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BOLETIM V ACINAS N 0 11 1 EDITORIAL tema principal desta edição do Boletim Vacinas é a perplexidade dos pesquisadores de vacinas diante dos resultados dos ensaios em curso divulgados até agora. Em dois artigos diferentes, o pesquisador Ronald Desrosiers, do Centro de Primatas de Harvard, mostra a oposição entre os cien- tistas “racionalistas”, que pedem mais pesquisa básica, e os “empiristas”, que querem realizar rapidamente pesquisas clínicas em seres humanos. Enquanto o debate não chega ao fim, as pesquisas prosseguem. Neste boletim, há um mapa com os ensaios de vacinas iniciados no ano passado e um artigo sobre ensaios de vacinas terapêuticas realizados pela agência france- sa ANRS. Há também um novo artigo sobre a motivação e a disponibilidade para participar de pesquisas sobre uma candidata à vacina. Entre as novidades do Brasil, apresentamos o resumo de um artigo sobre subtipos e uma entrevista com Ésper Kallás, da Universidade Federal de São Paulo, que dirige um ensaio de Fase I de uma vacina da Merck sobre a qual já havíamos falado no último Boletim. Você encontra ainda informações sobre o Comitê de Vacinas do Programa Nacional de DST e AIDS (PNDST-AIDS), que foi absorvido pelo Comitê de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Leia com atenção e divulgue! Por último, gostaríamos de expressar nossa satisfação pela produção da compilação em CD-ROM de todas as edições do Boletim Vacinas publicadas. Desde 1992 até 1995, contribuíram ABIA, GAPA-BA, GAPA-MG, GAPA-RS, Gru- po Pela VIDDA-RJ e Grupo Pela VIDDA-SP. De 1999 em diante, o GIV continuou a publicação. A produção do CD-ROM foi possível pelo o apoio do PNDST-AIDS e da IAVI (Iniciativa Internacional da Vacina de AIDS). A equipe do Boletim de Vacinas O PERPLEXIDADE

PERPLEXIDADE O - giv.org.brgiv.org.br/Publicações/Boletim-Vacinas/Boletim-Vacinas-GIV-Edicao11.pdf · boletim, há um mapa com os ensaios de vacinas iniciados no ano passado e um

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EDITORIAL

tema principal desta edição do Boletim Vacinas é a perplexidade dospesquisadores de vacinas diante dos resultados dos ensaios em cursodivulgados até agora. Em dois artigos diferentes, o pesquisador Ronald

Desrosiers, do Centro de Primatas de Harvard, mostra a oposição entre os cien-tistas “racionalistas”, que pedem mais pesquisa básica, e os “empiristas”, quequerem realizar rapidamente pesquisas clínicas em seres humanos.

Enquanto o debate não chega ao fim, as pesquisas prosseguem. Nesteboletim, há um mapa com os ensaios de vacinas iniciados no ano passado eum artigo sobre ensaios de vacinas terapêuticas realizados pela agência france-sa ANRS. Há também um novo artigo sobre a motivação e a disponibilidadepara participar de pesquisas sobre uma candidata à vacina.

Entre as novidades do Brasil, apresentamos o resumo de um artigo sobresubtipos e uma entrevista com Ésper Kallás, da Universidade Federal de SãoPaulo, que dirige um ensaio de Fase I de uma vacina da Merck sobre a qual jáhavíamos falado no último Boletim. Você encontra ainda informações sobre oComitê de Vacinas do Programa Nacional de DST e AIDS (PNDST-AIDS), que foiabsorvido pelo Comitê de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Leia comatenção e divulgue!

Por último, gostaríamos de expressar nossa satisfação pela produção dacompilação em CD-ROM de todas as edições do Boletim Vacinas publicadas.Desde 1992 até 1995, contribuíram ABIA, GAPA-BA, GAPA-MG, GAPA-RS, Gru-po Pela VIDDA-RJ e Grupo Pela VIDDA-SP. De 1999 em diante, o GIV continuoua publicação. A produção do CD-ROM foi possível pelo o apoio do PNDST-AIDSe da IAVI (Iniciativa Internacional da Vacina de AIDS).

A equipe do Boletim de Vacinas

OPERPLEXIDADE

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PARA ENTENDER AS VACINAS ANTI-HIVexistência de uma vacinaanti-HIV pode levar até à er-radicação da AIDS, como jáaconteceu com a varíola.

Para isso, deve ser capaz de produziruma reação no sistema imunitário su-ficiente para neutralizar, eliminar oucontrolar o HIV.

Para as pessoas sem HIV a vacinapode ser preventiva. Nesse caso, aoentrar em contato com o HIV, o orga-nismo já teria uma resposta imunitáriapara controlar o vírus. As vacinas con-tra a varíola ou contra a pólio sãoexemplos bem-sucedidos. Ela tambémpoderia ser terapêutica, para as pes-soas com HIV, com o objetivo de neu-tralizar o HIV após reação do sistemaimunitário.

Mais de 20 candidatas já foram ex-perimentadas, seja em Fase I ou II (an-tes do teste em larga escala, com mui-tas pessoas). Atualmente, há duas va-cinas em pesquisas de Fase III na Tai-lândia e nos Estados Unidos, envolven-do 7.500 voluntários.

No Brasil, há três centros nacionaisde pesquisas vacinas anti-HIV, em BeloHorizonte (UFMG), no Rio de Janeiro(Projeto Praça Onze) e em São Paulo(CRT-AIDS e UNIFESP). Atualmente tam-bém há uma pesquisa na UFPe devacina terapêutica.

Como se testa umavacina?

Antes do teste em seres huma-nos, a vacina deve ser testada em te-cidos humanos e em pequenos egrandes animais. Se os resultadosforem promissores, se existir uma ava-liação favorável em relação à eficá-cia e segurança em seres humanos,passa-se às fases clínicas. Essas são asFases I, II e III. As vacinas preventivassão testadas em pessoas que não en-traram em contato com o HIV.Fase I: é a introdução de uma vaci-na candidata numa população huma-na para determinar a segurança (efei-tos adversos e tolerância) e a imuno-genicidade (capacidade de despertarreações imunológicas). Essa fase podeincluir estudos de doses e formas deadministração. Geralmente envolvemenos de 100 voluntários.

4.Número mínimo de doses a seremtomadas e possibilidade de combina-ção com outros programas de imu-nização.5.Estabilidade (fácil de transportar, resis-tente a mudanças de temperatura etc.).6. Facilidade de administração (a viaoral, por exemplo, é melhor do que ainjetável).7.Baixo custo e possibilidade de pro-dução local.

Por que é possível umavacina anti-HIV?

1. A capacidade de algumas pessoas debarrar a infecção pelo HIV tem sido vistapor pesquisadores como a resposta deque a vacina é possível: existem criançasque nascem de mães infectadas mas nãotêm HIV; há também pessoas expostasque não se infectam.2. É possível controlar a infecção agu-da pelo HIV.3. Existem pessoas infectadas há mui-to tempo que não desenvolvem AIDS,permanecendo saudáveis.4. A transmissão por meio da mucosaé relativamente ineficiente.5. Já foi possível a proteção contra aAIDS em macacos, por meio do con-trole da carga viral.

Obstáculos para aprodução de uma vacina1. A resposta imunitária é medíocree lenta.2. Não se conhecem as reações quedevem ser desenvolvidas pelo sistemaimunitário contra o HIV, com capaci-dade de neutralizá-lo.3. Há grande variabilidade do HIV-1.Existem três tipos: M, N e O. O tipo Mtem vários subtipos (de A até J). Hátambém o “vírus mosaico”, com peda-ços de subtipos diferentes.4. Os modelos animais não são com-pletamente satisfatórios. Nenhummacaco fica doente pelo HIV, apesarde haver relatos de um macaco terficado doente depois de vários anos,o que também não é suficiente. Osmodelos utilizam a infecção pelo SIV(vírus de imunodeficiência dos sími-os) ou pelo SHIV, que é um vírus com-binado entre o HIV e o SIV, criado emlaboratório.

Fase II: dedica-se a testar a imuno-genicidade e examinar a eficácia emum número limitado de voluntários(entre 200 e 500).Fase III: é a análise mais completade segurança e eficácia para a preven-ção da infecção pelo HIV. Envolve umnúmero maior de voluntários em umgrande estudo que inclui várias insti-tuições de saúde, muitas vezes de pa-íses diferentes.Fase IV: Se o resultado da Fase III forfavorável, a vacina é liberada para usoem determinadas populações. Mesmodepois de liberada, ela continua sen-do acompanhada para a observaçãode efeitos colaterais que podem nãoter sido registrados durante a experi-mentação.

Como calcular a eficáciaComo ainda não existe uma vacina

eficaz, a candidata é testada contra pla-cebo, uma substância inócua, sem efei-to nenhum. Por exemplo: um grupo depessoas sem HIV é dividido em dois gru-pos diferentes, ao acaso ou por sorteio.

O grupo 1 recebe a candidata avacina; o grupo 2 recebe o placebo.Nem os voluntários nem os pesquisa-dores sabem o que cada pessoa estárecebendo: pode ser a vacina ou o pla-cebo. Esse estudo é chamado de du-plo cego.

Passado um tempo (um ano, porexemplo), algumas pessoas de ambosos grupos podem ter entrado em con-tato com o HIV e podem ter se infecta-das. A partir de fórmulas matemáticas,comparando a incidência do HIV nosdois grupos, chega-se ao grau de eficá-cia da vacina ou à conclusão de que asubstância constitui um fator de risco.

Caraterísticas de umavacina ideal

1.Segurança excelente e risco mínimode efeitos adversos.2. Eficácia na prevenção da transmissãodo HIV por todas as vias conhecidas(oral, genital, anal e sangüínea) e emdiferentes populações (independente-mente de estado nutricional, doençaspreexistentes, caraterísticas étnicas etc).3.Proteção de longa duração contratodas as variedades de HIV-1 existentes.

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PARA ENTENDER A DISCUSSÃOATUAL SOBRE PESQUISADE VACINAS ANTI-HIV

e você quer saber o que estáacontecendo no campo devacinas anti-HIV, leia o resumo

abaixo,e a seção “Para entender asvacinas”.Em linhas gerais, você teráuma idéia sobre o assunto.

Reações que uma vacinadeve provocar no sistema

imunológico

Ainda não se sabe quais são asreações que o sistema imunológicodeve ter para estar protegido con-tra o HIV – os chamados indicado-res ou correlatos de imunidade.Esse desconhecimento dificulta apesquisa e é um dos pontos quedeve ser esclarecido. Sabe-se que háa reação por produção de anticor-pos neutralizantes, chamada deimunidade humoral. No entanto,essa reação mostrou ser insuficientepara controlar a infecção. Há, tam-bém, a reação de imunidade ce-lular, relacionada com a produçãode células capazes de eliminar célu-las infectadas. Atualmente, as vaci-nas candidatas visam à produção deambas as reações.

Tipos de imunizaçãovisada

Inicialmente, esperava-se que avacina produzisse uma imunida-de esterilizante, ou seja, umaresposta imunológica que preve-nisse completamente o estabeleci-mento de qualquer infecção detec-tável, mas, devido às dificuldades

observadas na pesquisa, começou-se a procurar alvos mais modestos,tais como:

a) a infecção transitória, emque há carga viral baixa, só detecta-da imediatamente após a exposiçãoao HIV (sem vírus detectado no san-gue, nos nodos linfáticos ou no lu-gar de exposição, usando os ensai-os PCR mais sensíveis, em seis mesesou mais tarde), com soroconversãotransitória ou inexistente;

b) a infecção controlada, emque a carga viral é baixa ou perma-nece em níveis indetectáveis (<1.000cópias de RNA /ml). Nesse caso, es-pera-se que a pessoa não venha adesenvolver AIDS ou que esse desen-volvimento demore muito mais doque com uma infecção comum. Porter baixa carga viral, os níveis viraisno sangue e secreções permaneceminsuficientes para infectar outros, oque é também importante para asaúde pública.

Variedades, subtipos etc.O HIV é bastante variável. Ele foi

classificado em três tipos: M (main),N e O (outlier). O M, o mais difundi-do no mundo, tem vários subtipos(de A a J). Há ainda os vírus mosai-cos, com pedaços de subtipos. Re-giões diferentes do mundo podemter diferentes subtipos circulando(ver Boletim Vacinas 10). Devido aessa variedade, uma vacina pode-ria proteger contra a infecção porum subtipo sem proteger da infec-ção por outro.

Superinfecção oureinfecção

É a infecção com uma novavariedade de HIV-1 numa pessoajá infectada pelo vírus. Esperava-se que, uma vez infectado poruma variedade de vírus, o orga-nismo desenvolvesse reações queo protegessem contra novas infec-ções. Se essas reações existissem,elas seriam as que uma vacina de-veria visar. A possibilidade de rein-fecção torna o uso de preservati-vo ainda mais importante para aspessoas que já estão infectadaspelo HIV/AIDS.

A discussão naatualidade: cientistas

racionalistas e empiristasDepois de as vacinas AIDSVAX

não terem mostrado eficácia (ver Bo-letim Vacinas 10) e de outros resulta-dos negativos (ver neste Boletim “So-bre macacos e homens”), voltou ahaver um enfrentamento entre cien-tistas “racionalistas” e “empiristas”. Osprimeiros insistem em que deve ha-ver mais pesquisa sobre ciência bási-ca para se entender melhor o queacontece com o sistema imunológi-co e com os animais para só então,realizar ensaios de grande escala emseres humanos. Os empiristas dizemque pouco se sabe sobre como asvacinas agem em geral e que não sedeve esperar para testar produtospromissores em seres humanos. Asduas abordagens podem ser con-templadas simultaneamente, desdeque haja fundos suficientes.

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ENTREVISTA

Draúzio Varela X Ésper Kallás

DV: Como é testada uma vacina?EK: O estudo de vacinas em hu-

manos precisa passar por três Fases:a) Fase 1: testa-se num número

limitado de pessoas se a vacina é bemtolerada, (se induz resposta do orga-nismo, se estimula o sistema imuno-lógico. Testam-se (doses diferentespré-selecionadas nos estudos pré-clí-nicos em macacos). Essa Fase demo-ra no mínimo dois anos. Se der tudocerto, se a vacina foi bem tolerada, aindução da resposta imunológicaadequada e promissora e foi possí-vel determinar a dose a ser adminis-trada, passa-se para a Fase seguinte.

b) Fase 2: vamos imaginar que oestudo na Fase 1 tenha sido feito comcem voluntários e que haja um efeitocolateral que se manifeste apenas emuma pessoa em cada mil. Cem volun-tários não bastam para identificar essaassociação. É necessário um númeromaior de participantes para localizareventos colaterais mais raros e a vaci-na passa a ser testada em centenas ecentenas ou milhares de pessoas du-rante mais alguns anos. Se foi bemtolerada, se induziu resposta imunoló-gica com uma dose geralmente já es-colhida e os resultados foram pro-missores, passamos para a Fase 3.

c) Fase 3: o propósito nessa Faseé responder se, no caso do HIV, a va-cina protege contra a infecção oucontra o desenvolvimento de doen-ças naqueles que foram infectadospelo vírus. Só nesse momento iremossaber se a vacina é eficaz ou não. Parachegar a essa conclusão são avalia-dos 7.000, 10.000, 15.000 voluntári-os. Parte deles recebe a vacina, a ou-tra recebe placebo e todos são acom-panhados por algum tempo para sa-ber se, entrando em contato com o

vírus, eles se infectam ou não. Duran-te todo o processo de pesquisa, nosdeparamos com alguns problemas:não se pode de jeito nenhum deixaro voluntário expor-se a riscos; é ina-ceitável usar uma vacina que tenha amais remota possibilidade de transmi-tir o HIV e infectar pessoas; e os parti-cipantes devem receber todas asorientações sobre como se protegercontra a exposição ao HIV. Em hipó-tese nenhuma o vírus poderá ser ino-culado numa pessoa que foi vacina-da nem ouvir dizer que é para sairpor aí tendo relações sem proteção.O respeito à norma ética é absoluto eo procedimento dos pesquisadorescontradiz o objetivo da pesquisa queé descobrir se as pessoas se infectamou não quando em contato com ovírus. Como se vê, conciliar as duaspremissas é difícil e retarda o apareci-mento da vacina.

DV: Instruir os voluntários paranão terem relações sexuais desprote-gidas vai contra o interesse do estu-do. Não adiantaria, por exemplo, va-cinar as freiras enclausuradas de umconvento como teste, porque elassem dúvida não iriam infectar-se nun-

ca. O ideal seria vacinar uma popula-ção de altíssimo risco para avaliar se ataxa de infecção cai, mas isso é ina-ceitável. Dizer: “Olhe, não sei se essavacina funciona. Você tem que tomarcuidado e reduzir o risco de pegarHIV” não interfere no resultado?

EK: É claro que interfere, mas nãose pode agir de forma diferente. Porisso, a coisa mais difícil no estudo finalque avalia a eficácia da vacina é iden-tificar o grupo de pessoas altamenteexpostas, aquelas dentre as quais, senada fosse feito, de 3% a 10% iriaminfectar-se com o HIV no primeiro ano.As medidas de proteção reduzem orisco, mas não o anulam e é nesseresíduo populacional que a vacinamostrará se funciona ou não.

DV: É uma tarefa absurda em ter-mos de trabalho. Na Fase 1, cem pes-soas vão ser testadas para ver se su-portam a vacina, qual a dose indica-da, etc. Na Fase 2, mais de mil partici-pam para, por assim dizer, fazer umasintonia fina da vacina. Por fim, umnúmero enorme ajuda a verificar se avacina tem eficácia para a proteção depessoas não infectadas. Além disso, háum complicador bastante forte, ouseja, o tipo ou subtipo do HIV que exis-te no Brasil, por exemplo, que é dife-rente do que circula na África, na Ásiaou na América do Norte. Portanto,esses estudos precisam ser repetidosem diversos países para se ter certezade que determinada vacina vai funci-onar nos quatro cantos do mundo.

EK: Por isso, em todos os estudosde vacina, é muito importante levar emconsideração as diferenças regionais.Depois é importante a participação devários centros. Não se pode achar queuma vacina desenvolvida só nos Esta-dos Unidos ou na França sirva para a

DRÁUZIO E ESPER. UM BATE PAPOSOBRE VACINAS ANTI-HIV

O médico Dráuzio Varella conversou com o Prof. Dr. Esper Kallás(da Universidade Federal de São Paulo) sobre o estudo de vacinas anti-HIV

com um produto da Merck iniciado no Rio de Janeiro e em São Paulo.O Boletim Vacinas traz aqui a íntegra desse bate-papo,

gentilmente cedido pela TV-UNIFESP

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ENTREVISTA

Dráuzio Varela e Ésper Kállas

população do Brasil, sem que tenha-mos tido a oportunidade de participardo processo de desenvolvimento. Porisso, é fundamental a mobilização doscientistas, das autoridades e (principal-mente das comunidades afetadas pelatransmissão do vírus HIV. Todos preci-sam entender que essa participaçãofaz parte de um processo natural peloqual temos de passar para desenvol-ver uma vacina que funcione.

DV: Há dois tipos de vacina con-tra o HIV: as preventivas e as terapêu-ticas. As preventivas são usadas naspessoas não infectadas para que nãocontraiam o vírus e as terapêuticas,em quem já se infectou, com a fina-lidade de exaltar uma resposta imu-nológica mais eficaz. Essa vacina emteste é preventiva ou terapêutica?

EK: O objetivo é preventivo. A va-cina terapêutica pode até ser a mes-ma e há interesse em saber, por exem-plo, se pacientes HIV-positivo, receben-do tratamento anti-retroviral, ou seja,os remédios do coquetel, tomandoessa vacina, não poderiam diminuir asdoses ou parar de tomá-los por algumtempo. Essa é uma questão a ser res-pondida, mas não é o objetivo desteestudo que está voltado para o desen-volvimento da vacina para quem nãofoi infectado pelo HIV. Trabalha-se comvacinas contra o HIV contando comduas possibilidades. Primeira é provarse a pessoa que recebeu a vacina temo sistema imunológico fortalecido con-tra o vírus a ponto de barrar sua entra-da se houver contato com o de outrapessoa. Esse seria o efeito preventivoideal. Segunda possibilidade: a pessoaentrou em contato com o HIV, mas avacina não conseguiu barrar sua en-trada. Ele entra, mas não causa defici-ência imunológica, ou, se a causa, ofaz muito lentamente. Obviamente aatenuação ou o bloqueio da (doençaserão analisados em qualquer estudoque atinja a Fase 3.

DV: Nesse estudo, vocês espe-ram juntar quantos voluntários para(participarem da Fase um?

