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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PESCADORAS ARTESANAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRAIA DE MURIÚ/RN VICTORYA ELIZABETE NIPO TEIXEIRA DE CARVALHO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTEDEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

PESCADORAS ARTESANAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRAIA DE MURIÚ/RN

VICTORYA ELIZABETE NIPO TEIXEIRA DE CARVALHO

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às exigências legais, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Gestão de Políticas Públicas.

Orientadora: Winifred Knox.

Natal/RN 2016

PESCADORAS ARTESANAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRAIA DE MURIÚ/RN

VICTORYA ELIZABETE NIPO TEIXEIRA DE CARVALHO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTEDEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

BACHARELADO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

VICTORYA ELIZABETE NIPO TEIXEIRA DE CARVALHO

PESCADORAS ARTESANAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRAIA DE MURIÚ/RN

NATAL/RN

2016

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VICTORYA ELIZABETE NIPO TEIXEIRA DE CARVALHO

PESCADORAS ARTESANAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRAIA DE MURIÚ/RN

Monografia de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso Superior de Bacharelado em Gestão

de Políticas Públicas da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, em cumprimento às

exigências legais como requisito parcial à

obtenção do Título de Bacharel em Gestão de

Políticas Públicas.

Orientadora: Professora Dra. Winifred Knox

NATAL/RN

2016

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Carvalho, Victorya Elizabete Nipo Teixeira de.

Pescadoras artesanais e políticas públicas: empoderamento

feminino na praia de Muriú/RN / Victorya Elizabete Nipo Teixeira de Carvalho. - 2016.

76f.: il.

Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Curso de

Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Winifred Knox.

1. Pesca - mulheres. 2. Pesca Artesanal - Rio Grande do

Norte. 3. Políticas Públicas. I. Knox, Winifred. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 639.2-055.2(813.2)

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VICTORYA ELIZABETE NIPO TEIXEIRA DE CARVALHO

PESCADORAS ARTESANAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRAIA DE MURIÚ/RN

Monografia de Conclusão de Curso apresentado ao Curso Superior de Bacharelado

em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

em cumprimento às exigências legais como requisito parcial à obtenção do Título

Bacharel em Gestão de Políticas Públicas.

MONOGRAFIA APROVADA EM _____/_____/2016.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Winifred Knox

Orientadora – DPP/UFRN

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Lisabete Coradini

Examinadora Externa – DAN/UFRN

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Françoise Dominique Valery

Examinadora Externa – DAU/UFRN

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Dedico esta monografia ao meu pai João

Teixeira de Carvalho Sobrinho (in

memorian), com todo meu amor e

gratidão, por todo incentivo que me foi

dado durante o tempo em que esteve ao

meu lado.

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AGRADECIMENTO

Gratidão significa reconhecer as boas atitudes dos outros; é a provocação de

um sentimento de retribuição, na forma de agradecimento, às pessoas importantes

para promoção de algum fim. À vista disso, agradeço a realização desse trabalho

À Deus, por me guiar e por todas as bênçãos concedidas na minha vida.

À minha família, pelo amor e carinho que me foi dado desde o início da minha

vida. Posso representar minha família com as minhas três mães: Severina Francisca

de Melo (in memorian), Alcineide Severina Nipo e Elizabete Severina dos Santos.

Obrigada por todas as orações e momentos vividos juntas. À vocês todo meu amor!

À Karol, minha irmã do coração e à minha segunda família por todo apoio e

incentivo na minha vida acadêmica e realização dos meus sonhos.

À minha professora e orientadora, Winifred Knox, pelos trabalhos realizados

na iniciação científica e apoio na execução dessa monografia.

Aos meus colegas de pesquisa do Projeto “Políticas Públicas à Beira-Mar”,

Duda e Pedro, especialmente à Pedro por ser minha dupla e por me estimular a ser

uma pessoa melhor e mais calma.

Aos amigos que GPP me proporcionou com a formação do melhor grupo de

ateliê: Brunno, Bia, Babi, Ana, Nat, Cornélio, Hau e João. Obrigada por todos os

momentos nesses três anos e meio. A importância de vocês não pode ser

mensurada, tanto na minha vida, como na produção desse trabalho.

À Louise e Brunno, pela amizade e paciência. Vocês dois foram peças chaves

no desenvolvimento dessa monografia, o que me deixa sem palavras para descrever

meu carinho e reconhecimento. Mil vezes obrigada por não desistirem de mim. Amo

vocês!

À Fabiano e Narjara, por se prontificarem a me auxiliar e estarem sempre

dispostos à me aconselhar e, também, por acreditarem em mim.

À Rylanneive, por toda ajuda e atenção no decorrer desse trabalho.

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À Dja, por ser meu “pai” e me fazer enxergar o mundo a partir de diferentes

perspectivas. Todo o meu agradecimento e admiração à você.

Às amizades fortalecidas pela COERN: Flavia, Av, Cadmiel, Joy e Jess

(mineira/potiguar). Obrigada pelo companheirismo e apoio de todos os dias.

À todos os meus amigos por entenderem a minha ausência e me apoiarem

nos momentos difíceis, principalmente The, Cla, Wall, Lissa, Nandes e Edu.

Obrigada por tudo!

Por fim, agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram no

desenvolvimento desse trabalho, em especial às mulheres pescadoras de Muriú pela

atenção e colaboração.

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E como mulher e profissional nada me

agrada mais que ver e ouvir palavras de

inspiração e motivação vindas de outras

mulheres, que com força e determinação

pegaram o mundo pela lapela e

concretizaram (e concretizam dia após dia)

os seus sonhos e objetivos.

(Autor desconhecido)

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RESUMO

A pesca artesanal consiste em uma temática da socioantropologia marítima que se intensificou nos anos 1970. A prática da pesca é antiga e foi exercida pelos índios, anterior a expansão agrícola e pecuária, sendo desenvolvida desde o período pré-colonial até os dias atuais. Uma das vertentes dessa temática é a pesca praticada por mulheres, decorrente da maior ocupação feminina do espaço público e adoção de um novo papel social. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo compreender o papel da mulher na pesca artesanal na praia de Muriú, localizada no município de Ceará Mirim/RN, a partir da verificação do modo de vida e espaço de participação das pescadoras artesanais, como também da percepção das mulheres acerca das políticas públicas. Desta forma, a metodologia segue as orientações de uma pesquisa qualitativa, fazendo uso de entrevistas semiestruturadas e oficina participativa como instrumentos de coleta de dados. Este estudo é constituído por quatro capítulos, juntamente à introdução e às considerações finais: 1. A do referencial bibliográfico e documental, em que são feitas as discussões em torno das questões de família, gênero e pesca artesanal; 2. A da caracterização de Ceará Mirim e Muriú, apresentando os aspectos históricos, espaciais, demográficos e institucionais; 3. Procedimentos metodológicos, mencionando o tipo, o método e os instrumentos de pesquisa, bem como a forma de análise dos dados coletados; e 4. A da análise do modo de vida e organização das mulheres pescadoras na praia de Muriú/RN. Toda a pesquisa foi realizada no transcorrer do ano de 2016. Por fim, esta monografia atenta para necessidade do planejamento de políticas públicas para o setor da pesca e, particularmente, para as mulheres pesqueiras, fundamentado em uma perspectiva de desenvolvimento local e estímulo a instrumentos que possibilitem o empoderamento feminino e incentivo à participação.

Palavras-chave: Empoderamento Feminino; Mulheres; Pesca Artesanal; Políticas Públicas.

