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  • Pesca, pescadores e polticaspblicas no Baixo So Francisco

    Sergipe - Brasil

    39

  • Ministro do Meio AmbienteJos Sarney Filho

    Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisHamilton Nobre Casara

    Diretor de Gesto EstratgicaRmulo Jos F. Barreto Mello

    Coordenador do Programa de Educao Ambiental e Divulgao Tcnico-CientficaJos Silva Quintas

    Coordenador do Projeto de Divulgao Tcnico-CientficaLuiz Cludio Machado

    As opinies expressas, bem como a reviso do texto, so de responsabilidades do autor.

    Edies IBAMAInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisDiretoria de Gesto EstratgicaPrograma de Educao Ambiental e Divulgao Tcnico-CientficaProjeto de Divulgao Tcnico-CientficaSAIN Avenida L/4 Norte, s/n70800-200 - Braslia-DFTelefones:(061) 316-1191 e 316-1222e-mail: [email protected]:\\www.ibama.gov.br

    Braslia2001

    Impresso no BrasilPrinted in Brazil

  • 2 0 0 1

    Ministrio do Meio AmbienteInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    Pesca, pescadores e polticaspblicas no Baixo So Francisco

    Sergipe - Brasil

    Veralcia Oliveira Coutinho Ramos

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Universidade Federalde Sergipe, Ncleo de Ps-Graduao e Estudos do Semi-`rido, para defesapblica junto ao Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente,

    vinculado ao Programa Regional de Ps-Graduao em Desenvolvimento e MeioAmbiente - PRODEMA, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre.

    ORIENTADORA: Prof. Dr. Maria Geralda de Almeida.

  • Srie Meio Ambiente em Debate, 39

    DiagramaoCarlos Jos de Sousa Silvio

    Projeto grficoDenys Mrcio

    CapaFtima Feij

    Criao, arte-final e impressoProjeto de Divulgao Tcnico-Cientfica - Edies IBAMA

    Bibliotecria responsvelSonia M. L. N. Machado

    R175p Ramos, Veralcia Oliveira CoutinhoPesca, pescadores e polticas pblicas no Baixo So Francisco, Sergipe

    Brasil / Veralcia Oliveira Coutinho Ramos. Braslia : Ed. IBAMA, 2001.197p. ; 29,7cm. (Srie meio ambiente em debate ; 39)

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Sergipe.Inclui bibliografia.ISSN 1413-25883

    1. Pesca. 2. Polticas pblicas. 3. Economia pesqueira. 4. Sergipe. I. Ttulo.II. Srie.

    CDU (2.ed.) 639.2:32

    CATALOGAO NA FONTEINSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVVEIS

  • Secar o rio matar os peixes e os pescadoresMais uma vez crucificar Nosso SenhorDeus pai dos oprimidos, ouve o clamorJesus nos chama para sermos libertador

    Vejam a situao que o nosso rio estMuitos peixes em extino bem prestes a se acabarMandim Branco, Capadinho, Curvina, Tubi, LambiEstes peixes s produzem se as guas barrear

    Vamos luta companheiros, vamos luta sem pararLutar para que faam escadas para os peixes passearE nas pocas das enchentes, deixar o rio altearEsta a grande esperana do povo que est a penarO rio que era rico, vejam a situao que est.

    Crucificar Nosso Senhor de Antnio Gomes dosSantos (Pescador, Presidente da Colnia de

    Pescadores de Penedo/AL e Vice-Presidente daFederao de Pescadores de Alagoas)

  • Aos Pescadores do Baixo So Francisco, especialmente osde Amparo do So Francisco, pelo exemplo de amor, ab-

    negao e fidelidade ao Velho Chico.

  • AGRADECIMENTOS

    A concluso de um trabalho de pesquisa decorrente do enriquecimento decontribuies, sejam elas tericas, morais, espirituais, entre outras, de pessoas que de umamaneira ou de outra esto presentes no corpo do trabalho. O agradecimento formal significa ocompartilhamento com essas pessoas do produto ora apresentado.

    Orientadora desta dissertao, Prof. Dr. Maria Geralda de Almeida, pela peculiar,segura e competente atuao. A confiana na capacidade da orientanda aliada s palavras dereconhecimento foram suas marcas constantes.

    s Professoras Dr.. Sigrid Neumamm Leito e Dr.. Maria da Conceio VasconcelosGonalves, pelas contribuies dadas ao presente trabalho.

    s Professoras Dr. Vnia Fonseca e Maria Augusta M. Vargas, coordenadoras domestrado, pelo apoio e pela determinao na conduo do curso. equipe de apoio doNESA, em especial Katiene, pela prontido e amizade demonstradas durante o mestrado.

    Professora Dr.. Delvair de Brito Alves, pela inestimvel contribuio nos caminhosda metodologia da pesquisa, e aos Professores do Departamento de Biologia da UFS, Clvis eCarlos Dias, pela colaborao na identificao do material vegetal coletado na pesquisa. Aobibliotecrio Justino, pelas orientaes bibliogrficas e Professora Magna Ramos, doDepartamento de Letras, pela reviso final da dissertao.

    Ao estudioso apaixonado pelo rio So Francisco, Jos Theodomiro de Arajo,Presidente do CEEIVASF, pelos importantes subsdios sobre a pesca no Baixo So Francisco.

    Ao Representante do IBAMA em Sergipe, Sr. Luiz Durval Machado, pelaoportunidade de aprimorar meus conhecimentos. Aos colegas de trabalho do IBAMA,especialmente bibliotecria Maria Lcia Brando; aos tcnicos Fernando Jos, Marluce, Ftima,Francisco Ferreira, Salustiano, Ldia, Ana Torres, pelas contribuies nas discusses tcnicas;ao colega Milton Jos, pela colaborao nos trabalhos de campo.

    Aos tcnicos da CODEVASF, Ceclia, Jorge Luiz, Eduardo Mota e Eduardo Bastose ao Chefe do Depto. Meio Ambiente da CHESF, Jos Damsio, pelas informaes prestadas.

    Aos pescadores de Amparo do So Francisco, fonte primria de informao e deinspirao.

    Aos amigos Pedro, Ana, Maria Teles e Maria Jos Gomes, pelas palavras amigas eestimulantes no transcorrer deste trabalho; aos colegas de mestrado Eduardo, Paulo Roberto,Jnia, Ione, Mayre e Maria Jos, pela solidariedade na caminhada comum.

    minha querida cunhada Suzana Leite, pela competente e paciente assessoria nombito da configurao grfica, o que contribuiu para uma boa apresentao desta dissertao.

    Aos meus irmos, Veronildo, Vanildo, Veronice e especialmente Veronaldo, oincentivo e a confiana no sucesso dessa travessia; aos meus pais, Jos Tavares de Oliveira eEliza Souza de Oliveira, por proporcionarem a fora necessria para a concluso deste desafio.

  • minha querida filha Ilyana, pela compreenso e maturidade no entendimento deminha pouca disponibilidade para atender suas necessidades de adolescente. Ao meu queridofilho Diego, por desvendar os caminhos para superar os obstculos surgidos durante a digitaodeste trabalho e pelo auxlio prestado na traduo de textos em Ingls.

    A Ivan Coutinho Ramos que, na condio de tcnico do IBAMA, agregou relevantesinformaes a esta dissertao. Na condio de esposo, pelo incentivo, pela pacincia ecompreenso do meu recolhimento e das minhas constantes noites ocupadas com a digitaodeste trabalho, implicando mudanas na rotina familiar, que meu maior bem querer.

    Finalmente, o maior e mais justo agradecimento a Deus, pela f sempre presentenos momentos mais difceis de construo desta obra.

  • SUM`RIO

    LISTA DE ILUSTRAES ............................................................................................ 13LISTA DE TABELS ...................................................................................................... 17LISTA DE QUADROS .................................................................................................. 19LISTA DE SIGLAS E E ABREVIATURAS ..................................................................... 21

    RESUMO ..................................................................................................................... 23ABSTRACT ................................................................................................................. 25

    INTRODUO ............................................................................................................ 27

    1 A PRODUO PESQUEIRA BRASILEIRA E SEUS V`RIOS ASPECTOS................. 351.1 ASPECTOS GERAIS .......................................................................................... 361.2 PESCA MARTIMA, CONTINENTAL E ESTUARINA EM SERGIPE ................... 461.3 PERFIL DA PESCA NO BAIXO SO FRANCISCO ............................................ 48

    2 EVOLUO DA POLTICA PESQUEIRA NO BRASIL ............................................. 532.1 ESTMULOS PESCA INDUSTRIAL E REFLEXOS NA ARTESANAL .............. 542.2 MEDIDAS DE ORDENAMENTO PESQUEIRO .................................................. 58

    2.2.1 Proteo de Parte Selecionada dos Estoques .............................................. 582.2.2 Limitao do Tamanho das Capturas .......................................................... 59

    2.3 POLTICA PESQUEIRA NO NORDESTE E REPERCUSSES PARA O BAIXO SO FRANCISCO ............................................................................................. 60

    3 POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO NO ENTORNO DA PESCA ........................ 713.1 POLTICA DE GERAO DE ENERGIA ........................................................... 72

    3.1.1 O Aproveitamento Energtico no Nordeste ................................................ 733.2 POLTICA DE IRRIGAO ................................................................................ 78

    4 PESCA E PESCADORES DO BAIXO SO FRANCISCO......................................... 834.1 O LUGAR: AMPARO DO SO FRANCISCO ..................................................... 84

    4.1.1 `reas de Pesca e Povoados ........................................................................ 904.2 O QUADRO DA PESCA LOCAL ....................................................................... 94

    4.2.1 Artes de Pesca ............................................................................................ 974.2.2 Perfil dos Pescadores ................................................................................. 105

  • 4.2.3 O Rio de Ontem e de Hoje ........................................................................ 1094.3 O COTIDIANO DO PESCADOR ...................................................................... 1144.4 PERCEPO DO PESCADOR SOBRE POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO ..................................................................................... 122

    5 A CRISE ATUAL DA PESCA: PRODUTO DAS POLTICAS ................................... 1315.1 SINALIZADORES DA CRISE PESQUEIRA....................................................... 1325.2 AES INSTITUCIONAIS ............................................................................... 1355.3 COMENT`RIOS FINAIS .................................................................................. 139

    RECOMENDAES................................................................................................... 147REFERNCIAS BIBLIOGR`FICAS ............................................................................. 151 ANEXOS .................................................................................................................... 159 GLOSS`RIO............................................................................................................... 167

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 01 Produo Mundial de Pescado no perodo de 1950 a 1993. Mar e `guasContinentais (em milhes de toneldas) ......................................................... 28

    Figura 02 Produo Total de Pescado do Brasil no perodo de 1975 a 1997.`gua Doce e Marinha (em toneladas) ........................................................... 37

    Figura 03 Localizao de Sergipe no Brasil e delimitao do Baixo So Franciscosergipano, destacando-se o Municpio de Amparo do So Francisco,lcus da pesquisa ...................................................................................... 49