EK: São 435 voluntários no mun-do todo, 87 dos quais farão parte doestudo em quatro centros da Améri-ca Latina: um no Peru e três no Brasil.Em São Paulo, na UNIFESP (Universi-

dade Federal do Estado de São Pau-lo) e no CRTA (Centro de Referencia eTreinamento em DST/AIDS ), e no Riode Janeiro, na UFRJ (Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro). Não pode-mos ainda precisar o número de vo-luntários que nos caberá acompa-nhar, mas é uma fração desses 87.

DV: Esses voluntários já estão ins-critos?

EK: Eles estão fazendo a inscriçãovia nossa página na internet no portalda escola: Desde 1999, estamos en-gajados em estudos para entendercomo funciona a resposta imunológi-ca das pessoas e como elas se defen-dem contra o HIV aqui no Brasil. Pro-curamos determinar também qual operfil do vírus no nosso país, uma vezque ele sofre alterações diferentes con-forme a região do planeta. Além dis-so, nos interessa saber como é a defe-sa imunológica do brasileiro porque,com certeza, é diferente da dos ameri-canos, franceses, tailandeses ou sul-afri-canos. Durante esse período, estive-mos nos preparando para fazer estu-dos com vacinas e recentemente obti-vemos a aprovação para conduzir umestudo da Fase 1 de um produto vaci-nal candidato que vai ser testado emdiversos países tentando responder aquestão da variabilidade de respostada vacina ao redor do globo.

DV: Essa vacina é preparada comvírus morto, com vírus atenuado oucom um fragmento do vírus?

EK: Por causa do princípio de se-gurança que já mencionamos, essavacina é preparada com fragmentodo vírus. Portanto, não há a menorpossibilidade de a pessoa receber avacina e infectar-se pelo HIV ou de-senvolver Aids. Essa fração foi escolhi-da por ser um dos pedaços do vírusque é mais constante, mais conserva-do e que sofre menos variações oumutações, uma das características des-se vírus. Utilizar uma região do vírusque sofra muitas modificações au-menta a possibilidade de ele adaptar-se e a vacina perder sua serventia.

DV: O que vocês esperam obtercom esse estudo?

EK: O objetivo principal é conse-guir induzir uma resposta imunológicasuficientemente forte para proteger a

pessoa contra o HIV. Espera-se que sejatão forte que possamos percebê-la logonas primeiras análises, o que abreviariao tempo de decisão para iniciar a Fase2. Quem lida com vacinas precisa serotimista. Nesse campo de vacinas con-tra Aids, já enfrentamos muitas frustra-ções. São 20 anos de estudos e pes-quisas que, em muitos casos, resulta-ram em fracasso. Recentemente, foramdivulgados três trabalhos que não de-ram certo na Fase 3. O problema é quea cada dia morrem de Aids milhares depessoas. A epidemia afeta 14.000 pes-soas por dia no mundo, sendo que95% são infectadas em países em de-senvolvimento ou muito pobres. Se porum lado o Brasil é um deles, por outroé um exemplo porque há tratamentopara todos os doentes. Em muitos paí-ses africanos, porém, esse é um sonhodistante. Para dar uma idéia, em váriosdeles a renda per cápita anual é deUS$100,00 e o tratamento mais bara-to que existe atualmente custa por vol-ta de US$250,00.

DV: Você disse que o mais baratotratamento sai por US$250,00 anuais.Quando surgiram os antivirais, o trata-mento custava US$12.000,00 por ano.O Brasil teve papel de destaque nessaqueda de preços dos antivirais.

EK: Teve e continua tendo. O su-cesso do programa brasileiro no trata-mento da Aids é espelho para o mun-do. Isso está patente não só nos con-gressos e nos textos publicados, masnas ações. Por exemplo, a OMS temprocurado levar brasileiros para Gene-bra a fim de colaborarem nos progra-mas internacionais, inclusive nos pro-gramas para os países mais pobres.

DV: Vou fazer uma pergunta queprovavelmente está na cabeça de to-das as pessoas. Você acredita que te-remos uma vacina contra Aids emquanto tempo?

EK: Eu me considero um otimista,mas tenho medo de dar uma data ecriar falsas expectativas. Bill Clinton as-segurou que em dez anos teríamosuma vacina contra a Aids. Passaram-se cinco e até agora não conseguimos.No entanto, temos que ser otimistas eacreditar que quanto mais rápido vier,melhor. Para atingir esse objetivo va-mos fazer tudo o que pudermos.

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Conferência de Retrovírus

Huntly Collins

SOBRE HOMENS E MACACOS:A VACINA PARA A AIDS NUMA

ENCRUZILHADAPor Huntly Collins

Extraído da página da AVACCoalizão de Ativistas por uma Vacina de AIDS, março 2004, www.avac.org

quadro “Um batedor cegomarca gol?”, apresentadopelo pesquisador da Univer-

sidade de Harvard, Ronald Desrosiers,chamou a atenção de centenas decientistas, entre os 3.900 que assisti-am à XI Conferência de Retrovírus eInfecções Oportunistas, realizada emSão Francisco, no início de fevereirodeste ano. Através do quadro – mos-trando um batedor de pênalti, comos olhos vendados, tentando inutil-mente chutar uma bola que não via–, Desrosiers, que estuda a versão daAIDS em macacos, no Centro de Pes-quisa em Primatas da Nova Inglater-ra, filiado a Harvard, veiculou umacrítica não muito sutil aos esforçosatuais para o desenvolvimento deuma vacina contra o HIV.

Citando um rol de questões cien-tíficas não resolvidas sobre o vírus –junto com estudos da versão do HIVpara macacos, no seu laboratório –,Desrosiers afirmou que a pesquisa devacinas de AIDS precisa voltar à par-te básica e superar desafios científi-cos fundamentais, antes de seguiradiante com mais ensaios de Fase IIIde vacinas experimentais que têmuma fraca chance de sucesso.

A aguda crítica de Desrosiers –pouco comum nesse encontro anualdos cientistas mais importantes deAIDS dos Estados Unidos – provocoufortes réplicas de cientistas que estãotentando conduzir várias candidatasa vacina a testes em humanos. “Nãoquero uma vacina para macacos. Pre-

cisamos ser cautelosos, mas devemoslevar produtos promissores a ensaiosclínicos,” protestou Susan Buchbinder,que lidera a pesquisa de HIV no De-partamento de Saúde de São Francis-co e que ajudou a revisar o únicoensaio de vacina anti-HIV de Fase IIIrealizado nos Estados Unidos.

para o HIV possa ter sucesso, o im-pulso de estabelecer grandes redespara a testagem desses produtos emensaios de Fase III é necessário.

Respondendo a perguntas, Desro-siers explicou que não condenava arealização de ensaios em seres huma-nos, mas que é preciso mais equilíbriono desenvolvimento de vacinas paraa AIDS, com mais atenção à ciência doque à preparação de grandes ensaiosinternacionais. “Se obtivermos um bomproduto, a infra-estrutura para testá-loem pessoas aparecerá,” afirmou.

Discussão antigaO debate não é novo. Existe des-

de meados da década de 1990,quando os cientistas divergiramquanto ao uso do dinheiro dos con-tribuintes para financiar um ensaio deFase III da vacina de subunidadegp120, que posteriormente ficouconhecida como AIDSVAX.

Na época, alguns cientistas se opu-seram à utilização de fundos públicospara o ensaio, dizendo que os testesde laboratório do produto mostravamque ele não tinha possibilidades deprevenir a infecção pelo HIV. Outros,particularmente aqueles que trabalha-vam pesquisando vacinas para outrasdoenças, replicavam que o únicomodo de sabercom segurança se umavacina funciona ou não é testá-la numgrande número de pessoas.

O debate de hoje envolve muitosdos mesmos atores que se manifesta-ram na época, mas, desta vez, ocorre

O

A Fundação Bill &Melinda Gates afirmouque haverá investimentose os atores tanto do setor

público como do setorprivado puderem agir

em conjunto.

Larry Corey, chefe da Rede de En-saios da Vacina para o HIV (HVTN),dos Institutos Nacionais de Saúde dosEstados Unidos, defendeu a posiçãode Buchbinder, afirmando que ne-nhum dos modelos em animais pes-quisados até hoje é equivalente aosrealizados em humanos. “Ensaios clí-nicos bem realizados poderiam for-necer evidências de valor e aceleraro processo de encontrar uma vacinapara a AIDS”, acredita.

Mas as ásperas observações deDesrosiers foram aplaudidas pormuitos cientistas. Neal Nathanson,microbiologista da Universidade daPensilvânia e ex-diretor do Setor dePesquisa de AIDS do governo nor-te-americano acredita que, mesmona ausência de evidência científicamais forte que mostre que a gera-ção atual de candidatas a vacina

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CONFERÊNCIA DE RETROVÍRUS

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contra um pano de fundo de doisrecentes ensaios de Fase III que de-monstraram que a AIDSVAX não tinhaeficácia. Além disso, há uma contro-vérsia sobre a decisão do governofederal dos Estados Unidos de finan-ciar um ensaio de Fase III na Tailândiaque muitos cientistas acreditam quenão funcionará e são esperados cor-tes no financiamento federal para odesenvolvimento de vacinas de AIDSnos próximos cinco anos.

Em meio a todas essas incerte-zas, a Fundação Bill & Melinda Ga-tes sugeriu uma grande reorganiza-ção no modo de realizar a pesquisade vacinas anti-HIV, afirmando quehaverá investimento se os atores tan-to do setor público como do setorprivado puderem agir em conjun-to. Por isso, não deve surpreendero ressurgimento do debate borbu-lhante entre os chamados “raciona-listas” (como Desrosiers) e os “empi-ristas” (como Buchbinder).

O que está em discussão não éum ponto de vista abstrato e filosófi-co. Há perguntas muito reais sobrecomo melhor investir os recursos limi-tados que estão disponíveis – e quemobterá os recursos adicionais queGates possa colocar na mesa. Umdólar gasto na preparação de ensaiosclínicos, por exemplo, é um dólar quenão pode ser usado em ciência bási-ca. Inversamente, um dólar investidoem ciência básica é um dólar quepode ser usado para testar uma vaci-na experimental em pessoas.

Desrosiers, que intitulou sua apre-sentação como “Por que uma vacinaefetiva contra o HIV não está ao nos-so alcance”, citou a falha de váriasvacinas candidatas para a AIDS emproteger macacos imunizados emdesafios com SIVmac239 – que cau-sa uma doença como a do HIV emmacacos – como evidência de que énecessário dar mais atenção à ciên-cia básica. Uma série de ensaios re-portados, no ano passado, por Da-vid Watkins, da Universidade de Wis-consin, e por pesquisadores da Mer-

ck, mostrou que os regimes de “pri-mário-mais-reforço”, dentre os quaisDNA mais adenovírus ou MVA (cepado vírus da vaccínia Ankara modifica-da), ofereceram pouca ou nenhumaproteção para a infecção ou para aprogressão da doença, mesmo quan-do os macacos foram inoculados nomáximo da resposta imunitária comSIVmac239 homólogo.

De acordo com Watkins, a cepainoculada coincidia exatamente comas seqüências de vírus nas vacinas.“Se não podemos nos proteger con-tra o SIVmac239 clonado e homólo-go usando vacinas com seqüênciasidênticas e em condições ideais, te-mos muito pouco motivo para otimis-mo sobre a capacidade protetoradesse tipo de vacina,” lamentou.

dentemente, os dois macacos comrespostas imunitárias fracas tam-bém foram protegidos.

Por outro lado, o pesquisador re-latou que macacos inoculados comoutras vacinas, incluindo DNA segui-do de um reforço de uma vacinaque usava como vetor o vírus daHerpes Simplex, demonstraram res-postas fortes de CD8 sem, no en-tanto, ficarem protegidos contra ainoculação de SIVmac239. Segun-do Desrosiers, a boa nova é que épossível proteger macacos do SIV-mac239 com uma vacina de SIV vivoe atenuado, que produz níveis bai-xos de anticorpos e células CD8. Amá notícia é que os cientistas nãosabem o que está protegendo osmacacos, uma vez que as respostasimunitárias medidas não se correla-cionam com a proteção real.

“Os testes do laboratório padrãonão refletem a componente proteto-ra desses experimentos”, contou Des-rosiers. Esses exames de laboratóriosão as principais ferramentas que oscientistas estão usando agora paradecidir quais vacinas experimentaisdevem entrar nos ensaios clínicos emseres humanos. Eles estão sendo usa-dos para avaliar a força das respostasimunitárias em humanos.

Os resultados de Desrosiers,publicados na Nature Medicine(ver artigo Chances para uma Va-cina, neste Boletim) questionam asatuais correntes de pensamentosobre o desenvolvimento de umavacina contra o HIV e levantamdúvidas sobre se alguma das vaci-nas candidatas em processo depesquisa e desenvolvimento pode-rá ser eficaz. Algumas dessas vaci-nas, incluindo a que está sendodesenvolvida pela Merck&Co., têmpassado a ensaios em humanosporque protegeram os macacos daprogressão da doença, mas nãopreveniram a infecção. Nessas ex-periências científicas, os animaisforam inoculados com SHIV, um ví-rus artificial que combina elemen-

PreocupaçãoPara Ronald Desrosiers, é igual-

mente preocupante a falta de cor-relação entre a proteção real emmacacos e os níveis de anticorposneutralizantes e células CD8+T,que matam células infectadas,medidas com testes laboratoriaispadrão. Em um ensaio, ele relatouque três de cinco macacos foramprotegidos “espetacularmente” dainoculação de SIVmac239, seguin-do a aplicação de uma vacina deSIV vivo atenuado. A atenuaçãoconsistia na eliminação de porçõesdo gene do envelope. Dois dostrês macacos protegidos não ti-nham anticorpos neutralizantesdetectáveis e apresentavam respos-tas fracas de CD8, medidos pelosexames padrão. Porém, surpreen-

Se não podemos nosproteger contra o

SIVmac239 clonado ehomólogo usando vacinascom seqüências idênticas

e em condições ideais,temos muito pouco motivo

para otimismo sobre acapacidade protetoradesse tipo de vacina.

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tos do HIV e do SIV, quase obriga-tórios, atualmente, em pesquisas devacinas que usam macacos.

Independentemente da populari-dade de modelos SHIV, Desrosiersacredita que SIVmac239 é, de fato, ovírus mais apropriado, porque se com-porta de modo semelhante ao HIV emhumanos. Esse vírus usa o mesmo co-receptor de citocinas que o HIV paraentrar nas células e produz uma do-ença que progride lentamente comoa AIDS, num período de vários anos.A doença produzida por SHIV mata oanimal em semanas.

Outros relatosVários outros artigos apresenta-

dos na Conferência de Retrovírusdemonstraram as dificuldades cien-tíficas para o desenvolvimento devacinas contra a AIDS. Entre as no-tícias pouco alentadoras, há umaanálise independente dos resulta-dos finais do ensaio da AIDSVAX nosEstados Unidos, que confirmou quenão houve um efeito protetor esta-tisticamente significativo entre ne-gros ou qualquer outro subgrupoque tenha participado do ensaio,além de a vacina não apresentarnenhuma eficácia.

A AIDSVAX foi testada em 5.500pessoas, das quais a maioria era dehomossexuais norte-americanos. Aanálise, apresentada em setembropor cientistas do governo norte-ame-ricano, dessa vez incluiu a participa-ção de cientistas da VaxGen, Inc.,companhia que patrocinou o ensaioe que reportou, no ano passado, quea vacina tinha alguma eficácia e umefeito protetor entre negros.

Durante a Conferência, pela pri-meira vez num fórum público, pes-quisadores da Tailândia relataram osresultados finais do ensaio de Fase IIIda versão tailandesa da mesma vaci-na. No teste, participaram 2.500usuários de drogas injetáveis: apro-ximadamente 8,4 % dos vacinadoscontra 8,3 % dos que receberam pla-cebo ficaram infectados, mostrando

que a vacina não tem eficácia. “Osucesso do ensaio nem sempre sig-nifica o sucesso da vacina”, justificouPunnee Pitisutithum, pesquisadorada Universidade de Mahidol.

Os resultados dos dois ensaios –os primeiros ensaios de Fase III deuma vacina experimental de AIDS –não surpreenderam os cientistas bá-sicos, que há dez anos, previram quea vacina ia falhar. Embora o produtotenha estimulado anticorpos quepodiam proteger contra a infecçãopelo HIV do laboratório, os mesmosanticorpos não neutralizaram o vírusdo sangue dos soropositivos.

co a treze meses de suas infecçõesoriginais, três pessoas foram nova-mente infectadas com um vírus comseqüência genética diferente do ví-rus original. Seis meses depois deserem superinfectados, as cargas vi-rais desses indivdúuos crescerammais de 100 vezes e a contagem deCD4 caiu significativamente.

Embora ninguém saiba se o mes-mo fenômeno aconteceria numa pes-soa soronegativa cujo sistema imuni-tário tenha sido fortalecido com umavacina, o relatório levanta temas pro-blemáticos para os pesquisadores devacinas que estão contando com oestímulo da imunidade celular paraprevenir que portadores de HIV desen-volvam AIDS. A implicação do estudode Richman é que, mesmo se umavacina induzisse uma resposta de CD8que protegesse a pessoa contra a in-fecção inicial, talvez não funcionassecontra um vírus com um genoma di-ferente. Todas as pessoas no estudoforam infectadas com o subtipo B dovírus, predominante na América doNorte, mas, mesmo dentro desse sub-tipo de vírus, existe variação genéticasuficiente para confundir profunda-mente a resposta das células CD8.

Em outro golpe a vacinas contraAIDS baseadas em imunidade celularpara retardar a progressão da doen-ça, Bruce Walker e colaboradoresanunciaram, num hospital de Massa-chusetts, que as respostas celularesimunitárias não duram muito tempoem pessoas recentemente infectadasque suspenderam o tratamento comanti-retrovirais, depois de terem con-seguido suprimir o vírus num progra-ma de interrupções estruturadas detratamento. Seis meses depois da ter-cera interrupção, a carga viral come-çou a subir e a contagem de CD4 caiuna maioria das pessoas. Porém, comoo estudo foi feito com apenas 14 pes-soas, será preciso um estudo maiorpara confirmar os resultados.

Cientistas do governo dos Esta-dos Unidos, trabalhando sob a dire-ção de Anthony Fauci, diretor do Ins-

Os resultados de Desrosiersquestionam as correntes

atuais de pensamento sobreo desenvolvimento de uma

vacina contra o HIV elevantam dúvidas sobrese alguma das vacinas

candidatas em processo depesquisa e desenvolvimento

poderá ser eficaz.

Desde então, os resultados de ciên-cia básica de HIV têm estimulado odesenvolvimento de vacinas com maispotencial. Ainda assim, há grandesobstáculos, como mostraram outrosestudos na Conferência deste ano.

Todd M. Allen e colegas do Cen-tro de Parceria em Pesquisa de AIDSde Harvard, do Hospital Público deMassachusetts, demonstraram queuma versão de uma molécula gene-ticamente herdada que o corpo usapara apresentar pedaços de proteí-nas do HIV às células do sistema imu-nitário está associada a mutações quedeixam que o HIV escape da identifi-cação pelas células CTL.

Mais adversidadesUma equipe no laboratório de

Douglas Richman, da Universidadeda Califórnia, em San Diego, docu-mentou três casos de superinfecçãoentre um grupo de 54 indivíduosrecentemente infectados. Após cin-

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tituto Nacional de Alergia e DoençasInfecciosas, relataram a descobertade um subtipo de células T regula-doras que suprimem células CD4 in-fectadas com HIV e CTLs depois dainfecção. Esse achado sugere quetalvez seja possível gerar uma respos-ta imunológica melhor eliminando ossupressores. Mas essas descobertassugerem que as tentativas de aumen-tar as respostas de CD4 e CTL atra-vés de imunizações vão fracassar, jáque as reações serão controladas porcélulas T regulatórias.

Vários estudos apresentados naConferência questionaram, também,o teste ELIspot, que permite que ci-entistas avaliem amostras de sanguede pessoas vacinadas para ver se avacina produz uma reação forte nascélulas CD8, que produzem o inter-feron-gama (INF-γ) Entretanto, aequipe de Walker, em Massachussets,anunciou estudos laboratoriais quedemonstram que as únicas célulasCD8 que produzem INF-γ capazes dematar células infectadas também pro-duzem o chamado fator alfa de ne-crose tumoral (TNF-a). O resultado doestudo permite supor que talvez ELIs-pot esteja sobreestimando a imuno-genicidade de vacinas que estimu-lam imunidade celular.

Mesmo que o SHIV, o vírus artifi-cial que infecta macacos, tenha sidousado para testar vacinas em maca-cos nos últimos anos, cientistas dogoverno norte-americano apresenta-ram evidências adicionais de que omodelo SIV – e não o SHIV – imitamelhor a infecção humana com oHIV. O SHIV, descobriram os cientis-tas, infecta células CD4 com o recep-tor de citocinas CXCR4, enquanto oSIV infecta células CD4 com o recep-tor CCR5, o mesmo que o HIV usano começo da infecção de humanos.

