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PERSONA José Luiz de Alencar Lotufo, ex-aluno da EAESP/FGV, voltou recentemente da Venezuela, onde foi responsável durante os últimos três anos pela gerência geral da subsidiária local da DuPont. Em seu retorno, ele assumiu a Diretoria Administrativa Financeira dajoint-venture Renner DuPont Tintas Automotivas e Industriais S/A. Em entrevista concedida à RAE /tj/tt, Lotufo analisa sua experiência gerencial no Brasil e no exterior e os desafios da atuação em um mercado crescentemente globalizado. por Renato Guimarães Ferreira 14 RAE Light - v.3 • n.t • p.14·21 Atuando em um mercado globalizado

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PERSONA

José Luiz de Alencar Lotufo, ex-aluno da EAESP/FGV, voltou recentementeda Venezuela, onde foi responsável durante os últimos três anos pela

gerência geral da subsidiária local da DuPont. Em seu retorno, ele assumiu aDiretoria Administrativa Financeira dajoint-venture Renner DuPont TintasAutomotivas e Industriais S/A. Em entrevista concedida à RAE /tj/tt, Lotufo

analisa sua experiência gerencial no Brasil e no exterior e os desafios daatuação em um mercado crescentemente globalizado.

por Renato Guimarães Ferreira

14 RAE Light - v.3 • n.t • p.14·21Atuando em um mercado globalizado

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RAE Light: Quem é José Luiz deAlencar Lotufo? Qual é sua formaçãoe sua trajetória profissional?

Lotufo: Nasci em São Paulo, ondepermaneci até os cinco anos de idade.Depois tive uma trajetória de mudan-ças muito grande com a família, tendomorado em várias cidades do interiordo estado de São Paulo. Desde peque-no, portanto, estou acostumado a mu-dar, o que me levou a ter uma expe-riência de vida considerável em ter~mos de adaptação a diferentes ambien-tesoVoltei para São Paulo aos 17 anospara estudar na Fundação Getúlio Var-gas. Comecei o curso de Administra-ção de Empresas em 1964, justamentena época da Revolução. Mas antes fizo cursinho da própria GV em instala-ções muito precárias no primeiro andardo prédio da Nove de Julho, que aindaestava em construção. Entrando na Es-cola, fiz os dois primeiros anos na sededa Martins Fontes e os dois últimos naNove de Julho.Recém-formado, comecei minha car-reira atuando em empresas de diferen-tes ramos de negócios nos primeirosdez anos, tais como prestação de servi-ços, seguradoras e bancos. Nesse pe-ríodo tive uma mobilidade muito gran-de, sendo que o maior tempo de per-manência numa mesma empresa foramcinco anos em uma joint-venture daárea petroquímica, sediada no pólo deCamaçari, da qual inclusive a própriaDuPont fazia parte. Em 1980, já comdoze anos de formado, tive que fazerpela primeira vez um currículo paraprocurar um emprego. Até então nun-ca tinha tido essa preocupação. Eu meformei numa época em que o cresci-mento econômico era muito grande, oBrasil passava por uma fase muito in-teressante e eu mudava de emprego

© 1996, RAE Ught /EAESP/FGV, São Paulo, Brasil.

ATUANDO EM UM MERCADO GLOBALlZADO

com muita facilidade, por meio deconvite de amigos ou por indicação depessoas da própria GV. Assim, fui fa-zendo minha carreira. De repente, eume vi na condição de procurar um em-prego. E aí foi quando eu me depareicom a oportunidade da DuPont. In-gressei na DuPont em 1980 e isso foium marco muito importante na minhacarreira, pois houve desde o iníciouma identificação muito grande com aempresa.Eu comecei minha carreira na área fi-nanceira, onde tinha sido basicamentea minha formação. Passei cinco anosem várias área da controladoria e, emseguida, atuei durante três anos comotesoureiro da DuPont do Brasil.

RAE Light: Quais são as mudançasque tiveram grande impacto em suacarreira? O que elas significaram?