    Figura 04 Mapa de localizao da Usina Hidreltrica de Xing (BSF) ........................... 79

    Figura 05 Mapa de localizao das 76 vrzeas identificadas no Plano Diretor doBaixo So Francisco ..................................................................................... 81

    Figura 06 Mapa de localizao e delimitao do Municpio de Amparo doSo Francisco ............................................................................................... 88

    Figura 07 Aspectos da entrada da sede de Amparo do So Francisco ........................... 90

    Figura 08 Praa central de Amparo, onde se aglomera a populao aps amissa e durante as comemoraes da festa da padroeira, na IgrejaCatlica ........................................................................................................ 90

    Figura 09 Cmara de Vereadores em sesso quinzenal ................................................. 91

    Figura 10 Sede da Prefeitura de Amparo do So Francisco ........................................... 91

    Figura 11 Escola de 2 grau, situada na sede de Amparo do So Francisco................... 91

    Figura 12 Agncia dos Correios local ........................................................................... 91

    Figura 13 Posto Mdico municipalizado. FNS/Prefeitura ............................................... 91

    Figura 14 O Barateiro, mercadinho que supre a demanda local ................................. 91

    Figura 15 Local de embarque/desembarque de pescado na sede de Amparo do SoFrancisco ...................................................................................................... 93

    Figura 16 Local de embarque/desembarque de pescado, no povoado So Jos, onde oacesso ao rio exige atalhos at as zonas mais baixas ...................................... 93

    Figura 17 Local de embarque/desembarque, no povoado de Lagoa Seca,apresentando um reduzido contingente de pescadores.................................. 93

    Figura 18 Local de embarque/desembarque no povoado Crioulo. A localizao dopovoado (bastante inclinao) exige certo esforo no transportedos apetrechos de pesca at o rio .................................................................. 93

    Figura 19 A Igreja do Povoado de So Jos, destacando-se ao fundo o Velho Chico .... 95

    Figura 20 A simplicidade das moradias de alvenaria e taipa na entrada dopovoado So Jos ........................................................................................ 95

  • Srie meio ambiente debate, 39

    1 4

    Figura 21 Condies precrias da nica escola do povoado Crioulo, apresentandoproblema de ventilao, entre outros ............................................................ 96

    Figura 22 Aglomerado de moradias no povoado Crioulo, com definio depropriedades (cercas) para fins agrcolas e/ou habitacionais........................... 96

    Figura 23 Espcies mais capturadas em Amparo do So Francisco(piranha, tucunar, piau e robalo .................................................................. 97

    Figura 24 Barco com vela confeccionada com sacos de nylon, devido s dificuldadesfinanceiras enfrentadas pelo pescador, dificultando a aquisio do materialadequado..................................................................................................... 97

    Figura 25 A beira do rio como local de apoio atividade pesqueira, no conserto, napintura e manuteno de embarcaes ......................................................... 98

    Figura 26 As guas do So Francisco utilizadas no asseio do pescado ........................... 98

    Figura 27 Pescador lanando covos, seguindo-se detalhamento do equipamento ........ 99

    Figura 28 Confeco artesanal de covos pelo prprio pescador, utilizando materialprprio da regio .......................................................................................... 99

    Figura 29 Pescadores operando rede de emalhar como cerco parcial .......................... 100

    Figura 30 Rede de emalhar utilizada como cerco total, em funo da disponibilidadede redes ..................................................................................................... 101

    Figura 31 Rede de emalhar de superfcie, utilizada normalmente deriva ouancorada em uma extremidade, para captura de peixes de superfcie .......... 101

    Figura 32 Rede de emalhar de fundo, destinada captura de peixes de profundidade 101

    Figura 33 Detalhes tcnicos da rede de emalhar ......................................................... 102

    Figura 34 Pescador utilizando a linha de mo, com auxlio da canoa .......................... 102

    Figura 35 Groseira (espinhel) com detalhamento do anzol, utilizada prxima aofundo para captura de espcies predominantemente carnvoras .................. 102

    Figura 36 Pescador lanando uma tarrafa. Apetrecho historicamente utilizado noBaixo So Francisco, para captura de peixe de menor porte ........................ 103

    Figura 37 Pescador operando o cuvu. Esse equipamento opera de maneira seletivae exige reflexos rpidos por parte de quem o utiliza ..................................... 104

    Figura 38 Detalhamento da confeco do cuvu .......................................................... 104

    Figura 39 Pescadores nas frentes de servio, como estratgia de sobrevivncia frentes dificuldades da atividade pesqueira local ................................................ 110

    Figura 40 Amostra do cabelo (Egeria densa Planch) que est proliferando jusante de Xing, que interfere na penetrao da rede de pesca ato fundo do rio. Amostra colhida na Prainha de Amparo .............................. 113

    Figura 41 Amostra do mato tambm abundante no mesmo trecho do rioSo Francisco. Material coletado na Prainha de Amparo ............................. 113

    Figura 42 Antigas vrzeas inundveis que se encontram secas e improdutivas,devido regularizao das guas do Velho Chico ....................................... 115

  • 1 5

    Srie meio ambiente debate, 39

    Figura 43 Pescador subindo o rio para pescar em Escoria, enfrentando o mau tempo . 117

    Figura 44 Produo (insignificante) para uma noite toda de pescaria (piranha,tucunar, trara e sarap) ............................................................................ 117

    Figura 45 Pescador remendando sua rede de pesca com seus companheiros .............. 118

    Figura 46 Reterritorializao dos pescadores aps a construo de Xing ................... 120

    Figura 47 Bordadeiras sentadas na calada, ocasio de bate-papos e de partilha dasdificuldades comuns ................................................................................... 121

    Figura 48 Os momentos de bate-papos enquanto remendam as redes de pesca.A calada utilizada como local de convvio social, prxima a umasombra de rvore, na sede de Amparo do So Francisco ............................. 122

    Figura 49 As mes passeando com os filhos e netos pelas ruas do povoado So Jos,como um momento de lazer, de finais de semana........................................ 122

    Figura 50 O rio usado tanto para asseio quanto para o lazer da famlia ..................... 123

    Figura 51 O Velho Chico utilizado como local de lavagem de utenslios domsticos ... 123

    Figura 52 O uso das guas do rio na lavagem das roupas da famlia .......................... 123

    Figura 53 Usina Hidreltrica de Xing: a grande vil da estria, na percepo dospescadores ................................................................................................. 125

    Figura 54 Usina Hidreltrica de Xing ........................................................................ 125

    Figura 55 Prainha de Amparo do So Francisco, destacando-se o Nilthynhus Barda Dona Zez e o banho no Velho Chico ................................................... 136

    Figura 56 Curimats (Prochilodus vimboides) vindas de Sobradinho ......................... 137

    Figura 57 Surubins (Pseudoplatystoma spp.) servidos aos turistas e tambmprovenientes de Sobradinho ....................................................................... 137

    Figura 58 Reunio com pescadores realizada em Piaabuu/AL, para definiodo perodo do Defeso da Piracema, sob a coordenao da Federaode Pescadores de Alagoas e IBAMA AL/SE ................................................. 138

    Figura 59 Reunio com pescadores realizada em Propri/SE, para definio doperodo de Defeso da Piracema, sob a coordenao da Federao dePescadores de Sergipe e IBAMA SE/ AL ..................................................... 139

    Figura 60 O rio como meio de transporte da comunidade .......................................... 142

    Figura 61 O Velho Chico como companheiro e fonte de sobrevivncia dopescador, palco de glria e de decepo na atividade pesqueira ................. 147

  • LISTAS DE TABELAS

    Tabela 01 Relao da Produo Brasileira da Pesca Artesanal e Industrial noperodo de 1960 a 1997 (em toneladas) .............................................. 43

    Tabela 02 Relao da Produo Industrial e Artesanal por Regies Brasileiras noperodo de 1980 a 1997 (em toneladas) .............................................. 44

    Tabela 03 Total de Pescadores Cadastrados no IBAMA/SE, em agosto/1998 ........ 67

    Tabela 04 Total de Pescadores do Baixo So Francisco Cadastrados noIBAMA/SE, em agosto/1998 ................................................................ 67

    Tabela 05 Total de Pescadores do Baixo So Francisco Registrados nas ColniasZ-7 e Z-8, em agosto/1998 ................................................................... 68

  • LISTAS DE QUADROS

    Quadro 01 Comparao entre a Pesca Industrial e Artesanal no Mundo ................. 45

    Quadro 02 Regulamentao Pesqueira para a Bacia do Rio So Francisco ............. 64

    Quadro 03 Regulamentao Pesqueira para a Bacia durante o Defeso ................... 65

    Quadro 04 Alguns Indicadores do Perfil dos Pescadores de Amparo do So Francisco ................................................................................... 107

    Quadro 05 Indicadores Sociais do Perfil dos Pescadores de Amparo do So Francisco .................................................................................... 108

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    BIRD Banco Interamericano de Reconstruo e DesenvolvimentoBSF Baixo So FranciscoCHESF Companhia Hidreltrica do So FranciscoCEEIVASF Comit Executivo de Estudos Integrados do Vale do So FranciscoCEMIG Companhia de Energia de Minas GeraisCEPENE Centro de Pesquisa Pesqueira do NordesteCNAEE Conselho Nacional de `gua e Energia EltricaCODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do So FranciscoCOMDISCAF Comisso de Defesa dos Interesses do Municpio de Canind

    do So FranciscoCONAMA Conselho Nacional de Meio AmbienteCONDEPI Conselho de Desenvolvimento Comunitrio de PirambuCONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores da AgriculturaCONVEMAR Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do MarCOREG Coordenadoria Regional da PescaCPI Comisso Parlamentar de InquritoCRAB Comisso Regional dos Atingidos por BarragensCVSF Comisso do Vale do So FranciscoDEPAN Diretoria de Planejamento do IBAMADEPAQ Diretoria de Pesca e Aquicultura do IBAMADIREN Diretoria dos Recursos Renovveis do IBAMADIRPED Diretoria de Incentivo Pesquisa e Divulgao doDNAEE Departamento Nacional de `guas e Energia EltricaDNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as SecasEIA Estudos de Impacto AmbientalELETROBR`S Centrais Eltricas Brasileiras S.AELETRONORTE Centrais Eltricas do Norte do BrasilEMATER/SE Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural de SergipeFAO Fundo Mundial para a AlimentaoGESPE Grupo Executivo do Setor PesqueiroGPE Grupo Permanente de EstudoIBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaINSS Instituto Nacional de Seguridade SocialIOCS Inspetoria de Obras Contra as SecasIFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as SecasMASTOP Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste ParanaenseMMA Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia LegalMONAPE Movimento Nacional dos PescadoresONU Organizao das Naes Unidas

