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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL ANA MARIA MACIEL CORREA PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS SOCIAIS NUMA COMUNIDADE RIBEIRINHA: COLARES

Permanencias e Mudanças Numa Comunidade Ribeirinha: Colares-Pará

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Um Estudo sobre o Impacto na Comunidade Ribeirinha devido a chegada da tecnologia e o desenvolvimento social, principalmente nos pescadores artesanais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁINSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIALCURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

ANA MARIA MACIEL CORREA

PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS SOCIAIS NUMA COMUNIDADE RIBEIRINHA: COLARES

BELÉM-PARÁ2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁINSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIALCURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS SOCIAIS NUMA COMUNIDADE RIBEIRINHA: COLARES

ANA MARIA MACIEL CORREA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPA, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Serviço Social, orientada pelo Profº. Dr. Ariberto Venturini.

BELÉM-PARÁ2008

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ANA MARIA MACIEL CORREA

PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS SOCIAIS NUMA COMUNIDADE RIBEIRINHA: COLARES

Esta dissertação foi aprovada em ___ / ___ / 2008

Comissão Examinadora

_________________________________________ Profº. Dr. Ariberto Venturini - Orientador

_________________________________________Profª Drª Marize Duarte - Avaliador Externo

_________________________________________Profª Drª Nadia Socorro Fialho - Avaliador Interno

BELÉM-PARÁ2008

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Ao meu pai: Milton Lopes Correa (in memoriam) pela sua constante presença em meu viver, dando forças e incentivos como verdadeiro amigo de todas as horas.

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AGRADECIMENTOS

À minha família pelo apoio e compreensão recebidos ao longo dessa trajetória e, em especial, às minhas filhas: Ariany e Alanna que representam o verdadeiro sentido do meu viver.

À amiga Izabel Coelho pela amizade fortalecida diante de muitos desafios;

Ao Professor, Dr. Ariberto Venturini pela dedicação, competência e profissionalismo demonstrados durante essa caminhada;

À Floripes Raiol pela amizade e apoio recebidos durante os momentos mais difíceis.

Ao Professor Especialista Heraldo Meirelles pela colaboração durante a revisão e digitação desse trabalho.

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“Parece que toda grande ação histórica alimenta-se de uma referência ao passado; mesmo nas épocas de crise revolucionária, quando algo de novo está aparecendo [...]. Não é o passado real, mas um passado reconstruído”.

Michêlle Bertrand

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RESUMO

CORREA, Ana Maria Maciel. Permanências e Mudanças Sociais numa Comunidade Ribeirinha: Colares, UFPA, 2008.

O estudo discute a temática das permanências e mudanças sociais no contexto das populações tradicionais da Amazônia, em especial, às populações ribeirinhas, caboclas. Em linhas gerais, são populações herdeiras de conhecimentos e práticas mais tradicionais da Região Amazônica vivendo e sobrevivendo do extrativismo das florestas e rios. Descendentes diretos das populações indígenas, no seu aspecto etno-cultural. Na organização atual, caracterizam-se como: “destribalizados”, “desculturados” diante do processo de socialização e reordenação social provocada pelas mudanças trazidas por fatores modernizantes que vêm afetando e levando a uma nova adaptabilidade entre o tradicional e o moderno, enquanto marcas do espaço regional. Nas últimas décadas, a realidade amazônica vem passando por profundas alterações, momento em que o capitalismo adentra e se expande na região, promovendo a exploração em larga escala dos recursos naturais, pela modernização dos transportes, dos meios de comunicação, enquanto condições indispensáveis à expansão capitalista. O processo de modernização alcança diferentes frações do espaço regional que de forma direta, ou indireta, com maior ou menor incursão, todos os espaços são atingidos. São conseqüências desse novo projeto de reorganização e exploração: a pesca predatória, a exploração dos recursos florestais, expulsão do homem do campo, devastação do meio ambiente e ameaça de extinção das atividades tradicionais como a pesca artesanal e atividades extrativistas. São mudanças que alteram o modo de vida das populações amazônicas levando a quebra das raízes, dos valores e da identidade cultural, dando surgimento a um tipo de organização social, num processo de reordenação que altera as práticas tradicionais e o contexto social em que estão inseridas. O estudo visa retratar o entrelaçamento das permanências do tradicionalismo e das mudanças sociais advindas do processo de modernização presente na cidade de Colares. Na verdade, é perceber a historicidade das populações locais, oportunizando a visibilidade de como vem ocorrendo à reordenação sócio-econômica e as formas de enfrentamento de situações postas nesse momento a essa comunidade, mediante mecanismos próprios de adaptação. O presente estudo caracteriza a cidade de Colares através de uma análise social, centrada no reconhecimento que esta comunidade ribeirinha faz de si, diante das mudanças e conseqüentes alterações para a vida social. Para desvelar essa realidade, pautou-se nos estudos de: Boaventura de Souza relacionado às continuidades e descontinuidades presentes na sociedade atual; a quebra dos paradigmas sócio-culturais e a emergência de novos paradigmas que retratam a transitoriedade da sociedade com ritmos e tempos sociais diferenciados, que desencadeiam a fragmentação identitária e a diversidade cultural. Na compreensão dos processos de construção e afirmação da identidade cultural das comunidades ribeirinhas, reportou-se a uma reflexão teórica referentes aos conceitos: história, cotidiano e identidade trazidos pelos autores Giddens (2000), Carvalho e J. P. Neto (1994), Cuche (1999), Hall (1994) e Robert Darnton (2002). A partir da coleta de dados junto à população de Colares, essa comunidade expressa de forma clara sua percepção, a respeito do que representa a história e a vida dessa cidade nas últimas décadas.

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Nos últimos vinte anos, essa comunidade vem vivenciando um processo de transitoriedade entre as permanências do tradicionalismo e as mudanças que vêm se operando nesse espaço. Essa transitoriedade lhe imprime uma compreensão de que o tempo mudou, não somente o tempo cronológico, mas o tempo psicológico que muito revela a maneira de ser e viver dessa comunidade. Existe o cultural que demarcado pela urbanização e a modernização das práticas tradicionais que vincula ainda a população de Colares, com um pé na tradição e outro se tentando firmar pelas novas possibilidades às inovações impostas pela modernidade, momento que levará a um processo de destradicionalização.

Palavras-chave: permanências, mudanças, identidade, cotidiano, populações tradicionais, destradicionalização, modernidade.

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ABSTRACT

CORREA, Ana Maciel Maria. Social Permanence and Change in the Marginal Community: Colares, UFPA, 2008.

The study it argues thematic of the permanencies and the social changes in the context of the traditional populations of the Amazônia, in special, to the marginal, native populations. In general lines, they are inheriting populations of more traditional practical knowledge and of the Amazon region living and surviving of the extrativismo of the forests and rivers. Descending right-handers of the aboriginal populations, in its etno-cultural aspect. In the current organization, they are characterized as: “destribalizados”, “desculturados” ahead of the process of socialization and social reordenation provoked by the changes brought for modern factors that come affecting and leading to a new adaptability between traditional and the modern, while marks of the regional space. In the last few decades, the Amazonian reality comes passing for deep alterations, moment where the capitalism it enters and if expands in the region, promoting the exploration on a large scale of the natural resources, for the modernization of the transports, the medias, while indispensable conditions to the capitalist expansion. The modernization process reaches different fractions of the regional space that of form direct, or indirect, with greater or minor incursion, all the spaces are reached. They are consequences of this new project of reorganization and exploration: it fishes it predatory, the exploration of the forest resources, expulsion of the man of the field, devastation of the environment and threat of extinguishing of the traditional activities it fishes as it artisan and extrativistas activities. They are changes that modify the way of life of the Amazonian populations taking the cultural identity and value, root in addition, giving sprouting to a type of social organization, in a process of reordenation that modifies practical the traditional ones and the social context where they are inserted. The study it aims at to portray the interlacement of the permanencies of the traditionalism and the happened social changes of the process of present modernization in the city of Necklaces. In the truth, it is to perceive the historicity of the local populations, oportunization the visibility of as it comes occurring to the partner-economic reordenation and the forms of confrontation of situations ace of fishes at this moment this community, by means of proper mechanisms of adaptation. The present study it characterizes the city of Necklaces through a social analysis, centered in the recognition that this marginal community makes of itself, ahead of the changes and consequences alterations for the social life. To disclose this reality, it was established in the studies of: Boaventura de Souza related to the continuities and discontinuities gifts in the current society; the partner-cultural paradigm in addition and the emergency of new paradigms that portray the differentiated transitorieity of the society with rhythms and social times, that unchain the identitária spalling and the cultural diversity. In the understanding of the processes of construction and affirmation of the cultural identity of the marginal communities, it was referred a theoretical reflection referring to the concepts: history, daily and identity brought by Giddens authors (2000), Oak and J.P. Grandson (1994),

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Cuche (1999), Hall (1994) and Robert Darnton (2002). From the collection of data next to the population of Necklaces, this express community of clear form its perception, regarding what it in the last few decades represents the history and the life of this city. In last the twenty years, this community comes living deeply a I transitprocess enters the permanencies of the traditionalism and the changes that come if operating in this space. This I transit prints it an understanding of that the time moved, not only the chronological time, but the psychological time that much discloses the way to be and to live of this community. The cultural one exists that demarcated for the practical urbanization and the modernization of the traditional ones that the population of Necklaces still ties, with a foot in the tradition and another one if trying to firm for the new possibilities to the innovations imposed for modernity, moment that will lead to a destradicionalization process.

Word-key: permanencies, changes, identity, daily, traditional populations, destradicionalization, modernity.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................ 13

CAPÍTULO I - PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS NUM CONTEXTO DE

MODERNIDADE.................................................................................................. 18

1.1Tradição e Modernização: Faces da Agenda Mundial.................................... 21

1.2 A Amazônia: Do local ao global..................................................................... 27

1.3 Populações Ribeirinhas: História e Adaptabilidade Sócio-Ambiental............. 35

1.3.1 O Processo de Reordenação Social........................................................... 35

1.3.2 Relação Homem-natureza e Sustentabilidade............................................ 39

CAPÍTULO II - A MANEIRA DE SER TRABALHO DE UMA

COMUNIDADE RIBEIRINHA: COLARES........................................................... 47

2.1 O Trabalho no Cenário de destradicionalização............................................ 49

2.2 Área de Estudo: Região do Salgado - A Cidade de Colares......................... 57

2.2.1 A Agricultura Familiar no Município de Colares......................................... 64

2.2.2 A Pesca Artesanal: atividade referencial do Município de Colares........... 70

CAPITULO III - O COTIDIANO DAS PRÁTICAS TRADICIONAIS NA

PRODUÇÃO DA IDENTIDADE RIBEIRINHA...................................................... 84

3.1 O Cenário Amazônico nas Últimas Décadas................................................. 84

3.2 História, Cotidianidade e Identidade.............................................................. 85

3.3 O Processo Identitário em Colares................................................................ 89

3.3.1 A identidade Ribeirinha: Algumas Perspectivas.......................................... 96

CAPÍTULO IV - POLÍTICA SOCIAL: SEUS REFLEXOS NA MANEIRA DE

VIVER DE UMA COMUNIDADE TRADICIONAL................................................ 100

4.1 Política Social e o Poder Público.................................................................. 100

4.2 Brasil: Assistencialismo e Proteção Social..................................................... 101

4.3 As Políticas Sociais sob os ditames Neoliberais............................................ 103

4.3.1 Política educacional:.................................................................................. 107

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4.3.2 Política de Assistência Social..................................................................... 111

4.3.2 Política da Saúde....................................................................................... 114

CAPÍTULO V: O SENTIDO E O SIGNIFICADO DAS PERMANÊNCIAS E

MUDANÇAS SOCIAIS EXPRESSAS PELA COMUNIDADE DE

COLARES............................................................................................................ 120

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 135

REFERÊNCIAS................................................................................................... 145

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APRESENTAÇÃO

O estudo ora apresentado decorre de um dos requisitos do Programa em pós-

graduação em Serviço Social do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, da

Universidade Federal do Pará, para a obtenção do grau em Mestrado em Serviço

Social.

A finalidade deste estudo consiste em fazer uma abordagem sobre as

populações tradicionais da Amazônia enfatizando o processo de reordenação social

presente na manutenção das práticas tradicionais e a adoção de práticas modernas

numa dada comunidade ribeirinha.

As populações tradicionais constituem-se em objeto empírico dessa pesquisa

e referem-se às populações típicas da região amazônica, enquadrando-se como tal,

as populações ribeirinhas, caboclas, pescadores e pequenos agricultores e

herdeiros de saberes e práticas sócio-culturais das primeiras populações da região.

Os problemas sócio-ambientais trazido pelo intenso processo de exploração

dos recursos naturais que se instalou na região, a partir de 1970, traz à tona a

valorização do saber tradicional, como elemento fundamental na reorientação dos

modelos produtivos aqui engendrados e nos processos de preservação ambiental,

pois tem sua base no contexto das práticas tradicionais, no uso da terra, do território

e demais recursos naturais que integram os aspectos econômicos, sociais e

culturais.

É nesse cenário de persistência do tradicionalismo que as práticas culturais

cumulativas estabelecem e mantêm os vínculos entre o homem e os ecossistemas.

A relação com a natureza torna-se o eixo estruturador da vida social e cultural,

retratando-o, assim, um modo de vida com vinculações que substanciam a vida e a

organização social local. Um cotidiano que se expressa por rituais, costumes,

sonhos e valores presentes nas práticas materiais e imateriais.

Estudos sociológicos têm se voltado para a compreensão do modo de vida das

populações tradicionais, em especial os ribeirinhos, caboclos, pescadores da região

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amazônica, enquanto comunidades originárias de grupos indígenas e do processo

de miscigenação com grupos diretamente ligados ao processo de colonização

portuguesa.

A proposta de estudo se constitui em desafio e, ao mesmo tempo, de singular

relevância para a compreensão do modo de vida das populações tradicionais, bem

como fazer uma análise de sua historicidade, ao dar ênfase à resistência e a

permanência dos padrões e valores tradicionais, como valores e padrões externos

que passam a ser considerados como verdadeiros e que por sua influência, passam

a dizimar, quebrar os padrões culturais locais, pois são processos que perpassam

pela dominação e subjugação dos nativos da região.

Dessa maneira, o presente trabalho se situa entre as permanências da

tradição e a interferência da modernidade que se faz presente na cidade de Colares,

localizada no Nordeste Paraense, na região do Salgado. Nesse espaço geográfico,

percebe-se o processo de adaptabilidade frente aos recursos naturais, como as

novas atividades implementadas no sentido de dinamizar o processo de criação e

recriação das práticas tradicionais e da vida social, sob a direção e a interferência

dos ideários da modernidade. Assim, identifica-se a conformação de um novo

espaço sócio-econômico que vem sendo construído nas últimas décadas, a partir da

inter-relação entre os padrões tradicionais e as novas circunstâncias apresentadoras

das novas práticas e valores que vêm sendo assimilados por esta comunidade

ribeirinha.

Todo esse processo de reordenação social é analisado em cinco capítulos

assim desenvolvidos:

O primeiro Capítulo trata das Permanências e Mudanças num contexto de

Modernidade. Neste, procura-se retratar o processo de reestruturação econômica

por que passa o capitalismo atual, as repercussões da economia globalizada sobre a

formatação da sociedade atual.

O capítulo enfatiza que neste processo de reorganização dá-se a quebra dos

paradigmas sócio-culturais e o emergir de novos paradigmas, que tem levado ao

colapso da modernidade, como período muito próprio da humanidade.

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Assiste-se um período de transição paradigmática, resguardando-se os ritmos

e os tempos sociais das diferentes sociedades.

Está-se diante de uma sociedade fragmentada, múltipla e diversa

culturalmente, em que a homogeneidade cede lugar ao pluralismo e a diversidade, e

que o imediato dirige e conforma todas as relações e produções humanas,

caracterizando-se esse momento como “modernidade reflexiva” pelas rápidas

mudanças e conseqüências sociais.

Um contexto que anuncia e celebra os impactos, as demandas e a

conformação de um novo contexto sócio-cultural ainda que em construção. Daí, se

fazer presente permanências e mudanças sociais, determinismos e indeterminismos

como marcas desse fenômeno, a radicalização da modernidade.

Nesse contexto de transição se situa a região amazônica por seus vínculos

históricos com o mercado internacional desde a era colonial. Analisam-se os

impactos dessa inserção internacional sobre as populações tradicionais, em especial

as ribeirinhas, caboclas.

O segundo Capítulo enfatiza a maneira de ser trabalho de uma Comunidade

Ribeirinha: Colares. Este capítulo trata do papel assumido pelo poder público tendo

em vista a dinamização do espaço local e o alcance de uma nova ruralidade que se

centraliza na modernização, mediante a potencialização das atividades tradicionais,

assim como a proposição de novas atividades que possibilitem maior produtividade

e valorização da produção no mercado local / regional. É o empenho para o alcance

do desenvolvimento local.

Em Colares, a agricultura de subsistência e a pesca artesanal, embora

sentidas como bem tradicionais, passam a ser vistas enquanto campo de

investimento e potencialização, por meio de políticas públicas. De uma forma bem

inicial, esses investimentos vêm apontando a tendência para a destradicionalização

dessas atividades primeiras dessa comunidade.

A Agricultura de subsistência e a pesca artesanal são atividades que

remontam a era colonial e imprimem força e direção à maneira de ser e viver dessa

população.

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Neste capítulo, apresenta-se a trajetória histórica da agricultura e da pesca no

Nordeste Paraense, e ao mesmo, tenta sinalizar as tentativas do governo local em

sua dinamização mediante projetos e atividades, no sentido de potencializar a

produção local.

O terceiro Capítulo, referente ao Cotidiano das Práticas Tradicionais na

Produção da Identidade Ribeirinha apresenta o objetivo de focalizar o processo de

reordenação social na cidade de Colares, diante das práticas sócio-econômicas

tradicionais e das práticas e padrões, baseados no estilo de vida moderna. Procura-

se enfatizar as resistências e as persistências das atividades tradicionais como

elemento significativo na afirmação da identidade. Nesse âmbito, perpassar pela

questão da história local, da cotidianidade e do processo identitário nessa

comunidade ribeirinha e, ao mesmo tempo, focalizamos as alterações e o processo

de fragmentação e descentramento identitário, e assim, dar conta do processo de

adaptabilidade entre o mundo antigo e o mundo moderno.

O quarto Capítulo trata da Política Social e seus reflexos na maneira de viver

de uma comunidade ribeirinha: Colares.

Neste, retrata-se a atuação do Estado junto a sociedade, mediante políticas

sociais que garantem a legitimação do Estado frente a movimentos e pressões

sociais, ao mesmo tempo em que se reforça seu domínio e poder como unidade de

força e hegemonia.

É no contexto da desigualdade social e dos processos de miserabilização da

população que surgem estratégias oficiais para dar respostas às necessidades

reconhecidas enquanto direitos sociais.

Nesse campo de atuação do Poder Público, identifica-se a interferência das

políticas sociais na área da educação, saúde, assistências social e na área

econômica, enquanto políticas implementadas pelo município como estratégias de

acesso, ampliação de direitos e propulsores do desenvolvimento local, bem como

seus impactos na maneira de ser e viver dessa comunidade cabocla e tradicional.

No quinto Capítulo, abordam-se o sentido e o significado das permanências e

mudanças sociais expressas pela Comunidade de Colares.

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Este está pautado na coleta de informações junto a cinco (05) famílias

consideradas tradicionais, antigas e junto a dezesseis (16) jovens, mediante

aplicação de entrevistas, formulários e observação. A partir da coleta de dados,

percebem-se o sentido, a direção e os significados apontados por esses segmentos

para a compreensão e expressão da vida cotidiana. O grande objetivo da pesquisa

foi captar como essa comunidade se vê e se percebe diante das permanências e

mudanças sociais.

São posicionamentos, diante de questões, fatos ou aspectos da vida social,

considerados tradicionais de comportamentos em contato com os padrões

modernos, a partir de mudanças implementadas nas últimas décadas.

Faz-se uma trajetória do passado / presente para se buscar a compreensão da

vida cotidiana, mesclada de sentidos e significações, dando conta de como a vida do

dia-a-dia se objetiva, se expressa e também como vem sendo subjetivada pela

coletividade, considerando-se seus valores e padrões culturais.

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CAPÍTULO I - PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS NUM CONTEXTO DE

MODERNIDADE

A sociedade envolta na reestruturação econômica por que passa o capitalismo

atual vem experimentando um novo processo de transitoriedade, que expressa

permanências ou vestígios de uma estruturação sedimentada, a partir da era

moderna e pela emergência de uma nova conformação social pautada na

racionalidade da economia globalizada.

Essa transição engendrada por via da nova ordem social é vista ainda como

algo em construção, quase que indecifrável, sem uma perspectiva de definição final.

No entanto, uma realidade que é a expressão da inquietude e do desassossego que

se potencializa pelas contínuas mudanças advindas das rupturas e

descontinuidades inerentes a esse processo de reordenação sócio-econômica

mundial que faz emergir, nas últimas décadas, uma sociedade que vem se

reestruturando sob o enfoque de novos paradigmas, novos ideários e novos aportes

de sustentação.

Esse contexto híbrido, de transição entre as permanências da tradição e das

mudanças advindas do processo de modernização, aponta para o desaparecimento

de antigos paradigmas sócio-culturais e faz emergir novos paradigmas. Santos

(2005, p.115) afirma que esses paradigmas demarcam temporalidade, pois nascem,

desenvolvem-se e morrem num processo quase invisível, imperceptível que

demanda longo período de tempo para se identificar o que ficou, o que desapareceu

e o que se instaurou em seu lugar exatamente por demandarem continuidades e

descontinuidades.

Assiste-se ao colapso da modernidade enquanto projeto conformador da

sociedade e de todas as suas promessas não cumpridas. Sobretudo, em relação ao

processo de regulação e de emancipação social que deixou de se auto-afirmar em

face da nova ordem da desregulamentação e reestruturação social, econômica e

política, enquanto nova exigência e demanda do capitalismo e da sociedade global.

Nesse contexto, Santos (2005, p.116) afirma que se vive um tempo de transição

paradigmática e que embora se salvaguardando os ritmos e os tempos sociais, as

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sociedades e as culturas são intervalares, retrata-se a transição da sociedade

patriarcal, a produção capitalista, o consumismo individualista e mercadorizado, o

desenvolvimento global desigual e excludente para um paradigma ou conjunto de

paradigmas de que, por enquanto, só conhecemos as “vibrações ascendentes”.

Por conta da ruptura de antigos pilares sócio-culturais e a produção de uma

vida social, resultante de rápidas e profundas alterações se depara com uma

sociedade fragmentada, múltipla, diversa culturalmente em que se observa o

excesso do presente em relação do passado. Nessa reestruturação social, o

passado é totalmente desfocado do futuro. Todas as relações serão estabelecidas e

mantidas pelo aqui e o agora que aponta a vida e a sociedade para um futuro

próximo, imediato. Pois todas as relações e produção humana serão marcadas pelo

efêmero e pela imediaticidade.

Toda contemplação e a efetivação do futuro serão mediados pela avaliação do

risco societário. Uma avaliação que parte das condições e riscos sócio-econômicos

de uma dada sociedade e que, a partir de tais riscos, serão inseridas ou excluídas

do cenário mercadológico, por apresentarem riscos e ou garantias à expansão e

reprodução do capital. Nesse contexto de reordenação social e econômica,

vislumbra-se a vida social totalmente relacionada aos riscos individuais e coletivos,

sem que haja uma perspectiva de reconhecimento de superação.

As mudanças rápidas e conseqüentes estarão relacionadas às determinações

e direcionamentos implementados pelo mercado mundial que se move de acordo

com as possibilidades e as facilidades para sua expansão e estabilidade. Nessa

flutuação de idas e vindas, a ação da economia globalizada se configura pelo porvir

de um novo tempo que direciona para a perspectiva de uma ruptura radical dos

paradigmas e dos pilares de sustentação, ainda que essa ruptura aponte para a

emergência de uma realidade sem forma e sem um real dimensionamento. Como se

caracterizasse o início da pintura de um quadro com linhas tênues quase

indecifráveis, tamanha é o contexto de instabilidade e indefinições.

Qualifica-se o contexto social atual como expressão da “modernidade reflexiva”

ou de “pós-modernidade, diante das profundas transformações engendradas,

fazendo-se presente tanto as alternativas emancipatórias, progressistas quanto as

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alternativas reguladoras e conservadoras. No entanto, sendo bem presente as

alterações do projeto da modernidade, notadamente pela crise da sociedade do

trabalho, da reorientação da produção e da produtividade, desconstruindo-se a

centralidade do trabalho e do trabalhador. A globalização econômica traz no seu

bojo à reestruturação produtiva acoplada as inovações tecnológicas que qualificam

alguns setores e desqualificam outros produtivos, o que tem levado a exclusão de

uma imensa faixa de trabalhadores. É o momento marcado por uma nova

racionalidade econômica que pressupõe uma nova sociabilidade no mundo

produtivo, pois envolve relações e conexões cada vez mais internacionalizadas, em

que a lógica da produção de mercadoria subordinada à reprodução do capital.

Depara-se com a sociedade dos descartáveis, na qual a produção de bens é

marcada pela obsolência diante das inovações trazidas pela modernização. Todas

as relações estarão postas segundo a lógica do mercado da contínua reestruturação

produtiva.

Nesse contexto que se anuncia e se celebra os impactos, as demandas e a

conformação de um contexto sócio-cultural ainda em construção revelam marcas de

vivências pautadas nos excessos de determinismos e indeterminismo, e pelos

processos de aceleração da rotina, das continuidades, repetições e pelos métodos

de desestabilização de expectativas, pelas rupturas e descontinuidades dos projetos

pessoais e sociais. Assim, continuidades e descontinuidades como marcas desse

novo tempo.

A coexistência desse processo de permanências e mudanças é o que qualifica

a transitoriedade, enquanto momento de instabilidade em que persiste a ordem e a

desordem, como referências de combinações “turbulentas” e processos que

suscitem polarizações que se interconectam, imprimindo rupturas e continuidades

que vão se tornando freqüentes até serem rotinizados, demonstrando assim, um

processo contraditório de continuidades e descontinuidades.

Estabelecer um olhar compreensivo sobre a sociedade atual é penetrar nos

processos de percepção desta própria sociedade, percebendo-se a forma como esta

se identifica como tal. Uma vez que as “sociedades são a imagem que têm de si

vistas nos espelhos que constroem para reproduzir suas identificações dominantes

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num dado momento histórico. São os espelhos que ao criar sistemas e práticas de

semelhança, correspondência e identidade, asseguram as rotinas que sustentam a

vida em sociedade”, (SOUSA, 2005. p. 45).

Tais espelhos são expressões das instituições, das normas e das ideologias

que sedimentam as práticas sociais. A correspondência entre o que é e o que se

reconhece ser, substancia o processo identitário. Nesse campo se inserem como

elementos fundantes: a ciência, o direito, a educação, a informação e a tradição.

Esses espelhos ou construções sociais refletem o que a sociedade é ou como se vê.

Quando esses “espelhos” ou constructos se alteram, assumem outra conformação e

significação, alcançando certa autonomia e independência. A própria sociedade se

vê diante de uma realidade em que não há correspondência entre aquilo que é e o

que se vê refletida no espelho. Diz-se então, que se instaura a crise social e a

necessidade de “reinventar” espelhos ou imagens correspondentes.

No contexto social, onde a diversidade cultural é característica marcante, torna-

se imprescindível compreender o universo das tradições e alternativas

marginalizadas, apagadas e até suprimidas pela modernização, no sentido de

buscar maior compreensão desse processo de continuidades e descontinuidades e

a partir dos fragmentos dessas tradições abrirem espaço de reflexões, de

entendimento das lutas e resistências, frente aos paradigmas dominantes.

1.1Tradição e Modernização: Faces da Agenda Mundial

As transformações que demarcam os tempos atuais se impõem em quase

todas as sociedades. Alteram a lógica e a estruturação da própria modernidade ao

mudar as expectativas e as certezas sobre um mundo presumivelmente mais

seguro, ordenado e estável.

O estágio atual do capitalismo chamado por Beck (1997, p.12) de modernidade

reflexiva, enquanto processo de radicalização da modernidade, caracteriza-se por

um novo estágio de progresso e desenvolvimento. Marx, no século XIX vislumbrava

as profundas e contínuas mudanças trazidas pelo avanço do capitalismo, apontando

as seguintes características:

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A revolução constante da produção, a perturbação ininterrupta de todas as relações sociais, a incerteza e agitação permanente (que) distinguem a era burguesa de todas as anteriores [...] (em que) todos os relacionamentos estabelecidos e fixados (tornam-se) vulneráveis e destruídos. Todos os novos tornam-se obsoletos antes de poderem se fixar (MARX, 1982, p.465).

A era da modernidade reflexiva faz emergir uma nova formação social, um

novo contexto em que se dá inicialmente a desincorporação das forças tradicionais

pelas forças sociais industriais e, num segundo plano, a reincorporação do

tradicional que se reveste de novas nuances da modernidade. São alterações que

invadem o âmago e os contornos da sociedade, abrindo-se esse espaço para outra

modernidade, mediante instauração de um processo de mudanças que se dá de

forma quase que “sub-repticiamente” num processo de mudança autônoma quase

que imperceptível no início, mas com grandes alterações na ordem política e

econômica e Impõe uma modernização ampla, solta, desestruturadora. Significando

nesse sentido a modernização da modernização.

Nesse processo de conformação de uma nova sociedade, a partir de um

contínuo processo de mudanças, faz-se presente a transição de uma época a outra

em que a “latência”, a “imanência”, a “fluidez, a “imediaticidade” e a “obsolência” das

práticas sociais são pontos marcantes dessa transitoriedade.

Embora sem muita clareza de direcionamento e alcance de metas pré-

estabelecidas, constitui-se um processo com poder e força para modificar e destruir

outros modos de vida organizativos, trazendo à tona a civilização do risco e da

incerteza.

Nesse âmbito de permanências e mudanças, comunidades inteiras tendem a

reorganizar suas práticas sociais e sua estrutura organizacional, moldando sua base

de sustentação, agora vinculadas a parâmetros e circunstâncias pautadas nas

relações de riscos e incertezas maiores.

Diante do avanço científico e tecnológico altera-se a percepção de mundo, o

modo de ser e viver, pois o avanço da modernização interfere no estilo de vida de

populações inteiras, comunidades marginalizadas e excluídas do circuito das

satisfações de necessidades mais elementares. Assim, essa modernização assume

o caráter civilizatório pela imposição de novos valores e novas práticas sociais. Na

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verdade submete tais populações aos avanços por sua incapacidade de transformar

suas necessidades em demandas para o mercado. Nessa inserção subalternizada,

as marcas da exclusão da natureza econômica e social, que se agrava pelo apelo a

liberação dos mercados e pela destruição dos sistemas de produções locais ao

retirarem-se as condições essenciais de reprodução social dessas comunidades de

camponeses, pescadores, artesãos, na medida em que se assiste a preeminência

do consumidor sobre o produtor.

As mudanças imprimem alterações significativas na cultura tradicional, isso

porque o mundo global via comunicação, coloca as comunidades tradicionais frente

a frente a situações e contextos do mundo mais amplo e plural, onde o espaço local

encontra-se inserido no mundo global. Impactando a vida e a identidade local e traz

uma certeza ilusória de que todos os caminhos apontam para a direção de um único

mundo, único mercado, ao mesmo tempo em que fragmenta e destrói os ideários e

práticas locais.

Este conjunto de mudanças garante a centralidade da ideologia global a

respeito da superação das fronteiras nacionais e locais, levando a uma

reorganização dos espaços e tempos sociais.

Defronta-se com uma nova agenda mundial, uma era de transição que vem

demarcando uma nova conformação social que não se coloca apenas em oposição

a tradição, mas diante de um processo dinâmico de desincorporação / incorporação

do tradicionalismo, como resposta de uma nova modernidade em que a persistência

e a recriação do tradicional, constituem-se elemento fundante da própria

modernidade e da identidade social. Um processo nem sempre harmônico, pois a

“diversidade cultural, conseqüente da globalização, faz “atiçar o medo e a rejeição

do outro, onde a intolerância e o ódio, os conflitos entre civilizações (denunciam)

confrontos que dominam o futuro do mundo”, (HOUTART, 2002. p.47).

No decorrer de 1990, observa-se o desconstruir dos frágeis equilíbrios pela

potencialização do militarismo, das lutas sociais, culturais e democráticas, que

passam a pontuar no cenário internacional. Nessa perspectiva, a globalização e o

neoliberalismo passam a ser identificados como produtores do “caos” pela

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multiplicação de conflitos, em decorrência da inviabilização da mundialização

econômica e da democracia, enquanto possibilidades de progresso social.

Nos últimos trinta anos não se percebe a construção de uma economia

mundializada, mas a construção de um arquipélago capitalista mundial de ilhas

grandes e pequenas, em que se concentram o avanço científico e tecnológico, que

se efetiva sob forma de uma polarização crescente da economia internacional. São

as “ilhas” economicamente fortes que dão origem à nova sociedade da informação e

do conhecimento”. Nesse contexto, o grande ideário buscado reforçou sobre os

mercados que não conseguem se inserir e serão abandonados e excluídos do futuro

do mundo. Assim sendo, é marcante a multiplicação dos fenômenos de

expropriação. Expropriação dos direitos fundamentais, do direito de existir em

função da sua rentabilidade econômica.

A sociedade e sua razão de ser serão como sinônimos de sistema organizativo

não mais baseado nas interações pessoais, passando a ser direcionados pelas

normas do mercado. Sua formação social não se pautará nas formações de

identidades e solidariedade social, mas se centralizando no individualismo e na

competitividade como elementos garantidores da sobrevivência.

A agenda mundial se assenta nas rápidas e profundas transformações e se

expressa na interligação das demandas mundiais e suas interferências nas

atividades locais que se adaptam e se reorganizam, segundo as necessidades e

ingerências do mercado ampliado. A prevalência do mercado atribui condições,

situações e riscos pela não garantia de controles e previsão de resultados. Essa

nova racionalidade ao avançar e alcançar formas de vidas pautadas na tradição

instituirá a dissolução da tradição e da sobrevivência das populações tradicionais. O

mundo global vai penetrando no cotidiano da comunidade local perpassando o

íntimo e o profundo do “eu” alterando a relação tempo, espaço e identidade.

