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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA RITA DE CASSIA CASTILHO VARLESI DE AZEVEDO PERSONA – UM OBJETO ESTÉTICO NA AMBIÊNCIA SÃO PAULO 2018

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA

RITA DE CASSIA CASTILHO VARLESI DE AZEVEDO

PERSONA – UM OBJETO ESTÉTICO NA AMBIÊNCIA

SÃO PAULO 2018

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RITA DE CASSIA CASTILHO VARLESI DE AZEVEDO

PERSONA – UM OBJETO ESTÉTICO NA AMBIÊNCIA

Tese de Doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção de título de Doutora em Educação, Arte e História da Cultura. Orientadora: Profa. Dra. Regina Lara Silveira Mello

SÃO PAULO

2018

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Bibliotecária Responsável: Ana Lucia Gomes de Moraes - CRB 8/6941

A994o Azevedo, Rita de Cassia Castilho Varlesi de.

Persona : um objeto estético na ambiência / Rita de Cassia Castilho Varlesi de Azevedo. – 2018.

159 f. : il. ; 30 cm

Tese (Doutorado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018. Orientador: Regina Lara Silveira Mello Referências bibliográficas: f. 135-137.

1. Persona. 2. Ambiência. 3. Performance. 4. Dispositivos. 5. Interação. I.

Mello, Regina Lara Silveira, orientador. II. Título.

CDD 709.04071

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Aos meus amores

Wilton e Julia.

Na vida me descobri musa de uma arte que também me pertencia.

Desvelando minhas Personas, percorri por um caminho de memórias

de um amor infinito que se fez arte e o fará sempre

na voz de um único duplo. Tawi

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RESUMO Esta tese objetiva apresentar experimentos artísticos voltados à temática da Persona de modo a identificar a relação do objeto estético na ambiência analógica/digital. O recorte desta pesquisa visa articular teorias sobre o modo como cada área artística estudada elabora a construção da sua Persona, levando algumas obras a dialogar com outras áreas, ampliando os horizontes significantes para o espectador. Os levantamentos técnicos sobre a obra de cada artista conduzem o encaminhamento da pesquisa refletindo sobre o modo estético e teórico utilizado nas obras. A escolha dos artistas citados objetiva traçar um paralelo entre a prática artística e a intervenção dos dispositivos presentes nas obras, tomando o foco nas Personas e na ambiência. A pesquisa caminha por uma exteriorização da Persona pelas máscaras e performances, e tem como diferenciador estético a potencialização dos dispositivos analógicos ou digitais. A partir disto, o percurso segue em diversas áreas das Artes como: teatro, fotografia, performance, dança e arte digital de modo a abranger diferentes experiências estéticas e, portanto, cada “máscara” se diferencia e se assemelha na identificação da Persona. A metodologia usada consiste em levantamentos teóricos, trabalhando a historicidade nas relações das áreas citadas e a interlocução com os dispositivos utilizados para a elaboração das obras. O objetivo geral desta pesquisa é apresentar a teoria e a prática da atividade artística em diferentes segmentos das artes de modo a apontar relações identitárias nas obras dos diferentes artistas. A justificativa desta pesquisa está no ato criativo do artista na elaboração de sua Persona, no percurso escolhido para a expressão da sua máscara e na ambiência na qual ela se instala. Palavras-chave: Persona; ambiência; performance; dispositivos; interação.

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ABSTRACT This thesis is aimed to present artistic experiments focused on the subject matter of the Persona, in order to identify the relationship of the aesthetic object in the analogue/digital ambience. The clipping of this research has in view to articulate teories about the way how each studied artistic area elaborates the construction of his Persona, making some of these works to dialogue with other áreas, expanding the significant horizons for the viewer. The technical surveys on the work of each artist lead this research, refleting on the aesthetic and theorical method used in their works. The choise of the mentioned artists aims to draw a parallel between artistic practice and the intervection of the devices present in the works, having the focus on the Persona and the ambience. The research walks to an exteriorization of the Persona through the masks and performances and it has as an aesthetic differentictor, the potentialization of the analog or digital devices. From this stage, the route follows in several areas of the arts as: theather, photography, performance, dance and digital art in order to cover different aestetic experiences and therefore each “mask” differs and looks like the identification of the Persona. The methodology used consists of theorical surveys working as historicity in the relations of the mentioned areas and the interlocution with the devices utilized for the elaboration of the works. The general purpose of this research is to present the theory and practice of the artistic activity in different segments of the arts, in order to appoint the identities in the works of the different artists. The justification for this research lies in the artist's creative act, in the elaboration of his Persona, in the course chosen for the expression of his mask and in the ambience in which he settles. Keywords: Persona; ambience; performance; devices; interaction.

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RESUMEN Esta tesis busca presentar experimentos artísticos sobre la temática de la Persona, a fin de identificar la relación con el objeto estético en la ambiência analógico/digital. El recorte de esta investigación articula teorías sobre el modo como cada área artística estudiada elabora la construcción de su Persona, llevando algunas obras a dialogar con otras áreas y, por consiguiente, amplían los horizontes significantes para el espectador. Los levantamientos técnicos sobre la obra de cada artista conducir el encaminamiento de la investigación, reflexionando sobre el modo estético (y teórico) empleado en las obras. La elección de los artistas citados busca trazar un paralelo entre la práctica artística y la intervención de los dispositivos presentes en las obras tomando el foco en las Personas y en el ambiência. La investigación prosigue por una exteriorización da Persona por las máscaras y por las performances, y tiene como diferenciador estético la potenciación de los dispositivos analógicos y digitales. A partir de esto, el análisis sigue por diversas áreas de las Artes, como, por ejemplo, teatro, fotografía, performance, danza y arte digital con el propósito de abarcar diferentes experiencias estéticas y, por lo tanto, cada ˜máscara˜ se diferencia y se asemeja en la identificación de la Persona. La metodología usada consiste en levantamientos teóricos, trabajando la historicidad en las relaciones de las áreas citadas y la interlocución con los dispositivos utilizados para la elaboración de las obras. El objetivo general de esta investigación es presentar la teoría y la práctica de la actividad artística en diferentes segmentos de las artes para apuntar relaciones de identidad en las obras de los diferentes artistas. La justificativa de esta investigación está en el acto creativo del artista en la elaboración de su Persona, en elecciones para la expresión de su máscara y en la ambiência en que ella se instala.

Palabras clave: Persona; ambiência; performance; dispositivos; interacción.

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LISTA DE FIGURAS

Figura Descrição Página

Figura 1 Máscaras da Commedia Dell’Art - personagens, Pantalone, Briguella e Dotore.

19

Figura 2 Máscaras das Personas da Commedia Dell’Art: Arlecchino, Brighella, Colombina, Dotore Balanzone, Pulcinella, Pantalone e Giangurgolo.

20

Figura 3 Foto do Balé Triádico desenvolvido por Oskar Schlemmer entre 1912 a 1922 na escola de teatro da Bauhaus

23

Figura 4 Plano figurativo para o Ballet Triadic, 1920, pena, tinta nanquin, aquarela – 38,5x53,5cm.

24

Figura 5 Desenho esquemático da proposta de ação no Balé Triádico desenvolvido por Oskar Schlemmer.

25

Figura 6 Esboços dos figurinos do Balé Triádico. 25 Figura 7 Figura e lineamento espacial, 1924, pena, 21x27 cm 26 Figura 8 Fotografia e estudos em aquarela e nanquin - “Dança com

barras”, 1927 (Kreibig). 26

Figura 9 Lineamento egocêntrico espacial, 1924, pena, 21,5x28cm. 27 Figura 10 Diagrama para Dança de gestos. Cortesia da Bauhaus-Archiv,

Berlin, 1926. 28

Figura 11 Peça teatral com cenário desenvolvido por Lyubov Popova 32 Figura 12 Palco do teatro de Meyerhold - Magnanimous Cuckold e

atuação biomecânica, 1929. 32

Figura 13 Foto dos atores em exercício biomecânico sobre o peso do corpo do parceiro e modelo dos exercícios praticados (1922).

33

Figura 14 'Woman Dancing (Fancy)' 1887 - Animal Locomotion series -Eadweard Muybridge.

35

Figura 15 E.J. Marey cronofotografia “salto à vara” (1890). 35 Figura 16 Estudo de cronofotografia – Étienne-Jules Marey. 36 Figura 17 E.J. Marey “Cronofotografia Geométrica” e o Homem de terno

preto com listras e pontos para cronofotografia, 1883. 36

Figura 18 Foto Retrato – André Kertész. 37 Figura 19 Fotos da série “Distortion”, André Kertész (1933 a 1940). 38 Figura 20 Foto - David Hockney. 39 Figura 21 Foto de David Hockney, Kasmin Los Angeles 28th March 1982,

Composition of Polaroid. 40

Figura 22 David Hockney, processo de trabalho 1982. Foto de Michael Childers/CORBIS.

41

Figura 23 Gregory swimming pool pictures, 1982. 41 Figura 24 Still Life Blue Guitar, composite polaroid, 24 1/2 x 30 in. David

Hockney, (1982). Celia’s Children Albert + George Clark Los Angeles April 7th 1982 composite polaroid, 35 x 23 1/4 in. David Hockney

42

Figura 25 Foto Double take 2010. 42 Figura 26 Foto Timmy Tourist e Transit - Alexa Meade (2009). 43 Figura 27 Foto Mango Lassi e Mango Lassi in process - Alexa Meade,

(2012). 44

Figura 28 Foto Ussen 2012 e Hesitate 2012. 45 Figura 29 Foto Egg on egg 2009. 45 Figura 30 Foto Risen, 2012 e "Risen" in process e Martyrdom Alexa

Meade, (2012). 46

Figura 31 Foto - The Sherman - Cindy Sherman. 47

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Figura 32 “Untitled Film Still #2”, 1977 - “Untitled Film Still #21”, 1978 - “Untitled Film Still #35”, 1979

48

Figura 33 Foto "Rear-Screen Projections”- "Untitled #66," 1980 - "Untitled #70," 1980 - "Untitled #71," 1980 - "Untitled #77," 1980

48

Figura 34 "Untitled #92," 1981 - "Untitled #85," 1981 - "Untitled #93," 1981. 49 Figura 35 Horrors - Untitled #140, 1985 - Untitled #153, 1985 49 Figura 36 History Portraits/Old Masters - “Untitled #213, 1989 “Untitled

#225”, 1990 “Untitled #209”, 1989, “Untitled #224”, 1990 50

Figura 37 "Sex Pictures" “Untitled #305 -1994 - “Untitled #250 -1992 - “Untitled #302 -1993 - “Untitled #177 -1987

50

Figura 38 Hollywood/Hampton Types: “Untitled #359”, “Untitled #360”, “Untitled #353” - 2000

51

Figura 39 Foto Gregory Crewdson. 51 Figura 40 Foto Untitled (The Father) Gregory Crewdson (2007). 52 Figura 41 Foto do set de produção de duas obras fotográficas de Gregory

Crewdson. 53

Figura 42 Foto UNTITLED (BIRTH), Gregory Crewdson, (2007). 54 Figura 43 Foto Untitled, Gregory Crewdson, (1998). 55 Figura 44 Foto Untitled (Ophelia) 1998-2002 - Gregory Crewdson. 56 Figura 45 Foto do mímico Marcel Marceau. 58 Figura 46 Fotos do livro "The Alphabet Book", de Marcel Marceau by

Mendoza George, (1970). 59

Figura 47 Foto do ator e dançarino Kasuo Ohno. 60 Figura 48 Foto Christian Perez apresentação de Butoh. 60 Figura 49 Foto "Amagatsu", Yoshihiko Ueda, (1993). 61 Figura 50 Foto apresentação Akaji Maro. 61 Figura 51 Cena da apresentação do grupo Butoh Dairakudakan no

Vancouver International Dance Festival, (2017). 62

Figura 52 Fotos da performance de Olivier Sagazan. 63 Figura 53 Foto de pinturas, esculturas e performances de Olivier Sagazan. 64 Figura 54 Performances de Videocriaturas de Otávio Donasci. 65 Figura 55 “Videobusto” Performance nos 80 anos da Pinacoteca do

estado. Otávio Donasci 65

Figura 56 Fotos de performances das “Videocriaturas” de Otávio Donasci 66 Figura 57 Imagens do vídeo - palestra e performance Donasci - AVLAB

São Paulo #2 - Idiossincrasia do Sonoro pt.01. 66

Figura 58 Performance de Videocriaturas de Otávio Donasci. 67 Figura 59 “The Veiling”, Bill Viola, (1995). 68 Figura 60 “Three Women”, Foto: Kira Perov – Bill Viola, (2008). 69 Figura 61 “Catherine’s room”, Bill Viola, (2001). 69 Figura 62 The crossing”, Bill Viola, (1996). 70 Figura 63 Fotos da obra SHRINK, 1995 de Lawrence Malstaf. 70 Figura 64 Local de instalação da obra SHRINK, Lawrence Malstaf, (1995). 71 Figura 65 Apresentação no evento FILE - o borbulhar de universos,

(2017). 72

Figura 66 Hakanaï, Adrien Mondot & Claire Bardainne, (2013). 72 Figura 67 Cinematique, Adrien Mondot & Claire Bardainne, (2010). 73 Figura 68 “Le mouvement de l’air”, Adrien Mondot & Claire Bardainne,

(2015). 73

Figura 69 Obra “Nuées Mouvantes” - Adrien M. e Claire B. - 2011 - 2015 74 Figura 70 Hand-drawn Spaces, Eshkar e Kaiser, (1998/2009). 74 Figura 71 Ghostcatching, Digital Incarnate, de Bill T. Jones, Paul Kaiser, e

Shelley Eshkar. 75

Figura 72 After Ghostcatching, uma versão estereoscópica, colaboração 75

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entre Bill T. Jones e OpenEnded Group. Figura 73 Biped, Merce Cunningham e OpenEnded Group. 75 Figura 74 Lâmina 11 – Scaneamento com movimentos da performer,

(2002). 76

Figura 75 Lâmina 15 – Scaneamento com movimentos da performer, (2002).

77

Figura 76 Imagem de um desenho planificado anamórfico. “Charles I” (Post 1649)

78

Figura 77 Cromo periférico precoce – estudos de Andrew Davidhazy. 79 Figura 78 Foto periférica com câmera digital improvisada (modelo:Sarah)

– estudos de Andrew Davidhazy. 80

Figura 79 Teste de scaneamento com movimentos em scanner atual, (2018).

81

Figura 80 Lâmina 08 – Scaneamento com movimentos da performer, (2002).

82

Figura 81 Lâmina 05 – Scaneamento com movimentos da performer, (2002).

83

Figura 82 Lâminas – Livro-arte “Atame”, 2003. 85 Figura 83 Lâminas – Livro-arte “Atame”, 2003. 86 Figura 84 Lâminas – livro-arte “Atame”, 2003. 87 Figura 85 Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do

Precário”. 88

Figura 86 Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

90

Figura 87 Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

91

Figura 88 Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

92

Figura 89 Imagem das interfaces digital de “Atame – Angústia do Precário” com gráfico (seta em amarelo) que simula o movimento do mouse.

92

Figura 90 Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

93

Figura 91 Obra “Atame - Angústia do Precário” - Wilton Azevedo - 2003 a 2009.

93

Figura 92 Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

94

Figura 93 Evento File – Festival de Linguagem Eletrônica – “Atame – Angústia do Precário” - performance de Raquel Rava.

95

Figura 94 Storyboard da obra “Atame – Angústia do precário”. 96 Figura 95 E-poetry em Chicago - performance de Brenda Marques - 2007. 97 Figura 96 File 2010 no teatro Cacilda Backer. Performance: Adriane

Gomes, Dora Smék, Fernanda Nardi e Marcelo Martorelli. Projeção: Ricardo Botini – 2010.

97

Figura 97 Apresentação no Actamedia 5 [in verso] – Rita Varlesi e Savana Pace - 2006.

97

Figura 98 Performance videográfica com projeção de vídeo. 98 Figura 99 Performance videográfica com projeção de vídeo e interferência

gráfica por software 99

Figura 100 Fotos de escultura mapeada por Lucca Del Carlo com vídeo performance de Rita Varlesi.

99

Figura 101 Evento “Volta ao Fim” - apresentação na Livraria da Vila – unidade Fradique.

100

Figura 102 Evento Volta ao fim - Apresentação na Casa das Rosas. 100

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Figura 103 Evento “Volta ao Fim” - apresentação na Oficina Cultural Oswald Andrade (2011).

100

Figura 104 Performance videográfica com projeção de vídeo e interferência gráfica por software.

101

Figura 105 Performance videográfica com projeção de vídeo e interferência gráfica por software.

102

Figura 106 Projeções mapeadas em vias públicas - Evento Vídeo Guerrilha - Rua Augusta - 2012.

102

Figura 107 Fotos do cemitério da Consolação - Rita Varlesi e Ângelo Dimitre – 2015.

104

Figura 108 Fotos do cemitério de automóveis de Capão Bonito - Rita Varlesi – 2017.

105

Figura 109 Fotos de Ângelo Dimitre, layers com intervenção digital por Wilton Azevedo e performance de Rita Varlesi.

105

Figura 110 Vídeo de Ângelo Dimitre e intervenção de software Wilton Azevedo.

106

Figura 111 "The Fourth Dimension"– trecho do vídeo anamórfico de Zbigniew Rybczynski, 1988.

106

Figura 112 Foto periférica com câmera digital– estudos de Andrew Davidhazy.

107

Figura 113 Esculturas em vidro produzidas com vidro reciclado em moldes - Rita Varlesi - 2016.

108

Figura 114 Trabalho de montagem de escultura em vidro - Rita Varlesi - 2016.

109

Figura 115 Foto de peneiras para a seleção de tamanhos das texturas utilizadas nas esculturas em vidro.

109

Figura 116 Esculturas em vidro planificado. 110 Figura 117 Esculturas em vidro moldado. 111 Figura 118 Exposição MIS Campinas “Arte e linguagens contemporâneas”

– Escultura In-Finitude - 2017. 111

Figura 119 Foto de interfaces do cdrom “Looppoesia – Poética da mesmice”, 2004, Wilton Azevedo.

113

Figura 120 Tabela de níveis de envolvimento interdisciplinar entre artista, programador e dispositivo.

114

Figura 121 Detalhe de um desenho de AARON sem título, 1980 e Detalhe: A primeira imagem colorida criada pela AARON no Computer Museum, Boston, MA, em 1995. Coleção do Museu de História da Computação.

116

Figura 122 Foto de interfaces produzidas no software SIGCA pela aluna Isabelle Alfeo, integrante do LHUDI , 2016.

118

Figura 123 Continuum Realidade-Virtualidade (Paul Milgram e Fumio Kishino).

122

Figura 124 Obra - Anamorphose Temporelle – Adrien M. e Claire B. - 2011 123

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS.......................................................................... 14

Capítulo 1 A corporeidade da Persona: máscara e corpo.....................................................…....... 18

1.1 Máscara – objeto facial.……................................................................................................. 18 1.2 Máscara – corpo..................................................................................................................... 22

1.2.1 O Balé Triádico de Oskar Schlemmer............................................................................... 22

1.2.2 A biomecânica de Vsevolod E. Meyerhold........................................................................ 29

Capítulo 2 Representações da Persona: o estático e o movimento na captação fotográfica.…........... 34

2.1 O olhar anamórfico................................................................................................................. 36

2.1.1 Os espelhos de Kertész...................…….......................................................................... 37

2.1.2 As polaróides de David Hockney...................................................................................... 39 2.2 O olhar pictórico...................................................................................................................... 42 2.3 O olhar performado................................................................................................................. 47 2.4 O olhar na Persona compondo a ambiência.......................................................................… 51

Capítulo 3 Persona em performance: materialidade e virtualidade..................….............…….............. 57

3.1 Marcel Marceau...........................................…........................................................................ 58

3.2 Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata..........…................................................................................. 60

3.3 Olivier de Sagazan.................................................................................................................. 62

3.4 Otávio Donasci.......................…............................................................................................. 64

3.5. Bill Viola.............................................................................................................…………...... 66

3.6 Lawrence Malstaf.....................................................................................................…........... 69

3.7 Adrien Mondot & Claire Bardainne......................................................................................... 72

3.8 OpenEnded............................................................................................................................. 73

Capítulo 4 Objeto estético na ambiência: o processo criativo das Personas de Rita Varlesi.….......... 76

4.1 “Atame” – Livro-arte – 2003…............…................................................................................. 76

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4.1.1 O experimento....................................................................................…………………..... 76

4.1.2 O livro-arte..........….............................................................................…………………..... 83 4.2 “Atame – Angústia do precário” - mídia interativa................................................................... 88

4.2.1 Desenvolvimento das Personas........................................................................................ 88

4.2.2 Câmera parada – conceito de “Teatro de Arquivo”........................................................... 93 4.3 O experimento Persona Andrógina......................................................................................... 97

4.3.1 “Volta ao Fim”- obra de Wilton Azevedo e Alckmar dos Santos....................................... 98 4.4 A Persona no projeto In-Finitude............................................................................................ 102

4.4.1 Fotografia, vídeo e performance em “In-Finitude”............................................................. 102 4.4.2 Esculturas em “In-Finitude”............................................................................................... 107 4.5 Dispositivos digitais e sua aplicabilidade..................................................................…………..112 4.6 A ambiência no objeto estético Persona..........................................................................….......116

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................……………………….................................. 125 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.……………………………………………..……. 135 ANEXOS………………………............………………………………………………….. 139

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15

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta pesquisa avaliou as estruturas que compõem uma Persona e como ela

se manifesta em diversos meios culturais. O uso do termo “Persona” foi adotado

para designar personagens e suas intervenções com o espaço artístico.

A palavra “Persona” em latim significa pessoa, indivíduo e o mesmo

significado foi encontrado em vários idiomas com escrita muito semelhante1. Esta

“individualidade” marcada pela palavra Persona traz a este estudo, o uso da palavra

buscando o ser representado na forma materialmente humana ou semelhante a esta

como significado expressivo nas artes. A palavra Persona carrega uma força

linguística na sua formação que diferencia um papel previamente estruturado, mas

com possibilidades abertas ao gênero, caráter ou qualquer outra característica que

delimite o ser.

Foram abordadas pelo recorte teórico da pesquisa, as áreas de teatro,

performance, fotografia, dança e artes digitais. Objetivou-se assim, avaliar a

expressividade das Personas no ambiente artístico em que são inseridas. A

pesquisa teve seu encaminhamento nos meios analógicos como ponto de partida,

finalizando no meio digital. A proposta destacou performances com a presença do

corpo e a representação do corpo digital, avaliando o percurso da Persona nos

diferentes meios artísticos, iniciando a construção de uma taxonomia para a

qualificação da Persona na ambiência digital. O direcionamento que cada meio

cultural proporciona para o desenvolvimento de Personas, de acordo com os

cânones estabelecidos nestes meios, é determinante para a recepção num processo

de criação artística que se baseia também no enviroment, ou na ambiência daquele

meio.

Alguns questionamentos desta pesquisa: O que é uma Persona nas artes?

Como esta Persona atua? Como se apresenta o reflexo do artista no enviroment

destinado a sua composição? Até onde a Persona é criação ou criatura no seu

envolvimento com a ambiência digital?

1 Catalão, espanhol, italiano: Persona - francês: personne - galego: persoa - alemão, galês, inglês, norueguês:

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Apresentam-se estudos dos papéis de representação artística que um corpo é

capaz de constituir em suas relações sígnicas, nos ambientes físicos e imateriais.

Neste recorte, foram abordadas teorias que conceituam corporificações no meio

artístico, no viés analógico e também no digital. As obras artísticas trouxeram

significado à pesquisa como mediadoras das possibilidades de representação

estética, física ou imaterial, com suas Personas e como elas se apresentam,

utilizando os espaços para compor uma ambiência digital.

A pesquisa se iniciou com a abordagem do termo máscara no teatro da

Commédia Dell’Art, na representação física de Personas, passando pela atuação

teatral, com a estilística de novos formatos para o desenvolvimento corporal da

Persona através de diálogos, com ou sem falas. Transitamos a seguir pelo design

que compõe a visualidade física, material e imaterial do corpo. Em seguida foi feito o

levantamento de expressões artísticas (fotografia) que utilizaram dispositivos para

representar as novas visualidades da Persona, explorando o espaço visual na

ambiência. Na busca do envolvimento do corpo com o espaço, seja este físico ou

imaterial, avaliamos os movimentos físicos que encontram no espaço a resistência

material, invadindo a espacialidade digital numa unicidade com a Persona.

Em suas representações, alguns fotógrafos exibem o corpo-Persona como

espelho da sociedade, envolvendo técnicas diversas para obtenção da imagem

estática, revelando a Persona no seu enviroment.

Sobre os fotógrafos que integram a pesquisa: Cindy Sherman, que trabalha

Personas em seus autorretratos, representando intensivamente uma sociedade de

papéis caricaturalmente associados a temáticas femininas, sexuais e artísticas que

levam a uma extrema exposição do indivíduo social. Alexa Meade que, com sua

forma de visualizar o meio para a expressão artística de sua obra, passou a

tridimensionalizar sua pintura, para depois visualizá-la num processo de apreensão

da imagem através da fotografia. Sua obra consiste em transformar Persona e

enviroment em uma só unidade – uma pintura – sua Persona viva torna-se pintura

perecível e, pela lente da câmera fotográfica virtualiza-se no plano bidimensional,

transformando-se em registro de pintura. Gregory Crewdson que elabora uma

estrutura de narrativa visual, envolvendo cenários cinematográficos, iluminação,

atores e toda a infraestrutura necessária para uma execução fotográfica que

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vislumbra cotidianos ficcionais, trabalhando uma ambiência propícia à narrativa.

André Kertész fez muitas experimentações fotográficas em seguimentos diferentes,

mas aqui foram abordados seus estudos de deformações de corpos, em que

utilizava de dispositivos que mudavam a composição estética dos corpos de suas

Personas. David Hockney trouxe experimentos da pintura para a sua fotografia,

buscando pelas partes visualizar o todo em uma gestalt de polaroides.

Para pensar a Persona na performance, foram analisadas as obras de alguns

artistas performáticos que transitam entre a performance analógica e a digital. Otávio

Donasci que, na década de 80, trouxe a videoarte pela performance com as suas

“Videocriaturas” constituídas de corpos-Persona e uma materialidade que invertia

papéis na interação do público. Bill Viola pela construção de Personas que transitam

na virtualidade interiorizada do ser e pela relação da Persona com o seu entorno na

materialidade das intervenções. Lawrence Malstaf pela relação da materialidade

imersiva entre a Persona e seu enviroment. Adrien Mondot e Claire Bardainne, que

desenvolvem uma intervenção na qual a espacialidade digital dialoga com a Persona

analógica, promovendo um espetáculo performático de movimentos harmônicos e

contrastantes na construção estética da obra.

A representação artística no meio digital foi estudada pelos corpos-Personas

que, pela intervenção tecnológica, formulam a ambiência digital por avatares e

ciborgues autômatos que, alinhados entre hardwares e softwares, possibilitam uma

colaboração interdisciplinar de artistas, biocientistas e engenheiros, entre outras

áreas, com o objetivo de conectar as artes com sua virtualidade pela intervenção

digital. Alguns artistas que integram a pesquisa, relacionados ao meio digital são:

OpenEndedGroup que tem como base de formação os artistas, Marc Downie e Paul

Kaiser, e em cada trabalho desenvolvido faz parcerias com outros artistas e

coreógrafos, como no trabalho desenvolvido com Merce Cunningham em 1999, com

a parceria de Shelley Eshkar. Wilton Azevedo que, como multiartista, elaborou obras

em várias linguagens e no meio digital, a Persona e sua interação com o ambiente,

chegando ao conceito de “teatro de arquivo” e “ambiência digital”, ambos abordados

nesta pesquisa.

Discutir a ambiência digital é o ponto chave desta pesquisa que apresenta as

Personas e seus ambientes digitais nas obras de artistas selecionados e analisa o

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modo como cada um desenvolve a sua criação, utilizando os meios digitais não

simplesmente como meio, mas como uma nova linguagem de criação. Avaliar como

Persona e ambiente podem ser um só na mídia digital, que codifica e modifica a

criação de modo a torná-la outra estrutura.