Lotufo: Após oito anos de experiên-cia na DuPont, ocorreu talvez amaior mudança de toda minha car-reira: fui nomeado Diretor de Recur-sos Humanos da DuPont do Brasil.Foi uma mudança radical, uma mu-dança realmente violenta, porque eunão possuía formação em RecursosHumanos. Sempre tive muita facili-dade no relacionamento humano, tal-vez daí tenham percebido alguma ha-bilidade para trabalhar na área. Euconsidero essa experiência o maiordesafio profissional que já tive: ten-do que entender simultaneamente aárea de Recursos Humanos, as Iimi-rações tanto da empresa como dosfuncionários e meus próprios limitescomo gerente ou como diretor. En-quanto você não consegue equilibraressa equação, sofre muito, porquevocê se acha um incompetente, você

não consegue atender aos anseios eàs necessidades das pessoas. Alémdisso, você não consegue resolver oconflito entre o que a empresa tempara oferecer e o que as pessoas de-mandam da empresa. E eu sofri mui-tíssimo nos primeiros meses, che-guei a emagrecer bastante. Mas, pas-sada essa fase inicial e tendo supera-do suas dificuldades, acabei ficandocinco anos na área de Recursos Hu-manos.

RAE Light: Qual área influenciou pro-fundamente sua carreira?

Lotufo: Acho que realmente me en-contrei e amadureci muito profissio-nalmente na área de Recursos Huma-nos, onde você conhece a empresa noseu âmago, na sua alma. Onde vocêpercebe realmente que você conhecea empresa no seu todo. Você passa aconfiar e a entender a empresa. Émuito difícil você transmitir isso paraos demais, para os funcionários, por-que nem todos têm essa possibilidadede conhecer a empresa tão a fundo.Como Diretor de Recursos Humanos,seu maior desafio é transmitir para aspessoas aquela confiança que vocêtem. Mas você adquiriu essa confian-ça vivenciando questões concretas,adquirindo experiência por meio deexemplos, oportunidades, situaçõesem que você teve que tomar decisõese decidir destinos de pessoas. Ao ten-tar transmitir isso para as pessoas,elas podem não entender, porqueacham que você está num papel dedefender somente o interesse da em-presa. E não, você tem que ter umaposição muito equilibrada para defen-der o interesse tanto da empresa quan-to do funcionário.

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RAE Light: Como surgiu a oportuni-dade de trabalhar no exterior?

Lotufo: Depois dessa experiência decinco anos de Recursos Humanos, re-cebi um convite muito interessante quenão titubeei em aceitar, que foi assu-mir a gerência geral da DuPont na Ve-nezuela. É uma subsidiária pequena,mas estrategicamente muito interes-

porcionou uma maturidade, uma pers-pectiva de exercício de liderança mui-to diferente. Eu tinha vários chapéusao mesmo tempo: tinha a representa-ção da subsidiária como country ma-nager, era responsável direto pela áreade Recursos Humanos e também tinhaa responsabilidade compartilhada pelonegócio de tintas da DuPont na Vene-zuela, por meio do qual nós fornecía-

mos para toda a in-dústria automobi-lística local. NaSe você for atuar em outro país naverdade, eu atuavacomo uma espéciede coordenador ad-ministrativo de to-dos os negócios lo-cais da DuPont, or-ganizados na formade unidades de ne-gócios. Na DuPont,de maneira geral,cada unidade de

negócios tem uma linha funcional euma linha administrativa. Os gerentesdos vários negócios se reportam funcio-nalmente ao gerente regional e admi-nistrativamente ao country manager.Assim, eu tinha a responsabilidade deprover toda a infra-estrutura de opera-ção para os negócios que estão na sub-sidiária e também de representar aempresa diante do público externo,para quem você passa a ser, de certaforma, a imagem da empresa. Parti-cularmente nesse sentido foi uma ex-

mesma empresa, você não sentirá muita

diferença. Você tem uma identidade da

empresa que não se confunde com a

identidade do país. Lógico, você vai

atuar em um meio específico, uma

comunidade particular, uma sociedade.