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ABSTRACT

Artisanal fishing consists in a thematical from maritimic socioantropology which intensified in the 1970s. The fishing practice is ancient and was realised by indigenous people, before the agriculture expansion, being developed since the pre-colonial period until current days. One of the aspects of this theme is the women practised fishing, result of the bigger feminine occupation in the public space and the adoption of a new social role. In this context, this academic work aims the comprehension of the woman role in artisanal fishing in Praia de Múriu, located in the municipality of Ceará Mirim/RN, departing from the verification of the live habits and participation space of the artisanal women fishers, as well as the perception of the women in public policies. Thus, the methodology follow the orientation of a qualitative research, using semi-structured interviews and participative workshop as the data collecting instrument. This study is constitued of four chapters, together with the introduction and the final considerations: 1. Bibliographic and documentar referential, in which discussions are made concerning family, genre and artisinal fishing issues; 2. Caracterisation of Ceará Mirim and Muriú, presenting historical, spacial, demographic and institucional aspects; 3. Methodological procedures, mentioning the sort, the method and research instruments, as well as the analysis form of the collected data; and 4. The analysis of life and organisation of fisher women in Praia de Muriú/RN. The research was made during all the year of 2016. This monograph observe the necessity of public policy planning for the fishing sector and, particularly, to the fisher women, fundamented in a local development perspective and stimulation to instruments that allows the feminine empowerment and incentivation to participation.

Keywords: Feminine Empowerment; Women; Artisanal Fishing; Public Policies.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Diagrama de análise: Relação família, gênero e pesca artesanal ........... 32

Figura 2 – Grupo de mulheres participantes da oficina ............................................ 44

Figura 3 - Caracterização Pessoal da Mulher Pescadora ........................................ 46

Figura 4 - As Mulheres na Pesca ............................................................................. 46

Figura 5 - Vantagens e Desvantagens da Pesca Artesanal ..................................... 47

Figura 6 - Pesca Artesanal e Políticas Públicas ....................................................... 48

Figura 7 - Diagrama de representação dos principais produtos da pesca ................ 54

Figura 8 - Parte do Diário da Mulher Pescadora ...................................................... 64

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1- Região Metropolitana de Natal .................................................................... 35

Mapa 2- Território da Cidadania do Mato Grande ..................................................... 37

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Faixa Etária das Pescadoras de Muriú ................................................... 51

Gráfico 2 - Escolaridade das Pescadoras de Muriú ................................................. 53

Gráfico 3 - Tempo de Atividade Pesqueira ............................................................... 55

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Características dos modelos de Pesca Artesanal e Industrial ................ 29

Quadro 2 - Estado civil e número de filhos das Pescadoras de Muriú ..................... 52

Quadro 3 - Cronograma da Atividade Pesqueira ...................................................... 56

Quadro 4 - Características da Colônia Z14 .............................................................. 57

Quadro 5 - Percepção das Pescadoras acerca das Políticas Públicas .................... 59

Quadro 6 - Participação das Pescadoras de Muriú .................................................. 62

Quadro 7 - Percepção acerca do papel da mulher pescadora ................................. 65

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LISTA DE SIGLAS

DSC – Discurso do Sujeito Coletivo

EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural

FEPERN – Federação Estadual dos Pescadores do RN

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura

PAA – Programa de Aquisição de Alimentos

PBF – Programa Bolsa Família

PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

RGP – Registro Geral da Pesca

RMN – Região Metropolitana de Natal

RN – Rio Grande do Norte

SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SINDIPESCA/RN – Sindicato Industrial de Pesca do Estado do Rio Grande do Norte

SUDEPE – Superintendência do Desenvolvimento da Pesca

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 17

1. A FAMÍLIA, AS PESCADORAS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA PESCA ARTESANAL .......... 22

1.1. Família ............................................................................................................ 22

1.2. Gênero ............................................................................................................ 26

1.3. Pesca Artesanal .............................................................................................. 28

2. CEARÁ MIRIM: PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO GERAL .................. 33

2.1 Histórico e Localização Espacial do Município de Ceará Mirim e da Praia de

Muriú ...................................................................................................................... 33

2.2 Dimensão demográfico econômica .................................................................. 38

2.3 Dimensão institucional ..................................................................................... 40

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 41

4. MODO DE VIDA E ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES PESCADORAS NA PRAIA DE MURIÚ/RN

.................................................................................................................................. 50

4.1 Perfil da mulher pescadora na praia de Muriú/RN ........................................... 50

4.2 Colônia de Pescadores Z14 – Muriú e Jacumã ............................................... 56

4.3 Pescadoras e Políticas Públicas ...................................................................... 57

4.4 Atuação do Poder Público Municipal – Secretaria de Agricultura,

Abastecimento, Aquicultura e Pesca de Ceará Mirim/RN ...................................... 59

4.5 Organização das Mulheres Pescadoras .......................................................... 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 66

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 69

APÊNDICE ................................................................................................................... 73

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INTRODUÇÃO

O estudo relativo à Pesca Artesanal no Brasil se intensificou na década de 70,

devido à construção do campo de conhecimento da socioantropologia marítima e

desvinculação dos conceitos agrícolas que, anteriormente, eram adotados para as

comunidades pesqueiras. Além disso, a prática da pesca é antiga e foi exercida

pelos índios para subsistência das tribos, anterior a expansão agrícola e pecuária. “A

pesca praticada pelos índios, é uma atividade anterior à chegada dos navegadores

portugueses no Brasil e peixes, crustáceos e moluscos eram parte importante de

sua dieta alimentar” (DIEGUES, 1999, p. 361). No período colonial, se desenvolveu

a pesca da baleia, com monopólio da Coroa Portuguesa e uso da mão de obra

africana, em paralelo à pesca indígena.

Por conseguinte, a atividade pesqueira proporcionou o crescimento de

diversas culturas litorâneas ao longo da costa brasileira, a exemplo do jangadeiro no

litoral nordestino, descrito por Cascudo (1957) como um pescador que exerce sua

autonomia e liberdade a partir de uma embarcação simples de madeira e seu

conhecimento tradicional do espaço marítimo. No litoral sul, tem-se a cultura do

caiçara e açoriano, comunidades pesqueiras que também praticavam a atividade

agrícola, caracterizando-se como produções pluriativas; a prática artesanal e,

atualmente, o turismo de natureza também são formas de subsistência dessa

população. O início do século XX ficou marcado pelo desenvolvimento da pesca de

sardinha, no sul do país, marcando o início da pesca de grande escala ou industrial

e o surgimento das primeiras indústrias pesqueiras. A pesca artesanal se manteve

baseada no modelo de organização da pesca ibérica o que embasou o surgimento

das primeiras colônias de pescadores, equivalente às corporações de artesãos na

Idade Média (DIEGUES, 1999).

A primeira legislação a tratar da pesca artesanal foi o Decreto-Lei nº 221, de

28 de fevereiro de 19671, que dispôs sobre a proteção e estímulos à pesca,

regulamentando a pesca comercial, em concordância com o previsto pela

Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE). A SUDEPE foi criada

cinco anos antes da promulgação da lei específica da pesca e, como autarquia

1 Disponível em: <https://goo.gl/lSQtov>.

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federal vinculada ao Ministério da Agricultura, pretendia assistir aos pescadores,

elaborar e executar ações para uso da fauna e flora aquática. A partir dos incentivos

fiscais concedidos pela SUDEPE, há a formação de “[...] um proletariado ligado à

pesca e ao beneficiamento do pescado, em contraposição à pequena pesca

artesanal.” (DIEGUES, 1999, p. 363). O crescimento acelerado da pesca industrial

ocasionou a sobrepesca, principalmente de camarão, e consequências ambientais e

econômicas, culminando na extinção desse órgão autárquico em 1989, pela Lei nº

7.735 e criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA), associado ao Ministério do Meio Ambiente, para exercer o

poder de polícia federal e executar os projetos relacionados ao meio ambiente.

O Decreto-Lei 221/67 foi revogado pela Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável da Aquicultura e Pesca, na Lei 11.959, de 29 de junho de 20092, que

está em vigor até o momento, para definir os termos pesqueiros e ordenar a

atividade e recursos da pesca, embarcações e do exercício da aquicultura. Apesar

disso, a política não trata especificamente das mulheres pescadoras que, por sua

vez, representam 40,85% do Registro Geral da Pesca (RGP), com sua maioria na

região nordeste, conforme o Ministério da Pesca e Aquicultura (2010), atividade que

contribui para a pluriatividade familiar, garantindo a subsistência da família e

desenvolvimento local.

A busca das mulheres por direitos e maior ocupação do espaço público surge,

de maneira mais expressiva, nos últimos 40 anos com os movimentos feministas.