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Capítulo 1

A corporeidade da Persona: máscara e corpo.

Neste capítulo, pontua-se um distanciamento entre o ator e a sua Persona,

distinguindo o objeto estético no termo Persona, transitando pela história do teatro

de modo a analisar o percurso das bases de criação deste objeto estético. O uso do

termo Persona será diferenciado na pesquisa como identificador do objeto estético

durante todo o percurso de estudo.

Em meados do séc. XV e XVI, pesquisas2 apontam, na Itália, o surgimento do

termo “Persona” com o significado de máscara; a origem do termo, no dicionário3

italiano, vem de “per suonare” que significa “para soar, tocar/ emitir um som”.

1.1 Máscara – Objeto facial

Na Commedia Dell’Art, os atores utilizavam máscaras com características

físicas que estereotipavam a personagem a ser representada de maneira a compor

a estrutura do roteiro. A Commedia Dell’Art era formada por atores, geralmente da

mesma família, que – em apresentações itinerantes – apresentavam-se em várias

cidades. Um diferencial desta atuação teatral em relação ao teatro vigente da

mesma época – o teatro de Comédia Erudita – é que a liberdade nas atuações

baseavam-se no improviso em que, a cada cidade, utilizavam-se das características

das Personalidades locais para formar os Personagens já pré-determinados no

roteiro intitulado “canovacci”4.

Outra característica encontrada na Commedia Dell’Art era a atuação da

mulher que, diferente da Comédia Erudita, era proibida de atuar no teatro, sendo os

papéis femininos representados por homens. Todo o esquema de apresentações

contava com o ineditismo; o local, o público, a temática, enfim suas apresentações

eram caracterizadas de acordo com o enviroment, desenvolvendo uma identificação

2 AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas: máscaras, bonecos, objetos. São Paulo: Edusp, 1996. 3 http://dicionario.reverso.net/ 4 canovacci era um roteiro pré-estabelecido para o segmento da trama que a cada apresentação contava com situações inusitadas e pontuadas por improviso na atuação.

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com aquele público que se espelhava naquelas máscaras/Personas. O objetivo,

além de entreter, era ilustrar o cotidiano daquela região – geralmente – em uma

sátira.

A máscara, na Commedia Dell’Art, determinava as características da

Personagem, o elemento divisório da ilusão teatral, determinando cada Personagem

de acordo com as formas visuais do objeto de representação. Apresentavam

aberturas na parte dos olhos e da boca do ator; a atuação tinha uma preocupação

com a fala e as máscaras funcionavam como envoltórios determinando o limite do

ator e da Persona.

Fig.: 1 – Máscaras da Commedia Dell’Art - personagens, Pantalone, Briguella e Dotore.

Fonte: www.maskmuseum.org/mask/commedia-brighella-1/

Os gestos e a expressão corporal dos atores seguiam um padrão

característico em cada Persona, segundo o perfil que cada máscara ditava como

regra. Neste momento, temos a primeira formatação de uma composição

previamente estabelecida, determinando a vida do objeto máscara na atuação

teatral.

A estrutura dos papéis determinava as relações encontradas na vida real em

que as características eram expostas de modo fixo nas máscaras, como o servo que

quer levar vantagem, o servo briguento e pernicioso, o médico que era o detentor do

saber, o mercador idoso e cheio de lábia para vender o seu peixe, o capitão que

seria o representante do homem forte e galanteador, mas na verdade, morria de

medo de tudo.

Um dado interessante é que, em toda a trama, temos o romance e, neste

caso, os amantes eram os atores que não usavam máscaras. Interessante pensar

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no conceito da verossimilhança na narrativa teatral, em que na representação

amorosa não existem máscaras.

Essa modelização das máscaras da Commedia Dell’Art buscava trabalhar

papéis, padrões arquetípicos específicos de uma sociedade que se encaixavam nas

personalidades de qualquer cidade pelas quais ele se apresentassem.

As máscaras reproduziam as características que os italianos atribuíam a cada região do país: o mercador da República de Veneza, o carregador de Bérgamo, o pedante de Bolonha, o apaixonado toscano, o capitão espanhol ou italiano, ou napolitano [...]. Assim a representação da Commedia dell’Arte fornece um quadro completo das classes e das regiões italianas. (SCALA, 2003, p. 22).

As Personas da Commedia Dell’Art são: Arlecchino, Pantalone, Brighella,

Capitano, Dottore, Columbina, os Innamorati (únicos sem máscaras), Pedrolino,

Pulcinella e Scaramuccia.

Fig.: 2 - Máscaras das Personas da Commedia Dell’Art: Arlecchino, Brighella, Colombina, Dotore Balanzone, Pulcinella, Pantalone e Giangurgolo

Fonte: http://seguindopassoshistoria.blogspot.com.br/2015_02_01_archive.html

As características arquetípicas das personagens do teatro da Commedia

Dell’Art assinalam uma entrada para a análise das Personas através da

corporeidade da máscara que sempre existirá como “ponte”, seja uma apresentação

física ou virtual do objeto estético nas expressões artísticas.

Persona, na teoria de C.G. Jung (2008), é a Personalidade que o indivíduo

apresenta aos outros como real, mas que, na verdade, às vezes é uma variante

muito diferente da verdadeira.

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A Persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outros e por outro lado a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo. […] É claro que como individualidade ninguém pode adaptar-se por completo a essas expectativas; daí a necessidade inegável de construir-se uma Personalidade artificial. As exigências do decoro e das boas maneiras incumbem-se do resto para incitar ao uso de um tipo de máscara adequada. Atrás desta última forma-se então o que chamamos de “vida particular”. (Jung, 2008, p. 79)

Fazendo um paralelo entre os papéis virtuais e a representação real, a

máscara física do teatro, a exemplo da Commedia Dell’Art, tem na sua configuração

da Persona uma estética visual de acordo com cada Personalidade. Ao

compararmos com o real, o indivíduo que “se Persona”, usa de artifícios físicos para

expor uma máscara, seja ela uma maquiagem, uma tatuagem, adereços como joias

ou percing entre outros. Os artistas Drag queen usam o termo “se montar” para a

transformação do masculino em feminino em uma estética claramente reforçada

neste estereótipo.

A construção dos papéis presentes nas Personas, pelo estudo cênico gestual

e no imaginário existente no indivíduo intérprete, tem o objetivo de especificar as

Personas nas obras que serão citadas, de modo a entender a sua atuação enquanto

objeto estético, na expressão física e virtual que será abordada nesta pesquisa.

A máscara é o reflexo daquilo que é planejado como Persona para ser vista e

exteriorizada na sua melhor forma e conquistar o outro, ou seja, é aquilo que o

público espectador espera. Ao falar de Persona como uma máscara, propõe-se

avaliar o interior e exterior desta, o que é de extrema importância para pensarmos o

que move esse objeto estético.

Do exterior sabemos pontualmente o que está à nossa frente, pois existe a

conquista visual da máscara que em seu conceito lúdico e instigante proporciona

aquilo que nos agrada ou nos incomoda. Já no que diz respeito ao interior desta

máscara, existe uma expressão vivente que é o ator, modelando e recriando aquilo

que se exterioriza na visualidade da máscara, portanto o ator conhece a mágica que

faz viver a máscara-Persona.

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1.2 Máscara - corpo

Nas artes, a elaboração da Persona tem corpo e esse corpo é revestido por

uma “máscara” que tem na sua expressividade as mais diversas formas de se

representar, e para percorrer essa análise traremos dois modelos que diferem nos

seus processos criativos, porém se assemelham na proposta de construção de suas

Personas.

Oskar Schlemmer apresentou uma plasticidade corporal de um modo muito

próprio, trazendo formas geométricas procedentes de seus desenhos, pinturas e

esculturas, para apresentar novos argumentos na estética corporal do teatro.

Acrescentou formas geométricas aos figurinos de suas Personas elaborando-os de

modo a impulsionar novos movimentos de dança, interagindo com a geometria

espacial do entorno.

O Conceito de Biomecânica de Vsevolod E. Meyerhold do teatro das

vanguardas russas posicionou um novo modo de visualizar a ação do corpo do ator

em palco dialogando com o espaço e a música.

O estudo de movimentos concatenados nos corpos dos atores no teatro de

Meyerhold promoviam uma coreografia dinâmica que ocupava cenários modulares

proporcionando uma unicidade dos elementos que compunham aquela ambiência.

1.2.1 O Balé Triádico de Oskar Schlemmer

Em meados de 1919, a convite de Walter Gropius, Schlemmer assumiu a

direção da escola de teatro da Bauhaus, com a função de elaborar uma nova

expressão artística no contexto teatral.

Como artista multifacetário que era, Schlemmer elaborou uma coreografia e

cenografia própria em sua pesquisa na Bauhaus, desenvolvendo 15 figurinos para a

montagem de uma apresentação que denominou de “Balé Triádico” (fig. 3), vindo

este a ser apresentado pela primeira vez em 1922.

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A sua formação visual proporcionou desenvolver no teatro da Bauhaus

estudos que tinham como base formas geométricas para compor figurinos e

trabalhar as relações conceituais de mecanismo e organismo na coreografia.

Goldberg comenta sobre a obra de Schlemmer:

Ele explicava que “a partir da geometria plana, da busca da linha reta, da diagonal, do círculo e da curva desenvolve-se uma estereometria do espaço através da linha vertical móvel do dançarino”. A relação entre a “” poderia ser sentida se imaginássemos “um espaço preenchido por uma substância macia e maleável em que as figura da sequência dos movimentos do bailarino endurecessem como uma forma negativa”. (Goldberg, 2015, p. 94)

Tendo o figurino como um suporte para a elaboração coreográfica e visual,

Schlemmer promovia o encaminhamento de determinado movimento nessa

coreografia do ator-bailarino, explorando a espacialidade da cena.

Fig.: 3 - Foto do Balé Triádico desenvolvido por Oskar Schlemmer entre 1912 a 1922 na escola de teatro da Bauhaus.

Fonte: http://projectfabrica.tumblr.com/post/114103116103/the-theatre-of-the-bauhaus-oskar-schlemmer

Sua criação foi fundamentada em uma nova elaboração coreográfica em que

os bailarinos eram colocados em certo grau de complexidade para trabalhar novas

coreografias, saindo das estruturas convencionais do balé. Essa complexidade

envolvia movimentos mecânicos propostos pelos figurinos aos bailarinos, devido às

suas estruturas geometrizadas que impediam alguns movimentos básicos da dança,

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propondo de maneira incondicional a experimentação de novos movimentos obtendo

assim uma nova expressão corporal na relação objeto-corpo e espacialidade (fig. 4).

Fig.: 4 - Plano figurativo para o Ballet Triadic, 1920, pena, tinta nanquin, aquarela – 38,5 X53,5 cm.

Fonte: Livro Bauhaus, Instituto cultural de relações exteriores, Stuttgard,1974

Na sua concepção artística Schlemmer, traz a geometria matemática que

constrói uma visualidade no figurino, contaminando a coreografia, que se encaixa no

espaço cenográfico invadido pelo som.

Identificamos na obra de Schlemmer uma taxionomia da sua elaboração

artística: Visualidade - Persona, Movimento – Espacialidade, e Sonoridade. Essa

elaboração artística apresenta-se como um todo único, mas propomos aqui abordar

os conceitos de modo a identificá-los separadamente.

• Visualidade - Persona

O figurino apresentado por Schlemmer funcionava como uma máscara-corpo

caracterizando a Persona em cena.

Em sua estética imagética focada em formas geométricas básicas que

constroem os figurinos das Personas, Schlemmer buscou através da geometria e

dos materiais utilizados, apresentar uma proposta de unir a mecanização, princípio

da industrialização, e a natureza criativa do indivíduo, esta que poderia se sobrepor

às restrições do figurino e inovar uma coreografia para a modernidade, objetivo este

o da inovação na escola da Bauhaus.

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Fig.: 5 - Desenho esquemático da proposta de ação no Balé Triádico desenvolvido por Oskar Schlemmer.

Fonte: http://projectfabrica.tumblr.com/post/114103116103/the-theatre-of-the-bauhaus-oskar-schlemmer

Schlemmer era minucioso em sua arte e vemos essa intensidade na

elaboração dos seus trabalhos. Toda a estrutura de suas obras teatrais passava

pelo planejamento bidimensional do desenho e pintura, através de esboços, depois

para o tridimensional das esculturas; na plasticidade dos figurinos com as notações

de volumes e planificações do espaço e ao fim na aplicabilidade que o figurino

exercia na mediação entre corpo e máscara nas suas Personas. A escolha das

formas, cores e texturas dos materiais para a confecção dos figurinos, obedecia a

um criterioso planejamento identificado em seus esboços (fig. 6). A visualidade dos

seus figurinos relacionava-se com a cenografia unindo movimentos e sons para uma

construção da ambiência da obra.

Fig.: 6 - Esboços dos figurinos do Balé Triádico

Fonte: http://tmlarts.com/oskar-schlemmer/

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• Movimento – Espacialidade

A dinâmica de movimentos com os materiais anexados ao corpo dos

bailarinos era elaborada em um envolvimento espacial, extremamente analisado em

planos frontais e ângulos superiores, como se apresentam em seus estudos

planificados do cenário (fig. 7, fig. 9 e fig. 10).

Fig.: 7 - Figura e lineamento espacial, 1924, pena, 21 x 27 cm

Fonte: Livro Bauhaus, Instituto cultural de relações exteriores, Stuttgard,1974

A oposição entre plano visual e profundidade espacial era um problema complexo que preocupava muitos dos que trabalhavam na Bauhaus durante a época em que Schlemmer ali permaneceu. “O espaço como elemento unificador na arquitetura" era o que constituía para Schlemmer, o denominador comum dos diferentes interesses do corpo docente da Bauhaus. Na década de 1920, o que caracterizava a discussão sobre o espaço era a noção de Raumempfindung, ou “volume percebido”, e era essa “sensação do espaço” que Schlemmer atribuía as origens de cada uma de suas produções de dança. (Goldberg, 2015, p. 94)

Essa preocupação com a espacialidade que era comum a todos os

pesquisadores da Bauhaus foi o que levou Schlemmer, em sua inventividade, a

proporcionar uma linguagem múltipla que estabelecia parâmetros matemáticos e

físicos para ordenar geometricamente as estruturas na espacialidade.

Fig.: 8 - Fotografia e estudos em aquarela e nanquim - “Dança com barras”, 1927 (Kreibig)

Fonte: Livro Bauhaus, Instituto cultural de relações exteriores, Stuttgard, 1974 e http://socks-studio.com/2017/07/19/when-body-draws-the-abstract-space-slat-dance-by-oskar-schlemmer/

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A energia cinética que na física estudamos como resultado do trabalho da

energia mecânica, relacionando a massa de um corpo e sua velocidade, define o

estudo dos movimentos explorado por Schlemmer na busca de uma nova expressão

corporal para o teatro da Bauhaus.

A mobilidade do bailarino no espaço é estudada em uma análise geométrica

que planeja a utilização de todos os movimentos possíveis de acordo com o

planejamento espacial e a estrutura do figurino.

O Balé Triádico representava a industrialização e os mecanismos usados

através da ação dos movimentos dos seus bailarinos, envolvendo o figurino e o

espaço que contava com a virtualidade do som atuando na obra.

As formas geométricas, juntamente com o material utilizado, (fig.8)

estabelecem um padrão que dificulta os movimentos usualmente utilizados nas

coreografias, fazendo com que o bailarino busque nas possibilidades do corpo a

concepção de uma coreografia estética singular.

A coreografia apresenta-se inovadora, rompendo os padrões de espacialidade

e motricidade.

Fig.: 9 - Lineamento egocêntrico espacial, 1924, pena, 21,5 x 28 cm.

Fonte: Livro Bauhaus, Instituto cultural de relações exteriores, Stuttgard, 1974.

Para Schlemmer, a estrutura geométrica elaborada no figurino dos dançarinos

tinha por objetivo renovar as possibilidades de ação, propondo uma complexidade

no desenvolvimento dos movimentos, que sofriam a resistência das formas

geométricas nas suas elaborações coreográficas.

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• Sonoridade

Quando Schlemmer apresentou pela primeira vez o Balé Triádico, ele estava

extremamente influenciado pela música de Arnold Schönberg, a qual havia escutado

na apresentação da peça Pierrot Lunaire. Schönberg desenvolveu a técnica de

pontuar com sonoridades diferentes a entrada de cada personagem na cena teatral,

onde cada personagem tinha um som, e o som era repetido na aparição do

personagem em cena. Esse fator proporcionava à Persona uma ampliação do

sentido que se estendia na musicalidade e na percepção do público.

Schlemmer dividiu o seu Balé Triádico em três séries: a primeira “Amarelo”, a

segunda “Rosa” e terceira “Preto”. Apesar de a divisão ser relacionada às cores, ela

indicava a harmonia sonora. Alegria para a amarela, romance para a rosa e tristeza

para a preta. O objetivo era propor um humor aos atos que eram ritmados pela

sonoridade de Paul Hindemith. A sonoridade dá a tonalidade a cada série

respeitando a dramaticidade dos tons das cores.

Fig.: 10 - Diagrama para Dança de gestos. Cortesia da Bauhaus-Archiv, Berlin, 1926.

Fonte: https://www.antheamissy.com/how-the-bauhaus-school-gave-life-to-performance-art-movement/

O ruído era um elemento importante em seus trabalhos, configurando em

cada obra uma característica diferenciada. Em “Dança de gestos”, as intervenções

sonoras eram com inserções de espirros propositais, dos atores, ou gargalhadas e

tosse, isso como um “meio de isolar a forma abstrata” (Goldberg, 2015, p. 94).

A proposta de corpo como objeto estético, segue na pesquisa explorando a

fisicalidade iniciada na obra de Konstantin Stanislavsky, no seu teatro da ação física

e parte para uma visão diferenciada na Biomecânica de Meyerhold, explorando a

corporeidade do objeto estético em cena.

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1.2.2 A biomecânica de Vsevolod E. Meyerhold

Para falar de Meyerhold iniciaremos com seu mestre no qual se identifica uma

vertente para o seu encaminhamento na criação da Biomecânica.

Konstantin Stanislavsky, russo, ator e diretor de teatro juntamente com

Niemirovtch-Dântchenco fundam, no séc. XX, o teatro de Arte de Moscou (TAM),

seguindo uma linha nova de interpretação de atores em que as técnicas e exercícios

de representação partiram da proposta de Stanislavsky para um conceito de maior

disciplina denominado: “Método das ações físicas”.

Este método consistia em trabalhar as ações físicas do ator para tornar a

expressão física constante. O ator não deveria basear-se em sentimentos pré-

concebidos para a construção da Personagem, mas sim focar-se na estrutura física

de interpretação para criar a emoção da personagem. Esse exercício baseava-se

em uma construção da Persona de modo que os movimentos físicos e o ritmo

sonoro davam o andamento ao objeto artístico. Os professores que auxiliavam

Stanislavsky nas aulas sobre movimento eram Tórtsov e Rakhmánov.

Stanislavsky, mestre do teatro russo, desenvolveu um sistema de análise e

exercícios para a atuação do ator em que propunha uma investigação interiorizada

da memória emotiva, buscando um caminho para a interpretação das emoções da

personagem.

Segundo Vássina5, seu sistema baseava-se na “revivescência” que explorava

a naturalidade do ator para desenvolver uma “superfantasia”; nesse sistema, o ator

acrescentaria novos elementos de sua vivência, buscando no seu interior

sentimentos seus que se transformariam, com os exercícios, em sentimentos da

personagem, criando, ao fim desta prática, o melhor desenvolvimento para a

Persona. Este processo pode ser chamado de “work in progress”6 em que o sistema

funciona como um encadeamento de componentes que questionam e respondem ao

ator sobre a sua arte de atuação teatral na elaboração de Personas.

5 Elena Vássina, teatróloga e pesquisadora russa, autora, tradutora e organizadora de ensaios e livros dedicados à poética do drama moderno e à história do teatro russo. 6 “Nenhum manual ou gramática da arte teatral”: alguns apontamentos sobre a formação do sistema de Stanislavsky. http://www.pequenogesto.com.br/

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Esse ritmo é composto de momentos individuais de todas as extensões concebíveis, dividindo o tempo de um compasso em partes variadas. São possíveis incontáveis permutações, combinações, agrupamentos. Se vocês escutarem com cuidado a confusão, desses ritmos, batidos pelos metrônomos, poderão por certo procurar e selecionar dentre eles tudo de que precisam para fazerem suas próprias combinações e agrupamentos rítmicos a fim de exprimir as fórmulas mais complexas e variadas. (TÓRTSOV, p. 256)

Este exercício buscava a percepção individual de cada ator que, ao captar o

compasso de um determinado metrônomo, podia construir o tempo-ritmo exterior e

interior ao mesmo tempo, de acordo com as suas manifestações físicas. A

percepção sensorial do ator, nesse tempo-ritmo, viria antes, o que não

engrandeceria a manifestação física que deve vir primeiro no método.

Sobre o conceito de biomecânica de Meyerhold:

Na proposta de Meyerhold, o ator tinha uma vivência dentro da sua atuação,

pela música como intervenção na expressão corporal, apresentando neste contexto

a relação corpo-tempo-espaço. A biomecânica tem por fundamento trabalhar essa

relação de envolvimento do ator com a Persona e o espaço. Para tanto, Meyerhold,

como aluno de Stanislavsky, rompe com este, fundando sua própria teoria teatral

sobre a importância dos movimentos corporais através do conceito por ele

desenvolvido sobre biomecânica aplicada ao teatro em meados de 1920.

O estudo da biomecânica já havia sido pensado anteriormente por outros

autores ligados à área médica e à engenharia, porém o termo tomou força no teatro

através das aplicações práticas de Meyerhold.

Muito precocemente, Meyerhold propõe um trabalho plástico e rítmico em oposição ao mergulho na memória afetiva dos seguidores de Stanislavsky e à busca da emoção. “É preciso aperfeiçoar o corpo do ator”; ele sonha em propor ao ator uma partitura como a do intérprete-músico, em vez dos improvisos da intuição. (PICO-VALLIN, p. 68)

Segundo Vallin, a biomecânica de Meyerhold utilizava de sua ação física para

propor uma plasticidade aos movimentos em cena e desta forma elaborar Personas

representadas em seus movimentos concebidos sobre uma dinâmica temporal e

espacial. Os atores de Meyerhold eram como títeres e suas ações físicas eram pré-

concebidas e articuladas pelo diretor, cabendo ao ator executar os movimentos.

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Aonde o corpo humano, pondo a sua flexibilidade a serviço da cena, a serviço da expressividade, alcança a sua máxima plenitude? […] Na dança. […] ali onde a palavra perde a sua força expressiva, começa a linguagem da dança. (MEYERHOLD, p. 129 – 130)

Segundo Meyerhold (2017), o corpo do ator era uma ferramenta onde a

mente criadora manipulava os movimentos como de um títere. Para ele, o corpo do

ator era mais um objeto em cena para ser manipulado de acordo com a teoria

teatral. Essa manipulação tinha como foco o diretor teatral e a participação do ator

deveria ser estruturada de modo a seguir teorias teatrais, base referente à escola da

Commedia Dell’arte que também seguia uma predeterminação de gestos do ator em

função da máscara/Persona que usava para atuar.

Por algum tempo, Meyerhold seguiu os passos de Konstantin Stanislavsky,

divergindo na forma de direção teatral; para ele, o movimento cênico se

materializava na elaboração de exercícios e na perfeição cinética do títere com

pantominas advindas da Commedia Dell’arte, influenciado também pela música que

acompanhava a cena.

Meyerhold buscou nos construtivistas opções para a elaboração de cenários

para que suas apresentações pudessem sair do formato convencional de palco

teatral e possibilitar maior liberdade de montagem em qualquer lugar para suas

peças.

Achou na proposta de andaimes o grande ponto que iria contribuir para a sua

autonomia de apresentação. Um sistema de andaimes multifuncional permitia levar

suas peças para vários lugares com a possibilidade de montagem e desmontagem

rápida e a estrutura modular que permitia também recriar novos modelos a partir da

mesma estrutura. Meyerhold teria assim um cenário modular em que o design e a

funcionalidade proporcionariam a melhor estrutura para o desenvolvimento de suas

peças.

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Fig.: 11 - Peça teatral com cenário desenvolvido por Lyubov Popova

Fonte: https://collections.artsmia.org/art/28233/model-for-meyerhold-theatre-el-lissitzky

Lyubov Popova foi a desenvolvedora deste cenário (fig. 11 e fig. 12) em 1922

que possibilitava vários planos visuais em que a continuidade da peça transcorria de

modo sobreposto e interligado para o desenvolvimento dos movimentos do teatro da

biomecânica. A dinâmica da peça ocorria por setores interligados de modo a

promover uma atenção aos movimentos em todo o cenário.

Fig.: 12 - Palco do teatro de Meyerhold - Magnanimous Cuckold e atuação biomecânica, 1929.

Fonte: https://www.radford.edu/rbarris/art428/constructivism1.html e http://www.sierz.co.uk/blog/meyerhold-on-

audiences/

Esses exercícios propostos por Meyerhold eram intimamente relacionados ao

movimento do ator, que deveria ter como foco o movimento, não o sentimento para

ocupar a dimensão espacial da cena, a qual depois passou a ser acompanhada pelo

ritmo da música. Os atores se movimentavam em uma coreografia dinâmica e

concatenada aos movimentos propostos nos estudos da biomecânica (fig. 13).

O conceito de biomecânica trabalhava o cinético e o estático de forma

semelhante para a construção de valores, em que o corpo do ator funcionava como

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um objeto de cena, por isso elementos como a iluminação, o cenário e o figurino

estetizavam a cena da biomecânica.

Fig.: 13 - Foto dos atores em exercício biomecânico - exercício sobre o peso do corpo do parceiro - modelo dos

exercícios praticados (1922).

Fonte: http://impro2.com/2006/11/ -

http://www.casaruibarbosa.gov.br/arquivos/file/Pequeno_Gesto_Piconvallin_artigo03(1).pdf e http://impro2.com/2006/11/28/biomecanica-de-meyerhold/ e www.jakeorr.co.uk

A vetorização é o primeiro impulso de uma narrativa ou de uma cronologia entre diversas partes da obra cênica, o percurso do sentido pela floresta dos signos, a ordenação da representação. […] o que definimos aqui como as vetorizações do espetáculo e que constrói o sentido e o ritmo como uma sequência de quadros ou segmentos orientados. […]. Essa dinâmica - seja ela chamada de focalização, interação ou vetorização - engendra o movimento da obra - tanto o sentido quanto o ritmo. O espectador a localiza e a vivencia com facilidade, pois participa de sua criação pela sua escuta e suas reações. A percepção e a recepção são assim um ato de construção rítmica da obra… (PAVIS, 1996, p. 117 e 215).

A biomecânica com sua estrutura repetitiva dos movimentos corporais,

instituiu valores mecanicistas ao objeto estético explorando a fisicalidade dos atores

aliada à musica e potencializando esses elementos, constituindo uma ambiência

cenográfica.

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Capítulo 2

Representações da Persona: o estático e o movimento na captação fotográfica.

Este capítulo aponta o caminho percorrido por alguns fotógrafos selecionados

e pontua a representação de suas Personas na construção desse objeto estético,

diferenciado na percepção particular de cada olhar. Abordam-se as questões

técnicas utilizadas e a conceituação de espaço, tempo e ambiência na qual a

Persona é inserida.

O invento da fotografia foi um marco tecnológico que determinou ao longo da

sua evolução uma nova perspectiva de se produzir linguagem visual. Além da

documentação científica, a fotografia nos possibilitou absorver a visualidade das

coisas sob novas perspectivas.