Mas seu dia-a-dia de trabalho é muito

dirigido pela cultura da empresa.

sante em termos de sua presença noPacto Andino e aceitei no mesmo ins-tante. Eu me lembro que consultei aminha família e eles também aceita-ram imediatamente. Eu já estava há 16anos morando no mesmo apartamento,tempo demais para mim. Eu pratica-mente nunca havia mudado com a mi-nha família, sendo que, como mencio-nei anteriormente, tinha tido uma ex-periência de mudanças desde a infân-cia muito boa. Eu pensei comigo mes-mo: "É uma oportunidade ainda queum pouco tarde na minha carreira, osmeus filhos já são adolescentes, masainda assim eu acho que épositivo. " Efomos para a Venezuela.Moramos em Caracas durante trêsanos e eu considero uma experiêncianão somente do ponto de vista profis-sional - como também pessoal -muito enriquecedora. Eu acho que pro-

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periência muito interessante, poisvocê convive com os empresários dasmelhores companhias, com um mun-do realmente muito influente na so-ciedade do país, participando de reu-niões, de câmaras, enfim com um ní-vel de exposição muito grande e im-portante.Em nível pessoal, a experiência foi

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também espetacular a ponto de no iní-cio meu filho mais novo, que na épo-ca tinha 15 para 16 anos, ter sofridomuitíssimo com a adaptação, mas nomomento de voltar ele já não maisqueria sair de lá. Ele se adaptou mui-to bem. Meus filhos estudaram emuma escola americana, tendo assimnão só aprendido o espanhol peloconvívio diário, como também o in-glês em função da escola. Isso, comouma experiência de vida, não há cur-so que pague.

RAE Light: O que você considera fun-damental para ter uma experiênciabem-sucedida no exterior?

Lotufo: Aprender a conviver, a acei-tar, adaptar-se a culturas diferentes.Você tem que buscar sempre apreciaraquilo que é bom e deixar de ladoaquilo que é ruim. Acho que todos ospaíses, todos os povos, todas as cultu-ras têm seu lado positivo e seu ladonegativo. Se você for com um olhocrítico para ver só aquilo que não fun-ciona, é muito difícil. Você vai encon-trar e vai ficar muito desgostoso, vaificar muito amargurado, porque ascoisas não funcionam. Você tem quedeixar de lado, entender que isso é umingrediente de qualquer cultura, dequalquer país, de qualquer sociedade,e procurar ver as coisas boas. Eu achoque essa visão otimista, e até com umcerto senso de humor, no sentido devocê procurar aceitar as dificuldadese as desvantagens que você tem, éfundamental. É importante aceitar oque é novo, aceitar as diferenças,aceitar a diversidade, e conviver, tirarproveito disso. Isso é uma coisa queeu sempre falava. Eu acho que sevocê ficar se amargurando "Puxa,

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mas aqui não tem isso, aqui não temaquilo", a experiência não lhe agreganada, muito pelo contrário. Aquiloque você não tem, tudo bem, mas vejaaquilo que há de bom. Neste aspecto,a Venezuela foi uma experiência mui-to interessante.A Venezuela é um país de característi-cas que nós brasileiros não conhece-mos muito bem, muito distante. O ve-nezuelano é muito mais voltado para oNorte do que para o Sul, com um esti-lo de vida muito americano. Foi umpaís que já teve o seu apogeu, na épo-ca do petróleo, quando foi considera-do praticamente um país de PrimeiroMundo, muito avançado, economica-mente muito saudável e que hoje vemperdendo esse espaço, vem perdendoterreno. Aliás, hoje a Venezuela atra-vessa uma situação crítica. Acho quede todos os países da América do Sul,é um dos poucos que está totalmentena contramão da história, consideran-do que os outros países vêm já de umaforma ou de outra equacionando seulado econômico.Lá, entre outras coisas, nós aproveitá-vamos o clima de Caracas (que é espe-tacularmente homogêneo durante oano inteiro), sua maravilhosa localiza-ção geográfica em um vale com o ver-de em seus arredores. Eu era um apai-xonado pela Ávila, a montanha quecruza toda a cidade. Meu escritório ti-nha uma janela, da qual eu a avistava.Essas coisas me reconfortavam muitís-simo. Vendo esses dados positivos,você acaba convivendo muito bemcom a nova realidade.Outro elemento que me parece impor-tantíssimo para um executivo, sejahomem ou mulher, ter realmente umaestabilidade emocional em seu desafiono exterior é que a família compreen-da, aceite e dê apoio a isso. Não apenas