Estudo australianoEmbora ativistas da comunidade

soropositiva tenham reivindicadouma vacina terapêutica que ajudas-se o sistema imunitário a combater oHIV em pessoas que já estão infecta-

das, pesquisadores australianos, soba direção de David Cooper, reporta-ram descobertas decepcionantes so-bre duas vacinas terapêuticas testa-das em pessoas que conseguiram su-primir a replicação viral com trata-mento com ARV.

Num estudo, 79 pessoas foramrandomizadas em três grupos: pla-cebo, uma vacina com canarypoxe vários genes do HIV, ou uma pri-meira dose de canarypox seguidopor uma de Remune, uma vacinaterapêutica desenvolvida por JonasSalk. A eficácia foi medida compa-rando-se a proporção de pessoascom uma carga viral inferior a milcópias, 24 semanas depois de sus-pender o tratamento com ARV. Oestudo – o primeiro ensaio contro-lado, duplo-cego de uma vacina te-rapêutica – não encontrou nenhu-ma diferença entre o grupo place-bo e os grupos vacinados.

Um outro estudo, realizado en-

beram vacinas em comparação aosque só receberam antivirais. Vinte ecinco pessoas escolheram participarde um segundo estudo, no qual re-ceberam mais uma dose da vacina,fowlpox parcial ou completa, ou pla-cebo. Depois disso, suspenderam osanti-retrovirais. A carga viral aumen-tou em todos os grupos, mas aumen-tou menos no grupo que estava re-cebendo o vetor fowlpox completo.Porém não houve uma diferença notempo para reinício de terapia entreos que receberam vacinas e os quereceberam placebo.

A procura de uma vacina eficazde AIDS está se revelando um pro-cesso muito mais demorado do queo previsto (o ex-presidente Bill Clin-ton, em 1997, estabeleceu o pra-zo de dez anos para a descobertade uma vacina). Na palestra “O fu-turo da terapia anti-retroviral: o queacontecerá se não houver uma va-cina?”, o pesquisador da Universi-dade do Colorado, Robert “Chip”Schooley, sugeriu que os cientistaspensem em remédios anti-AIDS,como inibidores de entrada e vaci-nas preventivas, e comecem a con-siderar a possibilidade de produçãode vacinas baseadas em células quepossam prevenir o progresso dadoença, mas não a infecção, comoterapias potenciais.

Ainda há esperançaEm meio ao pessimismo expres-

sado na conferência sobre as possi-bilidades de se obter uma vacina deHIV a curto prazo, alguns estudosmostraram progresso no desenvolvi-mento de uma vacina. Na Seção dePôsteres, o laboratório de Mark Fein-berg, da Universidade de Emory,apresentou resultados promissores deexperiências científicas com modelosde computador, cujo objetivo foi de-terminar a possibilidade de testar aeficácia de vacinas em macacos ino-culando vírus repetidamente e emdose baixa, a fim de simular melhoro modo com que as pessoas se in-fectam, em contraste com as inocu-

O laboratório de MarkFeinberg, da Universidade

de Emory, apresentouresultados promissores deexperiências científicas

com modelos decomputador, cujo objetivo

foi determinar apossibilidade de testar aeficácia de vacinas em

macacos inoculando vírusrepetidamente e em dosebaixa, a fim de simularmelhor o modo pelo qualas pessoas se infectam, em

contraste com asinoculações atuais, que

usam doses altas.

tre 35 pessoas em terapia com ARV,avaliou o impacto de se misturaremtrês doses da vacina com o vetor fo-wlpox, ou a mesma vacina mais IFN-y, ao regime anti-retroviral. O estudonão achou diferenças significativasno número de células CD8 específi-cas para HIV nos sujeitos que rece-

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lações atuais, que usam doses altas.Os modelos computacionais demons-traram que seria possível fazer testesmais realistas sem utilizar um númeroexcessivo de macacos. O grupo estáplanejando fazer testes de dose baixaem sua pesquisa sobre microbicidas.

Os cientistas da Universidade deDuke, da Universidade do Alabama edo Laboratório de Pesquisa de Los Ala-mos relataram progresso na criaçãode um imunógeno que poderia cau-sar respostas imunitárias humorais ecelulares a cinco subtipos diferentesde HIV encontrados em várias partesdo mundo - A,B,C, D e uma formarecombinante AE. Os cientistas se con-centraram no gene env, que codifi-ca a proteína na camada externa doHIV. Identificando seqüências genéti-cas específicas de env comuns a to-dos os subtipos, os pesquisadoresdesenvolveram a chamada “seqüên-cia de consenso”. Nas experiênciascom camundongos, a seqüência deconsenso – transmitida em vacinas devetores virais – suscitou respostas deCD4 e anticorpos para todos os sub-tipos. Esses resultados sugerem queas seqüências de consenso de váriosgenes podem superar o problema dadiversidade do HIV.

Num display de pôsteres, MarthaMathas, da Universidade da Califórnia,relatou que 11 de 17 macacos jovensvacinados com alguma de duas vaci-nas de vetor viral foram protegidos deuma ingestão bucal de baixa dosecom SIVmac239. Em comparação,entre cinco macacos jovens de umgrupo controle, quatro ficaram infec-tados. O vírus foi ingerido com umamamadeira – um procedimento quepretendia simular a infecção pelo lei-te materno. As vacinas dessa experi-ência utilizaram vetores MVA e cana-rypox, os dois expressando genesgag, pol e env do SIV. O estudo, queainda está em andamento, relatou acondição dos animais depois de cin-co semanas da ingestão oral. Será pre-ciso mais tempo para avaliar a dura-ção da proteção.

Dennis Burton, do Instituto de Pes-quisa Scripps, de La Jolla, apresentouas experiências do seu laboratório paradesenvolver uma vacina gerando an-ticorpos com ampla capacidade deneutralizar o HIV. Burton está estudan-do a estrutura de anticorpos raros quesurgem naturalmente e têm a capaci-dade de neutralizar o vírus. O objetivoé conhecer o funcionamento dessesanticorpos para desenvolver imunóge-nos que possam fazer o mesmo.

DúvidaEm meio a tantos relatos, uma

dúvida persiste: como deveriam pros-seguir a pesquisa e o desenvolvimen-to de uma vacina? Seria necessário,como Desrosiers argumentou, reinici-ar o processo de planejamento e con-duzir mais testes de ciência básica pararesolver os desafios fundamentais,como, por exemplo, gerar uma respos-ta eficaz de anticorpo? Ou deveríamoscontinuar sem mudanças – desenvol-vendo mais e mais vacinas experimen-tais para testes em humanos numasérie de ensaios de Fase I, II e III?

Numa palestra no último dia daconferência, Buchbinder disse que nãose trata necessariamente de escolherentre uma ou outra alternativa. Elaapoiou a continuidade da pesquisabásica, e também e da pesquisa clíni-ca de ensaios tipo Fase IIb, que recru-tam até 2 mil pessoas. Os resultadosseriam usados para a obtenção maisrápida de dados sobre a eficácia epossíveis indicadores de proteção.

Se corretamente planejados e re-alizados, esses ensaios facilitariam oprogresso em direção a uma vacina eproduziriam informação útil que aju-daria no desenvolvimento de futurascandidatas a vacina. Essencialmente,os ensaios seriam ferramentas de pes-quisa e não um caminho rotineiro queconduzísse a um produto.

Independentemente dos resultadosdesse debate, é indiscutível que o HIVcontinua a se expandir, em especial nomundo subdesenvolvido e em particu-lar em meninas e mulheres jovens. Esse

foi um ponto chave na intervenção deStephen Lewis, ex-embaixador do Ca-nadá na ONU e atualmente enviadoespecial da ONU para assuntos relaci-onados com o HIV/AIDS na África.

Segundo ele, no continente afri-cano, que tem o maior índice de HIVno mundo, as mulheres constituemdois terços das mais de 10 milhõesde pessoas que têm entre 15 e 24anos e vivem com HIV. Mesmo consi-derando que alguns têm acesso a tra-tamento com ARV, a maioria continuasem esses benefícios.

O ex-embaixador elogiou os esfor-ços científicos para encontrar um mi-crobicida que dê às mulheres umaopção para prevenir a infecção peloHIV e sugeriu que elas estejam entreos grupos prioritários para receberações de prevenção, tratamento eassistência em países em desenvolvi-mento. Também destacou que é omomento para atentar às desigualda-des de gênero que sustentam a epi-demia em mulheres africanas e pediuum maior respeito às leis contra o es-tupro, à reforma de leis que limitam odireito de herança e de propriedadedas mulheres, e à cassação de profes-sores que assediam as suas alunas.

Lewis fez um apelo contundenteaos cientistas para que saiam do papelde observadores e ajudem a fazer oOcidente compreender a devastaçãocatastrófica que o HIV causa na África:“Em algum momento de suas vidas,têm que haver tempo para gritar deseus telhados. Digam ao mundo e aosseus governos, especialmente aos go-vernos ocidentais, que um apocalipsecomeçou e tem que ser detido antesque nos engula a todos. Se a morali-dade está ausente nas ações dos go-vernos, então deve ser reencontradano ativismo dos indivíduos.”

A pesquisa sobre vacinas contraAIDS precisa voltar à parte básica esuperar desafios científicos funda-mentais, antes de seguir adiante commais ensaios de Fase III de vacinasexperimentais, que têm uma fracachance de sucesso.

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UMA PESQUISA EM INDIVÍDUOSCRONICAMENTE INFECTADOS

.Por Rodrigo M. Brindeiro, Ricardo S. Diaz, Ester C. Sabino, Mariza G. Morgado, Ivone L.

Pirese, Luis Brigido, Maria C. Dantas, Draurio Barreira, Paulo R. Teixeira, AmilcarTanuri e Rede Brasileira de Pesquisa de Resistência aos Medicamentos

(Adaptado de AIDS 17, pp. 1063-1067)

O desenvolvimento de resis-tência a medicamentoscontinua sendo um dos

mais graves obstáculos para deter adisseminação de HIV durante a tera-pia anti-retroviral altamente ativa (HA-ART). Nos países desenvolvidos, a pre-valência da transmissão de vírus re-sistentes a um ou mais agentes anti-retrovirais tem aumentado nos últi-mos anos. A faixa de taxas relatadasentre os recém-soroconvertidos in-clui: 5% a 11% na Suíça, 10% a 17%na França, 13% na Alemanha, 14%no Reino Unido, 15% a 26% na Amé-rica do Norte, 23% a 26% na Espa-nha, 5% a 7% nos Estados Unidos e15,4% na Argentina.

Mutações associadas à resistênciaaos NRTIs (inibidores de transcripta-se reversa análogos de nucleosíde-os), especialmente AZT e lamivudina(3TC), são as mais predominantesentre os pacientes HIV positivos queainda não passaram por tratamento.A predominância de variedades doHIV com pelo menos uma mutaçãoresistente a medicamentos na África,América do Sul e região do Caribe ébaixa (menos de 7%) e a freqüênciade mutações adicionais é elevada(cerca de 90%).

As taxas de prevalência para oHIV/AIDS no Brasil são de aproxima-damente 0,6% da população, se-gundo informações do Ministério daSaúde (www.aids.gov.br). O paístem apresentado uma alteraçãoconstante no caráter da epidemia deHIV-1 com relação à proporção de

.

infecção por sexo e comportamen-to de risco. Desde o início da epide-mia, os padrões de infecção por HIVforam desviados para mulheres e he-terossexuais. O perfil de subtipo deHIV-1 do país inclui o subtipo B doHIV-1 com maior circulação, masoutros subtipos, como seqüênciasdivergentes de F, C e B/C e B/F, tam-bém circulam.

HIV-BResNet: análisesgenotípicas

O Ministério da Saúde tem patro-cinado uma política de acesso uni-versal aos medicamentos anti-retro-virais para pacientes com AIDS des-de 1996. Para poder monitorar atransmissão de variantes resistentes amedicamentos e o perfil de subtiposno Brasil, estabeleceu-se a Rede Bra-sileira de Pesquisa de Resistência aosMedicamentos (HIV-BResNet) entre apopulação que ainda não recebeu

tratamento. Com esse objetivo, arede realizou análises genotípicas deindivíduos assintomáticos HIV positi-vos que não receberam tratamento,diagnosticados em 13 centros volun-tários de aconselhamento e testes emdiferentes regiões no país em 2001.

Para realizar a pesquisa, o plas-ma de 535 indivíduos HIV-1-positivosconfirmado por sorologia foi isoladoem diferentes centros voluntários deaconselhamento e teste do Ministé-rio da Saúde. O período de coletafoi de três meses. Esses centros trans-põem regiões metropolitanas locali-zadas em oito diferentes estados bra-sileiros – Rio Grande do Sul (n = 139),Paraná (n = 147), São Paulo (n =100), Rio de Janeiro (n = 83), MatoGrosso do Sul (n = 7), Pará (n =17),Bahia (n = 12), e Ceará (n = 30) –,abrangendo 45% dos pacientes bra-sileiros sob tratamento de HAART.

Nenhum dos indivíduos tinhasido exposto anteriormente a qual-quer tratamento anti-retroviral, deacordo com declarações individuais.O estudo foi aprovado pelo CEP (Co-mitê de Ética em Pesquisa) e pelaCONEP (Comissão Nacional de Éti-ca em Pesquisa) como Estudo Anô-nimo Desvinculado.

Isolamento, ampliação eordenação de RNA e

resultados Os dados epidemiológicos mos-

tram uma proporção de sexo prati-camente idêntica (1,45 de femininopara masculino) entre as amostras.

Apesar dos recentesrelatórios sugerirem que

o teste de resistênciagenotípica possui um

benefício significativo napredição da resposta

virológica às alternativasterapêuticas para

pacientes que apresentamfalha virológica, não

existem dados para apoiara utilização de rotina de

testes de resistência empacientes que nunca

foram tratados e que estãono início da terapia.

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Oito amostras (2,24%) apresenta-ram mutações primárias associadasà resistência aos IP (inibidores daprotease), oito (2,36%) a NRTI e sete(2,06%) a NNRTI (inibidores detranscriptase reversa não análogosde nucleosídeos).

Não houve caso de indivíduoscom mutações primárias para maisde uma classe de medicamentosanti-retrovirais, exceto para umaamostra. Quando os indivíduos commutações primárias nas regiões TR(transcriptase reversa) e PR (protea-se) foram estratificados em diferen-tes áreas geográficas, não houveagrupamentos de prevalência demutação em qualquer área específi-ca, exceto no IP, que não foi encon-trado nos estados do Nordeste.

Não houve associação significa-tiva entre a presença de genótiposresistentes nos indivíduos estudadose o soro-status de HIV (P = 0,4552)ou o uso de medicamentos anti-re-trovirais (P = 0,2696) relatados pelosparceiros sexuais. Contrariamente àbaixa prevalência de mutações pri-márias à resistência a medicamentos,muitas mutações adicionais foram en-contradas no gene PR. Houve umaassociação nítida de substituições adi-cionais de L63P e M36I com a desig-nação do subtipo. A primeira foi as-sociada ao subtipo B, enquanto a se-gunda estava nitidamente associadaaos subtipos F e C.

O mesmo tipo de análise foi con-duzido para as seqüências encontra-das de TR de aminoácidos.

Há um mapa do território brasi-leiro mostrando a distribuição dossubtipos encontrados na base dedados na Figura 1. Identificaram-seos seguintes vírus: 231 (64,9%) e 212(62,5%) de subtipo B, 81(22,8%) e100 (29,5%) de subtipo C, e 42(11,8%) e 27 (8%) de subtipo F, base-ados nas regiões genômicas de PR eTR, respectivamente.

Quando ambas as regiões genô-micas foram analisadas simultanea-mente, 42 seqüências apresentaramevidências de divergência entre doisdos subtipos, tais como PRC/RTB,PRB/RTC, PRB/RTF, PRF/RTB, PRC/RTF, e PRF/RTC. Esses genomas di-vergentes, juntos, representam14,48% do total de amostras anali-sadas nas duas regiões.

Uma baixa prevalência de muta-ções resistentes a medicamentos foiobservada em variantes genéticas doHIV-1 de indivíduos HIV positivos,diagnosticados nos centros brasilei-ros voluntários de aconselhamento

identificados em estudos de outrospaíses da América Latina e África.Muitos relatórios sugerem que nãohouve aumento, enquanto outrosmostram aumento ou até mesmo re-dução da prevalência de transmis-são dessas variedades resistentes. To-davia, estudos conduzidos na Euro-pa e na América do Norte relatarama transmissão de variedades resisten-tes a medicamentos em 10% a 25%dos indivíduos com infecção HIV pri-mária e em 5% a 17% dos indivídu-os que não tinham recebido ne-nhum tipo de terapia.

Apesar de as datas dos primei-ros diagnósticos de infecção de HIVe coleta de amostras serem as mes-mas no nosso estudo, não podemosexcluir a possível reversão de mutan-tes transmitidos, resistentes a medi-camentos, em vírus fenótipos típicosdesde a infecção primária. Embora,nossos dados possam subestimar averdadeira prevalência de resistên-cia primária a medicamentos anti-re-trovirais, foi demonstrada a persis-tência das mutações transmitidas ouadquiridas resistentes a medicamen-tos na ausência de pressão seletivade medicamentos.

A presença de diversas mutaçõesadicionais PR pode reduzir a barrei-ra genética e produzir uma seleçãomais rápida de variantes resistentes,quando comparados com os fenó-tipos típicos isolados. Dados recen-tes sugerem que algumas das mu-tações polimórficas nas posições 10,36, 63, 71, e 77 em PR podem es-tar associadas à falha terapêutica empacientes que não passaram por tra-tamento e em pacientes que já fo-ram tratados.

Também é possível encontrar al-guns indivíduos com vírus mostran-do mutações previamente implica-dos em níveis intermediários de re-sistência fenotípica a medicamen-tos NNRTI.

O desenvolvimentode resistência a

medicamentos continuasendo um dos mais graves

obstáculos para deter adisseminação de HIV

durante a terapia anti-retroviral altamente ativa.

Nos países desenvolvidos,a prevalência da

transmissão de vírus quesão resistentes a um ou mais

agentes anti-retroviraistem aumentadonos últimos anos.

e testes em 2001, indicando umabaixa ocorrência (4,42% para NRTI eNNRTI, e 2,24% para PI) de variantesgenéticas resistentes circulando en-tre indivíduos que ainda não tinhamrecebido tratamento. Esses resultadossão opostos aos originados a partirdas amostras coletadas no país até1998, nos quais foi encontrada umabaixa prevalência (2%) de isoladoscom resistência genotípica.

DiscussãoEntretanto, nossas descobertas

estão de acordo com a proporçãode indivíduos que ainda não rece-beram tratamento, infectados comvírus resistentes a medicamentos

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Distribuição geográficaObservou-se uma grande pro-

porção de subtipo C do HIV-1 naRegião Sul do Brasil. Pesquisas an-teriores realizadas no país demons-traram freqüências de cerca de 3%de vírus de subtipo C. Descobriu-se também que quase 30% dos ví-rus circulando na Região Sudestesão do subtipo C.

É possível especular sobre um au-mento na prevalência do subtipo Cnas cidades do sudeste do país. Essaelevada prevalência de amostras do

subtipo C diminui rumo ao norte: aprevalência foi de 24% no Paraná e3% em São Paulo.

O subtipo F está disseminado emtodo o território brasileiro e corres-ponde a aproximadamente 10% dasamostras analisadas nas cidades doRio de Janeiro e São Paulo. Recente-mente, diversos grupos relataram oaparecimento de formas recombi-nantes de subtipo B e F.

Na verdade, na base de dadosda pesquisa, as variantes genéticasdo prototípico F estão em número

menor, quando comparadas com osparceiros divergentes com genomade subtipo com seqüências F. Os da-dos apóiam achados anteriores, de-

RIO GRANDEDO SUL

S. CATARINA

PARANÁ

SÃO PAULO

MINAS GERAIS

RIO DE JANEIRO

E. SANTO

BAHIA

PERNAMBUCOPIAUÍ

MARANHÃO

PARÁ

AMAPÁ

MATO GROSSO

GOIÁS

TOCANTINS

AMAZONAS

RORAIMA

RONDÔNIA

ACRE

CEARÁ

PARAÍBA

RIO GRANDE DO NORTE

MATO GROSSODO SUL

divergente9,09%

divergente8,57%

divergente12,90%

divergente2,13%

F 4,26%

C 29,79%

C 44,88%

B 29,92%

F 3,15%

divergente22,05%

F23,53%

B70,59%

divergente5,88%

Centro-Norte - 6,1%

Rio Grande do Sul - 45,5%

B62,83%

C 3,23%

Paraná - 16,9%

São Paulo - 11%

Rio de Janeiro - 12,6%

B 83,87%

F4,55%

F5,71%C

5,71%B

80,00%

B86,36%

Nordeste - 7,9%

A predominância devariedades do HIV com

pelo menos uma mutaçãoresistente a medicamentosna África, América do Sule região do Caribe é baixa

(menos de 7%) e afreqüência de mutações

adicionais é elevada(cerca de 90%).