Em 1877-1878, o fotógrafo Eadweard Muybridge (Edward James

Muggeridge) desenvolveu um sistema de captação dos movimentos, acionado por

disparador elétrico, em que pelo posicionamento de 12 câmeras poderia relatar a

biomecânica dos movimentos em sequência. O primeiro trabalho desenvolvido por

um contrato foi o de captar a cavalgada de um cavalo, comprovando que no galope

do animal, em determinado momento, as quatro patas ficavam suspensas no ar. Em

1873, porém, o fisiólogo e fotógrafo francês Étienne-Jules Marey já havia feito um

estudo através de “registros gráficos eletromecânicos” (Fabris7) que comprovava

esse movimento do animal, na publicação de La machine animal, locomotion

terrestre e aérienne.

O objetivo de citar esses dois fotógrafos é de assinalar diferenças do olhar na

captação de imagens do corpo humano, em um sentido artístico – poético, onde

temos o tempo instaurado na fotografia através do instante congelado e da

sobreposição destes instantes.

7 FABRIS, Annateresa. A captação do movimento: do instantâneo ao fotodinamismo. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202004000400005#back82 . Acesso em: 28, mai, 2017.

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Os estudos de Muybridge estavam centrados em uma busca técnica que

captasse os instantes do movimento de corpos (fig. 14) e para isso desenvolveu os

experimentos com pessoas e animais em variadas situações nas quais seus corpos

eram captados quadro a quadro. Apesar de o registro ter um fundamento mais de

comprovação científica, existe uma poética na sua linguagem que também serviu de

inspiração para outros artistas fotógrafos e das artes plásticas.

Fig.: 14 - 'Woman Dancing (Fancy)' 1887 - Animal Locomotion series -Eadweard Muybridge.

Fonte: http://history-is-made-at-night.blogspot.com/2010/12/eadweard-muybridge.html

Marey em 1904 registrou movimentos corporais de modo a representar a

plasticidade da imagem por meio de sua pesquisa como fotógrafo de movimentos

em um só frame (fig. 15). Nos seus estudos do movimento encontramos a

duplicidade visual, que promovia - pelo posicionamento do corpo em diferentes

locais no plano de cena e a posição fixa da câmera com o obturador aberto

captando as imagens – uma “anamorfose cronotópica” (Machado, 1997) conceito

esse que será abordado no capítulo 4. Esse resultado nos leva à ideia de construção

do tempo na imagem estética de modo a compor uma visualidade como na obra

“Cronofotografia geométrica” (fig.17).

Fig.: 15 - E.J. Marey cronofotografia “salto à vara” (1890)

Fonte: https://www.flickr.com/photos/25936587@N02/2530209049

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Fig.: 16 -Estudo de cronofotografia – Étienne-Jules Marey.

Fonte: http://doktorhander.blogspot.com/2009/06/etienne-jules-marey.html

Em suas representações de corpos em movimento, podemos identificar

Personas ocupando o tempo e o espaço em uma multiplicidade de corpos

representados no mesmo fotograma. A sua busca pelo movimento na fotografia e as

experimentações com vários dispositivos fotográficos, proporcionaram um grande

número de composições visuais, levando sua pesquisa a resultados surpreendentes

do movimento (Fig. 16).

Fig.: 17 - E.J. Marey “Cronofotografia Geométrica” e o Homem de terno preto com listras e pontos para

cronofotografia, 1883.

Fonte: http://goldberg.berkeley.edu/courses/S06/IEOR-QE-S06/images.html

2.1 O olhar anamórfico.

A proposta será iniciada pelo fotógrafo André Kertész que com seu olhar

sobre o corpo feminino, busca ângulos na projeção de espelhos para reconstruir

uma nova estética anamórfica de suas Personas. Em seguida apresentaremos o

trabalho do artista David Hockney que em seu trabalho com as Polaroides,

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reconstruiu em uma estética de colagens cubista, acrescentando o tempo em suas

imagens, Personas que em uma composição de partes formam o todo reconstruído.

2.1.1 Os espelhos de Kertész

Fig.: 18 - Foto Retrato – André Kertész

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/443252788302734900/

Na fotografia, uma das vertentes temáticas do grande mestre André Kertész

(fig. 18) foi a imagem distorcida pelo uso de um dispositivo, no momento em que o

digital não pertencia à cena e alguns artistas buscavam modificar o olhar, imprimindo

uma nova estética às artes fotográficas.

A deformidade das imagens captadas por Kertész cria uma atmosfera

dismórfica do corpo feminino, incorrendo em uma metáfora do belo (fig. 19). Essa

busca pelo olhar que difere é fato importante para o artista-fotógrafo que trabalha

com a ótica do real e Kertész buscou, em seus últimos anos de vida, captar

incessantemente essa deformidade. Foram mais de 200 fotos captadas com o uso

de espelhos.

A mesma modelo representada por modulações de imagens é como uma

máscara corporal que se acopla àquela Persona, proporcionando características

novas a cada clic fotográfico, outros seres representados em um mesmo corpo pela

deformação do espelho.

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A essa anamorfose compreende-se a possibilidade de escolhas estéticas ao

se acoplar dispositivos que inserem novas visualidades no objeto estético final. A

propósito, a fotografia terá sempre algo a acrescentar no objeto estético, pois sua

possibilidade técnica possibilita diferenciações do olhar na sua concepção final

artística.

Fig.: 19 - Fotos da série “Distortion”, André Kertész (1933 a 1940).

Fonte: http://lounge.obviousmag.org/por_tras_do_espelho/2012/07/as-distorcoes-de-andre-kertesz.html

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Em 1965, Piotr Kowalski efetuou uma montagem especular de tal sorte que o espectador contornava um espelho giratório. Sua imagem lhe era devolvida tal como seria vista por ele e, se ele mexia sua mão direita, era no seu lado esquerdo que ela aparecia. Era-lhe impossível recompor seu rosto sem ser imediatamente tomado pela vertigem. Essa ruptura da relação especular é uma convincente colocação à prova da desestruturação perpétua dos modos de apreensão do corpo… A impossibilidade de adotar um ponto de vista, estando tomado pela vertigem das imagens desestruturantes, apresenta-se como a abertura a um mundo mágico gerado pelas ilusões ópticas. (JEUDY, 1998, p. 51.)

Ver a imagem invertida é o que de mais comum existe no nosso sentido e,

quando um artista muda esse parâmetro em uma representação artística, essa

imagem torna-se estranha ao nosso olhar, à nossa percepção visual. A estrutura

corporal é a ligação física neste enviroment em que vivemos, é o objeto com o qual,

em primeira instância, trabalhamos as nossas representações. Nas artes, o estudo

da anamorfose trabalha as relações corporais de modo a desestruturar o real em

deformações ópticas que se baseiam em dispositivos ora analógicos (espelhos,

lentes), ora digitais (softwares e hardwares), compondo Personas que protagonizam

o imaginário artístico.

2.1.2 As polaróides de David Hockney

Fig.: 20 – Foto composite polaroids - David Hockney

Fonte: https://manuskywalkerblog.wordpress.com/tag/braques/

Em 1982, Hockney (fig. 20) inicia seus trabalhos com polaróides compostas e

colagens fotográficas. De 1982 a 1984, dedicou-se a explorar a fotografia de modo a

deixar sua pintura de lado, voltando a ela um tempo depois. Em uma média de 4

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horas de exposição fotográfica, mais a elaboração anterior da cena e a finalização

da composição, levavam Hockney a um resultado compositivo com identificação

perceptiva no fechamento da Gestalt.

Fig.: 21 - Foto de David Hockney, Kasmin Los Angeles 28th March 1982, Composition of Polaroid

Fonte: http://letteraturaartistica.blogspot.com.br/

A narrativa desenvolvida nessa linguagem fotográfica trabalha com a

composição do movimento da fotografia de modo que a Persona é captada em uma

singularidade de detalhes (fig. 21) como se o dispositivo imitasse o nosso “olhar

avaliativo” sobre o outro, e a câmera amplifica nosso poder de ver com suas lentes,

ampliando os detalhes e “focando” nos elementos de interesse.

Nessa junção de elementos que compõem a Persona, a leitura se faz das

partes e da totalidade, compondo uma nova maneira de ler essa narrativa da

personificação.

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No trabalho das composições com Polaroides de Hockney, os espaços em

branco entre as fotos reforçam ainda mais a estrutura de fechamento da Gestalt

para interpretarmos este signo como se estivéssemos olhando através de uma

trama aramada, e as deformações dos movimentos na composição do todo

identificam as relações de tempo inserido na fotografia (fig. 22, 23 e 24), reforçando

a ideia de “anamorfose cronotópica” (MACHADO, 1997, p. 61).

Fig.: 22 - David Hockney, processo de trabalho 1982. Foto de Michael Childers/CORBIS.

Fonte: http://www.lamag.com/the80s/david-hockney/

Fig.: 23 - Gregory swimming pool pictures, 1982.

Fonte: https://www.gauditekenen.nl/david-hockney/

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Fig.: 24 - Still Life Blue Guitar, composite Polaroid, 24 1/2 x 30 in. David Hockney, (1982). Celia’s Children Albert + George Clark Los Angeles April 7th 1982 composite Polaroid, 35 x 23 1/4 in. David Hockney

Fonte: http://www.shootingfilm.net/2013/01/joiners-polaroid-collages-by-david.html

http://www.hockneypictures.com/photos/photos_polaroid_06.php

O dispositivo fotográfico, em qualquer época e de qualquer tipo que seja, tem,

dentro das possibilidades criativas da expressão artística, o objetivo de facilitar, ou

melhorar a potencialidade do meio.

2.2 O olhar pictórico

Fig.: 25 - Double take - 2010.

Fonte: www.alexameade.com/

A palavra imagem possui, como todos os vocábulos, diversas significações. Por exemplo: vulto, representação, como quando falamos de uma imagem ou escultura de Apolo ou da Virgem. Ou figura real ou irreal que evocamos ou produzimos com a imaginação. Neste sentido, o vocábulo possui um valor psicológico: as imagens são produtos imaginários. Não são estes seus únicos significados, nem os que aqui nos interessam. (PAZ, 1976, p. 37)

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A artista Alexa Meade (fig. 25) trabalha as artes plásticas na espacialidade

tridimensional das Personas e finaliza sua obra na bidimensionalidade da fotografia.

A característica de seu trabalho é apresentar a relação corporal, envolvendo corpos

em uma performance artística, onde o posicionamento do corpo juntamente com a

sua intervenção da pintura, planificam a imagem e em qualquer posicionamento de

câmera na captação da imagem fotográfica, obteremos uma imagem bidimensional,

como uma pintura (fig. 26). Representação da junção dos elementos Persona e

enviroment.

Fig.: 26 - Foto Timmy Tourist e Transit - Alexa Meade - 2009.

Fonte: www.alexameade.com/

Esse trabalho objetiva trazer o real tridimensional para a pintura pictórica

bidimensional pela construção com as tintas trabalhadas nos personagens e no

ambiente ao seu redor. É como se ela transformasse uma figura real em uma

personagem de uma tela. Essa descoberta artística se deu por acaso na pesquisa8.

Meade fazia, sobre as sombras, a relação de luz e sombra dos objetos, o que a

fascinava e, para tanto, passou a pintar as sombras que duravam pouco tempo, pois

a luz se modificava e invadia as suas sombras. Certo dia pensou em pintar a sombra

de um amigo seu na parede e de repente já estava pintando seu amigo também,

diferenciando luz e sombra e, ao se afastar do amigo, percebeu que tinha planificado

a imagem dele.

8 Meade, Alexa. Seu corpo é minha tela. Palestra no TEDGlobal. Disponível em: www.ted.com/talks/alexa_meade?language=pt-br. Acesso em: 10, set, 2015.

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O palco, em sua forma idealmente perfeita, é um espaço interno, limitado pela estrutura do teatro e a cena é um espaço fictício a pintar ou sugerir um espaço real. Na concepção da cena, cumpre incluir não apenas os cenários e os dispositivos cênicos, mas também as indumentárias e as máscaras dos atores. A iluminação pertence à cena apenas na medida que a torna visível, contribui para a definição do lugar ou do tempo, ou cria uma impressão. Se ela pertence dramaticamente à representação, enfatizando os movimentos dos atores ou formando uma ação independente, podemos incluí-la no espaço de ação. (BRUSAK, 1978, p. 341)

Fig.: 27 - Foto Mango Lassi e Mango Lassi in process - Alexa Meade - 2012.

Fonte: www.alexameade.com/

A manipulação da imagem antes da fotografia, ou seja, a elaboração do

espaço para a temporalidade do instante que a câmera capta a imagem está sendo

trabalhada tanto nas obras de Crewdson quanto nas de Meade, pois ambos

corroboram para uma gestação imagética da perfeição e esse processo criativo

resulta na obra que é esse todo. Na crítica genética de Cecília Almeida Salles9, o

processo criativo tem a sua consideração como parte da obra.

O que pode ser visto na construção das Personas nas obras dos dois artistas

citados anteriormente é que os atores ou modelos que compõem as obras são

simplesmente elementos que não alteram a obra elaborada na mente do artista.

Destes corpos-personagens não existe uma interação do corpo-personagem-

modelo, com exceção de um trabalho de Meade feito em parceria com a artista

9 SALLES, Cecilia Almeida. Crítica Genética - Fundamentos dos Estudos Genéticos Sobre o Processo de Criação Artística, São Paulo: Edusp, 2008.

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Sheila Vand na qual o desenvolvimento criativo se deu em conjunto e no corpo da

amiga (fig. 27 e 28).

Fig.: 28 - Foto Ussen - 2012 e Hesitate - 2012.

Fonte: www.alexameade.com/

Como essa estranha aliança entre a forma e a imagem é possível? Pensamos de preferência que a forma precede a imagem, pois reduzimos esta última à representação. A forma daria corpo à imagem. (JEUDY, 2002, p. 33).

O trabalho de Meade também conta com a identificação dos objetos (fig. 29) e

elementos de cena participando da construção imagética em que a tinta invade com

determinação tonal tudo o que está em cena, sem exceção. E a performance dos

modelos vivos ocorre na atuação ora estátua, ora em pequenos movimentos da

exibição ao público(fig. 30).

Fig.: 29 - Foto Egg on egg - 2009.

Fonte: www.alexameade.com/

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Fig.: 30 - Foto Risen, 2012 e "Risen" in process e Martyrdom Alexa Meade - 2012.

Fonte: www.alexameade.com/

Fazendo uma ponte entre o levantamento da pesquisa de Hockney e o

trabalho da artista e fotógrafa Alexa Meade, esta quis trazer a “sombra para a

pintura”, pintando sobre a sombra dos objetos e depois passou a pintar sobre as

áreas de luz que incidiam nos objetos. Com isso percebeu que pintando o objeto real

nele mesmo (na sua forma física), quando olhava à distância aquela cena, ela se

tornava um quadro de pintura.

Meade pegou um elemento que ela gostaria de pintar e pintou ele mesmo,

transformou esse elemento real em pintura e, para transportar, guardar essa

memória visual plena e de qualidade artística, utilizou-se da fotografia como

documentação artística.

Ela transformou o objeto real em ferramenta (tela) e a materialidade da luz foi

o seu eixo para pintar esse objeto. A plasticidade do resultado do seu experimento

resultou em uma expressão artística que foi amplificada e memorizada enquanto

arte pela fotografia. A descoberta do diferencial na sua arte, por meio de uma

expressão artística, coloca seu trabalho em destaque sobrepondo técnicas de

pintura e fotografia para obter sua obra final.

Por minha experiência com fotografia quando estudei o trabalho de Alexa

Meade, pensei que o seu resultado final da pintura planificada através da fotografia

estivesse pautado na frontalidade como um quadro e que somente um determinado

ângulo da câmera pudesse captar a característica da pintura, bidimensionalizando

aquele cenário. Em uma entrevista10, Meade coloca que, de qualquer ângulo que ela

posicionar a câmera, ela obterá o registro de suas pinturas planificadas. Pensando

10 Meade, Alexa. Seu corpo é minha tela. Palestra no TEDGlobal. Disponível em: www.ted.com/talks/alexa_meade?language=pt-br. Acesso em: 10, set, 2015.

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tecnicamente, a artista trouxe a pintura para a realidade, transformando o objeto real

em objeto real pintado, ou seja, modificou a linguagem visual daquela imagem de

acordo com a representação que ela queria dar, inserindo o estilo da pincelada e

das cores da tinta naqueles elementos reais.

A tinta proporcionou tornar o objeto real tridimensional em estrutura

planificada e a câmera neste caso funciona como um dispositivo de captação da

memória daquela pintura que é volátil e perecível “por ser real”.

No caso dos pintores que se utilizaram de dispositivos como lentes e câmera

obscura para a melhor captação da imagem real, estes tinham como objetivo,

comum a todo artista, a perfeição e esta se dá pelo poder expressivo que cada

artista tem independente do dispositivo que aperfeiçoa a sua arte.

Trabalhar com a ideia da representação de elementos tridimensionais em

plano bidimensional como a pintura ou desenho sempre foi objeto de valor a

qualificar o artista. Mas o objetivo real das representações pela arte não passaram

de estruturas para representar o humano e sua sociedade, sua necessidade de

perdurar.

2.3 O olhar performado

Fig.: 31 - Foto - The Sherman - Cindy Sherman.

Fonte: http://www.artnet.com

Cindy Sherman (fig. 31) é uma artista e fotógrafa americana que desenvolve a

criação de Personas por suas “máscaras” em forma de maquiagem e adereços para

montar diversos papéis. Sherman desenvolve um trabalho desde 1976 quando foi

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para Nova Iorque e passou a se fotografar. Sua obra consiste em autorretratos em

que a artista performa diferentes Personas, constituindo papéis que representam

críticas sociais, cenas cotidianas, artísticas e cinematográficas. Nesta construção de

Personas, o seu corpo passa a ser um veículo para questionamentos críticos do

mundo atual e seu trabalho, com uma indiscutível marca, dá vida às suas obras.

Em 1977, sua obra seguiu na linha cinematográfica buscando Personagens

nas atrizes de cinema em que as fotografias narravam histórias. De 1977 a 1980,

desenvolveu a série “Untitled Film Stills” (fig. 32), com 69 fotografias de

Personagens que exploravam a feminilidade, buscando esse dado ficcional

cinematográfico para compor suas Personas.

Fig.: 32 – “Untitled Film Still #2”, 1977 - “Untitled Film Still #21”, 1978 - “Untitled Film Still #35”, 1979

Fonte: https://www.moma.org/collection/works/56515 - https://www.guggenheim.org/artwork/4380 -

https://www.artgallery.nsw.gov.au/collection/works/369.1986/ Os arquétipos sociais são bastante trabalhados na obra de Sherman: a dona

de casa, a prostituta, a dançarina, a atriz e as relações do cotidiano, explorando os

sentimentos da Personagem no gênero feminino, classificado em: a mulher em

perigo, a mulher chora, a mulher trabalha, etc., todas estas Personas sob a ótica

camaleônica e/ou caricata de ilustrar o outro.

Intitulando suas fotografias "Untitled" e numerando-as, Sherman torna a

Persona comum, pertencente a todos. Em 1980 criou uma série "Rear-Screen

Projections" (fig. 33) em que trabalhou suas imagens fotográficas com projeções de

fundo.

Fig.: 33 - Foto "Rear-Screen Projections”- "Untitled #66," 1980 - "Untitled #70," 1980 - "Untitled #71," 1980 - "Untitled #77," 1980

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Fonte: http://www.cindysherman.com

O fundo, ou o enviroment, conta muito sobre a história que pretende se

apresentar nas imagens de uma obra e o artista está sempre buscando novas

alternativas para expressar as suas ideias na representação de suas Personas.

Em 1981, a revista Artforum convidou Sherman para fazer um "centerfold" (fig.

34), mas depois rejeitou o trabalho, alegando que as fotografias poderiam ser mal

interpretadas.

Fig.: 34 - "Untitled #92," 1981 - "Untitled #85," 1981 - "Untitled #93," 1981.

Fonte: https://www.moma.org/interactives/exhibitions/2012/cindysherman/gallery/4/#/5/untitled-93-1981/

De 1985 a 1989, Sherman começou a trabalhar o estranho com alguns

elementos fora do seu corpo, como próteses (fig. 35). Nesta sua fase de trabalho, a

iluminação é reforçada nas cores RGB.

Fig.: 35 – Horrors - Untitled #140, 1985 - Untitled #153, 1985

Fonte: http://www.phaidon.com/

Em outra fase do seu trabalho: “History Portraits Series” (fig. 36), Sherman

desenvolveu releituras de alguns retratos de pintores famosos e, apesar de morar

em Roma na época deste trabalho, ela dizia não visitar os museus e as igrejas e

usar como referência para o seu trabalho, livros com reproduções das obras que ela

recriou.

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É interessante notar que no percurso do trabalho de Sherman o

desenvolvimento de suas Personas parte de uma descoberta narrativa em um

enviroment cinematográfico, momento em que ela pouco inseria máscara em suas

Personagens. Depois se envolveu com outros elementos como maquiagem que

denotavam uma maior caricatura das figuras personificadas; máscaras que

chegavam a praticamente ocultar seus traços de corpo real e objetos exteriores que

compunham partes do corpo os quais ela retirava de cena. E neste último trabalho,

“History Portraits Series”, ela utiliza-se de praticamente todos os elementos já

trabalhados de forma a retomar ou reestabelecer um parâmetro daquele ícone

(retratos pintados) que foi o antecessor da fotografia de retrato, com a qual ela

iniciou seu trabalho. Isso nos leva a pensar em um ciclo de 360º voltando ao seu

ponto inicial.

Fig.: 36 - History Portraits/Old Masters - “Untitled #213, 1989 “Untitled #225”, 1990 “Untitled #209”, 1989, “Untitled #224”, 1990

Fonte: https://www.moma.org/interactives/exhibitions/2012/cindysherman/gallery/7/#/18/untitled-225-1990/

Em 1992, desenvolveu a série "Sex Pictures" (fig. 37). Trabalhando uma

Persona elaborada por objetos como: bonecas, próteses e genitálias masculinas e

femininas de modo a figurar um todo reconstituído pelas partes, recompostas de

modo a causar estranhamento. Neste momento do seu trabalho, transfere a sua

Persona para esses objetos, não aparecendo em cena como é característica do seu

trabalho.

Sherman estabelece uma nova máscara para sua Persona, uma máscara

extensiva ao seu corpo que apresenta aberrações visuais de dispositivos facetados

que no realinhamento do conjunto causam uma repulsa que não existia

anteriormente.

Fig.: 37 - "Sex Pictures" “Untitled #305 -1994 - “Untitled #250 -1992 - “Untitled #302 -1993 - “Untitled #177 -1987

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Fonte: https://www.moma.org/interactives/exhibitions/2012/cindysherman/gallery/6/

Atualmente, Sherman voltou a usar-se como modelo na série de retratos

“Mulheres da Califórnia” (fig. 38). Essas mulheres são representantes, a seu modo

de ver, dos tipos existentes na sociedade. Retomando a relação de retrato

convencional, com fundo neutro, semelhante aos retratos de família do início da

história da fotografia, porém com a expressão da mulher atual estereotipada.

Fig.: 38 - Hollywood/Hampton Types: “Untitled #359”, “Untitled #360”, “Untitled #353” - 2000

Fonte: https://www.sothebysinstitute.com/news-and-events/news/contemporary-art-in-6-artists/

Já há muito tempo, o artista utiliza-se de elementos para desenvolver a sua

arte, seja pincel e tinta, uma máquina fotográfica, um scanner digital e um performer

e tantas outras que se possa imaginar. Os artistas, ao longo do tempo, buscam a

representação de sua arte pelas materialidades que podem ser mutáveis, orgânicas,

entre outras.

2.4 O olhar na Persona compondo a ambiência.

Fig.: 39 – Foto Gregory Crewdson

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Fonte: https://www.semipermanent.com/profiles/gregory-crewdson

A idealização da beleza corporal corresponde, na maioria das vezes, à representação do corpo imóvel, à escultura, como se em repouso ele inspirasse uma apreensão estética mais poderosa do que em movimento. Olhando séries de fotografias de um mesmo corpo tomado em diferentes posturas, é a parada sobre a imagem (o movimento suspenso) que faz nascer a atração estética? Se é esse o caso, o prazer estético viria sobretudo da captura da imobilidade do corpo no cerne de seu movimento. (JEUDI, 2002, p. 58 e 59)

O fotógrafo e cineasta Gregory Crewdson (fig. 39) trabalha as relações da

construção da imagem, restaurando os elementos que compõem a cena de modo a

elaborar uma ambiência que narra uma imagem parada como em um roteiro de

filme.

Sua obra fotográfica é como uma pintura de Hopper11 - no qual ele se inspira -

minuciosamente elaborada com técnicas de iluminação, composição e coloração.

Trabalha com as estruturas temporais e espaciais, elaborando a cena como um filme

que será rodado, porém, marca a obra em um fotograma, capta o instante da

imagem que contém uma história (fig. 40).

O cinema parado no tempo e espaço de um segundo que tecnicamente

precisou de muita produção e tantas outras mãos em horas de elaboração para ser

captado.

A proposta de se ter um movimento suspenso, como uma cena que fica em

nossa memória e nos volta em uma lembrança, constrói de forma forte e impactante

no nosso inconsciente como um signo que se instala para ser referenciado algum

dia.

Fig.: 40 - Foto Untitled (The Father) Gregory Crewdson - 2007.

11HOPPER, Edward. Coletânea de obras. Disponível em: https://www.edwardhopper.net/ Acesso em: 20, ago, 2016.

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Fonte: http://www.gregorycrewdsonmovie.com/

As Personagens inseridas em suas fotografias narrativas, por sua composição

postural, iluminação e agregamento com a estrutura espacial, promovem a

ambiência desta obra narrativa que em sua perfeição faz-se quadro, uma pintura.

Pintar com a câmera é o que poderíamos identificar nos trabalhos de

Crewdson e sua técnica da construção visual, agregando iluminação, cenário,

figurino, produção e direção de câmera ilustra a perfeição.

Sua técnica fotográfica consiste em elaborar um set de filmagem e avaliar a

cena em movimento, testando a posição dos atores e de todo o cenário, iluminação

e posicionamento dos elementos na cena, de modo a definir a captação da imagem

(fig. 41).

Ele não utiliza nem um outro dispositivo sem ser a estrutura de filmagem e

fotografia cinematográfica, ou outro complemento para desenvolver a foto, não

existe computação gráfica na sua obra.

Fig.: 41 - Foto do set de produção de duas obras fotográficas de Gregory Crewdson.

Fonte: http://www.gregorycrewdsonmovie.com/

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Crewdson em entrevista a uma Revista Eletrônica12 coloca Diane Arbus como

sua primeira inspiração na área fotográfica e em suas obras, realmente podemos

identificar o que Arbus captava em suas fotografias: a solidão e as diferenças

humanas, Crewdson trabalha em grande angular de modo a apresentar o panorama,

a espacialidade que compõe o cenário, vivenciando assim em suas cenas paradas a

amplitude do enviroment diante da figura humana, a Persona que representa um

pequeno, porém fundamental ponto neste universo (fig. 43).

Alfred Hitchcock e David Lynch também são suas inspirações dentro do

universo visual da cena e encontramos vestígios das obras de seus inspiradores na

composição de sua obra que fomenta o lado psicológico das Personagens em cada

ambientação cenográfica (fig. 42).

Fig.: 42 - Foto UNTITLED (BIRTH), Gregory Crewdson - 2007.

Fonte: http://www.gregorycrewdsonmovie.com/

Falar da importância da Persona no espaço é quase que cinequanon, pois

não haveria história sem um Personagem, mesmo que esse Personagem fosse um

objeto, ele teria que ter um “anima”, uma vida para que a sua existência tivesse

significado. Quando colocamos em uma instalação artística, no teatro ou em uma

fotografia um objeto como Persona, este deve conter em seu signo o conteúdo para 12 An Interview with Gregory Crewdson Disponível em: <https://petapixel.com/2016/05/18/interview-gregory-crewdson/> Acesso em: 20, set, 2016.

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“ser” Persona, deve ter significado para o espectador para fazer sentido na obra

vista e para isso temos o enviroment/ambiência que estrutura objeto/Persona,

cenário e narrativa.