Assim, a inserção da mulher na pesca representa a inserção e adoção de um novo

papel social, com apropriação de um trabalho historicamente exercido pelos

homens. A “[...] divisão do trabalho na pesca confere à mulher as atividades

realizadas em terra, enquanto ao homem são conferidas as atividades realizadas no

mar [...] essa divisão fundamenta a ideia de exploração do homem sobre a mulher.”

(KNOX; FIRME, 2016). Nesse ambiente, o trabalho feminino muitas vezes é visto

como secundário, sendo uma extensão dos afazeres domésticos e não é

reconhecido, o que se agrava pela carência de políticas públicas específicas para as

mulheres pesqueiras, com o propósito de incentivar a prática da pesca, o

empoderamento e valorização dessa atividade. Diante do exposto, a presente

2 Disponível em: < https://goo.gl/RMwLRX >.

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monografia se constitui em um estudo sobre as mulheres profissionais da pesca

artesanal na praia de Muriú, no município de Ceará Mirim/RN, tendo como objetivo

geral compreender o papel feminino na pesca artesanal local.

A escolha da temática foi motivada pelo desenvolvimento do Projeto de

Pesquisa “Políticas Públicas à beira-mar: Territorialidades, saberes e conflitos” nos

anos de 2015 e 2016, coordenado pela professora Winifred Knox, que propôs a

realização de um estudo das populações do litoral do RN, dado que existem

múltiplos atores com interesses nesta faixa litorânea, bem como a presente

vulnerabilidade social a que os pescadores ficam sujeitos, além dos fatores sociais,

econômicos e ambientais que envolvem a questão, visando contribuir para uma

melhor fundamentação das políticas públicas voltadas à população litorânea.

O foco do projeto de pesquisa se deu na escala de território do Programa

Territórios da Cidadania, no Território do Mato Grande, com enfoque nos oito

municípios litorâneos, dentre os quais Ceará Mirim se encontra. De forma a construir

uma avaliação da qualidade de vida destas populações, houve um trabalho com os

indicadores de vulnerabilidade social e a subdivisão da pesquisa em áreas

temáticas, como por exemplo a questão de gênero na pesca. Assim, dos oito

municípios litorâneos que compõe o Mato Grande, Ceará Mirim é o único que

também está inserido na Região Metropolitana de Natal, o que compreende a

possibilidade de maior integração e acesso à serviços.

Aliado a isso, dos municípios litorâneos desse território, Ceará Mirim se

destaca por possuir uma quantidade significativa de pescadores, segundo o RGP

(2016), representando o quinto município do Território do Mato Grande com mais

mulheres exercendo essa atividade (72 pescadoras), divididas entre as quatro praias

do município, contudo, a maioria exerce a pesca na praia de Muriú. Com relação a

representação das mulheres, das 80 colônias de pescadores do RN, 14 são

presididas por mulheres, conforme informações da Federação Estadual dos

Pescadores do RN (FEPERN). No Mato Grande, Ceará Mirim (Colônia Z14 - Muriú)

e Maxaranguape (Colônia Z15) possuem mulheres ocupando o maior cargo da

entidade máxima de representação local. No caso de Ceará Mirim, apenas uma

mulher compõe a estrutura organizacional, o que embasa a problemática acerca da

representatividade feminina.

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Neste sentido, a pesquisa foi conduzida por três questionamentos: Qual o

perfil das mulheres pescadoras da praia de Muriú? Como as pescadoras se

organizam e exercem seu papel social? E como são atendidas pelo Poder Público?

Com isso, foi possível, além de refletir sobre o papel da mulher, verificar o modo de

vida e o espaço de participação das pescadoras artesanais em Muriú, bem como

identificar a percepção das pescadoras acerca das políticas públicas e se essas

políticas influenciam na melhoria da sua qualidade de vida.

O presente estudo apoia-se na pesquisa qualitativa, em que houve a divisão

dos procedimentos metodológicos em três partes fundamentais, expostas no

capítulo 03 dessa monografia. A primeira diz respeito à realização do estudo

bibliográfico e documental sobre a pesca artesanal e temas transversais, como

trabalho, gênero e família. A segunda parte tange às duas entrevistas, de roteiro

semiestruturado, com os principais atores institucionais da pesca em Muriú: o Poder

Público municipal responsável de Ceará Mirim – Secretaria de Meio Ambiente

Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca - e a presidente da Colônia de

Pescadores Z 14, a fim de coletar informações específicas sobre a organização da

pesca na região. A terceira e última parte da metodologia se deu diretamente com as

pescadoras de Muriú, em um grupo de 10 mulheres, através de uma abordagem

participativa, com o intuito de traçar um perfil da mulher pescadora nessa localidade

e verificar seu modo de vida e percepções sobre o trabalho e políticas públicas. A

análise dessa abordagem metodológica se deu com base na investigação dos

discursos dos atores sociais e os conflitos envolvidos na trajetória profissional das

pescadoras artesanais, principalmente a presidenta da Colônia de Pescadores, a

FEPERN e o Poder Público.

Para discutir as questões expostas relacionadas a mulher pescadora e

políticas públicas na praia de Muriú, o trabalho está organizado em seis capítulos,

seguindo a ordem: introdução, quatro capítulos e as considerações finais.

No primeiro capítulo, intitulado “A Família, as Pescadoras e as Políticas

Públicas na Pesca Artesanal”, é exposto o aporte teórico da temática, subdividido

em três categorias, a saber: Família, Gênero e Pesca Artesanal. Já o segundo

capítulo, “Ceará Mirim: Processo de constituição e caracterização geral”, trata da

caracterização histórica, demográfica, econômica e institucional da área de estudo,

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isto é, o município de Ceará Mirim e a praia de Muriú. O terceiro capítulo –

Procedimentos Metodológicos- versa a respeito da metodologia utilizada para

realização desse trabalho e o quarto - Modo de Vida e Organização das Mulheres

Pescadoras na Praia de Muriú/RN - apresenta os resultados da metodologia e a

discussão da problemática. Por fim, a última parte expõe as considerações finais da

pesquisa sobre o papel social exercido pela mulher pescadora, em um contexto de

desvalorização feminina e carência de políticas públicas.

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1. A FAMÍLIA, AS PESCADORAS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA PESCA ARTESANAL

Este capítulo apresenta o debate teórico acerca das temáticas Pesca

Artesanal, Família e Gênero, a fim de contextualizar os aspectos relacionados ao

ambiente da mulher pescadora. A exposição geral desses três pontos é essencial

para entender a problemática local da área de estudo; tal escolha se deu

considerando as relações de trabalho na pesca artesanal e a não dissociação dos

vínculos familiares, tendo em vista que a família compreende a unidade de produção

dessa prática. Assim, com a mudança da estrutura social da família e de suas

concepções, também há modificações na esfera do trabalho e no papel da mulher

enquanto responsável pelo trabalho de reprodução familiar. Consequentemente, a

problemática do gênero feminino acerca de maior representatividade e ocupação do

espaço público emerge, em conjunto, com a necessidade de elaboração de políticas

públicas para garantir as condições necessárias de manutenção e valorização desse

segmento.

Portanto, este item está estruturado em três seções visando a reflexão sobre

a manutenção das desigualdades históricas entre homens e mulheres, sobretudo na

pesca, em que se busca, primeiramente, especificar a definição e as modificações

do termo família, assim como a relação com o campo de atuação das políticas

públicas. A segunda seção aborda o conceito de gênero, no que tange o gênero

feminino e os fatores externos que contribuíram para inserção da temática nos

estudos de família e mobilização do movimento de mulheres em busca de

visibilidade. Por fim, a terceira seção trata da discussão a respeito da pesca e sua

regulamentação no Brasil retratando, principalmente, a inserção e situação da

mulher nesta atividade.

1.1. Família

A definição do termo família, segundo o Dicionário das Ciências Sociais

(1978), equivale a um conjunto de ascendentes, descendentes, colaterais e parentes

de uma mesma linhagem, sendo o núcleo familiar representado tanto na relação de

mães e filhos, como também no vínculo dos cônjuges. Historicamente, a visão de

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família, classificada como um fenômeno universal, foi constituída a partir de diversas

estruturas, a exemplo da família patriarcal, moderna e nuclear.