  • Srie meio ambiente debate, 39

    2 2

    PBA Programa Bsico AmbientalPDP Plano de Desenvolvimento da PescaPENESA Pesca do Nordeste S.APESCART Plano de Assistncia Pesca ArtesanalPROPESCA Programa de Assistncia PescaREVIZEE Programa de Avaliao dos Recursos Vivos da Zona Econmica ExclusivaSEAGRI/SE Secretaria da Agricultura de SergipeSEPLANTEC Secretaria de Estado do Planejamento e da Cincia e TecnologiaSNRH Secretaria Nacional de Recursos HdricosSUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do NordesteSUDEPE Superintendncia do Desenvolvimento da PescaSUVALE Superintendncia do Vale do So FranciscoUFS Universidade Federal de SergipeUHE Usina HidreltricaWWF Fundo Mundial para a NaturezaZEE Zona Econmica Exclusiva

  • 2 3

    Srie meio ambiente debate, 39

    RESUMO

    O Vale do So Francisco tem sido alvo de polticas e aes governamentaisvoltadas para o uso de seus recursos naturais, das mais variadas formas, em prol dodesenvolvimento econmico regional. Porm, essas intervenes tiveram como base aviabilidade tcnico-econmica, no se cogitando estudos de viabilidade social. Taisintervenes no foram eficazes na conservao dos recursos naturais da Bacia comotambm no resultou na efetiva melhoria da qualidade de vida da populao e, emparticular, a dos pescadores. As polticas de desenvolvimento aplicadas regio noprocuraram relacionar a preservao ambiental com as questes sociais, com o modode vida das pessoas atingidas por tais polticas. Apesar de a gua ser um elemento danatureza coletivo, as agresses aos cursos dgua afetam mais diretamente s pessoasque dela dependem para viver e trabalhar, como o caso dos pescadores. Muitas vezes,as discordncias desses profissionais em relao a algumas polticas referem-se s suasformas de implementao, j que elas se chocam, por vezes, com suas necessidades ouinteresses. No caso do Baixo So Francisco (BSF), os pescadores foram os maisprejudicados no seu cotidiano, por no terem participado do planejamento em nenhumnvel, no terem sido preparados, nem informados adequadamente sobre as alteraesprovenientes da construo das barragens e eliminao da maioria das vrzeasinundveis. Tais mudanas vm repercutindo no declnio da pesca local, deixandoeste segmento bastante vulnervel, na medida em que est sendo afetado o seu modode vida e suas prticas cotidianas de apropriao sustentvel da natureza esto sendoignoradas. O estudo da realidade pesqueira no Municpio de Amparo do So Franciscoevidencia que a crise da pesca produto da forma como as polticas de gerao deenergia e irrigao foram impostas no Vale do So Francisco. A pesquisa abrangeu ospovoados de So Jos, Crioulo e a Sede do referido Municpio, tendo sido realizadolevantamento de campo no perodo de julho a dezembro de 1998. A metodologiautilizada foi o estudo de caso de comunidade, tendo como objetivo analisar o modode vida dos pescadores locais e a relao pescador-rio (homem-natureza), no intuitode subsidiar polticas sustentveis para a regio.

  • ABSTRACT

    The So Francisco valley has been a target for governmental actions and policiesthat seek the use of its natural resources, in the most varied ways, for the economicaldevelopment of that region. Nevertheless, these interventions were based on a technicaland economical viability, not allowing studies of social viability. Those interventions wereineffective in preserving the basins natural resources as well as did not result in a realimprovement of the life quality of the population and, particularly, of the fishermen. Thedevelopment policy practiced in that territory did not aim for the interrelation between theenvironment preservation and the social affairs, and the way of life of the people struck bythat administration. Although water is a collective natural resource, the depredation of thewatercourses affect directly people that depend on them for life and work in, like thefishermen themselves. Several times, the disagreement of these professionals in relation tosome policies refers to their ways of implementation, since they go against the needs andinterests of those fishermen. In the case of the Lower So Francisco River Course, they werethe most affected in their daily journey, since they did not take part on planning in anylevel, and did not have the preparation nor the adequate information about the alterationsbrought by the construction of Hydroelectric Plants and the elimination of the majority ofthe floodable swamp areas. Such changes have big repercussion on the decline of localfishing, leaving this segment (the fishermen) very vulnerable while its quotidian routine isbeing affected and its daily practices of sustainable use of nature are being ignored. Thestudy of the reality of fishing in Amparo do So Francisco county indicates that this fishingcrisis is a product of the way of how the policy of water and power generation was imposedin So Francisco River Valley. This survey involved the areas of So Jos, Crioulo and thecenter of Amparo do So Francisco County, with a field research that was carried up fromJuly to December 1998. The methodology used was the study of a community case, havingas goal to analyze the way of life of local fishermen and the fisherman-river (man-nature)interactions, with the intention of subsidizing sustainable procedures for that region.

  • INTRODUO

    A necessidade de uma gesto sustentvel dos recursos pesqueiros premente. Paraum melhor entendimento do papel histrico da pesca, enquanto produtora de alimento eempregadora de grande contingente de mo-de-obra, faz-se necessria uma apresentao dopanorama mundial da pesca, a fim de contextualizar a temtica. Em seguida, prosseguiremoscom o detalhamento dos pressupostos, objetivos, das justificativas e da metodologia utilizadana pesquisa, seguida da apresentao da estrutura do estudo.

    O uso do meio aqutico pelo homem, desde as origens da civilizao, evoluiulentamente, at que os avanos tecnolgicos das ltimas dcadas aceleraram notavelmenteseu desenvolvimento. Esse meio envolve as guas interiores e continentais, geralmente doces,e as guas marinhas ou ocenicas. A maior variedade e o maior volume de organismos aquticosse encontram at 200 metros de profundidade.

    De acordo com o WWF-FUNDO MUNDIAL PARA A NATUREZA, (1997), osoceanos produzem, anualmente, entre 2 a 4 bilhes de toneladas de organismos animais evegetais, dos quais o homem apenas extrai cerca de 67,61 milhes de toneladas (1983), o queocorreu apenas recentemente, uma vez que h 30 anos a produo pesqueira mundial era ametade da atualmente conseguida. Outros 8,86 milhes de toneladas de organismos provmde guas continentais, totalizando 76,47 milhes de toneladas, que foi a produo mundial depescado no ano de 1983. Deve-se, entretanto, ressaltar que a produo de organismos vegetaise animais, marinha ou em guas interiores, seja por cultivo, ou aquicultura, atingiu, nessemesmo ano, a cifra de 10,2 milhes de toneladas.

    Assim, do volume total de produo anual, apenas 13,3% provm do cultivo deespcies aquticas. O restante (86,7%) produto da extrao de recursos gerados livrementeno meio natural.

    Em 1984, a previso da FAO (apud SUDEPE, 1985), era que, teoricamente, aproduo pesqueira mundial poderia, at o ano 2.000, alcanar cerca de 150 milhesde toneladas anuais, com a participao de recursos conhecidos, subexplorados, pormeio de tcnicas no muito distintas das atuais. Essa quantidade representaria oeqivalente a cerca de um tero das protenas animais requeridas pelos 6,3 bilhes dehabitantes que se estima povoarem o mundo nessa poca. Destes, por volta de 2/3 estaroconcentrados nos pases em desenvolvimento. Para alimentar essa populao e melhorarseu padro de vida, ser necessrio duplicar a produo alimentcia.

    A situao digna de meditao e preocupao quando se verifica, atravs dedados publicados pela FAO, que a produo mundial de alimentos cresceu, na ltima dcada,em apenas cerca de 25% (ibidem, p.12), embora dados recentes (FRANA,1998, p.74)afirmem que a produo de alimentos aumenta mais rpido do que a populao. Mas,certamente, este aumento no proveniente da produo de pescado.

    Os maiores volumes de organismos aquticos suscetveis de aproveitamentoeconmico se apresentam em mares favorecidos por correntes frias, por seu contedo elevadode nutrientes, elemento bsico da cadeia de alimentos.

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    Conforme dados mais recentes (FAO, 1994, apud DIAS NETO, 1996), houvepequenas recuperaes da produo no perodo de 1992 a 1993, chegando a atingir umaproduo mundial de 101,3 milhes de toneladas, das quais 84,3 milhes de toneladas sooriundas da pesca martima (Figura 1).

    No incio da dcada de noventa, cerca de 69% das espcies marinhas maisconhecidas do planeta se encontravam ou plenamente explotadas, ou sob excesso deexplotao, ou at esgotadas, ou se recuperando de tal nvel de utilizao.

    DIAS NETO (1996), ao referir-se avaliao mundial das capturas incidentais edos descartes da pesca, aponta que um volume da ordem de 17,9 a 39,5 milhes de toneladasso descartadas anualmente, com uma mdia de 27 milhes de toneladas. O descarte formadopor espcies no alvo das capturas e baixo valor comercial. Tambm se descartam os peixespequenos das espcies-alvo das capturas.

    A prtica descrita representa ameaa manuteno da biodiversidade e sustentabilidade, a longo prazo, dos recursos pesqueiros, alm de desperdiar uma fonte deprotena importante para o consumo humano (DIAS NETO, 1996). Tal fato pode sercomprovado com o recente relatrio da WWF que foi apresentado, oficialmente, em outubrode 1998, em Roma, durante a reunio do grupo das Naes Unidas para a Agricultura eAlimentao (FAO), o qual cita:

    A frota pesqueira mundial extrai dos mares uma quantidade 155% maior que anecessria para garantir o suprimento de peixes em nveis aceitveis, o que est pondoem risco a sobrevivncia de diversas espcies de peixes e animais marinhos em todoo mundo (....). dois teros da frota pesqueira em operao poderiam ser eliminadossem prejudicar o abastecimento, j que a produo excessiva estaria sendodesperdiada. (...). A cada ano, 20 milhes de organismos marinhos sem interessecomercial so mortos devido a prticas de pesca indiscriminada, sendo novamenteatirados ao mar (SCHIVARTCHE, 1998, p. 2).

    Esse autor, citando Lemos de S (1998) assinala que nos rios amaznicos, asobrepesca produz um efeito semelhante. H peixes nobres, como o pirarucu e o tambaqui,muito utilizados para o consumo local e para exportao, que esto cada vez menores.

    Fonte: FAO,1994 apud DIAS NETO, 1996

    Figura 1 Produo Mundial de Pescado no perodo de 1950 a 1993. Mar e `guasContinentais (em milhes de toneladas)

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    Em sua anlise sobre a pesca mundial, DIAS NETO (1996, p.18) afirma:

    ...enquanto o esforo de pesca do mundo, em termos quanti-qualitativos crescementre 200% e 300%, a produo aumentou em pouco mais de 30%. Comodecorrncia deste fato, as frotas pesqueiras do mundo tiveram importantes perdaseconmicas em 1989, quando a produo martima atingiu seu mais alto nvel.

    NEIVA (1990, p. 33), ao referir-se sobrepesca brasileira afirma ...haveria que seestudar a viabilidade e oportunidade de se incentivar a sada de embarcaes da pesca com aconseqente reduo do esforo de pesca, o que melhoraria a rentabilidade das pescarias comprovvel reduo do preo do pescado para o consumidor. SCHIVARTCHE (1998, p. 2)aponta como soluo para amenizar o problema a reduo de subsdios governamentais sfrotas pesqueiras que hoje chegam a US$ 21 bilhes em todo o mundo, assim como um cdigode conduta para tais subsdios.