É uma imagem-tempo, a série do tempo. A atitude cotidiana é o que põe o antes e o depois no corpo, o tempo no corpo, o corpo como revelador do termo. A atitude do corpo põe o pensamento em relação com o tempo como com esse fora infinitamente mais longínquo que o mundo exterior. (DELEUZE, 2005, p. 228)

Deleuze coloca em seu livro13 que o cinema faz o corpo cotidiano passar por

uma cerimônia e isso é de fundamental importância para a construção de arquétipos

referentes ao nosso dia a dia, porém de maneira especular. Tanto o cinema quanto

a fotografia advindos da mesma potência criadora de obter instantes em movimento,

concebem a imagem “perfeita” ou “imperfeitamente-perfeita” que nos faz vestir as

máscaras das Personas ali construídas. O que a fotografia faz é transportar essa

cotidianidade para um espetáculo imagético, trabalhando os elementos visuais da

composição de modo a harmonizar nossos olhos14.

Fig.: 43 - Foto Untitled, Gregory Crewdson - 1998.

Fonte: http://www.gregorycrewdsonmovie.com/

13 Deleuze, Gillez. A imagem-tempo - cinema 2. Tradução Eloisa de Araujo Ribeiro. Editora Brasiliense. 2005. 14 Poderíamos citar dois outros fotógrafos; Ryan Schude e Jeff Wall, o primeiro da atualidade, tem o trabalho visual semelhante ao do Crewdson, porém mais alegórico e menos narrativo, e o de Jeff Wall que trabalha na mesma ambientação explorando como Crewdson as cores americanas, com um staff de produção de menor tamanho.

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A imagem composta com uma profundidade de campo permite uma nitidez

incrível em sua totalidade e esse aspecto proporciona uma grandiosidade de

detalhes que compõem a ambiência da cena. Nosso olhar tende a passear pela

cena lendo a narrativa através dos detalhes. Crewdson fala em entrevista à “The

american reader”15 que no seu trabalho o espectador é mais propenso a projetar sua

própria narrativa sobre a imagem.

Crewdson cria possibilidades visuais para a narrativa dar andamento nas

mentes das pessoas, pois geralmente suas imagens são dúbias (fig. 44),

proporcionando vários caminhos interpretativos.

Fig.: 44 - Foto Untitled (Ophelia) 1998-2002 - Gregory Crewdson.

Fonte: http://www.gregorycrewdsonmovie.com/

15Disponível em: <http://theamericanreader.com/> Acesso em: 20, set, 2016.

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Capítulo 3 Persona em performance: materialidade e virtualidade

Para falar sobre performance, é importante vivenciar a expressão artística e a

escola que a modeliza. Nas artes da performance, existe uma tríade: artista,

Persona e público.

Toda a expressão corporal tem um sentido e na performance artística sua

representação deve atender às relações estéticas de modo a apresentar seu

conceito ao público. A performance estrutura-se nas leis expressivas do corpo

artístico dialogando com a materialidade da qual o artista a submete.

Apresentamos alguns artistas que criaram e criam suas Personas em

diferentes materialidades dialogando com a ambiência na constituição do objeto

estético na sua totalidade.

O desenvolvimento de uma arte está intimamente ligado à evolução dos

materiais de sua época e às descobertas por acaso, ou em pesquisas extensas

sobre determinado assunto.

O potencial criativo humano é surpreendente e a evolução dos materiais,

desde o processo analógico das máquinas mecânicas ou das químicas de tintas e

soluções fotográficas até a última invenção digital, possibilitaram as escolhas para

se fazer a diferença. Essa diferença estética que pode ser o que mais nos agrada ou

incomoda, mas como diferença irá nos tocar, fazer “sentido” sem precisar ter

sentido.

As obras dos artistas analisadas neste capitulo se fundem entre analógicas e

digitais, portanto, falaremos de suas propriedades materiais e virtuais sem divisões.

Conforme a etimologia, o mímico imita seu objeto, mas essa imitação não tem de ser direta e conforme. Ela se baseia em uma codificação do gesto e da Personagem, estabelece e fixa os pontos de passagem obrigatórios da sequência gestual, conduzindo a uma depuração do gesto, depuração reconhecível e logo reproduzível. […] O corpo do mímico arruma, organiza e balisa sua trajetória, preparando assim o percurso do espectador. (PAVIS, 1996, p. 115 e 116)

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3.1 Marcel Marceau

Na atuação do mímico, sua representação visual por meio da maquiagem

proporciona uma identificação gráfica e a sua gestualidade facial e corporal

apresentam uma Persona composta do que poderíamos chamar de uma “máscara

linguagem”, porque o ator se expressa promovendo uma linguagem não oral.

A linguagem está no ato da Persona e na sua interação no ambiente, porque

o mímico trabalha a gestualidade no espaço e, apesar de poder utilizar alguns

objetos em cena, geralmente trabalha com o espaço vazio. Esse vazio compõe uma

linguagem sígnica que o espectador codifica e com a ausência da oralidade, a

mímica se apoia na atuação explícita da gestualidade, pensando na codificação do

seu público e estruturando seus “gestos” de modo a promover o sentido no outro.

Fig.: 45 - Foto do mímico Marcel Marceau

Fonte: http://theprisma.co.uk/2013/07/21/marcel-marceau-the-voice-without-sound/

Marcel Marceau (fig. 45), mestre da pantomima, conhecido mundialmente, foi

pioneiro em suscitar as artes da mímica e criou o personagem “Bip”, fundamentado

no Pierrot da Commedia Dell’art que utilizava como marca uma máscara de pintura

para ressaltar a expressividade do rosto.

Para o mímico, esforçamo-nos em determinar as regras quase geométricas que regem o processo de decodificação, de depuração e de “aumento” do gesto e do corpo. A captação do sistema gestual é decisiva, pois permite ao espectador, como ao analista, ler o espetáculo de mímica, olhando para além da realidade física. A descrição não apresenta dificuldades insuperáveis, a partir do momento em que as regras de transposição e de codificação do real tenham sido claramente estabelecidas. (PAVIS, 1996, p.119)

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Quando o público espectador assiste a uma pantomima, a sua leitura da

narrativa fica centrada em um só código - o do gesto. Portanto, esse código tem que

ser reforçado para o melhor entendimento do seu público. Marceau criou uma

linguagem da mímica, em principal com o público infantil, elaborando um livro com o

alfabeto do mímico (fig. 46).

Fig. 46 - Fotos do livro "The Alphabet Book", de Marcel Marceau by Mendoza George, (1970).

Fonte: http://november-books.blogspot.com.br/2012/12/the-marcel-marceau-alphabet-book-signed.html

Por não ser usual, a linguagem dos gestos no dia a dia das pessoas, diferente

da linguagem textual, necessita de uma expressividade clara e marcante para a sua

significação.

A gestualidade dos movimentos mímicos falam com o espectador de modo a

fazê-lo adentrar no universo da mímica em que o som e as palavras apresentam-se

com a imagem. O mímico promove em sua expressividade gestual uma apropriação

da ambiência, dialogando com o espaço vazio.

As expressões faciais são analisadas com frequência na vida das pessoas,

assim, o uso da maquiagem funciona como uma máscara física separando o artista

da Persona.

A antropologia do gesto por Marcel Jousse16 leva a uma identificação mais

extensa sobre a questão da gestualidade e, apesar de sua área de estudo abranger

a psicologia e a educação, podemos traçar um parâmetro que leva o trabalho do

mímico a uma interioridade maior do que uma simples decodificação mímica do

objeto. O trabalho do mímico que produz com o corpo uma linguagem em um

espaço vazio, sem signos físicos, é de uma complexidade que envolve os

mecanismos do conhecimento para elaborar a memória, o gesto, o ritmo e a

16Marcel Jousse foi um antropólogo que em 1917 estudou as expressões gestuais de uma reserva indígena Siux nos EUA, desenvolveu estudos fonéticos e trabalhou com psicologia normal, patológica e etnologia. Tornou-se especialista no estudo de estilo oral, ritmo e gesto. http://www.marceljousse.com/pt/qui-est-marcel-jousse/une-courte-biographie/

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expressão, compondo uma estrutura de comunicação visual que leve a sua

mensagem ao espectador.

3.2 Kassuo Okno e Tatsumi Hijikata

Na década de 70, mesmo período da pantomima de Marceau, a dança Butoh

- pelas mãos de Kazuo Ohno (fig. 47) e Tatsumi Hijikata - também teve

expressividade na mídia.

Fig.: 47 - Foto do ator e dançarino Kasuo Ohno.

Fonte: https://papodehomem.com.br/morre-kazuo-ohno-mestre-do-buto/

O Butoh é um dança que busca a expressividade interior do dançarino (fig.

48, 49 e 50) e o seu fundamento filosófico tem a interiorização pessoal como guia,

aproximando essa expressão artística do happening e das performances.

Pensando na filosofia apontada por Tatsumi Hijikata, a improvisação do

artista que consegue interiorizar e buscar, em uma estrutura quase inconsciente, a

expressão de um sentimento de dor, êxtase, loucura, entre outros e apresentar isso

na forma corporal, tem nesse processo a síntese do Butoh, representado sempre em

uma inovação de acordo com os artistas que estarão no palco.

Fig.: 48 - Foto Christian Perez apresentação de Butoh.

http://www.contemporary-dance.org/butoh.html

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Segundo Caldeiras17, a ideia de “olho de peixe” na manifestação performática

do Butoh é a representação de um corpo morto que, como o peixe, está vivo e

pronto para reagir fisicamente. O transe serve para interiorizar os sentimentos para

que a expressão corporal apareça de forma mais forte.

Os espetáculos hoje apresentados pelo Butoh seguem uma linha que delimita

o espetáculo, com figurino, maquiagem, coreografia e cenário, sem deixar de

trabalhar a filosofia da dança.

Fig.: 49 - Foto "Amagatsu", Yoshihiko Ueda, (1993).

Fonte: http://elhurgador.blogspot.com.br/2014/08/fotografos-japoneses-vii-yoshihiko-ueda.html

Eu não estou interessado em uma bela estrutura de dança nos moldes tradicionais. A Dança é um caminho de vida, não uma organização de movimentos. Minha arte é uma arte de improvisação. É muito perigosa. Eu tento revelar com meu corpo todo peso e mistério da vida, seguir minhas memórias até o útero de minha mãe (grifo nosso). Em 1920, vi La Argentina, uma dançarina flamenca. Sua dança moveu minha alma e mudou minha vida. Em 1977 criei uma dança para ela, para sua energia. (OHNO apud CALDEIRA, 2009, p.5)18

Fig.: 50 - Foto apresentação Akaji Maro

Fonte: http://www.mm52.com/star/akaji_maro/photo_4.html

17 http://www.mimus.com.br/solange2.pdf 18 http://www.mimus.com.br/solange2.pdf

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O Butoh trabalha com a ideia de transitoriedade do zen budismo, onde se faz

necessária a morte para que haja a vida, onde é necessário libertar-se das formas

do corpo e do pensamento.

Outro artista da atualidade que trabalha o Butoh é Akaji Maro, o qual usa a

dramaturgia em seus espetáculos, apresentando uma configuração com roteiro,

figurino, cenário, iluminação, enfim, toda a estrutura de espetáculo que difere da

proposta inicial do Butoh (fig. 51). Atualmente, Akaji Maro dirige o grupo

Dairakudakan.

Fig.: 51 - Cena da apresentação do grupo Butoh Dairakudakan no Vancouver International Dance Festival, (2017).

Fonte: https://www.123dentist.com/community-events/vancouver/vancouver-international-dance-festival-presents-

dairakudakan/

3.3 Olivier de Sagazan

O artista Olivier de Sagazan, pintor, escultor e performer, utiliza seu corpo

Persona, trabalhando a fisicalidade da forma e a repetição de índices visuais,

exteriorizados em sua performance visceral.

O artista performático francês Olivier de Sagazan trabalha a representação

corporal em suas performances, utilizando seu corpo como suporte na aplicação de

materiais como; argila, estopa, tinta, galhos, penas e pigmentos que constituem a

sua Persona. O resultado de sua performance “cega” são formas, gestos e sons que

transformam seu corpo em Personas disformes com aspecto monstruoso.

Seu trabalho é desenvolvido de forma visceral e aleatória, envolvendo um

processo escultórico cego, porém seguindo uma marca visual que é sempre

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identificada em cada performance (fig. 52). Esta marca segue a linha de suas

pinturas e esculturas artísticas. A performance invade o cenário e se faz presente de

forma aleatória em uma constante alteração recriando novas formas anamórficas. As

imagens produzidas na sua atuação performática são únicas, pois o artista modela

seu rosto e corpo, resultando em máscaras deformantes a cada instante da

performance.

O resultado visual é sempre animalesco, como um monstro provocando no

espectador, uma angústia em que a cada nova modelagem no rosto, por alguns

segundos, o artista terá a ausência do ar ao recobrir sua face com a argila. Em

seguida retira a argila da boca ou nariz e volta a respirar. O artista faz esse processo

durante toda a performance.

Fig.: 52 – Fotos da performance de Olivier Sagazan

Fonte: nefdesfous.free.fr/

O corpo da Persona de Sagazan tem na sua materialidade elementos básicos

de modelagem escultórica. O que o artista exterioriza da sua arte hoje é uma

vivência que iniciou exposta no bidimensional da pintura, passando para o

tridimensional da escultura, até chegar à performance de um mesmo signo (fig. 53).

Gera assim uma tríade de representações de suas Personas.

É verdade que um tenaz halo de magia banha nossas tradições de imagens. O inconsciente psíquico, com seu desencadeamento de imagens liberadas do tempo – cujas épocas se apresentam misturadas – não está sujeito ao envelhecimento. Neste sentido, a “magia da imagem” poética sempre existiu. Como a da imagem onírica. Os mortos ainda habitam nossas noites e não é inutilmente que Hesíodo faz de Hipno o caçula de Tãnatos. Portanto, através do culto ao sonho o surrealismo conseguiu reencontrar a dinâmica essencial, o coração vivo da imagem. (DEBRAY, 1993, p. 34.)

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Fig.: 53 - Foto de pinturas, esculturas e performances de Olivier Sagazan.

Fonte: http://olivierdesagazan.com

3.4 Otávio Donasci

Donasci é um dos precursores da videoarte no Brasil e criou, além de outros

trabalhos, um meio de representar personagens utilizando vídeo, performance e

música em uma formatação teatral, tendo como resultado as “Videocriaturas”.

As “Videocriaturas” (fig. 54) criadas na década de 80 personificaram a

linguagem da videoarte no Brasil, um experimento inovador e impactante, sem

outros como comparativo. Elas são produzidas totalmente pelo artista que também

atua nas performances. A primeira videocriatura foi apresentada em Campos de

Jordão, a convite do músico e compositor Koellreuter, em 1981.

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No desenvolvimento de suas obras performáticas, Donasci utilizou a

tecnologia televisiva, inicialmente com TVs de tubo, filmadoras e videocassetes.

Com o avanço das tecnologias, adaptou a materialidade de suas Personas para as

TVs de cristal líquido, (de Plasma e de Led) até a utilização de Ipads e celulares.

Fig.: 54 - Performances de Videocriaturas de Otávio Donasci.

Fonte: imagens cedidas pelo autor

Nas Videocriaturas a imagem é gerada em tempo real e essa estrutura é

fundamental para a obra segundo Donasci19. A performance com as “Videocriaturas”

conta com um performer no qual é colocada a estrutura televisiva que funciona

quase sempre como uma máscara da face, mas também já foi usada como máscara

em outras partes do corpo. Essa estrutura televisiva apresenta o vídeo em tempo

real de uma pessoa do público, e assim acontece a interação do público com a obra.

Fig.: 55 - “Videobusto” Performance nos 80 anos da Pinacoteca do estado. Otávio Donasci

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=XK5nQcT6C8o

Outra performance das “Videocriaturas” foi o “Videobusto” (fig. 55) que em

sua narrativa questionava a obra de arte no museu e sua Persona dialogava com

outras obras de arte e com o público.

19 Em entrevista concedida à Rita Varlesi (2005).

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A substituição do corpo físico por um corpo tecnológico cria um

estranhamento e ao mesmo tempo estimula o desejo da participação do público,

propiciando a este, estar em um outro corpo, um corpo artístico.

A linguagem do vídeo combinada com a atuação da performance possibilita

que Personas de corpo e cabeça diferentes dialoguem em uma composição

analógico-digital (fig. 56), propiciando um encontro com a potencialidade de se

reinventar a cada performance.

As “videocriaturas” corporificaram esqueletos, cavalos, ônibus, esculturas em

museu, corpos de todos os gêneros e tamanhos, por quase 50 anos de criação

deste desenvolvimento artístico inigualável e carismático.

Fig.: 56 – Fotos de performances das “Videocriaturas” de Otávio Donasci

Fonte: imagens cedidas pelo artista

Para Donasci, as “Videocriaturas” são seres híbridos que ampliam os

recursos expressivos do ator através da linguagem audiovisual.

A convite de José Celso Martinez, Donasci foi chamado a fazer parte da

leitura da peça “O Homem e o cavalo” de Osvald de Andrade, apresentando uma

“Videocriatura” em 1988.

Fig.: 57 - imagens do video - palestra e performance Donasci - AVLAB SP - Idiossincrasia do Sonoro pt.01

Fonte: https://vimeo.com/14506883

Os elementos caricaturais da máscara performática com vídeos invertidos ou

partes do corpo trocadas de lugar inseridos nas “Videocriaturas” (fig. 57), ou as

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distorções corpóreas (cavalo e outros), propiciam uma obra completa e com sucesso

de público (fig. 58). Donasci não criou somente uma obra, ele criou um meio, um

meio para performar e criar vidas em corpos misturados.

Fig.: 58 - Performance de Videocriaturas de Otávio Donasci.

Fonte: imagens cedidas do arquivo pessoal de Otávio Donasci.

Outro artista expoente e pioneiro da videoarte é Bill Viola, artista reconhecido

mundialmente por seus trabalhos utilizando vídeo para instalações arquitetônicas,

releituras videográficas em obras de arte renascentistas, performances que

apresentam relações sensoriais entre outras obras que desenvolve na arte

contemporânea.

No ato criativo, o artista vivencia seus medos, desejos e referenciais de sua

vida e a expressão surge intuitivamente na caracterização de um ou mais elementos

de sua obra; pode ser uma cor, um objeto, ou até algo que se repete sem ser

identificado. Essas experiências estão sempre presentes na história presente para a

uma interferência futura.

3.5 Bill Viola

Bill Viola relata20 uma experiência que teve na infância com 6 anos, sobre ter

caído em um lago e quase se afogar. Este episódio trouxe para ele uma vivência

que lhe mostrou algo mais além da superfície que ele conhecia e o vislumbrou,

trazendo um paraíso de novidades à sua mente que marcariam a expressão em

seus trabalhos artísticos de modo profundo.

20 VIOLA, Bill. Entrevista - Cameras are Soul Keepers - Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uenrts2YHdI> Acesso em: 20, ago, 2016.

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Seus trabalhos estão centrados “em experiências humanas universais” (fig.

61) - nascimento, morte, desenvolvimento da consciência21 - e busca inspiração

também nas raízes da arte oriental e em tradições espirituais do zen budismo, do

sufismo islâmico o no misticismo cristão.

Fig.: 59 - “The Veiling”, Bill Viola, (1995).

Fonte: urania-josegalisifilho.blogspot.com

Quando descobriu o vídeo em 1969, Viola começou a pensar a sua arte neste

meio e um fator interessante que o artista coloca é a similaridade do azul eletrônico

do vídeo com o azul da água que, em instâncias diferentes, promovem fluxos

semelhantes.

Na proposta de apresentar layers ou camadas de projeção com Personas

(fig. 59), trabalha os planos do espaço cênico para a interatividade do público.

Na obra “Three Women” (fig. 60), Viola transforma o corpo da Persona

utilizando a materialidade da água em forma de cortina, como um espelho,

representando o duplo, o dentro e o fora. Esta obra posiciona a plasticidade e a

textura da água como divisor (uma transição) entre o que está por trás (espelho

d’água) e o que está adiante dele (imagem presente), e é no meio termo que a ação

acontece, na intersecção entre os dois planos. A interferência material da água

muda o código visual, produzindo uma estética etérea do corpo da Persona.

21 VIOLA, Bill. Coletânea de obras. Disponível em: <https://www.billviola.com/> Acesso em: 20, ago, 2016.

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Fig.: 60 - “Three Women”, Foto: Kira Perov – Bill Viola, (2008).

Fonte: http://50years.sfzc.org/bill-viola/; www.huma3-archive.com; http://eyelevel.si.edu/2008/09/zen-and-the-

art.html e www.spectacles-selection.com

Viola fala sobre a fluidez da água e sua similaridade com os fluxos eletrônicos

e como os elétrons fluem no circuito, onde a corrente elétrica também flui de um

campo a outro. Nosso corpo também trabalha com essa fluidez do sangue pelo

corpo, das sinapses que enviam comandos do cérebro para o corpo, o som que se

propaga no espaço, onde todos esses fluidos são movimentos e o movimento é um

dos pontos estruturantes do trabalho de Viola.

Fig.: 61 - “Catherine’s room”, Bill Viola, (2001).

Fonte: http://www.gwarlingo.com/2014/practice-face-fear-work-make-art/

O foco conceitual de vida, transição e morte têm sido o aporte das suas obras

e os elementos principais - água, ar, fogo e terra - pronunciam-se em quase todos os

trabalhos como bases reais e físicas que preenchem o vazio do espaço, criando

uma ambiência na obra.

Na obra “The crossing” (fig. 62) de 1996 (performer: Phil Esposito) o artista

trabalha com a materialidade da água representada no vídeo, em que a água cai

sobre o performer promovendo uma estrutura real, apresentada na instalação ao

lado da segunda parte em que o mesmo performer está sobre a ação do fogo virtual

em uma montagem videográfica, portanto, real e virtual estão lado a lado em um

comparativo de sentidos para o público expectador.

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Fig.: 62 -The crossing”, Bill Viola, (1996).

Fonte: http://artelectronicmedia.com/artwork/the-crossing

3.6 Lawrence Malstaf

Lawrence Malstaf22 é um artista que trabalha com arte e tecnologia,

produzindo instalações artísticas e obras cenográficas. A produção de seus

trabalhos une a física e a tecnologia para envolver a materialidade e promover a

interação imersiva de seu público.

Na obra “Shrink” (fig. 63), Malstaf trabalha com a materialidade da Persona

que fica plastificada pelo vácuo, suspensa, tendo um tubo que leva o ar para o

performer da obra, e esse performer pode ser o próprio público, dependendo da

instalação.

A imposição para vivenciar a obra é de se manter inerte o máximo possível,

havendo um pequeno movimento, pois a sucção reposiciona a Persona no seu

espaço. A experiência e referência visual nos remetem à posição fetal no interior do

ventre materno.

Fig.: 63 - Fotos da obra SHRINK, 1995 de Lawrence Malstaf.

22 MALSTAF, Lawrence. Coletânea de obras. Disponível em: <http://lawrencemalstaf.com/info.html> Acesso em: 15, nov, 2016.

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Fonte: www.lawrencemalstaf.com

A performance ocorre com a imersão da um indivíduo qualquer (público ou

performer) que passa a ser a Persona, plastificada e inerte como um quadro

pendurado para ser visto e analisado (fig. 64 e 65). As linhas ou rugas que o vácuo

produz na Persona e no ambiente à sua volta, juntamente com os tubos

transparentes (um alimentador de ar e o outro sugador do ar), dramatizam a ideia da

figura fetal.

Fig.: 64- Local de instalação da obra SHRINK, Lawrence Malstaf, (1995).

. Fonte: www.lawrencemalstaf.com

A plasticidade desta obra traz a proposta de interiorização, mencionada em

uma de suas palestras, onde Malsfat23 proporciona ao público uma introspecção por

alguns minutos, fazendo de cada participante parte da obra.

Outra obra impactante para a ação do público é a “Mirror”.

Em uma sala escura com foco de luz sobre uma cadeira diante de um

espelho, o público é convidado a se sentar e apertar um botão que ao ser acionado

inicia uma vibração crescente e constante no espelho à sua frente, levando à

deformação total da imagem por alguns minutos. Ao final a imagem se estabiliza

desaparecendo e o que é visualizado é somente o espelho sem o reflexo do público

interator.

23 Palestra na primeira edição do FILE Solo no CCBB dia 22/07/2017

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Fig.: 65 - Apresentação no evento FILE - o borbulhar de universos, (2017).

Fonte: Fotografia Rita Varlesi, 2017.

3.7 Adrien Mondot & Claire Bardainne

Os artistas Adrien Mondot & Claire Bardainne trabalham em conjunto com

uma equipe de designers e programadores, entre outros especialistas contratados a

cada obra desenvolvida, que elaboram suas criações artísticas digitais.

Fig.: 66 – Hakanaï, Adrien Mondot & Claire Bardainne, (2013).

Fonte: http://www.am-cb.net/

“Hakanai” (fig. 66) é um projeto que trabalha a “impermanência das coisas”24,

relações oníricas que se modificam a qualquer instante e a possibilidade da

interação do performer/dançarino com o espaço digital intensifica essa dinâmica

onírica.

O cenário da obra “Cinématique” (fig. 67) dialoga com os movimentos

corporais por meio de linhas, pontos e letras, e este espaço “abraça os corpos e o

24 MONDOT, Adrien & BARDAINNE, Claire. Coletânea de obras. Disponível em: <http://www.am-cb.net/> Acesso em: 20, ago, 2016.

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gesto”, trazendo uma dinâmica à cena que provoca a interação visual do ator com o

espaço digital.

Fig.: 67 - Cinématique, Adrien Mondot & Claire Bardainne, (2010).

Fonte: http://www.am-cb.net/

Na obra “Le mouvement de l’air” (fig. 68), a relação pendular em que o

dançarino tem seu corpo projetado no espaço em constate interação com a estrutura

digital promove a dinâmica deste ambiente.

Fig.: 68 - “Le mouvement de l’air”, Adrien Mondot & Claire Bardainne, (2015).

Fonte: http://www.am-cb.net/

A obra “Nuées Mouvantes” (fig. 69) foi elaborada para compor uma instalação

imersiva “XYZT - Les paysages abstraits”, envolvendo a criação de softwares que os

artistas desenvolveram em equipe. Para o trabalho “Nuées Mouvantes”, uma das

obras pertencentes à instalação, foi desenvolvido um programa eMotion que

possibilitava captar os movimentos do público copiando a sua forma e seu

movimento naquela espacialidade com uma projeção digital, onde a animação imita

os movimentos do mundo físico.

A instalação promove uma jornada sensorial ao público, num espaço

minimalista e onírico, que abre experimentos em torno da síntese de movimentos,

representações anamórficas e paisagísticas criadas por paradoxos matemáticos.

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Fig.: 69 - Obra “Nuées Mouvantes” - Adrien M. e Claire B. - 2011 - 2015

https://www.am-cb.net/projets/xyzt-les-paysages-abstraits

Todos os trabalhos destes artistas traçam um paralelo entre o analógico e o

digital, onde a ambiência promove uma interação especular entre os dois meios.

3.8 OpenEndedGroup

Outro grupo citado é o “OpenEndedGroup” composto pelos artistas, Paul

Kaiser e Marc Downie, entre outros colaboradores, que desenvolvem trabalhos

digitais em artes para diversos segmentos como dança, teatro, cinema,

comunicação entre outros.

Fig.: 70 - Hand-drawn Spaces, Eshkar e Kaiser, (1998/2009).

Fonte: http://openendedgroup.com/artworks/hds.html

O trabalho do grupo aborda ações digitais como; renderização 3D não-foto

realística25, movimento corporal por captura e autonomia de inteligência artificial nas

obras dirigidas ou assistidas.

Trabalhando a espacialidade arquitetônica em camadas digitais, elaboram um

diálogo da Persona com o ambiente que é construído pela Persona digital (fig. 70,

71 e 72), por meio da dinâmica das cores e formas soltas e concomitantemente

ligadas, elaborando uma Ambiência Digital que ao mesmo tempo está à frente do

espectador e também o envolve em uma imersão a um novo espaço virtual.