Conforme Scott (2011), família abrange um vasto campo de negociação e,

atualmente, uma multiplicidade de sentidos, tendo em vista que essa concepção foi

modificada ao longo dos anos, passando de um modelo patriarcal para uma amostra

diversa.

referir-se a família, seja no Brasil, seja em qualquer outro lugar, é introduzir-se a um conjunto de categorias de atenção preferencial entre os quais se destacam (sem esgotar o leque) gênero, geração, parentesco, herança, coletividade, moralidade, identidade, hierarquia, produção, reprodução, consumo, distribuição e residência. (SCOTT, 2011, p.115)

Dessa forma, cada categoria exposta representa um espaço de atuação para

políticas públicas, isso significa que ter família como público alvo de alguma ação

não indica precisão de enfoque, o que torna complicado o processo de avaliação do

efeito das intervenções e gera dificuldade na identificação dos beneficiários. Ainda

assim, conceituar instituição familiar, representada por laços de integração,

solidariedade e reciprocidade, é definir um objeto e contribuir para elaboração das

políticas públicas, pautando como necessidade o aperfeiçoamento nos instrumentos

utilizados pelo Estado para atender as famílias, de modo a compreender sua

definição ampla e inclusiva.

Uma das formas de atuação do Estado para atender as necessidades da

família é por meio da elaboração e execução de políticas, como o Programa Bolsa

Família3 (PBF). Esse programa possui como público alvo o núcleo familiar e consiste

na transferência direta de renda para a população em estado de vulnerabilidade,

visando o combate à miséria e a remoção dos indivíduos da escala de extrema

pobreza. Logo, ao declarar família como grupo de proteção social, o PBF se

caracteriza na forma de uma política pública de fomento ao desenvolvimento social.

Celina Souza (2006) caracteriza políticas públicas como um campo de

conhecimento que visa propor mudanças enfatizando o papel dessas ações nas

soluções dos problemas e baseando-se na compreensão que ressalta tais políticas

3 O Programa Bolsa Família foi instituído com a publicação da Medida Provisória nº 132, de 20 de

outubro de 2003, a posteriori convertida na Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e, atualmente, regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004.

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como a soma e conjunto de atividades dos governos com fins específicos para

influenciar a vida dos cidadãos. Deste modo, o processo de formulação de políticas

públicas é um estágio de diálogo em que os representantes demonstram em suas

propostas eleitorais, seus planos de ação para modificar a realidade. Na revisão

teórica acerca das políticas públicas, é possível acrescentar que em se tratando de

um sistema de formulação, resultados e ambiente com influência das mídias e de

variados grupos de interesse, as políticas públicas enfatizam diferentes questões

acerca do contexto brasileiro ao longo do tempo, produzindo novos efeitos.

Durante o século XX, com a mudança nas relações de poder e a influência do

contexto internacional, a cultura brasileira enfatizou o ambiente familiar de diversas

formas. A primeira delas surge no início do período de colonização, como

consequência do contato entre a população nativa e os colonizadores nos séculos

que antecedem os anos 1900, proporcionando um meio exógamo, em que os

homens portugueses ao chegarem no Brasil estabeleciam relações afetivas com as

indígenas e posteriormente, as negras, criando laços de miscigenação e formando

uma nação fora dos padrões culturais europeus.

Com o avanço da teoria evolucionista, o início do século XX ficou marcado

por ideias de superioridade das espécies e maior adaptabilidade ao ambiente,

influenciando pensamentos de diferenciação entre as raças e supremacia da

população europeia. Como consequência do processo miscigenatório de europeus,

índios e negros, “a ideia de família brasileira foi ofuscada pela questão de se ter de

conviver com as implicações de uma população de sangue misturado” (SCOTT,

2011, p. 24), sendo a mistura de etnias considerada prejudicial para o fortalecimento

da nação. Sendo assim, para inclusão do Brasil nas comunidades tradicionais

internacionais, o incentivo à endogamia é fortalecido com a imigração de

trabalhadores europeus e orientais, especialmente para o sul do país, promovendo

uma aproximação cultural do universo europeu e a construção das famílias

patriarcais.

A imagem do patriarcado emerge juntamente à consolidação do estado

centralizador com o papel de definição e integração nacional, a partir da valorização

de sua capacidade de liderar a família. Em sua obra “Casa Grande e Senzala”,

Gilberto Freyre (1961) retrata a formação sociocultural brasileira na consolidação do

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período colonial, desmistificando a ideia de inferioridade da nação brasileira devido a

miscigenação e expondo a importância cultural das etnias e da diversidade como

fator primordial na construção sociocultural e política no Brasil. Contudo, o autor

reforça a ideia do patriarca, como proprietário da casa grande e de tudo que se

encontrava no seu território, inclusive sua família.

Posteriormente, no período pós-guerra da metade do século XX, historiadores

econômicos americanos apontam modelos de desenvolvimento baseados no espirito

empreendedor e na sociedade de consumo, possibilitando um novo contexto em que

a ideologia do patriarcado é ocultada em face de novos estudos pautando a

organicidade das famílias e a influência da urbanização, “ao prosseguirem no

caminho do desenvolvimento, as famílias não serão mais extensas e patriarcais,

tornando-se unidades pequenas e mais democráticas mais bem adaptadas às

condições urbanas.” (SCOTT, 2011, p. 30). No entanto, a perspectiva da análise

familiar não apontava a questão de gênero como elemento de diferenciação das

famílias e sim, como parte do estudo de um modelo generalizado da comunidade

brasileira no processo de padronização urbana.

O alto modernismo traz à tona a supervalorização da família nuclear como

unidade familiar predominante e isso acarreta numa preocupação com os padrões

urbanos de sociedade e modernização, perceptível na criação de um modelo

organizacional e planejado de família de forma a contribuir no desenvolvimento do

país, porém, esse padrão não condiz com a realidade brasileira em desenvolvimento

da época, principalmente no que tange aos segmentos menos favorecidos. Nesse

contexto, “uma brecha se abria para a compreensão da família embasada numa

compreensão das mulheres [...]” (SCOTT, 2011, p. 34), ainda em um ambiente de

pobreza e desigualdade, as questões das mulheres emergem de maneira racional

para repensar as relações de trabalho e dominação.

Em uma conjuntura de marginalidade econômica, de alto crescimento

populacional dado a elevada fecundidade e diminuição da mortalidade, com o maior

acesso aos serviços de saúde e assistência social no período de redemocratização,

a família continua a ocupar o espaço de componente importante para administração

do país, sendo necessária uma maior organização familiar incentivada a partir de

políticas públicas de estímulo ao planejamento familiar com a disseminação de

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técnicas contraceptivas. Esse fomento incentiva o papel feminino de controle sobre

seu corpo e seus direitos, em especial, o direito reprodutivo, abrangendo a

discussão sobre gênero e sexualidade.

1.2. Gênero

O conceito de gênero é baseado em um processo social, em que “[...] o

“masculino” e o “feminino” são criações culturais e, como tal, são comportamentos

apreendidos através do processo de socialização que condiciona diferentemente os

sexos para cumprirem funções sociais específicas e diversas.” (ALVES e

PITANGUY, 1985, p. 55). Essa definição é corrobora com a adotada no movimento

feminista que admite tal conceito como explicação para a desigualdade entre os

diferentes papeis sociais atribuídos aos homens e as mulheres, de forma a tornar

visível o feminino como elemento significativo das instituições do Brasil. O

movimento das mulheres aflora numa perspectiva, em especial nos anos noventa,

de participação social e política, difundindo o debate sobre igualdade e democracia,

através da criação de identidades femininas coletivas.

As identidades dizem respeito ao “[...] sentido de continuidade para os

indivíduos, por adotarem papéis normas e valores válidos para todos os

componentes do grupo, o que reafirma constantemente a realidade objetiva e

subjetiva.” (HABERMAS, 1990). Logo, funcionam de maneira a valorizar a

pluralidade de interesses para construção de uma agenda comum. Tais ações

resultaram na adoção do feminismo como elemento para compreensão das famílias,

influenciado pelo papel assumido na globalização de ressaltar a incorporação das

diversidades nas formações familiares. Portanto,

os estudos de organização familiar apontam rendas mais baixas, salários menores, empregos mais inseguros, maior participação em unidades monoparentais e casas chefiadas por mulheres – todos evidenciando a “feminização” da pobreza e a necessidade de elaborar políticas que conscientemente promovam benefícios para as mulheres” (SCOTT, 2011, p. 42).