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ATUANDO EM UM MERCADO GLOBALlZADO

do ponto de vista pessoal, mas tambéma partir da minha experiência comoDiretor de Recursos Humanos, sintoque é fundamental entender como afamília encara a transferência. Se amulher do executivo transferido (ou omarido da executiva transferida, poistambém tivemos casos assim) temuma profissão, por exemplo, e ele ouela deixa de trabalhar, isso passa a serum problema. É necessário que a em-presa encontre mecanismos de supor-te à adaptação a essa nova realidade.O suporte familiar é, para mim, odado fundamental da estabilidadeemocional do executivo. A famíliaestando bem, ela encarando positiva-mente esse desafio, as coisas tendema dar certo. Se não for assim, vocêclaramente tem uma dificuldade, umfator de desequilíbrio muito forte.

RAE Light: Com a sua experiência noexterior e, certamente, tendo convivi-do regularmente na DuPont com exe-cutivos estrangeiros, o senhor achapossível afirmar que existe um estilogerencial brasileiro?

Lotufot Minha experiência na DuPontjá é muito influenciada pelo estilo geren-ciaI americano, mas eu realmente notoalgumas diferenças nacionais na inter-pretação desse estilo. Eu acho que osbrasileiros valorizam algumas coisasque talvez outros países não vejam damesma maneira. Acredito que o brasilei-ro, na sua maneira de atuar como geren-te, tem uma dedicação, um comprometi-mento muito grande com a empresa.Uma diferença interessante que eu sen-ti na Venezuela diz respeito à questãodo cumprimento de horários. Aqui noBrasil, quando você marcava uma reu-nião para as 9 horas, a reunião começa-

va às 9 h com todo mundo. Na Vene-zuela, tive muita dificuldade no iníciopara fazer com que as pessoas chegas-sem e a gente começasse as reuniõesno horário. Quer dizer, eles tinhamuma liberdade de horário diferente danossa. Para eles, cinco, dez, quinzeminutos de atraso não significavamproblema algum.Há uma característica da DuPont queeu considero muito marcante que é aprática de você estabelecer continua-mente objetivos, metas e então buscaros resultados. O venezuelano faz isso,mas de uma maneira muito mais infor-mal, muito mais emotiva. O relaciona-mento no dia-a-dia de trabalho do ve-nezuelano comparado com o do brasi-leiro, é muito mais afetivo, de amiza-de mesmo. Acredito que você dandoatenção às pessoas, interessando-sepor elas, acaba conseguindo resulta-dos de uma maneira muito eficiente eaté mesmo semelhante. O componen-te pessoal, emocional, é importante.Talvez nesse caso o brasileiro seja umpouco mais objetivo no seu relaciona-mento. Lá era muito comum você tercomemorações de aniversários noambiente de trabalho, a entrega deprêmios de reconhecimento era públi-ca, quer dizer, você fazia uma soleni-dade para entregá-los, coisas que agente aqui não tinha muito o hábito defazer. Eles têm esse lado emotivo tal-vez mais aguçado que o nosso, apesarde que o brasileíro é também tidocomo bastante emocional. A diferen-ça com relação ao Brasil certamentenão é tão grande como a diferença emrelação aos Estados Unidos.

RAE Light: Com a movimentaçãocada vez mais intensa de executivose com a facilidade crescente de co-

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municação entre os diversos países,o senhor acredita no desenvolvi-mento de um estilo gerencial inter-nacional, com características supra-nacionais?