25 OpenEndedGroup. Coletânea de obras. Disponível em: <http://openendedgroup.com/index.html> Acesso em: 25, set, 2017.

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Fig.: 71 - Ghostcatching, Digital Incarnate, de Bill T. Jones, Paul Kaiser, e Shelley Eshkar

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=aL5w_b-F8ig

OpenEndedGroup executou trabalhos com Merce Cunningham26 com o

software DanceForms e com captura de movimentos e desenvolveram o “Biped” (fig.

73) dirigido por Cunningham em 1999.

Fig.: 72 - After Ghostcatching, uma versão estereoscópica, colaboração entre Bill T. Jones e OpenEndedGroup.

Fonte: http://openendedgroup.com/index.html

“Biped” foi trabalhado com a captura de movimentos utilizando a tecnologia

digital em que dois bailarinos foram coreografados em 7027 poses digitalizadas,

animadas por linhas, pontos e sinais gráficos que compuseram a obra juntamente

com a música de Gavin Bryars. Utilizaram o software “DanceForms” para

desenvolver a coreografia digital para a dança.

Fig.: 73 - “Biped”, Merce Cunningham e OpenEndedGroup

Fonte: http://openendedgroup.com/index.html

26 CUNNINGHAM, Merce. Coletânea de obras. Disponível em: <https://www.mercecunningham.org/merce-cunningham> Acesso em: 25, set, 2017. 27 OpenEndedGroup. Coletânea de obras. Disponível em: <http://openendedgroup.com/index.html> Acesso em: 25, set, 2017.

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Capítulo 4

Objeto estético na Ambiência: o processo criativo das Personas de Rita Varlesi

4.1 “Atame” – Livro-arte – 2003

4.1.1 O experimento

Em 2002 quando cursava o mestrado em semiótica com algumas aulas sobre

o estudo da imagem digital, resolvi testar a visualidade do scanner como dispositivo

de captura de imagens de modo não convencional ao que a máquina propunha

(representar o real digitalmente e planificado através da luz incidente sobre o objeto

disposto na mesa de scaneamento). O trabalho consistia em scanear o corpo em

movimento diante do visor do scanner e verificar o resultado visual obtido pela

varredura do leitor óptico sobre a imagem tridimensional (fig. 74,75). O objetivo era

saber qual resposta visual aquela tecnologia iria proporcionar lendo uma imagem em

movimento, sabendo-se que seu funcionamento não objetivava essa ação, ou seja,

pesquisar como o “olhar da máquina” captaria o movimento.

Fig.: 74 - Lâmina 11 – Scaneamento com movimentos da performer - 2002.

Fonte: Arquivo da autora

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A proposta era levantar dados de como o scanner com sua função inicial de

leitura estática iria configurar uma imagem em movimento. O resultado foi a

formação de imagens com alterações visuais de acordo com a velocidade dos

movimentos desenvolvidos diante do visor do scanner.

As imagens obtidas nos movimentos contínuos e em menor velocidade

revelavam pequenas deformações anamórficas e nos movimentos mais bruscos e

pausados, o resultado das imagens foi de cortes com menor e às vezes nenhuma

deformação, propondo uma leitura em faixas segmentadas de imagens. A relação

ocorria através do tempo e do movimento performado na frente do scanner.

Fig.: 75 - Lâmina 15 – Scaneamento com movimentos da performer - 2002.

Fonte: Arquivo da autora

No trabalho, o tempo e o movimento do corpo promoviam a distorção da

imagem de acordo com a direção vertical da leitura do scanner, compondo uma

imagem linear na captação da forma e do movimento que proporcionava a inscrição

do tempo na imagem captada e ao mesmo tempo planificava o movimento operando

uma anamorfose28 no resultado final daquela Persona. Os cortes nítidos na

presença dos movimentos mais bruscos configuravam-se em uma tecnologia que

aparentava a sua escritura de varredura de linhas.

Segundo Machado (1997, p. 58) o conceito de anamorfose (fig. 76) refere-se: 28 Imagem deformada de um objeto, dada por um espelho curvo ou por um sistema óptico não esférico, bem como pelos aparelhos de raios X (deformação cônica das sombras). Fonte: https://www.dicio.com.br/anamorfose/

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[…] as técnicas clássicas de anamorfose consistem num deslocamento do ponto de vista a partir do qual uma imagem é visualizada, sem eliminar, entretanto, a posição anterior, decorrendo daí um desarranjo das relações perspectivas originais. […] Com a generalização do termo, o conceito passa a abranger também toda e qualquer distorção do modelo “realista” (leia-se “renascentista”) em representação figurativa, tais como as deformações resultantes da reflexão de uma imagem numa superfície distinta (por exemplo: a reflexão de uma imagem plana num espelho convexo).

Fig.: 76 - Imagem de um desenho planificado anamórfico. “Charles I” (Post 1649)

Fonte: foto do livro - Anamorfic Art de Jurgis Baltrušaitis. pág.: 107.

Os processos fotográficos de captação de imagem tiveram como objetivo em

seus primórdios obter o instante congelado do tempo, o estático que representasse

as formas de modo coerente e o mais fiel ao natural dos objetos e pessoas, como

uma suspensão do tempo de modo documental.

Contando com as questões ópticas das câmeras, os fotógrafos ao longo da

história passaram a vivenciar possibilidades técnicas do “olhar” pelas lentes que com

o avanço da tecnologia ampliaram as possibilidades de representação da imagem.

Capturar o instante passou a ter, na abertura do diafragma, na velocidade do

obturador, na sensibilidade dos suportes de base (vidro, metal, película) e nos

processos químicos, muitas possibilidades estéticas para a reprodução das

imagens. Um dos caminhos possíveis foi o de captar o movimento.

As primeiras câmeras em virtude do tempo de exposição da fotografia exigiam

do elemento retratado que mantivesse uma pose imóvel por um longo período, pois

caso contrário, a imagem ocasionaria um “defeito”, um borrão que desconfiguraria a

condição de “suspensão do tempo” - termo de Machado (1997, p. 61) - ao qual o

invento fotográfico se incumbiu de prover no início da sua utilização.

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Depois as câmeras, no constante avanço tecnológico, passaram a ser mais

rápidas na captação do instante e duplamente possibilitavam captar o movimento,

resultando em imagens deformadas propositalmente, em que o resultado segundo

Machado (1997, p. 61) chamamos de “anamorfoses cronotópicas”.

O princípio básico do cronotopo fotográfico reside na elasticidade do conceito de instante: considerando o tempo como um desenrolar de eventos, a fotografia surge como algo que se interpõe nessa sucessão, para fixar um intervalo. […] Isso quer dizer que em toda imagem fotográfica há necessariamente inscrição do tempo. (MACHADO, 1997, pág. 61 e 62)

A essa elasticidade do tempo na representação fotográfica podemos

selecionar dois enfoques: um do tempo instantâneo, que congela a imagem em

menos de um segundo, e o outro do tempo cronológico alongado que inscreve uma

anamorfose na imagem. Esta diferença temporal da captação das imagens está

pontuada na escolha estética que se faz do seu uso e da possibilidade de se obter o

instante “eternizado” na imagem fotográfica.

Ao unir tempo e espaço em uma representação visual estática, em que o

percurso do instante deste tempo esteja configurado na imagem, proporciona-se a

esta um diferencial que une os elementos em uma narrativa visual. Na obra “Atame”

a configuração cria uma nova Persona pela representação técnica do dispositivo.

Nesta conformação do tempo inserido na obra, podemos considerar a

materialização deste tempo como a quarta dimensão do espaço representado no

scaneamento com movimentos performáticos.

Como exemplo de pesquisa que busca a imagem anamórfica que

compreende o movimento/tempo, temos o fotógrafo e professor Andrew Davidhazy,

citado por Machado (1997, p. 63) que desenvolveu um dispositivo fotográfico para

captar o tempo em fotogramas. Desse trabalho obteve como resultado anamorfoses

cronotópicas semelhantes (fig. 77 e 78) ao scaneamento planificado.

Fig.: 77 - Cromo periférico precoce – estudos de Andrew Davidhazy.

Fonte: Arquivo pessoal do autor.

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O seu trabalho de pesquisa ao longo dos anos foi o de criar novos inventos ou

adaptações aos dispositivos de captação imagética, e um deles foi a adaptação de

um scanner a uma câmera fotográfica, proporcionando a captação do movimento e,

por conseguinte a inscrição do tempo na fotografia. Esse scanner possibilitava a

inscrição de um tempo contínuo na resposta anamórfica do fotograma, diferente do

scanner que utilizei em minha pesquisa na obra “Atame”, que em alguns momentos

registrava o anacronismo e em outros, seccionava a imagem com cortes verticais

pontuais.

Fig.: 78 - Foto periférica com câmera digital improvisada (modelo: Sarah) – estudos de Andrew Davidhazy.

Fonte: Arquivo pessoal do autor.

A proposta de distorção, na obra “Atame” ocorre na desconstrução da figura

por meio dos cortes do scanner e da anamorfose das imagens que resultam da

linguagem tecnológica do scanner utilizado.

Na leitura do scanner, o leitor óptico opera da seguinte forma:

É feito uma leitura por varredura de linhas, com uma lâmpada que percorre o

visor do scanner no sentido vertical e incide a luz no elemento sobre o visor, sendo

essa refletida para uma lente ligada a um sensor de captura de imagem. Esse

sensor é o CCD (Charge-coupled Devices) com luz fria ou o CMOS (Complementary

Metal Oxyd Semiconductor) com luz LED, formados por cristais semicondutores que

convertem a luz em carga elétrica. A luz é acumulada em uma placa e em seguida

terá no software ORC (programa de reconhecimento óptico de caracteres) a

conversão da imagem para a linguagem digital e posteriormente para a impressão.

Com as mudanças tecnológicas na obtenção de imagens, os scanners atuais

não promovem mais esses cortes nítidos como os obtidos na obra “Atame” (fig. 80).

Portanto, a resposta visual obtida em “Atame” parte da tecnologia desenvolvida para

os scanners e do modelo utilizado no período de desenvolvimento da obra.

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Essa referência inscreve no trabalho uma intervenção visual que o constitui a

partir das potencialidades do scanner utilizado. Partindo desta resposta, podemos

analisar que a concepção do tempo inscrito no trabalho ocorre de dois modos: na

anamorfose captada no movimento do corpo no tempo do scaneamento e na

linguagem de cortes resultante de um tempo tecnológico do scanner.

Hoje a reprodução tecnológica de um scanner resulta em anamorfoses

contínuas, como no exemplo da fig. 79 a seguir.

Fig.: 79 - Teste de scaneamento com movimentos em scanner atual - 2018.

Fonte: Arquivo Rita Varlesi.

[…] o tempo como uma categoria que tem uma expressão sensível, que se mostra na matéria significante e que pode, portanto, ser modelada artisticamente. Em termos estritamente semióticos, o tempo surge então como um elemento transformador, capaz de abalar a própria estrutura da matéria, de comprimi-la, dilatá-la, multiplicá-la, torcê-la até o limite da transfiguração. (MACHADO, 1997, p. 59-60)

Seguindo a consideração de Machado, pressupõe-se que este estudo

artístico dos escaneamentos tenha inscrito o tempo na materialidade da obra

“Atame”.

O scanner ao captar a performance transformou o tempo e o movimento

(interação do corpo no espaço) em uma imagem estática, deformada e segmentada,

propondo a construção de uma nova estrutura visual que passou a ser um objeto

estético, uma Persona.

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Fig.: 80 - Lâmina 08 – Scaneamento com movimentos da performer - 2002.

Fonte: Arquivo Rita Varlesi.

Os cortes do scanner apresentam “pedaços do corpo” como uma colagem

(fig. 80 e 81), e em uma tentativa de leitura destes fragmentos, por uma sequência

de movimentos entrecortados, nos deparamos com a pregnância da forma na

identificação total da Persona.

Arnheim (1989, p.35) discorre sobre a configuração da Gestalt, na

interpretação da forma das imagens:

Por exemplo, a maneira pela qual é visto um determinado padrão depende (a) da configuração do estímulo e (b) das tendências formadoras do sistema nervoso, enquanto distintas dos efeitos dos interesses, experiências passadas ou escolhas fortuitas do observador específico. […] A psicologia da Gestalt estava largamente ligada à “natureza humana” - como o homem percebe, como cresce, como compreende. […] A lei básica da Gestalt descreve uma luta, inerente às entidades físicas e psíquicas, em direção à estrutura mais simples, mais regular e mais simétrica alcançável em determinada situação.

Nessa leitura da obra “Atame”, a Gestalt nos conduz pelo padrão de

repetições que mesmo desordenadas em sua visualização anamórfica e

segmentada, têm uma direção e sequência de padrões que nos encaminha

visualmente para a leitura do todo.

É uma elaboração que se faz em conjunto com o dispositivo formando a

“imagem-movimento” em que seu resultado proporciona uma visualidade da

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Persona, com interferências de espaço-tempo, obtidas da potencialidade do

scanner.

Fig.: 81 - Lâmina 05 – Scaneamento com movimentos da performer - 2002.

Fonte: Arquivo Rita Varlesi.

Sobre a materialidade da obra e sua proposta, inicialmente houve o processo

de apreensão da imagem pela captura do scanner, proporcionando deformidades e

segmentações na Persona. Esse experimento foi feito em 16 imagens únicas nas

quais os movimentos e feições elaborados na performance buscavam apresentar

uma estética de dor e êxtase.

4.1.2 O livro-arte

Seguindo o processo, ao apresentar essas imagens para Wilton Azevedo,

“artista multifacetado”, professor doutor em poéticas digitais, artista das artes

plásticas e gráficas, músico, poeta e escritor, este propôs que fizéssemos um

trabalho em conjunto, pois havia recebido um convite para participar da Wandering

Librarie, evento que fazia parte da 50a Bienal de Veneza em 2003, sob a curadoria

de Caterina Davinio.

O trabalho a ser apresentado consistia em montar um livro-arte para ser

exposto ao público e como Azevedo já havia feito um poema - “Atame” - há algum

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tempo, propôs que uníssemos as imagens scaneadas ao poema porque havia uma

contextualidade que assemelhava as imagens à narrativa poética e, portanto,

teríamos uma construção visual e textual interessante para montagem do livro.

Poema “Atame” de Wilton Azevedo:

Atame Com a vida Na garganta E dissimula

Um sussurro frouxo Que diz

Morte para Os que tem prazer

Venha aqui E corte meus

Pulsos com teus Lábios

Se cobras Tanto assim

Ajuda-me a desfazer O leito que

A pouco jaz hesitado Quase morto

Por você não compreender Que sou humano

Dei margem ao outro Dissimulei o ódio

E o ciúmes Esta pena de morte

Dos covardes A força do abruptos A gilete dos fracos

E a indiferença De quem não te olhou

E me sentei Em um sofá

Antes de voltar para casa Dissimulei novamente o ócio

Da semente atada Atame

E não me digas Que me ama Porque quero

Voltar sem remorso Do pouco que Resta na mira

Dos fracos Aponte-me uma saída

Com os dedos Dos teus pés

Lânguidos dos caminhos Raros como

Atar a si mesmo Significados frouxos

Atame Do que não significo Faça amor comigo

Só por intelecto Cuspa no prato

Que não comemos Por falta de sinceridade

Léxico da escritura Que te pertence

Analfabeta Por atar Apenas

Sedução Charme

E Compaixão

Dos inofensivos

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Para a composição do livro escolhemos 12 imagens scaneadas que melhor

se conectavam com o poema e iniciamos a construção física da obra.

As imagens impressas foram novamente digitalizadas, porém sem nenhuma

intervenção de software que modificasse a estrutura original destas. Neste processo

foi inserido o texto do poema, com as quebras dispostas em cada lâmina de imagem

de modo a estabelecer o entendimento textual de início e fim em cada página do

livro. Essa proposta foi estabelecida para que a leitura pudesse ser feita de modo

não linear, pois o livro seria composto de lâminas (páginas) soltas para compor uma

hipertextualidade na obra.

O livro “Atame” foi elaborado em lâminas de acetato rígido adesivadas com as

imagens e o poema, acompanhado de uma mesa de luz que permitia a leitura das

sobreposições de suas transparências.

Fig.: 82 - Lâminas – Livro-arte “Atame” - 2003.

Fonte: Arquivo Rita Varlesi.

Em uma menção ao digital na sua potencialidade de caminhos hipertextuais e

leituras não-lineares, pensamos em montar o livro com lâminas soltas para que as

sobreposições pudessem proporcionar vários caminhos de entendimento visual e

textual, já que o texto do poema de Azevedo possibilitava ser lido em partes com

junções aleatórias para a compreensão da linguagem poética ali inserida.

O tipo de material escolhido juntamente com a concepção das imagens, o

poema elaborado e a interação na leitura do trabalho pelo público de modo

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interventivo, proporcionavam um livro-arte com a dinâmica dos meios digitais em

que a forma como as lâminas eram posicionadas ou lidas possibilitavam um

hipertexto poético e a leitura visual operava como um palimpsesto de imagens

sobrepostas em uma mesa de luz.

Fig.: 83 - Lâminas – Livro-arte “Atame” - 2003.

Fonte: Arquivo Rita Varlesi.

O hipertexto, termo criado por Theodor (Ted) Nelson em 1963 - antes da

WWW (World Wide Web) por Tim Berners-Lee, propunha uma estrutura de links

interativos entre conteúdos que se complementavam em várias mídias como: textos,

vídeos, imagens estáticas, sons, músicas entre outros que comporiam uma estrutura

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hipermídia, por interfaces. O objetivo era compreender todo o conhecimento possível

para tornar acessível a informação para todos. Este estudo propõe uma estrutura da

web, com algumas diferenciações da atual, na forma de apresentar as informações e

em 1972 foi iniciado com o projeto Xanadu29.

A proposta de hipertexto pertence às mídias digitais interativas, porém a

materialidade das mídias gráficas/textuais também utilizam-se desta possibilidade de

movimento e interação para tornar seus meios mais dinâmicos e atraentes para o

público leitor. Um exemplo disso é o livro de Júlio Cortázar, “O jogo da amarelinha”

de 1963, em que o trânsito textual caminha não-linearmente pela estrutura do texto,

apresentando uma modalidade interativa na leitura da narrativa.

A propósito do uso hipertextual, as artes gráficas e plásticas se apoderaram

desta potencialidade promovendo o uso de sensores sonoros em anúncios

publicitários impressos entre outras modalidades interativas como abordado em

minha dissertação.

A obra “Atame” (fig. 82, 83, 84) enquanto livro-arte apoiou-se nas estruturas

do hipertexto para construir uma narrativa poética, dinâmica, interativa, não-linear e

com uma plasticidade visual a ser construída na visualidade interativa do público.

Fig.: 84 - Lâminas – livro-arte “Atame” - 2003.

Fonte: Arquivo Rita Varlesi.

29 http://xanadu.com/xuTheModel/

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4.2 “Atame – Angústia do precário” - mídia interativa.

O processo criativo de “Atame - Angústia do Precário” (fig. 86) partiu do

conceito Interprosa que Azevedo criou após o lançamento do CD-ROM “Interpoesia”

(1998), em parceria com Philadelpho Menezes. A proposta do Interprosa era o

desenvolvimento de uma narrativa digital interativa e após a morte de Menezes em

2000, esta proposta ficou em suspensão até 2003 quando Azevedo identificou no

livro-arte “Atame” a oportunidade para retomar a narrativa digital – Interprosa.

Em 2003, Azevedo iniciou o roteiro e os poemas para a narrativa e me

convidou para desenvolver a personagem. O argumento da obra era pautado na

narrativa de uma mulher em primeira pessoa que conjecturava sobre relações

amorosas e existenciais, pela conexão de textos e poemas. A linha condutora da

narrativa trabalhava a ideia da personagem se auto scannear, e esse foi o enfoque

visual em que me apoiei para a elaboração da personagem.

Fig.: 85 - Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

4.2.1 Desenvolvimento das Personas.

O meu processo criativo de elaboração das Personas transcorreu na

caracterização da montagem física destas, na performance desenvolvida para a

câmera e na direção e produção dos vídeos e fotografias.

As imagens que inicialmente nasceram da estética do scaneamento

continuavam na narrativa onde minha ação de scanear o corpo passava agora a ser

a ação da personagem, da narradora da trama.

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A seguir, transcrevo um trecho do roteiro da narrativa “Atame – Angústia do

Precário” - Locução em off da personagem:

NADA ME RESTA!

NADA.

É ESTRANHO SABER QUE O ÚNICO BOTÃO QUE EU TENHO PRA APERTAR,

PODE CONTAR A HISTÓRIA DE UMA PAIXÃO.

MESMO QUE COM O TEMPO, ESTA MESMA HISTÓRIA VIRE FICÇÃO…

NÃO IMPORTÂNCIA!

NÃO TEM IMPORTÂNCIA ALGUMA!

Nesse caminho iniciei os estudos para compor estas novas Personas,

trabalhando agora os suportes da fotografia e da filmagem que possibilitavam usar

planos fechados em close-up com cortes e deformações pelo movimento da câmera

e/ou da performance. O objetivo era simular as imagens do scanner e ainda assim

construir uma nova estética aliada ao digital interativo.

A elaboração física das Personas partiu da construção de uma materialidade

erotizada caracterizada no figurino e na atuação performática.

As cenas foram produzidas com performances trabalhando os movimentos

corporais com enfoque na gestualidade facial e nos recortes visuais que pelas

filmagens e fotografias evidenciaram os detalhes do corpo com iluminação

apropriada para a construção da cena.

As filmagens foram trabalhadas com ângulos de câmera plongê30 e em planos

fechados em close-up de modo a captar uma atmosfera intimista explorando a

sensualidade feminina. Foram feitas algumas filmagens externas para compor o

cenário, mas as cenas das Personas foram realizadas em filmagens internas.

A elaboração de cada Persona foi pensada na plasticidade fotográfica e

videográfica de modo a compor uma unidade visual que ainda seria trabalhada 30CâmeraPlongê(mergulho)oucâmeraaltarefere-seaotermotécnicoquedefineoângulodecimaparabaixodacâmeraemrelaçãoaoobjetofotografadonaescolhadacomposiçãofotográfica.

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graficamente no software. A edição do trabalho, tanto a parte visual, quanto a sonora

ficaram a cargo de Azevedo que desenvolveu todo o processo de elaboração da

narrativa.

Os vídeos e as fotos produzidas tinham um processo semelhante ao do

trabalho da fotógrafa Cindy Sherman, no modo de me autofotografar e filmar. A

artista Sherman foi uma importante referência para o desenvolvimento do meu

trabalho na construção de Personas.

No período em que desenvolvi as Personas de “Atame - Angústia do

Precário”, ainda não conhecia a obra de Sherman, mas a identificação foi imediata

quando tomei contato com seu trabalho que influenciaram a minha composição

artística na construção de Personas, portanto cito a artista por sua genialidade de

performar com o olhar sobre o sujeito.

Fig.: 86 - Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

O processo de captação das imagens baseou-se em uma orientação visual

para elaborar as Personas (fig. 85), de modo a continuar a linguagem fragmentária

do livro-arte, explorando a potencialidade fotográfica e videográfica na captação das

cenas.

O trabalho tinha uma formatação hipertextual para atuar nas mídias digitais e

em apresentações artísticas. Os elementos que compunham a narrativa se

interconectavam nas diferentes linguagens (fig. 87). As Personas caminhavam pelo

universo feminino evidenciado no roteiro e nos textos poéticos, exaltando a

sensualidade feminina.

As Personas e as cenas foram planejadas de modo a obter na construção

imagética uma percepção do todo, em que as partes se completassem por

semelhanças nos padrões de formas, cores e movimentos.

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Captar partes do corpo propõe um enunciado de sedução como no

voyeurismo de olhar pela fechadura da porta (fig. 88). A descoberta do outro em seu

momento íntimo propõe nesta obra uma sensualidade explorada entre imagens,

sons, textos poéticos, música e narrativa.

O processo de filmagem e fotografia foi realizado com câmeras acionadas

com controle remoto e disparadores durante a execução de minha atuação

performática. Após cada take verificava a direção da cena e passava os vídeos

brutos e as fotos para Azevedo, que fazia a edição das imagens e juntamente com a

música e a locução elaborava a narrativa na mídia digital.

Fig.: 87 - Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

“Atame - Angústia do Precário” foi desenvolvido de 2003 a 2011 e

apresentado em vários formatos de exibição durante esse período. Na maioria dos

eventos sua apresentação era acompanhada de performances físicas e projeções

do trabalho, incluindo música e narrativa sonora.

Na primeira fase do trabalho, a construção visual foi feita pensando na

narrativa digital sendo gravada uma locução do texto e dos poemas por Thaís

Gonçalves, criada uma estrutura musical de fundo por Azevedo, a filmagem e as

fotografias das Personas e a finalização gráfica por Azevedo. Esse processo se deu

por alguns anos em que a cada apresentação as intervenções sonoras e visuais

eram modificadas de acordo com a estrutura do evento e o posicionamento artístico

de Azevedo. Esse trabalho poético percorreu países da América Latina, América do

Norte e Europa, acompanhado de palestras e workshops sobre o desenvolvimento

da obra.

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Fig.: 88 - Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

Em algumas apresentações eram acrescidas performances, às vezes com

dança, outras com canto e instrumentos musicais e também com locuções no palco.

Neste período, a criação das Personas continuava com experimentações

visuais e expandindo a proposta da obra, Azevedo amplificava o trabalho com as

sonoridades e convergências gráficas dos softwares utilizados.

O desenvolvimento das imagens no meio digital compreendia uma relação

gráfica e de orientação visual que pudesse encaminhar o olhar do público para as

ações hipertextuais. Citando um exemplo no layer (fig. 89) que em uma sucessão de

fotos promoviam a ação do movimento da língua, quando o mouse circundava a

imagem, acompanhado da escrita “lembrança” e deixava um rastro que se dissipava

na tela.

Fig.: 89 - Imagem das interfaces digital de “Atame – Angústia do Precário” com gráfico (seta em amarelo) que

simula o movimento do mouse.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

Em meados de 2009, Azevedo iniciou uma parceria com Savana Pace que

ajudou na formatação digital da obra que se transformaria em um CD-ROM. O CD-

ROM apesar de finalizado nunca foi produzido, o que não impediu o trabalho de ser

continuamente renovado e apresentado em forma de performance poética.

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Obra foi elaborada em softwares de edição de imagem, som e programação

interativa. A sua programação fechada foi elaborada para a interação do público

através de um totem interativo ou por CD-ROM.

Trata-se de uma narrativa digital (fig. 90), que apresenta uma locução em off

de modo facetado, que tem continuidade em cada hipertexto de acordo com a

interação do público.

Fig.: 90 - Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

Os poemas apresentam-se nas interfaces de modo animado promovendo

uma leitura em movimento de acordo com a interação nos elementos visuais

daquela interface.

Em cada interface a interação é diferenciada de modo a promover um

exercício de descobertas na navegação de cada hipertexto (fig. 91). As imagens em

movimento, o texto escrito, a música e a narração em off, compreendem uma

dinâmica de elementos que envolvem uma narrativa invadindo os sentidos, da visão,

da audição e do tato, buscando na ação de intervenção de cada indivíduo uma

leitura única e interpretação daquela ambiência.

Fig.: 91 - Obra “Atame - Angústia do Precário” - Wilton Azevedo - 2003 a 2009.

Fonte: arquivo de Rita Varlesi.

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4.2.2 Câmera parada – conceito de “Teatro de Arquivo”

Em uma outra fase da construção visual de “Atame - Angústia do Precário”

em 2005, propus uma filmagem com uma câmera parada em que a Persona

feminina encenava o dia a dia com o movimento de entrada e saída de cena (fig.

92), trabalhando as relações de tempo e espaço em que o enquadramento da cena

delimitava o que seria visualizado como em uma câmera de vigilância.

A narrativa se desenvolvia em um enquadramento da cena no qual o público

iria supor os acontecimentos da trama somente pelo que seria apresentado na

entrada e saída da Persona por aquele espaço.