Associado a isso, tem-se a entrada da mulher no mercado de trabalho como

fator contribuinte para o controle da natalidade e consequentemente, a redefinição

dos padrões da unidade familiar brasileira. No trabalho, a demanda de gênero lida

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com a concepção de "entender processos de construção/reconstrução das práticas

das relações sociais, que homens e mulheres desenvolvem/vivenciam no social"

(BANDEIRA E OLIVEIRA, 1990, p. 8) e se contrapõe à segregação ocupacional por

sexo, almejando a diminuição da desigualdade de inserção entre homens e

mulheres nas ocupações profissionais. Com isso, a reprodução da força de trabalho,

entendida como continuidade de circulação do capital e de classes sociais capaz de

habilitar o homem a transformar o ambiente em prol de suas necessidades, torna-se

uma necessidade social, bem como políticas públicas e legislação específica para

dar suporte as mulheres que possuem multiplicidade de tarefas e responsabilidades

familiares.

Ainda que a atividade no mercado de trabalho corresponda àquela que pode

gerar renda, direta ou indiretamente, o trabalho familiar atribuído às mulheres, como

por exemplo cuidar dos filhos e da manutenção do lar é essencial para o bem-estar

social, até mesmo pelo tempo destinado aos afazeres domésticos, porém, por não

ser remunerado, essa condição é considerada improdutiva, gerando uma

subestimação das atividades realizadas por elas e uma desvalorização do trabalho

reprodutivo. Por conseguinte, o negligenciamento econômico dessa ocupação

fortalece a divisão sexual do trabalho, logo, a invisibilidade do trabalho feminino no

lar e inferiorização das mulheres, ocasionando a separação entre os sexos em

espaços distintos: público e privado, sendo o último natural às mulheres.

No que concerne ao espaço, geograficamente, este corresponde a qualquer

região habitada e utilizada pela sociedade, construído a partir das ações humanas.

Baseado nisso, surgem as subcategorias de público e privado, em que a primeira faz

referência a áreas comuns, contudo, na abordagem psicológica, o espaço pode ser

visto como um ponto de identidades individuais. Anteriormente, ambos os tipos de

trabalho eram realizados no mesmo espaço, privado e na unidade familiar, mas, com

a divisão sexual do trabalho e o desenvolvimento dos centros urbanos, o trabalho

produtivo passa a dominar o espaço público e a ser ocupado, principalmente, por

homens, em dissociação da vida doméstica, de responsabilidade das mulheres.

O modo de produção capitalista, portanto, reforça a atribuição para cada sexo

de tarefas e espaços específicos, dessa forma, “[...] o mundo do trabalho é visto

como produtivo – reconhecimento de suas atividades com as garantias e as

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representações correspondentes – e sua capacitação como trabalhadoras da pesca,

quer dizer, a sua inclusão em outro nível do espaço público” (MANESCHY,

SIQUEIRA, ÁLVARES, 2012, p.728). No que diz respeito ao termo público, este

também possui relação com o termo político; em sua etimologia a palavra público faz

referência ao povo e político, por sua vez, se origina da palavra cidadão,

considerando que ambos os termos correspondem a população, é possível

considerar que o homem, dominador do espaço público é visto como um ser político

e a mulher, detentora do espaço privado, como apolítica.

1.3. Pesca Artesanal

A pesca no Brasil é regulamentada pela Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável da Aquicultura e da Pesca, na Lei 11.959 de 2009, um dos objetivos

dessa legislação é o disposto nos incisos I, II, III e IV do artigo 1ª

I – o desenvolvimento sustentável da pesca e da aquicultura como fonte de alimentação, emprego, renda e lazer, garantindo-se o uso sustentável dos recursos pesqueiros, bem como a otimização dos benefícios econômicos decorrentes, em harmonia com a preservação e a conservação do meio ambiente e da biodiversidade; II – o ordenamento, o fomento e a fiscalização da atividade pesqueira; III – a preservação, a conservação e a recuperação dos recursos pesqueiros e dos ecossistemas aquáticos; IV – o desenvolvimento socioeconômico, cultural e profissional dos que exercem a atividade pesqueira, bem como de suas comunidades.

Para tanto, a legislação atual considera pesca como toda operação de

extração, colheita, apreensão e captura de recursos pesqueiros. Assim, a pesca é

dividida em comercial e não comercial; a primeira, compreende os modos artesanal

e industrial. Em conformidade com o artigo 8º a pesca artesanal é praticada de

forma autônoma ou em regime de economia familiar, por pescador profissional, com

embarcações de pequeno porte e meios de produção próprios ou mediante

contratos de parceria. Por sua vez, a pesca industrial difere, pois, além de possuir a

finalidade comercial, pode fazer uso de embarcações de médio ou grande porte e é

praticada por pessoas físicas ou jurídicas envolvendo os profissionais com vínculo

empregatício. Abaixo segue o quadro 01 apresentando as características gerais da

pesca artesanal e da pesca industrial.

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Quadro 1 - Características dos modelos de Pesca Artesanal e Industrial

Modelos de Pesca

Características

Unidade de Produção

Produção e Tecnologia

Tipos de Embarcação

Finalidade do Pescado

Artesanal Família Baixo Pequeno

Porte

Consumo familiar e

Comercialização

Industrial Vínculo

Empregatício Alto

Médio e Grande Porte

Comercialização

Fonte: Elaboração própria com base em Maldonado (1986).

Em resumo, a atividade pesqueira é exposta no artigo 4º da Lei a

regulamentou (Lei 11.959/2009).

Art. 4o A atividade pesqueira compreende todos os processos de pesca, explotação e exploração, cultivo, conservação, processamento, transporte, comercialização e pesquisa dos recursos pesqueiros. Parágrafo único. Consideram-se atividade pesqueira artesanal, para os efeitos desta Lei, os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesanal.

Na abordagem de Maldonado (1986), anterior a legislação específica no país,

pescadores artesanais já compreendiam profissionais autônomos, caracterizados

pelo uso de tecnologias simples, baixo custo de produção e com grupos de trabalho

compostos, geralmente, com base no grau de parentesco. Aliado a isso, o produto é

destinado tanto para subsistência familiar, como à comercialização; nesse último

ponto, é comum a presença de intermediários, denominados atravessadores, para

auxiliar na venda da mercadoria.

Como afirma Cordell (1989)4, tais relações entre os pescadores são regidas

pelo respeito e reciprocidade, sendo tais características mais importantes do que os

regulamentos legais, o que acarreta no fortalecimento das tradições e das relações

familiares na apropriação do espaço marinho e nas técnicas de trabalho. Desse

modo, o modo de vida pesqueiro não pode ser dissociado das práticas produtivas

que estão marcadas pela divisão de trabalho familiar. “Assim, a divisão familiar como

se apresenta nas sociedades marítimas reflete não somente uma visão de mundo,

4 Tradução livre da publicação original “Social Marginality and Sea Tenure in Bahia” (1989).

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mas também uma certa forma de apropriação do ambiente produtivo”

(MALDONADO,1986, p. 23). O ambiente da família por ser visto, também, como

unidade de produção, agrega grande parte da comunidade local na composição da

tripulação, através do vínculo de compadrio e da vizinhança

No tocante à mulher pescadora, a situação persiste em um ambiente de

vulnerabilidade, evidente pela naturalização dos papeis destinados aos homens e as

mulheres, igualmente com suas identidades e a manutenção da ordem social de

gênero, marcada pela dominação e relações de trabalho simbólicas. Porém, essas

identidades constituem parte de um processo histórico e cultural de transformação

de pensamentos e representações e demonstram necessidades dinâmicas de

desenvolvimento, contraditórias ao configurado na atual ordenação, com anseios de

inclusão e apropriação de novos espaços. Por outro lado, além de atestar a

permanência da mulher nesse mercado de trabalho, é preciso modificar o cenário

econômico e social

A mulher, por conta disso, não frequenta ou frequenta menos os espaços associativos dos “homens”, como a colônia ou o sindicato dos pescadores. Sem consciência de sua importância “pública”, a mulher reduz seu potencial de luta naqueles setores em que sua contribuição seria de imediato fundamental. (MANESCHY, ALENCAR, NASCIMENTO, 1995, p. 83)