Lotufo: Sim. Acho que hoje a ques-tão da comunicação, da globaliza-ção, faz com que essas diferençasnão sejam tão notadas mais. Eu achoque se você sair daqui e for atuar emoutro país na mesma empresa, vocênão sentirá muita diferença. Os valo-res com que você vai tratar são mui-to parecidos. Você tem uma identida-de da empresa que não se confunde

to rápida, muito ágil. Você tem oscorreios eletrônicos, ligando todo omundo. Foi-se o tempo em que vocêchegava e não sabia exatamente oque ia encontrar, tudo era inusitado.Hoje parece que há realmente umcerto padrão mais internacional.O executivo que tem uma experiênciainternacional, de viagem ou trabalho,acaba desenvolvendo uma visão dife-rente daqueles que nunca saíram deseu dia-a-dia, de seu local de traba-lho. Você nota que as pessoas queviajam, que adquirem uma determi-nada experiência no exterior, come-çam a entender o mundo de uma ma-

neira diferente.

o executivo que tem uma experiênciainternacional, de viagem ou trabalho,

acaba desenvolvendo uma visãodiferente daqueles que nunca saíram

de seu dia-a-dia, de seu local detrabalho. Você nota que as pessoas queviajam, que adquirem uma determinada

experiência no exterior, começam aentender o mundo de uma maneira

diferente.

com a identidade do país. O que vocêvivencia são os valores da empresa,na verdade. Lógico, você vai atuarem um meio específico, uma comu-nidade particular, uma sociedade.Mas seu dia-a-dia de trabalho é mui-to dirigido pela cultura da empresa.Isso é muito nítido na DuPont, querdizer, a gente recebe visitas aqui deexecutivos de outros países ou vocêvai fazer visitas no exterior e, na ver-dade, você chega e o padrão de apre-sentação e os assuntos que estão sen-do tratados são muito semelhantes. Epor quê? A comunicação hoje é mui-

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RAE Light: Em suaopinião, que tipode atributo seriacaracterístico desteexecutivo interna-cional?

Lotufo: Eu sintoque uma caracte-rística distintivabásica é essa visãodo inter-relacio-

namento dos negócios em nível glo-bal. Acho que aquelas pessoas quetêm essa oportunidade de sair e terexperiências em outros países co-meçam a entender que existem ou-tras oportunidades. Por que eu digoisso? Veja o caso da DuPont naAmérica do Sul, especificamenteno Brasil. O Brasil sempre foi umaregião com um crescimento em ter-mos do negócio DuPont muitobom, mas nós sempre tivemos mui-ta dificuldade em atrair investi-mentos para cá. Por quê? Muitasdas pessoas que tomavam decisões

nos Estados Unidos não conheciama nossa realidade econômica. Paraeles, o que havia eram apenas difi-culdades econômicas, inflação alta,problemas de escolaridade e de for-mação. Eles não viam que havia umoutro lado, que você, apesar de tudoisso; conseguia fazer negócios e terum crescimento muito importante.Então, à medida que você conseguetrazer essas pessoas para cá e elasconseguem entender um pouco dessarealidade mais ampla, você desmisti-fica, você tira uma série de precon-ceitos que se formam e elas passam aentender que também é possível con-viver com essa realidade e fazer ne-gócio. Mas esse é um desafio muitogrande.

RAE Light: Qual é a origem da RennerDuPont?

Lotufo: A Renner DuPont é uma as-sociação, umajoint-venture. Na ver-dade, a história dessa associação re-monta mais de dez, doze anos. Entre1972-73 e 1986, a DuPont tinha a Po-lidura, Em 1986, ela fez uma asso-ciação com a Renner e com a Hoechst.Nessa associação, a DuPont e a Hoechstnão atuavam gerencialmente; o negó-cio era gerido apenas pela Renner,com uma participação meramente fi-nanceira dos outros dois sócios. Em1995, depois de dez anos da associa-ção inicial, chegou-se à conclusãode que essa sociedade não estavasendo muito boa para todos os sócios,todos os parceiros envolvidos. AHoechst e a DuPont eram, em últimainstância, concorrentes. As duas têminteresse na área de tintas, e com issoo aporte de tecnologia àjoint-ventureera prejudicado. Então a Renner, a