    A entrada em vigor da Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar(CONVEMAR), em 16 de novembro de 1994, representou importante e decisivo marco demudana nas relaes da pesca mundial, principalmente pela elaborao do Cdigo de Condutapara a Pesca Responsvel o que, certamente, influenciar na pesca nacional.

    Inserida nesse panorama desfavorvel, tambm encontramos a pesca artesanalpraticada em esturios e guas interiores do Brasil. Assistimos s bacias hidrogrficas estratgicas,como a do So Francisco, serem mal gerenciadas, incorrendo em prejuzos ambientais para ascomunidades ribeirinhas, principalmente para os pescadores.

    No caso do Baixo So Francisco, apesar de a explorao de energia e a agriculturairrigada fazerem parte de um planejamento regional, essas geraram uma srie de problemasambientais provenientes da mudana da dinmica de todo o ecossistema fluvial. O segmentopesqueiro local foi um dos mais prejudicados nessa "transformao", pois o peixesimplesmente "sumiu" do rio.

    Aliada a esse quadro, a falta de uma poltica de incentivo pesca artesanal quegaranta a reproduo social das comunidades pesqueiras est resultando na miserabilidade/extino do pequeno pescador. O estilo de desenvolvimento praticado pelo Brasil e,conseqentemente, seu sistema de planejamento, no contempla as necessidades dessascomunidades, por priorizar o ganho de capital a qualquer custo.

    A problemtica analisada neste estudo o modo de vida dos pescadores de umacomunidade pesqueira (Amparo do So Francisco), a relao destes com o rio So Francisco,considerando as polticas de produo de energia, irrigao e o ordenamento pesqueiroimplantados na regio. Essas intervenes governamentais no Vale do So Francisco tm sidobaseadas na viabilidade tcnico-econmica, no se cogitando estudos de viabilidadesocioambiental, o que findou por marginalizar a tradicional pesca praticada no Velho Chico.

    A temtica dos modos de vida pode ser vista sob diferentes perspectivas. Conformediscorre LOBO (1992), de um lado esto as pesquisas que visam a apresentar uma radiografiadas condies de vida e das formas de reproduo da fora de trabalho das classes trabalhadoras;de outro lado tal temtica serve para outros usos. A autora prope uma nova abordagem emque o modo de vida seja entendido como algo que no se reduz aos indicadores objetivos dascondies de vida e trabalho, mas que constitudo atravs de prticas cotidianas erepresentaes, de tradies e trajetrias distintas, atravs das quais os trabalhadores lidamcom essas condies. Desse modo, torna-se necessria a busca de uma abordagem interativaentre a Sociologia, a Histria Social e a Antropologia Cultural para resgatar as especificidadesda formao e as experincias diferenciadas das classes trabalhadoras.

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    A problemtica dos modos de vida remete ainda discusso que ope a lgica dosistema ou de mercado recuperao da autonomia dos sujeitos sociais na suaheterogeneidade, atravs das modalidades de suas experincias coletivas, vividas,representadas no campo simblico (LOBO, 1992, p. 13).

    Os pressupostos que orientaram a busca de respostas problemtica referem-se aofato de que "ser" pescador constitui o modo de vida dos atores sociais da pesquisa e que talsegmento detm um conjunto de conhecimento produzido a partir de sua vivncia direta coma natureza. Este "saber" denota uma relao no-impactante com a natureza, devendo certamenteser incorporado a toda estratgia de desenvolvimento sustentvel para o rio So Francisco.

    Atualmente, a pesca local vem apresentando sinais de declnio, devido aosimpactos sofridos ao longo de todo o rio So Francisco. A relao homem-natureza (pescador-rio) foi e continua sendo ignorada nos planejamentos, pois o cotidiano do pescador e suarelao com o rio no so consideradas em nenhuma poltica proposta para a regio. Issogera problemas socioambientais e queda na condio de vida do pescador, resultando emmodificaes na sua vida.

    Esta problemtica justifica a realizao de estudos que busquem o aprofundamentoda compreenso do "modo de vida" (cotidiano) dos sujeitos envolvidos, das suas reaes smedidas oficiais e das estratgias que utilizam para super-las. Os resultados subsidiaro estudosrelativos gesto dos recursos pesqueiros no rio So Francisco, para que essa passe a ocorrerde forma ecologicamente sustentvel e socialmente justa.

    A preocupao com a temtica surgiu de uma vivncia profissional que propiciouo contato direto com pescadores do Baixo So Francisco, em poca de proibio da pesca(Defeso da Piracema), fazendo surgir algumas inquietaes diante do quadro social constatado.Nos primeiros contatos com a problemtica, tornou-se clara a necessidade de ampliao eaprofundamento do tema.

    A rea de estudo foi o Baixo So Francisco sergipano, especificamente o Municpiode Amparo do So Francisco, que tem um contingente representativo de trabalhadores cujaprincipal atividade a pesca, conforme informaes do Presidente da Colnia de Pescadoresde Propri (Z - 8).

    No bojo dessas definies, a metodologia utilizada foi um estudo de caso qualitativo,uma vez que procuramos analisar, o mais profundamente possvel, o objeto em estudo pois,segundo TRIVIOS (1995, p.134) ...estudo de caso uma unidade que se analisaprofundamente, citando como exemplo uma comunidade pesqueira, entre outros. Optamospelo estudo de caso de comunidade porque ...estudo de caso de uma comunidade, (...) podetransformar numa pesquisa complexa, ainda que s privilegiem com nfase os aspectos derelevo que nela interessam (BOGDAN & BIRDEN, 1982 apud TRIVIOS, 1995, p.17). Nossointeresse recaiu sobre o estudo das relaes sociais de uma comunidade pesqueira e as relaesdo pescador com o lugar.

    Para anlise do modo de vida dos pescadores de Amparo do So Francisco, foidestacado o cotidiano como categoria analtica de estudo por expressar, atravs das rotinas detrabalho e extra-trabalho do pescador, as suas relaes com os recursos do Velho Chico, amanifestao afetiva utilizada pelos ribeirinhos, referindo-se ao rio So Francisco.

    Partindo do fato de que a realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas, nohavendo uma nica que seja a mais verdadeira, procuramos trazer para esta pesquisa asdivergncias de opinies detectadas, revelando, por vezes, o nosso ponto de vista sobre aproblemtica em estudo, no entanto, deixamos que o leitor possa chegar as suas prpriasconcluses e decises.

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    Essa perspectiva permitiu a aplicao de procedimentos ou tcnicas diversas para acoleta e anlise dos materiais. No primeiro caso, utilizamos tcnicas de observao livre, atravsda participao em reunies com instituies pblicas e do acompanhamento de desembarques,alm da realizao de entrevistas semi-estruturadas (roteiros anexos), para o melhorentendimento da problemtica local. Outra tcnica empregada neste estudo refere-se documentao fotogrfica realizada durante a pesquisa, no intuito de apreender tambm ocotidiano visvel e o no-visvel dos pescadores de Amparo do So Francisco, sua rotina devida. Segundo LIMA & PEREIRA (1997), com essa prtica se constri a etnografia do grupo.

    Como um estudo de caso, as fases consideradas nesta pesquisa foram: faseexploratria, fase de delimitao do estudo e fase de anlise com a elaborao do relatrio depesquisa, que corresponde dissertao.

    Na fase exploratria, definimos o tema e dele nos aproximamos atravs de contatoscom lideranas da pesca do Baixo So Francisco e tcnicos do IBAMA. Essa aproximao foicomplementada com o levantamento bibliogrfico no s sobre a pesca em geral, mas tambmrelativa ao ambiente de pesquisa, ou seja, ao Baixo So Francisco. Neste sentido, consultamoslivros, publicaes e anlise documental proveniente de diversas fontes, a exemplo deCODEVASF, IBAMA, CEEIVASF, SEPLANTEC/SE, UFS, Colnia de Pescadores e departiculares (*).

    Nesta fase, a aproximao com pessoas da rea da pesquisa, ao tempo em quesubsidiou a elaborao do Projeto, permitiu a identificao de pescadores para a fase seguinte(de coleta sistemtica dos materiais) e o estabelecimento de um pacto de confiana, necessrioao trabalho de pesquisa.

    A fase de delimitao do estudo referiu-se coleta sistemtica dos materiais.Inicialmente, os instrumentos de pesquisas foram testados e as falhas, detectadas. Aps asdevidas correes, foram realizadas as entrevistas semi- estruturadas, registradas atravs degravao em que os entrevistados discorreram livremente sobre as perguntas norteadoras.Informamos o objetivo da pesquisa e ressaltamos a importncia das informaes solicitadas.Os atores sociais da pesquisa foram os pescadores locais, tcnicos e as autoridades que lidamcom a pesca no Baixo So Francisco. Esta escolha (amostra) foi intencional, o que significa queforam escolhidos pescadores do ambiente delimitado para a pesquisa, a partir dos lderes locais,que recomendavam os novos informantes. A amostragem foi considerada suficiente quandoas respostas fornecidas pelos atores sociais em relao ao objeto em estudo demonstraramuma grande reincidncia das informaes. Foram entrevistados tcnicos das diversas instituiesque atuam no Baixo So Francisco (CODEVASF, IBAMA, CHESF, UFS, CEEIVASF), assimcomo a direo da Associao dos Engenheiros de Pesca de Sergipe. Em relao s autoridadeslocais, foram entrevistados o Presidente da Cmara de Vereadores e a Secretria de AoSocial de Amparo do So Francisco, alm do Presidente da Colnia de Pescadores de Proprie os Presidentes das Federaes de Pescadores de Sergipe e Alagoas.

    As entrevistas foram iniciadas em julho, para adequao dos instrumentos depesquisa, e concludas em dezembro/98. Foram realizadas 24 entrevistas com pescadores,na maioria, em suas casas, como tambm nos locais de trabalho (beira do rio) ou em meio aoutros afazeres, sempre em horrios de disponibilidade dos entrevistados. Elas tiveram adurao de aproximadamente uma hora, no intuito de evitar inconvenincias para osinformantes. Voltamos a entrevist-los para complementar informaes. Tambm forammantidos contatos com grupos ocasionais, atravs de conversas informais, para esclarecimentode determinadas questes.

    * A formatao de tabelas, figuras, citaes e referncias bibliogrficas seguiram as orientaes da Associao Brasileira de NormasTcnicas (ABNT), NBRs 6023/89, 10520/92 e 6029/93.

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    Optamos por reproduzir literalmente a fala dos pescadores com desvios da normaculta, fuses de slabas, omisses de letras, por entendermos ser a linguagem um trao deidentidade sociocultural dos pescadores locais.

    medida que as entrevistas e observaes foram transcorrendo, lanamos astranscries em computador, juntamente com uma codificao prpria; isso facilitou a etapade anlise dos dados estatsticos.