A declaração da subordinação de gênero enraizada na sociedade proporciona

o não reconhecimento da contribuição feminina na economia do lar e a

desvalorização da interação da mulher com o recurso pesqueiro. “O fato de

compatibilizarem encargos domésticos e geração de renda, enfrentando o peso das

representações sociais sobre papéis de gênero, concorre para reforçar os baixos

valores monetários de seus trabalhos” (MANESCHY, SIQUEIRA, ÁLVARES, 2012,

p. 717). No entanto, essa interação feminina é responsável por contribuir na

pluriatividade das famílias, que se traduz na diversificação das atividades e configura

uma alternativa para garantir a reprodução da família e dos mecanismos de

produção no atual contexto econômico. Considerada como uma técnica de

desenvolvimento, a pluriatividade também influência na expansão da estrutura

social, produzindo uma nova forma de sobrevivência.

A questão do gênero na pesca artesanal condiz com uma perspectiva de

vivência em comunidades tradicionais onde, consequentemente, não há distinção

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entre trabalho, lazer e religiosidade; então, a hierarquia de um determinado setor

influencia diretamente nos outros. No que pesa à busca pelo empoderamento

feminino e a autonomia local, o último indica uma possibilidade de decisão para

maior adequação da atividade ao meio ambiente e adesão as formas de

preservação do ambiente de trabalho, dada a proximidade da mulher com a

natureza. “Mulheres sempre trabalharam na pesca. Mas sua identificação social e

auto identificação como pescadoras, trabalhadoras do setor, são recentes no Brasil

como em outros países” (MANESCHY, SIQUEIRA, ÁLVARES, 2012, p. 719). Essa

identificação se expressa na reivindicação do reconhecimento dos papeis assumidos

por elas, em casa, no trabalho e na esfera da comunidade.

A reivindicação das mulheres pescadoras abrange uma pluralidade de

demandas, desde questões ligadas ao bem-estar, como a garantia dos seus direitos

profissionais e participação nas ações públicas locais, visando a conquista da

representação nos dois espaços que ocupam, no espaço da terra, em que exercem

o trabalho reprodutivo e, algumas vezes, outros tipos de atividades econômicas e no

espaço do mar, praticando a sua profissão, seja na atividade de confecções e

reparos, como no ato de pescar. Por isso, emerge a mobilização frente ao

desenvolvimento local, sendo este entendido como o “[..] esforço de mobilização de

pequenos grupos no município [..] a fim de resolver problemas imediatos ligados às

questões de sobrevivência econômica, de democratização das decisões, de

promoção de justiça social” (SALLET e CALLOU, 1995, p. 45).

A participação e cooperação feminina no processo de crescimento local são

entendidos nos diversos estudos e políticas públicas5 como um fator para o

empoderamento das mulheres, por intermédio da mobilização e reformulação da

concepção da mulher enquanto sujeito social. “O empoderamento das mulheres

implica, então, em garantir-lhes, os meios para que possam tornar-se a idéia e o ato,

e desse modo, consigam combater a discriminação de que são objeto e elevar sua

posição social.” (COSTA, 2000, p. 35). A constituição da mulher enquanto sujeito

viabiliza uma modificação nas formas de reprodução do poder, o que na pesca

provoca a maior valorização e reconhecimento do seu trabalho, rompendo com os

5 O Programa Territórios da Cidadania tem sua matriz estruturada em três eixos: Apoio a Atividades

Produtivas; Infraestrutura e Cidadania e Direitos, este último é composto, em sua maioria, por projetos que envolvem mulheres, sendo um exemplo de política pública que fomenta o empoderamento feminino. Disponível em: <https://goo.gl/HfCqEm>.

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paradigmas que corroboram com a depreciação da identidade da mulher pescadora.

Portanto, a linha lógica do debate teórico acerca das temáticas de família, gênero e

pesca artesanal pode ser observada no diagrama abaixo, a fim de compreender o

raciocínio realizado.

Figura 1 - Diagrama de análise: Relação família, gênero e pesca artesanal

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

Portanto, percebe-se que os diversos conceitos de empoderamento feminino

na pesca envolvem definições como gênero, família, trabalho e políticas públicas, os

quais foram apresentadas nesse capítulo, por serem consideradas fundamentais

para o entendimento da situação. Em vista do exposto, tem-se como principal

objetivo compreender o papel social das pescadoras artesanais, através da análise

do modo de vida e espaço de participação, como também da percepção acerca das

políticas públicas, o que propomos a seguir.

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2. CEARÁ MIRIM: PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO GERAL

O presente capítulo versa a respeito do processo de constituição do município

de Ceará Mirim/RN, bem como apresenta a formação histórica da praia de Muriú –

recorte territorial desta monografia. Para tanto, optou-se por dividir o capítulo em três

seções com vistas a compreender o histórico de instituição do município e da praia,

assim como identificar as dimensões demográficas, econômicas, institucionais da

área.

2.1 Histórico e Localização Espacial do Município de Ceará Mirim e da Praia de

Muriú

A trajetória histórica do município de Ceará Mirim data a partir do século XVII

e está relacionada aos índios Potiguares, a fertilidade da terra em proximidade ao rio

e ao comércio realizado do pau-brasil, entre portugueses e franceses. Com a

elevação à categoria de cidade e do domínio das terras indígenas, deu-se início ao

processo de produção com base na cana-de-açúcar e a construção de engenhos.

Nesse período, a região era considerada uma das mais ricas do estado, responsável

pela produção de mais da metade do açúcar potiguar. Essa posição de destaque

garantia poder e formação de uma elite política e social, encarregada de administrar

o município, controlando o poder público em todas as suas esferas. Com a crise

açucareira, as relações de trabalho se adequam para o modo de produção

capitalista, porém, a elite ainda mantém a sua influência.

Já o povoamento de Muriú também se deu nos primórdios da colonização, no

século XVII; contudo, a terra só obteve posse legal como sesmaria no século XIX,

pelo Tenente João Manuel de Carvalho, denominada “Pitu-Mirim”. Seguindo o

propósito das sesmarias, o território foi ocupado para produção agrícola, se

destacando na plantação de coqueiros.

Luís da Câmara Cascudo (1968), em sua obra “Nomes da terra: história,

geografia e toponímia do Rio Grande do Norte”, expõe a toponímia dos lugares norte

rio-grandenses, a partir do processo de povoamento e colonização. Assim, o

vocábulo Ceará Mirim remete ao nome do rio, bacia hidrográfica em qual grande

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parte do seu território está inserido. A palavra “mirim” propõe uma denominação

para classificar divisões territoriais de espaço, como “de baixo” ou “de cima”, porém,

“[...] a tradução do vocábulo CEARÁ continua obscura e confusa, tendo dezenas de

soluções” (CASCUDO, 1968, p. 82), como por exemplo definições relacionadas a

papagaio do rio. Por sua vez, a etimologia de Muriú faz referência a povoação da

praia em Ceará Mirim, “de moro-uú, onde há água de beber” (CASCUDO, 1968, p.

107), mencionando a vasta quantidade de água da região.

O município de Ceará Mirim pertence ao estado do Rio Grande do Norte e

está localizado na mesorregião Leste Potiguar e na microrregião de Macaíba.

Situado a cerca de 30 km da capital do estado, limita-se a oeste com o município de

Taipu, ao sul com São Gonçalo do Amarante e Ielmo Marinho, ao norte com Pureza

e Maxaranguape e a leste com Extremoz e o Oceano Atlântico. Ceará Mirim integra

a Região Metropolitana de Natal (RMN) e o Polo de Turismo Costa das Dunas, esse

polo, por sua vez, foi instituído no ano de 2005, baseado no turismo de sol e mar,

reunindo 20 municípios do litoral oriental, visando a promoção e desenvolvimento do

turismo sustentável, além dessas cidades, o Polo conta com as praias de Genipabu,

Maracajaú, Pipa, Pirangi e Barra de Tabatinga.

