço da propr:i:edade imóvel com relação ãs outras mercadorias na função de reserva de valor. Desse modo, a.reprodução imobiliária do capital não se contrapÕe ao capital social total, mas e simplesmente uma forma particular desse capital se reproduzir. .O fato dessa particularização do capital na valorização· imobiliária levar, como acontece em são Paulo, ao abandono do segmento de mercado de menor capacidade de pagamento ãs soluçÕes domesticas, chamadas alternativas, reforça ao contrario do que possa parecer a concordância ou funcionalidade, com à reprodução do capital total. Não ê porque essa concordância se manifesta com aparência caótica no crescimento da cidade e aqui até aberrante com relação aos países avançados que se pode pensar que ela não exista. O que penso que ocorre é que, repetindo, la se tratava de incorporar a periferia, aqui se tratava de criar a prÓpr-ia per-iferia; e isso,

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resultou em composições diferentes - teórica e historicamente no pacto da classe dos propr-ietários do capital com a alasse dos proprietários ·da terra. Aqui, nas condiçÕes da urbanização dependente essa composição assumiu caráter perverso mais espoliador e explorador desde o primeiro momento; ao contrario, lã nos países mais avançados, onde, em geral, a urbanização se deu acompanhada da industrialização, a direção burguesa das ·cidades, pela prÓpria forma que se desenvolvia a construção comp indústria,. dentro do pacto de classes, procurou incorporar o trabalhador-morador ao mercado imobiliário não ·prevalecendo a tendência de exclusão social do capitalismo. A conseqUência pratica é que lã o salário "normal" conseguia cobrir as necessidades de sobrevivência do trabalhador e a moradia, aqui não.

Em outros termos, a reprodução imobiliária do capital não polariza a sua contraposição a reprodução industrial enquanto processo de acumulação-exploração do trabalhador. Essa contraposição só acontece polarizada quando na reprodução do capital vinculado à construção do processo de acumulação se da comoespoliação exacerbada, ou seja, quando o processo de acumulação-exploração do produtor imediato da mercadoria imobiliária - por e~emplo, habitação, fabrica, etc. - se contrapÕe à reprodução industrial. E é isso o que acontece na reprodução imobiliária do capital dando a impressão de que a tendência a aumentar continuamente os . preços do produto imobiliário ocorre de forma especulativa

2•

No caso ~a habitação, a intraposição não é direta como na construçao de uma unidade fabril, porque o consumo de habitação é mediado pelo salário do trabalhador, mas essa contraposição se constitui no processo de acumulação-espoliação do consumidor dessa mercadoria imobiliária. Na urbanização dependente a válvula de segurança para a polarização dessa contraposição·foi estimular as soluçÕes prÓprias de moradia­como se não se relacionassem com mercado - a base da produção doméstica reduzindo os custos de reprodução da força de trabalho industrial. A nível do capital, a contraposição-ajuste se dá diferentemente conforme o produto "cidade" vai funcionar como capital fixo ou variável, é de notar que as empresas se segmentam no mercado conforme o produto imobiliário: Construção Pesada, Indust"rial, Residencial, etc. e que mantêm diferentes

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articulações com o capital em geral e o Estado.

Do ponto de vista do trabalho, Touraine lembra que o "movimento·operário só existiu porque ele não considerou a industrialização somente com um.instrumento de lucro capitalista, mas quis construir uma sociedade industrial não-capitalista, anti-capitalista, livre da apropriação privada dos meios de produção e capaz de desenvolvimento superior" (Touraine: 1984; 347). Eu acrescentaria que o operário se mobilizou também porque quis se beneficiar da riqueza social por ele criada. Penso que o mesmo se aplicaria ãs utopias urbanas, a cidade não foi só considerada como uma redução do custo do trabalhador através da vida mis.erável, mas foi também um lugar onde a vida podia ser socializada e mais comum como na utopia de Morus que queria o fim da desigualdade entre os homens e poderia se acrescentar, também, que se queria participar da riqueza imobiliária das. cidades. A história social não é só transformação e, também, integração, e se o conflito faz surgir o adversário, o que faz surgir o conflito é o problema social não resolvido.

. -I Desta forma seria a confluência dos processds de espoliação e exploração e as condições de reslst~n~ia" a eles que se projetaria na forma da cidade. Essa confluência e sua exacerbação dÍlapidadora frente a resistência operária nos países latino-americanos é que caracterizariam a urbanização dependente.

Nesse sentido é que concordando com o entendimento de Lucio Kowarick de que "a espoliação urbana não é um processo que se possa dissociar da acumulação de capital e do grau de pauperismo. Isto porque, não só trabalhadores explorados são também moradores espoliados, mas também porque é a prÓpria dinâmica de criação e apropriação de riqueza que gera estas duas faces da mesma moeda" (Kowarick: 1983; 10). Tenho porém que especificar, que entendo espoliação de cunho propriamente urbano como aquela relacionada a apropriação da riqueza imobiliária na produção da qual ocorre o processo de acumulação-exploração-espoliação que particulariza o capital na.valorização imobiliária e a partir da qual se cria, acentua e sedimenta as desigualdades na apropriação e consumo do espaço urbano.