    Na fase de anlise e elaborao da dissertao, partimos do princpio que osresultados obtidos constituem uma aproximao da realidade e processamos a anlise dasentrevistas de maneira transversal ...recortando-se as entrevistas em redor de cada tema objeto,quer dizer, tudo o que foi afirmado acerca de cada objeto, foi transcrito para ficha, seja qual foro momento em que a afirmao tenha tido lugar (BARDIN, 1977, p.67-9). Este autor (1977,p.38) considera anlise de contedo como

    ...um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes, que util izamprocedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens(...) A inteno da anlise de contedo a inferncia de conhecimentos relativoss condies de produo (ou, eventualmente, de recepo), inferncia esta querecorre a indicadores (quantitativos ou no).

    O resultado dessa anlise possibilitou-nos a construo deste trabalho cuja estrutura formada por cinco captulos, quais sejam:

    O primeiro trata dos aspectos histricos da pesca no Brasil, e, maisparticularmente, no Baixo So Francisco, apresentando caractersticas, conceitos,classificaes de tipos e ambientes de pesca. Tais aspectos so relacionados com o perfilda pesca praticada no Baixo So Francisco.

    O segundo captulo apresenta a evoluo da poltica pesqueira no Brasil,destacando o fato de a pesca industrial ter sido vista como "superior" pesca artesanal.Discutimos as repercusses da pesca industrial na sustentabilidade dos recursospesqueiros e as consequncias para a pesca de pequena escala.

    O terceiro captulo analisa como as polticas de desenvolvimento para o Nordeste,notadamente as direcionadas ao Vale do So Francisco, influenciaram na pesca praticada norio So Francisco. So apresentadas e discutidas as polticas de gerao de energia e de irrigao,enfocando a atuao da CHESF e da CODEVASF nas alteraes ocorridas em todo oecossistema fluvial. Os diversos barramentos e o desaparecimento das vrzeas inundveisocasionaram alteraes drsticas na dinmica de reproduo dos peixes, refletindo no declnioda atividade pesqueira, principalmente na regio estudada.

    O captulo quarto refere-se ao estudo de caso de Amparo do So Francisco.Preocupamo-nos com o modo de vida dos pescadores locais, sua relao com o rio So Francisco,o perfil dos pescadores, a descrio da atividade pesqueira e dos equipamentos de pescautilizados no local. Tambm nele abordamos o mapeamento do espao reconstrudo para suasprticas de pesca, assim como as reaes e estratgias de sobrevivncia utilizadas como respostass polticas pesqueiras. Neste captulo, descrevemos a relao do pescador (homem) com o rio(natureza), no contexto socioeconmico-cultural da populao que, direta ou indiretamente,depende da manuteno desse ecossistema. Esse entendimento foi apresentado atravs daspalavras dos principais atores sociais da pesquisa: os pescadores.

    No quinto captulo apresentada a crise da pesca no BSF como resultante daspolticas de desenvolvimento implementadas na regio. So referenciados estudos e aesinstitucionais dirigidas recuperao do Baixo So Francisco; so citados diversos depoimentosconcedidos por atores da pesquisa , concluindo com os comentrios finais.

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    No final do estudo so apresentas recomendaes de medidas que visem a subsidiara gesto dos recursos pesqueiros no Baixo So Francisco, no que se refere sustentabilidadeda pesca e sobrevivncia dos pescadores desta regio, considerando as especificidadesprprias da atividade pesqueira.

    Algumas dificuldades foram enfrentadas durante a pesquisa. Citamos como exemploo acompanhamento da atividade pesqueira no horrio noturno, uma vez que a pesca diurna praticamente improdutiva em face da transparncia da gua do rio, o que permite aos peixesvisualizarem as redes de pesca e fugirem. Para superar tal obstculo, procuramos acompanharos momentos de embarque e desembarque dos pescadores, pelo fato de ocorrerem durante odia. Outro problema foi a dificuldade de deslocamento aos povoados de Crioulo e LagoaSeca, por apresentarem acessos carroveis. A falta de apoio financeiro tambm se apresentacomo fator que interfere na qualidade do estudo, exigindo do pesquisador significativosinvestimentos para cobrir despesas com veculo, combustvel, hospedagem, refeies, almdos custos de impresso dos 16 exemplares da dissertao exigidos pela coordenao domestrado. O resultado deste estudo no se prope a apresentar uma realidade cuja explicaoesteja pronta e acabada, conforme j mencionamos rapidamente. Como h outras leituraspossveis para os fatos analisados, acreditamos que os dados expostos estimulem sua formulaoposterior e no cremos que a impeam.

  • 1 A PRODUO PESQUEIRA BRASILEIRA E SEUS V`RIOS ASPECTOS

    Eu nasci e me criei aqui, desde pequeno que pesco. Meu av e meu paiso pescador. Eu sei tudo de peixe purque toda vida lutei com isso. Apescaria no enfadonha, o probrema no peg o pexe pr faze odinhero (Seu Odair, 43 anos)

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    O presente captulo trata dos aspectos gerais da pesca nacional, tanto a martimacomo a fluvial, mostrando sua importncia enquanto fonte produtora de alimento para apopulao. Enfocamos a pesca industrial e artesanal brasileira e particularizamos a pescapraticada em Sergipe, com nfase no Baixo So Francisco, procurando relacionar aproblemtica local ao contexto global.

    1.1 ASPECTOS GERAIS

    Os indgenas do Brasil, como de todos sabido, viviam da caa e da pesca. Em1558, o Frei Andr Thevet, em sua obra "Singularidades da Frana Antrtica", cita a presenade alguns peixes que aqui viu e do modo de pescar dos selvagens, que o faziam com arco eflecha do tipo sararaca, alm de outros meios. Curioso o que diz Thevet da pesca da albacorapelos ndios: "mas os pescadores fazem, de certo pano, peixinhos brancos, que arrastam tona dgua, maneira de iscas, conseguindo assim, quase sempre pesc-los" (apud SANTOS,1977, p. 18). o que chamamos hoje pesca de coro (linha de corso), com isca artificial.Com maior mincia ainda escreveu Gabriel Soares de Souza sobre os peixes da costa daBahia, suas qualidades e a maneira de pesc-los, citando as seguintes espcies: bijupir(Rachycentron canadus), mero (Promicrops itaiara), cavala (Scomberomorus cabala), xaru(Caranx hippos), albacora (Thunnus spp.), bonito (Euthynnus alletteratus), dourado(Coryphaena hippurus), peixe-agulha (Hemirhamphus brasiliensis), corvina (Micropogonfurnieri), garoupas (Epinephelus spp.) e tainha (Mugil curema). (Idem)

    Segundo SILVA (1988), o peixe representou saliente papel em nossa economiacolonial. Os poderes pblicos cuidaram do assunto um tanto vagamente, sem persistncianem continuidade. Em 1591, em So Paulo, foi proibido que se fizessem pescarias ao longodo rio Tamandoati usando o tingu, uma das plantas ictiotxicas de que ento se abusava,impondo-se penas de quinhentos ris por pessoa que se achasse utilizando tal produto. Em1598, estendia-se a mesma proibio a todos os ribeiros e rios existentes dentro da vila.

    A pesca alimentou o ndio e os brasileiros que se multiplicavam, mas isso aoacaso, sem organizao de espcie alguma, durante o longo perodo colonial, excetoquando houve uma ou outra rara medida de carter municipal.

    Depois da Independncia, isto , durante o Imprio, vagamente se tratava doassunto. A primeira lei em relao pesca foi em 1846, atravs do decreto 447 , o qual spermitia o exerccio da pesca aos pescadores matriculados, com as embarcaes arroladas,numeradas e marcadas com letras no costado e nas velas. Pelo decreto 8.388, de 17 dedezembro de 1881, tentou-se uma verdadeira regulamentao da pesca, dividindo-se oBrasil em trs grandes zonas de pesca. Proibiram as cercadas, os tapumes ou quaisqueraparelhos que impedissem a passagem do peixe, o uso de substncias ictiotxicas, bemcomo a pesca com dinamite. O decreto, muito sbio, previa o repovoamento das guas eproibia os instrumentos nocivos a ela, inclusive as redes de arrasto.

    A Conveno de Haia, em 1882, dava aos brasileiros o direito exclusivo da pescaem guas territoriais. Em 1934, foi criado o Cdigo de Pesca, passando essa atividade a serobservada de maneira mais objetiva, do ponto de vista operacional e econmico. O Cdigocaracterizou os diferentes meios aquticos, os pescadores passaram a ser considerados comoprofissionais e tudo isso mereceu amparo legal; foram previstos tambm outros aspectos,como repovoamento e defesa das guas interiores, comrcio do peixe vivo, entre os demais.

    A partir da, outros adendos foram introduzidos lei bsica, com o objetivode oferecer condies para o desenvolvimento dessa atividade mas, s na dcada de60 foram explicitadas as primeiras polticas para a pesca (a serem comentadas demaneira mais detalhada no prximo captulo).

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    A extenso do litoral brasileiro de aproximadamente 8.400 km, estendendo-sedesde o Cabo Orange (5N) at o Chu (34S), sendo a maior parte situada nas regiestropicais e subtropicais. Tais condies contribuem para a existncia de uma vasta gama derecursos pesqueiros, porm, em sua maior parte, com baixa biomassa por estoque, apesarde apresentarem significativo valor econmico nos mercados internacionais e para oabastecimento interno.

    A produo pesqueira do Pas praticamente dobrou entre 1970 e 1986, crescendode 526.292 toneladas para mais de 1 milho de toneladas, o que corresponde a uma taxa decrescimento mdio anual de 4,1% (NEIVA,1990, p.13). Porm, segundo afirma o relatrio dogoverno brasileiro para a Conferncia Rio-92 (BRASIL, 1991, p. 121), a produo pesqueirabrasileira vem apresentando decrscimos significativos; isto confirmado pelos dados queDIAS NETO (1996) apresenta, estes demonstram uma leve estabilizao a partir de 1990(estimativas do IBAMA e IBGE, 1998). No entanto, desde 1996, verifica-se alguma recuperao,conforme demonstra a figura 2. O declnio mencionado por DIAS NETO representou umaqueda do 3 para o 4 lugar da pesca brasileira, como fonte de protena animal.

    A costa martima do Brasil apresenta um potencial pesqueiro significativo, apesarde sua explorao acontecer de maneira indevida, ocasionando o comprometimento deimportantes estoques, atravs da sobrepesca de espcies de maior valor comercial. Emcontrapartida, a pesca continental foi e continua a ser menos explorada e marginalizada naspolticas para o setor pesqueiro; julgaram-na fadada ao desaparecimento no projeto demodernizao da atividade pesqueira, deflagrado a partir de 1960, com o incentivo industrializao do Pas.

    Fontes: IBAMA/IBGE e Instituto de Pesca/SP apud Dias Neto, 1996 (Perodo de 1975 a 1989).IBAMA/IBGE apud CEPENE/IBAMA, 1998 (Perodo de 1991 a 1997).