No que concerne à RMN, esta foi instituída pela Lei Estadual nº152 no ano de

1997, visando integrar municípios socioeconomicamente semelhantes para uma

melhor estratégia de planejamento e ações conjuntas. Inicialmente, a RMN

compreendia, além de Ceará Mirim, Natal, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante,

Macaíba e Extremoz. Segundo o artigo 25º da Constituição Federal de 1988, os

estados possuem autonomia para instituir suas regiões a partir das aglomerações

urbanas e microrregiões. Dessa forma, diversas leis complementares foram

dispostas a fim de agregar municípios à essa nova área. Atualmente, a Lei

Complementar nº 559 de 2015, dispõe que a RMN é composta por quatorze

municípios, sendo eles: Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante,

Extremoz, Ceará Mirim, São José de Mipibu. Nísia Floresta, Monte Alegre, Vera

Cruz, Maxaranguape, Ielmo Marinho, Arês e Goianinha. Esse ordenamento pode ser

comprovado no mapa 01 abaixo.

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Mapa 1- Região Metropolitana de Natal

Fonte: Elaboração própria com base no Google Earth Pro, 2016.

Em decorrência da sua localização e dos critérios de renda, longevidade e

educação (componentes do Índice de Desenvolvimento Humano), o município foi

incluído no Programa Territórios da Cidadania6, instituído em 2008 com a finalidade

de promover o desenvolvimento econômico sustentável no interior do país para

superação das desigualdades sociais no meio rural. Esse programa aborda uma

nova concepção e escala do território, sendo essa categorização essencial na

definição e execução das políticas públicas, por permitir uma execução de ações

adequadas à realidade e particularidades de cada região.

A expressão território foi consagrada nos anos 60 para definir os espaços e

regiões a partir da análise geográfica, introduzindo os atores e suas práticas na

noção de espaço. Na sociologia, as distâncias geográficas estão relacionadas às

categorias sociais e aliadas a noção de pertencimento territorial; nos anos 80, a

visão sociológica foi enfatizada com a valorização do espaço através da habitação e

relações sociais. Já na antropologia, a noção de território está intimamente 6 O Programa Território da Cidadania foi instituído pelo Decreto-Lei de 25 de fevereiro de 2008.

Disponível em: <https://goo.gl/Ic8DRh>.

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relacionada a de identidade e espaço social. A partir disso, emerge o conceito de

territorialização que “designa a qualidade que o território ganha de acordo com sua

utilização ou apreensão pelo ser humano” (SPOSITO, 2009, p. 11). Nesse sentido,

há uma conexão da definição de território com os conceitos de poder e lugar, este

último sob a ótica de um espaço com significados particulares para os indivíduos.

De acordo com o Plano Diretor do município de Ceará Mirim, instituído pela

Lei Complementar nº 06 de 2006, grande parte do seu território está inserido na

macro zona rural, isto é, não possui uma grande ocupação do solo, nem

infraestrutura básica definida pela legislação municipal, em especial a área que

compreende o litoral da Praia de Muriú. Logo, o estudo dessa ruralidade

compreende uma das diversas categorias da análise territorial, sendo essa esfera

um mecanismo de organização social,

[..] cujo atributo decisivo está na organização de seus ecossistemas, na densidade demográfica relativamente baixa, na sociabilidade de interconhecimento e na sua dependência com relação às cidades (ABRAMOVAY, 2006, p. 19)

Assim, Ceará Mirim compõe o Território da Cidadania do Mato Grande,

juntamente com mais 14 cidades, predominantemente rurais, do RN, a saber: Bento

Fernandes, Caiçara do Norte, Jandaíra, João Câmara, Maxaranguape, Pedra

Grande, Poço Branco, Pureza, Rio do Fogo, São Bento do Norte, São Miguel do

Gostoso, Taipu, Touros e Parazinho, abrangendo uma área de 5.758,60 Km², com

uma população rural de 114.246 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) 2010. A seguir segue o mapa 02 representando os

municípios que integram o Território da Cidadania.

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Mapa 2- Território da Cidadania do Mato Grande

Fonte: Elaboração própria com base no Google Earth, 2016.

Dos 15 municípios que compõe essa instância de território, 08 estão

localizados na área costeira, além de Ceará Mirim, Caiçara do Norte,

Maxaranguape, Pedra Grande, Rio do Fogo, São Bento do Norte, São Miguel do

Gostoso e Touros, essas cidades possuem a pesca como uma das principais

atividades econômicas, tendo em vista que o solo predominante nesse território é

constituído de areias quartzosas distróficas, característica de solos destituídos de

minerais, de coloração amarela ou vermelha e de baixa aptidão agrícola, dificultando

o desenvolvimento do setor primário. Por outro lado, com o crescimento

populacional e maior ocupação dos espaços urbanos, essas regiões passam a

adquirir o status de urbano de pequenas cidades e há a valorização do setor de

serviços.

A praia de Muriú pertence ao município de Ceará Mirim, em companhia das

praias de Porto Mirim, Prainha (Coqueiro) e Jacumã formando uma costa litorânea

que compõe um atrativo turístico do estado. A disposição das praias no litoral da

região pode ser observada no mapa 03.

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Fotografia Aérea 1 - Praias do município de Ceará Mirim

Fonte: Elaboração própria com base no Google Earth, 2016.

2.2 Dimensão demográfico econômica

De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013), Ceará

Mirim abrange uma área de 741,93 km² e possui uma densidade demográfica

correspondente a 91,44 hab/km². No município, a taxa populacional entre 2000 e

2010 cresceu uma média anual de 0,88%, isto é, passou de 62.424 pessoas para

68.141 habitantes. O número de mulheres também aumentou de 31.268 para

34.394, sendo ainda maior que o número de homens tanto em 2000 (31.156

homens) como em 2010 (33.747 homens). Durante essa década, a taxa de

urbanização apresentou um crescimento inferior a 1%, em decorrência disso não

houve um aumento significativo da população residente em núcleos urbanos, que se

ampliou de 30.839 para 35.494 em 2010.

O Índice de Desenvolvimento Humano Médio (IDHM) de Ceará Mirim

corresponde a 0.616, sendo 0,139 maior do que no ano de 2000, assim, pode-se

dizer que houve uma redução entre a distância do IDHM do município e o limite

máximo do índice (1), a partir do crescimento das respectivas dimensões

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contribuintes do índice: educação, longevidade e renda. Em comparação ao

município de Natal, que possui IDHM equivalente a 0,763, Ceará Mirim encontra-se

em posição desfavorável, contudo, em confronto com o território do Mato Grande,

Ceará Mirim apresenta o melhor índice da região, e pode-se atribuir à isso a

integração do município à Região Metropolitana de Natal e ao maior acesso a

serviços e infraestrutura de qualidade.

Uma das variáveis do IDHM é a educação, com relação à essa questão, o

município apresentou melhoras nas últimas décadas com relação ao indicador anos

de estudo, esse indicador passou de 7,52 para 8,75 anos, entre 2000 e 2010,

segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013). Também

houve um aumento na população adulta (18 anos ou mais) com ensino superior

completo, passando de 0,7% em 1991, para 4,07% em 2010, bem como a

diminuição do percentual de analfabetismo, nessa mesma série histórica.

Ceará Mirim é o sexto município mais populoso do Rio Grande do Norte e

ocupa a décima primeira posição na escala do PIB do estado, com base nos dados

do IBGE 2012. Fundamentado na coleta de material do ano de 2013, o produto

interno bruto a preços correntes equivale a R$ 557.151,00 reais, sendo o setor de

serviços o responsável por ocupar a maior parte da economia da cidade. Além do

setor terciário, a cidade se destaca pelo turismo de sol e praia, atividade

convencional e considerada de massas, por buscar o entretenimento e lazer, por

outro lado, essa prática contribui para manutenção dos trabalhos informais, em

especial na praia de Muriú.