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monstrando uma ampla dissemina-ção geográfica de protótipos e formasdivergentes de subtipo de subtipo Fisolados. Variantes genéticas relacio-nadas com o subtipo C diminuem aonorte e os vírus associados com subti-po F aumentam em direção à RegiãoNorte e central do país (Figura 1).

A designação isolada de subtipospode não estar associada a fatores derisco ou mutações primárias. Entretan-to, uma significativa correlação foi ob-servada entre o subtipo C isolado e sexonos centros da Região Sul. Essas varie-dades foram encontradas predominan-temente em mulheres (P = 0,0026),com uma proporção de sexo masculi-no para feminino de 0,89. Isso é com-parável com uma proporção de 2,45com relação aos vírus de subtipo B.

A observação pode estar associ-ada à recente introdução desse sub-tipo nessa região , em conjunto coma feminilização da epidemia no Bra-sil. Da mesma forma, houve uma ten-dência a encontrar subtipos C isola-dos em indivíduos relatando práticasheterossexuais como fator de risco (P< 0,112).

Apesar de os recentes relatóriossugerirem que o teste de resistênciagenotípica tem um benefício signifi-cativo na predição da resposta viro-lógica às alternativas terapêuticaspara pacientes que apresentam falhavirológica, não há dados para apoi-ar a utilização de rotina de testes deresistência em pacientes que nuncaforam tratados e que estão no inícioda terapia. As descobertas relatadasno estudo não sugerem a necessi-dade de testes genotípicos de rotinaentre a população de pacientes queainda não recebeu tratamento. Maso monitoramento epidemiológico daprevalência de resistência primáriadeve ser implementado como rotinaem países com ampla disponibilida-de de HAART.

Para monitorar atransmissão de variantes

resistentes a medicamentose o perfil de subtipos noBrasil, estasbeleceu-se a

Rede Brasileira dePesquisa de Resistência aos

Medicamentos entre apopulação que ainda não

recebeu tratamento.

A Dra. Mariza Morgado, da FIOCRUZdo Rio de Janeiro, gentilmente nos infor-mou que erramos no Boletim 10, no grá-fico de distribuição de subtipos no Brasilpor Região.

Agradecemos à Dra. Morgado porsua observação e publicamos agora a dis-

ERRAMOSDistribuição de subtipos de HIV-1 no Brasil

Região/SubtipoNorteNordesteSudesteSul

B (%)58 93

82,5 72

C (%)3 2

0,5 24

D (%)1 2 1

F (%)12 1

11 3

(Morgado, 2003)tribuição certa, da qual ela é autora.

Em tempo, também incluímos uma resenha de um artigo de pesquisadores brasileiros sobre distribuição desubtipos referentes a amostras em diferentes estados do Brasil.

58%

26%

3%

1%12%

5%,5%1%

3%

24% 1%2% 4% 1%11%

Norte Sudeste

82,5

Sul

72

Nordeste

93

B C DF nd/rec

M Morgado, 2000 - Revista AIDS 2003

Subtipos HIV-1 no Brasil Distribuição por região geográfica

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iversas linhas de evidênciaindicam que o desenvolvi-mento de uma vacina efi-

caz contra o HIV-1 será, no mínimo,extremamente difícil. A incapacidadepara resolver questões cientificas fun-damentais é a causa principal da ine-xistência de uma vacina eficaz queesteja ao nosso alcance. É necessá-rio um esforço renovado, organiza-do e focado para ultrapassar essesobstáculos.

“Você nunca seráderrotado até desistir”—T.S. Eliot

Vinte anos se passaram desdea descoberta do HIV e sua associa-ção com a AIDS. Apesar de muitaesperança e promessas, não háuma vacina que proteja as popula-ções vulneráveis em todo o plane-ta. Este breve comentário tenta daruma avaliação realista de onde ecomo estão os esforços com rela-ção ao desenvolvimento de umavacina eficaz contra o HIV-1 parauso mundial.

Existe uma ampla evidência deque o desenvolvimento de uma va-cina eficaz contra o HIV-1 será, nomínimo, extremamente difícil. Asabordagens de vacina mais promis-soras atualmente em estudos clíni-cos têm poucas chances de ser efi-cazes. Este documento apresentacinco linhas de evidências para apoi-ar essas alegações.

A respostaimunológica natural

não é eficazA resposta imunológica natural

ao HIV-1 normalmente nunca é efi-caz. Indivíduos infectados com essevírus apresentam aparentementefortes respostas de anticorpos e res-postas virais específicas de célulasCD8+. Ainda assim, o HIV-1 conti-nua a ser replicado semana a se-mana, mês a mês, eventualmentematando o hospedeiro.

Agora, é claro que o HIV envol-veu diversas estratégias específicasde evasão imunológica, para per-mitir a replicação viral contínua.Essas estratégias incluem: seleçãode variantes genéricas, que são va-riantes de escape antigênico; resis-tência inerente à neutralização me-diada por anticorpos; redução dataxa de moléculas de MHC classe Ide principal identidade imunológi-ca na superfície de células infecta-das, por um produto de gene viral(nef); e a destruição de célulasCD4+ virais específicas.

Para uma vacina ser eficaz, elaprecisa gerar respostas imunológi-cas superiores às respostas imuno-lógicas naturais contra a infecçãopara HIV-1. Superior não significanecessariamente maior em magni-tude, mas diferente, no sentido deproteger de uma forma que a res-posta imunológica natural nãoprotege.

Falência na proteçãode macacos

Estratégias promissoras de vacinasque seguem para ensaios clínicos comhumanos incluem protocolos de ade-novírus recombinante e primário maisreforço, que usam uma preparaçãoinicial com um vetor plasmídeo deDNA contendo antígenos de HIV-1,seguido por segunda dose com umpoxvírus recombinante ou adenovíruscontendo o(s) mesmo(s) antígeno(s).

Essas vacinas expressam a proteí-na gag viral ou gag mais antígenosvirais adicionais. Apesar de essas va-cinas terem protegido primatas con-tra o SHIV89.6P, não conseguiramprotegê-los contra o SIV239.

A explicação para os resultadostão diferentes com o SHIV89.6P ain-da não está completamente defini-da. Devemos observar, entretanto,que a patogênese do SHIV89.6P nãoé a mesma dos lentivírus, e que, naverdade, todas as abordagens devacina testadas — inclusive imuniza-ção com peptídeos — protegemcontra o SHIV89.6P.

Contrariamente ao SHIV89.6P, asprincipais propriedades biológicas doSIV239 em macacos da raça rhesusimitam as propriedades do HIV-1 emhumanos: o SIV239 usa o CCR5 comoco-receptor para entrar nas células, édificilmente neutralizável e induz re-duções progressivas de contagens deCD4 e uma linha progressiva da doen-ça em macacos da raça rhesus.

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AS CHANCESPARA UMA VACINA ANTI-AIDS P o r Ronald C. Desrosiers, do Centro de Pesquisa de Primatas de Nova

Inglaterra, Faculdade de Medicina de Harvard([email protected])

(Adaptado de Nature 10 (3), mar. 2004)

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O fator que mais desaponta comrelação à falha ao proteger contra oSIV239 é que a variante genéticaexposta era exatamente compatívelà seqüência da variante genética davacina, e a exposição ocorreu nopico ou perto das respostas imuno-lógicas induzidas pela vacina.

Se não podemos proteger con-tra o SIV239 clonado e homogêneocom vacinas que apresentam com-patibilidade exata com relação à se-qüência e em condições ideais, hápoucas razões para sermos otimistas.

SuperinfecçãoA falha de proteção de uma in-

fecção controlada de HIV-1 contrauma superinfecção patogênica é ilus-trada por um estudo de caso publi-cado recentemente por Altfeld et al.Um homem que freqüentava a clíni-ca logo depois da exposição ao HIV-1 foi colocado em terapia anti-retro-viral durante a infecção primária.

Depois de diversas interrupçõesterapêuticas estratégicas, as cargasvirais do paciente estavam baixas ehavia um controle imunológico con-sideravelmente bom contra o HIV-1na ausência de terapia contínua comanti-retroviral.

Entretanto, depois de uma ativi-dade de alto risco, o mesmo indiví-duo sofreu uma superinfecção comuma variedade do mesmo subtipo B,e desenvolveu cargas virais persisten-tes de moderadas a altas (ver Bole-tim Vacinas 9).

Portanto, o controle imunológicocontra a primeira variedade não pro-tegeu o indivíduo contra uma reinfec-ção, e as altas cargas virais que surgi-ram devido à exposição subseqüenteà reinfecção para uma variedade di-ferente mostram a incapacidade decontrolar a infecção do HIV-1.

Evidentemente essa assustadoraincapacidade de uma infecção con-trolada de HIV-1 proteger contra

uma superinfecção por uma varie-dade de HIV-1 normal é, apenas umexemplo. E ainda não se sabe comoas infecções de HIV-1 controladasprotetoras (ou não-protetoras) po-dem ser, em geral.

Entretanto, a situação descrita porAltfeld et al. não é muito diferente doque tem sido observado com SIV ate-nuado sem o gene nef. Apesar deser atenuado e sem nef, esse SIV temfornecido uma proteção muito boacontra exposições homólogas, en-quanto o SIV239 atenuado sem nefnão tem fornecido proteção muitoforte contra exposições heterólogascom a variante SIVE660. O grau devariação da seqüência entre SIV239e SIVE660 é representativo do nívelde variação do HIV1.

Variabilidade do HIVHá uma enorme heterogeneida-

de do genoma entre diversas varie-dades de HIV-1. O compêndio deseqüências do HIV, uma grandebase de dados de seqüências gené-ticas do HIV-1, revela que as seqüên-cias podem ser classificadas em noveagrupamentos principais filogenéti-cos ou subtipos.

As vacinas em ensaios clínicos in-corporam apenas uma ou, em ra-ros casos, duas seqüências genéti-cas de HIV-1.

A natureza das seqüências que sedeveriam incluir nas vacinas contraHIV-1 – uma seqüência com consen-so regional, seqüências de um repre-sentante local isolado ou seqüênciasreconstruídas a partir de um “statusancestral” – vem sendo discutida empublicações e em sessões de plane-jamento estratégico.

O objetivo dessas discussões éreduzir a distância média da seqüên-cia entre os antígenos da vacina e asproteínas de HIV-1 em circulação.Mas já foi sugerido que as seqüênci-as de HIV-1 em circulação em uma

população provavelmente podem re-presentar variedade de escape de lin-fócitos-T citotóxicos dos tipos de an-tígeno de leucócito humano predo-minante na respectiva população.

Isso não seria apropriado para acapacidade protetora das vacinasbaseadas em linfócitos-T citotóxicos.De qualquer forma, ainda não sabe-mos como construir vacinas para li-dar com essa enorme heterogenei-dade do HIV-1.

Falha do ensaio daVaxGen

Os resultados dos ensaios da va-cina HIV-1 de Fase III – os ensaiosgp120 da VaxGen – foram publica-dos em 2003. Nesses ensaios, os vo-luntários foram imunizados comuma proteína recombinante gp120HIV-1 (uma das subunidades do en-velope do vírus), na tentativa de ge-rar anticorpos com poderes neutra-lizantes contra o vírus, que protege-riam contra exposição subseqüenteao HIV-1.

Os voluntários que receberamvacina e placebo foram acompanha-dos durante 30 meses. A vacina nãoforneceu nenhuma proteção contraa infecção e não reduziu as cargasvirais. Conforme o que sabemos comrelação à resistência do HIV-1 à neu-tralização de anticorpos, não é sur-presa que a vacina gp120 da Va-xGen tenha falhado.

Aonde vamos agora?Os esforços de desenvolvimento

da vacina contra o HIV têm sido lide-rados pela filosofia de mais produtosem progresso e mais ensaios clínicos.Atualmente, pelos menos 13 produ-tos diferentes estão em diversos está-gios de ensaios clínicos em mais de20 ensaios em humanos.

Apresentou-se uma proposta paraum investimento significativo numainiciativa global para agilizar o desen-

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volvimento de uma vacina contra aAIDS. A filosofia dessa iniciativa, devi-do a um problema percebido com atransformação em aplicação clínica,aparentemente incorpora atitudes re-lacionadas com o que é necessário:mais produtos em progresso e maisensaios clínicos.

Essa filosofia pede a expansão dacapacidade de se conduzirem en-saios clínicos, garantia de capacida-de de produção e harmonização dasabordagens reguladoras. Se conse-guirmos colocar mais produtos emensaios clínicos, conforme esse raci-ocínio, eventualmente chegaremosao sucesso.

Enquanto vemos que as aborda-gens de ensaio e erro têm sido sufici-entes para o desenvolvimento deoutras vacinas eficazes, é altamenteimprovável, com base no que sabe-mos atualmente, que isso seja sufici-ente para criar uma vacina eficazcontra o HIV-1.

As principais dificuldades quebloqueiam o desenvolvimento deuma vacina eficaz contra o HIV-1são questões científicas fundamen-tais, e não relacionadas à produ-ção, ao número de locais de en-saio, à preparação de locais inter-nacionais ou à validação de proce-dimentos de testes.

Quais são os principais obstácu-los científicos para o desenvolvi-mento de uma vacina eficaz con-tra o HIV-1? Primeiro, não sabemoscomo suscitar os anticorpos comatividade potente de neutralização.Segundo, ainda não sabemoscomo lidar com a enorme hetero-geneidade de seqüências do HIV-1. Essa diversidade das seqüênciasé um sério impedimento à eficáciadas respostas de anticorpos de neu-tralização e respostas celulares viraisespecíficas CD8+ suscitados porqualquer vacina. Terceiro, apesarde o SIV atenuado e sem nef for-

necer uma proteção espetacularcontra exposições homólogas aoSIV239 e outras variantes similares,não compreendemos os compo-nentes cruciais da resposta imuno-lógica protetora.

Os experimentos de Lifson et al.e resultados recentes do meu labo-ratório indicam que níveis elevadosde respostas imunológicas antiviraismedidos no sangue periférico atra-vés dos testes padrão não são ne-cessários para alcançar uma vaci-na de forte proteção contra expo-sição homóloga, mesmo contra va-riantes como o SIV239. Qual é aparte responsável por essa incrívelproteção e por outros métodos quepossam induzir esse tipo de imuni-dade?

Por fim, não sabemos se a me-mória imunológica será suficientepara proteger contra o HIV-1. Senão for, precisamos aprender comoativar as respostas imunológicasprotetoras de forma que essa me-mória persista.

Se o que acredito for verdade –que grandes descobertas são neces-sárias para tornar uma vacina factí-vel –, então os obstáculos científicosprecisam ser os principais objetivosdas nossas metas intermediárias.Acredito que um esforço renovado,organizado e focado é necessáriopara lidar com esses obstáculos cien-tíficos fundamentais.

Tais problemas não serão ultrapas-sados através de ensaios clínicos re-petidos com produtos “fracos” quetêm poucas chances de ser eficazes.Conquanto a continuidade dos pro-cedimentos “impotentes” em clínicasseja inevitável (e até útil), precisamosfazer um trabalho muito melhor for-necendo produtos promissores aosensaios clínicos.

Cada vez mais, pensa-se que oprocesso de ensaio clínico precisa seriterativo. Na ausência de respostas às

principais questões científicas, o proces-so iterativo continuará necessariamen-te baseado em palpites “cegos”.

Apesar de as análises correlativasde ensaios humanos de vacinas aju-darem a responder algumas dasquestões fundamentais, as principaisdescobertas – se realmente ocorre-rem – devem provavelmente vir dabancada laboratorial, de testes comcamundongos e macacos.

O elevado custo desses ensaioscom humanos deve ser pesado con-tra a possibilidade de falha, e com oque se pode aprender com eles.

Aonde vamos agora? O concei-to dos centros dedicados de pesqui-sa da vacina contra a AIDS defini-dos aproximadamente na propostade Klausner et al. seria um métodoeficaz para se alcançarem as metasestabelecidas. Mas o foco dessescentros de pesquisa deveria ser aresolução dos principais obstáculoscientíficos. Que não haja engano:um caminho de sucesso vai preci-sar de uma disposição enorme, umagrande dedicação face às dúvidas,muito dinheiro, liderança científicae uma estrutura que permita o al-cance de soluções coordenadas, or-ganizadas, sistemáticas e criativasem resposta aos problemas científi-cos. E, mesmo assim, não há garan-tias de que o resultado obtenha oêxito esperado.

Devido a essa visão pessimista,cada oportunidade deve ser consi-derada lateralmente. Por exemplo, ouso profilático de terapias antivirais,que tem sido uma abordagem mui-to bem sucedida em ensaios comprimatas, deve ser perseguido comhumanos em alto risco.

O uso profilático de antivirais temuma certa viabilidade, que está fal-tando nas tentativas de se ativaremrespostas imunológicas adaptáveisque oferecerão proteção contra in-fecção pelo HIV-1.

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A REDUÇÃO DE COMPORTAMENTODE RISCO ENTRE UDIS NO ENSAIO DA

AIDSVAX B/EPor F. van Grieven et al.

(Adaptado e traduzido de AIDS, Volume 18 (2), 23 jan. 2004)

esde o início da pesquisasobre vacinas, surgirampreocupações com a pos-

sibilidade de que a participação emensaios de vacina anti-HIV pudesselevar a um aumento do comporta-mento de risco para contrair o vírus.Como base para essas preocupa-ções, citou-se um otimismo infunda-do entre os participantes acerca daeficácia da vacina.

Estudos anteriores de Fase I/II nosEstados Unidos relataram o aumentodo comportamento de risco em ho-mens brancos homossexuais e bisse-xuais. Alguns participantes relataramque entraram nos ensaios para bus-car proteção contra a infecção de HIV,enquanto outros entraram devido aum histórico de comportamento dealto risco.

Relatou-se também uma associa-ção entre um histórico de comporta-mento de alto risco e o aumento nadisposição em participar de ensaios devacina HIV. Além disso, os participan-tes podem desenvolver um senso deproteção durante um ensaio se conti-nuarem HIV negativos, independen-temente do comportamento de altorisco, ou até pensar que têm uma pro-teção natural contra a infecção.

Por esses motivos, diversos autoresquestionaram a possibilidade de con-duzir ensaios éticos da vacina anti-HIV.Para contra-atacar esse falso senso deproteção e o eventual aumento decomportamento de risco, propuse-ram-se intervenções comportamentais.

Na Tailândia, o grupo de usuári-

os de drogas injetáveis (UDIs), comelevada incidência de infecção peloHIV, foi escolhido para a avaliação devacina preventiva AIDSVAX contra oHIV. Passamos a relatar seguir as ob-servações de comportamento de ris-co neste estudo.

O ensaioEm março de 1999, depois de mui-

tos anos de preparação, iniciou-se umensaio de Fase III de uma vacina pre-ventiva contra o HIV (AIDSVAX¨B/E, Va-xGen, Brisbane, Califórnia, Estados Uni-dos) entre UDIs que freqüentavam clí-nicas de tratamento de desintoxicaçãoda Administração Metropolitana de Ban-gkok, Tailândia. Esse ensaio deu umaoportunidade única para investigar oimpacto da participação em estudossobre o comportamento de risco sexu-al e o uso de drogas entre UDIs de umpaís em desenvolvimento.

No estudo, perceberam-se altera-ções em comportamentos de risco en-tre os participantes do ensaio com re-lação às respectivas características de-mográficas, histórico de uso de dro-gas e crenças sobre estudo de grupode controle, eficácia da vacina e prote-ção contra infecção de HIV devido àparticipação. Essa análise inclui dadoscoletados no início e nos meses 6 e 12depois do recrutamento.

Entre março de 1999 e agosto de2000, 2.545 usuários de drogas inje-táveis foram recrutados. Os participan-tes receberam AIDSVAX¨B/E ou place-bo nos meses 0, 1, 6, 12, 18, 24, e30. No início e a cada seis meses de-

pois, um questionário padronizado foiproposto, para avaliar as característi-cas demográficas (somente no início),uso de drogas, confinamento, com-portamento sexual e crenças.

Estabeleceu-se que devia fazerparte de cada visita do estudo, pelomenos, o monitoramento e o acon-selhamento sobre comportamentode risco, o acesso a preservativos e amétodos de desinfecção de seringas,ou a obtenção de um equipamentoesterilizado de injeção.

Categorias distintas de respostasavaliaram os comportamentos sexu-ais e de uso de drogas nos últimosseis meses (sim ou não), seguidas porescalas de freqüência de cinco pon-tos como, por exemplo, “Qual a fre-qüência de uso de preservativos du-rante as relações sexuais: (1) sempre,(2) quase sempre, (3) na metade dasvezes, (4) algumas vezes, (5) nunca”.No início, foi perguntado se os parti-cipantes acreditavam que a vacinaseria eficaz (muito, mais ou menos,não) e se pensavam que haviam re-cebido vacina ou placebo.