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DuPont e a Hoechst decidiram rees-truturar a associação: resolveu-.seque a Hoechst sairia do negócio eque ficariam apenas a Renner e aDuPont em um acordo firmado emcondições distintas das iniciais.A DuPont aumentou sua participaçãotanto em nível financeiro, quanto emnível da gestão administrativa. Essanova empresa, chamada RennerDuPont Tintas Automotivas e In-dustriais S/A, começou a vigorar apartir de 1Q de janeiro de 1996, atuan-do especificamente nos segmentosde indústria automobilística e indús-tria geral. Antes, a Renner atuava empraticamente todos os segmentos detintas, o que incluía, além das tintasautomotivas e industriais, tintas de-corativas, de madeira, de latas. ARenner DuPont foi formada comfoco nos primeiros segmentos e aRenner, individualmente, mantevesua atuação nos outros segmentos.Isso significa que a Renner DuPontestá envolvida, entre outras coisas,no fornecimento, para as montado-ras, de tintas que são utilizadas napintura original dos veículos. Temosuma linha também voltada para a re-pintura de veículos. Na área de in-dústria, fornecemos para indústria delinha branca (geladeiras, [reezersetc.), televisores, bicicletas, motos,acessórios, autopartes, tudo isso. Aárea de atuação da Renner DuPonté a área mais nobre de tintas, queexige uma sofisticação tecnológicamuito superior à linha mais do-méstica.Com essa mudança na associação,nós passamos a ter uma representaçãocom três diretores: o Diretor Superin-tendente, o Diretor de Operações e oDiretor Administrativo Financeiro,cargo que assumi e cuja responsabili-

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ATUANDO EM UM MERCADO GLOBALlZADO

dade se estende pelas áreas de Recur-sos Humanos, Finanças e Sistemas.São três áreas que eu estou reformu-lando, reestruturando aqui. Das trêsáreas colocadas sob minha responsa-bilidade, tenho uma boa experiênciaem duas. A terceira, Sistemas, é umnovo desafio.

RAE Light: Qual é a estratégia deuma empresa que atua em diversosnegócios e países? O que a mantémunida, integrada?

Lotufo: Épreciso entender um poucoque a DuPont passou por várias eta-pas. A DuPont é uma companhia dequase duzentos anos. Ela tinha umforte apelo no início, na sua forma-ção, por produtos, quer dizer, era umaempresa tecnologicamente de desco-bertas, de inovações, de criações, deinvenções. Ela inventava um produtoe o produto era vendido, porque todomundo precisava dele. Depois demuito tempo, ela percebeu que nãobastava só inventar, tinha que comer-cializar. Veio então uma segundaonda na DuPont, quando a influênciado marketing; do cliente aumentoumuito. O cliente passou a ter uma pre-sença mais forte. A terceira onda,mais recente, envolveu uma reestru-turação da empresa por unidades denegócios, uma tendência entre asprincipais multinacionais, No nossocaso, foram estabelecidas unidades denegócios de uma maneira muito inte-grada, deixando de haver uma separa-ção entre negócios e área de suporte,área de staf!. As áreas administrativasde suporte foram integradas dentrodos negócios, contribuindo, assim,para a criação de uma identidade totalde cada negócio.

Foram criados as SBUs (StrategicBusiness Units), que têm uma pre-sença em nível mundial. A SBU mun-dial é que determina as estratégiasglobais, onde construir uma fábrica,onde estabelecer um canal de distri-buição. Não temos necessariamenteque construir fábricas em todos oslocais, em todos os países. Podemosutilizar uma unidade para fornecer emnível regional, por exemplo. Hojevocê tem um intercâmbio de produtosmuito grande. Essas SBUs, que são22 ou 23 no total, têm uma ligaçãomuito grande estabelecida por meiode networks. Essas networks foramformadas para manter as SBUs inte-gradas de uma maneira que elas nãopercam a identidade da DuPont. Umatendência natural seria cada vez maiselas se transformarem em empresasautônomas e passarem a ter vida pró-pria. Mas não, existem algumas áreascomuns, áreas que representam umdenominador comum a todos osnegócios. Você tem, por exemplo,networks de Finanças, de RecursosHumanos, de Sistemas que reúnemrepresentantes de todos os negócios.Estratégias são definidas nesse nívele depois cada um as leva para o seunegócio. Você tem, assim, a possibili-dade de discutir estratégias funcio-nais tendo ao mesmo tempo uma vi-são corporativa e uma visão do negó-cio específico.

RAE Light: A reestruturação da em-presa por unidades de negócios permi-tiu a transferência de recursos tanto fi-nanceiros quanto humanos entre essesdiversos negócios?