A filmagem foi feita no período de 4 horas e a edição realizada por Azevedo

com sobreposições das cenas e inserção do elemento textual e gráfico, reduzindo a

2 horas. Esse trabalho tinha o propósito de constituir a ideia de rotina e redundância

naquela ambiência e também passou a ser base para a sobreposição de algumas

imagens nas apresentações, com a proposta de “teatro de arquivo”.

A proposta de “teatro de arquivo” que Azevedo desenvolveu consistia na

junção da captação de imagens e sons, compondo uma coletânea de informações

que poderiam ser utilizadas variadas vezes se combinadas e editadas a cada

proposta artística, gerando novas visualidades e sonoridades.

Fig.: 92 - Imagens das interfaces digitais de “Atame – Angústia do Precário”.

Fonte: Arquivo do autor - https://www.youtube.com/watch?v=jJIDn0nv3Ag&ab_channel=WiltonAzevedo

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Toda a estrutura de “Atame - Angústia do Precário” foi apresentada de

diversos modos: digital com performance em palco, digital interativo para o público

em eventos, performance com diferentes composições.

O modelo de apresentação com projeções virtuais feitas “ao vivo” tinha na sua

essência uma abordagem inédita a cada apresentação, com sons, locuções,

músicas e performances sempre novos, ligados às imagens que eram sobrepostas

em colagens visuais, mesclando vídeos das performances feitas durante o evento e

outros dos arquivos pré-elaborados (fig. 93). A obra era um acontecimento que se

dava ali no palco e seu ineditismo promovia construções diferentes a cada

apresentação.

O digital interativo de “Atame - Angústia do Precário” era por outro lado, uma

estrutura fechada em uma formatação hipertextual que tinha também o ineditismo na

não-linearidade interativa, mas a sua narrativa encerrava-se nas limitações de uma

mídia física como o CD-ROM, ou na possibilidade de atualizações da hipermídia (fig.

94). A sua comunicação ocorria em congressos, simpósios, entre outros eventos,

acompanhada da apresentação dos conceitos teóricos de Azevedo e como mídia

interativa foi apresentado ao público pela primeira vez no FILE – Festival

Internacional de Linguagem Eletrônica em 2010.

Fig.: 93 - Evento File – Festival de Linguagem Eletrônica – “Atame – Angústia do Precário” - performance de Raquel Rava.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

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Fig.: 94 - Storyboard da obra “Atame – Angústia do precário”.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

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Sobre as performances que acompanhavam as apresentações de “Atame -

Angústia do Precário”, foram realizadas enquanto apresentação poética, com leitura

de texto e poemas (Fernanda Nardi e Marcelo Martorelli), com apresentação de

canto (Rava), com performance artística e mapeamento facial (Adriane Gomes e

Rita Varlesi), com performance de instrumento musical - arpa (Dora Smék), com

performance artística (Nara Ciotti e Brenda Marques), entre outras. Junto a essas

performances havia também toda uma estrutura de cenário e iluminação que

compunham as apresentações sonoras e visuais, feitas em tempo real (fig. 95, 96 e

97).

Fig.: 95 - E-poetry em Chicago - performance de Brenda Marques - 2007.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

Fig.: 96 - File 2010 no teatro Cacilda Backer. Performance: Adriane Gomes, Dora Smék, Fernanda Nardi e

Marcelo Martorelli. Projeção: Ricardo Botini - 2010.

Fonte: Fotos Ligiane Braga.

Fig.: 97 - Apresentação no Actamedia 5 [in verso] – Rita Varlesi e Savana Pace - 2006.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

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99

4.3 O experimento Persona Andrógina.

Depois do desenvolvimento destas Personas femininas para “Atame” (livro-

arte) e “Atame - Angústia do Precário” iniciei uma pesquisa sobre a construção de

uma Persona andrógina utilizando a máscara da pantomima e a expressividade do

rosto como base para uma exteriorização, tendo como referência o teatro-dança

Butoh.

O foco da pesquisa estava na produção gestual facial e para isso foi

desenvolvida uma plasticidade com a maquiagem inicialmente branca, apresentando

uma máscara neutra com possibilidades de construção visual (fig. 98 e 99). Essa

máscara tinha como princípio simbolizar uma passagem na transição de gêneros da

Persona. Os primeiros estudos visuais que desenvolvemos foram projeções em que

um vídeo com outras imagens faciais também deste rosto desenhariam um duplo

digital com inserções gráficas de formas e textos elaborados no software. Neste

processo usávamos uma metalinguagem no vídeo do vídeo, e na face da face.

Fig.: 98 - Performance videográfica com projeção de vídeo.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

Depois, utilizando maquiagem que ressaltava detalhes de olhos e boca, como

na pantomima de Marcel Marceau, explorei a gestualidade dos movimentos faciais

de modo a repetir expressões básicas da mímica somente com movimentos dos

olhos e da boca, com objetivo de não movimentar a cabeça para obter uma boa

sobreposição na finalização do software.

É que a verdadeira poesia, quer queiramos ou não, é metafísica, e é seu próprio alcance metafísico, eu diria, seu grau de eficácia metafísica, que constitui todo o seu verdadeiro valor. … E fazer a metafísica da linguagem, dos gestos, das atitudes, do cenário, da música sob o ponto de vista teatral é, ao que me parece, considerá-los com relação a todas as formas que eles podem ter de se encontrar com o tempo e com o movimento. (ARTAUD, ano, p. 44 e 46)

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Fig.: 99 - Performance videográfica com projeção de vídeo e interferência gráfica por software.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

4.3.1 “Volta ao Fim”- obra de Wilton Azevedo e Alckmar dos Santos.

Quando Wilton Azevedo e Alckmar dos Santos me convidaram para

desenvolver a personagem do conto “Volta ao fim” de Alckmar, pensei em continuar

com a proposta de Persona andrógina e conversado com os autores iniciamos o

trabalho de filmagem.

O trabalho consistia em desenvolver uma Persona para projeções em tela

plana, com mapeamento de tela e tridimensional em uma escultura no formato de

cabeça.

O mapeamento ou mapping consiste em uma programação em um software

específico para modelar a imagem plana de um vídeo bidimensional em outros

planos: bidimensionais com recortes, ou tridimensionais. Esse trabalho foi

desenvolvido por Lucca del Carlo e consistia em diferentes mapeamentos (fig. 100)

de acordo com o local das apresentações e pela disposição das projeções. As

apresentações realizadas na cidade de São Paulo-capital, que tiveram o uso desse

mapeamento, ocorreram na Livraria da Vila – unidade Fradique (com a participação

de Francis Mainardi) e na Oficina Cultural Oswald Andrade. Fig.: 100 - Fotos de escultura mapeada por Lucca Del Carlo com vídeo performance de Rita Varlesi.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

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A elaboração do cenário, montagem e iluminação para as apresentações

ficavam sob minha responsabilidade. É importante destacar que a temporariedade

do texto era transportada para a peça pelas marcações do espaço nos quais seriam

projetadas as imagens poéticas de acordo com cada capítulo do texto, e a

iluminação era elaborada marcando com cores os momentos do texto que

representavam o percurso da vida do narrador (fig. 101, 102 e 103).

Fig.: 101 - Evento “Volta ao Fim” - apresentação na Livraria da Vila – unidade Fradique.

Fonte: Foto Rita Varlesi.

Fig.: 102 - Evento Volta ao fim - Apresentação na Casa das Rosas.

Fonte: Foto Alan Azevedo.

Fig.: 103 - Evento “Volta ao Fim” - apresentação na Oficina Cultural Oswald Andrade (2011).

Fonte: Foto Rita Varlesi.

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A personagem do conto era do gênero masculino, porém a minha Persona

promovia uma ponte entre a performance na leitura do conto pelo autor do texto

(Alckmar dos Santos) e a composição sonora e visual de Azevedo em que a

androgenia da Persona apresentava a temporariedade da narrativa textual, no

enfoque poético da apresentação da obra.

A plasticidade gráfica da edição de Azevedo propiciou vida à Persona por

meio de sua máscara pantomímica para essa peça (fig. 104 e 105). O trabalho

utilizou o teatro de arquivo com as projeções no rosto branco que também fizeram

parte da obra “Eletroacáustica” e foram elaboradas novas filmagens, pensando no

vídeo que seria mapeado na escultura.

A cena captada nas fotos e nos vídeos era sempre em close-up para reforçar

os gestos faciais que produziam movimentos de modo repetido, trabalhando a

redundância e seguindo a locução do texto. O trabalho bruto foi encaminhado a

Azevedo que editou e filtrou as imagens de modo impactante, acrescentando o

elemento gráfico e sonoro às imagens.

Fig.: 104 - Performance videográfica com projeção de vídeo e interferência gráfica por software.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

Em algumas apresentações da peça, tivemos reformulações visuais de

acordo com os espaços físicos em que a obra seria apresentada, porém a estrutura

da peça tinha um percurso a ser seguido de acordo com os capítulos do texto, em

uma linearidade textual, mas com a intervenção não-linear de Azevedo que

“performava” as imagens e sons ao vivo, de modo que cada apresentação, um novo

espetáculo era apresentado.

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103

Fig.: 105 - Performance videográfica com projeção de vídeo e interferência gráfica por software.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

O trabalho foi apresentado em formato de mapeamento exterior (fig. 106) em

via pública no evento “Vídeo Guerrilha”31, organizado pela Visual Farm, e nesse

evento foi utilizada a proposta de teatro de arquivo.

Fig.: 106 - Projeções mapeadas em vias públicas - Evento Vídeo Guerrilha - Rua Augusta - 2012.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

As Personas desenvolvidas ao longo desses 16 anos proporcionaram um

aprendizado único em que a construção artística se faz em pares e em trocas.

4.4 A Persona no projeto In-Finitude

Após 13 anos de trabalhos desenvolvidos sobre o objeto estético, com o

aprendizado na relação de troca da obra artística de Wilton Azevedo, tencionei que

minha Persona deveria expandir na busca de uma continuidade conceitual.

31 Evento púbico de projeção em grandes formatos, que acontecia da Rua Augusta, com participação de vários artistas nacionais e internacionais, com estruturas de participação interativa do público.

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104

Em 2015 ao ingressar no doutorado do Programa de Pós-Graduação em

Educação, Arte e História da Cultura, desenvolvi um projeto chamado “In-Finitude”

no qual a proposta era unir a minha Persona ao trabalho de outros artistas

convidados como coautores que pudessem contribuir na construção imagética da

temática “transição da vida e morte do corpo e do objeto”, objetivando a elaboração

de instalações artísticas que propusessem um diálogo entre Personas e ambiências

analógicas e digitais.

Apesar deste percurso de pesquisa não ocorrer da forma como pretendia, foi

possível realizar uma parceria com o fotógrafo Prof. Dr. Ângelo Dimitre para

desenvolver um ensaio fotográfico e a filmagem da minha performance; a contínua

parceria de Azevedo na parte digital e sonora e a colaboração da Profa. Dra. Regina

Lara no novo aprendizado e ensino da arte em vidro.

A primeira etapa do trabalho em “In-Finitude” foi desenvolvida em três

linguagens: fotografia, performance digital e escultura em vidro, de maneira que se

fundissem em uma única ambiência. Essa etapa foi desenvolvida em 2015 e 2016

4.4.1 Fotografia, vídeo e performance em “In-Finitude” O trabalho fotográfico consistiu na captação de imagens mortuárias no

Cemitério da Consolação, objeto estético este que seria fundido às esculturas em

vidro na forma de lápides para uso em instalação artística. Naquele momento me

deparei com as impossibilidades materiais das quais dispunha para realizar o projeto

almejado. Para tanto, desenvolvi esculturas em placas de vidro que comporiam a

instalação artística das lápides e aguardei o processo de pesquisa sobre os

materiais que poderiam ser submetidos à queima junto ao vidro ou uma adaptação

de materiais para a proposta do projeto. Ainda trabalhando sobre a pesquisa,

debruço-me sobre processos fotográficos antigos – colódio úmido32 - retomando esta

parte do projeto para a finalização das esculturas no decorrer deste ano (2018).

Algumas imagens captadas no cemitério foram trabalhadas de modo a propor

a ideia de movimento, outras a ausência ou excesso de luz (fig. 107). Essa parte do

32 Colódio úmido é uma técnica antiga de foto positiva em vidro

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105

trabalho fotográfico foi desenvolvida junto ao fotógrafo e colega de estudos do

LHUDI33, Prof. Dr. Ângelo Dimitre.

Fig.: 107 - Fotos do cemitério da Consolação - Rita Varlesi e Ângelo Dimitre - 2015

Fonte: Arquivo de Rita Varlesi e Ângelo Dimitre.

A proposta fotográfica era captar signos imagéticos que descrevessem os

locais referenciais de morte de pessoas e objetos e, portanto, iniciamos com os

cemitérios de pessoas e carros. O desenvolvimento fotográfico dos cemitérios de

automóveis (fig. 108) foi feito somente por mim.

Concomitante à captação das fotografias, iniciamos o processo de

performance digital com a captação de imagens fotográficas e videográficas (fig.

109). Nesse processo desenvolvi a performance e Dimitre a filmou e fotografou.

Passamos as imagens brutas para Azevedo que iniciou os trabalhos digitais junto

aos softwares com intervenção sonora (Azevedo já havia criado uma música para o

“In-Finitude”).

33 LHUDI – Laboratório de Humanidades Digitais criado pelo prof. Dr. Wilton Azevedo na UPM - Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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106

Fig.: 108 - Fotos do cemitério de automóveis de Capão Bonito - Rita Varlesi – 2017.

Fonte: Arquivo de Rita Varlesi.

A música desenvolvida por Azevedo para “In-Finitude” foi utilizada junto ao

software promovendo uma interferência sonora no grafismo estabelecido para as

imagens do trabalho. Nesse período Azevedo também produziu o vídeo “Vanish

Face”, com o material da performance.

Fig.109 - Fotos de Ângelo Dimitre, layers com intervenção digital por Wilton Azevedo e performance de Rita Varlesi.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

QRCode que direciona para o link da obra “Vanish Face”:

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107

O corpo virtual da performance da Persona simula movimentos por meio de

formas diferenciadas, de acordo com a sonoridade da música, e se confunde com o

enviroment de modo a construir uma significação única no ambiente digital.

O estudo anamórfico também foi utilizado no “In-Finitude”, para produzir

imagens sobrepostas deformantes pela junção do vídeo duplicado em

sincronicidades diferentes (fig. 110), resultando uma deformação em movimento

aqui apresentada em frames. Este trabalho será finalizado com a união do texto ao

vídeo sonoro.

Fig.: 110 - Vídeo de Ângelo Dimitre e intervenção de software Wilton Azevedo.

Fonte: Arquivo pessoal de Azevedo.

A anamorfose pode ser observada nos trabalhos em movimento como no

filme de Zbigniew Rybczynski artista polonês que operava a imagem em captação

com velocidade reduzida do vídeo, pela varredura das linhas horizontais deste e do

delay de cada frame. A sua obra, “A quarta dimensão” (fig. 111) apresenta esse

processo em vídeo.

Fig.: 111 - "The Fourth Dimension"– trecho do vídeo anamórfico de Zbigniew Rybczynski, 1988.

Fonte: http://www.zbigvision.com/

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108

“A Quarta Dimensão” mostra um casal e vários objetos em movimento, simultaneamente, no tempo e no espaço. As imagens são divididas em linhas, mais precisamente 480, em que a cada frame é aplicado um delay de uma linha. Assim, depois de 480, linhas a cabeça do personagem está virada, e seus pés continuam na posição original, o que provoca um desdobramento do tempo e do espaço. O tempo- espaço da imagem é modificado com a expansão do período, percebido através do processo do delay repetitivo das linhas. O presente e o passado ficam representados no mesmo frame. (GOETJEN, p. 65)

O fotógrafo Davidhazy, citado no início deste capítulo, também aborda a

anamorfose por varredura de linhas de movimento, porém sua pesquisa é elaborada

na fotografia, por meio da manipulação de câmeras fotográficas que produzem o

mesmo efeito do vídeo, porque trabalham com a captação incidente da luz. Os dois

artistas fazem uso da mesma proposta técnica para a construção de imagens

anamórficas.

Fig.: 112 - Foto periférica com câmera digital– estudos de Andrew Davidhazy.

Fonte: http://scottthephotographer.com/?p=1143

A foto (fig. 112) foi feita com uma câmera polaroide em que o campo de visão

da câmera foi adaptado para uma redução em forma de fenda de 1mm, como no

processo de linhas do scanner. Depois de um período estático, ocorre o movimento

do objeto e da câmera como na função de varredura do scanner de modo a varrer a

imagem na horizontal de cima para baixo34.

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109

4.4.2 Esculturas em “In-Finitude”

O desenvolvimento deste processo ocorreu no laboratório de vidro da UPM,

coordenado pela Profa. Dra. Regina Lara e foram produzidas 12 esculturas de peças

planas com inserção de materiais como tijolo, metais, sílica, corantes, vidros

coloridos diversos e varetas de vidro. Também foram produzidas esculturas com

molde no formato de uma cabeça humana (fig. 113), dividida em 4 partes para o

melhor posicionamento do vidro na queima. As esculturas das cabeças totalizaram 9

partes, sendo que uma cabeça completa foi finalizada e participou de exposição35 no

MIS de Campinas, com inserção de iluminação interna.

As esculturas em vidro foram desenvolvidas na técnica fuzing36 e foram

adicionados objetos em metal, entre outros elementos, às placas de vidro para a

fusão em temperatura média de 700o.

Fig.: 113 - Esculturas em vidro produzidas com vidro reciclado em moldes - Rita Varlesi - 2016.

Fonte: Foto Ângelo Dimitre.

O resultado do trabalho deu origem a algumas placas de tamanho

30cmx50cm que simbolizam lápides. Outras esculturas também foram feitas de

modo planificado utilizando placas menores em tamanhos variados, não excedendo

o tamanho de 21cmx30cm, representando a finalização do tempo de cada objeto

inserido nas esculturas.

A materialidade definida com a escolha do vidro para o desenvolvimento das

esculturas ocorreu devido ao seu aspecto de transparência, aglutinamento de

objetos, fragilidade e ao mesmo tempo periculosidade. Essas características

35 Exposição: “Arte e Linguagens Contemporâneas”, no Museu da Imagem e do Som de Campinas. 36 Técnica de queima de vidro utilizando sobreposições de placas de vidro para a fusão em formo específico.

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110

correspondem ao conceito previamente estipulado no projeto “In-Finitude”,

acrescentando valor estético ao mesmo.

Fig.: 114 - Trabalho de montagem de escultura em vidro - Rita Varlesi - 2016.

Fonte: Foto Ângelo Dimitre.

A materialidade do vidro começa na sua possibilidade de reuso, e reciclar é

uma palavra forte enquanto consciência estética na contemporaneidade artística.

Ressignificar está intimamente ligado ao conceito proposto no trabalho em que

possibilitamos sempre novos caminhos sobre a estética visual.

Essa materialidade nos proporciona pensar a construção de diferentes

significações em meio à estética do aprisionamento de elementos na técnica de

fusing glass (fig. 114), a sobreposição gráfica acompanhando a transparência da

matéria e a solução maleável da sua estrutura reciclável de vidro.

Na atividade prática da escultura em vidro, buscamos na pesquisa de

materiais a melhor possibilidade para a obtenção de texturas, transparências e

cores, além de outros materiais que possam acrescentar visualidade ao trabalho.

Selecionar o vidro (fig. 115) na moagem é um fator de extrema importância

para a liga de materiais e para a resposta estética que obteremos desta escolha. O

processo de escolha define a textura estética da escultura a ser elaborada,

determinando o perfil artístico da peça final. Entendemos que proporcionar escolhas

é garimpar para uma visualidade tátil.

Fig.: 115 - Foto de peneiras para a seleção de tamanhos das texturas utilizadas nas esculturas em vidro.

Fonte: Fotos Rita Varlesi.

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111

A pesquisa amostral é também de extrema importância para testar a

materialidade do vidro com outros elementos e apresentar potencialidades estéticas

que as experiências podem proporcionar. Nossa pesquisa baseou-se em materiais

porosos e granulados que suportassem a temperatura para a queima com o vidro

(fig. 116).

A plasticidade na construção aleatória de formas e a possibilidade de iluminar

o vidro de diversas maneiras acrescentam uma nova ambiência a esta

materialidade.

Fig.: 116 - Esculturas em vidro planificado.

Fonte: Fotos Rita Varlesi.

O ângulo e o plano da fotografia e a posição como a escultura é colocada no

cenário, juntamente com a iluminação, permitem uma narrativa visual atemporal.

Esse aprisionamento de objetos na transparência do vidro guarda na forma de

escultura, como em uma fotografia, as memórias materiais aprisionadas não como

no instante fotográfico, mas na sua plenitude como material de descarte.

Para simbolizar o corpo Persona na materialidade do vidro, escolhi a forma de

uma cabeça - na qual já havia anteriormente trabalhado a imagem da Persona em

projeções mapeadas na obra “Volta ao fim” - para desenvolver uma escultura em

vidro.

O processo foi desenvolvido com um molde de quatro divisões que

comporiam a cabeça para o fechamento posterior à queima do vidro. O trabalho foi

realizado ao longo de um ano, dando formato à escultura na queima de vidro

reciclado (fig. 117).

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112

Fig.: 117 - Esculturas em vidro moldado.

Fonte: Fotos Rita Varlesi.

O trabalho finalizado (fig. 118) teve a inserção de uma iluminação interna e

foi exposto no MIS – Museu da Imagem e do Som de Campinas na exposição “Arte

e linguagens contemporâneas” em 2017.

Fig.: 118 - Exposição MIS Campinas “Arte e linguagens contemporâneas” – Escultura In-Finitude - 2017.

Fonte: Fotos Rita Varlesi.

A transitoriedade do corpo material na passagem deste corpo para uma nova

imaterialidade digital transforma Persona, objetos e cenário em uma ambiência única

simbolizando a transição de vida e morte.

• Período de desenvolvimento da obra com participação em eventos:

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113

A obra “In-Finitude” foi exibida em cinco eventos com diferentes propostas,

durante o seu período de desenvolvimento, de 2015 a 2018:

- 2015 - 4o Seminário de Letras Expandidas (Seminário da Pós-

graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade do

Departamento de Letras da PUC-RIO) com apresentação de palestra e

paper publicado em revista da instituição de ensino.

- Em 2016 - participação na Virada Cultural em Campinas com a

apresentação de vídeo em projeção mapeada.

- Em 2017 - exposição “Arte e linguagens contemporâneas” no MIS –

Museu da Imagem e do Som de Campinas apresentando a escultura

em vidro com iluminação interna e publicação digital.

- Em 2018 – participação no congresso “Proceedings VI International

Congress Synaesthesia, Science & Art” em Alcalá La Real, na

Espanha, com apresentação de palestra, exibição de pôster e paper

publicado no livro do congresso.

Em alguns dos trabalhos citados a atuação do público era passiva e este

vivenciava a obra como expectador, já em outras o público era o interator, que

navegava e atuava ativamente com a obra. Essa vivência com a arte buscando

explorar os sentidos do público, esta cada vez mais atuante com instalações

performáticas e com o uso de dispositivos tecnológicos que complementam as

possibilidades de ação do público sobre o objeto estético.

4.5 Dispositivos digitais e sua aplicabilidade.

A atuação do dispositivo digital é de extrema importância na estrutura do

desenvolvimento criativo dos trabalhos que permeiam as Personas em Atame –

Angustia do Precário, Volta ao Fim e In-Finitude, pois estas tomam forma

enveredando entre os espaços materiais e virtuais das apresentações e

estabelecendo parâmetros sensoriais para a percepção do público.

A tecnologia dos dispositivos sempre estará em movimento, em evolução,

tanto na estrutura da recepção dos hardwares, quanto na maleabilidade dos

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softwares, e a possibilidade inerente de novos horizontes de criação encoraja os

artistas a voarem juntos de programadores para a evolução estética que esta rede

pode oferecer.

Concentramos uma quantidade significativa de energia em encontrar novas interfaces, assim como novos algoritmos de programação para novos conceitos artísticos. Nossa atividade artística se tornou uma atividade de pesquisa e as obras de arte que criamos tornam-se projetos de pesquisa que exploram o status quo do que é conhecido e comercialmente viável. (SOMMERER E MIGNONNEAU, p. 266, 2003).

Segundo Sommerer e Mignonneau, os processos de desenvolvimento

artístico são alterados de acordo com as possibilidades que os softwares comerciais

demandam e um diferencial desta estrutura é quando o artista detém a informação

de um software como programador do seu trabalho ou quando desenvolve a sua

própria estrutura de software ou hardware para o desenvolvimento de sua obra.

Na obra de Wilton Azevedo, o CD-ROM “Looppoesia – Poética da mesmice”

(realizada em 2001 e publicada em 2004), o autor finalizou a obra deixando a

programação aberta para o cd rodar de modo diferente em diversos dispositivos,

proporcionando uma possibilidade de leitura diferente em cada um ao ponto de com

o avanço tecnológico a obra passou a “sumir” na disponibilidade de visualização ou

com a velocidade com que os dados poéticos foram lançados (fig. 119).

Esta estrutura permite observar que o processo criativo, pode “burlar” o

encaminhamento originário da programação de modo a obter um retorno artístico

inovador, mediante as possibilidades impostas comercialmente.

Fig.: 119 - Foto de interfaces do cdrom “Looppoesia – Poética da mesmice”, 2004, Wilton Azevedo.

Fonte: http://www.periodicodepoesia.unam.mx/index.php/1636-alterpoesia/4214-no-089-in-progress

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Na obra ‘Looppoesia – Poética da mesmice’ a proposta de ruído apresentada abrange a relação temporal e evolução informática dos suportes tecnológicos que a leem, cada qual a seu tempo com ruídos diferentes. Por exemplo, se tivermos um computador menos potente para a reprodução da obra, o ruído será identificado de uma forma e se o computador for mais potente (atual) o ruído quase que desaparece com a velocidade de leitura […] Esta proposta artística do não fechamento da velocidade de leitura do cdrom faz do dispositivo digital um gerador da obra. O ruído da obra também é a interferência que o suporte tecnológico promove sobre ela, ao ponto de termos hoje alguns computadores que nem ao menos teriam o acesso do drive do cdrom para recebê-la, chegando ao ápice da ilegibilidade da redundância do ruído. (AZEVEDO e VARLESI, 2016).

A intervenção na arte pode ser tecnológica, pela criatividade com que se

operam os hardwares ou softwares promovendo resultados não estipulados pela

regra da programação e a resposta a essa ação programática faz parte da

constituição do objeto estético.

Estas obras de arte são “sistemas dinâmicos vivos”37 que mudam, adaptando-

se na diversidade da ambiência de acordo com os parâmetros estabelecidos, e

estas mudanças se dão no campo da criação do artista, na intervenção executada

pelo software e na interação do público com a obra.

Tomando como base a Persona – objeto estético e sua interlocução em

softwares e hardwares usados como dispositivos de intervenção, propõe-se a

elaboração de uma taxionomia que classificará esta atuação artística em três níveis

de envolvimento.

Fig.: 120 – Tabela de níveis de envolvimento interdisciplinar entre artista, programador e dispositivo. Níveis

Dispositivo Indicial - DI

Dispositivo Edificado - DE Dispositivo Progressivo- DP

Estrutura pré-determinada com escolhas baseadas nas

potencialidades comerciais de softwares e suas devidas

combinações. No cruzamento das potencialidades dos softwares determina-se o

caminho elaborado previamente no processo criativo do artista

ou utiliza-se de respostas caóticas que contribuem para o

processo.

Estrutura desenvolvida de acordo com as necessidades estéticas do artista e com as possibilidades tecnológicas

disponibilizadas para a elaboração do software. O

encaminhamento deste nível se faz em um conjunto muito

estreito entre programador e artista, para que a proposta do

processo artístico se desenvolva em harmonia, chegando ao

resultado interdisciplinar esperado.

Estrutura generativa com autonomia na finalização

estética de acordo com as variáveis programadas.

Implementação do aprendizado computacional com “algorismo genético”. Redes neurais, com

saídas de respostas não-determinísticas de acordo com a

complexidade dos dados implementados.

Fonte: Taxionomia elaborada para a tese.