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Assim, não se limita a noção de espoliação urbana somente a "inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivos". Porque, essa referência a má distribuição dos equipamentos e serviços é apenas um dos aspectos do processo espoliativo em que se dá a produção, apropriação e consumo do espaço urbanó. A possibilidade de incorporar a essa noção aspectos relacionados ao preço da terra urbana e do aluguel, que me parecem estruturais e estruturantes do processo de espoliação, torna-a mais explicativa de uma realidade em que: " ••• um número cada vez maior de famÍlias de classe media ••• não encontram moradia a preço 'razoável'. ••• ,o preço da moradia subiu de forma desusada em relação aos demais itens da reprodução. Também porque a mercadoria 'moradia' 'tornou-se ••• daqueles bens ••• que se comer'cializam e produzem somente para as camadas de mais alta renda" (Ev.ers: 1982; 118).

A.partir desse entendimento da espoliação- abrangendo nao só a distribuição fÍsica dos meios coletivos mas, principalmente, a sua relação com os preços da terra e dos aluguéis - como um resultado da produção, apropriação e consumo do espaço-construido, determina-se a especificidade da contradição em torno da formação do preço do aluguel. Isso porque é a capitalização do preço do aluguel que determina o preço de venda do edifício e é, também, a capitalização de uma parte d.o preço do aluguel - a renda da terra - qúe determina o preço da terra. Aqui como em outros campos da vida social a reificação capitalista provoca as suas inversÕes criando a hipostasia de que é o preço ca terra que eleva o preço da habitação

3•

O preço da terra e o pre~o da habitação como se fossem "misteriosos" numa relaçao transpositiva se metamorfoseiam no sentido de acelerar a valorização imobiliária. Devido ao poder que constitui a propriedade e ã medida que o exercício desse poder se faz no sentido de que é o preço mais valorizado, não importa qual ele seja - do terreno ou da habitação -, que atribui o seu valor ao menor. Essa "misteriosa" transposição é fundamental para se compreender o fundamento ·da valorização imobiliária, por ser nesta relação que o preço da terra uma função do preço da habitação é simultaneamente um componente da formação deste preço.

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à med.ida que a valorização do capital vinculado a construção se envolve nessa dupla relação se dá como valoriza~ão imobiliária tornando o processo produtivo da construçao diferenciado da produção de outras mercadorias. Especialmente o ramo da produção de edifÍcios para uso habitacional se dife·rencia e não guarda·· a mesma relação, que as outras indÚstrias, entre valor social e o preço regulador de mercado. A valorização imobiliária do capital na construção funde o mercado de terras e de edifícios, de forma que no mercado imobiliário urbano o mercado de terras acaba sendo d()minado pelo da habitação a tal ponto que o preço dos aluguéis se torna a causa e o preço' do terreno a conseqUência. o preço do aluguel e que ao determinar o preço de mercado da habitação dá os parâmetros do processo de valorização do capital vinculado à produção imobiliária.

A manifestação da contradição urbana passa a decorrer fundamentalmente da áção do Estado como elo estratégico que regula e mediatiza as relações de exploração do trabalho e de· ~spoliação d()s morarl;ores •. Como es::;as manifestações não se reduzem a uma questão de recursos do Estado - volume e distribuição - e nem aos mecanismos democrátic.os de participação e cooptação no aparelho admini~trativo a. forma da gestão e produção da cidade - transfarmada e produzida pêlo capital como condiçÕes gerais de reprodução cuja valorização se expressa nos preços dos aluguéis -passam a indicar que não só a cidade mas, também, o aparelho do Estado precisa ser "ocupado" e transformado.

Os movimentos sociais ao apreenderem a especificidade da contradição urbana na sua forma mais imediata e fundamental - os preços dos aluguéis - torna possível que essa mobilização seja um fator de transformação social do processo de produção, apropriação e consumo da cidade. A dinâmica que perp~ssa esses movimentos se realiza pela identificação com o espaço, podendo se constituir, tanto quanto a identificação pelo trabalho, num elemento de mobilização social inovador da aÇão.estatal na luta contra a privatização da cidade convertendo o poder da propriedade imobiliária de força econômica e fulcro da espoliação urbana em exercício do direito de m()rar.

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v. (1)

(2)

Notas

Apesar das mudanças, a sociedade continua capitalista; a socializa~ão de determinadas condiçÕes da produção e consumo sao necessidades da prÓpria reprodução do capital. Penso. que interpretaçÕes correntes a respeito do desaparecimento do capitalismo e o surgimento de uma nova sociedade (que alguns denominam de post..:.industrial, tecnolÓgica, urbana de consumo, etc.) corresponde à tendência da sociedade incorp()rar um crescente aumento relativo na proporção dos trabalhadores de serviços em relação aos trabalhadores produtores de bens ou, ainda, decorrente de mudanças nos mecanismos do capital financeiro mundial. Para mim nada exclui a possibilidade de que o capitalismo conte com uma sobrevida através de transplantes metacapitalistas, isto é, socialistas, da mesma forma que parece ter se apoiado em muletas pré-capitalistas nos seus estágios iniciais. Porem, por mais .tentador que seja ao pesquisador definir modelos. de transição social e sempre conveniente deixar essa definição para a luta social.

Não é que não ocorram processos especulativos, mas é que essa tendência a aumento constante dos preços no mercado imobiliário independe da especulação, essa só faz dinamizar essa tendência criando movimentos rápidos de pico e recuos dos preços dando a impressão de que essas oscilaçÕes se compensam mantendo uma situação de equilibrio - só rompida pela especulação - quando, no fundamental, essas oscilaçÕes só escondem a tendência constante de aumento dos preços da terra, através da valorização imobiliária.

(3) Aliás, argumento muitas vezes apresentado pelos incorporadores imobiliários para explicar o elevado

·preço da habitação.

VI. Bibliografia

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