Lotufo: Sim. A riqueza de você traba-lhar numa estrutura como essa envol-

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ve a possibilidade de fazer um cross-[unctional training, Você tem genteque sai, que vai para outros países, quefica durante algum tempo fora. A idéiaé sempre você mandar o executivopara o exterior e depois de algum tem-po ele voltar, mas alguns acabam fi-cando por lá mesmo. Recebem propos-tas e acabam assumindo posições dedestaque no exterior. Mas além dastransferências, você pode contar comoutro tipo de recurso. São pessoas quevêm, que dão um apoio, uma orienta-

vídeo conference. Em reuniões queduravam meio dia, nós falávamosdos resultados do mês, das perspec-tivas dos negócios, do clima e da si-tuação econômica de cada país. Euparticipava dessa reunião sem medeslocar, vivenciando aquilo comose estivéssemos todos sentados ladoa lado. Não há dúvida de que a dis-ponibilidade desses recursos acabouencurtando dramaticamente as dis-tâncias.

Nos cargos de gestão superior, a

multifuncionalidade é muito mais

importante hoje do que uma

profundidade de conhecimentos numa

só área. Os desafios que enfrentamos

hoje são muito maiores e isso resulta

em uma demanda extremamente

exigente por profissionais com uma

visão ampla da realidade de negócios.

RAE Light: Qual éo nível de articula-ção das atividadesda Renner DuPontcom a estratégiaregional ou global?A Renner DuPontatende, por exem-plo, apenas aoBrasil?

ção para que a roda não seja reinven-tada aqui. Eu acho que essa é uma ou-tra oportunidade riquíssima viabiliza-da por uma estrutura como a nossa.

RAE LightT: Qual é o impacto dodesenvolvimento tecnológico na co-municação entre as diversas unida-des da DuPont?

Lotufo: Durante os três anos em quevivi na Venezuela, eu vinha regular-mente ao Brasil para participar de al-gumas reuniões em nível regional.Uma vez por mês, no entanto, eu par-ticipava de uma reunião de resulta-dos operacionais que era lideradapelo presidente da região através de

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Lotufo: Não, aRenner DuPont é

uma empresa com características re-gionais. Nós temos uma presença real-mente mais forte no Brasil, mas temosainda uma unidade na Venezuela, ou-tra na Argentina e distribuição no Mé-xico, Paraguai, Uruguai, Colômbia.Ou seja, hoje nós temos uma presençaem nível de América do Sul e perse-guimos uma estratégia que é pensadade maneira articulada envolvendo to-das essas unidades.É importante ressaltar que no segmen-to automobílístico, como você temclientes globais, você tem que ter umapresença global. Isso ocorre porqueempresas do porte da GM, Toyota ouHonda querem ter fornecedores compresença em todos os lugares onde elasatuem. Isso é ao mesmo tempo uma

vantagem e uma desvantagem para aRenner DuPont. A vantagem decorredo fato de que, à medida que a GM écliente da DuPont nos Estados Unidos,a GM do Brasil dará preferência aquem é DuPont aqui também. A des-vantagem, por outro lado, é que vocêacaba tendo o outro lado da equaçãoque é a pressão por preços internacio-nais. A GM, por exemplo, vai falar: "Opreço pelo qual você vai me forneceraqui é o mesmo preço que eu tenho nosEstados Unidos, no Japão e na Euro-pa." E você então tem de adaptar-se aessa realidade.

RAE Light: O senhor tem uma traje-tória profissional que inclui passagenspor diversas áreas funcionais, o quecertamente contribui para uma visãomais integrada, generalista do negó-cio. Como o senhor vê a questão do ge-neralista versus especialista no mundodos negócios hoje?