Um único item de cinco pontosavaliou a motivação de proteção noacompanhamento feito no sexto mêscomo, por exemplo, a afirmação: “Eudecidi participar do ensaio da vacinapois posso conseguir alguma prote-ção contra a infecção de HIV: (1) con-cordo totalmente, (2) concordo, (3)sem opinião, (4) não concordo, (5)definitivamente não concordo”. Inici-almente, 2.545 participantes fizeramparte dessa análise e, posteriormen-

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te, 2.485 (97,5%) e 2.426 (94,3%)pessoas que retornaram para as visi-tas de acompanhamento no mês 6 e12, respectivamente.

Os participantes masculinos fo-ram os predominantes (93,4%) comidade média de 26 anos (faixa de 20–59 anos). A maioria (79%) tinha onível primário ou secundário comple-to e 21% tinham nível superior.

Quase a metade (47,3%) acredi-tava que a vacina seria eficaz de al-guma forma, enquanto 46,2% nãosabiam. Poucos (3,6%) acreditavamque a vacina seria muito eficaz; me-nos ainda (3,0%) acreditavam quenão teria eficácia nenhuma.

A maioria (76,9%) afirmou quenão sabia se recebeu vacina ou pla-cebo, 13,9% acreditavam que rece-beram placebo, enquanto 9,2% pen-savam que receberam vacina. Qua-se 80% dos participantes concorda-ram que obter proteção contra a in-fecção de HIV foi uma motivaçãopara participar no ensaio.

Analisando os resultadosDurante os primeiros 12 meses

do ensaio AIDSVAX¨B/E entre UDIsem Bangkok, observaram-se redu-ções acentuadas no compartilha-mento de agulhas e no consumo dedrogas injetáveis, junto com o au-mento de uso de preservativos, par-ticularmente com parceiros casuais.Em geral, não foi encontrada evidên-cia de aumento do comportamentode risco relacionado ao otimismo so-bre a eficácia da vacina ou sobre acrença de estar no grupo do ensaioque recebia a vacina.

Apesar de cerca de 50% dos par-ticipantes expressar crenças otimistassobre a eficácia da vacina, observa-ram-se reduções significativas nocomportamento de risco. O uso deinjeção residual mas sem comparti-lhamento foi mais relatado entre osque tinham crenças otimistas.

Os resultados desse estudo estãode acordo com os dados de um en-saio clínico da AIDSVAX¨B/B, umavacina preventiva contra HIV testada

entre 5.109 homossexuais do sexomasculino e 309 mulheres de alto ris-co na América do Norte e Europa (oensaio terminou em fevereiro de2003). Durante os primeiros 12 me-ses do ensaio, observaram-se redu-ções similares no comportamento derisco de HIV, apesar de ainda have-rem algumas interações com relaçãoà eficácia da vacina e à crença deestar recebendo vacina e não place-bo.

O comportamento de risco man-tido após 12 meses de acompanha-mento pode ser mais difícil de alte-rar. A eliminação total de comporta-mentos de risco, como o associadoà falta de acesso e acessibilidade fi-nanceira a equipamentos limpos deinjeção está possivelmente muitoalém do alcance da educação e doaconselhamento, enfatizando, dessaforma, a necessidade de uma vaci-na eficaz anti-HIV.

O comportamento residual de ris-co ficou claro no estudo da coortepreparatória da vacina entre UDIs emBangkok, no qual reduções adicio-nais no comportamento de injeçãoe compartilhamento de materiais fo-ram relatados depois de 32 meses deacompanhamento. As reduções nocomportamento de risco nessa coor-te foram atribuídas à constância e àrepetição de testes de HIV, aconse-lhamentos e entrevistas. Observaram-se alterações comportamentais simi-lares em outras coortes de UDIs.

Educação eaconselhamento

Essas informações e os dados cole-tados sugerem que o aumento no com-portamento de risco entre UDIs partici-pantes em ensaios de vacinas anti-HIVé improvável quando os estudos inclu-em educação e aconselhamento inten-sivos. Ainda não é possível saber se asreduções observadas no ensaioAIDSVAX¨B/E têm uma magnitude demaior ou menor importância do queseria esperado a partir da participaçãono estudo e apenas fornecimento deeducação e aconselhamento. Esse de-

veria ser assunto de futuras análises es-tatísticas mais cuidadosas sobre coortespreparatórias e os dados do ensaio daAIDSVAX¨B/E, em conjunto.

As análises identificaram que ida-de, educação, tratamento de meta-dona, tipo de droga injetada e fre-qüência de injeção estavam associa-dos a injeção e compartilhamento.Os participantes mais jovens e comum nível educacional inferior repor-taram menor freqüência de injeçãopor terem receita inferior e, portan-to, menos capacidade de comprardrogas injetáveis.

Entretanto, os participantes maisjovens relataram mais compartilha-mento de agulhas, tal como os queinjetavam metanfetamina e midazo-lam. Esses participantes podem estarmais propensos ao risco, pois o com-partilhamento, e não a injeção, é oprincipal comportamento de riscopara transmissão de HIV entre UDIs.Por outro lado, os UDIs mais velhosque compartilham agulhas podem jáestar infectados com HIV e seriam con-siderados elegíveis para esse ensaio.

Os níveis inferiores de comparti-lhamento entre os indivíduos sob tra-tamento de metadona podem ser ex-plicados pelo comparecimento diárioà clínica e à exposição às respectivasatividades preventivas. Os usuários demetanfetamina e midazolam podemestar menos preparados para injeção(em termos de disponibilidade deequipamentos limpos de injeção) doque os que injetam ativamente hero-ína, que estão sob tratamento demetadona e são diariamente expos-tos à informação preventiva.

ConfinamentoDiversos estudos entre UDIs na

Tailândia identificaram o confina-mento em prisões como fator de ris-co de infecção de HIV. Como nãohá disponibilidade de equipamen-tos limpos de injeção nos presídiosdo país, o fato de os indivíduos sedrogarem com injeções normal-mente implica o compartilhamen-to do equipamento.

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F. Van Grieven

O declínio de injeção durante aprisão entre os participantes do en-saio é encorajador. Entretanto, amaior parte desse declínio ocorreunas prisões (e não nas cadeias dasdelegacias), onde o risco de infecçãode HIV a partir das injeções é apa-rentemente inferior.

Na Tailândia, os presos são inicial-mente detidos nas cadeias das dele-gacias antes de serem transferidos paraa prisão ou liberados, dependendo doresultado dos procedimentos judiciais.Em um estudo de controle de caso re-centemente concluído entre UDIs emBangkok, os indivíduos infectados comHIV estavam mais propensos a se inje-tarem nas cadeias das delegacias doque nas prisões.

A ausência de uma redução signi-ficativa das injeções em cadeias de de-legacias é provavelmente o resultadodos esforços dos UDIs para aliviar ossintomas agudos de abstinência du-rante a primeira etapa da detenção.As prisões de voluntários durante osúltimos seis meses aumentaram de17,5% no início do ensaio para 25,7%no mês 12.

Esse aumento pode ser parcial-mente atribuído ao fato de os UDIspresos não terem sido incluídos nes-se ensaio, enquanto aqueles que fo-ram presos durante o acompanha-mento foram mantidos no estudo.Outra razão pode ser a política deintolerância com drogas do gover-no tailandês, que levou a mais pri-sões, condenações e confinamen-tos. Dados o alto risco e a elevadafreqüência de confinamento entreos UDIs de Bangkok, a extensão dadesintoxicação através da metado-na e dos métodos de prevenção doHIV nos presídios deve ser cuidado-samente considerada.

Comportamento sexualO aumento relatado de uso de pre-

servativos com parceiros casuais é posi-tivo. Porém, no estudo relatou-se baixaatividade sexual e, em análises anterio-res de fatores de risco de seroconver-

são entre UDIs em Bangkok, os com-portamentos sexuais não foram associa-dos à infecção de HIV.

Uma limitação é que os dados doestudo são frutos de relatos de compor-tamento ilegal e estigmatizado, e essetipo de avaliação é tradicionalmente pro-blemático. É possível que tenha havidosubnotificação de infecção e de compar-tilhamento. Entretanto, como a nature-za ilegal e estigmatizada desses compor-tamentos não se altera, é provável queas taxas de subnotificação sejam cons-tantes, permitindo comparações consis-tentes ao longo do tempo.

Os indicadores biológicos, como aincidência de infecção de HIV vão aju-dar a avaliar a exatidão dos relatóriosindividuais de comportamento. Conclu-indo, os participantes do ensaio

AIDSVAX¨B/E relataram reduções acen-tuadas no comportamento de risco deuso de drogas injetáveis e aumento douso de preservativos, particularmentecom parceiros sexuais casuais. Não hou-ve evidências de aumento do compor-tamento de risco relacionado às cren-ças sobre a eficácia da vacina ou sobrese estão recebendo vacina ou placeboe proteção contra infecção HIV.

Essa redução inicial no comporta-mento de risco confirma que a partici-pação em ensaios não tem um efeitoadverso no comportamento, mas ocomportamento de risco pode aumen-tar mais tarde, devido a outras razõescomo o cansaço com relação a receberaconselhamento, a descontinuação dostratamentos com metadona ou a dispo-nibilidade de terapia anti-retroviral.

O objetivo do estudo foi determinarse a participação num ensaio de vacinaanti-HIV aumenta o comportamento derisco, devido à crença na proteção da va-cina contra a infecção. Foram avaliadasas alterações no comportamento de riscoentre 2.545 usuários de drogas injetáveisque participaram do ensaio da vacina daAIDSVAX¨B/E HIV em Bangkok, na Tailân-dia, de março 1999 a agosto 2000.

As características demográficas, ascrenças e o comportamento de risco fo-ram avaliados no início do estudo e de-pois a cada seis meses. Forneceu-seaconselhamento sobre redução de ris-co a cada visita e utilizou-se uma análisede regressão logística generalizada paraestudar as tendências em comportamen-tos de risco e fatores associados.

Os participantes eram, na maioria,do sexo masculino (93,4%), com mé-dia de 26 anos, e 67,2% com colegialcompleto. No início, 61,3% receberammetadona para desintoxicação e 20,9%,manutenção de metadona. Do inícioda visita mensal até o mês 12, o uso dedrogas caiu de 93,8% para 66,5% e in-jeções menos de uma vez por semanaestiveram associados ao menor compar-tilhamento de seringas.

As análises demonstraram que o usode drogas injetáveis e o compartilha-mento de seringas foram reduzidos du-rante os primeiros 12 meses do ensaio.Não se identificou aumento do compor-tamento de risco relacionado com acrença na proteção da vacina contra ainfecção HIV.

(Sobre resultados em risco paraHSHs (homens que fazem sexo comhomens) e mulheres para um ensaio deFase III, ver Boletim Vacinas 10)

Quase 80% dos participantes con-cordaram que obter proteção contra ainfecção de HIV foi uma motivação paraparticipar no ensaio.

Durante os primeiros 12 meses doensaio AIDSVAX¨B/E entre UDIs emBangkok, observaram-se reduçõesacentuadas no compartilhamento deagulhas e no consumo de drogas in-jetáveis, junto com o aumento de usode preservativos, particularmente comparceiros casuais.

As informações e os dados coletadossugerem que os aumentos no compor-tamento de risco entre UDIs participan-tes em ensaios de vacinas anti-HIV sãoimprováveis quando os estudos incluemeducação e aconselhamento intensivos.

Resumo do estudo

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riada em 1992, a Agên-cia Nacional de Pesqui-sas em AIDS (ANRS) é

um órgão governamental fran-cês que financia o conjunto depesquisas pertinentes à infec-ção pelo HIV e hepatites viraisB e C na França e em paísesem desenvolvimento. Sua ges-tão é associada aos ministériosda Pesquisa Científica, da Saú-de e das Relações Exteriores,bem como o INSERM (InstitutoNacional de Saúde e de Pesqui-sa Médica), o CNRS (Centro Na-cional de Pesquisa Científica), oIRD (Instituto Francês de Pesqui-sa para o Desenvolvimento) eo Instituto Pasteur.

Durante mais de dez anos,a ANRS concentrou suas pesquisasexclusivamente na epidemia de HIV/AIDS. Nos últimos anos, seu campode ação se estendeu à pesquisa so-bre as hepatites B e C.

O trabalho desenvolvido pelaagência abrange pesquisas básicas,modelos animais, pesquisas clínicas efisiopatológicas, pesquisa vacinal, en-saios terapêuticos, pesquisas em ciên-cias humanas e sociais, pesquisas emsaúde pública e em economia. Suamissão é definir prioridades científicase mobilizar a comunidade científica nocombate à infecção pelo HIV/AIDS eàs hepatites virais B e C, através dofinanciamento de programas de pes-quisa em nível nacional e/ou interna-cional e de bolsas de pesquisa.

O trabalho desenvolvido já há al-guns anos garantiu à ANRS experi-ência e credibilidade junto aos pro-gramas de pesquisa nos países emdesenvolvimento, graças a uma po-

lítica voluntarista e a uma presençaativa no campo de implantação de“sítios” de estudo na África, no su-deste asiático e no Brasil, com resul-tados concretos publicados e inter-nacionalmente reconhecidos. Porisso, a descoberta de uma vacinapreventiva contra o HIV é uma prio-ridade absoluta para a ANRS.

Breve históricoEm meados dos anos 1980, pes-

quisadores norte-americanos e fran-ceses dirigiram seus trabalhos inicial-mente para a indução de uma res-posta do sistema imunitário media-da pela via humoral (anticorpos), uti-lizando as proteínas do HIV-1 maisexpostas ao sistema imunológico. Osprimeiros agentes que visaram a pro-dução de anticorpos capazes de neu-tralizar a infecção foram constituídosde proteínas recombinantes do en-

velope viral (gp120 e gp41).As proteínas eram obtidas porengenharia genética, a fim deevitar uma infecção pelo HIV,por ocasião das vacinações.

Apesar dos resultados enco-rajadores em estudos com chim-panzés, os pesquisadores perce-beram que esse tipo de vacinainduzia anticorpos que não con-seguiam neutralizar as cepas doHIV “selvagens”, responsáveispela infecção no homem. Os ci-entistas dedicaram-se, então, àindução de uma resposta imu-nitária celular, uma vez que essetipo de imunidade faz com queos linfócitos T citotóxicos (CD-8+)

intervenham na infecção.O interesse das respostas media-

das por linfócitos T foi largamente es-tudado em modelos experimentais ena infecção primária pelo HIV. A res-posta imunitária através de citotoxici-dade (resposta CTL ou CD8+) é dirigi-da contra proteínas da estrutura doHIV (env, gag e pol) e proteínas deregulação do vírus (tat, rev e nef).

Em 2002, a maioria dos pesqui-sadores acreditou ser possível obteruma proteção vacinal parcial, atravésda indução de uma resposta imuni-tária celular forte e contra múltiplospedaços de proteínas do vírus – oschamados epitopos. Quanto à res-posta imunitária humoral, se ela fezprogressos, notadamente estruturais,na compreensão dos mecanismos deentrada do HIV na célula, permane-ce ainda numa perspectiva distante.

O EMPENHO DA ANRS NA PESQUISADE UMA VACINA CONTRA O HIV

Por Bosco Christiano Maciel da Silva*

França

Paris

C

* Mestre em Microbiologia pela Universidade de São Paulo e doutorando em Imunologia (HIV/AIDS) pela USP e Université Paris VI, França

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A estratégia da ANRSPor isso, a estratégia desenvolvida

pela ANRS nos ensaios vacinais, comoem outros ensaios clínicos no mundointeiro, tem se orientado para a indu-ção de uma resposta imunitária celu-lar, mediada por linfócitos T, o que semostrou mais promissor e realista. Umavacina desse tipo seria de primeira ge-ração e de eficácia parcial. Ela não im-pediria a infecção pelo HIV, mas, poroutro lado, diminuiria a carga viral nodecorrer da infecção primária e asse-guraria um longo período de evolu-ção assintomática da doença.

Em escala mundial, ela poderiapermitir a economia de recursos de-dicados ao tratamento durante vári-os anos, para a maioria das pessoasinfectadas. Além disso, diminuindo acarga viral média na população, te-ria um efeito na transmissibilidade doHIV, na qualidade de vida dos porta-dores do vírus, na redução dos efei-tos colaterais e tóxicos dos medica-mentos anti-retrovirais e um impactopositivo na saúde pública.

Atualmente, desenvolvem-semundialmente estratégias de diferen-tes tipos:

• vacinas com vírus recombinan-tes, que correspondem ao conjuntode vírus inofensivos para o homeme de genes do HIV. Trata-se principal-mente da Alvac (Aventis-Pasteur), quefoi preparada com apoio da ANRS (ví-rus canarypox), dos adenovirus queforam desenvolvidos pela Merck edos vírus Ankara modificados (MVA);

• vacinas de DNA, que utilizamgenes do HIV. O DNA “nu” é injeta-do diretamente no organismo;

• proteínas implicadas na estrutu-ra e regulação do HIV, capazes de in-duzir respostas imunitárias celulares ehumorais. Elas são desenvolvidas no-tadamente na estratégia adotada pe-los laboratórios Glaxo-SmithKline;

• peptídeos e, entre eles, os lipo-peptídeos, que representam a abor-dagem estratégica da ANRS.

Mais de 80 ensaios clínicos de FaseI/II têm sido conduzidos no mundointeiro. A maioria combina várias pre-parações vacinais, a fim de tentar au-mentar a resposta imunitária contra oHIV. Trata-se de vacinas candidatasDNA-adenovirus, ou DNA-MVA, emque o DNA, que corresponde aos ge-nes do HIV de interesse, é associadoa outros genes do vírus, incluídos res-pectivamente em um adenovírus ouum MVA. Um ensaio clínico de FaseIII, utilizando a proteína gp120 foi rea-lizado na Tailândia, América do Nortee Holanda. Um outro ensaio clínicode Fase III, iniciado na Tailândia em2003, utiliza a gp120 associada aovírus canarypox (Alvac), incluíndo ge-nes do HIV.

vírus canarypox recombinantes (Al-vac), utilizados sozinhos ou associa-dos a outras proteínas do envelopeviral do HIV (inteiras ou truncadas).Essa estratégia de vacinação permitea amplificação da resposta imunitáriae se efetua em dois tempos: uma pri-mo-imunização com uma vacina re-combinante, seguida de um reforçocom frações protéicas do HIV. Os prin-cipais resultados obtidos levaram às se-guintes conclusões:

• os protocolos chamados pri-mário-mais-reforço permitem, demodo geral, que se obtenha umaresposta CTL (CD8+) satisfatória (40%e 33%, respectivamente para VAC01e VAC03);

• pode haver indução de umaresposta de anticorpos sem que, en-tretanto, apareçam de anticorposneutralizantes (que neutralizam oHIV);

• a memória imunológica, essen-cialmente do tipo celular, persiste deforma prolongada em alguns indiví-duos (10% e 19% dos pacientes deVAC01 e VAC02, respectivamente,tiveram uma atividade CTL ainda de-pois de dois anos).

O VAC09 foi um ensaio de “me-mória”, no qual se utilizaram lipo-peptídeos foram utilizados em do-ses de reforço nos voluntários dosensaios VAC03 e VAC07. Os resulta-dos desse ensaio mostraram, emvoluntários que apresentaram umaresposta por ocasião de ensaios pre-cedentes, que se poderia induzir umefeito de reforço com o auxílio doslipopeptídeos. Isso constitui umavantagem em relação às vacinas re-combinantes, Alvac ou com adeno-vírus, que precisam de doses vaci-nais cada vez mais importantes para“ultrapassar” a imunização dos indi-víduos contra o vetor.

O ensaio VAC04 utilizou, pela pri-meira vez, os lipopeptídeos com re-sultados muito encorajadores, mos-trando, após três injeções, que:

A estratégia desenvolvidapela ANRS nos ensaios

vacinais, como em outrosensaios clínicos no mundointeiro, tem se orientadopara a indução de uma

resposta imunitáriacelular, mediada porlinfócitos T, o que se

mostrou mais promissore realista.

LipopeptídeosOs lipopeptídeos são moléculas

híbridas constituídas de largos frag-mentos sintéticos de proteínas viraisassociadas a uma cadeia lipídica. Es-sas construções sintéticas permitemaumentar a imunogenicidade semque haja necessidade de se utilizarum adjuvante. A parte lipídica asse-gura uma melhor penetração intra-celular do peptídeo nas células queapresentam antígenos (células den-dríticas), favorecendo a resposta imu-nitária mediada por linfócitos T.