    Figura 2 Produo Total de Pescado no Brasil, no perodo de 1995 a 1997. `gua Doce eMartima (em toneladas).

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    A pesca martima, no perodo de 1975 a 1994, contribuiu com 67,7% a 85,2%da produo total de pescado do Brasil. A participao, por regio, na produo da pescamartima e estuarina do Pas, a seguinte: Regio Norte, com 15%; Regio Nordeste, com12%; Regio Sudeste, com 41%; Regio Sul, com 32%. Essa situao reflete a distribuioregional dos as primeiras polticas para a pesca (a serem comentadas de maneira maisdetalhada no prximo captulo).

    A extenso do litoral brasileiro de aproximadamente 8.400 km, estendendo-sedesde o Cabo Orange (5N) at o Chu (34S), sendo a maior parte situada nas regiestropicais e subtropicais. Tais condies contribuem para a existncia de uma vasta gama derecursos pesqueiros, porm, em sua maior parte, com baixa biomassa por estoque, apesarde apresentarem significativo valor econmico nos mercados internacionais e para oabastecimento interno.

    Este autor destaca ainda que a participao histrica da pesca industrial naproduo martima e estuarina tem variado entre 56% e 63% (no Brasil s acontece nodelta do rio Amazonas), enquanto a pesca de pequena escala ou artesanal vem participandocom algo entre 37% e 44%.

    A atividade pesqueira do Pas vinha sendo desenvolvida, desde os tempos antigos,na forma de pesca artesanal de subsistncia, realizada com equipamentos relativamentesimples; nos anos 60, surgiu, paulatinamente, incentivada pelo Governo Brasileiro, a pescaindustrial, e, ao mesmo tempo, embora com menos dinmica, a aqicultura. Enquanto apesca artesanal assumiu gradativamente a funo de abastecer o mercado nacional,participando atualmente com 50 a 60% da produo total, uma boa parte da pesca industrialse dirigiu, desde o incio, exportao de espcies nobres, sobretudo crustceos, alcanandoentre 40 a 50% da produo total, utilizando recursos tecnolgicos mais modernos.

    A aqicultura, por sua vez, destinou-se, no incio, ao peixamento em audes ebarragens, produzindo sobretudo para o interior do Pas, e, no passado mais recente, acarcinocultura, objetivando a exportao; ultimamente ela destina-se diversificao daatividade do pequeno produtor rural; em relao aquicultura, as duas ltimas formas seencontram, ainda, em estado embrionrio.

    A aquicultura brasileira est num estgio pouco desenvolvido em relao aos pasesasiticos, responsveis por cerca de 80% da produo mundial. O Brasil respondepor apenas 3% da produo de pescado capturado (BRASIL, 1991, p. 123).

    A produo pesqueira por tipo de ambiente, ou seja, de gua doce e gua salgada,tambm mostra oscilao; a produo de gua doce contribui com 20 a 25% da produototal, e a produo de gua salgada com 75 a 80%, sem indicar nenhuma direo clara dealterao dessas propores. A produo da aqicultura est includa nessas cifras, ocupandoum lugar ainda insignificante quanto ao volume produzido (NEIVA, 1990, p.13).

    Considerando, sob o mesmo enfoque, s a produo de pesca artesanal (ouseja, segundo a origem de gua doce e gua salgada), constata-se que a produoproveniente da gua doce constitui cerca de 45% da produo total da pesca artesanal.Ressalta-se que toda a pesca de gua doce feita em moldes artesanais.

    A pesca de gua doce uma atividade tradicional em nosso pas. Inicialmente praticadapelos ndios, desde a poca da Colnia transformou-se em atividade econmicaimportante e assim se mantm. Em muitas regies a nica fonte de protena disponvels camadas mais pobres da populao (...) a fauna de peixes de gua doce na Amricado Sul a mais rica do mundo, principalmente a da bacia Amaznica. Nela, at 1967,

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    haviam sido descritas 1.300 espcies, para um total estimado de cinco mil, perfazendo do total de espcies de peixes existentes (PETRERE JR, 1995, p. 28).

    A qualidade e o volume dos recursos pesqueiros de guas interiores noso completamente conhecidos, devido diversidade dos tipos de corpos aquticosexistentes e tambm falta de pesquisas sistemticas a esse respeito. Distinguem-se,em princpio, os seguintes:

    Os rios e os lagos naturais: apesar de o Pas ser dotado de imensos recursosnaturais, com grandes bacias hidrogrficas, o potencial pesqueiro dessesrecursos ainda no conhecido, em termos quantitativos, com a necessriaexatido cientfica. Entre as bacias hidrogrficas brasileiras, destacam-sea Amaznica, Tocantins-Araguaia, do Paran, So Francisco, Platina, doLeste, do Nordeste e do Sudeste, evidenciando o potencial econmicoda utilizao desses recursos, inclusive da pesca.

    Os audes: existem inmeros no Pas, que, alm da produo natural,freqentemente esto sendo repovoados com alevinos, a fim deaumentar e estabilizar a produo pesqueira. Estimativas do potencialdos sete (07) maiores audes no Nordeste indicam os seguintes volumes:Cedro (325 t/ano), Pereira de Miranda (653 t/ano), Banabuiu (917 t/ano), Jacurici (922 t/ano), Paulo Sarasate (1.131 t/ano), EstevamMarinho (1.913 t/ano), Ors (2.570 t/ano). O manejo adequado dessesambientes poder contribuir com expressivo aumento da produo dapesca em guas interiores (SUDEPE, 1988, p. 5).

    Segundo estatstica IBGE/SUDEPE, em 1988 foram produzidas 205.520toneladas de pescado de guas interiores, equivalentes a 24% da produo brasileiracomercializada. Esses nmeros, entretanto, no refletem a real dimenso da importnciada pesca no contexto econmico-social das populaes interioranas. Primeiramente, devido disperso das pescarias e dos pontos de desembarque, dificultando sobremaneira aaquisio de informaes. Em segundo lugar, grande parte da pesca basicamente desubsistncia e no registrada no cmputo geral da produo pesqueira.

    Diante disso, a pesca de guas interiores, historicamente relegada a um segundo plano,alm de sofrer problemas vultosos comuns a todas as pescarias, sofre tambm de questesespecficas, tais como: conflitos territoriais (por rea de pesca); conflitos entre pesca profissional ea pesca turstica, esportiva e amadora, alm de grande vulnerabilidade degradao ambientale insuficincia de pesquisas. Salienta-se ainda que os impactos decorrentes da poluio, construode barragens e dos desmatamentos devero intensificar-se na prxima dcada e, num efeitosinrgico desastroso, podero causar danos irreversveis aos estoques pesqueiros (FISCHER,1992).

    A sazonalidade das capturas , provavelmente, um dos fatores que contribuem paraa manuteno da atividade em padres artesanais, estando altamente condicionada ao ciclohidrolgico. Assim, diferenas especficas e geogrficas na migrao dos peixes em resposta aoregime hidrolgico do a base para o desenvolvimento das pescarias. Tem-se, desse modo,um perodo de safra durante a vazante/seca e de entressafra durante a enchente/cheia.

    Outra caracterstica relacionada captura em guas interiores a gama deapetrechos e os mtodos de pesca utilizados pelos pescadores, de acordo com a poca e/ounatureza do ambiente explotado. Incluem-se, entre outros, no primeiro caso, redes de vriostipos e tarrafas, fisga, garatia, arpo, zagaia, espinhel e pari; no segundo caso, batida delano, batuque, cortina, batio, ponga e paredo. Esses elementos apresentam, em suamaioria, baixo rendimento, sendo utilizados exclusivamente na pesca de subsistncia.

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    Os pescassos estudos referentes s comunidades pesqueiras no Brasil ...numaprimeira fase, com raras excees (G. Mussolini, p. ex.), os trabalhos eram de carter maisfolclrico ou de estudos de comunidades onde se ressaltava a homogeneidade social e atradio (op. cit. p. 28). Essas comunidades s vieram a ser percebidas dentro de um contextomais amplo da sociedade nacional, a partir dos anos 70, quando passou a existir penetraodas relaes capitalistas no setor e surgiram conflitos entre a pesca realizada nos moldes dapequena produo mercantil e a efetuada segundo a produo capitalista.

    Entre a literatura disponvel, as definies e classificaes sobre pesca/pescadorso as mais variadas, necessitando, portanto, de cuidados ao inferir-se qualquer classificao,pois vai depender do critrio adotado por cada autor. A classificao mais comum refere-se pesca/pescador industrial e pesca/pescador artesanal.

    De acordo com RIOS (1976, p. 397), a Pesca Industrial caracteriza-se, entre outrascoisas, justamente por apresentar...

    ...grandes deslocamentos em relao base de origem, pois os seus barcos, que contaminclusive com frigorficos, dispem portanto de grande autonomia. Essesdeslocamentos chegam a alguns casos a atingir as guas territoriais de outros pases,legal ou clandestinamente. A longa permanncia fora da base de origem dificulta orodzio constante das tripulaes, requerendo geralmente especializaes tcnicaspelo manuseio do equipamento sofisticado. Predomina o regime assalariado,permanente ou temporrio.

    O termo pesca industrial muitas vezes confundido com indstria de pesca. Aindstria de pesca pode existir sem a pesca industrial, isto , apenas transformando o produtocapturado (salga, congelamento, conserva, etc) pela pesca artesanal. O mesmo autor define apesca artesanal como...

    ...uma atividade econmica caracterizada pelo emprego de embarcaes eequipamentos de pesca rsticos ou, mesmo se derivados do setor industrial,trata-se de equipamentos de baixo custo e pouco sofisticados. A produono se organiza em grande escala, h proprietrios de embarcaes mas noh frotas. Em geral, o proprietrio da embarcao tambm um dospescadores e as relaes afetivas predominam nestas pequenas tripulaes.No h vnculo empregatcio entre os tripulantes e o proprietrio (...). Parteda produo no se destina ao mercado mas ao auto-sustento dos pescadores(...). A remunerao ao tripulante no se d em dinheiro mas "in natura",pelo sistema de meao (op.cit, p. 397).

    Este ltimo fator tambm determinado por diferentes pocas de pesca em diferentesreas, o que tambm determina o deslocamento das pequenas frotas ou embarcaesindividuais e de seus proprietrios para outras reas de pesca, com seus tripulantes no-proprietrios em constante rodzio.

    importante ressaltar que a pesca industrial e a artesanal no so dois setoresestanques, sobretudo num pas como o Brasil, onde existe um setor de subsistncia depeso. A pesca artesanal um subsetor do setor de subsistncia que, em vez de se encontrarnuma oposio industrial e/ou s indstrias de pesca, encontra-se numa posiocomplementar. Tal fato no se restringe apenas mo-de-obra empregada ou em reserva,mas ocorre inclusive em termos de utilizao de embarcaes e equipamentos e decomercializao do produto capturado.