Nessa relação entre tradição e modernização, observa-se ainda que em

contraste, o processo de mutação às práticas tradicionais que referenciam as

experiências do cotidiano que em meio às mudanças percebe-se a adequação, a

reatualização e novas formas de adaptabilidade deste tradicional à vida moderna.

Um cotidiano que se ajusta e reajusta-se diante das incursões globalizantes. Nesse

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sentido, a tradição é concebida como uma orientação do passado com interferências

diretas no presente e com perspectivas para o tempo futuro. Assim, nesse contexto

de rápidas transformações, as tradições estão envoltas em permanências e

continuidades, descontinuidades e resistências frente a essas mutações, e sendo

assim, balizadores desse processo, a autenticidade e o processo de reconhecimento

que influenciarão a vida local e conseqüentemente servindo de fundamento para a

sua permanência.

Nas sociedades mais simples, os valores, as práticas e os rituais são

elementos pertinentes à coesão e à solidariedade social. A tradição é preservada

pela memória coletiva de uma comunidade. No entanto, diante das incursões

modernizantes e pelo processo dinâmico de reatualização, o passado é

reconstruído, reinventado tanto em nível pessoal, quanto coletivo, no sentido de que

se reproduzem de forma contínua a memória de acontecimentos e condutas do

passado, ainda que acrescida pela experiência do presente. Nesse contexto, a

permanência do tradicionalismo não diz respeito somente sobre a persistência das

tradições, mas ao processo contínuo de interpretação dessas práticas tradicionais,

ao estabelecer laços, relações entre o passado e o presente. Assim, não é

simbolizado somente pelos rituais do passado, mas pelo processo de interpretação

do sentido da existência e persistência das práticas sociais que dão substâncias a

uma dada coletividade. Sua validade será assegurada quando tais práticas sociais

possibilitarem a conexão entre as vivências do passado no momento presente, com

perspectiva para o futuro.

Tal vinculação não se estabelece unicamente "de si para si”, mas é decorrente

de um processo que envolve motivação e sentimento de pertencimento que induz

reutilização constante da tradição. Nesse contexto, a tradição constitui-se referendo

de um dado tempo e lugar e, se impõe na vida cotidiana de uma determinada

comunidade, por expressar uma “verdade” que imprime os rituais e delineia um

tempo social próprio; constituindo-se em marcos desse contexto social. Os rituais e

práticas exprimem-se a autenticidade, como essência verdadeira desse modo de ser

e viver.

A persistência do tradicional está diretamente relacionada à atuação

interpretativa dos guardiões, vistos, então, como depositários e mantenedores dessa

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“verdade formular”. Uma verdade que expressa a maneira de ser e viver de uma

determinada comunidade.

Pela deferência de poder e autoridade; os rituais e práticas constroem a

identidade tradicional numa relação que envolve rotinização e interpretação de

hábitos, costumes e práticas tradicionais.

A tradição é contextual e manifesta uma pluralidade sócio-cultural, pois numa

realidade social convivem diferentes crenças, rituais e práticas. Nesse cenário

diverso, na construção identitária, está presente o "eu” e o “outro”, ou seja, aquelas

pessoas que pertencem àquela identificação e os outros que são estranhos a ela.

A tradição permeia toda a rede de relações sociais sendo vista como “âncora”

que garante sustentabilidade material, cultural e simbólica de uma dada

comunidade.

Num espaço de modernidade é nítido o processo de desincorporação /

incorporação da tradição, que altera e substitui essa tradição. Se de um lado a

tradição demarca um espaço, a singularidade de uma localidade, por outro lado, a

modernidade pauta-se em “sistemas abstratos”, universalistas que dispensam as

particularidades da tradição, anula sua verdade e retira sua vinculação com o

passado / presente, fragilizando as bases de sustentação da vida cotidiana. O

resultado dessa transformação é a alteração das práticas sociais, do estilo de vida e

o sentido de pertencimento.

A dinâmica presente na globalização nas últimas décadas vem alterando a

própria relação tradição / modernidade, sobretudo, pela alteração da noção de

tempo / espaço, uma vez que o mundo globalizado tende a desfocar as

circunstâncias que caracterizam a vida local, reestruturando o espaço social,

impondo “sistemas abstratos” e a conseqüente desorganização da vida social local,

pela incorporação de novos padrões organizativos.

Se de um lado é certo que as alterações são trazidas pelo avanço da

modernização, por outro lado, esse avanço não ocorre de forma homogênea, assim,

não alcançando de forma direta todas as áreas do planeta, o que tem garantido a

permanência do tradicionalismo em muitas áreas, formando verdadeiros “enclaves”.

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Embora, nesse contexto invasivo não se pode evitar o contato de tradições com

realidades alternativas, constituindo-se em um mundo onde o “outro” ‘não pode mais

ser tratado como inerte. “A questão não é somente que o outro responda, mas que a

interrogação mútua seja possível”, (GIDDENS, 1997, p.119).

Nesse contexto de permanências e mudanças, os costumes locais passam a

expressar tanto informações e fundamentos do convívio local quanto do mundo mais

amplo. A valorização da tradição no contexto de modernização assume caráter

totalmente diferenciado em relação ao tempo / espaço. O passado deixa de ser

referência para o presente, passando a referir-se a algo, a fatos distanciados no

tempo e no espaço, visto então como “visitas de retorno”, na medida em que se

reverte em um ritual esporádico, deixando de ser referência na maneira de ser e

viver de uma dada comunidade, configurando-se como “relíquias” de um passado

distante e desfocado do presente.

1.2. A Amazônia: Do local ao global

O caráter de mundialidade constitui-se o traço marcante da economia

capitalista, por requerer um intenso intercâmbio comercial, e agir sob a lógica da

produção e reprodução do capital como gênese e fim deste sistema. Nesse sentido,

a história mundial estará intimamente relacionada à vida local, enquanto condição

“prática” e “prévia” desse sistema, como condição indispensável ao desenvolvimento

das forças produtivas, num intercâmbio internacional que aproxima o local, o global

e a dependência de um sobre o outro.

Na consolidação de mercado cada vez mais ampliado, a domesticação de

várias regiões do planeta, consideradas como áreas coloniais atrasadas, fora da

lógica do capital, esse inter-relacionamento do local e do global constitui-se fator que

desobstrui os impasses, altera-se a realidade interna e imprime um caráter

civilizatório, segundo os ideários da modernidade, quebrando com o isolamento

local, e as práticas e vivências sociais pautadas na tradição.

A história da Amazônia sempre esteve ligada ao desenvolvimento do

capitalismo mundial e a idéia de desenvolvimento está relacionada ao processo de

exploração das riquezas naturais ainda na era colonial, momento em que se iniciou

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a reorganização do espaço amazônico e sua inserção no cenário internacional como

exportador de recursos naturais.

A partir desse processo histórico, o papel da região vem sendo definido e

redefinido como fornecedora de matérias-primas para dar atendimento às demandas

de mercado internacional. Por conta dos interesses externos, a região se submete a

incursões esporádicas das grandes metrópoles.

Dessa forma, a Amazônia se insere no contexto internacional a partir do século

XVII, momento em que se especializou em exportar determinados produtos naturais

do rio e da floresta na época da colonização portuguesa. Sua integração definitiva

ocorreu a partir de 1960, quando se integra efetivamente no mercado nacional e

internacional. A vinculação da região ao mercado mais ampliado foi marcada pela

ótica da subordinação e subjugação por se constituir em um modelo civilizatório e

não de civilização. Nesse sentido, observando-se a prevalência dos interesses

externos e a total desvinculação aos interesses, potencialidades e padrões sócio-

culturais locais, por retratar projetos que não se voltam para a sustentabilidade da

região e do seu povo.

A Amazônia desde a era mercantilista à da globalização econômica verifica-se

a permanência do nexo da subalternização e a prevalência das relações desiguais

no mercado internacional, uma trajetória histórica que tem registrado o aumento

contínuo do volume de exploração e exportação de produtos regionais, embora sem

a valorização correspondente dos preços dos produtos exportados.

O atrelamento da Amazônia ao mercado internacional vai se dando em

momentos específicos, mas com grandes impactos para região e sua população

tradicional, sobretudo, pelo volume de exportação dos recursos naturais e pelo

envolvimento da população regional nesse processo

A Amazônia até meados do século XX apresenta-se distanciada do contexto

nacional, posição justificada principalmente pelo seu isolamento geográfico, sua

baixa densidade demográfica e caracterizando-se até, então, pouco atrativa

economicamente. Seu processo de desenvolvimento foi marcado por momentos

cíclicos que geraram períodos de prosperidade, embora em sua maior parte

insignificante para a região e seu povo.

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No início da colonização, a região foi considerada “peça” de pouca expressão e

se manteve isolada por século do resto do país. É o momento inicial da dominação

da região e das estruturas de subsistências. No entanto, sendo marcante sua

vinculação internacional pelo fato das práticas tradicionais estarem atreladas a

própria produção mercantil. Nesse momento, firma-se o extrativismo como atividade

rentável, através da exportação das “drogas do sertão”, uma produção voltada ao

atendimento às demandas da Europa, a custo da escravização de índios, negros,

caboclos e o início da exploração predatória dos recursos naturais.

A ligação das áreas tradicionais às áreas modernas, nesse momento é

caracterizada pela atuação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão na

intermediação comercial e na ampliação da conquista do território numa atuação que

alterou o incipiente extrativismo e demais atividades de subsistência.

O processo de internacionalização da região se intensificou com a exploração

da borracha, a partir dos meados do século XIX, tornando-se elemento central da

atividade extrativista. Neste momento, a Amazônia assume a posição de

exportadora mundial de borracha, para dar atendimento à demanda industrial da

Europa e dos Estados Unidos. Em nível regional, apesar do volume de exportação, a

ocupação e a exploração de vastíssima área de seringais, observaram-se relativo

crescimento econômico e urbano, pois o processo de circulação de capitais, o

crescimento econômico e a introdução de novos padrões de consumo não

corresponderam ao processo de acumulação real para a região.

Um ciclo que durou vinte anos e ao final, o retorno às estruturas tradicionais,

uma vez que o volume de capitais aqui gerados era carreado para os países centrais

e sem o real desenvolvimento local, já que o volume de capitais aqui gerados não

correspondiam aos benefícios econômicos e sociais para a região

Até meados do século XX não se observava grandes alterações na região em

seu aspecto econômico, ambiental e cultural. Revelando-se um espaço pouco

transformado, e apresentando uma imensa área utilizada, principalmente por

atividades extrativistas e a pequena lavoura, um tempo social em que o modo de

vida regional era profundamente marcado pela influência do rio e da floresta, um

estilo de vida com uma organização própria à vida cabocla, ribeirinha marcada pela

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produção tradicional do extrativismo e das atividades complementares da caça, da

pesca, um território bem definido em seus contornos sociais e culturais e, no

entanto, totalmente integrado com os centros mais dinâmicos regionais e

internacionais. Belém, nesse contexto, se insere como importante papel na absorção

e escoamento dos produtos regionais.

O contexto local mantinha relação com espaços mais globalizados, onde a

família cabocla tinha que contar com uma associação entre a caça, a pesca e o

cultivo de mandioca, oferecendo a sobra muito pequena para se trocar por outros

bens. “O caboclo, como parte de uma expedição ou por conta própria, podia extrair

diversos tipos de material para vender”. (WEINSTEIN, 1993, p.27), no entanto, nota-

se nesse processo uma relação de troca desigual que submete o caboclo aos

acordos e os acertos dos comerciantes locais, que numa cadeia de dependência se

constitui em elos com o comércio regional e externo, numa cadeia ampliada de

dependência, onde é reafirmado um sistema clientelista que explora e vulnerabiliza

as populações tradicionais.

A partir das décadas 1960/1970 verifica-se uma nova inserção da Amazônia

no mercado mundial, momento de implementação de uma política de aliança entre o

Estado Brasileiro e o grande capital, tendo em vista a modernização e

desenvolvimento industrial do país e da região. O Estado passa a implantar planos,

metas e programas com a pretensão de superar os entraves, as atitudes e

mentalidades obstacularizadoras ao processo de modernização. Consolida-se uma

nova relação entre países centrais e periféricos.

Através da vinculação das economias periféricas ao mercado internacional pelo estabelecimento de laços entre o centro e a periferia que não se limitam apenas como antes, ao sistema de importações-exportações, agora as ligações se dão também através de investimentos industriais, diretos pelas economias centrais nos novos mercados nacionais, (LOUREIRO, 1992, p.22).

Convive-se na região amazônica com a conformação de um novo-velho

conceito de desenvolvimento dependente que promove a aceleração e

modernização econômica à base de empréstimos externos, por conta de um

altíssimo volume de endividamento interno

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Dessa forma, a partir da década de 1960, a realidade amazônica começou a

ser significativamente alterada em seus diversos aspectos, pois a expansão

capitalista promoveu maior ocupação do território e exploração em larga escala dos

recursos naturais. Um planejamento estatal sob a égide dos pilares de “segurança

nacional, integração e capitalismo avançado”, abriu os portais da Amazônia ao

capitalismo quando o Estado facilitou a integração da região à economia nacional e

internacional.

A Nova inserção econômica possibilitou um processo de reordenação social

entre o tradicional e a modernização, diante da emergência de um novo tempo, uma

nova história que impôs um novo ideário de verdade que levou a concentração de

renda e o enriquecimento de alguns grupos e o não repasse dos benefícios dessa

modernização a população regional.

Nas últimas décadas, observou-se uma nova inserção das populações

tradicionais, agora numa perspectiva mais ampliada mediante ao avanço do

capitalismo industrial-financeiro, momento em que as transformações aqui

engendradas atingiram com mais intensidade o espaço regional. Concebe-se a

região como uma das últimas fronteiras de recursos à expansão capitalista, para tal

o Estado implementou o projeto desenvolvimentista a custa da aplicação de

recursos públicos, da apropriação do território, expropriação dos recursos naturais e

a desorganização da economia local, sem o alcance do tão almejado

desenvolvimento.

Na verdade, esse processo de ocupação e exploração da região, possibilitou o

surgimento de “ilhas” de crescimento no país e na região, pela presença de áreas

periféricas dentro da própria periferia. Observando-se a coexistência de áreas

modernas e dinâmicas, e áreas tradicionais com um lento processo de crescimento

ou estágio de estagnação.

Essa nova etapa de exploração é marcada pela implantação de grandes

empreendimentos econômicos, no entanto, é momento em que as populações

tradicionais serão trazidas a esse cenário de mudanças se vinculando a essa onda

modernizante em vários sentidos, ainda que de forma indireta com suas práticas e

produções tradicionais, num contexto, em que os setores modernizantes tornam-se

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obstacularizadores às atividades auto-sustentáveis. Na verdade um novo cenário

que privilegia a exportação em larga escala de recursos naturais, prestação de

serviços e produção industrial, reduzindo, no entanto, a setor primário. Dessa forma,

uma política econômica que aposta nos grandes projetos econômicos suprimindo

paulatinamente as práticas tradicionais.

Nesse sentido, amplia-se a ocupação do território amazônico e intensifica-se o

processo de latifundiarização. O Estado disponibiliza terras aos novos investidores,

às grandes empresas, o que vai provocar conflitos e lutas pela posse da terra. Ser

proprietário em terra de “posseiro” vai se constituir questão central dos conflitos

agrários, em virtude do estabelecimento do processo de concentração de terra pelos

novos investidores do centro-sul do país ou estrangeiros, um processo que expropria

e expulsa o homem do campo.

Nesse contexto de expansão capitalista, os produtos agrícolas de subsistência

são avaliados como uma produção “fraca” no mercado comercial e se inserem nesse

mercado global de forma ocasional por conta da produção de diferentes produtos

voltados para o mercado interno, regional. Isto demonstra que mesmo em momento

de expansão e modernização da região, observa-se a renovação contínua das

estruturas de subsistência, enquanto traço marcante da realidade econômica

regional, embora seja presente uma inter-relação desigual entre o local e o global

que reforça a condição de pauperrização dos produtores tradicionais.

A racionalidade econômica trazida pelos grandes empreendimentos contribuiu

para desorganizar a produção local, no momento em que marginalizou tal produção,

ao mesmo tempo em que a nova produção econômica pautadas em bases técnicas

e cientificas vão se apropriando do espaço regional, suprimindo as condições de

sobrevivência das práticas tradicionais e das condições de reprodução das

populações primeiras da região. Essa nova racionalidade se deu de forma focalizada

sem alcançar o espaço regional de forma homogênea, demarcando pontos

dispersos e diferenciais, retratando duas realidades distintas, de um lado

verdadeiras “ilhas”, manchas caracterizadas pelo alto grau de racionalidade e

modernidade, caracterizando-se como espaços globalizados e, do outro lado,

“espaços vazios” ou “zonas opacas”, espaços organizados pela racionalidade não

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hegemônica ou tradicional, áreas com um lento processo de crescimento

econômico, onde se faz presente a permanência dos padrões tradicionais.

Nos últimos anos, por conta do atrelamento contínuo das atividades

extrativistas e agrícolas ao mercado internacional, produtos anteriormente

explorados como espécies nativas passaram a ser exploradas como cultivos

racionais, como por exemplo: o cacau, a borracha, a castanha-do-pará e outros

produtos não originários da região, que passam a contar com o apoio e incentivo dos

governos locais e grupos externos. Emergindo políticas de fomento à pesquisa e

adoção de novas tecnologias de manejo de produção e à própria preparação técnica

dos produtores. Uma política que se aliou aos conhecimentos e práticas já

existentes. Destaca-se nesse contexto o crédito rural, como importante instrumento

da política agrícola e de incentivo ao desenvolvimento da área rural. Apesar de que,

inicialmente, a Política Agrícola se voltava aos grandes produtores, mas a partir dos

anos 90, os pequenos agricultores, mediante organização e lutas conquistaram o

acesso ao crédito rural através do Fundo Nacional do Norte (FNO-Urgente) e

posteriormente o FNO-Especial.

Numa conformação econômica que valoriza mercados, mercadorias e exclui áreas e contingentes populacionais, os “bárbaros” fora dos padrões globais se observa certo desconforto com esgarçamento das experiências de vida, de tal sorte que os movimentos sociais têm instalado esse repensar de contestação sobre a mundialização, (NEVES, 2001, p.336).

E sobre a própria questão do desenvolvimento internacional, nacional e local,

pois diante dos processos de modernização, desigualdade, exclusão, violência e a

incapacidade do Estado em adotar medidas eficazes frente aos problemas

amazônicos, grupos, entidades e movimentos sociais passam a denunciar a “crise

do progresso” e apontam para uma nova perspectiva de desenvolvimento que

subsiste na valorização da sustentabilidade da região e sua população, ao fazer uma

crítica acirrada sobre o desenvolvimento regional e seus impactos nas áreas do

social, economia, da cultura e do meio ambiente. Centrando-se um novo olhar para

um modelo pautado numa gestão participativa, no fortalecimento das comunidades

locais, no sentido de se tornarem capazes de superar suas necessidades imediatas.

Advogando-se assim um desenvolvimento local, integral e sustentado formulador de

políticas em atendimento às demandas locais.

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As atenções se voltam para a questão do desenvolvimento regional, pelo fato

do modelo em voga centrar todo esforço no alcance do crescimento econômico que

valoriza atividades de grande porte com a racionalidade capitalista para dar

atendimento às demandas do mercado internacional secundarizando e ou

eliminando práticas e modelos produtivos tradicionais.

Nesse contexto onde faz presente as permanências das práticas tradicionais e

práticas e modelos produtivos modernos, busca-se uma saída pela consolidação de

uma gestão capaz de estabelecer nexo entre a ordem global e políticas que dêem

conta das complexidades das questões sociais dessa realidade contraditória pela

efetivação de empreendimentos e projetos segundo as potencialidades do espaço

regional e local. Levando-se em consideração questões relacionadas ao controle do

território, potencialização dos recursos e a conservação ambiental.

Associando-se a esse, projeta-se um novo olhar sobre a valorização do saber e

das experiências das populações tradicionais, tendo em vista a manutenção da

biodiversidade como legado de uma relação positiva que mantém com a natureza.

Ao considerar que os lugares mais preservados são espaços das populações

indígenas e caboclas, áreas onde está concentrada a biodiversidade regional. Por

outro lado, o emergente bio-mercado, traz à tona o saber, as práticas de manejo dos

recursos naturais, que aliadas às pesquisas podem apontar métodos mais

adequados em relação ao uso do solo, técnicas agrícolas e a efetividade de práticas

extrativistas.

Uma questão que traz o enfoque de um novo processo de desenvolvimento

para a região, compromissado com uma produtividade que assegure

sustentabilidade econômica da região, a renovabilidade dos recursos e que garanta

os direitos das populações tradicionais tratadas ao longo da história sob o olhar

preconceituoso da modernidade.

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1.3. Populações Ribeirinhas: História e Adaptabilidade Sócio-Ambiental.

1.3.1 O Processo de Reordenação Social

Nas últimas décadas, estudos na área histórico-sociológica tem se direcionado

para a compreensão das populações tradicionais da Amazônia, notadamente as

populações ribeirinhas, os caboclos, uma população originária dos grupos indígenas

e do processo de miscigenação com diferentes grupos chegados na região durante

a colonização portuguesa. São estudos que se voltam para a análise da persistência

das práticas tradicionais em meio ao processo de modernização implantado na

região.

Essas populações constituem-se em uma camada social típica da região

amazônica, referindo-se às populações ribeirinhas, caboclas, pescadores, coletores

e pequenos agricultores. Como tal, vivendo numa estruturação social pautada em

atividades primárias tradicionais, cuja marca principal é a produção voltada para a

subsistência. Nesse sentido, uma população que vem desenvolvendo um processo

de inter relação entre a herança cultural, a diversidade dos recursos naturais que

antecede a própria colonização regional.

Em linhas gerais são populações herdeiras de conhecimentos e práticas mais

tradicionais da Amazônia. Vivendo e sobrevivendo das práticas extrativistas dos rios

e florestas são descendentes diretos dos índios, dos tapuios no aspecto etno-

cultural, no entanto, na organização atual são considerados como “distribalizados”,

”desculturados” diante do processo de socialização e reordenação social provocado

pelas mudanças trazidas pelos fatores modernizantes, que vem afetando,

transformando e levando a uma nova adaptabilidade entre o contexto tradicional e

moderno tão marcante no espaço regional.

O presente estudo se volta para a compreensão do modo de vida das

populações tradicionais e sua historicidade, ao dar ênfase à resistência ou

permanência dos padrões tradicionais frente à imposição violenta de padrões e

valores externos que passam a ser considerados nesse processo de transição,

como “verdadeiros”, ”superiores” e ao mesmo tempo “dizimadores” dos padrões

locais, e assim, a conformação de “uma realidade social decorrente da colonização

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portuguesa, que alterou sua cultura de origem com a incorporação de novos valores,

novos padrões culturais nos aldeamentos jesuítas, quebrando-se assim com a

cultura e com a identidade própria, original desses nativos”, (CONCEIÇÃO, 2001,

p.144).

Ao longo da história da região, essa realidade social vem definindo e

redefinindo as condições de desigualdade e exclusão social das primeiras

comunidades que, embora seja marcante sua presença no cenário regional, vem

sendo tratadas como “invisíveis”, ”inexistentes para as decisões governamentais e

setores produtivos, que impõem seus interesses, sem levar em consideração os

anseios e as necessidades dessas populações tradicionais anteriores às formas

atuais de ocupação e exploração da região.

Para a percepção desta realidade é necessária a efetivação de uma análise

que se reporte ao dinamismo presente na adaptabilidade dessa população local, aos

recursos naturais e ao processo de criação e recriação social, ou seja, na

construção do espaço sócio-econômico regional, mediante a inter-relação direta

entre padrões e práticas tradicionais e às novas circunstâncias que se fazem

presente no momento atual, que vem sendo assimilados e ou incorporados pelas

populações tradicionais.

Moran (1991) parte da compreensão do processo de adaptabilidade humana

das populações amazônicas, enquanto processo de plasticidade das respostas

humanas, mediante ajustamentos fisiológicos, sociais e culturais. As populações

amazônicas diante de uma diversidade ambiental e cultural adaptam-se, criam

situações, engendram circunstâncias que de alguma forma demonstram uma

interação sócio-ambiental do espaço em que estão inseridos. E que embora o

homem da região não esteja sob as amarras, às limitações naturis, a cultura local é

reflexo dos ritmos, do tempo e do lugar.

A preocupação em retomar a questão da adaptabilidade das populações

ribeirinhas é dar conta de como vem ocorrendo o entrelaçamento entre as

permanências do tradicionalismo e as mudanças sociais advindas do processo de

modernização por que passa a região amazônica. É uma questão que não diz

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37

respeito apenas as populações locais, mas a todos nós preocupados com os

destinos da Amazônia e de seu povo.

Na verdade, ao se compreender o entrelaçamento entre o tradicional e o

moderno é se dar conta da historicidade das populações locais, no sentido de

oportunizar à visibilidade da maneira como vem ocorrendo o processo de

reordenação sócio-econômica e as formas de enfrentamento de situações postas

nesse momento a essas comunidades, mediante mecanismos próprios de

adaptação. Dessa maneira, perceber a relevância das populações tradicionais,

fazendo o reconhecimento da importância de suas práticas e atividades como

garantia da sustentabilidade e organização da vida social. Consequentemente a

garantia da soberania das populações caboclas.

Na história regional se reconhecem as contribuições dessas populações,

sobretudo, nos momentos de crise econômica, momentos em que se reorganizam

as estruturas tradicionais. A economia regional por ser marcada por “ciclos

econômicos” caracteriza-se por períodos de expansão e apogeu, seguindo-se de

decadência e crise econômica, pelo fato da região se constituir historicamente como

“colônias de exploração” ficando, portanto à mercê dos interesses econômicos

colonialistas e assim submetidos às ingerências e as necessidades do capital.

Nessa realidade sócio-econômica, as marcas das renovações contínuas das

estruturas de subsistências, embora sempre atreladas às práticas mercantis numa

interação constante entre práticas tradicionais e as estruturas modernizantes devido

à vinculação internacional da região, e assim, o estabelecimento de uma cadeia de

relação cada vez mais abrangente, onde as atividades extrativistas sejam o ponto

inicial desse relacionamento, ou seja, são populações que embora dispersas pelas

rotas do extrativismo subsistem graças a pesca artesanal, a coleta e a pequena

agricultura, ao mesmo tempo em que mantém relações de toda ordem, que vão

além das fronteiras do lugar em que vivem com espaços mais dinâmicos e

modernos. Um processo, todavia, marcado pela exploração e conseqüente

subalternização dessas populações, pois nesse processo se redefinem a

pauperização e a expropriação de seus recursos, uma vez que a comercialização

dos recursos naturais não tem beneficiado ou garantido melhorias nas condições

obtidas nessa produção. Essa realidade vulnerabiliza e submete tais populações às

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38

atividades assalariadas, tornando-as reservas de mão-de-obra barata em outras

áreas, sobretudo em cidades maiores e mais dinâmicas, processo que se intensifica

pelo contexto de urbanização que demarca as cidades de médio e grande porte na

região.

O processo de urbanização caracterizado pela modernização e crescimento

das cidades da região é reflexo das formas atuais de ocupação e exploração

econômica da Amazônia, que se dá a partir da década de 1960, momento em que o

Estado e grandes grupos econômicos se aliam e abrem os portais da Amazônia para

a exploração em larga escala de seus recursos naturais, através de grandes

empreendimentos econômicos. Esse processo contínuo de exploração tem

contribuído para a ocupação do espaço regional, seja pela colonização dirigida pelo

Estado que passa ocupar os “vazios” da região, seja de forma espontânea de

ocupação através da migração de grupos para as novas áreas na luta pela

sobrevivência por melhores condições de vida.

Esse processo de ocupação do espaço regional coloca os grupos tradicionais

frente à outra realidade que em geral não prioriza a cultura cabocla, por expressar

os interesses de outra organização, outra mentalidade e modo de vida.

Outro fator que vem adentrando nas mais isoladas comunidades e com um

poder de persuasão e transformação é a mídia eletrônica, a Tevê, o rádio, a grande

imprensa que tem levado a vida aos padrões do mundo global e, com ele, o contato

com a diversidade cultural mais ampla, que de certa forma fragiliza o ideário que dá

sustentação ao mundo caboclo e que, a partir de então, passam a se reajustar aos

ideários e as necessidades capitalista, secundarizando ou até abandonando a

identidade cultural local, com a adoção de atitudes de negação e ou

desconsideração do valor, da beleza e importância da cultura local, assimilando um

novo estilo de vida, de organização, o que gera uma dicotomia entre o mundo dos

“mais velhos” e o mundo dos “mais jovens”.

Os Jovens nesse contexto de transição passam a se identificar com o “novo”,

com os padrões dos grandes centros, deixando no passado a herança cabocla,

sendo identificada como coisa de “velho”, pois assimilam o que vem de “fora”, do

mundo urbano, pluralista e global, esquecendo-se que a cultural original não revela

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39

somente a tradição, mas é resultante de uma história socialmente construída por

aquele povo, mediante relações entre seus membros e o meio natural em que

vivem.

1.3.2 Relação Homem-natureza e Sustentabilidade.

O processo de ocupação da região é marcado por um “modelo histórico de uso

e aproveitamento dos recursos naturais da Amazônia, voltado essencialmente para

o mercado internacional (que) condicionou um padrão bem definido de ocupação da

região, como também a especificidade do tipo de relações sociais lato sensu,

embora se registrasse alguns surtos esporádicos de prosperidade da atividade

agrícola, apresentando por causas fortuitas, fases alternativas de euforia e

depressão, onde o extrativismo preponderou como atividade basilar da economia

regional, (COSTA, 1979, p.39).

Nessa realidade a atividade extrativista, a agricultura e a pesca na Amazônia

apresentaram um total “imobilismo social”. Por décadas a região representou o

modelo produtivo como herança do modelo herdado do século XIX.

Até o final dos anos de 1950, a região amazônica se retratava por extensas

áreas de terras rurais, em geral terras públicas, devolutas. A vida regional era

eminentemente rural e nesse cenário as populações locais se inseriam de forma

“livre” e “mansa”, no sentido de que dispunham das terras amazônicas sem disputas

e conflitos. O acesso à terra nesse momento estava relacionado diretamente a

própria existências dessas populações tradicionais.

A ocupação da região era retratada pela presença de propriedades tituladas e

por milhares de posses “mansas” e “pacíficas”, que em geral, localizavam-se

próximas às florestas, lagos e rios, onde eram feitas pequenas roças de mandioca,

arroz, milho e feijão. Estas práticas estavam associadas ao circuito das práticas do

extrativismo vegetal e animal. Nessas terras habitavam índios, pescadores

artesanais, pequenos agricultores, coletores e caçadores.

Um contexto muito peculiar, onde a ocupação do território estava entre 0,7%

das terras existentes na região e ainda disponibilizadas as atividades dispersas. E

dentre essas terras ocupadas, a quase totalidade não era titulada e poderiam se

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40

enquadrar como “terras de ninguém” justificada pela mentalidade regional de que

vivendo numa região historicamente separada do resto do país, com um ritmo

marcado por atividades fundamentalmente pré-capitalistas, esses habitantes

tradicionais jamais imaginariam a necessidade de um título de propriedade de terras.

Entre as propriedades tituladas, a presença de vastas áreas cobertas por

florestas naturais, o que demonstra a alteração insignificante da natureza e da vida

do homem regional. O homem amazônico vivia subordinado à natureza pela

preponderância das atividades extrativistas que garantia a subsistência, a produção

e a reprodução das populações locais. A vida e o trabalho estavam vinculados à

exploração da terra e dos bens da natureza, como meios de sobrevivência.

Uma relação “nucleada” pela natureza caracteriza a vida dos moradores às

margens dos rios, igarapés, ainda que vivendo em vilarejos ou cidades. A vida

transcorria à beira do rio. A água, a floresta, como definidores do modo de vida

dessas populações. Sua sobrevivência vinha da roça, de pequenas criações, das

plantas do quintal, das essências aromáticas e oleaginosas, da caça de animais e da

pesca artesanal.

As relações de trabalho desenvolvidos pelos habitantes da região são menos

estruturadas e, do ponto de vista capitalista, pouco “monetarizadas”.

O homem, enquanto trabalhador desprovido dos recursos mínimos capazes de potencializar sua força física individual desenvolvia uma economia condicionada às imposições desse meio natural, a um só tempo superabundante e indomado, (LOUREIRO, 1992, p. 25).

Segundo estudos realizados por Loureiro (1992) a economia regional, até

1950, apresentava-se da seguinte forma: a preponderância do setor primário com

57%, onde a população vivia da pequena agricultura; 11,6% dedicavam-se à pesca

artesanal e À criação de gado e 30,5% estava ligado às atividades extrativistas. O

que confirma o censo em relação à localização espacial dessa população ser

predominantemente no campo. Em 1950 apenas 31,5% da população viviam em

centros urbanos. Em l960 essa situação se altera para 37,7% e em 1970 para 48,5%

da população passam a viver em cidades. O que demonstra a alteração do foco de

ocupação em decorrências dos processos de colonização, ocupação e exploração

da região, entretanto, aparecem nesse período como grandes cidades, apenas

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41

Belém e Manaus, que apresentavam papel de entreposto comercial do espaço rural-

urbano. No geral, as terras amazônicas eram ocupadas por habitantes naturais que

viviam em pequenas cidades ou espalhados pelas rotas do extrativismo.

Somente a partir de 1960 a agricultura ganha certo destaque na zona

bragantina e região do Salgado, pela presença marcante de imigrantes nordestinos

que se dedicam mais às lavouras. No entanto, a presença do rio, seja como estrada

natural de penetração, seja como fonte de trabalho e subsistência é marca central

do cenário regional. Nesse contexto, observam-se linhas regulares de embarcações

de transporte de pessoas e produtos. O que coloca a população local em contato

com as diferentes áreas da região e com os mercados regionais. Além dos barcos

de médio porte, a presença das canoas a vela, a motor, as montarias destinadas às

pequenas distâncias, todas fundamentais, pois unem pontos e fazem interligação

com as rotas extrativistas, num cenário em que o rio comanda a vida social e a

econômica.