Nove ensaios clínicos de Fase I fo-ram realizados entre 1992 e 1999, sobo patrocínio da ANRS. A Aventis-Pas-teur foi promotora de sete deles. Asvacinas candidatas testadas foram de

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• as respostas com anticorpos a pelomenos um peptídeo foram de 89%;

• as respostas de linfócitos TCD4+ contra o HIV estavam presen-tes em 79% dos indivíduos;

• as respostas de linfócitos TCD8+ (citotóxicos) anti-HIV testadaspor Elispot e nos testes de citotoxici-dade convencionais foram claras, re-produtíveis e multiespecíficas em 54%dos casos estudados;

• as respostas citotóxicas contraas proteínas nef oriundas de outrosvírus ao isolado vacinal foram encon-tradas em três dos quatro pacientestestados, indicando uma imunizaçãocontra epitopos conservados e suge-rindo uma possível proteção das po-pulações expostas a diferentes vari-antes do HIV.

Os lipopeptídeos induzem res-postas celulares fortes contra diver-sos epitopos do HIV e reprodutíveisem número significativo de indiví-duos vacinados. Essas respostasestão associadas a respostas de an-ticorpos. Além disso, os lipopeptí-deos são bem tolerados. As reaçõeslocais e sistêmicas são similares àsdas vacinas candidatas estudadasanteriormente.

Em vista desses resultados promis-sores, a ANRS traçou como objetivocontinuar a realizar ensaios clínicosde Fases I e II em voluntários sãos,utilizando os lipopeptídeos para ob-ter um conjunto de dados sobre suacapacidade de induzir respostas ce-lulares contra o HIV. A decisão daagência de efetuar um ensaio clíni-co de Fase III, que permitirá o estu-do na população da eficácia dessetipo de candidato a uma vacina, de-penderá dos resultados obtidos nosensaios de Fases I e II, num prazo detrês a cinco anos.

Uma série de ao menos oito en-saios a respeito das formulações, do-ses e vias de administração dos lipo-peptídeos foi programada para serrealizada no período de 2002-2007.Os lipopeptídeos estão sendo estu-dados através de ensaios clínicos de

Fases I e II isolados ou em estratégiaprimário-mais-reforço associada aovetor Alvac, todos financiados pelaANRS. Três ensaios foram realizadosem 2002 (VAC10, VAC12 e VAC17),quatro ensaios foram iniciados em2003 (VAC 15, VAC16, VAC18 eVAC19/HVTN 042) e outros aindaserão começados.

Rede vacinal preventivaA ANRS preparou uma estrutura em

rede, conhecida como réseau vaccinalpréventif (rede vacinal preventiva), a fimde conduzir a realização do programade vacinação baseada nos lipopeptí-deos. Essa rede, dirigida por J. G. Gui-llet (Instituto Cochin de Genética Mole-cular, em Paris), inclui laboratórios paraa pesquisa pré-clínica sobre os lipopep-tídeos e sua utilização em vacinologia,

França”, que será desenvolvido nospróximos dois anos (2004-2006), emparceria entre quatro laboratórios dereferência nacional na pesquisa doHIV/AIDS em nosso país: o Laborató-rio de Imunologia do Instituto doCoração (INCOR) – Faculdade deMedicina da USP (Coordenadores:Edécio Cunha Neto, Simone Fonse-ca e Bosco Christiano Maciel da Silva;o Laboratório Avançado de Saúde Pú-blica (LASP) – FIOCRUZ (FundaçãoOswaldo Cruz)/Bahia (Coordenado-ra: Fernanda Grassi); o Laboratório deAIDS e Imunologia Molecular – FIO-CRUZ/RJ (Coordenadora: Mariza Mor-gado); o Laboratório de Retrovírus –Instituto Adolfo Lutz (Coordenadores:Luís Brígido e Rosangela Rodrigues),e o Laboratório de Imunologia Celu-lar e Tissular do Hospital Pitié-Salpêtriè-re, em Paris, que será coordenadopor Brigitte Autran, uma das líderesmundiais na pesquisa da respostaimunitária celular contra o HIV.

Os pesquisadores envolvidos nes-se projeto estudarão a reatividade cru-zada de epitopos de células T CD4+dominantes contidos em isolados deHIV-1 franceses de subtipo B e circu-lantes no Brasil de subtipo B, BBR, C eF, utilizando basicamente o seqüen-ciamento genético dos isolados deHIV e a Elispot, que é uma técnicaimunológica largamente util izadapara avaliar a resposta imunitária ce-lular contra o HIV.

A principal perspectiva desse estu-do é descobrir se pacientes brasileirosinfectados pelo HIV-1 de subtipos não-B respondem a peptídeos do HIV-1francês de subtipo B e se pacientesfranceses infectados pelo HIV-1 de sub-tipo B respondem a peptídeos do HIV-1 isolados no Brasil de subtipos não-B, em uma estratégia pré-vacinal, alémdo fortalecimento da cooperação ci-entífica entre os dois países. Os resul-tados obtidos permitirão uma melhorcompreensão da resposta imunitáriacelular contra o HIV e que, no futuro,sejam desenvolvidas estratégias vaci-nais contra o vírus.

O ensaio VAC04 utilizou,pela primeira vez, os

lipopeptídeos comresultados muito

encorajadores, mostrando,após três injeções, que as

respostas com anticorpos apelo menos um peptídeo

foram de 89%.

plataformas de avaliação da respostaimunológica, um conjunto de volun-tários sãos selecionados para participardos ensaios, centros clínicos que reali-zam os ensaios com vacinas e um se-tor dedicado às pesquisas vacinais nospaíses em desenvolvimento.

As colaborações internacionaisdesenvolvidas em parceria com aANRS no domínio da pesquisa vaci-nal inclui principalmente os EstadosUnidos e o Canadá. Existe uma cola-boração formal com a HVTN (Redede Ensaios para a Vacina de HIV dosEUA) e uma com o Canvac – RedeCanadense para a Elaboração de Va-cinas e Imunoterapias.

Recentemente, a ANRS aprovouum projeto de colaboração com oBrasil sobre “Reatividade cruzada en-tre regiões de cepas do Brasil e da

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Susan Buchbinder

A MOTIVAÇÃO E AS BARREIRASPARA PARTICIPAÇÃO EM ENSAIOS

DE VACINAPor Susan Buchbinder

(Extraído do Journal of AIDS, Vol. 36, maio de 2004)

articipantes previamente recru-tados num estudo de prepa-ração para a vacina (EPV) anti-

HIV em oito cidades dos Estados Uni-dos foram convidados a se testarempara um ensaio de Fase II de uma va-cina anti-HIV, a fim de comparar amotivação real ou hipotética para par-ticipação em ensaios de vacinas anti-HIV e identificar fatores que afetam orecrutamento. Através de métodos es-tatísticos, compararam-se as caracterís-ticas demográficas e de risco dos queforam recrutados, dos inelegíveis e dosque recusaram o recrutamento. Tam-bém foram identificados preditores in-dependentes de rejeição.

De 2.531 participantes do EPV,em alto risco e sem HIV, contata-dos para o ensaio de vacinas, 13%foram recrutados, 34% foram ine-legíveis e 53% recusaram o recruta-mento. Somente 20% dos que ex-pressaram motivação hipotéticadurante o EPV realmente aceitaramparticipar do ensaio.

Segundo análises estatísticas, arecusa foi maior entre os afro-ame-ricanos e menor entre pessoas commais de 40 anos de idade, entre osque estavam no ensino médio eentre os que tiveram mais de cincoparceiros sexuais nos últimos seismeses. Todos os grupos étnicos

mencionaram preocupações sobrea soropositividade induzida pela va-cina. Os afro-americanos tambémcitaram desconfiança com o gover-no e preocupações com a seguran-ça da vacina como barreiras para orecrutamento.

De acordo com os resultadosobservados, devem ser tomadas al-gumas medidas para minimizar osdanos sociais potenciais e para mo-bilizar diversas comunidades paraentrar nos ensaios. Afirmações so-bre motivação hipotética para par-ticipação em futuros ensaios po-dem levar a sobreestimar o recru-tamento real.

P

Proporção de participantes que completaram o questionário de recusa, mencionando preocupação com os seguintes fatores (alguns)

razão para a recusa

teste de anticorpos positivoa vacina pode causar teste positivopode ser difícil determinar se está infectadoreações de outras pessoaspodem desaprovar minha participaçãosegurançaa vacina pode lesar o sistema imunitárioa vacina pode não ser seguraconfiançadesconfiança com governodesconfiança com empresas farmacêuticas

todos (%)1366948324338593631363017

brancos (%)636541194848522719252116

afro-amer (%)296948483128664548555524

latinos (%)347659444435654435383518

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PNDST-AIDS cria Comitê Assessor

m março deste ano, o Progra-ma Nacional de DST e AIDS(PNDST-AIDS), do Ministério

da Saúde, criou o Comitê Assessor deDesenvolvimento Científico e Tecno-lógico. Entre outras atribuições, onovo comitê vai assessorar o progra-ma na formulação de uma política na-cional de desenvolvimento tecnológi-co no campo do HIV/AIDS e de ou-tras doenças sexualmente transmissí-veis (DSTs), abrangendo o desenvol-vimento de vacinas, microbicidas, me-dicamentos e insumos para preven-ção, diagnóstico e monitoramento.

O Comitê Assessor de Desenvol-vimento Científico e Tecnológicovem substituir o Comitê de Pesqui-sas e Vacinas, antes chamado Co-mitê Nacional de Vacinas que, em2003, realizou uma única reunião.Para participar desse Comitê, foramconvidadas as ONGs/AIDS eleitas noXII ENONG para o Comitê Nacionalde Vacinas. Também foi recriado oComitê de Pesquisas.

De natureza consultiva, o novoComitê Assessor de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico tem comocompetências: contribuir na formu-lação de uma política nacional de de-senvolvimento no campo de DST/AIDS, abrangendo o desenvolvimen-to de vacinas, microbicidas, medica-

mentos, insumos de prevenção, di-agnóstico e monitoramento; analisare acompanhar estratégias e projetosespecíficos para o desenvolvimentotecnológico nesses campos; promo-ver a inovação como parte da políti-ca nacional de combate à epidemiade HIV/AIDS; contribuir para a pro-teção dos direitos de propriedade in-telectual e para o respeito aos princí-pios éticos nos projetos submetidosà sua apreciação.

A exemplo do Plano Nacional deVacinas, o novo Comitê pautará suasações pelo Projeto para Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico emDST/HIV/AIDS, que tem como obje-tivo viabilizar, a médio e longo pra-zos, o desenvolvimento científico etecnológico do país nas áreas de as-sistência, tratamento e prevenção, cri-ando condições ideais para a conti-nuidade e a sustentabilidade da po-lítica governamental e de suas estra-tégias específicas voltadas para o en-frentamento da epidemia. A diretorade Farmanguinhos (FIOCRUZ) este-ve presente à reunião.

PreocupaçõesApesar de o Comitê ter uma

abrangência de atuação bastanteamplia, alguns representantes co-munitários consideram que o tema

“vacinas anti-HIV” deixou de ter umespaço político privilegiado. Alémdisso, apontam outra preocupação:o “êxito” do Programa Brasileiro deAIDS decorreu, principalmente dadistribuição gratuita dos anti-retro-virais, mas as mazelas da assistên-cia às pessoas vivendo com HIV/AIDS e as estratégias de prevençãotendem a ser menos valorizadas, sefor considerado, por exemplo, ocontexto internacional.

“Todos sabemos que o PNDST-AIDS quer sustentar o acesso gratui-to a medicações. Mas, se o Brasil nãodesenvolver os insumos dos anti-re-trovirais a curto prazo, a vida das pes-soas soropositivas estará seriamenteem risco”, comenta Jorge Beloqui,do GIV/SP A partir de 2005, a Indiae a China – principais fornecedoresde matéria-prima – terão que aderiràs regras internacionais da Organi-zação Mundial do Comércio (OMC)de propriedade intelectual (acordoTRIPS: Aspectos da Propriedade Inte-lectual Relacionados ao Comércio),o que significa que, por exemplo,não poderão exportar para o Brasil,a baixo custo, os sais necessáriospara a produção de anti-retrovirais.Outro dado que reforça apreocupação geral é que cada vezmenos as pessoas vivendo com HIV/

PNDST-AIDS CRIACOMITÊ ASSESSOR DE

DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICOE TECNOLÓGICO

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NOTÍCIAS

J. Whitney e R. Reprecht

AIDS estão fazendo uso dos medi-camentos produzidos no Brasil, oque é uma decorrência das falhasterapêuticas ou de resistência aosremédios, o que faz com que os pa-cientes mudem para esquemas queincluem novos medicamentos, paracuja produção o país não detémtecnologia.

É praticamente consenso entreas pessoas diretamente ligadas àsdiscussões que envolvem a defini-ção de uma política nacional de de-senvolvimento tecnológico em HIV/AIDS que medicamentos e vacinasdevem estar num mesmo grau de

importância e prioridade, principal-mente no aspecto do controle dainfecção pelo HIV, para impedir ouretardar o desenvolvimento da AIDSe da modulação virológica. “Acredi-tamos que devemos marcar politi-camente a posição da sociedade ci-vil, fortalecendo nacional e interna-cionalmente a agenda de advoca-cy por vacinas”, afirma Otávio Va-lente Júnior, do Pela VIDDA/RJ. Se-gundo ele, uma estratégia poderiaser abordar essas questões no pró-ximo Encontro de Pessoas Vivendocom HIV AIDS, que se realizará noRio de Janeiro, em setembro, enfati-

zando o tema vacinas em relação aética em pesquisa, propriedade in-telectual e desenvolvimento tecno-lógico. A primeira reunião do novocomitê aconteceu no último dia 6de abril, tendo comparecido Rober-to Ch. Domingues, do Grupo deApoio à AIDS (GAPA/MG), RubensRaffo, da Rede Nacional de PessoasVivendo com HIV/AIDS (RNP+/RS),Wladimir Reis do GTP+ (Grupo deTrabalho em Prevenção Positiva) dePE e Otávio Valente Júnior, do Gru-po Pela VIDDA/RJ. Jorge Beloqui, doGrupo de Incentivo à Vida (GIV/SP),não pode comparecer.

uando o vírus da imunode-ficiência dos símios (SIV) semo gene nef não causou do-

ença em macacos e forneceu prote-ção contra o SIV selvagem, houvemuitas esperanças de que a supres-são do gene nef pudesse converterum vírus de imunodeficiência pato-gênico numa vacina de vírus vivo ate-nuado. Por isso, realizaram-se estu-dos recentes focados na segurança,na eficácia, em correlatos de prote-ção imunitária e em determinantesde virulência ou atenuação sobre osvírus da AIDS vivos e atenuados can-didatos a vacina.

Os estudos mostraram que os vírussem o gene nef continuam sendo pa-togênicos. Em comparação com o SIVselvagem, a progressão para a doençaficou mais lenta, mas permaneceu.

Após um acompanhamento delongo prazo, todos os macacos quereceberam o SIVmac239 Delta 3 mos-traram disfunção imunitária. Mais de50% também tiveram diminuição decélulas T e 18% desenvolveram AIDS.A eficácia da vacina mostrou-se decep-cionante, com pouca ou nenhumaproteção cruzada e sem proteçãocontra o desafio por vírus homólogoanos depois da vacinação inicial.

Atualmente, os indicadores deproteção imunitária não têm uma de-finição clara. Não há nenhum me-canismo dominante e, devido à con-tínua replicação viral e à pressão se-letiva, vírus inicialmente benignos po-dem gerar outros mais virulentos.

Ao final das pesquisas, nem a efi-cácia nem a segurança dos atuais ví-rus vivos atenuados para primatasconseguiu passar no teste do tem-po. Mas, esses vírus são ferramentasde muito valor para abordar duasquestões chave: os indicadores deproteção e os determinantes de pa-togênese viral.

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PERSPECTIVAS DAS VACINAS

DE VÍRUS ATENUADOPor J. Whitney e R. Ruprecht

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TAILÂNDIA (1)EMPRESA SUBMETE

PEDIDO PARAENSAIO CLÍNICO

DE FASE IIIA empresa tailandesa privada de

biotecnologia Immunitor Corporati-on Co. Ltd enviou um pedido parainício de ensaio clínico de Fase III paraa FDA (Agência de Controle de Me-dicamentos e Alimentos) da Tailândia.Esse pedido baseia-se na permissãopendente de pesquisa e desenvolvi-mento de investigação que foi for-necida em 2000.

O ponto final primário do ensaioquer confirmar a propriedade benéfi-ca do V-1 Immunitor (V1) como res-posta à perda de massa corporal/mus-cular associada à AIDS. Se aprovado,o estudo será executado pela equipeclínica chefiada por Orapun Metadilo-gkul, presidente da Occupational andEnvironmental Medicine Association ofThailand (Associação Tailandesa deMedicina Ocupacional e Ambiental) doHospital Geral Rajavithi em Bangkok –o maior hospital público do Ministériode Saúde Pública do país.

Um estudo retrospectivo em 650pacientes de AIDS, recentementepublicado, demonstrou que o V-1 éseguro, eficaz e altamente promissorcomo terapia financeiramente aces-sível para administrar infecções opor-tunistas e a redução da massa mus-cular associada à AIDS. O valor deprobabilidade obtido no estudo(P=0,00000000000000065) indicaque os resultados não se devem aoacaso e são de alta significação esta-tística. Essas descobertas apóiam osresultados do estudo aberto (no qualos participantes e investigadores sa-bem qual medicamento está sendotestado e qual dose está sendo apli-

cada) de Fase I, publicado há doisanos, e do estudo de Fase II contro-lado por placebo, concluído no anopassado.

A vacinaA V-1 Immunitor é uma vacina

terapêutica por via oral contra a AIDS,que foi licenciada na Tailândia e emalguns países africanos como suple-mento alimentar. A vacina produzresposta imunológica nos intestinos,o que aparentemente reverte a con-siderável perda de peso em 76% dospacientes de AIDS. Diversos ensaiosclínicos publicados demonstraramque a V1 é mais segura e financeira-mente mais acessível que a terapiaantiviral padrão.

O ensaio de Fase III buscará licen-ciamento para o medicamento comotratamento da perda de massa mus-cular associada à AIDS, representan-do uma “otimização” da estratégia deaprovação da empresa. Obter umrótulo desse medicamento para talindicação é um marco crucial para oprograma de pesquisa da Immunitorque está em andamento e visa o de-senvolvimento de uma vacina eficaze segura para tratamento e preven-ção do HIV.

Os suplementos nutricionais atu-almente disponíveis ou coquetéis demedicamentos antivirais, como HAART(terapia anti-retroviral altamente po-tente) são ineficazes para a correçãoda perda de massa muscular, e a V1pode ser uma opção complementarútil à HAART, bem como terapia inde-pendente. Outras opções de trata-mento como HGH (hormônio docrescimento humano) recombinante,produzido pela empresa suíça Sero-no, são tão eficazes quanto a V1, masfinanceiramente onerosas para os pa-íses em desenvolvimento.

Para obter informações adicio-nais, entre na página da empresa,em www.immunitor.com.

TAILÂNDIA (2)CONTROVÉRSIASOBRE ENSAIOSDE VACINAS DE

FASE IIIPor Mukdawan SakboonExtraído de The Nation,

fev. 2004Cientistas, dentre eles o co-desco-

bridor do HIV, Robert Gallo, têm ques-tionado a validade do ensaio da vaci-na para a AIDS, patrocinado pelos Es-tados Unidos, iniciado na Tailândia,em setembro de 2003. Os questiona-mentos à realização do ensaio devem-se ao fato de os cientistas já terem de-clarado que a vacina não mostrou ca-pacidade de proteger contra o HIVem testes realizados anteriormente emseres humanos.

O ensaio tailandês testa uma com-binação de duas vacinas: a Alvac, cria-da pela Aventis Pasteur, e a AIDSVAXB/E, feita pela VaxGen Inc. da Califór-nia, Estados Unidos. O ensaio foi pro-jetado para testar o conceito de vaci-nação primária mais reforço, que pa-rece estimular simultanêmente diferen-te sistemas da resposta imunológica. Aexperiência envolve 16 mil voluntários

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saudáveis das províncias orientais deChon Buri e Rayong, que receberãouma vacina ou placebo durante os pró-ximos dois anos e serão acompanha-dos por três anos.

Em testes humanos anteriores,uma das vacinas falhou duas vezes ea utilidade da outra para estimular osistema imunológico é desconheci-da. Colocar as duas vacinas juntas naesperança de que a combinaçãopossa ser eficaz parece inaceitávelpara os cientistas norte-americanosque são contra o ensaio. Entretanto,o Ministério da Saúde Pública emitiuuma declaração insistindo em que oensaio será executado conformeplanejado. O Ministério e as institui-ções que estão cooperando conti-nuam confiantes nos méritos cientí-ficos do ensaio. Diversos comitês derevisão e de especialistas na Tailân-dia, nos Estados Unidos e do Pro-grama Conjunto das Nações Unidaspara o HIV/AIDS – UNAIDS endos-saram o ensaio.