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    O antroplogo e socilogo DIEGUES (1995, p. 108) critica a definio depesca artesanal adotado pela SUDEPE (hoje IBAMA), que a define como a pescapraticada com embarcaes com menos de 20 toneladas. Tal critrio gera distores nasestatsticas uma vez que so includas tambm embarcaes da pesca industrial. O referidoautor considera pesca artesanal como...

    ...aquela que os pescadores autnomos sozinhos ou em parcerias participamdiretamente da captura, usando instrumentos relativamente simples. A remunerao feita pelo sistema tradicional de diviso de produo em "partes", sendo o produtodestinado preponderantemente ao mercado. Da pesca retiram a maior parte de suarenda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares. No entanto,eles se distinguem dos pescadores-agricultores ou de subsistncia, cuja atividadeprincipal a agrcola e pescam principalmente para o consumo particular .

    Outra classificao apresentada por DIAS NETO (1996), que toma como critrioas seguintes caractersticas:

    a) Pesca de Subsistncia: exercida to somente com o objetivo de obteno doalimento, sem finalidade comercial e praticada com tcnicas rudimentares.

    b) Pesca Artesanal ou de Pequena Escala: abrange tanto o segmento dasatividades pesqueiras caracterizadas pelo objetivo comercial combinadocom o de obteno de alimento para a famlia, como o segmentorepresentado pelas operaes de pesca realizadas com finalidadeexclusivamente comercial, em geral como alternativa sazonal cultura(pescador/agricultor).

    c) Pesca Industrial Costeira: realizada pelo segmento de embarcaesde maior autonomia, capaz de operar em reas distantes da costa,efetuando a explorao de recursos pesqueiros que se apresentamrelativamente concentrados em nvel geogrfico (lagostas (Panulirusspp.), piramutaba (Brachyplatystoma), sardinha (Sardinela spp.),atuns (Thunnus spp.) e afins, camares (Penaeus spp.) e espciesdemersais ou de fundo).

    d) Pesca Industrial Ocenica: A modalidade ocenica da pesca industrial incipiente no Brasil e envolve embarcaes aptas a operarem em toda aZEE, incluindo reas ocenicas mais distantes, mesmo em outros pases.Constituda de embarcaes de grande autonomia.

    e) Pesca Amadora: praticada ao longo de todo o litoral brasileiro, com afinalidade de turismo, lazer ou desporto. O produto da atividade no podeser comercializado ou industrializado.

    Alguns autores relacionam a pesca com a atividade agrcola, como ocaso de MALDONADO (1986), a qual refere-se a tal fato como "pluralismoeconmico". Esse fenmeno, alm de ocorrer na pesca brasileira, aparece tambmem grupos pesqueiros de vrios lugares do mundo. A autora classifica o pescadornos seguintes segmentos:

    a) Pescador Agricultor: pesca e planta para consumir e comercializar, deforma simples, o que no lhe permite acesso a longas distncias. Ospescadores so freqentemente considerados camponeses, talvez pelofato de explorarem tambm a terra.

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    b) Pescador Artesanal: caracteriza-se pela simplicidade da tecnologia utilizadae pelo baixo custo da produo; realizada com grupos de trabalhos formadospor referenciais de parentesco, sem vnculo empregatcio entre as tripulaese os mestres dos barcos.

    c) Pescador Industrial: exerce as trs atividades (captura, industrializao ecomercializao do pescado), que so desenvolvidas separadamente; as tarefaspertinentes a elas so desempenhadas por grupos de trabalho diferenciados.O pescador assalariado e participa apenas da captura do pescado, semtomar qualquer deciso. O pescado passa a ser apenas mercadoria.

    As diversas classificaes obedecem a vrios critrios, ou seja, tomam por base oprocesso produtivo, a forma de propriedade dos equipamentos de trabalho, as distnciaspercorridas, os locais de pesca, as relaes entre tripulaes, entre outros. Porm, ficam bemdefinidas duas grandes linhas de anlise: a primeira refere-se pesca vinculada ao sistemacapitalista, em que o pescador no tem autonomia sobre a produo, pois considerado apenasuma mercadoria. A segunda linha aborda a pesca autnoma, destinada subsistncia familiare ao pequeno comrcio, muitas vezes consorciada com a explorao da terra.

    Para a realidade pesqueira do Baixo So Francisco, objeto de estudo deste trabalho,adotaremos a classificao de DIAS NETO (1996), no que se refere pesca artesanal ou depequena escala. Neste tipo de pesca, a produo destinada preponderantemente ao consumofamiliar, porque s ocorre a venda quando h excedentes ou desejo de compra de outro produtonecessrio alimentao do grupo familiar. Uma pequena parte desse contingente tambmutiliza a atividade agrcola como alternativa sazonal.

    So muitos os problemas e pontos de estrangulamento que hoje afetam odesenvolvimento e o desempenho do setor pesqueiro. Com relao pesca extrativa, os maisimportantes relacionam-se ao conhecimento dos recursos naturais disponveis, tecnologia depesca, tecnologia de pescado, ao abastecimento com gelo e outros insumos, infra-estruturade estocagem e de comercializao, normatizao e fiscalizao, ao abastecimento com serviospblicos de sade e educao, qualidade de habitao, de infra-estrutura e de saneamentobsico, e infra-estrutura rodoviria.

    NEIVA (1990) estima que na atividade pesqueira trabalham, na parte de produo,aproximadamente 800.000 pessoas, das quais 90 a 95 % na pesca artesanal e entre 5 a 10%na pesca industrial. Estima-se tambm que cerca de 4.000.000 de pessoas dependemdiretamente da atividade pesqueira. Esses dados incluem os empregos que dependemindiretamente da pesca, como, por exemplo, o processamento, a comercializao, construode barcos, apetrechos e servios.

    No mundo existem aproximadamente 10 milhes de pescadores artesanais,responsveis por quase metade da produo pesqueira, seja em guas costeiras, litorneas ouguas interiores. Em alguns continentes, como a ` sia, sua importncia crucial como fonte deprotena barata, pois alimenta cerca de 1 bilho de indivduos (FAO). Em muitos pases da`frica uma das principais fontes de protenas para as massas camponesas (DIEGUES, 1995).

    difcil estimar o nmero de pescadores artesanais existentes no Brasil, poisno h sistema de estatstica pesqueira confivel. Dados da Confederao Nacional dePescadores (1986) indicam que existiam 553.872 pescadores artesanais, dos quais 299.000eram associados e 288.497 no apresentavam inscrio nas 299 Colnias de Pescadoresespalhadas pelo litoral. A regio Nordeste tinha o maior nmero de pescadores associadoss Colnias (39% do total nacional). Eles utilizavam cerca de 49.000 embarcaes, sendomais de 90% delas no motorizadas (Idem).

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    A produo pesqueira artesanal continua sendo significativa, apesar da falta deapoio governamental; este totalmente canalizado para a pesca industrial-empresarial. Em1960, os pescadores artesanais eram responsveis por mais de 80% da captura total (Tabela1). Hoje, a produo artesanal das guas continentais, mesmo fazendo parte das estatsticasoficiais, no representa sua real produo desembarcada, diante das imensas dificuldades decoleta de dados por parte do poder pblico, a exemplo da regio Amaznica. Apesar da pescaartesanal, em 1997, representar 41,3% da produo total, podemos deduzir que ela sejaresponsvel por mais de 50% dessa produo, levando-se em considerao as dificuldades decoleta de dados j mencionadas.

    Tabela 1 Relao da Produo Brasileira da Pesca Artesanal e Industrial, no perodo de1960 a 1997 (em toneladas)

    Os dados acima indicam um forte aumento da produo industrial, que teriapassado de 36.000 toneladas em 1960 para 373.789 toneladas em 1988 (um incrementoda ordem de 10 vezes). Os dados de 1995 demonstram um declnio, seguindo-se umarecuperao da produo industrial no ano de 1997. A pesca artesanal apresenta oscilaesna produo de modo que no conserva os mesmos nveis, apresentando uma leverecuperao a partir de 1997.

    A produo, por regio (Tabela 2), tambm mostra diferenas significativas. Em1988, mais de 80% da produo pesqueira do Nordeste era de origem artesanal, ao passoque na regio Sudeste-Sul essa proporo era aproximadamente 25%. Tal tendncia seacentua a partir de 1995, alcanando a regio Nordeste 92,0% em 1997, enquanto naregio Sudeste/Sul houve um declnio para 14,4% no mesmo perodo em relao pescaartesana.

    Fontes: IBGE - 1980, 1988 apud DIEGUES, 1995. (*) CEPENE/IBAMA - 1998.

    ANOS PESCA INDUSTRIAL % PESCA ARTESANAL %

    1960 36.000 16,4 240.000 83,6

    1970 198.000 46,6 280.000 53,4

    1980 392.325 61,5 243.640 38,4

    1988 373.789 60,0 249.284 40,0

    1995* 223.985 54,0 189.680 46,0

    1997* 273.230 58,7 192.330 41,3

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    Tabela 2 Relao da Produo Industrial e Artesanal por Regies Brasileiras, noperodo de 1980 a 1997 (em toneladas)

    Distribudos pelos inmeros rios, lagos, lagoas e pelo litoral brasileiro, os pescadoresartesanais so diretamente afetados pela crescente degradao ambiental dos ecossistemas decujos recursos retiram sua subsistncia. A poluio desses ambientes aquticos apresenta umaintensidade cada vez maior, particularmente a partir da dcada de 60, com a urbanizao eindustrializao do litoral. Efetivamente, at aquela dcada, a produo dos pequenosprodutores litorneos e fluviais representava cerca de 50% do total de pescado capturado noBrasil. Aquele setor era, portanto, responsvel por uma parte considervel da protenaconsumida nos meios urbanos e rurais costeiros e era uma fonte importante de emprego erenda para as populaes locais.

    Apesar de sua importante contribuio ao setor pesqueiro, os pescadores artesanaisforam quase inteiramente alijados do processo de modernizao. Segundo UICN/PNUMA/WWF (1992), a competio desigual dos grandes arrastes e das parelhas no s acarretou oempobrecimento biolgico das guas, como tambm das comunidades que viviam de suacaptura. Os ambientalistas condenam a pesca mecanizada, feita atravs de grandes embarcaes,pelos danos que causam ao meio ambiente e por tirar oportunidades de emprego dos pequenospescadores (Quadro 1).

    No entanto, apesar do desastre que continua sendo provocado pelos grandes barcosde pesca empresarial, que freqentemente resulta na destruio das pequenas redes e dosequipamentos dos pequenos pescadores artesanais, a rpida degradao dos habitats dos peixesparece ser hoje o principal fator do empobrecimento das comunidades litorneas e ribeirinhas.

    Fontes: IBGE - 1980, 1988 apud DIEGUES, 1995. (*) CEPENE/IBAMA - 1998.