37 Termo de Sommerer e Mignonneau, 2003, p. 270

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116

No primeiro nível temos o dispositivo - nomeado “Indicial” - apresentando uma

pré-programação já estruturada do software comercial que pode ter finalidades

diversas de uso, inclusive na arte.

Neste nível o artista adapta a sua criação à potencialidade do software,

buscando na sua estrutura programática algorítmica subsídios gráficos, sonoros,

entre outros que possam propor mudanças no objeto estético de acordo com a

proposta artística da obra.

Desta forma o dispositivo apresenta-se como ferramenta para o uso do artista

que busca neste ou naquele software “o pincel e a tinta ideal” para trabalhar a sua

arte. A escolha e a combinação de dispositivos que não haviam sido elaborados

para determinadas finalidades e combinações artísticas são determinantes para o

resultado final da elaboração do objeto estético considerando as escolhas do artista.

A arte pode ser desenvolvida diretamente no software a partir do uso de

outros dispositivos, como câmeras de foto, vídeo e equipamentos sonoros entre

outros, inseridos na linguagem computacional.

Em um segundo nível temos o dispositivo – nomeado “Edificado” - em que o

software é desenvolvido especificamente para um determinado trabalho artístico, de

acordo com o crivo do artista que elabora seu processo criativo em conjunto a

estrutura programática do software promovendo uma integração das potencialidades

digitais com a perspectiva estética da obra a ser desenvolvida.

Neste nível o artista tem a possibilidade de junto com o programador

desenvolverem o melhor caminho na programação para o resultado estético que o

artista pretende alcançar. O sucesso no desenvolvimento do software dependerá

das possibilidades tecnológicas que possam ser alcançadas mediante a escolha

estética final para a obra.

No terceiro nível, a proposta é que o dispositivo – nomeado “Progressivo” –

que atua em parte sozinho em uma constituição autômata, esteja aliado a uma pré-

programação definida proporcionando uma identificação humana criativa. Esta

identificação que ocorre no resultado final da obra refere-se ao número amplificado

de combinações de dados possíveis obtidos como resposta desta automação,

levando a uma criação visual inovadora, com bases em uma lógica programática.

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Nesse nível consideramos que existe uma somatória no processo criativo de

modo a compor uma espécie de “coautoria” entre dispositivo e artista. Podemos

exemplificar esse nível pelas possibilidades gerativas que a programação em

cruzamentos combinatórios pode proporcionar e para tanto citamos a obra “Aaron”.

A obra “Aaron” (fig. 121) é elaborada pelo engenheiro e artista Harold Cohen,

iniciada em 1973 em um contínuo desenvolvimento até os dias de hoje. Foi a

primeira estrutura computacional de arte gerada por computador, tendo na sua

composição a proposta do conceito de arte generativa.

Inicialmente o trabalho começou com desenho de pedras, identificando

basicamente as estruturas de figura e fundo com formas abertas e fechadas e em

2000 teve uma evolução figurativa, passando a formatar estruturas mais complexas

em formas e cores, com tonalidades e sombreamentos.

Fig.: 121 – Detalhe de um desenho de AARON sem título, 1980 e Detalhe: A primeira imagem colorida criada pela AARON no Computer Museum, Boston, MA, em 1995. Coleção do Museu de História da Computação.

Fonte: http://www.computerhistory.org/atchm/harold-cohen-and-aaron-a-40-year-collaboration/

Esses processos de desenvolvimento criativo que hoje são moldados pelos

dispositivos digitais, possibilitam a atuação artística na espacialidade física e virtual

de modo a originar ambiências que se intercomunicam.

O Envolvimento das Personas nos diferentes espaços expositivos proporciona

a cada trabalho desenvolvido tanto na materialidade quanto na virtualidade, a

concepção de ambiências que exploram a percepção do público. Para notabilizar a

ambiência, discorreremos sobre a origem teórica do termo e o seu percurso de

desenvolvimento em várias áreas para complementar a aplicação da práxis dos

trabalhos apresentados até agora.

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118

4.6 A ambiência no objeto estético Persona.

A nomenclatura do dicionário38 indica a definição do termo “ambiência”

propondo ligações do meio ambiente no contato com indivíduos de modo a envolvê-

los fisicamente ou psicologicamente e nesse sentido buscamos nos conceitos

estudados com as obras apresentadas uma definição do caminho processual

artístico na construção de ambiências modeladas no meio digital, com as relações

de sentido material.

Na França dos anos 70 alguns pesquisadores iniciaram um trabalho para

ampliar a formulação do termo “meio-ambiente” utilizado na arquitetura e neste

processo desenvolveram o conceito Ambiance39, termo usado para qualificar de

modo mais abrangente um ambiente arquitetônico e a sua articulação com as

pessoas.

Este estudo estava pautado na proposta de levar a sonoridade do espaço

como vértice da pesquisa, e em 1979 foi introduzida como disciplina na l’École

Nationale Supérieure d’Architecture de Grenoble40.

A partir dos anos 90, a pesquisa foi ampliada para as dimensões da

percepção que abordavam outros fenômenos sensíveis como: formas, cores, sons,

texturas, entre outros elementos que amplificam os sentidos promovendo uma

sinestesia na concepção da ambiência arquitetônica.

Este trabalho foi desenvolvido no laboratório de pesquisas das ambiances –

AAU – Ambiances Architectures Urbanités41 – em que duas equipes de pesquisa;

uma em Grenoble e outra em Nantes iniciaram seus estudos de modo a abarcar

áreas diversas que constituíssem uma forma mais completa e subjetiva para compor

a relação homem-habitat.

38 O termo ambiência, segundo dicionário Aurélio38, tem o significado de; “sf - Aquilo que envolve, que cerca; meio físico ou moral: viver numa ambiência agradável. Ambiência é sinônimo de: ambiente” e no dicionário Michaelis38; “sf. 1- Qualidade do que é ambiente. 2 - O meio em que vive um animal ou vegetal. 3 – Conjunto de condições morais que cercam uma pessoa e nela podem influir.” www.dicio.com.br/ambiencia/ 39 Sobre a palavra Ambiance, segundo o dicionário Le Robert Micro; “nf. 1 – Atmosphère matérielle ou morale qui environne une personne, une réunion de personnes. – climat, milieu. Il avait l’impression d’une ambiance hostile. – musique d’ambiance, discrète et agréable. 2 – Farm. Il y a de l’ambiance ici, une atmosphère gaie, pleine d’entrain.”. 40 http://www.grenoble.archi.fr/ 41 http://aau.archi.fr/

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119

A partir de sua criação, o termo Ambiance passou a ser usado como

referência na arquitetura, ficando a cargo de vários autores – do início até hoje -

conceituar a subjetividade a que se propõe o conceito.

Na concepção do trabalho que analisa a sensorialidade das formas, cores,

sons e movimentos na ambiência digital podemos apresentar os estudos

desenvolvidos com o SIGCA (Sistema Integrado de Gestão do Conhecimento

Aplicado).

O SIGCA é uma plataforma intermodal para experimentos perceptivos

sinestésicos, voltado à avaliação psicotecnológica pelo grupo de estudos do

programa de trabalho Sinlogyc-Fiac sob a direção do Prof. Antonio Brech da

Fundação Internacional Artecitta. No seu período de desenvolvimento foram

elaborados experimentos com variados públicos. O objetivo do software é

proporcionar uma interatividade sinestésica criativa do interlocutor com o

desenvolvimento das formas e cores de modo que a sua interação possibilite uma

experimentação sensória.

Fig.: 122 - Foto de interfaces produzidas no software SIGCA pela aluna Isabelle Alfeo,

integrante do LHUDI42, 2016.

Fonte: LHUDI – Laboratório de humanidades digitais

Foi desenvolvida uma parceria entre a Fundação Internacional Artecitta e a

Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2016, por intermédio do prof. Dr. Wilton

Azevedo. Essa parceria possibilitou o início da pesquisa (fig. 122) com os

experimentos no software SIGCA entre o LHUDI – Laboratório de Humanidades

Digitais, coordenado pelo prof. Azevedo e o grupo de estudos coordenado pelo prof.

Antonio Brech na Espanha. Os estudos deram início a pesquisa no LHUDI com

estagiários da graduação e da pós-graduação, objetivando os experimentos da

42 LHUDI – Laboratório de Humanidades Digitais criado pelo Prof. Dr. Wilton Azevedo na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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120

pesquisa, porém esta foi interrompida pelo falecimento do prof. Azevedo e em 2018

os laços foram retomados com o prof. Antonio Brech no qual levei para a

apresentação na Espanha um trabalho inicial sobre a análise sinestésica na arte.

Sobre a música como integradora do espaço, gerando ambiência neste

entorno podemos citar no início do séc. XX, a experiência do compositor francês Erik

Satie que seguindo uma estética que precedeu o dadaísmo criou o conceito de

“música-mobília” (Musique d'Ameublement) especificando o som como parte

integrante de uma ambiência de modo a compor o contexto de uma determinada

espacialidade. O objetivo de Satie era apresentar o elemento musical integrado ao

ambiente físico no sentido de complementá-lo para que ele fizesse parte daquela

atmosfera, sem se destacar como elemento único.

Na década de 70, sobre a influência de Satie entre outros, o músico Brian

Eno43 foi considerado o criador da “música ambiente” reforçando a função da música

como integralizadora de um ambiente pela proposta generativa de composições

para este fim. Eno desenvolve hoje composições para fins comerciais variados como

aeroportos, lojas e eventos empresariais.

O som é um fator importante na construção de uma ambiência, podendo

conceber uma cenografia sonora que orienta a percepção do público de modo a

conduzi-lo a uma experiência sensorial sobre a obra.

De acordo com Oskar Schlemmer em seu diário44 ele se refere a Schönberg,

como citado no capítulo 1, com sua música dodecafônica que funcionava com uma

marcação sonora no complemento da atuação do personagem. Novamente, a

sonoridade e a estética visual das Personas e seu espaço, encontram uma

unicidade.

Desta união dos elementos que se complementam na leitura do todo, em uma

ambiência física e virtual analisamos as obras de Azevedo pensando também na

leitura do público que é instigado pela formatação das ambiências e adentra as

Personas neste entorno sensorial.

43 Brian Peter George St. Jean le Baptiste de la Salle Eno é um músico, compositor e produtor musical britânico, um dos maiores responsáveis pelo desenvolvimento da ambient music. 44 The Letters and Diaries off Oskar Schlemmer, livro publicado por Tut Schlemmer.

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A pesquisa do termo Ambiência Digital nesta análise vem da proposta de

avaliar o espaço em que a Persona está adentrando, enquanto objeto estético, os

elementos que compõem este espaço e o quanto os dispositivos tecnológicos

(softwares) podem influenciar a sua visualidade.

Para Azevedo45 (2009, p. 179) o termo ambiência, promove “a dilatação de

um só ambiente, o que comprova o surgimento da escritura expandida”. No contexto

dessa dilatação a que se refere Azevedo, abordarmos as relações sensoriais que se

fazem da interlocução entre objetos, sons, espacialidades e temporalidades que

permeiam uma “ambiência” nas suas obras e como essas relações afetam a

visualidade do objeto estético.

Sobre a escritura expandida, Azevedo diz:

[…] Esta última é que pra mim caracteriza a maioria das poesias digitais. Não há mais código predominante, a ambiência é som-texto-imagem, ou como chamou Décio Pignatari uma vez, uma poesia verbo-voco-visual, sei que ele se referia a uma parte da poesia concreta que sempre ocorreu no espaço bidimensional, mas que cabe aqui, porque suas matrizes cifradas desaparecem, sobrevivem em forma de programação que admite o processo como uma escritura digital que se expande, pela própria maneira como o programa opera, sem distinção entre som, imagem e texto.” (aula de Azevedo - Humanidades Digitais – EAHC - Mackenzie em 2015).

A estrutura digital compreende uma espacialidade que envolve muitos

elementos em uma única linguagem, o que nos faz pensar nesse processo.

A proposta de se explorar a atmosfera para os espetáculos teatrais há muito

tempo vem construindo estéticas, apoiando-se em diferentes linguagens, buscando

abarcar vários elementos em uma ambiência sensorial para o público.

Em 1922, o arquiteto austríaco-americano, artista, designer e cenógrafo Frederick

Kiesler, elaborou a peça RUR (Goldberg, p. 105) - Os robôs universais de Rossum

(peça que introduzia os conceitos de androide e robô) apresentando um cenário

inovador em matéria de ambiência, com um palco cinético, projeção de filme ao

invés de cenário pintado e estático e com a presença de um projetor que saía da íris

de um olho gigante controlado por controle remoto. A cenografia também foi

trabalhada com jogos de espelhos em que as paredes se moviam proporcionando

45 Pós-doutorado na Université Paris VIII - Laboratoire de Paragraphe, tutoria Prof. Dr. Phillipe Bootz.

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jogos de imagens por todo o espaço cenográfico e ao final ainda propôs colocar uma

queda d’água para o que foi a primeira projeção em um fluxo contínuo de água. “Era

a concepção teatral de criar tensão no espaço” (Goldberg, p. 106).

Essa estrutura tencional que compunha a ambiência também foi pensada pelo

dramaturgo Antonin Artaud em 1958, que buscando a virtualidade sobre o arranjo

cênico aferiu as realidades materiais e simbólicas de um teatro que emana seu

espectro duplo por meio da miragem, ou de uma “realidade virtual” que possa aflorar

a partir dos personagens, objetos e imagens.

De acordo com Dixon (2007), a virtualidade proposta por Artaud é uma

constante presente na performance tecnológica, visto que a relação entre o corpo e

seu duplo digital é investigada sob amplos aspectos conceituais como o

espelhamento narcísico, alter-ego, emanação espiritual, duplicação alquímica ou

avatares.

Conforme proposto por Milgram e Kishino (1994), a Realidade Mista descreve um continuum de visualização que se estende desde a produção de imagens mediadas (ambientes reais) até a simulação de uma realidade puramente virtual. Na conceituação deste trabalho, utilizamos o termo Realidade Mista para definir o contexto no qual existe um fluxo contínuo entre a mediação por vídeo e o processamento gráfico destas imagens pelo agenciamento computacional. (VARLESI e COSTA, 2018).

A concepção de ambiência considera na espacialidade física as relações do

espaço e seu envolvimento com as pessoas de modo a explorar as formas, cores,

sons, texturas, odores, enfim vários elementos que tem por objetivo amplificar os

sentidos nesta troca, como por exemplo, na configuração de hospitais, em que as

cores e padronagens do espaço passam a ter um valor importante na resposta dos

seus pacientes e acompanhantes, ou como em uma loja que desenvolve um

perfume específico para ser usado como fundo sensorial em sua marca.

Apresentando estudos sobre a intervenção dos dispositivos digitais na

finalização de trabalhos artísticos propomos novos modos de construir estéticas

programáveis. Este movimento aponta para a envoltura da sinestesia na ambiência

digital por meio de múltiplas combinações de imagens e sons.

Objetivamos aqui a busca da apropriação do termo para a área digital,

utilizando “ambiência digital” para denominar os espaços programáticos utilizados na

composição de uma obra de arte.

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A mistura entre realidade e virtualidade (fig. 123) pode ser considerada de

um modo ampliado, isto é, na sobreposição entre ações performativas, mediações

recodificadas e projeções audiovisuais não imersivas.

Partindo deste conceito, propõe-se o uso da potencialidade que a mídia digital

proporciona para o envolvimento da sinestesia, no intuito de impulsionar a

expressão artística em um crescente dialogismo entre as Personas desenvolvidas

para as artes e seu espaço de atuação.

Fig.123 - Continuum Realidade-Virtualidade (Paul Milgram e Fumio Kishino).

Fonte: Livro - MILGRAMP.,KISHINOF.“A taxonomy of mixed reality visual displays”, in IEICE Transactions on

Information Systems, Vol. E77-D, n.12, pp. 58-70.

Objetivando o detalhamento do espaço e a articulação dos elementos que o

compõem e que com ele se correspondem, abordamos as relações de

sensorialidade que abastecem as obras digitais citadas, e neste sentido

identificamos que o dispositivo proposto teve o papel de relacionar a Persona no

espaço-tempo pelos processos generativos computacionais.

[…] os signos não operam por partes, mas sim por relações cronotópicas (tempo e espaço). Eles se articulam ao invés de se fragmentarem, utilizam-se de sua capacidade hipotática para verticalizar tempo e espaço, potencializando o dado processual do signo. (AZEVEDO e VIGAR, p.89, 2013).

A proposta de uma “escritura expandida”46 colocada por Wilton Azevedo

sobre as narrativas poéticas digitais é uma experiência estética evolutiva, que ocorre

na ambiência digital em que a Persona se insere.

A ambiência digital tem explorado nas artes o elemento lúdico interativo

buscando nas sensações de seus visitantes/interatores, apresentar uma obra que

retorne uma experiência sensorial estimulando a participação de seu público (fig.

46 Termo da Tese de pós-doutorado de Wilton Azevedo.

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124). Este caminho entre a arte e sinestesia é um percurso que tem sido explorado

desde o início das mídias digitais.

Fig.124 - Obra - Anamorphose Temporelle – Adrien M. e Claire B. – 2011.

Fonte: https://www.am-cb.net/projets

Programar é criar ambiência, é dar ossatura cronotópica, é a evolução dos signos em forma de código algorítmico que se faz na sua expansão, na sua dilatação sintagmática. A ambiência digital em que se dão essas relações é a própria escritura digital expandida in processing, pois o formato dessa poética não encontra diferença entre ambiência digital e escritura digital expandida, oriundas de suas matrizes de linguagem. (AZEVEDO e VIGAR, p.89, 2013).

O que importa para a relação estrutural na ambiência digital não é

propriamente um modelo de software ou de hardware que articula a mensagem

artística, mas sim a resposta que se tem desse dialogismo na estruturação da

Persona e na sua troca com o público espectador.

O pesquisador Rolim47, em sua pesquisa voltada ao espaço cenográfico, fala

sobre o conceito de ambience: “Ele está preocupado em compreender as

articulações das antropologias transensoriais, a unidade sensível dos ambientes, a

sinestesia fornecida pelas atmosferas e [a] estética do espaço construído.”,

buscando assim uma interligação sensorial entre o espaço e o indivíduo, de modo

que o conjunto “ambiência” se faça desta união.

Na sua concepção, Rolim considerava as relações do espaço e seu

envolvimento com as pessoas de modo a explorar as relações formas, cores, sons,

texturas, odores, enfim vários elementos que tinham por objetivo amplificar os

sentidos nesta troca.

A apresentação das obras artísticas e seu percurso de desenvolvimento

criativo possibilitou entender a construção de novas estéticas programáveis e este

movimento apontou para a envoltura da sinestesia na ambiência digital por meio de

47 Rolim, Eliézer. A percepção do espaço urbano. Estudo das Ambiences Urbaines Architecturales. www.laboratoriourbano.ufba.br

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múltiplas combinações de imagens e sons, propiciando o encaminhamento para

uma continuidade deste estudo em sinestesia baseado nas limitações metodológicas

deste trabalho.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a necessidade de explorar ambiências, o artista sempre buscou

recursos externos na materialidade de elementos que pudessem apoiar a sua

expressão artística. Uma tinta com característica específica, um mineral que

pudesse ser esculpido, um objeto que emitisse determinado som, e essa busca faz

parte de um desejo intrínseco de expressão do artista.

Os experimentos artísticos pesquisados no objeto estético Persona,

possibilitaram percorrer diferentes caminhos do processo criativo de vários artistas,

em que a identificação do padrão visual e a expressão como cada um construiu sua

Persona aproximaram o entendimento de como a arte possibilita uma unificação das

estruturas na concepção da ambiência.

No processo criativo dos artistas identificamos na construção das Personas a

presença da interdisciplinaridade, com o uso de diferentes materiais, promovendo na

elaboração das ambiências, a totalidade de um corpo do objeto estético.

O corpo da Persona é uma máscara identitária que envolve os aspectos da

exterioridade fazendo uma ponte com a interioridade artística alcançando o espaço

ao seu redor, na composição de uma ambiência única do corpo-tempo-espaço.

A Commedia Dell’Art buscou na materialidade da máscara a reverberação do

som que moldava uma Persona, portanto, o físico e o virtual em uma união

harmônica com o arquétipo construíam o objeto estético – Persona.

Na construção das minhas Personas, as máscaras revelam uma intimidade

de sentimentos, expostos como no vão da máscara da Commedia Dell’Art por onde

ecoam as vozes dos atores. “Persuonare”48, para soar, amplificar o conteúdo que

nasce de uma criação artística. A máscara é um meio, um elemento de transição

entre o ator e sua Persona. A assinatura de minhas Personas brutas tiveram nas

mãos de Azevedo a transformação de um único duplo, que é a soma amplificada da

particularidade dos dois artistas.

48…

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A linguagem visual, conceitual e sonora na somatória artística produz a

Persona e sua ambiência de modo uníssono.

No Balé triádico, Oskar Schlemmer explorou o movimento do ator-bailarino no

espaço cênico, observando como seria romper a mobilidade do corpo através de

figurinos. Estes figurinos mecanizavam os movimentos do ator-bailarino com

restrições físicas que impediam as ações básicas da dança e por outro lado,

potencializavam a construção de novos movimentos em estruturas de formas,

texturas e cores, acompanhados de uma cadência sonora que marcava os

acontecimentos da época.

A Biomecânica, acompanhando os movimentos estilísticos da vanguarda

russa, apresentou Personas que sua expressão artística exibiam a potencialidade do

corpo humano, explorando o mecanismo que envolvia as relações com outros

corpos e com o espaço cenográfico que em sua estrutura modelada, viabilizava uma

dinâmica visual.

Estes dois movimentos, em prol da renovação expressiva do teatro,

elaboraram máscaras corporais explorando as materialidades e suas relações com o

espaço, proporcionando experimentações para o que consideramos hoje uma

ambiência artística. Suas pesquisas corroboraram para o desenvolvimento do

pensamento amplificado da expressão artística.

Na fotografia, a representação da Persona como objeto estético, pontuou as

possibilidades do olhar que se apoderaram de dispositivos mecânicos e ópticos para

apresentar à sociedade - com o encaminhamento revelador do artista fotógrafo -

uma visualidade outra que não a do simples olhar.

O espelho, objeto de visualidade constante na vida dos indivíduos, apresenta

o que somos no tempo corrente; a fotografia propiciou apreender esse tempo

instante, de maneira a podermos voltar sempre à visualidade que ficou no registro. É

esse “duplo”, já elaborado por Artaud, que na virtualidade abre portas para as

representações digitais.

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Os artistas e as obras estudados apresentaram o envolvimento que os

dispositivos, tecnológicos e as estruturas materiais possibilitaram na criação das

Personas e da sua ambiência.

A percepção anamórfica de Kertész, em sua constante busca de ângulos que

gerassem novas visualidades para as formas perfeitas da natureza humana,

compreende a construção do belo no anamórfico, objeto estético da Persona. Em

Atame livro-arte, o desenvolvimento anamórfico foi o resultado da performance da

matéria - corpo do artista - que através do dispositivo scanner, suscitou a elaboração

em fragmentos que constituíram a Persona.

David Hockney possibilitou uma visão de suas Personas, das partes formando

o todo, de modo a compor a geometria perfeita dos quadrados. Estes compunham a

forma como um todo e, ao mesmo tempo dividiam os quadros em aproximações e

ângulos diferenciados pelo movimento do elemento retratado. Esta possibilidade

ocorreu do dispositivo que permitia a visualidade instantânea das fotos, da

composição como elas eram dispostas - e isso cabe somente ao artista - e ao olhar

artístico que buscava nos movimentos e ângulos o melhor enquadramento para a

totalidade da obra. Temos nas polaróides de Hockney uma colagem de olhares que

constroem as suas Personas. As Personas apresentadas nas obras de Azevedo

partiam das partes para a formação do todo em uma Gestalt de fechamento. O

objetivo desta linguagem de colagem imagética era de proporcionar o fechamento

da leitura no outro, no público, que em alguns trabalhos, era também interator.

As Personas de Alexa Meade habitam dois mundos que se unem na

representação fotográfica. A luz é o ponto metafórico das duas linguagens com as

quais a artista realiza a sua obra. O pictórico de suas pinturas tridimensionais

baseia-se na luz de suas pinceladas impressionistas e a fotografia capta o

enquadramento de sua Persona em perfeita integração com o espaço, permitindo

uma ambiência tanto na instalação da obra quanto na sua representação fotográfica.

Cindy Sherman apresenta a sociedade em diferentes ópticas que compõem

suas Personas femininas (em sua maioria) exibindo um retrato crítico da sociedade

e ricamente expressivo enquanto materialidade e ambiência.

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Sobre a materialidade nas minhas Personas, a concepção ocorreu

inicialmente com o dispositivo scanner, pois a linguagem continuava o meu trabalho

fotográfico anterior. As imagens scanneadas proporcionavam a captação do

movimento e, portanto, a temporalidade da performance naquele dispositivo.

Esse percurso do movimento elaborado no livro-arte teve continuidade nos

movimentos captados com as fotografias e os vídeos executados para a obra

“Atame - Angustia do precário”, que percorreu as plataformas digitais pensando na

interatividade do público.

Quando iniciei o trabalho para a linguagem digital de “Atame - angustia do

precário”, usei as diferentes possibilidades da fotografia e do vídeo em que a

construção imagética era composta da captação de movimentos e de detalhes da

imagem do corpo. Através de closes, câmera noturna e plongê, elaborei uma

sequencia visual dos cortes e deformações que o scanner me propiciou no primeiro

trabalho. As imagens partiam sempre de uma elaboração de pedaços que

constituíam o todo das Personas, linguagem que também foi mantida na

materialidade da cena analógica, pois ao construir os cenários, a elaboração

também se dava em partes projetivas mapeadas sobre elementos bidimensionais

em camadas (telas e tecidos) e em elementos tridimensionais (corpos, cabeça de

gesso e de vidro). As partes compunham também a ambiência. A proposta de partes

também tinha continuidade da concepção de “teatro de arquivo” de Azevedo que

depois da montagem dos vídeos, decompunha em partes.

Na obra In-Finitude, a materialidade do vidro, nas esculturas que elaborei

resgatam a proposta das partes formando o todo através do material reciclado do

vidro com o qual eu criava máscaras e esculturas. Os objetos inseridos nas

esculturas em vidro eram antes desmembrados para compor a continuidade da

proposta de partes formando o todo. Um dos elementos trabalhados foi o tempo, em

que os objetos inseridos eram relógios de pulso desmontados apresentando suas

engrenagens minúsculas e delicadas diante da liquidez plástica e transparente do

vidro.

Na criação das minhas Personas podemos fazer uma divisão em níveis de

estetização da seguinte forma: a formatação das Personas ocorre na performance

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em que a atuação compreende um individuo e a sua relação dispositivo-ambiência e

ao mesmo tempo existe um olhar de direção, produção ou curadoria, que se faz em

tempo real para avaliar esteticamente o comportamento da Persona naquela

ambiência. Esse segundo momento de direção também tem o meu julgamento

estético na composição construtiva em que de tempos em tempos durante a

performance passava para detrás da câmera pensando o produto intermediário, que

depois ainda iria para a produção digital de Azevedo com a finalização textual,

sonora e musical e ainda nas apresentações teria a intervenção em tempo real de

imagens, sons e música.

Entendo esse processo, como estágios nos quais as Personas em seu

percurso de desenvolvimento se favoreciam de todas as colagens e intervenções,

resultando sempre em reflexões vivas do objeto estético.

No espaço do improviso, subentende-se que não há regras, que não há

coordenadas lógicas que determinem a ação do improviso; porém apesar do fazer

artístico que salta de dentro das mentes e corpos, a busca é sempre de uma

materialidade plástica que contemple os sentidos, visuais, táteis e sonoros na

elaboração artística e isso é construído sob um conjunto de regras harmônicas

internas ao indivíduo, sendo estas constituídas ao longo de sua existência.