Em defesa do ensaioNa Tailândia, cientistas locais,

com anos de experiência em ensai-os de vacinas contra HIV/AIDS, insis-tiram em que o ensaio deve conti-nuar. "A resposta final sobre se a va-cina vai ou não funcionar só serápossível com o ensaio de Fase III,"afirma Dwip Kitayaporn, da Faculda-de de Medicina Tropical da Universi-dade Mahidol.

Considerado um defensor da“abordagem empírica” com relaçãoao desenvolvimento da vacina, Dwipafirma que os cientistas não podemcontinuar esperando para começara experiência. O pesquisador acredi-ta que o ensaio será capaz de forne-cer percepções científicas úteis parafuturas pesquisas da vacina contra aAIDS. “Mesmo se o ensaio falhar, vaiinformar a razão pela qual falhou”,defende ele.

Uma das razões que estimulamos cientistas tailandeses a continu-ar com o ensaio é que ele é basea-do em uma vacina feita a partir dosubtipo E do vírus, a variante pre-dominante na Tailândia. Até ago-ra, a maioria dos ensaios realizadosem outros países só testou vacinaspara o subtipo B do HIV-1, o tipopredominante entre europeus enorte-americanos.

A existência de diferentes subtipose cepas do HIV é a explicação dademora no desenvolvimento de umavacina que funcione contra a doen-ça. Além disso, o vírus muda cons-tantemente, complicando qualquertentativa de controle. Os ativistas lo-cais contra a AIDS também manifes-taram diferentes opiniões com rela-ção a esse ensaio controverso.

Como muitos HIV positivos ain-da enfrentam, como problema prin-cipal, o acesso aos medicamentos,alguns vêem o desenvolvimento davacina como uma resposta susten-tável à doença e têm dado totalapoio à execução da experiência.Outros tiveram experiências amar-gas com ensaios anteriores de me-dicamentos para o HIV/AIDS, tor-nando-se céticos quanto a qual-quer ensaio clínico.

O que importa para alguns ati-vistas, no entanto, não é o resulta-do do ensaio, mas a possibilidadeem torno do HIV/AIDS que o assun-to gerou. “As comunidades estãosendo encorajadas a participar e hámais conscientização sobre a doen-ça. Criar uma vacina é só uma dasalternativas para a prevenção e ocontrole do HIV/AIDS”, acredita Ni-mit Tien-udom, diretor da AIDS Ac-cess Foundation (Fundação de Aces-so), um grupo de aconselhamento.Ele elogiou o projeto do ensaio, queoferece acompanhamento aos vo-luntários, mesmo se forem infecta-dos mais tarde.

CREME ANTI-VIHPARA MULHERESRECEBE APOIO

Seattle Post-Intelligencer(30 de março de 2004):

Tom PaulsonDurante a conferência “Microbi-

cidas 2004”, em Londres, em marçodeste ano, Lori Heise, diretora daCampanha Global para os Microbici-das afirmou que os mais de 80 mi-lhões de dólares doados pela Fun-dação de Bill & Melinda Gates têmajudado a tornar a procura de mi-crobicidas para mulheres de paísesem desenvolvimento uma interessan-te área de pesquisa.

Cerca de 1.000 pessoas estiverampresentes na conferência. O objeti-vo é o desenvolvimento de um cre-me ou gel que as mulheres possamaplicar intravaginalmente de modoa prevenir a transmissão do VIH porbloqueio físico ou químico do vírus.

O primeiro financiamento daFundação Gates para o desenvolvi-mento de semelhante produto foidado ao Population Council, sedia-do em Nova Iorque, que começaráeste ano os estudos sobre o “Carra-guard”– um produto extraído de al-gas marinhas e muitas vezes usadocomo aditivo alimentar. Na India,

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um ensaio financiado pela Funda-ção Gates avalia um creme vaginalantifúngico como possível microbi-cida anti-VIH. Na África está sendorealizado um ensaio em larga esca-la que incide sobre ungüentos anti-bacterianos e antimicrobianos, finan-ciado pela União Européia em 13,5milhões de dólares e conduzido peloConselho de Investigação Médicado Reino Unido.

Na segunda-feira, a Johnson &Johnson anunciou que a Tibotec, suasubsidiária Belga, doou os direitos depatente de um gel experimental à In-ternational Partnership for Microbici-des, uma organização não lucrativaque, no ano passado, foi financiadaem 60 milhões de dólares pela Fun-dação Gates. A Fundação Rockfellere os governos da Grã-Bretanha, Ho-landa, Noruega, Irlanda e Dinamar-ca também fizeram donativos paraessa associação.

Segundo os peritos, nos paísesem desenvolvimento, as mulherescasadas – de quem se esperam mui-tos filhos e que não têm liberdadepara exigir dos maridos o uso de pre-servativos – são as que correm mai-or risco de infecção pelo VIH. Ummicrobicida protegeria a estas mu-lheres sendo um método controla-do pelas próprias. Entre as mulhe-res, ocorrem cerca de 14.000 infec-ções por dia.

Investigadores da Escola de Higie-ne e Medicina Tropical de Londresestimam que o desenvolvimento deum microbicida eficaz contra o VIHpermitiria prevenir 2,5 milhões de in-fecções em nível mundial e num pe-ríodo de três anos, mesmo que suaeficácia fosse apenas de 60% e seapenas 20% das mulheres o aplicas-sem em metade das vezes que nãousam o preservativo.

Heise afirma que serão necessá-rios ainda alguns anos para que sur-ja um microbicida eficaz.

Por Amy K EricksonQuando a VaxGen, sediada na

Califórnia, anunciou, em fevereirode 2003, que sua vacina contra HIVprotege seletivamente as pessoas deraça negra contra a infecção, os es-pecialistas logo questionaram a sig-nificância estatística dos resultados.A partir da controvérsia resultante,emergiu uma real vontade de alte-rar a forma como as minorias sãorecrutadas e mantidas nos ensaiosda vacina contra HIV.

“Aprendemos algumas impor-tantes lições a partir do ensaio daAIDSVAX. Precisamos aplicar essaslições no futuro, para que essa situ-ação não ocorra novamente”, afir-ma Peggy Johnston, diretor da pes-quisa da vacina contra a AIDS noNational Institute of Allergy and In-fectious Diseases (Instituto Nacionalde Alergia e Doenças Infecciosas)dos Estados Unidos.

Em resposta às declarações daVaxGen, o grupo de trabalho dosInstitutos Nacionais de Saúde dosEstados Unidos (NIH) reanalisou osdados e concluiu que o efeito prote-tor observado em alguns subgruposera casual. Para os pesquisadores, apopulação minoritária no ensaio eramuito pequena para detectar qual-quer diferença.

“A população do estudo deveespelhar as pessoas que estão den-tro do grupo de maior risco, e issonão aconteceu no ensaio da Va-xGen. Além disso, a VaxGen declaraque é mais difícil recrutar minoriaspara os ensaios clínicos”, garante oprofessor de medicina da Faculdade

CONTROVÉRSIASNO

RECRUTAMENTODE MINORIAS

ÉTNICAS

de Medicina da Universidade Emory,Mark Feinberg. Segundo ele, pesso-as de diversos antecedentes étnicose raciais já são naturalmente céticascom relação aos pesquisadores cien-tíficos, e a publicidade gerada peloensaio da AIDSVAX piora ainda maisuma situação já complicada.

Apesar de os NIH terem defini-do diretrizes com relação à partici-pação de minorias nos ensaios clí-nicos em 1994, o número de mu-lheres e pessoas de diversos ante-cedentes étnicos em ensaios aindacontinua baixo. “Isso significa queserá necessário um apoio maior emais abrangente às comunidades,em vez de se restringir o foco norecrutamento para um ensaio espe-cífico”, afirma Steve Wakefield, daHVTN (Rede de Ensaios da Vacinacontra HIV).

Em conferência, realizada emsetembro do ano passado, os pes-quisadores renovaram seu compro-misso de fazer com que os ensaiosfossem mais representativos nas po-pulações em risco. Em outubro, osEstados Unidos subsidiaram umsimpósio sobre recrutamento e ma-nutenção de participantes de mino-ria étnica e racial em ensaios clíni-cos. Como resultado, a HVTN e osNIH estão trabalhando com líderescomunitários para envolver organi-zações locais, desenvolver planosde educação comunitária e cons-truir confiança entre as populaçõesminoritárias.

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PARCERIA ENTREEUROPA E ÁFRICA

INICIO DEENSAIOSCLÍNICOS

Por Henry NichollsExtraído da Nature 10 (4),

abr. 2004A União Européia (UE) iniciou,

em fevereiro, a fase operacional deuma parceria desafiadora de pesqui-sa clínica com a Africa. Mas especia-listas avisam que a prioridade da ini-ciativa pode resultar no retrocesso dotratamento de outras doenças.

A EDCTP – Parceria de Ensaios Clí-nicos Européia e de Países em Desen-volvimento – tenciona estabelecercentros na África para ensaios clínicosde novas intervenções contra o HIV,a malária e a tuberculose. A iniciativaserá subsidiada até 2008 por contri-buições idênticas de cerca de 200

milhões de euros, provenientes daComissão Européia e dos Estadosmembros da UE. “Esse é um dos mai-ores esforços internacionais de pesqui-sa e desenvolvimento contra as trêsdoenças”, afirma o diretor da Pesqui-sa Européia, Philippe Busquin.

Segundo o diretor da IniciativaSul-Africana da Vacina contra a AIDS,Tim Tucker, a parceria com a Europadá às nações africanas uma oportu-nidade real para construir infra-estru-tura e força local para a contribuiçãoà pesquisa. ”Ainda assim, será umgrande desafio fortalecer os estadosafricanos para irem além de simples-mente executar as instruções dosparceiros europeus”, ressalta.

Quando organismos de subsídiocomo a EDCTP focam apenas doen-ças que podem causar maior mor-talidade, há um risco de que a pes-quisa para outras doenças possa serreduzida, adverte David Warrell, di-retor-fundador do Centro de Medi-cina Tropical, na Universidade deOxford: “Diversos desses organismosatualmente estão recusando mesmoconsiderar o investimento em doen-ças que estão fora da lista”, alerta.Para Warrell, a EDCTP pode ter umimpacto de longo prazo no desen-volvimento de novos tratamentos decondições que não estão priorizadascomo, por exemplo, infecções agu-das do trato respiratório e doençasrelativas à diarréia, ou problemas lo-cais que requeiram intervenção te-rapêutica.

O novo diretor executivo da ED-CTP, Piero Olliaro, concorda quemais fundos devem ser disponibili-zados para doenças menos conhe-cidas, mas diz que o foco no HIV,na malária e na tuberculose terá umimpacto maior. O diretor afirma ain-da que em longo prazo o investi-mento da EDCTP em instalações afri-canas poderá beneficiar a pesquisade outras doenças.

VACINAAUTRALIANA

BLOQUEIA HIV

são do retrovírus potencialmentemortal em pacientes HIV positivos,”afirmou David Cooper, diretor doCentro Nacional Australiano.

Pesquisadores australianos desen-volveram uma vacina que, dizem,controla o nível de HIV em indivídu-os recentemente infectados pelo ví-rus. A vacina, chamada VIR201, foidesenvolvida pela empresa de bio-tecnologia Virax, com sede em Mel-bourne, e funciona incentivando osistema imunológico do corpo acombater o vírus.

Um ensaio com duração de umano envolveu 35 pessoas recente-mente infectadas com HIV. Os vo-luntários receberam três diferentesvacinas e 12 indivíduos que recebe-ram a VIR201 registraram níveis deHIV inferiores do que o de outrosparticipantes.

Os pesquisadores acreditamque, restringindo o nível do vírus,os pacientes não desenvolverãoAIDS e poderão viver de forma maisduradoura e saudável. Os voluntá-rios receberam uma injeção no iní-cio do ensaio e nas semanas 4 e12. Não foram registrados efeitosadversos.

Segundo Sean Emery, professoradjunto do Australian National Cen-tre for HIV Epidemiology and Clini-cal Research (Centro Nacional Aus-traliano de Pesquisa Clínica e Epi-demiologia de HIV), que efetuou oensaio, os medicamentos de HIVatuais são eficazes na prevenção damorte, entretanto, a utilização alongo prazo está associada comdiversos efeitos secundários compli-cados de se administrar, como al-terações no aspecto corporal e naforma como o corpo metabolizagorduras e açúcar.

“A VIR201 é o primeiro tratamen-to desse tipo no mundo que mostracapacidade de bloquear a progres-

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ITÁLIA E EUATESTAM VACINAS

CONTRA AIDSAdaptado do Boletim daIAVI 7(3), set. 2003 – jan.

2004Um ensaio humano de peque-

no porte de uma vacina candidatadesenhada para prevenir HIV/AIDSfoi iniciado em Roma e Milão, em17 de março de 2004, patrocina-do pelo Instituto Nacional Italianode Saúde (ISS). A candidata, queconsiste em uma cópia sintética daproteína tat do HIV – que regula areprodução do vírus no corpo e so-zinha não pode causar infecção deHIV ou AIDS – está sendo testadacomo vacina preventiva e comovacina terapêutica.

INDIA E JAPÃOLANÇAM VACINASHIV COMPATÍVEISCOM VARIANTES

LOCAISPor I-han Chou & K.S.

JayaramanExtraído de Nature

Medicine 10 (3),mar. de 2004

Quando o primeiro caso de HIVpositivo foi identificado, há 18 anos, nacidade de Madras – agora chamada deChennai–, ao sul da Índia, o ConselhoIndiano de Pesquisa Médica (ICMR) de-clarou que o vírus fora introduzido porvisitantes provenientes do Ocidente de-cadente. Na época, a agência aconse-lhou o governo a revistar os turistas es-trangeiros como medida para refrear adisseminação do HIV no país. Agora,com quase cinco milhões de casos deAIDS, a Índia programa testar uma vaci-na adaptada aos seus cidadãos.

Criar uma vacina contra o HIV éum desafio ainda maior, devido às di-ferentes variedades que predominamem diversas partes do mundo. Paísescomo a Índia e o Japão estão agoratentando compatibilizar as vacinas àsvariantes localmente predominantes,a fim de maximizar as chances de su-cesso. “Nestes últimos três, quatroanos, tem ficado claro que devemosadequar o antígeno à população”,explica Max Essex, presidente do Insti-tuto de Pesquisa de AIDS de Harvard.

O governo indiano recusou-se atestar qualquer vacina se o alvo nãofor o subtipo C, predominante nopaís – a maioria das vacinas é basea-da no subtipo B, predominante nosEstados Unidos e na Europa. A vaci-na candidata atualmente na Índia éuma atenuada, que carrega seis ge-nes de subtipo C de HIV-1.

“Nossa vacina tem uma melhorchance de sucesso do que a AIDS-VAX, pois foi adequada para os in-dianos, além de ser mais imunogê-nica. Mesmo que ela seja só 50% efi-caz, ajudará a conter a dissemina-ção do vírus. Como os vírus recom-binantes expressam múltiplas prote-ínas, têm uma melhor chance doque a AIDSVAX, que continha umaúnica proteína de superfície, agp120”, afirma Lalit Kant, diretor-ge-ral adjunto do ICMR.

JAPÃOEnquanto isso, no Japão, onde o

número de novas infecções aumentaa cada ano, Aikichi Iwamoto e seuscolaboradores da Universidade deTókio estão testando uma vacina desubtipo B adequada para os pacientesjaponeses. A vacina foca o HLA-A24, oantígeno de leucócito humano presen-te em 70% da população japonesa.

A equipe de Iwamoto criou umcoquetel de peptídeos específicos aoA24, usando peptídeos de fenótipotípico e versões mutantes provenien-tes de pacientes japoneses. Os resul-tados preliminares são esperados atéo final deste ano.

A vacina japonesa destaca a enor-me dificuldade que existe na proje-ção de métodos acessíveis de entre-ga. Os pesquisadores colhem célu-las de cada paciente com os peptí-deos e as injetam de volta. Como avacina foi adequada com precisãopara o paciente e a respectiva vari-ante viral, ela é uma candidata im-provável para aplicação mundial.

Para alguns especialistas, focar vari-antes virais específicas pode ser impor-tante, mas a necessidade atual é desen-volver uma vacina que dê uma imuni-dade mais generalizada. Mesmo emlocais como a Índia, onde um subtipoé dominante, outros subtipos estão pre-sentes e o HIV está em constante muta-ção e cruzamento.

Segundo o vice-presidente execu-tivo de Pesquisa e Desenvolvimentoda IAVI, Wayne Koff, há híbridossurgindo em locais como a Tailândia ea Uganda. “Existe um problema com ovírus, pois a transcriptase reversa é mui-to propensa a erros e à pressão seletiva,levando à mutação”, afirma Koff.

A solução pode ser criar coque-téis de diferentes vacinas ou visarancestrais comuns entre as varieda-des. A falha dos ensaios da AIDS-VAX demonstrou que uma aborda-gem relacionada a um subtipo es-pecífico pode não ser suficiente,como informa Bette Korber, pesqui-sadora do Laboratório Nacional deLos Alamos. “Teremos que ser maishabilidosos que isso”, afirma.

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A IMUNIDADECONTRA OSVETORES DAVACINA DE

ADENOVÍRUSSOROTIPO 5

(Extraído de Journal ofVirology, Março 2004, p.

2666-2673, Vol. 78, No. 6)A grande prevalência de imunida-

de preexistente ao adenovírus soroti-po 5 (Ad5) nas populações humanasprovavelmente irá limitar a imunoge-nicidade e utilidade clínica de vacinasrecombinantes baseadas em vetor Ad5para o HIV-1 e outros elementos pato-genos. Acredita-se que os anticorposneutralizantes contra o Ad5 (NAbs)poderiam contribuir substancialmentepara a imunidade anti-Ad5, mas a pro-vável importância de linfócitos-T espe-cíficos de Ad5 nesse contexto aindanão foi totalmente caracterizada.

Foram avaliadas as contribuiçõesrelativas de respostas imunológicashumoral e celular específicas para oAd5 na redução da imunogenicidadede uma vacina rAd5-env em camun-dongos. A transferência adotiva deNAbs específicos de Ad5 resultou emuma anulação dramática de respostasimunológicas específicas de env segui-das de imunização com rAd5-env.

A transferência adotiva de linfóci-tos-T CD8+ específicos de Ad5 tam-bém resultou em uma supressão sig-nificativa e estável de imunogenicida-de rAd5-env. Esses dados demons-tram que NAbs e linfócitos-T CD8+contribuem para a imunidade Ad5.Novos vetores de adenovírus que es-tão em desenvolvimento para contor-nar o problema da imunidade pree-xistente anti-Ad5 devem então ser pro-jetados para poder esquivar das res-postas imunológicas em fluídos cor-porais e celulares específicas de Ad5.

TESTE COMVACINA TEMRESULTADOS

PROMISSORES

De acordo com o ISS, estudos ex-perimentais em animais vêm de-monstrado que a administração daproteína tat não tem efeito tóxico einduz uma resposta imunológicacompleta, capaz de bloquear a re-plicação do vírus, impedindo, con-seqüentemente, o desenvolvimen-to da doença. Os ensaios determi-narão os efeitos da vacina candida-ta em humanos.

Em Massachusetts, Estados Uni-dos, um par de vacinas candidatascontra a AIDS, desenvolvidas pela Fa-culdade de Medicina da Universida-de de Massachusetts (UMMS) e aempresa ABL, com o patrocínio doInstituto Nacional de Alergia e Doen-ças Infecciosas dos EUA, recebeuaprovação governamental para ini-ciar um ensaio humano. As duascandidatas serão testadas como va-cinas preventivas para pessoas quenão estão infectadas com HIV. Oensaio de pequeno porte engloba-rá 36 voluntários.

A abordagem desenvolvida pelaUMMS usa segmentos de genes deHIV agrupados em um anel de DNA,para induzir respostas imunológicas.Essa vacina de DNA será seguida poruma injeção de proteínas de HIVdesenvolvida pela ABL. As vacinascandidatas não contêm HIV e nãopodem causar infecções.

do os pesquisadores. A substância foibem tolerada e um a cada dois vo-luntários teve uma resposta imuno-lógica à doença.

De acordo com os resultados dapesquisa, 45% das pessoas em quea vacina foi testada reagiram positi-vamente. Nessas pessoas, a vacinaestimulou as células capazes de eli-minar as infectadas pelo vírus do HIV.

A primeira fase dos testes ocorreusimultanêamente em Lausanne e emLondres, com 12 voluntários em cadacidades. A vacina, batizada de NYVAC-HIV C, é fruto de um projeto de coo-peração européia promovido pela Eu-roVac e financiado por um programade pesquisa da União Européia (UE).

A partir de agosto, começará nasduas cidades, um segundo estudoclínico com 40 voluntários, o qualpermitirá precisar melhor a eventualeficácia da mistura. Nessa segundafase, a vacina será administrada jun-to com outra que ainda não foi tes-tada em seres humanos.