    REGIES ANOS INDUSTRIAL % ARTESANAL %

    1980 4.322 11,0 34.578 88,0 1983 4.948 12,3 35.129 87,7 Regio Norte 1988 6.788 15,4 37.177 84,6 1995* 7.572 17,3 36.404 82,7 1997* 11.135 29,1 27.068 70,9 1980 21.837 18,0 99.027 82,0 1983 19.068 14,0 116.502 86,0 Regio Nordeste 1988 16.355 14,8 94.016 85,2

    1995* 19.936 16,0 104.397 84,0

    1997* 10.846 08,0 123.157 92,0

    1980 366.166 76,8 110.038 23,2

    1983 374.209 74,8 125.496 25,2

    Regio Sudeste/Sul 1988 350.656 74,8 118.091 25,2

    1995* 196.476 80,0 48.879 20,0

    1997* 251.249 85,6 42.104 14,4

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    De acordo com PETRERE citado por DIEGUES (1995), um outro fator de destruiodos rios e lagos da Amaznia o uso do mercrio para tratamento do ouro, particularmenteem rios como o Madeira, o Guapor e o Mamor. Os nveis de poluio por mercrio so toelevados que se aproximam daqueles causadores do Mal de Minamata, que matou centenasde pessoas no Japo, na dcada de 60.

    De acordo com DIEGUES (1995), determinadas aes do Estado tm contribudopara dificultar a sobrevivncia j difcil das comunidades de pescadores artesanais, alm dosprocessos de degradao ambiental. Vrios parques e diversas reservas ecolgicas no litoralbrasileiro foram criados sem consulta aos pescadores que vivem do uso de seus recursosnaturais. Na verdade, se estavam preservados era precisamente pelo respeito que os pescadoresartesanais tinham por eles, j que dependiam do pescado para viver.

    Quadro 1 - Comparao entre a Pesca Industrial e Artesanal no Mundo

    PESCA EMPRESARIAL (INDUSTRIAL) PESCA ARTESANAL

    N de pessoas empregadas na pesca.

    500.000 (quinhentas mil)

    12.000.000 (doze milhes)

    Produo anual de pescado em gua salgada.

    29.000.000 (vinte e nove milhes de toneladas)

    24.000.000 (vinte e quatro milhes toneladas)

    Fauna

    Acompanhante Oriunda da pesca de camaro

    6.000.000 (seis milhes de toneladas)

    INSIGNIFICANTE

    leo combustvel gasto pelas

    embarcaes

    14.000.000 (quatorze milhes de toneladas)

    1.000.000 (um milho de toneladas)

    Fonte: UICN/PNUMA/WWF, 1992

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    A rpida e intensa degradao litornea foi uma das causas das mobilizaes dospescadores e das comunidades litorneas, a partir do final da dcada de 70. O MovimentoNacional dos Pescadores (MONAPE) considera que os movimentos ambientalistas so seusprincipais aliados na defesa do meio ambiente; isso fica demonstrado pela tradio de lutasconjuntas e pelo que foi definido em agosto de l990, no encontro de Juazeiro (BA), do qualresultou a Carta de Juazeiro, que serviu como base de documentos enviados ao Frum dasOrganizaes No-Governamentais presentes na Rio-92. No entanto, o MONAPE no aceita aidia de que se possa proteger o meio ambiente sem a efetiva participao dos pescadoresartesanais organizados. Estes, na verdade, sempre estiveram na frente das denncias contra adegradao do nosso litoral, como atestam as diversas manifestaes pblicas anteriormentecitadas. Tal pensamento coincide com a opinio de Ophuls de que as presentes instituies soincapazes de enfrentar o desafio da escassez (apud ORR & HILL, 1988). Em suma, o MONAPEacredita que o modo de vida das comunidades de pescadores pode ser a garantia da preservaodos ambientes naturais e, portanto, no pode haver defesa de diversidade biolgica sem adefesa da diversidade de culturas humanas espalhadas pela costa e pelos rios brasileiros.

    Existem muitos equvocos em relao aos pescadores artesanais, tais como:pescador indolente, preguioso, imprevidente etc. Para DIEGUES (1995), esses equvocos(falcias) tm como fundo a ignorncia de tecnocratas, com viso urbana ou uma mistificaopor parte das empresas capitalistas de pesca e seus associados em rgos de administraopesqueira deste pas. Assim, tentam justificar as razes do abandono em que deixaram apequena produo artesanal. Na verdade, para o pescador, a atividade da pesca representada diferentemente do trabalho do operrio, no s do ponto de vista da submissode horrios e disciplinas, desvinculados de um contrato social que lhes d significado, comotambm de sua prpria remunerao. O pescador se representa como sujeito (submetido) aohorrio de algo que ele compreende e que faz parte de seu cotidiano. nesse contexto queo ambiente fsico e social o predispe a uma viso ao menos diferente das atividades normaisde uma economia capitalista.

    Portanto, vimos que a pesca artesanal em termos de produo pesqueira, geraode empregos, fornecimento de alimentos e divisas, como se trata de uma atividade menosimpactante para o meio ambiente, mais sustentvel que a pesca industrial. Porm, o modelode desenvolvimento brasileiro, concentrador de renda, voltado para a exportao nas grandesempresas, veio acentuar o abandono da pequena produo, particularmente da pesqueira. Osreflexos desse abandono so sentidos nas esferas regionais e estaduais. No caso de Sergipe, asmodalidades de pesca apresentam particularidades prprias e torna-se necessrio oconhecimento dessa realidade para a compreenso e contextualizao da pesca praticada noBaixo So Francisco sergipano, tema central do presente trabalho.

    1.2 PESCA MARTIMA, CONTINENTAL E ESTUARINA EM SERGIPE

    Como a atividade pesqueira exercida em diferentes ambientes, fundamental aapresentao de cada segmento pesqueiro existente no universo pesqueiro do Estado.

    De acordo com RAMOS (1996), a pesca martima em Sergipe representadapor dois segmentos: pesca de arrasto de camaro (TRAWL) e pesca de peixes. Somodalidades praticadas por duas frotas caractersticas denominadas frota arrasteira e frotalinheira. Ambas atuam na Plataforma Continental com incurses ao norte da Bahia.

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    O camaro da costa sergipana explotado por uma frota arrasteira que deveriaestar estabilizada em 75 embarcaes, nmero definido atravs de avaliaes realizadas peloCentro de Pesquisa e Extenso Pesqueira do Nordeste (CEPENE), como o esforo mximosuportvel pelo estoque. A superao desse limite com o afrouxamento dos licenciamentosveio comprometer o rendimento da atividade e a auto recuperao do estoque, forando atransferncia de pelo menos 20 embarcaes para o Piau em 1996.

    A produo anual de camaro de Sergipe, em 1994, foi de 1.679,5 toneladas,quando a frota situava-se dentro do limite recomendado. No momento, o impacto do esforono tem permitido a recuperao natural do banco camaroneiro, aliando-se a isso a ausnciatotal de enchentes do rio So Francisco, por dois anos seguidos.

    A frota arrasteira constituda de embarcaes cujo comprimento varia entre 8,0 me 14,0 m; seus motores tm potncia nominal que vai de 45 a 130 HP; elas so equipadas paraarrasto duplo (double rig) e utilizam guinchos acionados por correias ligadas ao motor principal.As redes tm comprimentos de tralha superior que variam entre 9,0 m a 15,0 m, com malhas nocorpo de 40mm e no saco de 25 e 30 mm (Idem).

    A estrutura de apoio pesca de arrasto resume-se ao Terminal Pesqueiro de Aracaju,atualmente gerido pelo Conselho de Desenvolvimento Comunitrio de Pirambu (CONDEPI)em Aracaju, com cais de 40 m, fbricas de gelo (7,0 e 14,0 toneladas), leo diesel, gua, geloe atracagem, peas de reposio de motores e material de pesca (panagens, cabos, linhas efios). Em Pirambu, o mesmo CONDEPI oferece frota local a mesma estrutura existente emAracaju. No Crasto, por se tratar de uma frota recentemente criada, conta-se apenas com umafbrica de gelo de particular.

    Quanto frota linheira, a pesca de linha em Sergipe tem decrescido de ano a ano, tantono que se refere ao tamanho da frota, como nos ndices de produo e produtividade. A frota queem 1983 era de 28 embarcaes, encontra-se atualmente reduzida a 10 ou 12 embarcaes.

    Atualmente a pesca de linha mantm-se confinada s limitaes dos estoques; hum pequeno contingente envolvido e ainda dependente da rede de intermediao que submetetais profissionais a preos de primeira comercializao, a 1/3 do preo ao consumidor, conformerelata RAMOS (1996).

    A pesca continental/estuarina tem uma funo social altamente relevante pois onico suporte de subsistncia de pelo menos 15.000 pessoas envolvidas direta e indiretamente;dessa forma se constitui num problema que vai de encontro a quaisquer medidas de cunhoprotecionista. A pesca continental exercida em vrios ambientes como rios, audes, lagoas elagos. Em Sergipe, apresenta maior destaque a pesca exercida no Baixo So Francisco, da qualtrataremos com maior detalhamento mais adiante.

    Atualmente, esse segmento o que se apresenta com maior grau de desagregaolevado pela descapitalizao do subsetor, conseqncia direta do alto custo do dinheiro parareposio dos petrechos e de uma sensvel reduo nos estoques esputveis. O descaso dasautoridades com tais ambientes, no que diz respeito aos diversos fatores endgenos queculminam na elevao dos nveis de poluio oriunda de indstrias e, principalmente, dosaglomerados urbanos, vem comprometendo de forma direta a fauna aqutica. O alto grau deintermediao tambm penaliza o pequeno pescador, com prticas e formao irreal de preos.

    No momento, nota-se uma discreta afluncia de pescadores ao associativismo,buscando, com isso, recursos para aquisio de meios de produo junto ao Banco doNordeste, com recursos do FNE. As condies de financiamentos no so as melhores,tomando-se como base os nveis de produo desses profissionais.

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    Na rea dos benefcios previdencirios, o pescador tem direito assistncia mdico-hospitalar, aposentadoria por idade (60 anos para homem e 55 para mulher) e por invalidez,ao auxlio-doena, por ser equiparado ao trabalhador rural pela Previdncia Social; para isso,ele tem que comprovar o mnimo de 03 anos de cadastro no IBAMA e na Colnia de Pescadores.

    Outro benefcio conquistado pela categoria foi o seguro-desemprego, criado pelaLei n.8.287/91, que garante ao pescador durante os perodos de "defeso" uma renda mnimapara sobrevivncia, em face da paralisao nas atividades de captura. O acesso a esse seguro,alm das exigncias descritas, est condicionado ao pagamento de no mnimo duasmensalidades ao INSS, a ttulo de habilitao. Sua continuidade para outros perodos requertambm a pontualidade quanto s contribuies mensais ao INSS, estando os valores vinculados renda obtida com a pesca como segurado especial.

    Apesar do acesso aos benefcios previdencirios, grande parte do contingentepesqueiro no se beneficia deles, tanto por falta de informaes quanto por falta de persistncia,diante das dificuldades encontradas na comprovao legal da atividade, advinda do baixograu