A pesca artesanal estava difundida por toda a região e juntamente com a

pecuária extensiva que abastecia o mercado paraense e regional. Assim, o caboclo

trabalhador de múltiplas funções, pescava o ano todo para sobreviver e o excedente

da produção voltava-se para o mercado local. O trabalho da pesca caracterizava-se

pela herança de um saber mais tradicional. Dos índios vinha o conhecimento da

confecção dos seus instrumentos de trabalho, que vão, desde a construção dos

barcos pesqueiros, a confecção do instrumental de trabalho, os “petrechos”

indispensáveis à pesca artesanal, como as bóias feitas de cuias e cipós, paneiros,

montagens de currais e puçás. O que transparece um saber e uma produção

“artísticos” nitidamente regionais para a tarefa de navegar e pescar. Uma ação e

uma produção que está intimamente atrelada ao conhecimento da natureza de onde

retiram madeira para os barcos, cipós e tintas. De onde vão buscar todos os

recursos naturais necessários para a construção dos meios de produção.

É essa relação direta que envolve trabalho e conhecimento da natureza que

transforma o homem da região em pescador-agricultor-extrator ao mesmo tempo.

Uma relação marcada pela intimidade que mantém com a mata e o rio.

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Esse saber acumulado vem diminuindo consideravelmente nas últimas

décadas, alterando o saber-fazer dessas populações pelo uso de instrumentos

industriais que vão sendo incorporados com vistas à maior produtividade para o

atendimento de mercados cada vez mais ampliados.

Até esse momento, a presença de extensas terras e outros bens naturais

possibilitou a sobrevivência e a reprodução de pescadores, agricultores e

extrativistas por gerações seguidas, pois essas condições naturais lhes conferiam

certa autonomia e persistências dessas populações locais.

Considera-se papel importante dessas populações nos diferentes momentos

tidos como “ciclos” econômicos que marcaram a história da região. Pelo fato de

serem marcados por períodos de crescimento, apogeu e decadência. Observando-

se que diante de diferentes incursões modernizantes a continuidade de atividades

tradicionais ligadas diretamente à produção extrativista. Mesmo na era da borracha,

momento em que a Amazônia se tornou maior centro produtor, prevalece as demais

atividades, ainda que em menor escala, mas fundamental para a subsistência das

populações tradicionais. Segundo informações de LOUREIRO (1992). Em 1980 faz-

se a estimativa de cerca de um milhão e meio de pessoas envolvidas diretamente

em atividades extrativistas. Com essa referência, conclui-se que não se trata de um

sistema de produção já superado, mas que vem se adequando conforme as novas

exigências e necessidades do mercado nacional e internacional.

Nesse contexto sócio-econômico, a atividade extrativista se define como

sistema dominante na região e conformador da estrutura social local. Um sistema

que vem sendo produzido e reproduzido ao longo do tempo. E que tem contribuído,

na verdade, para uma conformação social de “extremos”. No ápice dessa sociedade

“poucos ricos” e na base societal “muitos pobres”, sendo a estrutura social atual

reflexo dessa estrutura anterior, onde a posse da terra passa a ser o divisor social e

econômico. Nessa realidade desigual a “renda se forma pelo trabalho de muitos,

mas se concentra nas mãos de poucos, disso decorre na sociedade amazônica a

formação de classes sociais concentradas nos extremos. Despontam num pólo uma

oligarquia restrita aos setores do grande comércio e aos servidos relativos à

produção, como o crédito e o financiamento, e noutro, os segmentos fragmentados

das classes subordinadas, representadas pelos seringueiros, trabalhadores de

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estivas, embarcadiços, comerciários e outros agentes também engajados às

principais atividades econômicas”. (idem, 1992, p.41).

O cenário regional era marcado pela grande maioria da população vista como

“posseiros” abandonados e, fora dos planos de desenvolvimento e da ação do

Estado. Observando-se a ausência da atuação do Estado enquanto elemento

mediador e integrador da vida cotidiana de uma população que não usufrui da

prestação de serviços básicos na área de saúde, educação, no provimento de

construção de estradas e até de órgãos administrativos. Nesse estado de abandono,

essa população vive e sobrevive com certa autonomia em relação à produção de

sua subsistência, na apropriação da terra e na estruturação das relações sócio-

culturais locais. No entanto, a ação do Estado se faz presente junto aos grupos

dominantes no provimento de toda ordem. Seja no favorecimento de financiamento e

créditos bancários, seja na apropriação de terras.

Somente a partir da década de 1960, com a nova inserção da região ao

mercado nacional e internacional, agora um processo marcado pela maior

diversificação das atividades produtivas, uma vez que aliadas aos interesses

externos à região, a burguesia local institui a super exploração dos trabalhadores e

dos recursos naturais

Imprimiram-se mudanças estruturais na vida do homem amazônico e sobre a

natureza. De um lado se dá a apropriação privada da natureza, tornando-se menos

livre e acessível e, do outro lado, as transformações no mundo da produção e do

traballho. Engajam-se mais trabalhadores que passam a produzir “bens” ainda que

naturais para o mercado externo. Implanta-se uma nova racionalidade que vai alterar

ao reduzir o tempo para o trabalho e a produção para o auto-consumo. As relações

“salariais” passam a se fazer mais presente no mundo do trabalho. Nesse processo

de mudança, o trabalho e os bens da natureza passam a ser vistos como

mercadorias. Muda-se o foco da produção, antes para o sustenta familiar, agora

para atendimento do mercado.

Sob a racionalidade do capital, desvaloriza-se a produção e os produtores

extrativistas diretos, que numa cadeia mais ampliada de comercialização, os lucros

são concentrados fora da área da produção direta. Fato registrado na produção da

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castanha e da seringa, onde os lucros se concentram no beneficiamento e

comercialização posterior no mercado internacional. A miserabilização e a

subalternização como marcas do processo de exploração das populações

tradicionais. Condição que tem levado essa população a continuidade das práticas

de subsistências, da pequena roça, da coleta de frutos e da pesca artesanal.

Nesse contexto de grandes mudanças, a força do capital começa a engendrar

na região novas formas de acumulação, mediante a apropriação privada da

natureza. Uma exploração em larga escala da natureza e das populações locais. Um

contexto onde a terra deixa de ser considerada um bem “livre” e disponível

passando a constituir uma das mercadorias mais valorativas. Em que os recursos

naturais, tornam-se bens de troca e de inserção da Amazônia no mercado nacional e

internacional.

Ao lado da apropriação privativa da terra, a instauração de violentos confrontos

e conflitos, pois Estado e grandes grupos econômicos não reconhecem a presença

das populações tradicionais, enquanto moradores anteriores a essa forma atual de

ocupação, que sem proteção política do Estado passam a ser expropriados

excluídos. A nova lógica da ocupação regional disponibiliza terras pautadas agora

na verdade jurídica, na lei que garante o direito da posse da terra aos “aventureiros”

que chegam à região. As terras dos grupos naturais são vendidas, leiloadas,

licitadas ou transferidas por aforamento ou vendas, através de editais de jornais que

circulavam apenas nas capitais, sem que os colonos, extrativistas, pescadores,

índios, garimpeiros etc., enfim, os representantes do “vazio demográfico” tivessem

conhecimento dessas vendas das terras em que habitavam”, (ibidem, 1992 p. 115).

Diante da nova ordem, os moradores locais passam a ser vistos como

“posseiros” sem nenhum aparato institucional que lhes garantisse a legitimação de

suas posses. Instaurando-se conflitos violentos entre os novos personagens da

questão agrária na região: posseiros, empresários, trabalhadores rurais, governo,

população indígena, garimpeiros, imigrantes, representantes da igreja, líderes

sindicais e outros.

Além da perda da terra dos grupos locais são arrancadas as relações diretas

com a floresta, com o rio e as condições de sobrevivência. E, diante da apropriação

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e concentração da terra, destruição da floresta, a exploração desordenada dos

recursos naturais e que pelo isolamento em que viviam. A sociedade local

fragmenta-se frente à tantas transformações, e o capitalismo avança sobre o

território regional e seu povo.

Aos olhos do homem ribeirinho, caboclo, a Amazônia e seus recursos naturais

seriam imutáveis pela abundância e diversidade natural, mas a nova racionalidade

trouxe consigo a exploração predatória. Uma modernidade que “fissura”, quebra com

a unidade e que demarca esse micro-mundo, representado pelas práticas

tradicionais, manifestações culturais e religiosas, ou seja, a mentalidade cabocla. O

que paulatinamente vai levando a adoção de novas formas de organização e de

produção, que, por conseguinte aterão às práticas sociais, suas tradições, a

memória social e sua vinculação com a natureza, e, com efeito, a negação ao direito

de autodeterminação.

As últimas décadas na região serão vivenciadas a modernidade tardia, onde se

inscreve novas formas de organização social. É a instauração da era da

“economização do mundo”, em que diferentes formas de vida social estarão sob os

ditames da racionalidade do mercado. Nesse cenário de modernidade os diferentes

grupos sociais só ganham legitimidade se atrelados aos projetos de dinamização e

modernização econômica. Quando marginalizados ou excluídos desse processo

tendem a silenciar sua performance ou identidade.

No contexto de adaptabilidade, a adoção de diferentes estratégias com a

racionalidade moderna tende a “desterritorizar” as práticas tradicionais, pela

incorporação que envolve novos procedimentos culturais e novas tecnologias. Um

novo contexto que altera o saber-fazer de grupos tradicionais, como os dos

pescadores artesanais, coletores e pequenos agricultores, pela imposição de novas

relações que vêm sendo implantadas de forma crescente, onde o conhecimento

tradicional associa-se as novas tecnologias e saberes. Sob as injunções da

modernidade, práticas tradicionais se adéquam às novas práticas, aos novos

saberes revestidos por projetos ditos de sustentabilidade que se implementam sobre

localidades, onde persiste o “atraso”, a tradição. Tais projetos se revestem da

valorização e mobilização da faceta contemporânea do progresso, na qual vultosos

recursos são colocados a serviço da desqualificação das formas arcaicas de

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apropriação e reprodução da cultura local, quanto da indução à mercantilização dos

referentes do mundo biofísico, social e emocional de tais grupos, provocando-se

violências simbólicas sem precedentes, (VALÊNCIO 2006, p.7).

Nesse contexto de profundas transformações, GIDDENS (1997) situa a

modernidade como um delineador de um processo de “destradicionalização”,

entendido como mudança estrutural de ordem sócio-cultural das comunidades

locais, na medida em que as práticas, as rotinas tradicionais passam a ser

subordinadas ao ideário da sociedade global, onde concepções de mundo se

alteram em relação a um novo padrão de valorização da natureza e seus recursos,

agora disponibilizados para o mercado envolvente. Sujeitando-se o homem e a

natureza a transformações, destruição via processos de acumulação pela

prevalência de técnicas e práticas conformadoras do capitalismo globalizado e como

resultado a paulatina dissolução da tradição.

A adesão das comunidades locais se verifica, quando se adéquam aos ideários

da sociedade global, que não se reveste apenas de um processo “plenos de ardis”,

mas escamoteiam suas reais intenções, quando garantem benefícios a essas

comunidades, desfocando suas contradições e o real alcance dessa modernização,

cujo resultado certo é a sua “desterritorização”.

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CAPÍTULO II - A MANEIRA DE SER TRABALHO DE UMA

COMUNIDADE RIBEIRINHA: COLARES

Nas últimas décadas se faz o reconhecimento de que o espaço local é

precípuo para o processo do desenvolvimento, a Constituição brasileira de 1988

passa a referendar o município, enquanto lócus do cotidiano, espaço importante na

prestação de serviços básicos à população, pois é no município que se expressam

as indignações, as necessidades básicas e as reivindicações. Constituindo-se dessa

forma, espaço de resposta às demandas de sobremodo econômicas e sociais.

A partir desse reconhecimento, a ação descentralizadora do Estado, que por

via da Municipalização efetiva a descentralização político-administrativa do espaço

local, havendo um processo de partilha de poder pelo redirecionamento das

competências para a auto-gestão. Considera-se, dessa maneira, que o município

representa o nível de governo mais imediato da população e o espaço local sendo

visto como espaço privilegiado às ações públicas. Nesse sentido, privilegia-se o

fortalecimento do poder local, que passa então a programar a retomada da

construção da cidadania, da democracia via processo de desenvolvimento local

Na tarefa de alcançar o desenvolvimento local, o papel direcionador do

município na mobilização de grupos e entidades locais para o estabelecimento de

prioridades e metas a serem alcançadas.

Nesse contexto empreendedor ganham destaque discussões acerca das

potencialidades do espaço local, com vista em sua dinamização como sinônimo de

modernização. São apontadas idéias, caminhos e projetos para o alcance do

desenvolvimento local. De maneira geral, alguns segmentos acreditam que a

sociedade tradicional deve buscar sua modernização para tornar-se uma sociedade

“moderna”, ”desenvolvida” e “próspera”. Outros segmentos, em especial os

pensadores preocupados com essa questão ao longo dos anos de 1980, defendem

a idéia de que cada sociedade use sua autonomia para fazer suas escolhas, traçar

seu próprio caminho, levando em consideração os interesses locais. Ainda que em

meio às mudanças que afetam o mundo e assim, oportunizar um processo que gere

uma contínua reavaliação das ações e proposições em busca do desenvolvimento.

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Engendra-se um processo de desenvolvimento que se dá num contexto que

mantém íntima relação com as atividades tradicionais pela adoção do enfoque que

venha garantir a sustentabilidade econômica do meio rural, com a emergência de

novas atividades produtivas e de uma nova ruralidade.

Nesse contexto em que tradicionalismo e modernidade aparecem como fatores

desencadeadores do desenvolvimento local, o processo de desenvolvimento que

deve se qualificar como integrado e sustentável deve requerer uma a ação

imprescindível da gestão local, enquanto instância responsável para o

estabelecimento de um processo de articulação e mobilização local, no sentido de

tornar a comunidade local mais sustentável, capaz de superar suas necessidades

imediatas. Tornando-a mais dinâmica e com capacidade de atrair investimentos que

possibilite sua sustentabilidade econômica.

Percebe-se no mundo rural a relação imbricada entre as práticas locais

tradicionais e as atividades mais dinâmicas, como elementos demarcadores do

desenvolvimento local. Uma relação que vai além da simples convivência ou

coexistência, pois pressupõem um processo de interpenetração, um inter -

relacionamento entre produção tradicional e novas atividades que passam a imprimir

um novo ritmo e uma nova racionalidade nas comunidades tradicionais.

Em muitas comunidades rurais, o investimento tanto nas atividades

tradicionais, quanto nas atividades modernas, traz à tona a necessidade da

compreensão a respeito de como vem se dando a produção, a produtividade, o

trabalho e o alcance da sustentabilidade. Assim como a percepção de uma nova

racionalidade na vida produtiva vem interferindo em uma nova conformação social e

cultural.

Se de um lado, torna-se evidente a tendência atual à modernização e a

instalação de novas ruralidades, do outro lado, a busca da produtividade econômica

tem originado sérios problemas sócio-ambientais na região, nas últimas décadas.

Um processo que se caracteriza pela intensa exploração dos recursos naturais.

Por conta dos problemas ambientais vem à tona a valorização do saber

tradicional como elemento fundamental na reorientação dos modelos produtivos aqui

engendrados e nos processos de preservação ambiental, pois no âmbito das

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práticas tradicionais, a relevância do uso da terra, do território e dos recursos

naturais como elementos integradores do mesmo espaço que refletem a interligação

do econômico, do social e do cultural. Um cenário onde a persistência é retratada

por práticas culturais cumulativas e informais, vinculadas e harmonizadas com os

ecossistemas naturais, constituindo-se eixo estruturador da vida social e cultural, ou

seja, revela um modo de vida diretamente vinculado ao ritmo da natureza e a

dinâmica de outro tempo social que prioriza fatos e vivências que dão sentido à vida

e a organização social local. Um cotidiano retratado por rituais, costumes, sonhos e

valores expressos nas práticas materiais e imateriais.

Entretanto as “ondas modernizantes” na região são marcas das últimas

décadas e apontam para a emergência de novos tempos. O avanço da fronteira

econômica como passa a ser concebida a Amazônia vai alterar profundamente a

maneira de ser o trabalho das populações tradicionais, seu modo de ser e ver o

mundo, que se amplia e se altera pelas novas formas de comunicação e de

produção. As práticas tradicionais se alteram pela inserção de novas atividades

produtivas que chegam nessas áreas tradicionais pela urbanização e modernização

do espaço.

A chegada do “novo” e do “moderno” tende a secundarizar ou negar a cultura

tradicional, alterando conseqüentemente a própria organização local ao impor um

processo de reordenação social que refletirá a transição entre o antigo e o moderno

nesse espaço social.

2.1 O Trabalho no Cenário de destradicionalização:

A categoria trabalho constitui-se em aporte para a identificação e compreensão

do processo de transição entre o tradicional / moderno, práticas tradicionais e novas

práticas no âmbito da produção. Neste contexto, constituindo-se referência para se

avaliar os impactos trazidos pela urbanização e modernização dos espaços rurais,

pois são transformações que têm apontado tanto para uma nova lógica territorial

quanto para novas funções econômicas da área rural.

Nesse contexto, compreender o mundo do trabalho é buscar entendimento a

respeito de como os seres humanos em diferentes momentos e espaços produzem

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as condições de sua existência, tanto material quanto simbólica, pois a partir dos

processos de produção, os homens projetam e alteram seu modo de vida e o seu

contexto social em que estão inseridos. Pela ação consciente do trabalho, os

homens criam e recriam a sua materialidade.

Ao longo da trajetória histórica, o processo de criação e recriação pelo trabalho

faz-se presente nas sociedades humanas, ainda que seja atribuída ou não o seu

caráter de centralidade. De acordo com cada momento histórico, se exalta o ócio ou

o trabalho. Atribui-se valor ou desvalor. É concebido como castigo, penitência ou

como fator de criação e libertação.

Pautando-se na teoria marxiana, a categoria trabalho assume caráter central,

entendida enquanto prática social, fundadora do ser social, enquanto concepção

ontológica do ser social. O trabalho sendo concebido para dar atendimento às

necessidades existenciais, como prática vital para efetivar e objetivar o homem.

Nesse contexto de criação, o trabalho, enquanto elemento possibilitador de

transformações da natureza e do próprio homem, configura-se como criador de

valores de uso, o trabalho útil, como indispensável à existência humana em qualquer

sociedade. Revestindo-se assim pela necessidade natural, pelo intercâmbio entre

homem e natureza. Uma ação que efetiva e diferencia o homem dos demais

animais.

No fim do processo de trabalho, emerge um resultado que estava presente desde o início na idéia do trabalhador que, portanto, já estava presente de modo ideal. Ele efetiva apenas uma mudança de forma no elemento natural, ao mesmo tempo, realiza no elemento natural, sua própria finalidade, que ele conhece bastante bem, que determina como lei, o modo pelo qual opera e à qual tem de subordinar sua vontade, (MARX, 1989, p. 16).

Embora o trabalho seja elemento fundamental do mundo dos homens, o mundo

por ele criado não se restringe ao mundo do trabalho, pois se constitui um processo

que remete para além do trabalho, uma vez que a vida constitui-se uma totalidade

social pautada em diferentes categorias e relações distintas do processo do

trabalho, ainda que por ele fundado.

A essência humana enquanto totalidade histórica vai além das determinações

do trabalho, embora esta esteja imbricada nas relações do trabalho. Assim o

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trabalho, embora fundante do ser social, sua essência não se limita unicamente a

categoria trabalho.

Nessa concepção, o trabalho é afirmado como expressão do homem

conformador da natureza e da realidade social.

Marx se apóia na concepção de homem pautado nas categorias de

generalidade e universalidade. O homem é genérico, porque contém em si as

características do ser humano, da espécie humana. Constitui-se um ser universal,

que além da natureza material, é manifesto o aporte espiritual, afetivo, intelectual

que lhe dá essencialidade. A “universalidade do homem aparece praticamente na

universalidade que faz da natureza o seu corpo inorgânico”, (MARX, 1989,

p.163/164).

Essa concepção se revela na relação em que o homem estabelece com a

natureza, ao realizar sua existência material e imaterial. Enquanto meio imediato de

vida, como atividade vital a sua reprodução e sua forma de ser. Ao mesmo tempo ,

essa atividade vital ao se confrontar com o homem, este lhe apresenta novas

formas, melhorias de alternativas, novos horizontes para a sua atividade.

Estabelecendo, dessa forma condições internas aos nexos causais da natureza e ao

próprio processo social, no contexto de um movimento que o modifica a cada

prática, (SILVA JUNIOR, 2001, p. 18)

Concebe-se o trabalho enquanto produção universal por constituir-se em ação

conseqüente e social para além das necessidades imediatas. Para além das

condições de sobrevivência. O homem ao pautar-se na liberdade, ao utilizar o

potencial criador, inovador e transformador da natureza e de si próprio. Nesse

contexto, o homem é resultante da “relação entre sua singularidade e sua

generacidade, mediada pela sua atividade vital que põe como objeto a natureza e

todas as espécies, incluindo a espécie humana”, (idem, 2001, p.18).

Assim há uma relação indivisível entre necessidade e liberdade. Segundo

Silva Junior (2001) o homem é singular e genérico, simultaneamente, em potência e

em ato mediatizado pelo trabalho.

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52

Para Lukács (1979), é no trabalho que se desenvolve o processo de

socialização do ser humano, constituindo-se um processo que media a reprodução

particular e social, tornando-se elemento fundamental.

Nas sociedades contemporâneas, quando o trabalho se torna assalariado, ele

torna-se alienado, pois todo processo de humanização e socialização transforma-se

e se converte em meio de subsistência e força de trabalho. Ao mesmo tempo em

que a economia política afirma o homem como sujeito de sua história e o alheia do

entendimento das condições objetivas da propriedade privada e da riqueza, ou seja,

na construção social, a racionalidade capitalista é obscurecida antes do que

revelada, (ibidem, 2001, p. 70).

Nesse contexto, o homem é firmado como sujeito através de um processo

contraditório que em nível da consciência é negado à compreensão da produção

objetiva de sua existência. Uma realidade dialética, em que é o processo do trabalho

se faz presente a riqueza e a miséria, a acumulação e a privação. É o processo do

trabalho resultante da “desrealização do ser social”, porque o produto do trabalho

“aparece junto aos trabalhadores como um ser alheio e estranho a seu produtor.

Tem-se então, que essa realização que efetiva o trabalho aparece como

desefetivação do trabalhador”, (ANTUNES, 2005, p.70).

Ainda, segundo Antunes (2005), no modo de produção capitalista, o

trabalhador não se satisfaz, se degrada, não se reconhece, se nega. Pelo processo

de alienação construído pela propriedade privada dos meios de produção, esta se

expressa como algo abstrato, estranho ao ser social. Uma alienação que levou o

homem a “perder-se a si mesmo” ao desumanizar-se pela produção fragmentada e

isolada na produção capitalista. Em lugar da liberdade e da emancipação, o homem

se coisificou ao tornar-se objeto no processo de produção, sujeitando-se aos

ditames do capital. Uma nova racionalidade que impõem o trabalho parcelado e a

ruptura entre quem produz e o produto desse trabalho.

No cenário contemporâneo em que a acumulação de capitais assume força

sobre o trabalho, faz-se presente o debate e a busca acerca do entendimento sobre

as condições de vida da classe que-vive-do-trabalho, levando-se em consideração a

re-configuração do mundo do trabalho, sobretudo as condições de sobrevivência

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humana e sua objetividade social. Sua fragmentação, mutações e aparente

vulnerabilidade no contexto da reestruturação produtiva do capitalismo

contemporâneo.

A questão de fundo nos debates atuais volta-se para a nova centralidade dos

processos sociais pautados no trabalho, enquanto prática social e sua interferência

na formatação do homem e da sociedade.

No contexto dito, pós-moderno ou pós-fordista, surge uma nova configuração

do trabalho, determinante na maneira de ser e viver do novo trabalhador. Dessa

forma, ainda que o trabalho venha se metamorfoseando pelas novas atividades e

funções do trabalhador, a categoria trabalho mantém-se como elemento

fundamental do ser social, ainda que sob a aparência de novas práticas produtivas,

sob novos paradigmas que fazem emergir uma nova configuração dos processos

produtivos e reprodutivos da riqueza, do homem e da própria sociedade.

Nas últimas décadas o alcance de áreas mais isoladas pelo capitalismo fez

emergir novas formas de sociabilidade que tende a imprimir instituições, padrões,

valores e idéias do mundo urbanizado. A racionalidade urbana tem-se intensificado

pelos mecanismos da globalização econômica, embora nessas áreas consideradas

mais afastadas e ainda distanciadas da racionalidade capitalista, observa-se a

manutenção das características do mundo rural.

Entretanto, com o advento das transformações e o surgimento de formas

alternativas de produção e reprodução do capital, as raízes das práticas tradicionais

ainda funcionam nesse cenário como ancoradouro da população rural, num contexto

de transição do tradicional-moderno, onde o tradicionalismo não se mostrará

incompatível com a modernização do espaço rural, pois avançará para uma nova

fase, caracterizada pela reinvenção do tradicional, que se expressa sob nova

conformatação e significado para a população local.

No contexto das políticas de desenvolvimento, as marcas da diversificação de

atividades agrícolas ou de práticas tradicionais, como também pela inserção de

novas atividades produtivas são mudanças no campo da produção que vão

engendrar novas relações sociais e de trabalho, e que alteram a própria noção de

urbano e rural.

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Mediante o processo de reorientação da capacidade de produzir, o campo

passa a desenvolver novas atividades retratadas pela “pluriatividade”. Um processo

resultante da urbanização do campo retratado pelo transbordar da cidade e mercado

de trabalho para as áreas rurais, onde a grande novidade, segundo Graziano da

Silva (1999) consiste na idéia de que o meio rural não pode mais ser associado

apenas à produção agrícola ou a pecuária. O aparecimento de novas atividades

nesse espaço estaria introduzindo um conjunto de novas funções, especialmente

aquelas ligadas às ocupações não agrícolas da população rural, o que traz para

essa área tipos diferenciados de inserção profissional com alterações significativas

para o mundo do trabalho.

São atividades que pouco ou nada são relacionadas à produção agrícola ou

demais atividades tradicionais estando diretamente relacionadas às novas funções

atribuídas ao campo. Uma vez que passa a ser concebido como espaço de lazer,

lugar de moradia, espaço de produção e espaço de preservação, através do

ecoturismo. Uma diversificação produtiva, principalmente na área de prestação de

serviços, fazendo expandir o mercado de trabalho para jardineiros, pedreiros,

caseiros e outros prestadores de serviços.

A dinamização dos espaços rurais pelo aumento da produtividade e de trabalho

faz surgir o “novo rural”. A emergência de novas atividades estará diretamente

relacionada à adoção de novas tecnologias e saberes que passam a integrar os

processos produtivos, alterando o perfil dos produtores e trabalhadores rurais,

mudando desta forma a configuração do mundo rural.

A busca de uma produção mais moderna e dinâmica é hoje uma tendência

presente nos espaços rurais pela adoção de novos saberes e tecnologias, no

entanto, essa adoção é nitidamente marcada pelo caráter seletivo e assim,

beneficiando uma pequena parcela dos trabalhadores rurais da Amazônia, o que

ainda contribui para o abandono do meio rural, ou a submissão das populações

tradicionais a atividades parciais com baixa remuneração, o que tem possibilitado a

persistência da pobreza no campo.

Na cidade de Colares se faz presente o processo de reordenação social em

virtude da inter-relação entre práticas tradicionais retratadas pela pesca artesanal, a

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pequena agricultura, atividades extrativistas e as oportunidades de ocupações fora

do contexto das atividades tradicionais que são oferecidas pela prefeitura local, nas

várias Secretarias Municipais, em nível estadual no campo da educação e saúde, na

área do comércio e prestação de serviços, relacionadas às demandas trazidas pelo

aumento populacional, dos visitantes que chegam ao município nos fins de semana,

feriados e férias, que dinamiza o mercado local.

Por conta da efetivação de algumas ações políticas da gestão local, inicia-se

um processo de formação para os agricultores e pescadores, tendo como fim, a

dinamização da produção tradicional no sentido de ampliar esta produção para o

mercado regional, no qual o campo produtivo vem gerando algumas alterações das

práticas com repercussões na identidade ribeirinha, apesar de haver uma

preocupação em reforçar a continuidade das práticas tradicionais e os processos

identitários de pertencimento. Observa-se que este processo vem provocando

resistências e mudanças, seja pela abrangência das relações, seja pelos

conhecimentos que coloca essa comunidade ribeirinha diante de um mundo mais

amplo e diverso.

Esse cotidiano revela um processo de transitoriedade, em que a unidade cede

lugar à diversidade e a originalidade vai dando lugar a pluralidade cultural. Em

síntese, altera a maneira de ser e viver. São vivências que mudam pelo

estabelecimento de trocas produtivas e culturais cada vez mais ampliadas, gerando

mudanças que se revelam no modo de produzir, de trabalhar e na convivência social

pela adoção de novas práticas, de novos saberes que imprimem um novo fazer.

Uma realidade que tem gerado conflitos e tensões, que quebra, fragmenta a

identidade pautada no tradicionalismo e que coloca frente a frente uma relação de

alteridade entre o “eu” representado pela identidade local e o “outro” representado

pelos novos estilos de vida, novas práticas produtivas a cultura moderna.

O Brasil se insere na globalização, num contexto da “modernidade tardia”, em

que novas formas de organização, de relação e de produção demarcam o espaço

econômico. Sob a lógica da “economização do mundo” todas as dimensões da vida

e da sociedade são postas diante do mercado mundializado.

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No contexto das transformações, alteram-se o saber-fazer de grupos

tradicionais, em que pescadores artesanais, pequenos agricultores e coletores

passam a ser alcançados por essa racionalidade econômica. Passando a se

submeter às novas relações que exigem novos conhecimentos e práticas que

perpassam por uma nova visão de mundo, de produção, de assimilação de novas

tecnologias; além de relações sociais pautadas no associativismo. Assim, a lógica

da modernidade envolve as comunidades tradicionais sob o rótulo da

sustentabilidade que mobiliza, envolve essas comunidades no sentido de

desqualificar as formas arcaicas de produção e reprodução da cultura local em prol

da mercantilização desse espaço produtivo. Com isso, altera-se o mundo “biológico”,

”social” e “emocional” dessa população, que funciona como referencial simbólico que

cimenta as relações sociais e a dimensão identitária.

A modernidade, tardia, promove, por sua vez, um processo de “criação de

constância através do tempo, uma espécie de união do passado com o futuro

antecipado”, (VALÊNCIO, 2006, p. 28). Um processo que em geral vem desqualificar

e deslegitimar as identidades tradicionais, pois ao alterar o contexto das práticas

sociais quebra com a unidade dos processos de preservação.

Nas comunidades tradicionais, as práticas produtivas do processo de trabalho

na pesca artesanal e na agricultura familiar não apenas estão associadas às

dimensões extra-econômicas da vida social, como as relações familiares,

religiosidade e festas, mas são balizadas pela oralidade e pelas técnicas corporais,

necessitando se reproduzir e revitalizar desde a interação com tal espaço, cuja

singularidade define as particularidades de saber-fazer uma interação sócio-

ambiental.

A emergência da modernidade tardia em áreas periféricas vem configurando

um processo de “destradicionalização” pelas mudanças sociais, espaciais e

econômicas, pela instalação de novas rotinas e técnicas de trabalho e uma mudança

profunda na relação homem e natureza. A natureza deixa de ser elemento

harmonizador e complementador do homem e passa a ser submetida à lógica do

mercado, como espaço de exploração, fornecedora de recursos naturais, segundo

as necessidades desse mercado, em lugar de uma prática que afirme significados e

técnicas do passado, cedendo lugar aos propósitos da modernidade, do lucro e da

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exploração, tornando tais práticas tradicionais mais “desacreditadas”, ”anacrônicas”

e “injustificáveis” diante da temporalidade e racionalidade da sociedade e do

mercado global. E ao silenciar o “outro”, converte-o a um novo projeto existencial,

descartando-se o valor do passado, da organização do tempo e da produção do

lugar.

Diante dos argumentos de possíveis benefícios da modernidade esse novo

processo oculta contradições e os processos de subalternização dos grupos

tradicionais. Estes afrouxam, negam, renunciam a conservação dos laços que os

ligam ao tradicionalismo, pois aos olhos da modernidade, o padrão tradicional

constitui-se um “arcabouço inútil” incapaz de manter e projetar a continuidade

dessas comunidades, tornando-se o ideário da inserção a esse novo contexto como

caminho inevitável.

2.2. Área de Estudo: Região do Salgado - A Cidade de Colares.

A cidade de Colares caracteriza-se por ser uma ilha localizada no nordeste do

Estado do Pará, na Costa Oriental, na micro-região do Salgado, com uma área

territorial de 290 km2. Separa-se do continente pelo furo da Laura e pelo rio Guajará

Mirim, limitando-se ao norte pela baía de Marajó, ao sul pelo município de Santo

Antônio do Tauá e a leste pelo município da Vigia

Este município apresenta uma cobertura vegetal característica da floresta

amazônica, com predominância de matas de terra firme. Por se constituir uma ilha,

apresenta significativas áreas de várzeas e mangues. A alteração da cobertura

vegetal inicia-se a partir de 1970, momento marcado pelo processo de ocupação

intensa do espaço local.

As alterações significativas das florestas estarão associadas à derrubada e

queima, enquanto práticas da agricultura tradicional, como também pela extração

predatória de madeira, com a instalação de serrarias no município. Mais

recentemente, a ocupação e a redução das matas estão associadas à formação de

pastos para criação de gado, através da implantação de pequenas fazendolas e pela

formação de sítios. Outro fator que vem contribuindo para essa redução da

paisagem natural é o crescimento urbano de Colares, que vem promovendo a

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ocupação humana, sobretudo, na área urbana, através do surgimento de novos

bairros como o “Maranhense”, “Jangolândia” e outras áreas em virtude da procura

de terrenos para as instalações dos visitantes de Colares, como Casa de veraneio

ou de pessoas que buscam o campo, como lugar de moradia. Assim em decorrência

da ocupação humana, observam-se mudanças na ordenação e ocupação territorial.