A ambiência é um fator de destaque identificado no trabalho de Gregory

Crewdson. Enquanto diretor de fotografia cinematográfica constrói uma narrativa

fílmica em uma só cena, elaborando uma atmosfera em meio ao um turbilhão de

equipamentos, assistentes e cenários, em muitas das vezes construídos

especificamente para o seu trabalho fotográfico. O trabalho de Crewdson indica que

uma elaboração em equipe funciona perfeitamente na construção de narrativas de

Personas. O artista tem o dom do olhar, mas uma equipe constitui a perfeição da

técnica. Isto também foi identificado na obra de dois grupos de artistas que

trabalham com as mídias digitais; Adrien M. e Claire B. e o grupo Opened que em

conjunto a outros especialistas que atuam em variadas especialidades

complementam o trabalho da equipe com resultados competentes.

O desenvolvimento do trabalho artístico em dupla ou trio gera uma troca, um

diálogo, onde a palavra e a imagem é construída e continuada no outro com

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mudanças ou complementos. O desafio é a construção de uma narrativa total,

completa em suas singularidades inseridas por cada artista. A narrativa total

compreende a Persona e a sua ambiência.

Sobre a corporeidade nas expressões artísticas pesquisadas, o teatro Butoh

de Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata, e a performance de Olivier Sagazan revelaram,

cada um na sua devida expressão artística, uma interiorização do indivíduo

enquanto ser conflitante, representando nas suas artes no corpo o sentimento

interior que constrói o exterior da Persona.

As Personas constituídas ao longo de 16 anos nas obras de Azevedo

possibilitaram em uma troca artística a elaboração de um vocabulário gestual

apresentando a intimidade de cada objeto estético. Sobre as obras:

Em Atame a Persona feminina apresenta-se em meio à sensualidade e

sexualidade pelos movimentos diante da câmera como em um constante gozo

chegando ao delírio da perda. As imagens ora são nítidas e intimistas, ora são

difusas e indutivas. A constituição do corpo deste objeto estético foi elaborada pelos

figurinos e adereços utilizados, que compunham diferentes visualidades da mesma

Persona acrescentando ao seu enviroment imagens captadas em localidades

diversas que dialogavam com seus desejos. A inserção do dispositivo scanner como

elemento de representação da própria Persona leva a uma metalinguagem do duplo

dentro da obra. A gestualidade flui nesta linguagem com a corporeidade dos

movimentos que dialogam com os poemas, grafismos e interações na ambiência

digital.

Em Volta ao fim o vocabulário gestual é elaborado na máscara pantomímica,

que busca na representação gestual da face, a repetição de movimentos cíclicos

que permeiam a temporalidade da narrativa. Suas apresentações teatrais buscaram

explorar nas projeções bidimensionais e tridimensionais mapeadas nos elementos

cenográficos as diferentes materialidades que comporiam a visualidade da obra,

levando a concepção da ambiência.

Na obra Volta ao fim, existia uma tríade na elaboração da narrativa; Santos

apresentou o seu conteúdo textual (livro “Ao que minha vida veio…” - 2011) a

Azevedo que desenvolveu toda a elaboração da narrativa digital e eu o

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desenvolvimento das Personas. No percurso criativo da obra os autores decidiram

que a apresentação seria finalizada em uma cena teatral. Santos foi o narrador do

monólogo e eu desenvolvi a cenografia para as projeções e dirigi a atuação do autor

do texto, elaborando a iluminação e as marcações físicas da narrativa nos teatros

em que a peça foi apresentada. Na construção das Personas andróginas, algumas

foram utilizadas de experimentos feitos anteriormente e outras que produzi ao ouvir

a narrativa de Santos em que a gestualidade da performance videográfica ficava na

repetição do movimento de algumas palavras sem nenhuma sonora, como na

mímica.

Na concepção da ambiência, o artista Lawrence Malsfat compreende em sua

obra a construção de espaços interativos que buscam a intervenção de performers

ou público, com um intuito imersivo de tornar Persona; o interator.

A obra de Otávio Donasci também busca no público o interator para as suas

“Videocriaturas” que em corpos performáticos conduzem cabeças ou partes dos

corpos “em vídeo”, e proporcionam a experiência do público de se tornar Persona

televisiva. Interessante falar que o processo criativo deste artista é todo elaborado

por ele do início ao fim; ele constrói as Personas para a fisicalidade da performance

e oferece a virtualidade da tela para o público interagir.

No trabalho de desenvolvimento das Personas nas obras de Azevedo tem no

seu processo criativo uma intensa construção de colagens que acrescentam as

obras uma dinâmica que envolve os dois artistas tendo a colagem como

representação dessa união plástica que se dá em partes pra formar o todo da

Persona na ambiência como na Gestalt.

O processo criativo foi pulsante e em constante mutação, mantendo uma linha

estética representante da visualidade dos dois artistas. No desenvolvimento da obra

durante todo o seu percurso ouve, além do improviso e da experimentação de

dispositivos e materiais, uma preocupação com o envolvimento que o público teria

com a obra. No caso de Atame – livro-arte a preocupação era como ocorreria a

interação do público com um livro que na sua estrutura, apresentava-se como um

livro diferenciado fisicamente e com a proposta de não-linearidade da leitura. O livro,

composto de lâminas soltas que tinham a proposta de uma leitura hipertextual, na

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sua transparência e luminosidade (mesa de luz que possibilitava a visão e leitura

sobreposta das lâminas do livro) possibilitavam um palimpsexto de imagens e textos,

resgatando passados e futuras construções de sentido. O público tinha o poder de

determinar a ordem de leitura do poema que na forma como foi desmembrado nas

lâminas, possibilitava uma leitura não-linear, oferecendo ao público possibilidades

interativas para a leitura.

No trabalho Atame – Angústia do precário, a proposta digital interativa foi

desenvolvida no enfoque perceptivo-sensório que determinava as ações com certa

previsibilidade para que a usabilidade com a mídia fosse satisfatória.

Buscamos alguns caminhos comuns e outros que se diferenciavam na

programação, o foco emocional do trabalho se sustentava no conceito das relações

amorosas e de suas perdas. A construção programática do software foi desenvolvida

para que o público vivencie a narrativa interagindo com o poema, na possibilidade

gestual dos movimentos promovidos pelas Personas e na construção visual dos

pedaços remontando o visual das Personas. O objetivo era de propor uma

identificação visual e sonora no público que percorria os caminhos digitais

acompanhando e interagindo com as Personas e suas ambiências digitais.

Nas obras de Azevedo existe uma troca criativa na construção das Personas

em que a base do desenvolvimento vai além do recorte imagético, textual e sonoro.

O trabalho é dividido e somado entre dois artistas durante todo o seu percurso

criativo e conta com a inserção de outros artistas ou elementos que complementam

a obra. A construção da Persona se dá nessa somatória tendo como base a

performance fotográfica e videográfica e sua continuidade ocorre através da sua

máscara digital, somada a poética e a sonoridade que promovem a ambiência. Essa

unicidade entre Persona e Ambiência digital proporciona um objeto estético íntegro

(total).

A temporalidade é parte integrante das representações, imagéticas, sonoras e

textuais nas obras que desenvolvi as Personas. Nas quatro obras: Atame livro-arte,

Atame – Angústia do precário, Volta ao fim e In-Finitude, existe uma ligação na

relação de tempo-espaço que constrói as ambiências com uma plasticidade

diferente em cada uma, onde as Personas transladam, e a concepção de “teatro de

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arquivo” de Azevedo, possibilita a colagem do tempo e da espacialidade criando o

objeto estético que pode ser perpetuado. Em Atame livro-arte a temporalidade fica

retida junto ao movimento que denota uma narrativa em um frame, na captação da

imagem deformada do scanner.

Atame angústia do precário teve no seu período de desenvolvimento um

caminho percorrido com diferentes experimentações plásticas na elaboração da

Persona e da ambiência. Passou por projeções, apresentações poéticas e teatrais,

digitais interativas e performances sonoras entre outras buscando a representação

feminina na voz de diferentes narradores, na performance corporal e sua captação

videográfica, no congelamento fotográfico e na sonoridade musical. O tempo se faz

presente nesta obra no crescimento e renovação das Personas e ambiências que a

cada materialidade explorada em sua estética deixaram uma marca denotando a

sua passagem. A temporalidade na obra discute as vivências e é somente delas que

se alimentam as nossas memórias.

A construção da Persona masculina passando antes pela androgenia era uma

tentativa de desprender a visualidade feminina que se manifestou durante nove anos

nos trabalhos de Atame. A androgenia possibilitou uma figuração mais plástica de

teor máscara pantomímica proporcionando uma nova visualidade a Persona que

habitava no trabalho Volta ao fim. Essa plasticidade caminhou entre diferentes

materialidades no tridimensional e no bidimensional, como no mapeamento da

projeção sobre a escultura em gesso nas apresentações dos eventos e também no

mapeamento nas camadas planas de tecidos. A relação de tempo nesta obra

discorre da própria narrativa de maturescência ao inverso da Persona do texto e

ilustra o tempo no lugar imutável da máscara-Persona digital.

Na obra In-Finitude a temporalidade também esta agregada diretamente ao

conceito da obra, pois o percurso de vida das Personas e dos objetos tem a sua

potencialidade prescrita durante determinado tempo. A representação temporal na

proposta de In-Finitude é expressar a intimidade de vida que pessoas e objetos têm

ao longo do seu caminho.

O efêmero é a essência humana desvelada no tempo e na memória dos

objetos que dialogam com a existência e depois dela tornam-se memórias vivas da

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nossa passagem. O efêmero somos nós, e a fotografia, os dispositivos e os

processos memoriais vieram para captar esse efêmero e resgatar nossa passagem

enquanto existência humana. A arte compreende uma forma de expressão que

buscar tornar eterno algo que possamos deixar na passagem. O tempo é muito

mencionado em várias instâncias artísticas, porque é a definição de vida que

determinamos como moderadores da nossa precariedade. É o devir, o vir a ser que

procuramos durante toda a existência consumir ao máximo da sua essência.

Ao concluir esta reflexão sobre o processo criativo das minhas Personas,

identifico uma passagem temporal dividida em três etapas: O nascimento e a

descoberta, a maturidade e a mudança, o envelhecimento e a morte.

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ANEXOS

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ATAME: A ANGÚSTIA DO PRECÁRIO

Interprosa de Wilton Azevedo 2006

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TAKE 1

Nada me resta!

Nada.

É estranho saber que o único botão que tenho para apertar, pode contar a história de uma paixão.

Mesmo que com o tempo, esta mesma história vire ficção...

Não tem importância!

Não tem importância alguma!

Vivemos os grandes amores De duas maneiras:

Quando a presença é inevitável

E quando falamos sobre ela.

Convivemos para se fazer história.

TAKE 2

Não há nada de cruel nisso.

Apenas tenho percebido,

Que meu corpo desde o fio de cabelo até a ponta dos meus pés,

Passam a impressão de que sou feita de pedaços

Registros de pedaços.

Acredito que as pessoas se amam em pedaços,

Se tudo acontecesse por inteiro

Não haveria paixão,

Somente amor

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Quem disse que em um álbum de retratos se guarda a memória de nossas vidas?

Ali há somente poses, sorrisos, lugares, hierarquia...

dias nublados, sol, noite, dia, mas não tem odor nem cheiro...

aquilo que aguça a lembrança, mas que ainda não se registra.

Cheiro da roupa sem ninguém.

Do chão secando quando se deitou sem hesitar para amar.

O cheiro da mala desfeita que por mais países que se vá,

lembramos apenas da vontade de voltar.

Como o cheiro me faz recordar.

TAKE 3

O cheiro sempre nos lembra alguma coisa,

mas não tem cópia, não se simula...

A condição de um perfume é ser simulação,

por isso precisa estar em uma pessoa...ou em algum lugar.

Um perfume de quem você amou muito...não dá para copiar.

Você pode até comprar o mesmo perfume, mas falta alguém nele.

Os lingüistas diriam que falta o SUJEITO...(risos)

Não me parece que tenha apenas amanhecido

Não importa a hora de saída ou de entrada

Os sinais que vêm e continuam vindo

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São como repetições,

É um Déjá vu

Uma paixão em excesso...

Mas não existe paixão sem excesso.

De maneira nenhuma, não pode existir.

POEMA 1

A verdadeira paixão

Não para nem pra pensar

É distante se há saudade

E muito perto

Quando é questão de idade

A verdadeira paixão

É barroco por fora

E maneirista por dentro

Entranhas sem metragens concebidas

E denso sem peso regulado

A verdadeira paixão

Está a um palmo sempre de acontecer

E duas bocas para ter acontecido

A verdadeira paixão

Briga,

Grita,

Chama a atenção dos vizinhos

Porque quer estar perto

E não perder nenhum momento...

Depois é saudade

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E se o amor foi verdadeiro

Bastará apenas

Memória e imagens

Para valer

O que ficou por fora

O que antes estava por dentro.

TAKE 4

Quero deixar as coisas que vivi em algum lugar

As memórias que me fazem chorar

Parecem que foram implantadas

Na minha história...

Quem tem uma história?

Quem?

Quem?

Ou melhor, quem não tem uma historia?

Quem?

Só se quer esquecer, quando temos a impressão de que Vamos durar para sempre...

Os vampiros não refletem no espelho porque são eternos

Não precisam de registros.

A paixão que ATA deixa marcas.

Por um instante,

Pensamos que vamos ser eternos durante a paixão e o gozo,

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Quando tudo então finda...vimos que é efêmera.

O que fica é uma história,

Minha com ele.

TAKE 5

Apenas um rosto deixa marcas nesta luz atada

O passado a limpo.

Como me disse o poeta uma vez

POEMA 2

O que faço Comigo Aqui Renuncio-me Até o último Fio de cabelo Aos pelos de Meu corpo Sem que eu Contamine A aquisição De meus desejos De me conformar Tão triste De ver você Olhando Em mim.

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TAKE 6

Meu rosto e corpo por mais que gelado,

Não têm consciência do que ele reproduz

Apenas passa o tempo

Tempo...

Tempo...e marca com um beijo no ventre o que nada foi compreendido.

Compreendido

Pela última vez

A compaixão da renúncia se faz na benevolência dos versos.

E a poesia que a gente não vive,

Fica impressa em um testamento da memória.

Recortar a própria história é uma lição das mais duras

Exige disciplina de cirurgião

E um amante sempre pronto para limpar a testa suada durante a operação.

TAKE 7

Nada terá resposta enquanto copiarmos a nós mesmos.

Atarmos a esta memória em pedaços é o que me restou,

Sozinha, neste apartamento de imagens sem eco.

TAKE 8

A cama desarrumada,

Os sinais do vício marcados no estofado

A tua voz na secretaria eletrônica dizendo que não estamos

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O tempo precisou passar para eu acreditar que nunca estava

Dei razão à secretaria eletrônica

Leave your message after the beap!!!

Só percebi agora no meu corpo portando óvulos

Que não possuo BIP.

TAKE 9

O amor feminino fica atado como súplica ...

Deito minha cabeça neste vidro frio e passo horas fazendo foto de mim mesma,

Me copiando piedosamente sem compaixão

Apenas para ver se recupero a memória pela exaustão.

POEMA 3

Olhei para o chão E por um instante Você não estava mais aqui Ir pra lá Foi a opção A distância surgiu como Um ponto de fuga

A intenção de não mais nos vermos Foi acredito A mais cega Experiência cruel a nossa De nos seduzirmos Invadirmos E sedarmos Diante da conquista

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TAKE 10

Lembra disso?

Lembra daquilo?

Lembra daquele dia...lembra ....lembramos e passeamos nas gavetas que tentamos arrumar por desculpa da idade.

Atar... Atar

TAKE 11

Já foi atado por alguém de verdade alguma vez?

Não queira saber como é

Os seios endurecem

As pernas são poucas,

Apenas duas para laçar,

Os lábios incham, crescem e ficam mais vermelhos,

O brilho dos olhos não deixam duvidas de quem está

Atada

POEMA 4

Cabe a ti A mão que corre E passa Pela boca E cala Pelas pernas E abre Pelos olhos E revira Pelos dedos E os molha Pelos poros E os transpira Pelas mãos

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Que suplica Em sussurros Cardíacos De não caber mais A mim O desejo de correr Pela boca pernas olhos dedos poros mãos E dizer Pare. Suplicando O Outro.

TAKE 12

Sabe de uma coisa?

Eu já pedi socorro quando isso me aconteceu.

E por incrível que possa parecer,

Não apareceu ninguém

Era eu e ele sempre

Pura distração da minha vaidade

É muito masculino usar o corpo para a escritura.

É sadismo.

Não consigo escrever com o meu próprio sangue

Nas paredes da minha própria casa

A melancolia me faz ser criativa

Se fosse o contrário, eu me mataria

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E Freud diz que a vantagem de Demócrito, era a melancolia se fosse depressão não sobraria nem a escrita para contar história.

Não, não dá.

Já tentei escrever com a matéria de meu corpo...

Mas não era dor quando tentei fazê-lo

Percebi que o que eu sentia

Era paixão...

TAKE 13

Porque os sentidos são chamados de sentidos?

Será porque vem de sentimento?

Sensação?

Sensato...

Estranho porque nenhuma destas palavras me faz entender a paixão.

Estes movimentos que me coloco a fazer

Para cada vez mais as imagens se tornarem fixas

Desdobram as partes do meu corpo em saudade...

Os flashs que ficam acompanhando a memória

Para convencê-la de desistir de lembrar.

Uma mulher quer sempre ter ao seu lado alguém que diga algo sobre a vida,

Nem que seja mentira,

Para passar o tempo

Até que ela possa estar pronta para ser mulher... mãe.

Não que mãe seja uma condição,

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Não,

Não mesmo!

Mas é preciso saber o que dizer a ela...

TAKE 14

Para cada parte do corpo feminino deveria ter o que dizer:

Para os cabelos, o cheiro sem compromisso

Para a nuca, o que é oculto

Para os lábios, a afirmação,

Para os seios, as conclusões em dobro,

Para as pernas, os desenleios,

Para os pés a prontidão.

TAKE 15

Não me resta dúvida sobre esta condição...

Levei poucos anos para saber disso

E muito mau trato de quem passou na minha vida.

É interessante saber que um dia se esteve com alguém

Que para não sermos refém da memória , copiamos a nós mesmos

Em busca de nada

Narciso quando olhou a sua face, morreu...afogou-se

Eu já pensei várias vezes nisso.

Não em me matar,...Pelo menos ainda,

Mas em fazer justamente o contrário,

Deixar de olhar para os espelhos,

Quaisquer que sejam.

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Não dá.

TAKE 16

O que fazemos hoje em que somos olhados por nós mesmos

por várias espécies de câmeras que inventamos?

Trocamos de roupa?

Vemos onde será a nova cirurgia?

Tiramos os pelos com pinça...

Nada disso...(silêncio)

Não conseguimos evitar a nós mesmos.

Nem se quiséssemos

Provavelmente quando o outro vai embora

O que nos dói mais,

É ficarmos com nós mesmos

Junto à Angústia do Precário

TAKE 17

É ..., mas esquecemos...

Esquecemos sim,

E às vezes nem conseguimos mais ver a nossa imagem junta

De quem me teve por dentro,

Se eu pudesse parar de copiar a mim mesma

E ao invés de imagens usasse as palavras como

Solução...

A única coisa que me vem são estas imagens

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A única coisa... (silêncio)

Às vésperas de me fazer adulta

Tive duvida se vale a pena

Não há nada que me convença que estou em plena evolução...

Isso é para o Darwin, que provavelmente não sabia nada sobre as mulheres

E se soubesse, não viajaria tanto.

POEMA 5

Estou triste A história que tanto Ensinou-me Deu cabo de nós Ontem estávamos sozinho E não era coincidência A arte que tanto indagamos E nos ferimos Não representava Nada Era silêncio O que fizemos juntos Só cabe a nós Amei-te muito E foi a performance Mais difícil De toda a minha vida Estar ao teu lado ontem Contou-me um dia Que o artista tem dez anos E que eu estava apenas no terceiro Não sei em que ano Encontro-me agora Mas sinto tua falta Fiquei muito tempo

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Com uma pintura sua E quando devolvi, Você falou que podia Jogar fora Retomei a minha pintura Ali estava o meu caminho Compreendi-te tanto Que você passou A ser parte da minha história Silêncio. Leia Cage Ouça Cage – Você disse: Ele fala sobre o silêncio “Sabia que o silêncio Não existe” Existe sim Era apenas eu e você Como sempre. Não vou te esquecer Enquanto puder esboçar Um pensamento sobre arte Enquanto puder Pintar o que penso Sobre a vida Sabia que nós dois Sobrevivemos literalmente? Ontem eu estava lá

TAKE 18

Não tenho nenhuma vocação para Penélope, Nenhuma. Gostaria que ele ficasse aqui Ao meu lado. Dizendo coisas, Aguçando a minha imaginação Os meus fetiches

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POEMA 6

PARTE 1 Não tenho coragem Para me matar Já sei onde diabos Deixei meu significado E mesmo significando pouco Já vivo O que significo E faço

PARTE 2 Quem eu amo Passa Quem eu olho Passa Quem eu pari Passa Quem eu beijo Passa Por quem me apaixono Passa PARTE 3 Ver os diabos a quem pertenço Tenho comigo A falta de coragem Da morte Mesmo que Deus não queira Até por falta De sorte

TAKE 19

Não quero duvidar da minha sanidade

Em nome de quem amei,

E muito menos por estar fazendo algo que só compete

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À minha vaidade,

Mas há horas que eu tenho duvidas do que vivi.

TAKE 20

Ás vezes até acredito que ele deva estar

Andando por aí...

Em algum lugar,

Me observando de longe

Se me avistasse nesta situação também duvidaria de minha sanidade.

Ele só não terá duvidas,

Se realmente um dia me amou...

E se por um minuto teve a mesma sensação que eu tive.

POEMA 7

Cúmplice de um diálogo Seguirá o serialista Sério de si Em pensar no efeito Da perda da linguagem Sem referência Sobrou-o sozinho

Como uma catedral Sob o mar de Debussi Não vou fazer objeções Quanto à solidão Mas pertencerei a estes Hiatos de pensamentos Andrades Não me compete A intenção de repetir Signamente a solidão

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Andamos súbito de si Que ao meu ver As respostas não comportam O espaço em branco Do que estudei Não vale a pena Nem na palavra

TAKE 21

A palavra só tem valor quando não temos nada a dizer,

Quando ela nos falta,

E neste caso não precisa ser por ninguém.

Nem por alguma coisa.

Apenas a falta, a ausência de uma situação...

Quando alguém diz que te ama.

TAKE 22

Tentei prever o que poderia me acontecer

No momento que você me deu as costas

É como um vulto que pensamos estar

Presente.

TAKE 23

As coisas não acontecem assim.

Quando estamos juntos

Apenas estamos...estamos...

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Guardar as fotos dos momentos bons,

É querer esquecer os momentos ruins.

Eu prefiro me registrar

Criar um alfabeto próprio

A escrita superior

Um A, E,I,O,U ...

Em preto e branco

Como o passado que aprendi a ver

Nos filmes.

TAKE 24

Uma lei só é obtida pela insistência da duração...

Esta é a melhor definição para um casamento.

Nunca pensei no quanto deve durar esta minha atitude.

De me repor em recortes

Montando a minha memória através das imagens em partes

De meu corpo

TAKE 25

A cada ida de minha imagem

Retirada pela luz que apalpa meu corpo de baixo para cima,

Subtraio a matéria dele

Impregnada em mim

TAKE 26

Performance... e mais performance

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Redesenhando todo o meu corpo

Em cada parte que você tocou

Eu agora faço o mesmo

Apenas apertando um botão.

Um homem quer entrara em alguém

A mulher quer estar em alguém

POEMA 8

Cheguei, E li um bilhete seu Que parecia dizer amém A cada irrealidade Que eu tinha te contado Superei, Aquele ar de espanto E espremi meu cérebro Até que a última vertigem Se contaminasse Do que eu havia Dito e feito Não é sempre Que me encontro Neste celibato inóspito Que contrai Todo meu teor humano Em remorso No bilhete Acreditei estar ali Razão suficiente Para que eu Esperasse você suspirar De dor e prazer Amor pra sempre

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Não era apenas um bilhete Era o passado a limpo

Que me garantia Mais dois anos de vida Boca a boca De respiração plena Paciência – eu pensei Paciência... Este bilhete Faz-me transpor A fronteira sem passaporte Mais astuto que existe, O da dignidade Entre eu E o que você deixou escrito Afixado no desespero Do acaso Um encontro duradouro Que só coube ao passado Mesmo antes de qualquer bilhete Na pior parede que seja No pior cômodo de minha casa

TAKE 27

Sempre se corre risco nestas situações

Não existe o homem perfeito

Nem na Grécia antiga

Naquelas esculturas de cor de salitre

E com crenças nos pálidos lábios...

Não posso me sentir um ser

Privado de corporeidade

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Meu corpo clama por alguns sentidos seus.

Quando estávamos perto,

Um do outro.

Eqüidistante da ética

Que me fez prisioneira,

Não sei direito,

Se era a mesma pessoa que me lembro agora.

As pessoas que nos viam

Tinham até a solução para minha neurose

Em relação à vaidade dele.

Onde estão estas pessoas que

Antes me vigiavam pela quantidade de paixão que eu tinha?

Em algum lugar...

Na certa escondidos porque não demos certo.

Estou apaixonada por esta minha imagem,

Acho que foi este o meu engano,

Não me apaixonar por mim mesma

Antes de colocar alguém dentro de mim

TAKE 28

Se por um minuto eu pudesse pensar como ele,

Mais que isso,

Sentir como ele me sentia

Eu me beneficiaria da influência

De sua infantilização...

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Disso eu garanto.

Como demorou para que eu entendesse

Que para estar com alguém

Tem que se tirar raios-X

De seus pulmões,

Depois de um grande beijo cedido pelos lábios

Para ver se há um pingo do meu ar

Ou de minha saliva dentro dele.

Teve até um artista que certa vez

Guardou o ar de sua cidade dentro de uma caixa de madeira...

TAKE 29

Parece engraçado,

Mas se eu tivesse o ar dele dentro de uma caixa desta.

Talvez sentisse mais o seu hálito do que

Qualquer tipo de brisa

TAKE 30

Não...não vale a pena

Qualquer texto posto na boca,

Depois de uma grande paixão

Corre-se o risco de virar uma tragédia,

E neste caso é bem melhor

Que vire memória,

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Imagem...

POEMA 9

Quando estamos Não há Maridos Esposas Homens Mulheres Garotos Garotas Namorados Namoradas Filhos Filhas Menino Meninas Amigos Amigas Alunos Alunas Mas há

Quando estamos O sentido De sermos consumidos Pelo que Não existe Dentro de nossas Paixões (ATAME COM TRILHA)

Atame Com a vida Na garganta E dissimula Um sussurro frouxo Que diz Morte para

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Os que tem prazer Venha aqui E corte meus Pulsos com teus Lábios Se cobras Tanto assim Ajuda-me a desfazer O leito que A pouco jaz excitado Quase morto Por você não compreender Que sou humano Dei margem ao outro Dissimulei o ódio E o ciúme Esta pena de morte Dos covardes A força dos abruptos A gilete dos fracos E a indiferença De quem não te olhou E me sentei Em um sofá Antes de voltar para casa Dissimulei novamente o ócio Da semente atada Atame E não me digas Que me ama Porque quero Voltar sem remorso Do pouco que Resta na mira Dos fracos Aponte-me uma saída Com os dedos Dos teus pés Lânguidos dos caminhos

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Raros como Atar a si mesmo Significados frouxos Atame Do que não significo Faça amor comigo Só por intelecto Cuspa no prato Que não comemos Por falta de sinceridade Léxico da escritura Que te pertence Analfabeta Por atar Apenas Sedução Charme E Compaixão Dos Inofensivos

TAKE 31

(COM TRILHA)

A lembrança tem ossatura Tem consistência...

A memória tem que se

Constituir em

Palavras

A minha mente está cheias delas

Só as palavras podem fazer

Durar e reviver

E apenas as imagens podem

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Fazer do luto de uma alma viva

Se tornar companhia

E deixar que fique atado para sempre

Como uma tatuagem às avessas

Em que meu corpo, atado a uma lembrança, passe a marcar essas imagens.