Lotufo: Essa é uma questão muitointeressante. Acho que à medidaque você vai subindo e assumindomais responsabilidades, você acabaatuando menos tecnicamente e maisadministrativamente, gerencíalmen-te. Você tem um componente gene-ralista de sua capacitação que acabasendo muito mais demandado. Noscargos de gestão superior, essa mul-tifuncionalidade é muito mais im-

Iportante hoje do que uma profundi-dade de conhecimentos numa só

II

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área. Os desafios que enfrentamoshoje são muito maiores e isso resul-ta em uma demanda extremamenteexigente por profissionais com umavisão ampla da realidade de negó-cios. A pessoa deve ter o domíniode algumas ferramentas básicas, de

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um conhecimento técnico, aliada auma vivência mais ampla, e não vin-culada a segmento muito específico.A trajetória de pessoas que ocupamhoje posições de destaque em nívelempresarial parece envolver comfreqüência essa transição por váriasáreas e, nesse particular, a DuPont érealmente uma escola importantíssi-ma. Quando ela percebe que o pro-fissional tem potencial para ser de-senvolvido, ela busca promoveruma rotação forte do profissional,colocando-o diante de desafios paraos quais ele não está plenamentepreparado, mas apostando na suacapacidade de superá-los.Em alguns casos específicos, no en-tanto, você precisa de especialistas.Se você está contratando uma pessoapara fazer um trabalho dentro de umaárea de finanças, com um componen-te técnico muito forte, você tem quebuscar o melhor nessa área: estudoseconômicos, simulações, projeções,planejamento estratégico. Você temque ter gente muito gabaritada, espe-cializada mesmo.

RAE Light: Você diria que hoje suatrajetória é uma trajetória comum den-tro da DuPont?

Lotufo: Eu diria que a DuPont temmuitos exemplos como o meu. Tendoidentificado um determinado poten-cial, ela faz um desenho de carreirasob medida, quer dizer, coloca pes-soas em áreas distintas, propiciando-lhe experiências que lhe permitamreceber maiores responsabilidadesfuturas, posições gerenciais de dire-ção. Eu diria que hoje essa é a regrade ponto de vista de gestão de carrei-ras, não a exceção.

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ATUANDO EM UM MERCADO GLOBALlZADO

RAE Light: Quais são os desafioscolocados pela gestão de uma joint-venture'l

Lotufo: O fundamental é entendercom clareza o porquê da joint-ventu-re, o que cada sócio pode aportar,como eles se complementam. A asso-ciação é ideal, quando há uma com-plementação efetiva e o estabeleci-mento de interesses verdadeiramentecomuns. No caso da Renner DuPont,você tem uma complementação mui-to interessante. A Renner tem umapresença forte no mercado, canais dedistribuição já estabelecidos, umaimagem muito positiva. A DuPont,por sua vez, contribui com um aportetecnológico e uma presença global, oque, conforme já comentei antes, éimportantíssimo no mundo de hoje.Essa complementação é algo que fazcom que ajoint-venture realmente te-nha a sua identidade. O fundamentalao administrar uma joint-venture évocê saber conciliar os interesses dosacionistas, mas sempre tomando deci-sões em benefício da joint-venture. Oêxito da joint-venture, o seu sucessovai ser o êxito dos sócios e não o con-trário. Você não pode tomar decisõesem benefício de um ou outro sócio,porque isso vai fazer com que ajoint-venture não seja a mais beneficiada,contrariando ao final os interesses detodos os envolvidos.

RAE Light: Quais são os maiores de-safios que o senhor vê hoje colocadosdiante das empresas brasileiras?

Lotufo: Ao voltar da Venezuela parao Brasil, constatei que eu mudei, queestou em um país novo, em um em-prego novo, em uma empresa nova,

com uma secretária nova, com umcarro novo, com uma residêncianova. Graças a Deus, a família per-maneceu a mesma! Ao fim dessestrês anos, notei uma diferença muitogrande no Brasil e, nesse contexto,vejo dois desafios muito grandes. In-ternamente, você tem que reaprendera conviver em um ambiente de esta-bilidade. Além disso, você tem queter a nítida noção de que hoje vocênão está sozinho no mercado, que aconcorrência está aí. Para ser bem-sucedido você tem que ter a opera-ção muito bem-estruturada, comuma produtividade alta, porquevocê não estabelece mais preços,quem estabelece preços é o mercadointernacional. Então você tem quecontrolar a sua base de custos paraver se você realmente chega a termargens que possam ser compe-titivas .•

Renato Guimarães Ferreira éProfessor do Departamento de

Administração Geral e RecursosHumanos da EAESP/FGV,

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