A população de Colares é estimada pelo censo do IBGE, de 2001 em 10.899

habitantes, sendo 3.316 na área urbana e 7.583 na área rural. A população

economicamente ativa se dedica ao trabalho da pesca artesanal, sendo áreas de

concentração da atividade pesqueira as localidades de Mocajatuba, Juçarateua,

Piquiatuba, Guajará, Ariri e Jenipaúba da Laura.

O surgimento dessa comunidade está ligado à atuação missionária na região

amazônica pelo trabalho de cunho espiritual e material. Uma atuação através da

catequese dos índios e pela exploração de atividades econômicas. Trabalho esse

que contribuiu para o processo de ocupação e exploração da região.

Colares surge assim no contexto de ocupação e exploração da zona do

Salgado ainda no período colonial. Uma região que se revestia de um papel de

“posto avançado, a partir do qual, os portugueses afastaram da bacia amazônica

holandeses, franceses e ingleses”, (VALVERDE& DIAS, 1967, p.11).

Segundo Furtado (1987, p.351) a região do Salgado deu origem a vários

municípios que estiveram vinculados a relação índio-missionário. A presença

indígena foi elemento fundamental no processo de colonização, presença esta que

fornece pistas para a compreensão do mundo, da cultura e das práticas caboclas na

região. A partir das missões e dos aldeamentos surgiram diversos povoados que

com o passar do tempo tornaram-se vilas e cidades.

A fundação oficial de Colares ocorre em 1751, quando o aldeamento dos

Tupinambás dá origem à freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Colares. Em

1757, eleva-se a categoria de vila, com vinculação administrativa à cidade de Vigia,

considerada então cidade mais dinâmica da área do Salgado.

A povoação de Nossa Senhora de Nazaré da Vigia é fundada em 06 de Janeiro

de 1616 e sua colonização está diretamente relacionada ao processo de aldeamento

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promovido pelas missões religiosas. Eleva-se a categoria de vila em 1693. Os

demais aglomerados populacionais surgem em decorrência das fortificações ao

longo do rio Amazonas e pela atuação das missões através da catequização e

colonização, retratando-se assim o processo de ocupação da região amazônica.

Na era colonial, a Costa Oriental do Pará representava ponto estratégico para a

atuação portuguesa, pois geograficamente proporcionava a defesa militar e a

ocupação do norte do país. Nessa região, Vigia passa a desempenhar papel

fiscalizador e protetor da via fluvial ao possibilitar segurança para condução das

embarcações, além de inibir o contrabando num raio de alcance, que cobria uma

rota que ia da ilha do Marajó, Belém e Terras do Cabo Norte, área fronteiriça com a

Guiana Francesa, tornando-se assim ponto de referência para a navegação e defesa

do território.

Por conta do papel estratégico tanto militar quanto econômico, Vigia entre 1716

e 1778 apresentava um rápido crescimento populacional retratado por 1761

habitantes. Num processo de contínuo crescimento, pois em 1816 apresenta um

aumento para 3.271 habitantes, considerando-se nessa somatória as populações de

Vigia, Cintra, Vila Nova de El Rei e Colares.

No século XVIII, a economia da região do Salgado era retratado pela

agricultura do café, mandioca e açúcar. Uma produção agrícola que se completava

com a pesca, a extração do sal, de pedras e a cata de caranguejo

Todo esse processo de exploração econômica estava estritamente vinculado a

atuação dos jesuítas, que contavam com a autorização do Estado para fundar

missões O projeto missionário religioso estava associado à apropriação e o controle

de vastas extensões de terras, que se combinava com a atividade comercial dos

sítios dos moradores desta região.

A Carta Régia de 1731 autorizava o estabelecimento de missões em Vigia e

pela proximidade geográfica se estendia até a ilha do Marajó.

A missão organizava o sistema de trabalho e de exploração de recursos com eficiência, o que foi reconhecido pela acumulação de riquezas, autonomia de decisões e o trânsito na política metropolitana e local, até a metade do século XVIII, (ACEVEDO MARIM, 2004, p. 32).

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60

Embora cada missão apresentasse suas especificidades, havia certa

aproximação entre as missões de Vigia e ilha do Marajó, onde o processo de

colonização caminhava de forma integrada com a atuação das ordens religiosas. Na

missão de Vigia, os jesuítas implantaram fazendas e aldeamentos indígenas, tendo

em vista a formação profissional e o processo de exploração econômica. As

fazendas correspondiam vastas extensões de terras, o que proporcionava um

intenso processo de exploração. Vigia e Ilha do Marajó garantiam um significativo

processo de acumulação de riquezas às ordens religiosas. Nestas fazendas havia a

criação de gado, plantio de café, algodão, cacau, além da exploração de cal e

fábrica de sabão.

Dessa forma, na região do Salgado, as missões religiosas apresentavam uma

atuação abrangente, retratada pela administração temporal e espiritual dos índios.

Uma atuação embasada na política de aldeamento e pela exploração intensa dos

recursos naturais.

No período que se estende entre 1710 a 1740, a região do Salgado, por seu

dinamismo econômico, passou a ser mais ocupada, mediante a concessão de

sesmarias. Entretanto, a atuação eficiente dos missionários era plenamente

reconhecida. O “poder dos religiosos ofuscava a hierarquia e a fortuna de um

pequeno número de colonos que vinha aumentando seu patrimônio”, (idem, 2004, p.

39).

É esse dinamismo na região do Salgado entre 1722 a 1806, que vai justificar a

distribuição de terras às margens de rios, igarapés e lagos. Com o avanço da

colonização percebeu-se a instalação dos “senhores de roça” e “senhores de

engenho”, que passaram a desapropriar terras dos antigos índios em decorrência da

implantação do cultivo de cana- de-açúcar, cacau e café; mediante a efetivação do

regime sesmarial que fundamentava a aquisição de terras.

O regime de sesmarias instalou no país e na região uma estrutura agrária

predominantemente baseada no latifúndio e o poder de uma elite agrária sobre os

trabalhadores rurais.

Entre os séculos XVIII e XIX foi marcante a prática da agricultura e do

extrativismo na região do Salgado, com o surgimento de grandes proprietários de

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terras, que se fortaleceram criando bloqueios ao acesso á terra e a exploração dos

recursos naturais. O que transformou a população local em trabalhadores

assoldados e com essa nova forma de exploração, a presença de uma maioria da

população pobre nas vilas e lugares da costa oriental, caracterizados como

“senhores de roça", lavradores pobres que cultivavam principalmente mandioca e

arroz para sua sobrevivência e de sua família.

Em complementação ao cultivo da terra, em Vigia, Colares, Porto Salvo,

Penhalonga e Odivelas desenvolveu-se o trabalho da pesca e da carpintaria de

canoas. Nesse período ficava bem claro o avanço da colonização e da

hierarquização da riqueza na região do Salgado.

A Lei de Terras de 1850 gerou grande impacto sobre os pequenos posseiros,

pois restringiu o acesso a terra. Os posseiros passaram a ter menor liberdade para

ocupar as terras devolutas. Embora não tenha criado bloqueios a continua

apropriação de terras por parte dos grandes proprietários. Os efeitos da lei tornaram

a terra inacessível aos pequenos colonos, transformando-os em trabalhadores

baratos nesse processo de exploração da região.

Nas últimas décadas do século XIX, a região do Salgado se destacou pela

formação de centros pesqueiros, ao lado da produção da farinha. São atividades

tradicionais que atravessaram séculos e ganharam impulso com a abertura do

sistema rodoviário que passou a interligar a produção do Salgado à economia

paraense.

Em relação à cidade de Colares, em 1751, o aldeamento dos Tupinambás,

conhecida como fazenda de Cabu passa a se chamar Colares

Em Colares, como em toda região do Salgado esteve diretamente vinculada à

relação índio-missionário. Uma relação que vai originar os traços cultura caboclos

dessa região.

A origem de sua colonização inicia-se com a construção da igreja de Nossa

senhora do Rosário de Colares. Nesse momento, faz-se referência a presença de

índios habilidosos com a flecha e assim hábeis caçadores e pescadores. Na era

colonial sua economia baseava-se na pesca e no cultivo da mandioca: uma

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realidade econômica que ainda se mantém como fundamentais na atualidade.

Continuam sendo essenciais na subsistência dessa comunidade.

Segundo informações de Acevedo (2004) os índios desse lugar eram

considerados livres em relação à pesca, recebiam pagamento do Colégio dos

Jesuítas pela produção do pescado. Na região do Salgado, a pesca se constituía em

atividade central que estabelecia vínculos com os mercados das vilas e da capital.

Se destacando, a pesca da tainha, peixe–boi, tartarugas e caranguejos.

A Agricultura era retratada pelas pequenas roças e parte da produção era

encaminhada a Tesouraria Geral, o que restringia o volume da produção para a

subsistência.

As condições geográficas e ambientais deste município pela proximidade com

a baía do Marajó, o Oceano Atlântico e a presença de um ecossistema aquático

diversificado por praias, igarapés, manguezais e vastas áreas florestais tem

possibilitado a essa população desde os primeiros tempos a sobrevivência através

da prática do extrativismo, a pesca e a agricultura de subsistência.

Entre as atividades de subsistência, o destaque para a pesca artesanal,

enquanto fonte de trabalho, renda e alimentação de uma parcela significativa da

população, que se complementa com as demais atividades tradicionais, garantindo-

se a sustentabilidade desta comunidade ribeirinha.

Em decorrência dos aspectos geográficos do município, esta comunidade por

séculos se manteve num certo “isolamento” devido às condições de transporte e

comunicação, possível somente por navegação fluvial. O que levou os moradores a

viverem em torno de um “micro-mundo”, considerando-se que a vida se reportava a

pequenos grupos. Um período marcado por um lento processo de crescimento, o

que garantiu a manutenção de padrões culturais eminentemente caboclos. O contato

com um mundo mais amplo só ocorre com a expansão rodoviária no nordeste

paraense que possibilitou a ligação de Colares com o continente na década de 1970.

A estrada possibilitou o turismo com a chegada de veranistas a esse paraíso

natural e com isso o confronto de realidades distintas, díspares. Uma realidade

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pautada no tradicionalismo e outra, que leva a modificação dos costumes

tradicionais, o estilo moderno, a vida urbana.

A década de 1970 traz profundas transformações para a região nordeste do

Pará com a implantação de projetos agropecuários, pesqueiros e extrativistas. São

projetos que dinamizam a economia e a reordenação do espaço. Embora na maioria

das cidades e lugares dessa região sejam mantidas as chamadas atividades

tradicionais.

A cidade de Vigia no início do século XX apresentou uma estrutura produtiva

voltada pra o consumo local, notando-se que apenas o excedente da produção

agrícola e do pescado era comercializado na cidade de Belém. O que demonstra o

caráter de subsistência da produção desta referida região.

A partir de 1960, com a ligação da região da Amazônia ao Centro-Sul do país,

observa-se uma desarticulação da produção local pela concorrência dos produtos

que chegavam à capital; uma vez que a capital passa a ser abastecida por produtos

hortigranjeiros de melhor qualidade e menor preço, se comparado com os produtos

locais. Essa concorrência provocou a desestabilização da produção local, o que vai

contribuir para a queda da renda familiar dos pequenos agricultores, como a redução

de capital nas localidades rurais.

Uma realidade econômica que vai interferir em muito na estrutura agrária da

região com a predominância de pequenas propriedades. Loureiro (2001) apresenta a

seguinte estimativa em relação às propriedades da região do Salgado: Propriedades

com mais de 100 hectares, correspondiam a 20% dos proprietários com uma área

de 59,26%; e 98% dos proprietários partilhavam entre si 40,74% da totalidade das

terras.

A partir desse retrato, o nordeste paraense caracterizou-se por uma estrutura

agrária baseada em minifúndios. A produtividade e a rentabilidade dessas

propriedades nas últimas décadas levaram os pequenos proprietários a se

converterem em minifúndios, tornando-os inviáveis, social e economicamente.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE demonstram os

efeitos do parcelamento das terras na região contribuiu para o processo migratório

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para a cidade de Vigia e assim o aumento considerável de sua população nas

últimas décadas, como demonstra o quadro a seguir:

Quadro 1: Crescimento da População Rural e Urbana de Colares e Vigia

(1980/2001).

Município

1980 1999 1996 2000 2001

Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural

Colares 1.809 5.287 2.655 5.683 2.654 6.286 3.238 7.394 3.316 7.583

Vigia 16.687 8.130 25.116 12.252 26.121 10.892 28.006 12.170 28.289 13.438

Tabela 1. Fonte IBGE

Apesar do crescimento populacional, sobretudo urbano em Vigia, esse

crescimento corresponde a 59% no período de l980 a 2001. E uma população rural

com um crescimento de 32%. Em Colares, a população rural mostra-se superior a

população urbana, o que demonstra que o modo de vida tradicional mantém-se de

forma dominante nessa fração do espaço.

Nas últimas décadas, embora sejam notórios os traços da modernidade que

chegam, se instauram e imprimem suas marcas e poder de persuasão junto à

comunidade de Colares, as atividades tradicionais da pesca artesanal, da pequena

agricultura e do extrativismo continuam desempenhando papel referencial, que dá

substância a essa comunidade. Assim, para compreender como se apresenta a

realidade social, econômica e cultural desta cidade torna-se necessário

compreender que, apesar do processo de urbanização por que passa este município

nas últimas décadas, como e em que condições subsistem as atividades

tradicionais, enquanto referencial de uma comunidade ribeirinha, cabocla e

tradicional

2.2.1 A Agricultura Familiar no Município de Colares:

A agricultura na região amazônica sempre esteve ligada ao processo de

ocupação e sobrevivência das populações tradicionais. Seu caráter de subsistência

tem sido aspecto vital para a ocupação humana na Amazônia e que por ser muito

antiga revela-se como elemento integrador entre a cultura e o meio ambiente, por

apresentar aspectos ecológicos e socioculturais no seu processo de produção.

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No processo de ocupação e produção da terra, as populações tradicionais

desenvolvem sistemas de exploração de recursos naturais, onde se revela um

processo de manejo, de manipulação do espaço e seus recursos, que combina

diferentes atividades de subsistência como agricultura, pesca, caça e coleta.

No cenário das populações ribeirinhas e não fugindo a regra na cidade de

Colares, o modo de produção de subsistência, em que a agricultura tradicional é a

pequena roça, centrada principalmente na produção da mandioca para a produção

da farinha, um saber-fazer que vem sendo repassado de gerações anteriores das

populações indígenas populações primeiras que continuam a dar sentido às práticas

tradicionais locais no contexto presente.

As discussões acerca da agricultura familiar vêm ganhando legitimidade a partir

de 1990, junto aos movimentos sociais e órgãos governamentais, como

reconhecimento de sua importância, enquanto meio de trabalho, alimentação e

renda do homem do campo.

Nesse período, nota-se a efervescência dos movimentos em torno do “Grito da

Terra”, como forma de denunciar as condições de trabalho, produtividade e vida do

homem do campo. Levantam-se questões relacionadas à abertura comercial, a falta

de crédito, a queda dos preços e dos produtos agrícolas. Um movimento que reúne

os interesses de todos os segmentos relacionados à agricultura como: os

agricultores familiares, assentados, arrendatários e posseiros.

É no decorrer da década de 1990 que emergem pesquisas e discussões a

respeito do rural ou da ruralidade no Brasil. São estudos que passam a avaliar as

condições e as alterações da produção agrícola, das condições da pesca artesanal e

a realidade do espaço rural. Novos conceitos passam a ser utilizados para o

entendimento da dinâmica apresentado pelo espaço rural. Emergindo questões

relacionadas ao meio ambiente, a sustentabilidade econômica. Questões que

passam a referenciar diferentes atividades econômicas no campo, e

conseqüentemente a conformatação de uma nova ruralidade.

Em muitas áreas rurais, as atividades tradicionais vêm sendo modificadas ou

tais atividades passam a compor o campo da produção local, mas relacionando-se a

outras atividades chamadas de “pluriatividades” que são desempenhadas pela

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família rural. Em geral são atividades não-agrícolas e relacionam-se a um conjunto

variado de atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligada a

agricultura e ao uso da terra.

Em Colares, a atividade agrícola é retratada pela pequena roça, nitidamente

familiar e segundo informações do presidente do Sindicato dos Trabalhadores

Rurais, existem no município cerca de 1500 a 2000 pequenos agricultores, dos quais

300 agricultores são sindicalizados.

Neste município, a pequena agricultura é fator imprescindível a subsistência e

renda da população local. Em geral, os agricultores ocupam terras da União por

décadas. E seu uso e benfeitorias são passadas de gerações anteriores. Somente

as propriedades mais recentes são as que possuem títulos de propriedade.

Assim, a roça é retratada por pequenas áreas de cultivo de 7 a 14 hectares de

terra, onde se planta basicamente a mandioca para a produção da farinha, fonte

básica na alimentação local acompanhada pelo peixe.

Produz-se em menor escala o milho e o arroz, o que sobra da produção é

colocado à venda no comércio local. Embora a produção agrícola em Colares não

seja suficiente para atender a demanda local, o município importa de outras áreas,

como de Santo Antônio do Tauá, a farinha e produtos hortigranjeiros.

A produção agrícola familiar continua sendo realizada de maneira tradicional,

sem inovações tecnológicas e com uma baixa produtividade. Uma prática que

remonta ao conhecimento herdado das populações indígenas. O trabalho na roça

continua tão rudimentar como na era colonial. Uma prática primitiva na construção

do roçado e no fabrico da farinha.

O trabalho na roça é muito desgastante, exige muito sacrifício do trabalhador rural e de toda a sua família, sem contar com a demora da colheita da produção, pois a colheita de uma roça varia em torno de quatro meses a um ano, dependendo do tipo de cultura e as etapas dos serviços necessários para esse fim, (PINTO, 2004, p.116).

O trabalho inicial da feitura do roçado inicia-se com a derrubada da mata. Os

matos menores, menos resistentes e leves são cortados com facões e terçados.

Após essa fase, inicia-se a derrubada de árvores maiores e os instrumentos para

isso são variados, sendo de acordo com a característica da floresta. A derrubada em

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67

geral é realizada em período de estiagem, sem chuva. Espera-se secar e queima-se.

É o processo da coivara que se mantém, ultrapassando o tempo.

Após a queimada e a coivara inicia-se a fase do plantio. Um momento que

conta com a participação de homens e mulheres. Em geral, o corte da maniva é feita

pelos homens, e o plantio das hastes é realizado pelas mulheres. Estas são

parceiras importantes no trabalho que se segue o plantio, que é a retirada das ervas

daninhas e todo o acompanhamento da roça para que ocorra o desenvolvimento das

mudas.

Consolidado o plantio da mandioca parte-se para o plantio das demais culturas,

em geral do milho, melancia e outros produtos. O tempo da colheita varia, segundo

os tipos de mandiocas plantadas e demais culturas que são consorciadas.

A produção de farinha é outro momento que conta com importante participação

de todos os membros da família, considerando as diferentes etapas para a sua

produção e outros derivados da mandioca, como: a goma, o tucupi, e a farinha de

tapioca.

Em Colares, a Secretaria Municipal de Agricultura e Pesca diante do

tradicionalismo tão presente vem implantando projetos de cunho “agro-florestal” no

sentido de dinamizar a cultura agrícola, até então de subsistência, através do cultivo

consorciado de produtos com sementes melhoradas geneticamente. Em uma

mesma área plantam-se produtos diferenciados com vistas à maior produtividade.

Esta secretaria Municipal vem fazendo a distribuição anual de 10 mil mudas de

feijão calpi, açaí, cupuaçu e banana. Além do fornecimento de adubo, transporte e

acompanhamento dos agricultores. Um processo que mesmo de forma incipiente

vem colocando o produtor local frente a outros saberes, mediante a realização de

cursos de capacitação que vem sendo realizados junto aos produtores rurais.

Cursos que se realizam em parceria com governo local e outros órgãos ligados a

agricultura, como a Secretaria de Estado de Agricultura (SAGRI).

Segundo o Secretário de Agricultura, a primeira grande preocupação é abolir a

queima do solo. Afirma ainda que embora o fazer do trabalhador esteja ligado ao

tradicionalismo, vem se observando a redução dessa prática. Para este secretário, a

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grande preocupação desta secretaria é promover a preservação do solo e do

ambiente florestal e a chegada da mecanização agrícola vem trazer ganhos para a

produtividade e para a preservação ambiental.

No município, está em fase de implantação o projeto de folheosas e legumes,

baseado em processos orgânicos, sem o uso de fertilizantes e adubos químicos.

Segundo avaliação desse secretário, há por parte dos agricultores pouca

aceitação desses projetos, que é retratado pelo baixo envolvimento da população.

Para o secretário, o grande fator que emperra esse envolvimento maior é a

vinculação muito forte ao modo de produção tradicional. A população de Colares é

extremamente extrativista, principalmente em relação ao cultivo do açaí. Segundo o

Secretário de Agricultura:

É mais fácil ir até a várzea e retirar o açaí nativo do que se engajar no cultivo do açaí de áreas seca, de terra firme. Não percebem que o açaí de várzea tende a se exaurir seja pelo tempo de exploração, seja pela derrubada do açaizal para a extração do palmito, sendo visível a rejeição às novas propostas de incorporar às vantagens trazidas pelas novas técnicas e saberes.

Em relação à dinamização do cultivo da mandioca e produção de farinha, a

prefeitura local construiu três casas de farinha mecanizada no sentido de tornar essa

produção mais ágil.

O Secretario Municipal de Agricultura avalia o papel importante da agricultura e

da ação do governo para o alcance do desenvolvimento local ao afirmar que: “a

agricultura depende de boa vontade política e recursos do governo local para

incentivar e programar as ações projetadas para o setor”. Seu posicionamento está

diretamente relacionado à ausência de recursos e investimentos que garantam a

plena efetivação dos projetos agrícolas e com isso, dificuldades para a dinamização

desse setor produtivo. Preocupação que é reafirmada pelo presidente do Sindicado

dos Trabalhadores Rurais de Colares quando diz: que “a tecnologia não chegou a

Colares, daí a pequena produtividade e renda vinda da agricultura”. Comenta ainda

que os recursos do Estado do Pará para o setor agrícola é de 77 milhões, o que é

insuficiente para atender as demandas da agricultura e em especial a agricultura

familiar.

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Em relação aos projetos agrícolas que vem sendo implementados no

município, o presidente deste sindicato afirma que são de pequeno alcance por não

possibilitar o acesso à maioria das famílias agrícolas. Vem alcançando apenas um

pequeno grupo de produtores. “A produção do município é considerada insuficiente

para dar atendimento às necessidades locais”. “Continuamos a importar hortaliças e

até farinha de mandioca de outras áreas”.

O problema de maior envergadura e que vem limitando a expansão agrícola é

que os produtores locais não têm acesso às políticas públicas do setor. Uma vez

que os trabalhadores rurais não são beneficiados pela linha de crédito, pelo

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF e pelo

Fundo Nacional do Norte – FNO.

O município não mantém convênio com a Empresa de Assistência Técnica e

Extensão Rural - EMATER e, conseqüentemente não proporciona uma assistência

técnica contínua aos produtores rurais. Os agricultores rurais apenas vêm

participando de cursos esporádicos, que sem financiamento não podem ser

concretizados na prática.

Nesse processo inicial de transitoriedade, as propostas de novas frentes de

produção, trabalho e renda são vislumbradas a partir do processo de capacitação.

São projetados novos empreendimentos a serem efetivados de fato e que venham

provocar impactos produtivos e econômicos que carecem de financiamento. A

capacitação e os novos saberes que chegam ao Município com o fim de torná-lo

mais sustentável economicamente apresentam efeitos que são retardados por não

serem prioritários no orçamento e receitas do governo local. O orçamento

participativo para o ano de 2008 não priorizou a agricultura como setor prioritário.

Sendo votado como primeira prioridade a construção da ponte que liga Colares ao

Município de Penhalonga, o que vai tornar o transporte e a comunicação mais ágeis

com outros municípios e Belém.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais a adoção de novas

tecnologias para dinamizar a produção local é algo que precisa ser bem mais

trabalhado junto ao produtor local, uma vez que as casas de farinha mecanizadas

instaladas no município não têm sido devidamente utilizadas. Segundo o presidente,

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algumas casas de farinhas já foram até depredadas, e o trabalhador continua a usar

as antigas técnicas de “fazer farinha”, utilizando-se de instrumentos e objetos

construídos por eles mesmos através do saber e do legado deixado pelas gerações

anteriores.

Entre os projetos implantados, o projeto de Apicultura é o que mais tem trazido

resultados para o Município de Colares. Vem apresentando uma produção de 100

toneladas de mel por ano. Os demais projetos se reportam a áreas isoladas,

dispersas. Assim a produção agrícola tradicional continua perpassando pelas

“veredas da sobrevivência”.

2.2.2 A Pesca Artesanal: atividade referencial do Município de Colares

Desde os tempos imemoriais a pesca referencia a vida material, social e

cultural das populações indígenas, ribeirinhas, caboclas na região amazônica. É a

vida às margens dos rios que vem garantindo a sustentabilidade da vida local.

É a biodiversidade existente que coloca o homem amazônico frente a frente à

presença exuberante dos recursos dos rios, lagos, igarapés e mangues. São

recursos naturais do rio e da floresta imprescindíveis ao processo de produção e

reprodução dessas comunidades ribeirinhas. É mediante a atuação de grupos de

pescadores, marítimos, estuários, coletores e extratores no trabalhar e transformar

da natureza que os “povos das águas” constroem sua materialidade.

Esse processo de construção se dá pela intensa relação que se estabelece

entre o homem, o rio e o mar. Uma relação concreta e ao mesmo tempo simbólica, a

partir do estabelecimento de relações sociais que demarcam todo um processo de

reprodução social das populações ribeirinhas. O mar e o rio apresentam-se como

natureza e como espaço produtivo ao mesmo tempo, tornando-se um fator que

imprime sentido à vida social, como também fator que exige uma racionalidade no

manejo, na apropriação e no gerenciamento dos recursos naturais, hídricos e

florestais.

É esse relacionamento homem-natureza que segundo Maneschy (1995, p.11)

será determinante na “forma de existência de uma sociedade (que) depende

fundamentalmente do modo como os homens produzem e reproduzem as bases

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71

materiais de sua existência”. Uma produção social que se organiza pelas relações

determinadas, correspondentes as condições materiais e simbólicas específicas. Um

processo referendado pela produção e reprodução dos elementos estruturadores da

vida local, como as forças produtivas e relação social dela advindas. Expressando

uma interrelação entre produção, distribuição, troca, consumo inerentes àquela

comunidade. “Todos esses elementos são vistos historicamente afim de que se

possam detectar as mudanças em curso, avaliarem seus efeitos no sentido da

permanência, da reestruturação ou da desestruturação da comunidade”, (idem).

Desde o início da ocupação portuguesa na Amazônia, a pesca apresentou

papel de destaque enquanto fonte de alimento, trabalho e comércio. O peixe desde

os primórdios da ocupação constituiu-se fonte principal de alimentação da população

regional, seja pela abundância, seja pela habilidade de como as populações

indígenas realizavam sua captura. A pesca também sempre se constituiu numa das

mais importantes atividades econômicas, embora nas comunidades tipicamente

indígenas não tenha havido a profissionalização do pescador, por estar associada à

prática da agricultura e da caça.

Durante a colonização européia incentivou-se o extrativismo como atividade

rentável, no entanto, sempre se fez presente a figura do pescador-lavrador. O

homem da região que se apropria dos recursos naturais disponíveis para o seu

sustento e de sua família. Assim, nunca sendo especialista de alguma atividade

exclusiva.

Na região do Salgado, Hurley (1933, p.14 e 15) faz à seguinte colocação:

A pesca é mais amena e menos arriscada e o pescador não é propriamente dito um profissional: reúne ele o tipo misto de agricultor-pescador sem ser na expressão legal desses vocábulos, nem uma coisa nem outra, porque não está aparelhado para exercer essas profissões. Como lavrador, raros são os que possuem terra e seus instrumentos agrários (como) a enxada, a taceira, o machado e o terçado (que) roçam as terras devolutas do Estado, ou nas terras de patrimônio da mãe-velha (Intendência). Como pescadores povoam as safras (inverno) dos peixes dos rios, canaes, mupéuas, restingas (coroas) e igarapés, formados e banhados pelo mar e pelo fluxo das marés, mal agasalhados em pequenas curiácas, montarias e simples “cascos” sem falca e sem pavez com rodelas de proa e popa de Tijuco, talude e de espinhel (Tiradeira), tarrafa ou linha de mão, utensílios quase sempre emprestados a troco de quinhão de peixe. Colhem o saboroso pescado no grosso das piracemas... Passado a safra, mais de 60% dos pescadores paraoáras do salgado deixam as águas e se destinam a outros mesteres: Uns vão desmanchar roçados, outros vão abruir as roças do verão.

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Apesar do tradicionalismo, o crescimento populacional da região do Salgado,

em especial a cidade de Vigia estará relacionado à importância assumida pela

atividade pesqueira desde a era colonial. Uma região que assume papel estratégico

entre Belém e São Luis.

Na era colonial, o governo português passa a efetivar maior controle sobre a

produção pesqueira. Para tal, implanta os “Pesqueiros Reais”, momento em que as

pescarias eram realizadas por particulares e toda a produção era direcionada para o

interesse português. Implanta-se o trabalho servil da pesca em que os “pescadores

que trabalhavam nos pesqueiros eram índios reduzidos, que ganhavam, além da

alimentação que eles mesmos mariscavam os ricos salários de duas varas de pano

d’ algodão”, (HURLEY, 1953, p. 68 e 69).

Os dízimos dos pesqueiros geravam rendimentos significativos, entretanto,

foram extintos no final do século XVIII, em decorrência da escassez da mão de obra

indígena.

Falta de índios que o mal da catequese, as repetidas epidemias de bexiga e sarampos, os maus tratos, perseguições e colossais morticínios rareavam e que a bem aventurada Lei de 1775 libertou finalmente, determinando a extinção dos pesqueiros, que somente a sua habilidade de pescadores tinha por mais de um século mantido, (VERISSIMO, 1970, p.111 e 112).

Na era colonial havia a grande pesca de valor comercial e a pequena pesca

voltada para obtenção da alimentação das populações locais.

A grande pesca volta-se para a pesca do pirarucu, tartaruga, o peixe-boi a

gurijuba, a tainha e a produção do grude de peixe. A pequena pesca inclui toda a

espécie de peixes, anfíbios e crustáceos, mas com importante papel para o mercado

local e de Belém. N a época das safras, os pescadores buscavam diferentes lugares

de pesca, as zonas de maior concentração. Passada a safra, verificava-se o retorno

ao seu local de origem, onde passavam a se dedicar a pequena pesca, a agricultura

e o extrativismo.

Durante o ciclo da borracha, com as transformações econômicas,

populacionais e dos mercados consumidores, inicia-se a introdução de técnicas de

base capitalista trazendo repercussões sobre a pesca artesanal. Nesse momento

considerava-se insuficiente a produção dos pescadores artesanais para dar

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atendimento às demandas de Belém e outras localidades. Assim, ao longo do século

XIX são aprovadas leis que propunham a criação de companhias de pesca, tendo

em vista a produção de pescado em larga escala

O Estado passa a disponibilizar empréstimos para aquisição de barcos e redes.

São inovações que começaram a altear o mundo da pesca, ameaçando o trabalho

dos pescadores artesanais, pois a produção agora em larga escala levou a escassez

do pescado se reduzindo o abastecimento de localidades que dependiam da

pequena pesca.

Outra inovação do setor pesqueiro foi à utilização de gelo que transformou as

canoas em geleiras. Uma inovação que alterou o processo de trabalho na “medida

em que os pescadores ficaram em parte liberados de salgar e secar os peixes. Por

isso, era possível ampliar seu ritmo, já que não era necessário interromper as

pescarias para proceder ao beneficiamento, de modo poder esperar o momento da

venda”, (MANESCHY, 1995, p.38).

Até esse momento, essas inovações não alteram o ritmo e as formas de

produção então predominante na pesca artesanal, entretanto, observa-se que nas

“condições de troca beneficiavam principalmente os intermediários que impunham

os preços de compra aos pequenos pescadores.” (Ibidem). Essa realidade só vai se

alterar nas últimas décadas, momento em que ocorre em várias áreas a

especialização da atividade pesqueira.

Historicamente, muitas comunidades pesqueiras se originam a partir da

atividade agrícola, quando da formação das fazendas ou aldeamentos missionários,

entretanto, Mello (1985, p.37) afirma que na Zona do Salgado, a agricultura e a

pecuária se apresentavam pouco desenvolvidas, o que levou o caboclo a se dedicar

mais a pesca. Assim, a pesca a pesar de ser caracterizada como atividade

complementar, foi atividade importante, fundamental nessa região. No entanto, a

profissionalização do pescador, enquanto atividade especializada, será observada

na segunda metade do século XX, como resultante da penetração capitalista no

setor pesqueiro.

A lógica da economia de mercado adentra nas mais longínquas localidades

ribeirinhas, embora na região amazônica seja dominante a pesca artesanal, a pesca

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de subsistência pela permanência de suas práticas produtivas que continuam

operando da mesma forma rudimentar. As dificuldades de transportes e de

acondicionamento do pescado têm sido apontadas como fatores limitadores da

expansão da atividade pesqueira. Somente a chegada das geleiras vai possibilitar

maior tempo de conservação e comercialização do pescado em áreas consideradas

distantes dos locais de captura.

Nesse cenário de tradição e modernização, a pesca artesanal vem persistindo

apesar das condições sócio-econômicas, funcionando muito mais como

oportunidade de emprego do que renda.

Nesse campo de produção o aumento do preço do pescado está muito mais

relacionado aos custos operacionais ligados a manutenção das embarcações, aos

insumos e a intensificação da demanda em certos momentos do que a valorização

da produção em si. A introdução das novas tecnologias no campo pesqueiro tem

levado a um decréscimo do volume da produção e oferta em virtude da redução da

produtividade de locais antes piscosos, ocasionados pela sobrepesca de algumas

espécies que de forma predatória tendem a desaparecer. A escassez do pescado

tem provocado a evasão de pescadores artesanais para outros campos de trabalho.