Os pesquisadores acreditam queessa combinação permitirá que entre80% e 90% dos voluntários desenvol-vam uma resposta imunológica, que,além disso, poderá ser entre cinco edez vezes mais alta. Caso essas expec-tativas se confirmem, serão feitos tes-tes em maior escala no ano que vem,entre 300 e 4.000 voluntários. A vaci-na NYVAC-HIV é a mais avançada emfase de desenvolvimento para fazerfrente a uma cepa do vírus ativo naÁsia, responsável por aproximadamen-te 50% dos casos de AIDS no mundo.

(06 de Junhode 2004 – EFE)

Uma vacina contra a AIDS queestá sendo testada há um ano na ci-dade suíça de Lausanne teve resul-tados provisórios promissores, segun-

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Adjuvante: substância incluída numa formula-ção de vacina para melhorar ou modificar suaspropriedades imuno-estimulantes.

Anticorpo (também chamado imunoglobu-lina): proteína produzida pelo organismo contrainfecções no sangue ou nos fluidos do corpo. Oobjetivo é reconhecer, neutralizar, e ajudar a des-truir microorganismos patogênicos (por exemplo,bactérias, vírus) ou toxinas. Os anticorpos são pro-duzidos e secretados pelos linfócitos B como res-posta ao estímulo por antígenos. Em geral, cadaanticorpo se liga a um antígeno específico queestimulou sua produção e isso provoca sua elimi-nação ou prepara os antígenos para a ingestão eeliminação por células.

Anticorpo de ligação: um anticorpo que seliga a uma parte do microorganismo patógeno,como o HIV. Os anticorpos de ligação podem ounão levar à eliminação do patógeno.

Anticorpo facilitador: um tipo de anticor-po que pode aumentar a habilidade de umpató0geno de infectar células e produzirdoença. Ainda não se sabe se os anticorpos fa-cilitadores têm qualquer efeito no curso dainfecção pelo HIV. Os anticorpos facilitadorespodem ser pensados como o oposto dos anti-corpos neutralizantes.

Anticorpo neutralizante: anticorpo que im-pede o vírus de infectar uma célula, normalmen-te bloqueando os pontos de entrada viral (recep-tores) no vírus.

Antígeno: qualquer substância reconhecida poruma componente do sistema imunitário (porexemplo, anticorpos, células). Os antígenos sãocom freqüência agentes como bactérias ou vírusinvasores .

Cepa: um tipo ou variedade de vírus. No casodo HIV, elas são muito heterogêneas, sem queduas sejam exatamente iguais. Quando o HIV éisolado de um indivíduo e estudado em labora-tório, ele é freqüentemente “batizado” com seupróprio nome identificador ou nome da cepa(i.e., MN, LAI).

Cerne: a cápsula protéica que rodeia o DNA ouRNA do vírus. No HIV, a precursora da proteínado cerne (chamada p55) é quebrada nas molé-culas menores p24, p17, p7, e p6. O cerne doHIV é composto fundamentalmente de p24.

Coorte: grupo de indivíduos que partilhamuma ou mais características num estudo de pes-quisa e que são acompanhados no tempo. Porexemplo, um ensaio de vacinas pode incluirduas coortes: um grupo de alto risco e outrode baixo risco.

Correlatos de imunidade: (também chama-dos correlatos de proteção): as respostas imu-nitárias específicas correlacionadas com a proteçãode uma certa infecção. Os correlatos de imunida-de necessários para o HIV são desconhecidos.

CTL (linfócitos T citotóxicos): também cha-madas de células T matadoras: células imuni-tárias que destróem células do hospedeiro infec-tadas por vírus, fungos, ou certas bactérias, em

contraste com os linfócitos B cujo alvo são geral-mente os vírus livres flutuantes no sangue. AsCTLs carregam o marcador de superfície CD8+e pensa-se que representam um papel importantena imunidade para o HIV, mas isso ainda nãoestá provado.

Desafio: em experimentos com vacinas, a ex-posição proposital ao agente infeccioso de umanimal imunizado contra o agente. Os experi-mentos de desafio nunca deveriam ser realizadosna pesquisa em seres humanos. Na pesquisa paravacinas anti-HIV, eles nunca foram realizados emseres humanos.

env: um gene do HIV que codifica a gp160, mo-lécula precursora que se divide nas proteínas doenvelope gp120 e gp 41. (Ver glicoproteína)

Envelope, envoltório: superfície externa deum vírus. Nem todos os vírus têm um envelope.

Enzima: proteína que acelera a taxa de umareação química específica recuperando-se inal-terada no fim da reação. As enzimas geralmentesão nomeadas somando o sufixo “ase” ao nomeda substância sobre a qual a enzima age (porexemplo, protease é uma enzima que age emproteínas).

Epitopo: um local específico de um antígenoonde os anticorpos se ligam. Sua presença esti-mula as respostas imunitárias específicas, comoa produção de anticorpos ou a ativação de célu-las imunitárias.

Evento adverso: num ensaio clínico é um efei-to indesejado detectado em algum participante.O termo se aplica tanto se o efeito pode quantonão se pode ser atribuído ao estudo.

Fowlpox: membro da família dos poxvírus (queinclui os vírus da varíola humana e da varíola bo-vina (vaccínia)). O fowlpox, como também o ca-narypox, são membros da subfamília “avipox”, queinfectam diferentes espécies de aves. O fowlpoxinfecta os frangos. A replicação dos avipox é defi-ciente em células de mamíferos, o que torna ovetores seguros (embora talvez não muito efeti-vos) para vacinas contra o HIV.

Gag: um gene do HIV que codifica a p55.A p55 é a precursora das proteínas p17, p24,p7 e p6 do HIV que formam seu cerne, acápsula interna de proteínas que abriga oRNA viral.

Genes regulatórios: genes do HIV (nef, rev,tat, vpr) que produzem proteínas que não sãonecessárias à replicação viral, mas ajudam a regulá-la nas células infectadas.

Genoma: o material genético completo (DNA ouRNA) presente numa célula ou vírus individual.

Genoma do HIV: é composto pelos genes gag,pol, env,tat, rev, vif, vpr, vpu e nef (ver Bole-tim nº 5, página 30).

gp41 (glicoproteína 41): uma proteína noenvelope do HIV. A gp41 tem um papel chave naentrada do HIV na célula T CD4+, facilitando afusão das membranas do vírus e da célula.

gp120 (glicoproteína 120): glicoproteína doenvelope do HIV . Ela se liga à molécula CD4+ dacélula T auxiliar durante a infecção. Foi estudadacomo vacina experimental contra o HIV porque oenvelope é a primeira parte do vírus “vista” pelosanticorpos neutralizantes.

Heteróloga (cepa): (o oposto de homóloga ) di-ferente em aparência, estrutura e usualmente emfunção. Para o caso de vacinas para o HIV, refere-sea uma cepa de vírus diferente daquela utilizada paraproduzir a vacina. Por exemplo, pode ser realizadoum exame para ver se os anticorpos de uma vacinaproduzida a partir de uma cepa MN neutralizam umacepa heteróloga (por exemplo, a cepa LAI).

HLA: é a designação genética para o complexode histocompatibilidade principal (MHC) humano.Tem um papel importante na imunidade celular.Mediante esse mecanismo, o organismo reconhe-ce e elimina os corpos estranhos a ele. A funçãodas moléculas MHC é exibir na superfície celularfragmentos derivados do patôgeno situado nointerior da célula. Assim, esses são reconhecidospelos linfócitos T apropriados, o que quase sempreleva à eliminação do microorganismo.

Homóloga (cepa): (o oposto de heteróloga )similar em aparência, estrutura e usualmente emfunção. Para o caso de vacinas para o HIV, refere-se à cepa de vírus a partir da qual é produzida avacina. Por exemplo, pode ser realizado um exa-me para ver se os anticorpos de uma vacina pro-duzida a partir de uma cepa MN neutralizam acepa homóloga (nesse caso, a cepa MN).

Hospedeiro: planta ou animal que hospeda ouabriga um outro organismo.

Imunidade: resistência natural ou adquirida a umadoença, fornecida pelo sistema imunitário. A imu-nidade pode ser parcial ou completa, específica ouinespecífica, de longa duração ou temporária.

Imunidade de mucosa: resistência à infecçãovia membranas mucosas do corpo. Ela dependede células imunitárias e anticorpos presentes nostratos reprodutivos e gastrointestinais e outras su-perfícies de corpo úmidas expostas ao mundo ex-terno (a rota mais freqüente de infecção pelo HIV).

Imunidade esterilizante: uma resposta imu-nitária que previne completamente o estabeleci-mento de qualquer infecção detectável.

Imunidade humoral: é a imunidade que re-sulta da atividade dos anticorpos.

Imunidade mediada por células (tambémchamada imunidade celular): a parte do sistemaimunitário cujo alvo são as células do hospedeiroque estão infectadas por microorganismos comovírus, fungos ou algumas bactérias. É coordena-da pelas células T auxiliares e pelas CTLs.

Imunização: o processo de induzir imunidade.Pode ser realizado administrando um antígeno (va-cina) para permitir ao sistema imunitário prevenira infecção ou doença quando ele entrar em con-tato com o agente infeccioso. Nesse caso, cha-ma-se ativa. Pose ser realizado administrando di-retamente anticorpos (soro) para combater a in-fecção. Nesse caso, chama-se passiva.

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GLOSSÁRIO

Dicionário prático

Nef: um gene presente no SIV e no HIV que não énecessário para a replicação viral, mas serve parasua regulação. Vacinas feitas de SIV vivo mas semnef (nef deletadas) foram estudadas em macacos.

Peptídeo: uma molécula composta de dois oumais aminoácidos unidos. As proteínas são com-postas por peptídeos.

Prevalência: a proporção de pessoas com umadoença ou condição particular numa populaçãoespecífica e num determinado momento.

Primária mais reforço: combinação de vaci-nas administradas em seqüência temporal. Umacombinação de primária e reforço pode induzirtipos diferentes de respostas imunitárias e/ ouaumentar as respostas além daquelas observadascom um único tipo de vacina.

Receptor: molécula na superfície da célula queserve como um local de reconhecimento ou deligação para um antígeno específico, anticorpo,enzima ou outra molécula.

Recombinante: vírus cujo genoma deriva-se dacombinação dos genomas de duas ou mais cepasvirais diferentes. Em regiões do mundo onde circu-lam diferentes subtipos do HIV, é freqüente haveruma variedade de cepas recombinantes. Algunsrecombinantes (chamados “Formas RecombinantesCirculantes” ou CRF) parecem ter alguma vantagemseletiva e são os mais observados da epidemia emalgumas regiões. O vírus mais freqüente na Tailân-dia é um recombinante que tem o gene do enve-lope do subtipo E, e o gene gag do subtipo A. NaÁfrica Ocidental o CRF mais comum é o A/G. NoBrasil, circula um recombinante B/F.

Reforço: vacina ou vacinas aplicada subseqüen-temente à vacina administrada em primeiro lugar(primária), para aumentar a resposta imunitária. Umreforço pode ou não ser a mesma vacina administradaem primeiro lugar.

Resposta imunitária: reação do corpo a an-tígenos externos que pode neutralizar ou eliminaros antígenos e fornecer imunidade.

Retrovírus: nome comum ao HIV e outros ví-rus cujo material genético é carregado na formade RNA no lugar de DNA. Esses vírus também con-têm a enzima transcriptase reversa que transcre-ve RNA em DNA. Esse processo é o oposto doque normalmente acontece em animais e plantasonde o DNA é transformado em RNA, de onde o“retro “ do prefixo.

SF: nome de uma cepa do vírus HIV.

SHIV: um vírus “ híbrido “ criado por engenhariagenética com um envelope de HIV e cerne deSIV. O SHIV é amplamente usado para testar vaci-nas em macacos.

Significação estatística: a probabilidade deque uma diferença observada (por exemplo, en-tre dois braços de um ensaio de vacinas) sejadevida à intervenção (vacina, medicação,aconselhamento etc) em lugar de ser devida aoacaso. Essa probabi l idade é determinadausando testes estatísticos para avaliar os dadoscoletados.

SIV (vírus da imunodeficiência dos símios): um vírussemelhante ao HIV que infecta macacos e causa umadoença semelhante à AIDS em algumas espécies.

Soroconversão: desenvolvimento de anticor-pos para um antígeno particular. Quando as pes-soas desenvolvem anticorpos para o HIV ou parauma vacina experimental para HIV, eles “sorocon-vertem” de negativos para anticorpos a positivospara anticorpos. A soroconversão induzida porvacina não é uma infecção.

Subtipo (também chamado clade): grupo decepas de HIV relacionadas e classificadas por seugrau de semelhança genética. Há três grupos prin-cipais (ou tipos) identificados até agora: M, O eN. O grupo M consiste de pelo menos dez subti-pos, de A até J.

Vaccínia: um vírus da varíola bovina, antigamen-te usado em vacinas de varíola humana e agoracomo vetor em algumas vacinas para o HIV emexperimentação.

Vacina de subunidade: vacina que consistede só uma proteína do vírus ou de outropatógeno. As vacinas de sub-unidade para o HIVproduzidas por engenharia genética são chama-das de vacinas de sub-unidade recombinante.

Vacina de DNA: uma tecnologia de vacina ex-perimental na qual um ou mais genes que codifi-cam para antígeno(s) específico(s) são injetadosdiretamente no corpo com o intuito de produziremantígeno (s) no receptor e suscitem respostas imu-nitárias. A tecnologia é altamente promissora paraa produção de vacinas simples, baratas e estáveispara mudanças de temperaturas.

Vacina de vetor vivo: uma vacina que usaum organismo que não causa doença (vírus oubactéria) para transportar genes do HIV ou ou-tros genes estranhos (codificando antígenos) parao interior do corpo. Esse tipo de vacina gera fre-qüentemente respostas de CTL.

Vacina polivalente: para o HIV, vacinaproduzida de múltiplas cepas virais.

Vetor: bactéria ou vírus que não causa doençaem humanos e é usado em vacinas criadas paratransportar genes que codificam antígeno paradentro do corpo e desse modo induzir uma res-posta imunitária. Entre os exemplos, está a vaccí-nia e o vírus da varíola dos canários ou canarypox.

Vírus da varíola dos canários (canarypox):um vírus que infecta pássaros e está sendo usadopara carregar genes do HIV para o interior decélulas humanas em várias candidatas a vacinacontra o HIV atualmente em ensaio clínico. O vírusda varíola dos canários não pode crescer em célulashumanas, o que é um traço importante para asegurança das vacinas que compõe.

Versão extraída e editada a partir de um glossáriodo Instituto Nacional de Alergia e DoençasInfecciosas dos EUA. Pode ser consultado na ínte-gra, em inglês: www.niaid.nih.gov/factsheets/glossary.htm

Agradecemos a colaboração da Dra. Sigrid dosSantos (ANCA-HCUSP)

Imunôgeno: substância capaz de provocar umaresposta imunitária.

Imunogenicidade: a extensão da resposta imu-nitária estimulada por um imunógeno ou vacina.

Imunoglobulina: um termo geral para anticor-pos que reconhecem organismos invasores, levan-do à sua destruição. Há cinco classes de imuno-globulinaas: IgA, IgG, IgM, IgD e IgE.

Infecção inesperada (break-through): uma in-fecção que a vacina deveria prevenir, mas que ain-da assim ocorreu num voluntário durante umensaio clínico.

In vitro: (literalmente “no vidro”) num ambien-te de laboratório fora de organismos vivos (porexemplo, um tubo para teste ou prato decultura), usado para estudar doenças e proces-sos biológicos.

In vivo: teste dentro de um organismo vivo. Porexemplo, estudos em humanos ou animais.

Isolado: uma cepa particular de HIV-1 de umapessoa (isolado primário) ou cultivada em labora-tório (isolado de laboratório).

LAI: nome de uma cepa do vírus HIV.

Linfócito: célula branca do sangue (com fun-ções diferentes), responsável pelas respostas imu-nitárias. Há dois tipos principais: células B (res-ponsáveis pela produção de anticorpos) e célu-las T (que orquestram todos os aspectos da res-posta imunitária e realizam funções especializa-das como destruir células infectadas por patôge-nos). São produzidas na medula óssea e no timo,respectivamente.

Linfócito B (célula B): células brancas do san-gue do sistema imunitário, derivadas da medulaóssea e baço. As células B se desenvolvem emcélulas do plasma que produzem anticorpos.

Linfócito T CD4+ (também chamado célulaT auxiliar): célula imunitária que carrega ummarcador CD4 na superfície. Os linfócitos T CD4+são o alvo primário do HIV. Eles ajudam a orques-trar tanto a resposta de anticorpos como a decélulas T citotóxicas.

Linfócito T CD8+: célula imunitária qua carre-ga o “conjunto de diferenciação 8” marcador(CD8) . As células T CD8 podem ser citotóxicas(matadoras) ou supressoras.

MHC (complexo de histocompatibilidade princi-pal ): agrupamento de genes que controla cer-tos aspectos da resposta imunitária. A função dasmoléculas MHC é a de exibir na superfície celu-lar fragmentos derivados do patôgeno no interi-or da célula. Assim, estes são reconhecidos peloslinfócitos T apropriados, o que quase sempre levaà eliminação do microorganismo. Mediante estemecanismo, o organismo elimina os corpos es-tranhos a ele.

MN: uma cepa de HIV-1 que pertence ao subti-po B, prevalente na América do Norte e na Europa.A MN foi extensamente usada no desenvolvimen-to de vacinas.

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Editorial

Primeira leitura

Para entender vacinas ............................................................................... 2Para entender a discussão atual sobre pesquisa de vacinas anti-HIV... 3

Entrevista

Dráuzio e Ésper: um bate-papo sobre vacinas anti-HIV .......................... 4

Conferência de Retrovírus

Sobre homens e macacos: a vacina para AIDS numa encruzilhada ..... 6

Artigos

Uma pesquisa em indivíduo cronicamente infectados ............................11As chances para uma vacina anti-AIDS ...................................................16Mapa ............................................................................................................ 18A redução de comportamento de risco entre UDISno ensaio da AIDSVAX B/E ............................................................................20O empenho da ANRS na pesquisa de uma vacinacontra o HIV .................................................................................................23

Notícias

A motivação e as barreiras para participação em ensaios de vacina ....26PNDST-AIDS cria Comitê Assessor de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico ...............................................................................................27Perspectivas das vacinas de vírus atenuado .............................................28

Breves .........................................................................................................29

Glossário .....................................................................................................35

ÍNDICE

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Boletim Vacina Anti – HIV/AIDSJulho de 2004

Esta publicação é uma realização do Grupo de Incentivo à Vida (GIV) .

O GIV é um grupo de ajuda mútua para pessoas com sorologia positiva para oHIV e dirigido também por portadores (as). Não tem finalidades lucrativas nemvinculações de natureza político partidária ou religiosa, bem como é destituído

de quaisquer preconceitos.

Coordenador do projetoCláudio T. S. Pereira

EditorJorge A. Beloqui

JornalistaJacinto Corrêa

ColaboradorRubens Oliveira Duda

Conselho EditorialGilvane C. da Silva, Roberto Chateaubriand, Ronaldo Mussauer, Sandra Perin e

Alexandre do Valle, Liandro Lindner e Mário Scheffer.

Diretoria do GIVPresidente: Gilvane C. da Silva.Tesoureira: Silvana C. de Meneses

Tesoureiro suplente: Luiz Donizeti RochaSecretário: Edson Arata. Secretária suplente: Silvia Aparecida D. Almeida.

ArteCarlos José Takachi

RevisãoConfraria de textos

Impressão e acabamentoAGIL Gráfica

Tiragem9.000 exemplares

FinanciamentoEsta edição foi financiada pela Coordenação Nacional de DST/AIDS do

Ministério da Saúde em convênio com a UNESCO.

ApoioEste número do Boletim de Vacinas conta com o solidário apoio financeiro

da IAVI (Iniciativa Internacional para uma Vacina contra a AIDS),de Nova York, EUA.

Grupos representantes das ONGs/AIDS no Comitê Nacional deVacinas Anti-HIV/AIDS:

GIV, Grupo Pela VIDDA/RJ, GTP+, RNP/PoA e GAPA/MG.

GIV- Grupo de Incentivo à VidaRua Capitão Cavalcanti , 145. Vila Mariana. CEP 04017-000. São Paulo – SP

Fone-fax (11) 5084-0255e-mail: [email protected]

Home page: www.giv.org.br

This Bulletin is a community initiative developed by GIV and other BrazilianNGOs, funded by the CNDST-AIDS, M. of Health and supported by IAVI.

Phone-fax number: (5511) 5084-0255Address: Rua Capitão Cavalcanti, 145

(04017-000) São Paulo – SPBrasil

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BOLETIM VACINAS • Nº 11