Em Colares a pesca artesanal se mantém desde os primeiros tempos. Usa-se

a canoa ou o pequeno barco, o caniço e outros petrechos rudimentares para a

captura do peixe. Como afirma Furtado (1981, p.76) “o passado se refaz no

presente. O passado é lembrado na prática do espinhel e o presente representado

pela rede malhadeira que de certa forma vem trazer inovações na organização

social do trabalho da pesca.”

A pesca artesanal revela uma simbiose entre o homem e a natureza,

distinguindo-se da narrativa da modernidade, onde o processo de trabalho tende a

ser alienador das condições objetivas, onde se dá uma construção identitária.

Entretanto, a realidade de modernização revela-se pela crescente homogeneização

das práticas, ao mesmo tempo em que se processa um controle sobre a natureza.

O saber fazer do pescador não se faz de uma hora para outra, mas é resultante

do acúmulo de experiências e de saberes inerentes a essa atividade que é tão

antiga como o homem da região. Para o pescador que detém esses conhecimentos,

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considera-os de fácil aprendizagem. Sua formação se inicia desde pequeno,

escutando, observando e expericiando o fazer dos pais, parentes ou amigos. Um

conhecimento que vai se incorporando no exercício do dia a dia. São vivências a

partir da relação direta com o rio, que se transforma no grande espelho da vida. O

homem e o rio se transformam numa linguagem inseparável. O “homem e o rio

(como) os dois mais ativos agentes da geografia humana da Amazônia. O rio

enchendo a vida do homem de motivos psicológicos, o rio imprimindo à sociedade

rumos e tendências, criando tipos característicos da vida regional”, (TOCANTINS,

1961, p.306).

Nessa realidade marcada pela dualidade homem-rio, o pescador é resultante

da somatória da herança cultural e da experiência dedicada ao trabalho da pesca,

transparecendo o domínio do saber teórico-psicológico e dos segredos do ofício que

lhe capacita como experiente homem do mar numa relação do fazer-aprender que

lhe atribui um arsenal de conhecimentos e práticas da arte de pescar. Um saber

acumulado de inúmeras gerações, que é colocado em prática nas várias viagens,

expressos no exercício de lançar e puxar a rede, no momento da captura. Uma

tarefa teórica e prática que exige dedicação, amor, empenho e destreza física.

Segundo Mello (1985, p.107 e 108):

Conhecer a pesca significa dominar uma arte de muitas facetas. “A vida do pescador não se reduz às tarefas do mar. Muitas vezes ele também é o artesão dos instrumentos por meio dos quais trabalha. Preparar, por exemplo, um espinhel implica em dominar alguns segredos; é preciso primeiro fabricar ou adquirir uma linha comprida, medindo dois mil metros; nesta linha, a cada duas braças é atracada uma corda fina – o estruvo – onde na ponta fica “nodado” o anzol; junto com o anzol é amarrado o “ancorete”- pequeno peso para puxar para o fundo o espinhel a cada 28, 30 ou 40 braças dependendo do tamanho da linha; junta tudo isso a corda de bóias, entrelaçadas com linha para mantê-la suspensa.

Nesse âmbito produtivo, o saber-fazer da pesca se enquadra no campo da

ciência, pois além dos conhecimentos práticos exigem-se conhecimentos de

astronomia, meteorologia, biologia marinha e outros saberes científicos para a

eficácia da arte de pescar. A atividade pesqueira envolve também planejamento e

organização de tarefas que vão desde a aquisição de mantimentos, objetos

pessoais, os instrumentos ou petrechos propriamente ditos da pesca e, toda uma

preparação das embarcações em que todos os pontos são checados. No mar, à

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medida que a canoa ou o barco se afasta e começa a se deparar com as correntes

marítimas e maresias fazem-se necessária perícia para navegar com certa

tranqüilidade. Uma das saídas é navegar pelos canais, na tentativa de não encalhar

em alto mar.

O conhecimento do ciclo das cheias e vazantes é fundamental para que ocorra

uma pescaria eficiente e eficaz. Constitui-se fator que vai determinar a hora da saída

e da chegada, assim como à hora da captura do pescado. Compreender as fases da

lua é outro elemento indispensável para determinar o tipo de maré. O que pode

trazer mais ou menor dificuldade no apanho do pescado.

É importante compreender que toda essa argumentação sobre o “domínio

teórico e prático de todo o processo de produção pesqueira é realizada em padrão

tradicional e de posse do trabalhador”, (MELLO, 1985, p.127).

Se de um lado o saber objetivo, o domínio de técnicas e instrumentos são

indispensáveis à atividade pesqueira, seu manejo e eficácia também estarão

relacionados às técnicas corporais.

São técnicas que dizem respeito aos modos pelos quais os homens, de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos como razão prática, coletiva e individual. Os mais velhos, ao carregarem os mais jovens como ajudantes de pesca, são os que colocam o prestígio de sua experiência como modelo de destreza física e no equilíbrio do balanço da embarcação, na dignidade em partir para o mundo das águas e dele retornarem como uma aventura sempre necessária, na resistência em perseverar horas, às vezes, noites a fio, até alcançar o momento certo, na agilidade, precisão e força para jogar a tarrafa etc., a ser imitado não apenas como um “balé” sobre as águas, mas como um ato quase mágico, na medida em que o êxito logrado na captura é de fazer o corpo instrumento em consonância com os movimentos dos cardumes, (VALÊNCIO, 2006, p. 29).

Na região amazônica, a pesca artesanal, tradicional se constituiu um marco,

uma referência. Nas últimas décadas, vem sendo marcada pela implementação a

modernização no setor pesqueiro. Essa modernização emerge como fenômeno que

vai alterar a pesca regional. Uma vez que passa a ser submetida pelas injunções

capitalista. A pesca inicialmente exercida por comunidades ribeirinhas se altera e

passa alcançar algumas especificidades. Passa a engendrar outro processo,

marcado pela modernização tecnológica trazendo como conseqüência; a

proletarização do pescador, antes livre e proprietário de seus instrumentos, de seu

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trabalho e do produto de sua jornada de trabalho. Agora passa ser submetido pelo

controle empresarial. As novas relações de produção e trabalho fazem emergir um

mundo contraditório e conflitante. O mundo tradicional se altera pelas mudanças na

maneira de produzir e comercializar o fruto do trabalho. Num cenário em que as

novas tecnologias aparecem como instrumento de transformação social, pela

priorização dos objetivos do capital.

Com a chegada da modernização, o pescador artesanal passa a ser visto como

produtor “desqualificado” perante a grande indústria. O capital avança e passa a

dominar espaços considerados “vazios”. A ação empresarial passa a subsumir as

comunidades ribeirinhas pela alteração de suas condições materiais e ao mesmo

tempo lhe retirar o direito de continuar se reproduzindo como tal.

Nos finais dos anos 50 do século XX, inicia-se na região transformações

estruturais na economia pesqueira. É o momento em que, em alguns pólos

pesqueiros os trabalhadores do mar são “obrigados” a vender sua força de trabalho

diante da instalação da pesca capitalista. Observam-se investimentos de grupos

estrangeiros e a atuação política do próprio Estado nesse setor produtivo.

A partir de 1960 estudos são realizados no setor pesqueiro com o intuito de

oferecer subsídios à atuação do Estado. São estudos que questionam a produção

da pesca artesanal e apontam saídas para a dinamização e maior produtividade do

setor pesqueiro. É o momento em que se dá a inserção plena e definitiva da

Amazônia no capitalismo monopolista.

Questiona-se o rudimentarismo das técnicas nativas considerando-as como

“irracionais” e “atrasadas”:

Um modelo produtivo que se caracteriza apenas como valor de uso e não de troca. Revestindo-se pelo olhar capitalista como sistema “antieconômico” pela baixa produtividade. A melhoria da conjuntura econômica da atividade pesqueira na Amazônia só poderia ser obtida, pela racionalização do trabalho, ou seja, pelas mudanças no modo de produzir a pesca, seus métodos e técnicas, (ALMEIDA & ALBUQUERQUE, 1961, p.9).

Nessa visão de modernização, as técnicas nativas seculares de produção de

peixe, coerente com o modo de produção, onde é a subsistência da população

produtora é o objetivo central do trabalhador, torna-se objeto de crítica, a partir da

perspectiva da visão oficial dominante, que se reivindica a neutralidade cientifica do

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julgar o que é “certo” ou “errado”, “bom” ou “mau” para o caboclo da região”,

(MENDES, 1938, p. 11).

A grande preocupação dos pesquisadores é confrontar a baixa produtividade

da pesca artesanal e o interesse em expandir a produção do pescado, através das

técnicas de “arrasto”, para tal a necessidade de formação e treinamento dos

pescadores regionais para a utilização de novos instrumentos com maior eficiência.

Somando-se aos novos saberes e fazeres, a adoção de novas técnicas e a

utilização de barcos a motor no sentido de vencer a “incapacidade do homem

regional em virtude do “atraso e acomodação” das comunidades tradicionais.

Trabalha-se com o estereótipo do homem amazônico, que segundo Mendes

(1959, p. 20) caracteriza-se como sedentário, lavrador à beira do rio, “onde encontra

sempre furtando ao trabalho diário, sem ardor, nem pressa, o tempo, “um

instantinho”, como ele diz, de em qualquer água, ali perto: como “um de nós vai à

cozinha” pegar peixe ou “mariscar’, na sua expressão típica. A facilidade de

“marisco” será visto como causa do comodismo do nativo que por esse motivo, não

tem necessidade de dispensar o esforço que outros povos e o incitamento ao

trabalho. Nasce assim a ideologia preconceituosa do trabalhador “preguiçoso”,

incapaz de desenvolver por iniciativa própria a produção de bens, antes se

contentando com que a natureza dá. O resultado dessa visão estereotipada será o

discurso em defesa de uma urgente e sistemática educação do pescador,

considerado como único meio capaz de dotar-lhe de preparo à utilização daqueles

métodos e técnicas de pesca consideradas como racionais.

Nessa percepção, deixa-se de lado a compreensão da maneira de ser e viver

das populações ribeirinhas. Acredita-se e busca-se uma educação pesqueira voltada

para a geração de pescadores profissionais, no sentido de se adequar ao trabalho e

a técnicas mais modernas de manejo e produção do pescado. Pela aquisição de

novos conhecimentos “libertarem” os pescadores regionais, deixando-se de lado o

conhecimento nativo, visto como supérfluo e sem valor para a lógica capitalista.

Na cidade de Colares a pesca artesanal é característica marcante da atividade

pesqueira, Utilizam-se instrumentos tradicionais da pesca como o espinhel, a linha, a

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79

tarrafa e mais recentemente a pesca de rede. Os barcos são de pequeno porte e a

vela, poucos são motorizados.

Apesar da rusticidade dos instrumentos de trabalho até nas últimas três

décadas, a produção do pescado era considerado muito boa pela existência da

grande quantidade de peixes. A área em estudo era muito piscosa, apresentando

também uma diversidade de espécies. A quantidade do pescado possibilitou nesse

período a pesca de curral e a pesca de camboa. A produção das pescarias era

suficiente para abastecer a população local e o excedente era comercializado em

áreas próximas.

Os pescadores artesanais atribuem a redução da produção da pesca às

mudanças importantes trazidas pela utilização das redes malhadeiras e a

concorrência da pesca industrial. São fatores que trouxeram sérias conseqüências

para a pesca tradicional e para a vida das comunidades ribeirinhas. As formas

predatórias de captura e as novas relações de produção são efeitos da expansão

capitalista no setor pesqueiro regional, sobretudo a partir da década de 70 do século

XX.

A modernização da pesca regional vem atrelada a uma ação governamental,

mediante a implementação de uma política de incentivos fiscais. Os resultados

dessa política atraíram investimentos por parte de grupos empresariais do centro sul

e nordeste do país, o que estabeleceu uma forte concorrência com os pescadores

artesanais

Configura-se a pesca regional moderna industrial voltada para a grande

produção com destino a exportação. Altera-se o sistema de pesca com a chegada

de tecnologias sofisticadas e a implantação do trabalho assalariado.

O parque industrial pesqueiro passa a apresentar uma produção intensa de

pescado no nordeste paraense. As empresas de pesca se apropriam de áreas que

anteriormente eram praticadas pela pesca artesanal.

Segundo Cristina Maneschy (1995, p. 42), desde a implantação do parque

industrial pesqueiro, vários conflitos se estabelecem entre pescadores artesanais e

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80

empresas de pesca. Os conflitos são decorrentes das superposições de áreas de

pesca e pela atuação depredatória que vem reduzindo os estoques de peixe.

Para Loureiro (1985, p. 146) a tecnologia industrial é baseada em rede de

arrasto que tem se mostrado altamente predatória, provocando grande matança de

peixes, além dos danos ao equilíbrio ecológico.

Em relação a Colares, a expansão da pesca industrial trouxe conseqüências

alarmantes. Na década de 1980, cerca de 60% dos pescadores locais estavam com

suas canoas encostadas em virtude da super exploração das empresas de pesca

com atuação próxima ao litoral do Marajó.

A frota artesanal não tinha as mínimas condições de competir com a frota empresarial, estabelecendo-se uma luta desigual, eliminando-se da pesca artesanal a autonomia e promovendo a proletarização de uma grande massa de pescadores que tinha na pesca seu único meio de subsistência, (PENNER, 1984, p. 96,97).

A percepção dos problemas e a reação a atuação das grandes empresas é

bem clara no depoimento de um pescador artesanal de Colares, quando afirma:

Essas barcas já pescaram nessa área. Teve um ano eles pescaram aqui. Nós denunciamos pra Capitania dos Portos, tava prejudicando muito. A gente ia uma hora dessas, era muito peixe morto em cima da água, piabas pequenas eles jogavam tudo fora. Eles só pegam as graúdas, exatamente agora está fazendo falta, tanto para eles como para nós,(idem).

A proximidade com o rio e o mar contribuiu para um conhecimento acumulado

sobre a natureza, seu manejo e controle. São saberes que advêm das práticas

indígenas retratadas por uma variedade de técnicas de captura, o que reflete uma

relação de adaptabilidade entre o homem e seu ambiente natural. Nesse tempo se

desenvolvia a pesca utilizando-se o “cacuri”, o “matapi”, a “Camboa” de pedras, a

tarrafa, a linha, a rede de tapagem, anzóis e currais. Algumas dessas técnicas estão

em desuso pela população local. Hoje, os instrumentos mais usados pelos

pescadores são a linha ou o espinhel e a malhadeira de nylon.

Levando-se em consideração os instrumentos utilizados e o tamanho das

embarcações, os pescadores de Colares são divididos em pequenos pescadores e

médios pescadores artesanais, onde os pequenos pescadores constituem a maioria

dos pescadores do Município. Segundo Azevedo (1998, p.35) esses pescadores

trabalham em embarcação de pequeno porte denominadas de montarias ou

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81

reboques, movidas a vela. Antigamente os materiais de construção dessas

embarcações eram extraídos no próprio município, hoje com a degradação florestal,

parte das embarcações é fabricada com madeiras provenientes das estâncias locais.

Seus instrumentos de captura são a linha e o espinhel, utilizando-se em média de

200 a 800 anzóis.

As viagens nesse tipo de pescaria duram em torno de 12 horas, dependendo

do fluxo das marés e dos ventos. Guiam-se pelas estrelas, o vento e a maré. Todo o

trabalho é realizado em média por dois tripulantes.

Há o pescador que trabalha com linha. Um tipo de pescaria que exige um

preparo anterior para a consecução das iscas. O pescador de rede, em geral,

trabalha em embarcações pequenas movidas à vela. Todo o trabalho da pescaria

envolve de dois a três tripulantes e o comando cabe ao encarregado ou ao próprio

dono da embarcação que orienta o trabalha da pesca. Na verdade, todos os

tripulantes colaboram de forma coletiva para a realização das tarefas da pescaria.

O médio pescador artesanal constitui-se um tipo de pescador mais recente no

município. Essa modalidade está relacionada às transformações recentes no setor

de pesca na região do Salgado, em Colares. São pescadores que dispõem de

melhores condições financeiras e utilizam embarcações maiores e mais equipadas

com instrumentos mais modernos. As viagens são do ritmo do “chega e vira”, mais

curtas. Se o peixe estiver longe, as viagens são mais duradouras (barra fora),

podem durar de oito a dez horas diariamente ou durarem 07 dias pescando em

outras áreas mais distantes. A produção do pescado destina-se ao abastecimento

do mercado local e de outras áreas adjacentes, geralmente vendem a produção na

cidade de Vigia, mais próxima de Colares, (AZEVEDO, 1998, p.39).

No momento presente, cada vez mais os pescadores tendem a se deslocar

para áreas mais distantes em busca do pescado. Dirigem-se para o Cabo Norte,

alcançando o Amapá e as Guianas.

Segundo informações de um pescador do município, o mar não tem limites,

pois “assim como os nossos pescadores vão para outras áreas, vem pescadores

para cá de Cachoeira do Arari, Macapá, Salinas, Vigia e outras regiões.

Recentemente chegou a Colares um grupo de coreanos no farol”.

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82

Uma das principais dificuldades relatadas pelos pescadores e pela Colônia de

Colares é a sobrevivência na época do “defeso”. O benefício do defeso não vem

sendo assegurado aos pescadores locais. Em outras áreas esse direito é

assegurado aos pescadores no momento da desova de peixes, camarão e

caranguejo. Esse fato tem levado os pescadores infligirem à proibição da pesca

nesse período de reprodução e continuarem a pescar e a catar caranguejo como

única garantia de sua sobrevivência e de sua família.

Diante da proletarização do pescador artesanal há uma saída, a sua

disponibilização para outras frentes de trabalho. Uns retornam a pequena agricultura

e outros passam a se engajar no comércio ou na prestação de pequenos serviços.

Na Colônia dos pescadores chegam às reivindicações da camada dos

pescadores artesanais. É onde denunciam a invasão das áreas de pesca da Z-23

por outros pescadores, em geral com embarcações motorizadas e como

instrumentos mais modernos. A concorrência torna-se acirrada e prejudica a atuação

dos pescadores artesanais e as condições de sua permanência.

Outra reivindicação é a garantia da segurança no mar. Os pescadores vêm

sendo constantemente ameaçados pela presença dos piratas do mar que lhes

assaltam levando a produção e seus instrumentos de pesca. Fato que vem inibindo

o trabalho e a chegada de novos pescadores nesse ramo de trabalho.

A Colônia é o órgão representativo da categoria dos pescadores é vinculada ao

Departamento Regional do Trabalho (DRT) e a Confederação Nacional da Pesca. A

Z-23 conta com 600 pescadores associados, estando distribuídos na sede de

Colares e nas localidades de Mocajuba, Genipaúba da Laura e Ariri. Na sede de

Colares há cerca de 300 associados. O trabalho da Colônia é feito no atendimento

diário dos associados e na realização de reuniões, onde esclarecem os direitos dos

pescadores. É o órgão responsável pelo encaminhamento burocrático das

solicitações de aposentadoria e dos benefícios de saúde.

Outra situação que vem preocupando os pescadores e a Colônia é a invasão e

a depredação da praia de Nossa senhora do Carmo, considerada praia de

procriação de peixes pelos pescadores locais. A grande preocupação é com a

destruição desse espaço tão importante para a preservação de muitas espécies e

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83

assim propiciadora das condições naturais, ambientais necessárias para a

continuidade da própria atividade pesqueira.

Além dessa situação preocupante, os pescadores denunciam a intensa pesca

de arraias abundantes no município e o processo da cata do caranguejo, em que se

prioriza apenas a retirada da pata maior e que segundo relato de um pescador, os

caranguejos ficam fracos e morrem. São situações que aos olhos dos desavisados

podem passar despercebidos ou vistas como acontecimentos isolados, mas fazem

parte do uso e do manejo irresponsável dos recursos naturais que ainda existem no

município e que necessitam serem preservados para a própria continuidade das

espécies naturais e do modo de vida tradicional dessa comunidade ribeirinha e

cabocla.

No contexto de mudanças situamos a persistência da pesca artesanal

fragilizada e ameaçada de extinção na medida em que são alteradas as condições

naturais e conseqüentemente as condições de produção e reprodução do modo de

vida tradicional. Em lugar do tradicionalismo, a emergência de um processo de

reordenação social que coloca a modernização à vida urbana, diante de um modo

de ser e viver considerado arcaico e tradicional e que tende a ser suplantado;

substituído pela incorporação do estio de vida moderno, urbano e global.

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CAPITULO III - O COTIDIANO DAS PRÁTICAS TRADICIONAIS NA PRODUÇÃO

DA IDENTIDADE RIBEIRINHA

3.1 O Cenário Amazônico nas Últimas Décadas

A realidade amazônica no seu aspecto social, econômico e cultural passa por

profundas alterações, a partir da década de 1960, momento em que o capitalismo

adentra e se expande na região, promovendo a exploração em larga escala das

reservas florestais, minerais e hídricas.

A expansão capitalista se efetiva mediante a implantação de grandes

empreendimentos econômicos pela atuação do Estado que se empenha na

estruturação e controle da região, criando condições necessárias à penetração do

capital e a atuação das grandes empresas nacionais e internacionais. O primeiro

grande passo foi à quebra do isolamento geográfico da região que passa a se

integrar com o resto do país, através da implantação da rodovia Belém-Brasília.

Nesse momento, a política desenvolvimentista volta-se para a industrialização e

urbanização do país e da região; vistas então como parâmetros de modernização,

cuja referência era o padrão norte-americano. Como resultados dessa inserção da

região, a modernização dos transportes e dos meios de comunicação.

O planejamento estatal para o desenvolvimento regional privilegiou algumas

áreas, que se tornaram alvos de políticas de investimentos por se constituírem em

áreas de concentração de reservas naturais em detrimento de outras áreas, onde se

verifica um lento processo de desenvolvimento e/ou estagnação econômica.

No entanto, diante do processo de modernização da região, todos são

afetados de forma direta ou indireta, com maior ou menor incursão da nova ordem,

pois todos serão atingidos pelos efeitos da modernização trazidos pelos grandes

empreendimentos, como a pesca predatória, a expulsão do homem do campo, a

desestruturação das populações indígenas, caboclas, camponesas, a devastação do

meio ambiente e o intenso processo migratório intra e extra-regional.

São transformações que alteram o modo de vida das populações amazônicas

levando a quebra de suas raízes, seus valores e sua identidade cultural, dando

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surgimento a um novo tipo de organização social que se diferencia do passado,

através de um processo de reordenação social. Uma vez que as práticas culturais se

alteram quando se modifica o contexto social em que se está inserido.

Nessa ordenação, o antigo e o moderno como faces do processo de transição

que vem sendo implantado. Sendo nítido a secundarização da cultura popular,

enquanto saber tradicional das populações amazônicas. Os grupos subalternos se

inserem no processo de modernização de forma desigual e sob o olhar

discriminatório de suas práticas, mentalidades e estilo de vida.

Um processo de reordenação do espaço, do tempo social e o conseqüente

deslocamento e fragmentação do processo identitário das comunidades ribeirinhas.

Nesse processo de construção de identidade / alteridade que se insere o

presente trabalho com o objetivo de compreender o modo de ser e de viver das

populações ribeirinhas, em especial a cidade de Colares, enquanto comunidade

predominantemente formada por pescadores, extrativistas e pequenos agricultores.

Um estudo que de forma preliminar focalizará as resistências e permanências das

atividades tradicionais como elementos significativos na afirmação identitária desta

comunidade, ainda que em meio às mudanças sociais que se operam nesse espaço

nas últimas décadas.

3.2 História, Cotidianidade e Identidade

Para a compreensão dos processos de construção e afirmação de identidade

no cotidiano atual das comunidades tradicionais reporta-se a uma reflexão teórica

com importantes contribuições de Giddens (2000), Carvalho e J.P. Neto (1994),

Cuche (1999), Hall (1997) e Robert Darnton (2002).

As questões do mundo e da existência humana estão profundamente

marcadas não só por uma relação que aponta numa mesma direção, mas por se

constituir uma relação imbricada que vai além das aparências. Onde a

essencialidade emerge sob o tom da complexidade, da contraditoriedade e da

ambivalência da realidade social. O homem ao se localizar no mundo e com o

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mundo estabelece uma “relação dialética que possibilita ao homem ser construtor do

mundo e si mesmo“, (FREITAS, 2002, p.58).

Entretanto nessa relação homem / mundo surgem algumas questões como:

até que ponto é harmonioso ou não a convivência entre os homens e o mundo que

os insere? E, como se revela o campo da intimidade, da subjetividade em relação ao

campo objetivo da produção social, cultural e econômico, mesmo considerando que

são campos que interagem na formatação do indivíduo e da sociedade?

Nessa relação com o mundo, o homem se constitui em um vir a ser,

considerando-se o emaranhado de possibilidades, diante da diversidade social e

cultural. Um contexto que reproduz fatos, valores e costumes, dessa forma

introduzindo ou inovando os cotidianos.

O cotidiano é aqui concebido como referência a vida de todos os dias e de

todos os homens de um determinado tempo / lugar, referindo-se às atividades

rotineiras, banais que expressam e fundamentam um modo de existência. Assim, a

vida cotidiana é como “aquela vida dos mesmos gestos, ritos e ritmos de todos os

dias (inclusive) os sonhos, desejos, insatisfações, angústias, opressão, mas também

segurança”, (CARVALHO, 1994, p.23).

Nesse ambiente de construção, Agnes Heller afirma que não há vida humana

sem cotidiano e cotidianidade. O cotidiano está presente em todas as esferas de

vida do indivíduo, seja no trabalho, na vida familiar, nas relações sociais, no lazer

etc. (in CARVALHO, 1994. p24). Assim o cotidiano persiste e penetra eternamente

todas as esferas da vida do homem, obedecendo-se os critérios tempo, espaço e

classe social.

O cotidiano nesse sentido constitui-se referência de um homem real numa

sociedade real, pois, segundo Heller (1972.p.18) afirma que “o homem nasce já

inserido em sua cotidianidade, o amadurecimento do homem significa, em qualquer

sociedade, que o indivíduo adquire todas as habilidades imprescindíveis para a vida

cotidiana da sociedade em questão”.

Neste contexto, o cotidiano é produzido por um conjunto de ações e relações

heterogêneas que, ao mesmo tempo se alteram, em função de valores e interesses.

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87

O homem ao fabricar um produto cultural se constrói subjetivamente, ao

estabelecer uma vinculação entre o mundo interior e o mundo exterior, ou seja, o

“eu” e o “mundo”. Isto transparece a produção de um modo de existência social

como parte do mesmo processo que envolve as dimensões do abstrato / concreto,

do heterogêneo / homogêneo e uma realidade hierarquizada face às possibilidades

ilimitadas da renovabilidade social.

O estudo da vida cotidiana se volta para a captação do real e da realidade, do

sensível, do prático, do vivido e do subjetivo, fornecendo elementos para a

compreensão dos “diferentes fatos da vida social (enquanto elementos do devir

histórico) numa totalidade, se torna possível o conhecimento dos fatos como

conhecimento da realidade”, (LUKÁCS, 1974, p. 23 e 24), numa compreensão de

uma totalidade em constante movimento de estruturação e desestruturação.

Entretanto, permite a percepção do homem “concreto”, ”real” e a objetivação que

esse homem faz de sua realidade imediata.

Na cotidianidade à produção de sua sobrevivência, o homem estabelece

relações que vão além do seu cotidiano. O trabalho nesse processo se constitui fator

fundamental do homem e da sociedade, pois o trabalho enquanto prática social é

importante para dar atendimento às necessidades humanas e sociais, implicando

numa ação coletiva, conseqüente, ao construir uma realidade social dinâmica e

flexível a novas transformações.

A inserção do homem num contexto social cada vez mais ampliado altera a

ação do homem que não se volta somente para a sobrevivência e a produção de

sua subjetividade. “O homem é ao mesmo tempo singular e genérico, apenas na

vida este ser genérico co-participante do coletivo, da humanidade se encontra em

potência, nem sempre realizável”, (CARVALHO, 1994, p.260). Uma vez que a vida

cotidiana possibilita a emancipação do indivíduo, ao avançar do singular ao genérico

humano, embora se observe que a maioria dos homens não vivencia essa

experiência, mantendo-se “mudo” à relação entre “particularidade” e genericidade.

É esse caráter dinâmico da vida cotidiana que permite o “ocaso” o “inesperado” as “resistências” e as possibilidades do transformar, provocar alterações e rupturas que possam subverter a “ordem” e a “lógica da regulação social”, como processo que “eleva os homens dessa cotidianidade, retornando a esta de forma modificada, (CARVALHO, 1994, p.14).

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Para Heller, o trabalho, a arte, a ciência e a moral são elementos elevadores

do homem e de sua generacidade. O homem se constitui como tal, num contexto

histórico, uma vez que a “vida cotidiana não esta fora da história, mas no centro do

acontecer histórico: é a verdadeira "essência” da substancia da sociedade”,

(HELLER, 1972, p. 20).

Na contemporaneidade, o mundo não está passando simplesmente por

incessantes mudanças trazidas pela globalização e a revolução tecnológica, mas

está atravessando uma “transição” histórica que impõe uma nova racionalidade em

quase todas as partes do mundo. Fazendo ruir o que, até então, era visto como

“estável”, “seguro” e “ordenado” e emergir como afirma Giddens “um mundo em

descontrole” pelas “mudanças e riscos que alteram as condições de existência,

afetando onde quer que vivamos, não importa quão privilegiados ou carentes

sejamos”, (GIDDENS, 2000, p.15).

No cenário em que as tradições, costumes e culturas milenares como:

danças, ritos, cerimônias e vivências religiosas de algumas comunidades estão

sendo “apagadas” ou “suprimidas” pelo ímpeto das mudanças globais. Um contexto

que requer uma nova abordagem, uma nova percepção desse processo de

transitoriedade.

O viéis histórico centrado no aspecto cultural ao aliar-se a outros campos

como a antropologia vem referendar a compreensão do “real social”, valorizando a

história do presente. Uma vez que a “força do presente” questiona constantemente e

impõe uma nova compreensão da história, nesse presente contexto, o papel da

História e do pesquisador são o de possibilitar a compreensão dos “imensos vazios

culturais deixados pela avalanche das transformações, se não com o resgate das

vivências e tradições, pelo menos na compreensão crítica dos processos ocorridos”,

(COUCEIRO, 2002, p. 13).

Robert Darnton desenvolve estudos com estreita ligação com o antropólogo

Clifford Geertz, ao valorizar os elementos subjetivos e valorativos, para desvendar a

realidade social. Enfatiza a compreensão da “condição humana” e do “sentido da

vida”, procura traduzir o conteúdo simbólico das ações humanas e ler a realidade

social, a partir dos significados, como condição para captar o caráter simbólico dos

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fatos, ou o que está por trás dos acontecimentos. Seu estudo volta-se para a

compreensão de “como as pessoas comuns entendem o mundo”, (COUCEIRO,

2002, p. 27).

Essa concepção acima mencionada percebe a subjetividade constituída por

meio de mediações sociais que implicam necessariamente na relação com o outro.

A subjetividade é resultante da ação significativa que expressa e produz um jeito se

ser e que adquire sentido numa “rede relacional” num contexto de proximidade ou

oposição, numa dada realidade social.

A identidade de um grupo específico se dá numa construção social e

histórica, envolvendo diferentes dimensões: “material / simbólica, objetiva / subjetiva,

individual / coletiva, da realidade social. Num dado contexto, constrói-se o

significado cultural que norteia o processo de identificação / distinção sócio-cultural”,

(CRUZ, 2004, p 01). A identidade se afirma pela linguagem, pelo imaginário e pelo

consenso de se reconhecer como tal, embora sua identificação se afirme diante da

diferença do “outro”. Assim, processo de construção de identificação de um

determinado grupo passa pelo reconhecimento e internacionalização de valores que

dão substância à vida social.

3.3 O Processo Identitário em Colares

O estudo se reporta a realidade da Cidade de Colares, onde se faz presente

práticas sócio-econômicas tradicionais e práticas e padrões baseados no estilo de

vida moderna, como conseqüência das transformações econômicas, sociais e

culturais que têm marcado o espaço regional. Um espaço que vem possibilitando

uma reordenação social, no qual a herança do mundo antigo e as novas

circunstâncias sociais do mundo moderno coexistem, gerando novas adaptações,

novos estilos de vidas, instaurando-se novas identidades.

A Cidade de Colares constitui-se em uma ilha, situada a nordeste do Estado

do Pará, às margens da baía do Marajó, na região do Salgado separando-se do

continente pelo furo da Laura e o Rio Guajará-Mirim, estando a 100 km de Belém

por via rodoviária.

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90

Historicamente, a cidade surge pela atuação das missões religiosas, voltadas

para a catequese das populações indígenas, os Tupinambás e posterior

colonização, mediante o estabelecimento de aldeamentos, destinados à ocupação e

exploração econômica nos meados do século XVIII. Observando-se o poderio

econômico dos Jesuítas que “ofuscava a hierarquia e a fortuna dos colonos”,

(ACEVEDO, 2004, p.39).

A fundação oficial de Colares data de l751, quando da criação da freguesia de

Nossa Senhora do Rosário de Colares. Em l757, eleva-se a categoria de vila com

vinculação administrativa ao município de Vigia com uma população de 175 índios,

segundo informações de Baena. Desde 1775, encontram-se registros sobre a

existência de comunidades pesqueiras na zona do Salgado, na Costa Oriental do

Marajó. Além da população indígena, a ocupação de Colares foi marcada pela

diferenciação étnica pela presença de mamelucos, cafuzos, mulatos e brancos. Essa

diferenciação decorrente do processo de mestiçagem é importante na produção de

mão-de-obra barata para o dinamismo da colonização da região do Salgado pelo

importante papel econômico na era colonial.

Essa fusão étnica vai contribuiu para um “entrelaçamento” dos diferentes

grupos promovendo uma vinculação cultural própria, que localiza esses indivíduos

nesse espaço social, atribuindo-lhe uma singularidade no modo de ser e de viver. A

pesca e a pequena roça foram atividades centrais na ordenação dessa comunidade,

que se manteve de maneira estável por séculos. Um tempo demarcado por rituais e

repetições de ações, práticas e costumes, que garantiu o tradicionalismo como força

da identidade ribeirinha, cabocla. A identidade ribeirinha se construiu no momento

em que a comunidade internalizou valores e significados, construindo sentimentos

subjetivos de “pertencimento” ao lugar e a vida social e cultural.

As condições geográficas e ambientais desse município, sua proximidade

com a baía do Marajó, o Oceano Atlântico e a presença de um ecossistema aquático

diversificado por praias, igarapés, manguezais e vastas áreas florestais tem

possibilitado a essa população desde os primeiros tempos, a sobrevivência, através

de práticas tradicionais em que o extrativismo e a agricultura garantiam a

subsistência da população local.

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Entre as atividades tradicionais, o destaque a pesca artesanal, como fonte de

trabalho, renda e alimentação de uma parcela significativa da população que,

embora prevalente, se complementa com as demais atividades tradicionais como a

cata do caranguejo, a extração de frutos e madeiras; o que tem garantido a

sustentação econômica, social e cultural desta comunidade.

A partir dessas práticas, os habitantes de Colares vêm desenvolvendo um

processo social, mediante a adaptabilidade aos recursos naturais, uma historicidade

própria na relação baseada no trinômio: homem, trabalho e natureza, que se traduz

por um estilo de vida própria.

Observa-se um lento processo de crescimento e a garantia dos padrões

culturais eminentemente caboclos, numa comunidade que por décadas se manteve

num certo “isolamento” devido às condições de transporte e comunicação, possível

somente por navegação fluvial, o que levou os moradores a viverem em torno de um

“micro-mundo”, considerando-se que a vida se reportava a pequenos grupos.

A partir da década de 1970, Colares passa a vivenciar os efeitos de incursões

modernizantes na região amazônica com repercussão direta no nordeste paraense.

A pesca artesanal desde os tempos coloniais era elemento de sustentação da vida

material e social, mas a partir desse período sua sobrevivência passa a ser

ameaçada.

Embora os pescadores continuem tendo livre acesso ao mar, altera-se o

contexto em que se dá a pesca pela introdução das redes malhadeiras de nylon

elevando a produção pesqueira, antes realizada somente com instrumentos

tradicionais. O pescador se depara com novos instrumentos, novas práticas e,

sobretudo, uma nova lógica trazida pela penetração do capital. A implantação da

pesca industrial com utilização dos barcos de grande porte que invadem as áreas

tradicionais de pesca artesanal, aumentando o ritmo de captura do peixe que se

voltava agora para a indústria pesqueira. A pesca de “arrasto” que altera os

“estoques pesqueiros e cadeias tróficas são comprometidas em seu ciclo biológico”,

(FURTADO, 1994, p.11). Um novo contexto que altera as “condições de

permanência dessa comunidade com sua organização social, pois se elimina as

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92

condições objetivas, destruindo-se as possibilidades de reproduzir-se” (MANESCHY,

1995, p.58).

A chegada dos caminhões frigoríficos provocou alterações significativas no

município de Colares, pois a demanda de uma produção maior exigia um

investimento maior nessa produção. Um momento no qual se amplia o comércio

com intermediários.

A partir desse novo contexto, os pescadores passam a enfrentar uma série de

problemas com a concorrência com a pesca industrial, tais como: a escassez do

pescado; a necessidade de migração para outras áreas de pesca; deixam de serem

pescadores autônomos para se tornarem trabalhadores assalariados da pesca, ou

são forçadas a abandonar tudo e buscar os centros mais dinâmicos na busca de

emprego e melhores condições de sobrevivência. Entretanto, os que continuam

como pescadores artesanais em Colares almejam uma política pública que lhes

garanta melhores condições de trabalho, de sobrevivência e de segurança contra a

pirataria do alto mar. Preocupação essa expressa, quando da inauguração da nova

sede da Colônia dos Pescadores. Retirando-se os “discursos políticos” a presença

massiva dos pescadores de Colares nesse evento, aponta para o auto

reconhecimento dessa categoria de trabalhadores do mar. Naquele momento, a

sede significando um espaço para uma melhor organização e reivindicação do

direito para continuarem existindo como tal.

Na cidade de Colares é rotineira e comum a presença dos pescadores e da

comunidade na “Beira-mar” ou no “mercado” em pequenos grupos em momentos de

prosa de conversa. Um momento só deles, onde compartilham experiências e se

reconhecem como iguais. Como se estivessem com os pés na terra, mas com os

olhos voltados para o mar. Observando-se a força do “rio” na vida dessa

comunidade. Uma interferência não só física, mas simbólica na construção desse

homem ribeirinho. A esse respeito Loureiro (1995, p.121) esclarece:

Os rios na Amazônia consistem em uma realidade labiríntica e assumem uma importância fisiográfica e humana, conferindo um ethos e um ritmo à vida regional. Dele depende a vida e a morte, a fertilidade e a carência, a formação e a destruição de terras, a inundação e a seca, a circulação humana e de bens simbólicos, a política e a economia, o comércio e a sociabilidade. O rio está em tudo.

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Este contexto de mudanças na década de 1970, com a expansão rodoviária

no nordeste paraense, possibilitaram a ligação de Colares ao continente e

melhoraram a comunicação com outras áreas, facilitando o acesso a bens e

serviços, em outros espaços considerados dinâmicos, entrechocando-se duas

realidades distintas: uma pautada no tradicionalismo e a outra que leva a

modificação dos costumes tradicionais, ao estilo mais moderno, à vida urbana

presente nas cidades maiores. A articulação rural-urbana reforçada pelo processo

migratório aos centros urbanos pela busca de trabalho e melhores condições de

vida. A estrada também possibilitou a chegada dos veranistas, turistas que adentram

o município nos finais de semana, feriados, férias, tornando-se, uma cidade

balneária, possibilitando o confronto com um mundo maior, com outros valores e

estilos de vida, a vida moderna, a vida urbana, que se contrapõem aos padrões

locais. É marcante a diferenciação dos “nativos” e do povo que vem de “fora”. No

entanto, é forte a identidade sócio-cultural da comunidade de colares, pois

repousava no sentimento de “pertencimento” e a vida transcorria em torno dos

interesses e necessidades da população local.

Nas últimas décadas, com o maior fluxo de turistas e da interferência maior

da mídia eletrônica, a tevê, o rádio, e a grande imprensa pela persuasão dos

padrões do mundo global e com ele a diversidade cultural mais ampla, fragilizou o

ideário que dava sustentação ao mundo caboclo e que a partir de então, essa

população passa a se reajustar aos ideários e às necessidades capitalistas,

secundarizando, ou até abandonando a identidade cultural local, com a adoção de

atitudes de negação ou desconsideração da cultura local. Assimila-se um novo estilo

de vida, de organização, passando haver uma dicotomia entre o mundo dos mais

velhos e o mundo dos mais jovens. Os jovens passam a se identificar com o “novo”,

com os padrões dos grandes centros, deixando no passado a herança cabocla,

identificada como coisa de “velho”.

Neste processo de mudanças significativas se percebe novas formas de

adaptabilidade entre o mundo antigo e o mundo moderno e um deslocamento da

identidade ribeirinha, que se fragmenta diante de tantas situações impactantes,

sobretudo, porque a formação e afirmação do “eu” se dá a partir do olhar do outro.

As populações tradicionais passam a ser vistas sob o olhar preconceituoso de suas

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práticas e modo de vida. Vistos aos olhos da modernidade como uma cultura

“antiga”, “tradicional”, “inculta” e “rude”.

Em nível do saber, há o saber tradicional e o saber mais sistematizado e

todos os povos possuem dois tipos de conhecimento: um oficial, regular,

sistematizado, ensinado na escola, na igreja e o não oficial, o tradicional, anônimo,

independente do ensino sistematizado, trazido nas vozes das mães, nos cantos da

caça e da pesca, estando presente na memória coletiva, nas manifestações culturais

e repassado as gerações presentes pela oralidade, sobretudo no meio rural.

Neste espaço, em que o moderno tenta suplantar o tradicional, muitos traços

da cultura ribeirinha que se expressam com muita força, como as práticas e

atividades eminentemente tradicionais como a pesca, a agricultura de subsistência,

o extrativismo, as manifestações religiosas, como as festas dos santos padroeiros e

ladainhas e no campo místico lendas e histórias que justificam a mentalidade

cabocla.

O tradicionalismo se faz presente ainda que sem brilho, quase “apagado”

pelos impactos das mudanças. O modo tradicional emerge em muitas situações,

como o jeito de falar e valores que marcam a convivência social. Em conversas com

um jovem dessa comunidade ele afirmou:

Tiro da floresta, dos manguezais a minha sobrevivência. Conheço o mato, conheço muitas plantas medicinais, aprendi com minha avó, mas sou letrado, tenho o magistério. Mas quando eu estou no mato com o povo de lá, falo que nem eles. Se falar diferente eles não vão entender, lá sou que nem eles.

Esse jovem se vê diferente do povo que vive próximo da mata, do

extrativismo. No entanto, sobrevive dessa atividade tradicional, na relação com os

“outros” termina se tornando um deles.

Na verdade apresenta uma identidade híbrida. Concilia o “velho e o “novo”.

Embora “não são e nunca serão unificadas no velho sentido, são produtos de várias

histórias e culturas interconectadas pertencem a uma, e ao mesmo tempo, a várias

“casas”, (HALL, 1997, p.89).

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95

Num contexto de mudanças, as identidades se tornam “móveis”, na medida

em que se localizam, segundo as exigências de cada contexto situacional. São

identidades “posicionais” que se constroem num “contexto relacional”.

Alguns segmentos da comunidade de Colares se posicionam de forma bem

definida em relação à manutenção do tradicionalismo ou em defesa de uma

modernização e maior dinamismo para a cidade. Um “fato” ou um possível fato, a

construção da Ponte que ligará Colares a Penhalonga, substituindo a morosa

travessia de balsa, tem arregimentado forças, posições contrárias e favoráveis.

O senhor Antônio, 68 anos, “filho de Colares” diz ser contrário a construção

da ponte. “A ponte vai trazer tudo o que não presta para a cidade e acabar com a

nossa paz”. Transparece nessa posição a necessidade da manutenção da vida

pacata tradicional e o “mundo’ que ainda é deles. Sua oposição reflete o desejo de

retardar as possíveis mudanças trazidas pelo fácil acesso à ilha de Colares. Seu

Antônio se insere no grupo que vive no presente, mas se atrelando ao estilo da vida

do passado. Nesse sentido, a tradição continuou a ser apoiada enquanto puderem

ser justificadas, como referencial de uma identidade particular, (GIDDENS, 2000, p.

55).

O senhor Saraiva, comerciante local, assim como parte da sua família, se

posiciona a favor da construção da ponte. Segundo ele “a ponte vai trazer um

grande desenvolvimento. Colares vai progredir, mas muita gente é contra, acham

que a ponte vai trazer muita gente que não presta. Mas sem a ponte já existe muito

aqui”.

O Senhor Saraiva, embora “filho de Colares” demonstra a sua desvinculação

ou desatrelamento ao estilo de vida local. A ponte se reveste de outro sentido ou

significação. Para esse comerciante, a ponte vai facilitar a chegada de mais pessoas

e maior dinamização do comércio. Defende uma articulação maior de Colares, com

espaços mais dinâmicos, o que demonstra o desejo a uma vinculação de valores

diferenciados dos padrões daquela comunidade.

A professora Tereza apresenta outra perspectiva para o município com a

construção da ponte. Para ela “a ponte só vai ser importante se viver junto com um

projeto de ecoturismo para o município e que venha gerar emprego para a região”.

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Embora, aposentada, a professora Tereza é muito envolvida nas atividades

de educação, da igreja e de atividades culturais. Emite uma posição que passa pela

mudança, mas sob a ótica da organização política e econômica. Percebe a chegada

da ponte como um empreendimento para a cidade que venha beneficiar a população

do município. A professora sob o olhar da modernidade defende um

desenvolvimento local que venha garantir a sustentabilidade dessa comunidade

tradicional.

3.3.1 A identidade Ribeirinha: Algumas Perspectivas

A expansão da economia "capitalista vem alcançando as mais remotas

regiões do planeta, transformando-as em verdadeiras "aldeias globais" mesmo em

áreas que não são afetadas diretamente as ondas modernizantes chegam e alteram

as economias de subsistência, é um processo que comprime e submete a cultura

local aos ideários da mundialização, que amplia as desigualdades entre "centro" e

"periferia" reforçando de um lado, um mundo de "prosperidade" e de "vencedores" e

do outro, um mundo de "miséria" e de "perdedores".

Entretanto, a tendência que aponta para certa "homogeneização global" que

altera a vida local, traz também para o centro dessa globalização, o ressurgimento

de culturais tradicionais, pois a inserção desigual nesse cenário faz emergir

resistências e conflitos que se contrapõem a essa tendência. Fazendo ressurgir a

valorização do "étnico-cultural" como elemento diferenciador nessa inserção global.

Em Colares a vinculação ao rio, a mata e a roça desde os tempos coloniais

vem se constituindo em elemento precípuo na história de vida dessa comunidade

tradicional. No entanto, nas últimas décadas a reestruturação sócio-econômica da

Amazônia trouxe repercussões para a Zona do Salgado. Vem promovendo

mudanças e suprimindo as condições objetivas, onde se efetivam as atividades

tradicionais como: a concorrência da pesca industrial que ameaça a sobrevivência

da pesca artesanal; a expansão da ocupação do município, através de loteamentos

urbanos e a implantação de pequenas e médias propriedades com repercussões

diretas no meio ambiente, com a devastação de áreas verdes tão necessárias às

atividades extrativistas.

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A agricultura familiar caracterizada pela pequena roça com baixa

produtividade e rentabilidade volta-se prioritariamente para a produção da farinha de

mandioca, complemento básico da alimentação da população local. Diante da frágil

consistência das atividades tradicionais, a prefeitura local no biênio 2005/2007

implementou projetos em parceria com diversos órgãos públicos, com o objetivo de

dinamizar a agricultura, com a introdução da mecanização e uma produção

consorciada. Nos roçados de mandioca foi se introduzindo o plantio de melancia,

feijão, mudas ornamentais para reflorestamento, plantação de açaí, cupuaçu,

banana e pupunha para a extração de palmito. Outro projeto implantado que já vem

dando resultado é o projeto de apicultura em quatro localidades rurais. São projetos

em parceria com os governos estadual e federal.

Na área da pesca, o projeto de produção de filé de peixe em fase inicial de

implantação visa valorizar a pesca e a comercialização do pescado. São projetos

que colocam os grupos envolvidos diante de novos conhecimentos e práticas e que

segundo o prefeito da cidade de Colares vai mudar a mentalidade cultural do

município.

Em nível cultural, a Secretaria de Cultura vem incentivando grupos e pessoas

que detêm o conhecimento de danças folclóricas e tradições do município para

revitalizá-las, a fim de que não se torne esquecidas. Observando-se o ressurgimento

de grupos de carimbó e quadrilhas juninas.

Essas ações, embora iniciais, esboçam uma espécie de valorização das

coisas e das potencialidades do lugar. Traduz-se por um "certo" resgate do passado,

da tradição, ainda que sob a perspectiva inovadora, modernizadora que atuará

diretamente no processo de transformação da identidade local, pois provocará um

processo de reordenação tanto sócio-econômica quanto cultural, na medida em que

esta comunidade começa a se abrir a "novidades", a inovação social e a

modernização de suas práticas, tornando-a mais flexível aos fenômenos de "fusão"

cultural ao reunir aspectos da cultura tradicional e aspectos da cultura moderna.

Observa-se neste contexto atual um processo de "reencontro de identidades”

diante de tantas mudanças postas ao município e a sua população tradicional e que,

por conseguinte gerará novos processos identitários. Transparece que a

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permanência do tradicionalismo como se fosse uma "casca" que permanece, mas o

seu interior se reveste das mudanças impressas ao longo do tempo. A presença do

antigo se inserindo e se adaptando ao "novo" num processo dialético entre

"identidade" e "alteridade".

No contexto relacional entre o tradicional e o moderno, refletirá a relação de

força e poderá atribuir maior legitimidade a "auto-identidade" ou a "hetero-

identidade, pois é o poder de "afirmação "que determinará maior poder, maior força

na imposição e definição de "si mesmo".

Na cidade de Colares, em meio a tantas circunstâncias que imprimem

mudanças, observam-se sinais visíveis de alterações da vida pacata e tradicional.

Torna-se necessário um acompanhamento dos efeitos ou dos impactos desse

processo de "reinvenção do tradicional" em um contexto completamente "novo"

distanciado das condições do passado e um questionar sobre os interesses que

estão por trás desse processo e para quem se dirige. A população eminentemente

tradicional ou a "outros grupos interessados em se engajar nesse novo processo,

são questões essenciais para uma compreensão do sentido e do significado de que

vem se instaurando junto à população desse município.

Embora não exista uma identidade cultural "em si mesma", "estável" e

"definida, pois o reconhecimento de pertencimento só se constrói na relação com o

"outro", na cidade de Colares há o estabelecimento de uma nítida diferenciação

entre o "colarense" e os "outros" que chegam e se estabelecem nesse território. Há,

no entanto, uma realidade social contraditória, se de um lado existe o

reconhecimento social que se destaca e que ainda dá sustentabilidade e referência

a essa comunidade, que é ser "pescador”, "agricultor ou dono de roça" e extrativista,

por outro lado, a exposição dessa comunidade a contatos freqüentes com outras

áreas mais dinâmicas, com levas de visitantes que chegam ao município nas últimas

décadas e, sobretudo, diante do poder de persuasão da mídia eletrônica que tem

colocado essa localidade frente aos padrões de vida do mundo moderno, global, e

assim frente à diversidade cultural que, de certa forma, vem fragilizando o ideário

que dá sustentação a vida tradicional.

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Outro aspecto que se insere no contexto tradicional / moderno é a dicotomia

entre o mundo dos mais "velhos" e o mundo dos mais "jovens". Os jovens passam a

se identificar com o "novo", com os padrões dos grandes centros. E nesse contexto

de modernização a herança cabocla vem sendo vista como coisa de "velho", do

"passado". Há uma adaptabilidade aos ideários e necessidades do capital que, ao

mesmo tempo, leva a secundarização ou abandono da cultura local. Esquecendo-se

que a cultura cabocla não revela somente a tradição, mas sendo resultante de uma

história socialmente construída por essa comunidade.

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CAPÍTULO IV - POLÍTICA SOCIAL: SEUS REFLEXOS NA MANEIRA DE VIVER

DE UMA COMUNIDADE TRADICIONAL

4.1 Política Social e o Poder Público

O Estado ao se concretizar na relação com a sociedade assume

conseqüentemente alianças com os diversos segmentos sociais que expressam

naturezas e interesses conflitantes.

A adoção de políticas públicas está relacionada diretamente ao espaço de luta

pela hegemonia do Estado, num contexto onde se dá um processo de dominação e

busca de consenso, um espaço contraditório funcionando como mecanismo de

consenso e relacionamento junto à população dos programas e ações do Estado,

assim como forma de regulação de conflitos advindos da relação capital-trabalho e

demais confrontos sociais.

O Estado busca através de suas políticas sociais sua legitimação frente aos

movimentos e pressões sociais, ao mesmo tempo em que reforça seu domínio e

poder como unidade de força e hegemonia.

Nos países centrais, a sociedade é organizada e estruturada como mecanismo

de pressão que reconhecido ao longo do processo histórico tornam-se fundamentais

para a defesa de seus interesses e torna a sociedade menos vulnerável às

intempéries da economia capitalista, embora seja marcada por contradições e lutas

de classes.

Tem-se observado que nos momentos de crise, o Estado assume liderança

frente aos interesses econômicos, como elemento fundamental para a reprodução

do capital e a manutenção das contradições inerentes a esse processo.

As políticas sociais adotadas pelo Estado capitalista tendem a representar

tanto as demandas de acumulação, a manutenção dos setores hegemônicos, quanto

ao atendimento das demandas sociais dos setores populares da sociedade dado a

realidade antagônica entre capital-trabalho e que determinam pelas lutas, sobretudo

trabalhistas.

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O contexto social é assim marcado por um “campo por excelência dessa luta

de articulação / desarticulação, de discussão e prática, como a busca de

participação de igualdade, de justiça e de direito”, (VASCONCELOS, 1998, p.13).

No âmbito dos países periféricos, as políticas sociais mesmo assumindo

formas diferenciadas procuram seguir o modelo adotado nos países centrais,

sobretudo no que diz respeito às políticas do bem-estar, mesmo sem que

dispusesse de uma estrutura adequada, um aparato fiscal para tal proposição. Uma

prática que vem impedindo que sejam elaboradas propostas regionais e locais.

Diante de um quadro de desigualdade social e econômica aguda, as políticas

sociais ao se esbarrar numa estrutura fiscal deficiente tendem a ser focalizada e

descontínua, a que vem reforçando a irresponsabilidade do Estado frente à questão

Social.

No entanto, os países periféricos pela sua dependência econômica têm

assumido o papel de destaque na modernização econômica e na hegemonia política

revestindo-se de um papel de interventor “aos primeiros sinais de emergência da

chamada questão social. O Estado é chamado a intervir antecipando as políticas

sociais e impedindo que essas sejam resultantes de um processo de mobilização e

participação da sociedade. Dessa forma assume o papel de mediador de conflito

principalmente aqueles que venham colocar em risco a dominação burguesa. A

cidadania, nesse contexto de antecipação, não é assegurada enquanto direito

econômico, político e social.

4.2 Brasil: Assistencialismo e Proteção Social.

No Brasil, a questão da assistência está inserida nas políticas públicas. Assim

o caráter assistencial se revela como marca das políticas sociais enquanto área de

investimento do Estado.

As políticas sociais brasileiras revelam-se a partir das relações estabelecidas

pelo Estado, sociedade e a economia e, sobretudo, pelo contexto de desigualdade

social e dos processos de pauperização da população fazem emergir estratégias

oficiais para dar respostas às necessidades da população. E sob outro enfoque, as

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102

políticas sociais se caracterizam como meios que oportunizam o acesso dos setores

populares para o enfrentamento da miséria.

A política social passa a ser inserida nas Constituições Federais nos anos de

1920 e se tornaram mais expressas no governo de Vargas. São políticas que se

inserem no processo da reprodução da força de trabalho, da acumulação e no

âmbito dos direitos sociais. É a partir de 1930, no governo Getulista, a questão

social é reconhecida e assumida pelo Estado mediante a implantação de políticas

públicas.

No período de l930 a 1960, dentro de um contexto populista e nacionalista, o

Estado passa a adotar medidas protecionistas em relação à economia e a questão

social. São medidas visando à reestruturação econômica via desenvolvimento

industrial e medidas sociais pela concessão de direitos, sobretudo dentro da política

trabalhista. Nessa década (1960) o governo brasileiro organiza um arcabouço

institucional para a execução de políticas sociais, na verdade, as políticas sociais

apresentam-se fragmentárias, setoriais e apresentam como finalidades a legitimação

dos governos do que atender as reivindicações da sociedade, num sentido de

estabelecer e consolidar as bases sociais de quem estar no poder.

No período da ditadura militar (1964 – 1982), adota-se o modelo de uma

política de controle do que de garantias de direitos. É o momento em que a nação

está sob o poder burguês-militar, cuja finalidade é modernizar o país e implantar o

capitalismo avançado. O Estado adota políticas assistenciais, industriais

tecnocráticas e militares voltadas para o atendimento de setores considerados

influentes e estratégicos.

A partir de 1988, o momento político é marcado pela abertura política e pela

crescente participação social e política da sociedade em prol da garantia de direitos

sob a responsabilidade do Estado.

A constituição de 1988 surge como instrumento legal de ampliação e

legitimação de direito social, político e trabalhista entre outros. Embora as políticas

públicas beneficiassem apenas alguns seguimentos.

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103

Após esse momento de mobilização da sociedade, no plano político inicia-se o

desmonte do Estado e o corte de verbas aos programas sociais. Minimiza-se a

responsabilidade do Estado, descentralizando suas ações, ao transferir

responsabilidades públicas para setores privados, através dos órgãos da sociedade

civil que passam a executar programas e serviços sociais.

A ampliação dos direitos passa a ser atacado pela classe dirigente e

conseqüentemente suprimidos vias reformas constitucionais e medidas provisórias

do governo e direitos conquistados há décadas pelos movimentos sociais.

A década de 1990 é marcada pela atual crise econômica e a incorporação da

chamada política neoliberal nos países periféricos, ao se deparar com a inserção da

economia nacional ao mercado mundializado sujeitando a economia brasileira aos

interesses desse mercado, o que tem provocado desestruturação econômica pela

redução das exportações, a instalação de níveis nunca vistos de desemprego, a

redução da ação do Estado nas questões econômicas e sociais, ao mesmo tempo

em que se privilegiam os grandes grupos que lideram a economia nacional e

internacional.

No plano social, a garantia dos “mínimos sociais” a setores específicos, a

garantia dos direitos aos diferentes, aos vulnerabilizados representados pelos novos

atores sociais, o que deixa claro a supressão da universalização dos direitos sociais.

4.3 As Políticas Sociais sob os ditames Neoliberais.

O ideário neoliberal traz um novo / velho olhar sobre o Estado, a sociedade, a

economia e a questões relativas à ordem social, mercado, justiça e direitos sociais,

ao reportar-se aos princípios do liberalismo, caracterizando-se como volta ao

conservadorismo, ao quebrar com a função do Estado com a redução dos gastos

públicos com programas e projetos sociais, ao mesmo tempo em que determina a

liberação de qualquer regulação por parte do Estado, da economia e do mercado. A

atuação do Estado na ordem social será em casos em que esta ordem esteja

ameaçada. Entendendo-se a ordem social como resultante do equilíbrio do mercado

econômico.

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Sua meta principal é a preservação da sociedade capitalista, o que tem

secundarizado aos interesses das camadas populares. A própria concepção de

“Estado mínimo” se organiza segundo a lógica do mercado, que passa a permear

todas as relações sociais numa nova realidade em que as políticas sociais passam a

ser determinadas pelos interesses estratégicos do mercado, na qual, as políticas

sociais estão dentro dessas orientações e dos ajustes econômicos do Fundo

Monetário Internacional (FMI) ou do Banco Mundial que impõem as regras na

condução econômica e social dos países credores.

Nesse sentido, os direitos sociais e justiça social são percebidos dentro da

visão de que o acesso a bens produzidos pela sociedade é determinado pela

habilitação e sorte individual. O Bem-estar nesse contexto individualista está

diretamente relacionado pelas possibilidades de cada individuo tem de adquirir bens

pelo seu próprio esforço.

As ações do Estado em relação à efetivação de políticas sociais em busca do

equilíbrio e da justiça social são arbitrárias e sem precisão de planejamento ficando

sujeito ao poder de pressão dos diferentes grupos sociais.

Segundo Bianchetti (1997), para os neoliberais as “políticas sociais do Estado

vêm aumentando seus gastos e como conseqüências produzem um aumento da

pressão fiscal sobre os setores possuidor de capital (e) que não são beneficiados

diretamente com essas políticas”. Logo de nenhum interesse da classe majoritária

política e economicamente.

Entretanto, se de um lado o cenário das políticas seguem as restrições

neoliberais, por outro, a participação de segmentos da sociedade civil que

organizadamente vem exercendo papel fundamental na formulação, gestão e

controle social dessas políticas neste momento de reorganização econômica e a

adequação da sociedade.

A participação da sociedade através de organizações sociais nos diferentes

âmbitos e setores engajadas na construção da democracia e na defesa e ampliação

de direitos sociais.

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105

Entre essas organizações destacam-se os conselhos de gestão setorial das

políticas sociais, considerados inovadores rumo à democratização da sociedade por

sua composição paritária entre os representantes da sociedade civil e do governo

que assumem o caráter deliberativo e de controle social ao inserir a sociedade civil

na gestão pública. Embora a conjuntura atual venha sofrendo as incursões da

reforma neoliberal, que passa a delegar os esforços de representação coletiva,

como os conselhos e conseqüentemente o controle do estado pela ação de grupos

organizados por setores majoritários passam a pressionar e controlar as decisões

políticas em direção a seus próprios interesses.

Embora essa contracorrente seja uma nova prática não reduz ou anula a

importância dos conselhos e suas funções mediadoras entre o Estado e a

sociedade. Uma vez que garante a participação e os interesses populares através

das discussões, questionamentos e diálogos que se estabelecem na esfera estatal,

que na realidade promovem a publicização da “coisa pública”.

Na adequação do estado e sociedade frente à nova ordem, outra prática se

instala no país e que a partir da constituição de 1988 passa a ser institucionalizada,

é o processo de democratização via descentralização das políticas sociais e que

mesmo significando processos distintos vem sendo implantadas nas diversas

esferas do governo. É freqüentemente relacionada à descentralização, a

transferência de responsabilidade e recursos da área federal, a municipalização em

relação à implantação e gestão de políticas mediante programas e serviços sociais.

Nesse contexto assume relevância a municipalização, enquanto processo de

descentralização, ajustes do sistema de proteção social, como estratégia que vem

possibilitando o alcance de maior eficiência e equidade dos serviços prestados.

Daí, a importância e o papel dos conselhos como controladores de direitos e de

execução de política na área da saúde, educação, criança, adolescência e

assistência enquanto espaço de representação dos interesses da sociedade e de

sobremaneira dos grupos subalternos. Como força de pressão diante do Estado,

sociedade e do avanço das imposições neoliberais como verdade suprema e

irrefutável que vem suprimindo direitos, conquistas e naturalizando a miséria, a

exclusão social e a violência.

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106

Nas últimas décadas, o programa de transferência de renda constitui-se marca

da política social. É retratado, sobretudo, pela assistência financeira ao trabalhador

como abono salarial, seguro-desemprego e os benefícios de prestação continuada.

Em 1991, o projeto de Lei N. 80/91 instituiu o programa de garantia de renda

mínima e os Estados e Municípios passaram a implantar programas de transferência

às famílias pobres.

Em 2001, o Programa Bolsa-Escola vinculada à Educação é considerado o

maior programa de transferência de renda no país.

O Seguro-desemprego, o Benefício de Prestações Continuadas - BPC e outras

transferências monetárias do Sistema Brasileiro de Proteção Social enquanto

benefícios de caráter assistencial eventual, pontual e emergencial destinam-se ao

atendimento de populações pobres em situação de vulnerabilização.

No início do século XXI, o programa de transferência de renda constitui-se

estratégia principal da política de assistência social, que tem como foco a inclusão, a

promoção da equidade dos usuários e grupos específicos ao proporcionar o acesso

a bens e serviços, mediante a implementação de programas, projetos e benefícios

de proteção social básica e especial.

No espaço rural, as políticas de desenvolvimento são as marcas da

diversificação de atividades agrícolas ou das práticas tradicionais. Como também

pela inserção de novas atividades produtivas.

Na cidade de Colares se observa entre os processos de mudanças a atuação

do poder público local, mediante a efetivação de políticas públicas econômicas e

sociais diretamente vinculadas ao processo de expansão capitalista e como

mecanismo de desenvolvimento local, um cenário no qual emergem problemas

sociais advindos da relação capital-trabalho e por sua magnitude traz para o poder

local demandas de toda ordem.

O caráter descentralizador e municipalizador das políticas públicas possibilitam

a autonomia da administração local ao conceber o espaço local como “lócus” onde

emergem problemas e soluções, constituindo-se espaço privilegiado à prestação de

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107

serviços básicos. Na cidade de Colares se indentificam os impactos dessas políticas

na maneira de ser e viver dessa comunidade tradicional.

4.3.1 Política educacional

A política educacional correspondente à atuação do Estado frente aos

problemas e dilemas presentes no campo educacional está no contexto das políticas

sociais que vem sendo implementadas pela esfera estatal.

É um processo que envolve sistematização, conceitos, posturas ideológicas e

metodológicas que se revelam a cada momento histórico, a cada realidade social.

As políticas educacionais passam a ser efetivadas, a partir do momento em

que o sistema educacional é organizado sob a responsabilidade do Estado, embora

a educação nem sempre seja formal ou sistematizada. A política educacional se

configura como tal, a partir de uma diretriz formal que direciona, imprime a

organização, a ideologia e os procedimentos metodológicos na construção do saber.

Na realidade, a formulação de uma política educacional e sua execução

pressupõe uma práxis social com intenções e proposições. Assim, não está

desvinculada das relações de poder e seu processo de reprodução, pois ao emergir

das contradições presentes na sociedade, representam respostas para conter ou

diminuir problemas sociais e assim resultam em ações políticas a cada momento,

diante de situações emergenciais.

Transparecem nessas políticas seu atrelamento a questão do desenvolvimento

ou a situação diretamente relacionada a esse processo, sejam voltadas para a

expansão econômica, sejam para a correção de distorções frente às novas

necessidades de mercado. Assim, as verdades, as metas, as finalidades se

adequam a um determinado momento e se desfazem diante de novas necessidades

ou situações que precisam ser enfrentadas, embora sempre atreladas à

dinamização da economia e assumindo ao mesmo tempo o papel mediador entre os

interesses econômicos e os interesses da sociedade.

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108

A educação brasileira, nas últimas décadas vem passando por profundas

mudanças diretamente relacionadas à reorganização da economia capitalista e os

ditames neoliberais.

Nesse campo de atuação do Estado as imperiosas orientações de organismos

internacionais como o Fundo Monetário Internacional - FMI e Banco Mundial que

passam a avaliar, redirecionar o sistema de ensino brasileiro e a propor projetos

reformadores. A educação passa a ser vista sob outro prisma, um novo olhar,

deixando de ser vista como direito, mas como campo de prestação de serviços e

que na ótica da nova ordem, transforma-se num bem que se tem acesso pela

aquisição e compra, onde a atuação do Estado se dá de forma assistencialista para

os segmentos sociais sem poder aquisitivo, reforçando o ideal privatista da

educação.

Se de um lado incorpora-se a dimensão do público não estatal para referendar

a importância pública dos empreendimentos privados e assim justificar a ampliação

da educação no setor privado, observa-se também o descaso com que o governo

promove o ensino público sem qualidade, reforçando o reconhecimento da eficácia

do setor privado; por outro lado, tem-se a obrigatoriedade do Estado na condução da

Política Educacional Brasileira, seja na esfera federal, estadual, municipal e em

regime de colaboração com setores do ensino privado. Nesse sentido, cabe ao

Estado assegurar a garantia da universalização do ensino, através da adoção do

princípio de descentralização como caminho para modernizar e tornar eficiente a

gestão educacional, ao transferir funções e ações do Estado para os segmentos

estaduais, municipais e o setor privado. Sendo esse principio de descentralização

concebida como processo democrático para o atendimento das prioridades

educacionais.

Segundo a visão atual, concebe-se uma educação que possibilita a

modernidade e o alcance de metas básicas em busca de qualidade de ensino,

acesso e permanência dos alunos. E, segundo o modelo de expansão capitalista, a

construção de um novo saber que capacite o aluno para o mundo do trabalho, para

as novas formas de organização e gerenciamento da produção e a incorporação de

uma nova racionalidade, novos conceitos, novas verdades, como por exemplo: o

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109

reforço à “empregabilidade” em substituição ao “pleno emprego”, trazida pelas novas

formas de produzir e trabalhar.

No Pará, a educação segue os caminhos e os descaminhos percorridos pela

educação nacional, salvaguardando-se algumas especificações da realidade

regional.

A realidade amazônica decorrente do contexto de ocupação e exploração

capitalista retrata uma história social e econômica marcada pela violenta

expropriação dos recursos naturais, constituindo-se uma realidade dinâmica e

contraditória em que emergem problemas sociais de toda ordem O crescimento

exagerado das cidades, o alto nível de desemprego, concentração urbana,

marginalização de grande parte da população, tensões sociais no campo e na

cidade e o descaso das populações ribeirinhas, uma realidade social que vem sendo

desfocada dos processos de construção do conhecimento.

Na cidade de Colares, a educação é efetivada sob a direção do governo

estadual e municipal trabalhando os níveis de ensino do Infantil ao Ensino Médio. Na

sede do município há uma escola de Ensino Infantil, uma de nível Fundamental e

outra que conjuga os níveis de ensino Fundamental e Médio, local onde foram feitas

as coletas de dados relativas à área educacional.

Segundo informações obtidas junto à escola de ensino Fundamental e Médio

“Norma Guilhon”, esta, apesar de voltar-se para a construção de conhecimentos

mais amplos, ainda prioriza no processo da construção do conhecimento a realidade

local. Segundo opinião do professor entrevistado, “a educação e a escola têm o

papel fundamental para resgatar, valorizar os aspectos tradicionais da cultura e da

história local.” Para esse educador a realidade local deve constituir-se ponto de

partida para a efetivação do Projeto Político Pedagógico da escola. Entretanto, são

visíveis as mudanças que vêm se operando nas últimas décadas no município,

alterando a forma de vida tradicional, sobretudo, pelos meios de comunicação que

imprimem a ideologia da modernidade com grande interferência no âmbito do

trabalho junto à população jovem.

A escola vem atuando diante do tradicionalismo como agente de resgate da

memória histórica com projetos pedagógicos que enfatizam o processo de

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110

colonização do município e sua história tradicional, como também mediante

atividades culturais por intermédio das artes e desportos, pelas danças folclóricas,

histórias e lendas do município de forma esporádica e focalizada se rememoram o

tradicionalismo de Colares.

Assim, a escola se vê diante de uma prática pedagógica que dá conta de um

saber mais totalizante, com informações atualizadas sobre o avanço das inovações

tecnológicas, o avanço e a interferência da globalização, porém, se reportando a sua

realidade específica, seu contexto social próprio. Rememorando lendas, costumes e

tradições, como herança do tradicionalismo.

Segundo a coordenadora pedagógica desta unidade escolar, a educação e o

trabalho da escola são imprescindíveis na sociedade (no sentido) de tratar as

permanências das tradições culturais de seu povo, para que o mesmo mantenha

sempre viva as suas raízes de forma a não perder sua identidade cultural. Ao

mesmo tempo em que identifica como papel da educação, o acompanhamento das

mudanças sociais, no sentido de repassar informações sobre as transformações

sócio-econômicas por que passa a sociedade e o mundo, inserindo-se dessa forma

nesse contexto, também de transitoriedade, com o pé no tradicionalismo e o olhar

focado na modernidade por que passa o mundo globalizado.

Segundo as informações dos educadores, a criança e o jovem da ilha de

Colares não são diferentes de outros centros urbanos. Absorvem a moda, os

costumes e os hábitos que são repassados pelos meios de comunicação, pela

mídia, pela própria escola, assim como continua recebendo influência do seu meio

social. Os jovens se vêem muitas vezes desorientados, indecisos em se posicionar

quanto a um projeto de vida futura. Vivenciam um período de vida em que ficam a

mercê de rotulações e até estigmas pelo fato de se posicionarem, ora segundo a

interferência da cultura global, da sociedade plural, ora se deixam levar pelas

imposições dos familiares, adequando-se às práticas, costumes e hábitos locais e

dessa forma, identificam-se como “perdidos” diante de tantas exigências das

permanências e mudanças sociais presentes no meio social em que vivem.

Embora seja apontada como prioritário o resgate do tradicionalismo pela

escola, essa prática se dá de forma esporádica e focalizada, em momentos isolados

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111

no decorrer do ano letivo, em geral, através de atividades de culminância, nas festas

juninas, no folclore e atividades eventuais. O que não vem garantindo a tão

mencionada rememorização do tradicionalismo. Na verdade são momentos que traz

do passado muitas práticas que vem sendo esquecidas ou que estão fora do

contexto da população mais jovem

4.3.2. Política de Assistência Social

No âmbito das políticas sociais, a assistência, a partir dos anos 1980 / 1990

constituiu-se uma política de proteção social se revestindo de garantias a todas que

dela necessitam sem contribuição prévia a provisão dessa proteção.

A Constituição de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS de 1993

propõem para esse campo de atuação do Estado a inclusão dos “invisíveis”, dos

“diferentes”, no sentido de embater com as situações de disparidades e de

desigualdades, que vem ocasionando condições de vulnerabilidades sociais.

Uma política que traz no seu bojo uma visão social mais ampla sobre as

circunstâncias sociais que geram ou estabelecem as diferenças sociais, enquanto

delimitadores tanto para a proteção, quanto para a busca de autonomia. Uma visão

que passa pelo atendimento das necessidades, como também oferece

possibilidades a serem desenvolvidas, tendo em vista a superação de situações de

vulnerabilidades.

A Assistência Social, enquanto política de proteção social é voltada para o

atendimento e fortalecimento da família. A política Nacional de Assistência Social

apresenta a dimensão sócio-territorial, em que o indivíduo e as famílias recebem

proteção social no próprio município em que vivem. Assim é uma política que se

referencia no próprio cotidiano das populações atendidas, pois no âmbito local, são

considerados sujeitos de direitos dessa política: as populações em situação de rua,

adolescente em situação de risco social ou em conflitos com a justiça, indígenas,

quilombolas, pessoas idosas, pessoas com deficiência e todas aquelas pessoas que

dela necessitem, independente de seu poder aquisitivo ou condição social. O

grande embate dessa política é o enfrentamento de situações de riscos e de

vulnerabilidade social.

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112

A Assistência Social, segundo a LOAS é direito do cidadão e dever do Estado.

É uma política de seguridade social não contributiva que prevê os mínimos sociais.

Insere-se no campo de direitos, da universalização dos acessos e da

responsabilidade estatal. Compondo o sistema de bem-estar social, transitando pela

seguridade social, juntamente com a Saúde e a Previdência Social, ao voltar-se para

a garantia de direitos e de condições dignas de vida. Seu caráter de proteção se

configura diante das circunstâncias do desamparo à velhice, doenças, infortúnios e

privações. Seu objetivo volta-se para a garantia de segurança de sobrevivência, de

acolhida, de convívio e convivência familiar.

Suas Metas são estabelecidas segundo os princípios instituídos pela LOAS e

dizem respeito a:

a. Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de

rentabilidade econômica;

b. Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação

assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

c. Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a

benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e

comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

d. Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de

qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e

rurais;

e. Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos

assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos

critérios para sua concessão.

A organização e estruturação dessa política se pautaram nas diretrizes da

descentralização político-administrativa, cabendo a esfera federal a coordenação e a

implementação das normas gerais. A coordenação e execução de programas e

projetos são de responsabilidade das esferas estadual, municipal e entidades

beneficentes e de assistência social. O controle das ações ocorre pela atuação da

população através de organizações representativas. A condução da política de

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113

Assistência é de responsabilidade do Estado em cada esfera de governo e centraliza

seus benefícios, serviços, programas e projetos no fortalecimento da família.

Para o maior impacto das ações propostas, a política de Assistência Social é

efetivada de forma integrada às políticas setoriais tendo em vista o enfrentamento, a

garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender

contingências sociais e a universalização dos direitos sociais.

No município de Colares, a política de Assistência Social se volta para a

prestação de serviços e benefícios sociais. Entre eles a concessão do Benefício de

Prestações Continuadas (BPC), Bolsa Família, Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI) e benefícios eventuais.

Entre esses serviços, o BPC atende em torno de 33 beneficiários e a Bolsa

Família em torno de 1.174 famílias em condições de pobreza e vulnerabilidade

social. O PETI atende em torno de 714 crianças e adolescentes, sendo 113 na área

urbana e 601 na zona rural deste município.

São benefícios que alteram, de alguma forma, a vida dos beneficiários, o BPC

pelo valor econômico, ao oferecer as garantias mínimas de subsistência dos

usuários e suas famílias. A Bolsa família embora repasse uma renda menor, garante

um acesso mais ampliado de famílias, ao mesmo tempo em que permite a inserção

dessas famílias em oficinas de capacitação para a geração de trabalho e renda.

Nesse aspecto, a Bolsa Família é o programa que gera maior impacto, pois apesar

do valor do benefício ser menor, reúne um número maior de beneficiários, ao colocar

os membros das famílias diante de possibilidades de emprego e renda. São

possibilidades que nem sempre estão relacionadas às práticas tradicionais do

município como a pesca e a pequena agricultura.

Nesse aspecto são oferecidas oficinas de artesanato, confecção de flores, de

papel reciclado, além de palestras sócio-educativas para o fortalecimento familiar.

Em relação aos jovens, através do PETI são realizadas oficinas e palestras

sobre sexualidade, meio ambiente, higiene corporal e outras temáticas que levam a

prevenção e a promoção de uma vida saudável da juventude.

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114

Com relação aos idosos, vem se realizando ações em conjunto com a

Secretaria de Cultura Esporte e Lazer. São ações de interação dos idosos com

diversas modalidades de jogos: dama, salão, natação, vôlei, no sentido de valorizar

o idoso e permitir maior participação nos eventos programados. São ações que

possibilitam mudanças de hábitos e posturas referentes ao espaço em que vivem à

prevenção e à promoção da saúde, à qualificação de mão-de-obra como alternativa

de trabalho e renda. São ações que se centralizam no aproveitamento das

potencialidades do lugar e não estão diretamente relacionadas às atividades

tradicionais do município. Uma das ações que chama atenção é a produção de

bijuterias, dado a grande quantidade de recursos naturais como folhagens e

sementes que servem de matéria prima para a confecção de brincos, pulseiras e

outros adereços

Outro fator de promoção de geração de trabalho e renda é o envolvimento de

jovens e adultos na confecção de cestaria

Embora se reconheça a permanência das atividades tradicionais da pesca e da

agricultura, os serviços sócio-assistenciais se voltam para a valorização de novos

saberes que passam a ser incorporados pelos usuários dos serviços, programas e

projetos assistenciais, ampliando-se no município possibilidades de novas frentes de

trabalho totalmente desfocadas das práticas tradicionais e assim, certo

desatrelamento ou mesmo a não valorização das atividades tradicionais enquanto

meio de trabalho e renda.

4.3.3 Política da Saúde

A partir da década de 1930, as alterações ocorridas na sociedade brasileira,

em decorrência do processo de industrialização redefine o papel do Estado frente à

questão social. A conjuntura econômica e política desse período fez emergir as

políticas sociais em respostas às demandas da sociedade.

Esse campo de atuação necessitava de uma ação modernizadora do Estado

que viesse contemplar os assalariados urbanos, considerados sujeitos importantes

no cenário político nacional, uma vez que o processo industrial contribuiu para a

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115

urbanização e ampliação da classe operária em condições precárias de higiene,

saúde e habitação.

A política de saúde se caracterizou pelo caráter nacional e se subdividia em

Saúde Pública e Medicina Previdenciária. A Saúde Pública foi predominante e se

voltava para a criação de condições sanitárias mínimas para as populações urbanas

que enfatizava a realização de campanhas sanitárias para o combate da uma série

de epidemias presentes nas áreas urbanas e rurais. A Medicina Previdenciária se

efetivou com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, os IAPS. Além

da questão previdenciária como garantia de uma assistência médico-hospitalar a um

maior número de assalariados urbanos.

No período de 1930 / 1945, reduz-se a abrangência dos atendimentos da

Medicina Previdenciária pela redução dos gastos, ao mesmo tempo em que

aumentava a massa de assegurados. Adotava-se nesse período uma orientação

contencionalista.

No período de 1945 / 1950 consolida-se a Política Nacional de Saúde com a

criação do Serviço Especial de Saúde Pública – SESP. Nas décadas seguintes,

observam-se gastos favoráveis com a saúde pública. Embora não se tenha

conseguido eliminar o quadro das doenças infecciosas, parasitárias e os altos índice

de mortalidade.

Em nível particular, o atendimento hospitalar por empresas já se fazia presente,

embora os atendimentos assistenciais: médico e previdenciários eram feitos

prioritariamente pelos IAPS. Os serviços terceirizados eram minoritários e de pouca

expressão.

No período pós 1964, o Estado utilizou na área da saúde o binômio: repressão-

assistência. Sendo a “política assistencial ampliada, burocratizada e modernizada

pela máquina estatal com a finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a

sociedade, suavizar as tensões sociais e conseguir legitimidade para o regime”,

(BRAVO, 1991, p. 107).

Em 1966, um fato novo se dá no âmbito da saúde, a unificação previdenciária,

cujas marcas eram o papel interventivo do estado e o alijamento dos trabalhadores

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116

no processo de gestão. A tendência desse período é o privilegio do setor privado e a

medicalização da vida social, tanto na Saúde Pública quanto na Previdenciária. O

setor saúde se moderniza com a adoção de novas tecnologias, acompanhando os

avanços capitalistas. É o momento em que a quase totalidade da população urbana

tem acesso aos sistemas de saúde.

Os anos de 1980 serão marcantes para a Política Nacional de Saúde. Abre-se

uma discussão sobre saúde e possibilita-se a participação de novos sujeitos em

relação ao debate, referente às condições de vida e saúde da população brasileira

Um processo participativo que avança do âmbito técnico e ganha a dimensão

política. O foco das discussões transita pela melhoria da situação da saúde e o

fortalecimento do setor público.

Enfatiza-se nesse momento a universalização do acesso à saúde e a

concepção de Saúde como direito social e dever do Estado. Reestrutura-se o setor

com a implantação do Sistema Unificado de Saúde- SUS, visando uma reordenação

setorial via descentralização e processo de discussão e reorientação de

competências nas esferas federal, estadual e municipal, além da implementação de

um efetivo processo de democratização e participação do poder local através dos

Conselhos de Saúde.

A VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986 foi o marco articulador para os

novos rumos da saúde no país. As discussões foram sendo ampliadas com a

participação das entidades representativas da população e a questão da saúde

passou a ser uma questão da sociedade como um todo, alcançando-se assim a

politização da saúde no país.

A grande conseqüência da adoção do Sistema Único de Saúde (SUS) foi o

estabelecimento da saúde enquanto direito do cidadão e dever do Estado. O que

acabou com a discriminação da condição de ser segurado / não-segurado, o

atendimento rural/urbano.

A criação do Sistema único de Saúde passou a integrar todos os serviços

prestados em uma só rede de atendimento, mediante regularização e

descentralização dos atendimentos à comunidade. Adotando-se como

complementar o setor privado. Mudou-se então o arcabouço e as práticas

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institucionalizadas na área da saúde ao se fortalecer o setor público, o atendimento

universalizado e a descentralização política na gestão desse sistema.

Nos anos 1990, assiste-se o redirecionamento do papel do Estado, em que os

avanços propostos e direcionamentos do sistema único passam a ser confrontados

pelo interesse do grande capital. São direcionamentos adotados a partir da Reforma

Constitucional expressos na Previdência Social e nas regras que regulamentam a

relação de trabalho e a efetivação das políticas públicas.

Pela Reforma Constitucional, desviam-se as funções do Estado provedor de

bens, serviços e benefícios sócio-assistenciais e amplia-se a presença do setor

privado de saúde. O Estado deixa de ser responsável direto pelo desenvolvimento

econômico e social, passando a ser promotor e regulador, transferindo-se, assim,

para o setor privado ações e atividades que antes eram de sua alçada

Mediante as alterações verificadas ao longo dos anos 1980, a política de

Saúde vai sendo descentralizada e o conceito de saúde passa a ser vinculada ao

mercado no momento em que são enfatizadas as parcerias com entidades privadas

e com a sociedade civil. Verifica-se um desrespeito com o princípio de equidade na

alocação de recursos na esfera federal, estadual e municipal. Essa não equidade

afetando por sua vez o princípio de integralidade na prestação de serviços, ao se

priorizar a assistência médico-hospitalar em detrimento aos aspectos da promoção e

proteção à saúde, tornando visível o atrelamento atual da política de ajustes que

aponta a tendência, a contenção de gastos e desresponsabilização do poder central.

Nesse momento, a “tarefa do Estado, nesse projeto, consiste em garantir o mínimo

aos que não podem pagar, ficando para o setor privado o atendimento dos que têm

acesso ao mercado”. Caracterizando-se como focalizada e não universalista.

Nesse sentido, incentiva-se a privatização, a descentralização dos serviços

locais sem uma vinculação direta com as fontes de financiamento. Ampliando-se a

prestação de serviços privatizados à comunidade, descaracterizando a saúde

enquanto direito, ao reforçar a noção de aquisição de um bem, de um serviço

disponibilizado via mercado.

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No município de Colares a Política de Saúde é efetivada pelo Sistema Básico

de atendimento, mediante a prestação de clínica médica, atendimento às gestantes,

à criança e a prestação de serviços de imunização e ambulatorial.

Segundo a coordenadora da Unidade de Saúde, o serviço prestado por essa

Unidade atende às necessidades da população local, mas por se constituir uma ilha,

o município deveria funcionar com outros tipos de serviços, como por exemplo: a

existência de um hospital, no sentido de garantir um atendimento pleno à população

que nas circunstâncias atuais, mediante situações de emergências e urgências, se

deslocam para outras localidades da região ou até mesmo Belém, em busca de

serviços ou especialidades médicas.

Embora a unidade básica de saúde seja bastante procurada pela população da

zona urbana, quanto da zona rural do município, a população local ainda faz uso de

recursos naturais para a cura e promoção da saúde. Ainda é comum o uso de

folhagens, raízes sementes, oleaginosos para o preparo de remédios naturais,

caseiros e a atuação de parteiras, experientes, curandeiros e benzedeiras que

detêm o conhecimento de porções mágicas originadas de casca de pau, folhas e

raízes que curam enfermidades. Tais práticas representam um saber herdado da

sabedoria popular de uma “farmacopéia natural” extraídas das matas, margens dos

rios e quintais

São chás, sucos, garrafadas, vinhos e ungüentos utilizados para evitar filhos,

interromper gravidez, garantir fertilidade, apressar o parto, como o uso de plantas

nas rezas contra os aborrecimentos, quebrantos nas crianças. No município de

Colares há pessoas que têm conhecimento das propriedades medicinais das plantas

das florestas e que vem repassando esses saberes para as gerações mais jovens.

Na zona rural é mais freqüente a presença de parteiras, benzedeiras e

curandeiros e muitas pessoas acreditam que durante as benzeções e sessões de

curas e pajelanças (que são) aliviadas as fraquezas do espírito.

“Os experientes que em muitos casos também são parteiras, sempre receitam chás, banhos, defumações e garrafadas para curar o mal da carne, do corpo. Com massagens regulares na barriga da mulher grávida consertam a posição certa da criança para ficar no ventre materno”, (PINTO, 2004, p. 213).

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119

Assim, no município de Colares, o uso de recursos naturais pela população

local constitui-se uma prática antiga que remete a gerações anteriores. Uma prática

ainda presente, sobretudo, nos interiores; na zona rural. Um saber que vem sendo

desprestigiado dado à presença da prática científica da medicina. Quando muito,

são práticas que convivem lado a lado com as técnicas modernas. Segundo

informação de um professor: “Em casa está presente um saco de produtos naturais

e do outro um saco de remédios farmacológicos passado pelos médicos”.

Embora não seja negada a presença e a importância das práticas tradicionais

na preservação da saúde e da cura, a Unidade Básica de Saúde não estabelece

nenhum tipo de relação com tais práticas. Muitas das vezes, convive lado a lado a

prática científica e a prática natural. Sendo comum a chegada de pessoas na

Unidade já medicadas por remédios naturais. Nesse convívio “calado apenas se

respeita, mas não se reforça tais práticas naturalistas”, como afirma a diretora da

Unidade de Saúde.

Observa-se que há certa dicotomia entre as práticas científicas e as práticas

populares, uma vez que não é valorizado o saber popular dessa comunidade. Um

saber que vem se perdendo ao longo do tempo, e que algumas pessoas ainda são

referências desse saber tão antigo quanto à população de Colares.

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CAPÍTULO V: O SENTIDO E O SIGNIFICADO DAS PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS SOCIAIS EXPRESSAS PELA COMUNIDADE DE COLARES.

A realidade é construída socialmente e constitui-se fenômeno que se

reconhece como tal, pois são fenômenos reais, algo conhecido, sendo que é,

através do conhecimento que se percebe e se compreende essa realidade social.

A percepção de uma dada realidade pode ser vista de maneira diferenciada,

segundo os ângulos que são vistos ou se percebe essa realidade. O foco

direcionador deste estudo é fator determinante para o enquadramento do mundo em

que se está analisando.

É pelo conhecimento que se tem da realidade, do processo que ocorre da

transmissão, manutenção ou alterações de situações sociais inerentes a um

determinado contexto social.

A realidade da vida cotidiana é que dirige as condutas e as posturas em

relação à vida diária. A “vida cotidiana apresenta-se como uma realidade

interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles, na medida

em que forma um mundo coerente”, (BERGER, 2007, p.35).

Nessa compreensão, o mundo da vida cotidiana corresponde a uma conduta

certa pelos membros da comunidade, com poder de lhes imprimir sentidos e

significações para as suas vidas, estando presente no pensamento e nas ações dos

homens comuns, ao mesmo tempo em que se objetiva, se expressa de forma

subjetiva na vida da coletividade.

A realidade da vida diária se apresenta de forma ordenada e ao objetivar-se

demonstra ordem, significações que atribuem aos objetos ou fenômenos sociais. É

essa ordem que atribui sentido à vida social. Essa realidade dinâmica envolve-se

numa organização em que o tempo presente representa a percepção que temos

dessa realidade, embora focalize o aqui e o agora dessa realidade relacionada a

outros espaços e temporalidades.

É nesse tempo que os indivíduos se situam em relação ao que estão fazendo,

o que fez e o que poderia ser feito. Assim, apesar de real, esse mundo caracteriza-

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121

se como um mundo intersubjetivo pelas diferentes interações que se fazem presente

no processo de construção. Uma interação que se dá por meio da comunicação que

se estabelecem com os outros indivíduos. No sentido de estabelecer a

correspondência entre os significados num mundo onde se partilham ações,

condutas, comportamentos, atividades, valores, sentimentos e até contraposições, a

realidade apresenta-se como uma facticidade evidente por si mesma a partir de

práticas rotineiras que sem interrupção são apreendidas sem nenhum problema,

mantendo-se, enquanto práticas consideradas como certas e plausíveis para aquela

coletividade.

A estruturação da vida cotidiana é especialmente temporal. Essa dimensão é

fundamental para o desvelar da consciência.

Todo indivíduo tem consciência de fluxo interior do tempo que por sua vez se funda em ritmos fisiológicos do organismo, embora não se identifique com estes. O tempo pode ser compreendido como a intersecção entre o tempo cósmico e seu calendário socialmente estabelecido, baseado nas seqüências temporais da natureza por um lado e o tempo interior por outro lado, (BERGER, 2007, p. 44/45).

Os indivíduos estando face a face com os outros nesse processo de

construção dessa realidade, envolvem-se numa interação, um processo não só de

partilha de vivências, mas também a um passado não muito distante que vem se

estruturando de forma plenamente conectada com o tempo presente.

Segundo Berger (2007, p.74), nesse processo de construção, o caráter do eu

emerge como produto social (que) não se limita à configuração particular que o

indivíduo identifica como sendo ele mesmo, mas como um homem de maneira

particular em que esta identidade é definida e formada na cultura em questão, pelo

equipamento psicológico amplo que serve de complemento a essa particular

configuração. Assim, é preciso dizer que o organismo e, ainda mais, o eu não

podem ser devidamente compreendidos fora do contexto social em que foram

formados.

A ordem social é um produto humano e se estrutura a partir do momento em

que o homem transforma suas ações em hábitos e costumes pautados em valores e

princípios que dão sustentação a essa ordem. São as ações habituais que atribuem

o caráter e as significações aos indivíduos e seus grupos. A institucionalização da

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122

vida cotidiana ocorre sempre quando há uma significação recíproca de ações

habituais, acessíveis e partilhadas por todos os membros, revelando sempre uma

história compartilhada. São instituições que exercem controle sobre as condutas

humanas, ao estabelecer padrões previamente definidores de condutas e práticas

sociais.

Ao mesmo tempo em que as ações habituais tornam-se necessárias a

tomadas de decisões e a resolução de situações abrem espaço para os novos

acontecimentos e as novas situações que possibilitam nesse espaço social às

inovações e as mudanças.

A transmissão do mundo cotidiano às gerações mais jovens torna-se o papel

dos pais e dos mais velhos. Um mundo que nem sempre é vivenciado, por não ser

completamente transparente, pelo fato da geração mais jovem não participar de

maneira direta na formação desse mundo mais tradicional. Este mundo aparece-lhe

como uma realidade dada, retratando-se de forma opaca e sem grandes

significações. Essa realidade transmitida pelos pais denota o caráter histórico e

objetivo funcionando como reforço do sentido atribuído por essa realidade social.

A incorporação dessa realidade será considerada eficiente quando se dá o

processo de legitimação ao envolver receptividade e incorporação das informações.

Essa legitimação se dá junto às novas gerações no momento em que ocorre a

socialização das informações e da ordem institucional expressa.

As experiências humanas ao serem retidas na consciência se sedimentam, se

consolidam e dão sentido à vida pessoal e social numa dada coletividade pelo

processo intersubjetivo em que os vários indivíduos participam de uma vida em

comum.

A objetivação da vida cotidiana abre espaço para a incorporação de novas

experiências que vão formando um conjunto de hábitos, costumes e tradições. São

experiências que vão sendo reimpressas e rememorizadas num processo contínuo

de interpretação e reincorporação, até se tornarem rotinizadas tornando-se assim

práticas institucionalizadas.

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123

O estabelecimento da ordem institucional leva a tipificação de papéis a

serem desempenhados pelos diferentes indivíduos que convivem numa dada

realidade. São na verdade executantes de ações objetivas, conhecidas, recorrentes

e repetíveis, daí a sua rotinização e institucionalização, onde os “atores corporificam

papéis e efetivam o drama ao representá-lo em um determinado palco. Nem o

drama nem a instituição existem empiricamente separados desta realização

repetida”, (BERGER, 2007, p. 104).

Nesse contexto, os desempenhos dos papéis sociais funcionam como

mediadores do acervo comum do conhecimento socialmente objetivo e em relação

também ao conhecimento de novos valores e até de emoções e condutas

adequadas que se fazem presente na realidade social do cotidiano.

São fatores que legitimam os significados que subjazem nas práticas

realizadas e que imprimem ordem e sentido à vida cotidiana, pois por trás das

práticas sociais estão presentes os motivos dos indivíduos que dão significação a

seus atos e condutas vistos socialmente como corretos frente à realidade social

vivenciada.

O processo de legitimação explica a ordem institucional e lhe dá fundamento,

justificando sua organização, ao mesmo tempo em que outorga validade cognitiva

apresenta uma dimensão normativa como imperativos práticos que interferem tanto

na objetivação quanto na intersubjetivação dessa realidade social; pois lhe atribui

uma dimensão simbólica, enquanto processo de significação, que se referem às

diferentes realidades que compõe as experiências da vida cotidiana, ordenando os

diferentes momentos da vida social, mediante a presença de ritos, dos mitos valores

e condutas enquanto produtos sociais que imprimem simbolismos a realidade

vivencial.

A realidade social se expressa como objetiva e subjetiva, o que pressupõem

um movimento dialético, enquanto processo de construção. Envolve três momentos

importantes: a exteriorização, a objetivação e a interiorização. O Ponto inicial é a

interiorização, que envolve a apreensão, interpretação imediata dos acontecimentos,

seus sentidos e significações. Uma apreensão da manifestação dos processos

subjetivos, no sentido de interpretar os significados do mundo particular e pessoal.

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124

É o processo de interiorização que possibilita ao indivíduo tornar-se parte,

membro de uma sociedade. Um processo que se faz presente a partir da

socialização que coloca o homem frente a frente a sua realidade social.

A rotinização das práticas que promove as condições de conservação da

realidade social, salvaguardando, de certa forma uma simetria entre a realidade

objetiva e subjetiva. A realidade da vida cotidiana corporifica-se pelas rotinas, que é

a essência da institucionalização. No entanto, essa realidade necessita ser

reafirmada continuamente pelos indivíduos, que ao exteriorizá-la, torna-se uma

realidade socialmente definida.

Essa realidade social da vida cotidiana não é imutável, sofrem influências,

interferências que geram alterações que levam a transformações na maneira de ser

viver de uma dada coletividade

A construção da vida social se dá num encontro face a face pela luta e pela

dignidade de si e de outras pessoas. É no ambiente comum que a vida cotidiana se

mantém onde as lutas sociais ganham expressões, onde se buscam soluções,

redirecionamentos. É onde as relações interpessoais e o ambiente social constroem

novos projetos; é nesse nível microssocial que se estabelecem novos estilos de

vida, uma nova organização social, embora sem esquecer que na

contemporaneidade o mundo econômico e informacional afeta de forma direta a vida

pessoal e social.

É no convívio e inter-relação do microssocial e do macrossocial que se

apontam as saídas, as mudanças, as alterações que em muito afetam as relações

de convivência e o modo de vida nas comunidades, consideradas como

microssociais, pois, esse novo nível de relacionamento de coisas, de práticas de

relações, de costumes, de hábitos que funcionavam bem no nível anterior, não

funcionam da mesma forma ou até deixam de existir.

Nesse trânsito do mundo microssocial para o macrossocial situa-se a

realidade social e cotidiana da cidade de Colares.

Nesse processo de reconhecimento da realidade local reportar-se ao papel

exercido pelas famílias mais antigas consideradas enquanto depositárias e

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125

mantenedoras de saberes, conhecimentos, valores e estilo de vida próprio, ou seja,

guardiãs dos pilares culturais que ainda atribuem sentido, significado a essa

comunidade tradicional, garantindo-lhe uma relativa estabilidade.

Nesse contexto social, a família é concebida como “base social”, núcleo

natural e fundamental da sociedade, como mantenedora da cultura, dos valores e

princípios que sedimentam as relações sociais. Entretanto, diante de profundas

mudanças por que passa essa comunidade, a família também vem se fragilizando e

se fragmentando.

Nesse contexto desestabilizador se busca a recuperação da função da

família, reforçando-se o papel de “âncora” das relações sociais, ao promover

cuidados, proteção, repasses de conhecimentos, valores, vínculos de

pertencimentos, socialização e inclusão social. Dessa forma, servindo de

fundamento para a construção identitária.

É no cotidiano familiar que se percebe as resistências e ou a adoção de

novos padrões culturais e estilos de vida. Um processo contínuo de luta, de negação

e de fragmentação da identidade familiar.

O homem, enquanto ser de comunicação, e mediante ao uso dos recursos da

linguagem simbólica que revela sonhos, conquistas, crenças, paixões, alegrias,

enfim, as experiências vividas, que muita das vezes escondem e expressam dores

sofridas, guardadas, enquanto segredos da alma, “expressões do espírito” que

traduzem vivências do passado e do presente, situações que apontam sentido e

direção para a vida pessoal e social.

A coleta de dados referente à pesquisa de campo traz embasamento para a

presente reflexão centrada no uso dos recursos da linguagem, da fala, do discurso

de famílias e jovens naturais da cidade de Colares. As entrevistas e aplicação de

formulários se efetivaram no sentido de captar o sentimento, o sentido e o

significado atribuído às permanências e as mudanças verificadas nesta comunidade.

O objetivo central desta pesquisa de campo voltou-se para a percepção de como a

comunidade local se vê, se percebe diante das interferências tanto das

permanências do tradicionalismo, quanto das mudanças que vem se instaurando

nas últimas décadas nesse município ribeirinho e tradicional.

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126

A linguagem nesta reflexão tornou-se instrumento de expressão do mundo

simbólico, do mundo de significações. Uma vez que se refere a um campo em que

podem ocorrer situações problemas que interferem no desenvolvimento da vida das

pessoas e, sobretudo, servindo de referência para a compreensão da comunidade

pesquisada. Nesse sentido, a linguagem por apresentar uma função simbólica dos

relatos, torna-se reveladora do simbolismo da vida social, possibilitando o

entendimento do que aconteceu ou acontece nesta realidade social, revelando

dessa maneira aspectos profundos e amplos do ser humano e da vida societal, ao

mesmo tempo em que, a linguagem nos dar conta dos registros históricos e

vivenciais possibilitando também captar emoções traduzidas por sentimentos

carregados de significações.

A linguagem traduz as relações que os homens estabelecem entre si, pois é o

discurso que nomeia, descreve o mundo em que estão inseridos. Uma linguagem

simbólica cheia de sentidos e significados muito próprios que imprimem direção aos

atos e comportamentos dos atores numa dada realidade social, como também os

significados e direção trazidos pelo simbolismo que se reportam para além do

mundo material e concreto, localizando-se no campo das emoções e dos

sentimentos que embasam os sentidos e consistência da vida social.

Em relação à coleta de informações junto à comunidade de Colares, uma das

questões expressas pelas famílias e jovens é o reconhecimento das manifestações

culturais consideradas próprias de Colares. São famílias com vinculações a pesca e

a agricultura de subsistência, consideradas tradicionais.

São identificados como manifestações culturais de Colares, os festejos de

Círio e dos Santos padroeiros que remontam a era colonial e a participação

missionária na região do Salgado; as festas juninas, consideradas ponto alto das

tradições em Colares eram representadas pelo boi-bumbá, cordões de pássaros

como o Guará, além do Boto, o Carneiro e a Dourada.

Os entrevistados reconhecem que o Círio e os festejos de Santos são bem

presentes. Já o boi-bumbá, os cordões de pássaros e danças folclóricas até em

1980 eram bem freqüentes na sede do município. A partir dos anos 1990 foram

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127

desaparecendo e ficando mais restrito na zona rural. Hoje, até no interior, o tempo

vem passando e essas manifestações vão ficando no passado.

É com certo saudosismo que os habitantes de Colares falam desse passado e

dessas manifestações que ainda envolve e mantém um elo de ligação entre todos.

Eram momentos de envolvimento, de participação de toda a população local, além

de divertimento, lazer e tradição, pois as manifestações culturais expressavam a

vida, os sonhos e o dia- a- dia da população local.

Hoje, essas manifestações são rememoradas nas festas juninas realizadas

pelas escolas locais. De maneira geral, se faz certo resgate das danças folclóricas e

das quadrilhas. O boi-bumbá e os cordões de pássaros começam a reaparecer em

algumas localidades do interior, onde ainda é de conhecimento de algumas pessoas,

que funcionam como guardiões dessa cultura tradicional. Os guardiões vão

repassando essa cultura para as gerações mais jovens, entretanto, há o lamento de

que o tempo passou e que muita coisa se perdeu.

Lamenta-se que os cordões de pássaros e as pastorinhas já não são

apresentados como antes. Estando distanciados do cotidiano dos jovens. Para os

jovens essas manifestações são vistas como algo que aconteceu, são fatos do

passado, dos quais se tem notícias. Daí a preocupação desse saber ser preservado

e rememorizado.

Para alguns entrevistados, “as manifestações culturais que tem reaparecido

“aqui e acolá” são bem diferentes do que acontecia antes. “As danças voltaram, mas

são renovadas. Reaparecem, mas não são como as do passado. Muitas

desapareceram e surgiram outras danças e, quando acontecem, não são feitas com

o mesmo respeito com que eram feitas antes”.

Fica claro nesses fragmentos de discursos da população entrevistada a

transitoriedade do antigo e do novo. Assim como traduzem certa resistência a perda

de um passado até bem pouco tempo considerado estável e previsível. Revelando-

se também certo esquecimento no contexto contemporâneo.

No âmbito religioso, as festas, as comemorações continuam bem presentes.

O círio de Nossa Senhora do Rosário e festas de santos padroeiros envolvem a

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população local e pessoas de fora do município. Assim como se reconhece a

atuação das igrejas evangélicas, embora com menor grau de envolvimento e

repercussão junto à comunidade.

Em relação ao convívio familiar, ainda é presente, pelo menos na maioria das

famílias alguns comportamentos tradicionais como tomar a bênção dos pais e o

respeito aos mais velhos. Apesar também de se observar o afrouxamento desses

comportamentos em algumas famílias

Os entrevistados afirmam que os padrões culturais se mantêm em suas

famílias, embora reconheçam que tais padrões vêm se perdendo, ou diminuindo de

importância, pois afirmam que outros comportamentos “desrespeitosos” vêm se

instalando, sobretudo, no meio dos jovens.

Segundo os mais velhos, os jovens precisam de maior controle e de

repressão por parte dos pais e responsáveis, pois no geral, a autoridade dos pais

ainda é reconhecida nesta comunidade.

Há um confronto entre os padrões que vem sendo transmitido pelos pais,

pelos mais velhos, considerados como verdadeiros e as informações trazidas pelo

mundo moderno, mais amplo e global pela televisão e outros meios de comunicação

que introduzem novos valores e comportamentos, principalmente junto à juventude,

como o uso de novos estilos de roupas, uso de bebidas alcoólicas, drogas e seu

afastamento do padrão cultural local, secundarizando o ideário que dá sustentação a

essa comunidade ribeirinha.

Outros entrevistados são mais enfáticos ao afirmar que os comportamentos,

segundo os padrões locais, fazem-se presente em momentos específicos como nos

dias de festas do Círio, o dia dos pais, o Natal. Segundo o Sr. R. de 80 anos, as

famílias se reúnem no dia-a-dia, mas não seguem os padrões tradicionais. “Os filhos

deixam de se preocupar com as famílias e as mudanças ocorrem em todos os

sentidos, onde a falta de respeito é a maior mudança”.

Um fato mencionado pela maioria dos entrevistados retrata a participação de

um grupo de jovens que após embebedarem-se adentraram no cemitério local e

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129

profanaram vários túmulos. O que deixou muitos moradores, principalmente, os mais

velhos abalados e perplexos diante do ocorrido.

A princípio, para os jovens, o ato foi efeito do uso de bebida e de não terem o

que fazer, pela quebra da rotina; fazer algo diferente, chamar a atenção. Para a

população em geral foi motivo de escândalo, pois foi um fato que ganhou destaque

na mídia local / regional. Além das repercussões negativas, o fato mexeu com os

sentimentos da população local, uma vez que o cemitério, além de lugar santo,

representa o passado daquela localidade. Ele faz referência à história de muitas

pessoas, são vivências que trazem sedimentação à história local.

Em relação aos jovens que praticaram esse ato, são vistos como vândalos

desordeiros e desrespeitadores dos sentimentos e do valor atribuído a este lugar

considerado santo.

O episódio demonstra que de certa forma há uma quebra da ponte que liga o

passado e o presente, embora a população mais velha ainda se ache referenciada

por esse passado, pelas recordações de familiares e de vivências que dão sentido a

vida social local.

Constitui-se um fato rico em simbolismo e significação, retratando um

processo de transitoriedade do passado para o presente e traz uma reflexão acerca

de que ao “destruir os símbolos de um homem ou de um povo, nega-se a sua

história, os seus projetos e sonhos, ou seja, sua capacidade de transcender”,

(NASSER, 2003, p.10).

Os símbolos têm a função de trazer para perto o que falta, o que está

distanciado pelo tempo ou pelas práticas sociais. Tem a capacidade de moldurar

uma situação, um contexto, uma cultura. Ao mesmo tempo em que para alguns, sua

quebra ou morte traz o sentido de emancipação dos símbolos e do simbolismo,

oportuniza a busca de novas respostas para perguntas antigas e atuais, a busca de

novos sentidos e significações para preocupações e emoções mais presentes.

Em relação às alterações por que vêm passando a cidade de Colares, as

pessoas mais idosas identificam que algumas mudanças melhoraram a cidade,

como por exemplo: a chegada do transporte, da estrada. Segundo o posicionamento

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130

do senhor R. 68 anos “Tínhamos que ir de canoas, uma viagem mais demorada e

desconfortável”. Mas também apontam como a pior das mudanças foi a

“desorganização” provocada pelo “desrespeito” que chegou junto com as outras

pessoas, junto com as novidades.

Identifica-se como falta de respeito às atitudes e comportamentos agressivos

dos jovens como falar alto, pronunciar pornofonias em público e não respeitar a

presença dos mais velhos.

Apesar dessas observações, a chegada de pessoas de fora traz para a

cidade contribuições positivas para o desenvolvimento da localidade, ao melhorar o

consumo e o comércio local. Quando essas pessoas constroem casas, curtem as

coisas belas de Colares, apesar de que outros se excedem na bebida e fazem o que

não devem. Assim, quando essas pessoas ajudam a construir a nova Colares são

bem vindas, mas quando vêm fazer vandalismo, bagunça não são bem recebidas

pela comunidade local.

Para outros entrevistados, as pessoas de fora compram terras, constroem

casas e vão embora, só aparecendo nos feriados, nos finais de semana e férias,

quando torna a cidade mais alegre, festiva e movimentada.

De forma clara e bem enfática, os entrevistados jovens e adultos, apontam o

papel determinante do governo municipal no processo de desenvolvimento local, na

promoção da cultura tradicional de Colares, mediante incentivos e investimentos na

área econômica e cultural, resguardando-se a memória e as coisas de Colares, pois

são aspectos importantes que imprimem sentido e significado para a história dessa

comunidade. Ações mediante a realização de cursos, encontros culturais que podem

contribuir para a preservação da cultura e o modo de vida tradicional.

Reconhece-se o papel transformador do homem e da vida social. Ele é o

construtor de si mesmo e do mundo em que está inserido. A construção do “Eu” e da

identidade não está desvinculada da realidade totalizante, numa relação dialética

com a natureza e com o mundo. É nessa relação de totalidade social que o homem

constrói sua história. Uma história de transformações, de passagem de uma ordem

natural para uma ordem social e cultural.

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É no estabelecimento de um diálogo com o cotidiano que se constrói as

referências que sedimentam a nossa existência. O resguardar da memória social e

cultural de um povo é o que possibilita o processo de identificação social de um

determinado grupo ou comunidade. Uma história sedimentada, ainda que sob

influências diversas. É a memória histórica que conecta passado e presente dos

grupos sociais e aponta esse relacionamento para o futuro.

O passado, ainda que distanciado, que tenha ido embora com o tempo, sua

reconstrução pode ocorrer em nível simbólico, ao estabelecer ligação com emoções

e sentimentos que imprimem sentido ao preencher lacunas, buracos, provocados

pelo tempo, pelas mudanças instauradas.

Em relação à realidade concreta e das necessidades mais imediatas da

população local, espera-se uma atuação mais eficaz do poder local na geração de

emprego e renda, na criação de oportunidade de trabalho com o objetivo de ocupar

e fixar os jovens no município.

Investir na juventude é uma preocupação dos mais velhos, quanto dos

jovens que se vêm sem um futuro, sem possibilidades de continuar vivendo em

Colares, uma vez que os jovens não se vêem atraídos pelas atividades tradicionais

da pesca e da pequena agricultura

Segundo J. M., 25 anos, os jovens de Colares não se inserem nas atividades

tradicionais. Para ele, estas práticas continuam bem tradicionais sem modernização

e vêm até retrocedendo. “Na pesca, antes já havia embarcação motorizada, hoje

predominam os barcos a vela. A agricultura não vem recebendo os devidos

incentivos do poder local, o agricultor não tem mais terra e os que têm, de tanta

queimada já prejudicou o solo para plantar”.

Os cursos na área de geração de trabalho e renda acontecem, mas não são

colocados em práticas, são apenas projetos a serem efetivados.

De maneira geral, o jovem se volta para o mundo que não é o local, o mundo

de outras culturas, que trazem outro modo de vida, outros comportamentos, como

por exemplo, o uso de roupas de marca. Ou quando muito se vêem na ociosidade,

não se inserem de fato, nem no novo e nem nas atividades tradicionais.

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Ainda segundo esse jovem, os investimentos do poder local deveriam se voltar

para a arte, para o artesanato e o aproveitamento dos recursos naturais, como

folhagens, raízes, sementes tão abundantes na localidade.

É presente em sua memória quando saía para pescar com seu pai, quando

iam fazer farinha. Seu pai era pescador de filhote, espécie hoje rara. “A pesca de

arrastão tem diminuído bastante a quantidade de peixe no município”. Este jovem

ainda rememora o tempo em que havia o "escambo”, não havia muita circulação de

dinheiro, mas se trocava produto por produto, peixe por farinha: farinha por fruta. Era

um tempo em que havia fartura na alimentação para o povo do município. Hoje se

tem dinheiro, mas não se tem muito que comprar”.

Assim, a história conta e é contada por homens envolvidos por situação do

passado / presente, de maneira conectada com o imaginário, mas; sempre se

reportando a realidades vividas. O real para esse jovem é “tudo aquilo que se mostra

a consciência, tanto natural quanto imaginária (que expressam) os sentimentos e os

desejos”, (TEVES, 2002, p.57), nesse contexto social que pode ser revivido a custa

de lembranças e percepções do passado, o mundo histórico pode ser revivido com

amor ou ódio num jogo extremamente afetivo.

Os jovens entrevistados encontram-se numa faixa etária de 16 a 25 anos.

Todos estudantes, ou que já terminaram o Ensino Médio. A entrevista junto aos

jovens aponta o seguinte quadro: Os jovens demonstram estarem satisfeito com a

cidade de Colares, por reconhecerem as belezas e os encantos naturais desta

cidade. Apontam como característica principal da cidade ser tranqüila, pacata, sem

violência, com qualidade de vida muito boa. Se sentem integrados ao estilo e as

condições de vida oferecida pela comunidade em que vivem, chegando a

caracterizá-la como uma cidade agradável de viver.

Dos dezesseis jovens entrevistados, 50% mantêm vinculações com as

atividades tradicionais. De alguma forma participam em algum momento das

atividades da pesca ou da agricultura. Outros se vinculam as tarefas domésticas e

outros se dedicam apenas aos estudos.

Em relação à formação educacional, terminar os estudos é preocupação

dos jovens e de seus familiares. Estão voltados para a continuidade dos estudos e a

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inserção no mercado de trabalho. Em decorrência de seus projetos futuros, alguns

jovens afirmam a sua provável saída do município. Dos jovens entrevistados, 70%

pensam em cursar faculdade ou se empregar.

Um dos sérios problemas no município de Colares é a falta de perspectiva

de continuidade dos estudos e o reduzido mercado de trabalho. Segundo J.M., o

jovem no município ou vai ser pescador ou professor. Daí, ao final do Ensino Médio,

muitos jovens abandonam a cidade em busca de seus projetos de vida.

Os jovens não se mostram interessados em se engajar, pelo menos como

profissional na pesca ou na agricultura. Assim projetam sair da cidade em busca de

Independência e se fixar em grandes cidades, que segundo eles, proporciona-lhes

maior acesso aos estudos e ao trabalho.

Entretanto diante desse quadro, alguns jovens lamentam em ter que sair

para outras cidades, como Belém, por exemplo, e terem que se adaptar a uma vida

mais agitada, diferente da que eles levam em Colares.

Em relação à interferência da mídia e dos meios de comunicação sobre a vida

pacata da cidade, os jovens afirmam que algumas notícias interferem, mas ajudam

também a conhecer outras realidades, outras cidades, outros países, outros

mundos. Para alguns jovens a novidade vem, mas, passa. Após as notícias a vida

volta à rotina e tudo continua como antes pelo isolamento em que vive Colares. No

entanto, algumas pessoas se deixam influenciar pelos novos conhecimentos, se

atualizam e mudam comportamentos e posturas.

Assim como as pessoas mais velhas, os jovens esperam da administração

local mais investimentos na cidade. Apesar de morarem num “paraíso” são

necessárias políticas que gere emprego e o desenvolvimento da localidade.

A partir desses posicionamentos fica claro para o investigador da questão

das permanências e mudanças sociais nesta área, a importância e o poder da

sociedade, ainda que observadas por lentes diferenciadas. A Sociedade local

representa o mundo onde se estabelece a relação homem / sociedade, a

convivência, as interações que direcionam o jogo afetivo entre os diferentes

segmentos desta coletividade. Num jogo de interesses que envolvem vivos e mortos,

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passado e presente num emaranhado de laços, com articulações e interações reais

e imaginárias que cimentam a vida social.

Pode-se afirmar que se trata de um processo em construção e que só o

tempo e os acontecimentos irão apontar o direcionamento da vida e da história

dessa comunidade, que embora apresente traços marcantes do tradicionalismo, este

ao longo das últimas décadas vem se tornando pálido, sem brilho e sem poder de se

reafirmar diante de tantas influências e mudanças que vem se operando nessa

realidade social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Consolidação do modo de produção capitalista decorre do processo de

domesticação de várias áreas coloniais, que desempenham o papel de depositária

de investimentos e como elemento propulsor a crescente interligação e dependência

de economias centrais e coloniais. Embora seja desigual a inserção no mercado

ampliado das áreas periféricas ou coloniais, uma vez que se inserem com atividades

primárias, com desvantagens frente aos obstáculos impostos pelo mercado externo.

No entanto, essa inserção traz mudanças significativas, pois de certa forma

a modernização imposta faz emergir rápidas modificações nos hábitos e costumes

pela adoção de novos padrões de consumo, sem, entretanto, corresponder a um

real desenvolvimento local.

O que coloca em xeque o alcance de um desenvolvimento, segundo os

patamares dos grandes centros detentores de uma economia moderna, a

capacidade de investimento local, o domínio da tecnologia e a capacidade de

investimento no mercado mundial.

A reestruturação e a reordenação da economia capitalista trazida pela

globalização nas últimas décadas vêm avançando nas mais remotas regiões do

planeta, consideradas como fronteiras atrativas a produção e a exploração e

reprodução do capital.

A região amazônica sempre esteve ligada ao desenvolvimento do capitalismo

mundial. Desde a era colonial o extrativismo tornou-se atividade rentável, via

exploração dos recursos da floresta e dos rios, que disponibilizados ao mercado

externo para dar atendimento aos interesses de grupos internacionais. Ao longo de

sua história a região vem definindo e redefinindo seu papel de fornecedora de

produtos primários e de recursos naturais. Seu processo de exploração ou de

desenvolvimento foi marcado por incursões esporádicas das grandes metrópoles.

Daí o ciclo das “Drogas do Sertão” da “borracha” e mais recentemente a exploração

econômica através dos grandes empreendimentos, momento em que a região se

insere de forma plena e definitiva no capitalismo avançado.

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136

O centro dos interesses está na exploração em larga escala das riquezas

naturais. O que tem colocado a Amazônia sob a ótica da submissão e subordinação

dada à prevalência dos interesses externos e a desvinculação dos interesses,

potencialidades e padrões sociais locais.

Na verdade, esse processo de ocupação levou nas últimas décadas, o

surgimento de “ilhas” de crescimento no país e na região pela presença de áreas

periféricas dentro da própria periferia.

É nesse cenário de inserção de realidades tão díspares que se localizam o

fenômeno das Permanências e Mudanças Sociais tão presentes na realidade atual,

onde a transição é marca desse processo. Tradição e modernidade como faces da

conformação atual. Assim, a realidade atual se reveste de uma nova transitoriedade

que expressam permanências ou vestígios de uma estruturação anterior e a

emergência de uma nova conformação social pautada na racionalidade da

modernidade.

Nessa transitoriedade, o poder determinador de novos padrões sócio-

culturais, que impõem e rompem os antigos pilares sócio-culturais. A vida social

sendo resultante das rápidas e profundas alterações, em que se observa o excesso

de presente em relação ao passado, que por sua vez é totalmente desfocado do

futuro.

É o fenômeno da modernidade tardia que alcança e insere as comunidades

tradicionais em uma nova racionalidade econômica e social, ao mesmo tempo em

que anuncia os impactos e as demandas de uma realidade ainda em construção. O

que referencia o trânsito entre os padrões tradicionais e modernos, entre

continuidades e descontinuidades, como marcas desse novo tempo social.

É o emergir da era da modernidade reflexiva como um novo contexto que faz

num primeiro momento a desincorporação das forças tradicionais pelas forças

sociais industriais e num segundo momento a reincorporação do tradicionalismo que

se reveste das mudanças trazidas pela modernidade.

A Região do Salgado, no Nordeste Paraense configura-se como uma região

de exploração econômica que remete a era colonial, quando da atuação das

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missões religiosas, que por meio dos aldeamentos, estabelecia estratégias de

ocupação e exploração. Uma atuação baseada nas atividades extrativistas, a

agricultura e a pesca artesanal, enquanto modelo primitivo. Até a década de 1950,

as populações locais se inseriam de forma livre, sem grandes disputa e conflitos. O

acesso à terra e aos recursos naturais estavam relacionados à própria sobrevivência

dessas populações tradicionais.

A Partir de 1960, a agricultura ganha certo dinamismo, entretanto, a

presença marcante do rio torna a pesca fator de trabalho, renda e alimentação,

tornando-se atividade central no âmbito regional.

Nas últimas décadas, diante da modernização se inscreveram novas formas

de organização social, agora impelidas pela racionalidade do capital. Diante das

atividades tradicionais, sobretudo da pesca são disponibilizados às populações

tradicionais projetos de dinamização e modernização econômica. As novas formas

de adaptação se verificam diante das diferentes estratégias atreladas à

modernidade. São formas de organização e produção que levam a

“destradicionalização” das práticas tradicionais pela incorporação de novos

procedimentos, novas tecnologias em seu modo de produzir sua subsistência

No âmbito da modernização se reconhece o papel do governo local no

processo de desenvolvimento, pois é mediante a descentralização das ações

políticas que referenda o município como lócus do cotidiano. É o espaço onde são

expressas as indignações e as demandas sociais e econômicas da comunidade. Em

prol do desenvolvimento, o município direciona e dinamiza as ações de grupos e

projetos tendo em vista a modernização das atividades que valorizam e

potencializam o espaço local. A meta a ser alcançada é tornar a sociedade

tradicional moderna, desenvolvida e próspera.

Concebe-se um desenvolvimento que mantém íntima relação entre as

atividades tradicionais e modernas, tendo em vista a sustentabilidade do meio rural.

Essa transição faz emergir novas atividades produtivas que levam a conformatação

de uma nova ruralidade. Assim, tradicionalismo e modernidade como fatores

desencadeadores do desenvolvimento local de forma integrada e sustentável.

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138

Nesse cenário de mudanças o trabalho é concebido como elemento

norteador do processo de criação e recriação. E hoje, apesar das mudanças

societárias e do mundo da produção, o trabalho ainda revela-se como elemento

fundante, apresentando caráter central, por oportunizar pistas para a compreensão

do homem e do mundo por ele criado. A categoria trabalho assume centralidade e

passa a ser concebido enquanto prática fundadora do ser social. É o elemento

possibilitador da construção e da transformação da natureza, do homem e da

sociedade.

Nas comunidades tradicionais, o trabalho e as práticas tradicionais funcionam

como ancouradoros das populações rurais, no entanto, diante da modernização, o

tradicionalismo passa a se visto como incompatível e como tal passa a se

metamorfosear para outra forma posterior, a reinvenção do tradicionalismo, que

passa acoplar as necessidades da modernidade.

Em Colares, a pequena agricultura e a pesca artesanal continuam a dar

sustentação a vida, a economia e a sociedade local. Mantém-se e asseguram a

subsistência, enquanto fonte de alimentação trabalho e renda.

A Agricultura continua de forma combinada com a pesca, a caça e a coleta,

pois o peixe e a farinha sendo as bases da alimentação local. São atividades

primeiras que se reportam a um saber fazer repassados por gerações anteriores.

A agricultura ocupa as terras públicas e suas benfeitorias vêm sendo

repassadas ao longo do tempo pelas famílias usuárias. Toda a produção está

centrada principalmente na produção da mandioca e seus derivados. Em menor

quantidade a produção do milho, do arroz e outros produtos. São práticas realizadas

de maneira tradicional, sem inovação tecnológica, daí a baixa produtividade. O

roçado ainda é precedido pela queimada e a coivara.

No entanto, políticas públicas se voltam para a modernização dessa atividade

tradicional através da introdução da produção consorciada que reúne a mandioca, a

produção de banana, melancia, pupunha, feijão e milho. Uma inovação que vem

sendo implantada pela capacitação dos colonos, mediante cursos e introdução de

novas técnicas de plantio.

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139

Nessa perspectiva, incentiva-se também o plantio do açaí, do cupuaçu e o

projeto de folheosas e legumes sem agrotóxico, com práticas bem naturais, aliando-

se o saber fazer tradicional e novos saberes trazidos pelos cursos de capacitação.

Adotam-se novos métodos naturais sem grande impacto para o solo e o meio

ambiente.

Entretanto, em relação às inovações, observa-se certa rejeição a esses

projetos, pois a população local está mais acostumada às práticas tradicionais.

Preferindo, por exemplo, ser extrativista do açaí das várzeas do que plantar nas

áreas secas, pois ainda não perceberam os riscos de exaustão dessas práticas.

Todo esse comportamento está relacionado ao baixo alcance desses projetos

que envolvem um número reduzido de famílias agrícolas que se voltam para áreas

isoladas e dispersas. Somente a produção do mel trouxe resultados significativos

para a população e para o município.

Em relação à pesca, esta se constitui ainda como atividade tradicional que

referencia o município como comunidade pesqueira. Desde a era colonial, a

atividade pesqueira é fundamental para a produção material e simbólica dessa

comunidade.

A partir dos anos 1950, a atividade da pesca recebeu financiamento com

vistas a sua modernização. Liberam-se recursos para a compra de barcos maiores e

mais equipados e com o uso de novas tecnologias. A meta a ser alcançada é a

grande produção para o mercado externo.

Em Colares, a pesca ainda se pauta no uso de canoas e pequenos barcos. É

comum o uso de rede de nylon e de um conhecimento acumulado de experiências e

saberes tão antigos quanto essa localidade. Uma prática que se fundamenta na

relação homem-rio e toda uma herança cultural que envolve um saber-fazer e os

segredos da arte de pescar.

Com a chegada das novas tecnologias, o pescador artesanal passa a ser

visto como “desqualificado” perante a industrialização, momento que se observa o

avanço do capital na Zona do Salgado. Com essas inovações, observam-se

alterações na vida dessa comunidade ribeirinha, pois alteram-se as condições

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materiais e o direito de continuarem se reproduzindo como tal. Uma vez que os

pólos pesqueiros industriais se impõem e transformam os trabalhadores da pesca

antes livres agora em trabalhadores assalariados. É o momento que se quebram as

técnicas nativas, vistas então como “irracionais”, “atrasadas” pela baixa

produtividade e reforçam as práticas inovadoras pela aquisição de novos

conhecimentos libertários do pescador artesanal, das práticas tradicionais, agora

submetidas à lógica do capital.

Um dos efeitos da modernização da pesca, sobretudo, pelo uso das

malhadeiras e da concorrência industrial, foi à implementação de formas predatórias

de captura e a conseqüente redução de espécies de peixe. Passa a ser comum a

luta pela sobrevivência. Estabelecem-se conflitos entre pescadores artesanais e

industriais devido à superposição de áreas de pesca, captura predatória e a redução

dos estoques de peixes.

Outro fato decorrente dessa nova forma de atuação é o deslocamento de

pescadores artesanais para áreas mais distantes de pesca ou buscar seu sustento

em outras frentes de trabalho.

A intensificação da pesca nessa região vem alcançando espaços

considerados sagrados pelos pescadores artesanais. São lugares de reprodução,

berçários como as praias de Nossa Senhora do Carmo que vem sendo invadida por

pescadores, tornando uma ameaça a reprodução dos peixes e a própria

sobrevivência da comunidade pesqueira.

São mudanças que alteram ao modo de vida da população ribeirinha, levando

a quebra de suas raízes tradicionais, dado o processo de reordenação do espaço,

do tempo social e conseqüentemente do processo identitário.

O homem se localiza no mundo e com o mundo estabelece uma relação que

possibilita a construção de si mesmo e da sociedade em que vive. Constituindo-se

num processo de vir-a-ser com um emaranhado de possibilidades, diante da

diversidade social e cultural. É o cotidiano das práticas sociais, o grande

referenciador da construção identitária, que dá fundamento a existência.

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141

O homem ao fabricar um produto cultural se constrói, se subjetiva ao

estabelecer uma relação com o mundo interior e exterior numa relação entre o “eu” e

o “mundo”.

Na produção de sua sobrevivência, o homem estabelece uma relação que vai

além do seu próprio cotidiano. O Trabalho constitui-se fator fundamental, enquanto

prática social importante para dar atendimento às necessidades humanas e sociais.

Entretanto, e no cotidiano, enquanto contexto dinâmico, que possibilita o “ocaso” o

“inesperado” que revelam as possibilidades de transformação, mediante alterações e

rupturas da ordem estabelecida.

A identidade de um grupo social se dá num processo de construção social

simbólica que envolve dimensões objetivas / subjetivas, Individuais/ coletivas, como

fatores que apontam o significado e o sentido cultural dos acontecimentos. São

norteadores do processo de identificação e distinção sócio-cultural.

Em Colares, uma comunidade que se organiza desde o século XVIII, quando

da atuação dos missionários na região do Salgado. Uma região ocupada por índios,

mamelucos, cafuzos, mulatos e brancos. Uma fusão étnica cultural própria,

estabelecendo-se e fortalecendo-se os laços de pertencimento ao lugar no aspecto

social e cultural.

Essa comunidade até a década de 1970 vivia certo isolamento, em que a vida

transcorria num micro mundo, retratada pela atuação de pequenos grupos. O que

lhe conferia padrões eminentemente caboclos.

A partir desse período, a industrialização da pesca e seu rebate sobre a

pesca artesanal altera as condições materiais dos pescadores locais, ao se

depararem com novos instrumentos, a modernização da pesca, o manejo e o ritmo

da captura do pescado. Uma nova realidade que altera as condições de

permanência das comunidades tradicionais.

Outro fator marcante foi à chegada da estrada que trouxe os caminhões

frigoríficos pesqueiros e a demanda por uma produção maior. A estrada também

possibilitou a ligação de Colares com outros centros mais dinâmicos pela busca de

bens e serviços. Assim como também a chegada de levas de pessoas nos finais de

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142

semana, feriados e férias, transformando essa comunidade em cidade balneária.

São postas frente a frente duas realidades distintas, uma pautada no tradicionalismo

e outra no estilo de vida moderna, com poder de persuasão sobre a cultura

tradicional.

Apesar da interferência, ainda é bem nítida a diferença entre os “nativos” e os

que vêm de “fora”. É ainda forte sua vinculação com o passado tradicional e os

sentimentos de pertencimento em que se priorizam os interesses, os sentimentos e

as necessidades dessa população ribeirinha.

Com o passar do tempo, a interferência dos padrões mais global e a

diversidade cultural vem fragilizando o ideário que dá sustentação ao mundo

caboclo. A população local passa a se ajustar às necessidades capitalistas,

secundarizando a identidade cultural local, com atitude de negação ou

desconsideração da cultura local, sobretudo a população jovem que passa a se

identificar com o “novo” com os padrões dos grandes centros deixando no passado a

cultura cabocla.

Com esse processo de reordenação, novas forças, nova adaptabilidade se dá

entre o mundo antigo e o mundo moderno. Havendo um deslocamento da identidade

ribeirinha e um processo de fragmentação do “eu” que se altera, segundo o olhar do

“outro”. Aos olhos da modernidade, a população tradicional é vista como uma cultura

antiga, tradicional, inculta e rude.

Na verdade, o que se verifica é a formação de uma identidade hibrida que

tenta conciliar o "velho” e o “novo”. Sem, no entanto, serem unificados. Em geral são

processos que se manifestam como posicionais. Alteram seu pertencimento de

acordo com a realidade envolvente, ora se aproximam da tradição, ora se sentem

mais atraídos pela modernidade,

De maneira geral, há posicionamentos diversos em relação a várias

situações presentes nessa realidade, a população mais antiga é favorável a

manutenção de uma vida pacata sem grandes alterações.

Em relação à construção da ponte que ligará Colares a Penhalonga, alguns

moradores são terminantemente contrários, pois vai expor a cidade a muitas

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situações, pois possibilitará a vinda de mais pessoas e isso vai tirar a paz, a

tranqüilidade que ainda existe em Colares. Para outros, a ponte vai dinamizar

Colares, pois o comércio e a cidade vão crescer e progredir. Outros ainda esperam

que a chegada da ponte venha junto com outros projetos para dinamizar a cidade e

possibilitar o aquecimento da frente de trabalho, principalmente para a população

jovem.

Apesar dos sentimentos e sentidos atribuídos às mudanças, já são visíveis as

alterações na vida tradicional de Colares. No entanto, é nítida a diferença entre o

“colarense” seu modo de ser, de falar e de trabalhar e os “outros" que chegam,

estabelecem-se nessa cidade, demonstrando assim uma realidade contraditória.

Percebe-se de um lado, que há o reconhecimento social que direciona e

ainda confere sustentabilidade, por outro lado, a interligação dessa comunidade com

outras áreas trouxe para essa comunidade novos comportamentos, novos padrões

culturais, novos sentidos que alteram a relação e a diversidade.

É uma comunidade que pouco a pouco vai se submetendo aos interesses do

capital, ao mesmo tempo em que lhe possibilita a secundarização e ou abolição dos

padrões locais.

Assim, Colares, sua cultura tradicional vem se fragilizando frente a tantas

mudanças que alteram seu modo de ser e de fazer e, contribuindo para a construção

identitária hibrida que reúne o antigo e o novo. Um processo que se dá pela

reinvenção do tradicional em um contexto totalmente distanciado das condições do

passado, o que revela uma reordenação social e cultural bem presentes; uma

adaptabilidade diante de uma nova realidade social.

Embora não exista uma identidade cultural definida em si mesma na cidade

de Colares, ser colarense é algo bem visível e concreto, ainda que se considere aos

contatos mais amplos estabelecidos por essa comunidade e o confronto com uma

realidade mais diversa que aos poucos vem fragilizando o ideário local.

As mudanças e as novidades afetam principalmente a população jovem que

vislumbra seus projetos de vida para as áreas mais amplas e dinâmicas, uma vez

que não se sentem atraídos palas práticas e o modo de ser e viver da população

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local. Os sonhos de ampliar os estudos, a busca de emprego e de independência

econômica coloca a população jovem vulnerável a saída do município. O futuro

nunca aparece ligado ao tradicionalismo, mas ao mundo moderno e mais amplo. A

saída dos jovens do município tem gerado a permanência da população mais antiga

e dos mais jovens e crianças, e com isso, a não renovação da mão-de-obra na

agricultura e na pesca, que, embora sejam atividades de sustentação do município.

Sua continuidade está ameaçada num futuro próximo, caso os fatores

imobilzantes não sejam removidos ou redirecionados

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