No que tange às relações de trabalho no município de Ceará Mirim, a maior

parte dos cidadãos com 18 anos ou mais compõe a população economicamente

ativa e ocupada da cidade, representando 23.919 (54,2%) de um total de 44.171

habitantes com idade superior ou igual a 18 anos. Além disso, a renda per capita

do município também é um indicador importante para caracterização dada a

expressiva evolução ao longo dos últimos vinte anos, em 1991 a renda per capita

correspondia a R$146,85, passando para R$207,45 nos anos 2000 e para R$332,89

em 2010, segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013).

Portanto, pode-se atribuir como causa desse desenvolvimento a ampliação das

políticas sociais de transferência de renda, a melhoria educacional, de qualidade de

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vida e de geração de emprego e renda, decorrentes do contexto macroeconômico

favorável no período.

2.3 Dimensão institucional

O município de Ceará Mirim foi instituído como cidade pela Lei nº 837 de 09

de junho de 1982, dado que em época anterior a região estava subordinada a

Extremoz, classificada como distrito. Como distrito, Ceará Mirim não possuía

autonomia administrativa e política, assim, estava subordinada a legislação de

Extremoz. Na história da região, Ceará Mirim esteve ligado a Extremoz desde a

categoria de vila, no século XVIII, quando antes pertencia a Natal. Já o distrito de

Muriú foi instituído pela Lei Orgânica Municipal nº 2 de 30 de novembro de 1892, em

companhia com outros distritos como o de Capela.

O atual cenário político de Ceará Mirim se encontra composto pelo poder

executivo representado pelo prefeito Marconi Antonio Praxedes Barreto, a vice-

prefeita Zélia Pereira dos Santos, pelo gabinete de secretários e pelos órgãos da

administração direta e indireta. Na responsabilidade legislativa temos a Câmara

Municipal formada por quinze vereadores. A estrutura administrativa do município é

constituída por treze secretarias referentes a Administração; Planejamento e

Finanças; Educação Básica; Saúde; Defesa Social; Trabalho e Assistência Social;

Habitação e Regularização Fundiária; Meio Ambiente, Turismo e Desenvolvimento

Econômico; Serviços Urbanos; Infraestrutura, Urbanismo e Obras; Juventude,

Cultura, Esporte e Lazer e, por fim, Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca,

que possui autonomia e jurisprudência para tratar da temática desse estudo.

Em se tratando da organização da sociedade civil, a cidade conta com 92

unidades locais das entidades sem fins lucrativos, conforme o IBGE (2010).

Relativamente à pesca, o município possui a Colônia de Pescadores de Muriú e

Jacumã Z14, fundada em 19 de novembro de 1921, com cerca de 500 associados e

localizada na Rua Antônio Basílio, nº 555, na praia de Muriú. A praia de Muriú

também dispõe da Associação de Pescadores Profissionais de Muriú e Jacumã,

fundada na década de 90, com atividades em paralelo à Colônia, maior entidade

representativa municipal dos pescadores.

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3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Com o objetivo de compreender a realidade das mulheres pescadoras da

praia de Muriú, no município de Ceará Mirim/RN, foi realizada, inicialmente, pesquisa

exploratória na forma de pesquisa bibliográfica em sites institucionais e em

documentos, para apresentar uma visão geral do objeto de estudo para uma análise

do recorte territorial. De acordo com Gil (1999, p. 43), a pesquisa exploratória tem

por “[...] finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em

vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para

estudos posteriores”. Corroborando com o conceito apresentado por Gil, Marconi e

Lakatos (2000, p. 12) mencionam que “a pesquisa bibliográfica é um apanhado geral

sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem

capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema”.

Deste modo, estão contidos na pesquisa exploratória os dados secundários

encontrados em sites. Em vista disso, foram acessados sites de pesquisas como o

IBGE, Atlas Brasil e Sistema Territorial de Informações do MDA, bem como, livros e

artigos sobre a temática mulheres e pesca artesanal. O levantamento e análise de

tais dados permitiu que fosse realizada uma caracterização de determinados

aspectos do recorte territorial em questão. Assim, o levantamento dos dados

secundários possibilitou uma análise tanto do município de Ceará Mirim, como da

praia de Muriú.

Além da utilização dos dados secundários, também foi executada a coleta de

dados de dados primários. Como bem aponta Marconi e Lakatos (1993, p. 28), a

investigação em

fontes primárias baseia-se em documentos originais, que não foram utilizados em nenhum estudo ou pesquisa, ou seja, foram coletados pela primeira vez pelo pesquisador para a solução do problema, podendo ser coletados mediante entrevistas, questionários e observação.

A técnica utilizada para coleta destes dados foi a do método survey, realizada

através de entrevistas de ordem semiestruturadas. O survey é um método

quantitativo de coleta de informações diretamente das pessoas, podendo-se utilizar

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dois instrumentos: questionário ou entrevista. Foram realizadas duas entrevistas

semi estruturadas.

Para Triviños (1987, p. 152) a entrevista de ordem semiestruturada “[...]

favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e

a compreensão de sua totalidade”. Então, é um instrumento caracterizado por

questionamentos básicos que podem gerar novas hipóteses com as explicações do

entrevistado, já que não há uma padronização das alternativas de resposta.

Portanto, a fim de reunir informações sobre o órgão competente da pesca artesanal

no município, foi realizada a primeira entrevista com o Secretário de Agricultura,

Abastecimento, Aquicultura e Pesca de Ceará Mirim. A entrevista teve duração de

cerca de 50 minutos e foi conduzida no dia 30 de agosto de 2016, no gabinete do

secretário, localizado no Centro Administrativo de Ceará Mirim. O roteiro foi

composto por questões acerca da dinâmica da secretaria, políticas públicas

executadas no município, avaliação dessas políticas e sobre as relações

institucionais do Poder Público Municipal com as entidades representativas dos

pescadores.

A segunda entrevista se deu com a Presidenta da Colônia de Pescadores

Z14, referente as praias de Muriú e Jacumã, no dia 14 de setembro de 2016 na sede

da Colônia, que se situa na praia de Muriú e teve duração de 40 minutos. Esse

roteiro fora estruturado em dois eixos, o primeiro diz respeito a caracterização

institucional da Colônia, com perguntas relacionadas a data de fundação, estrutura

organizacional, filiação, operacionalidade dos profissionais, periodicidade de

reuniões, relações institucionais da Colônia com as demais entidades

representativas e as ações desenvolvidas pela organização. O segundo eixo tem

como temática a trajetória de vida e trabalho da presidenta.

Por trajetória entende-se o conjunto de elementos que fundamentam a

história de vida de uma pessoa, desde a duração e localização dos acontecimentos,

como também a frequência, sendo importante fator para análise das experiências do

indivíduo como ator social. O estudo das trajetórias para Bourdieu (1996, p. 71)

“diferentemente das biografias comuns, descreve a série de posições

sucessivamente ocupadas pelo mesmo escritor em estados sucessivos do campo”,

de forma a reconstruir o percurso de vida intelectual e profissional do objeto de

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estudo. Deste modo, as indagações foram específicas sobre a estrutura familiar, as

atividades profissionais que já havia desenvolvido, a relação com as políticas

públicas e as facilidades e dificuldades de ocupar o cargo máximo da Colônia.

Além da coleta de dados a partir das entrevistas, foi necessário aplicar uma

metodologia que fornecesse informações sobre o modo de vida, família e trabalho

das mulheres pescadoras da praia de Muriú. A metodologia escolhida foi uma oficina

que contou com a participação de 10 pescadoras, incluindo a presidenta da Colônia.

A abordagem participativa é de extrema relevância uma vez que permite a

sociedade apresentar sua visão a respeito dos problemas e também dos potenciais

da área em estudo, podendo viabilizar um diálogo entre diferentes grupos, isto é, a

diversidade de realidades e garantir a participação da população local. Para tal, a

participação social deve ser estimulada no cotidiano dos cidadãos, envolvendo-os

nos processos decisórios. Segundo Dallari (1996),

[...] a participação popular significa a satisfação da necessidade do cidadão como indivíduo, ou como grupo, organização, ou associação, de atuar pela via legislativa, administrativa ou judicial no amparo do interesse público - que se traduz nas aspirações de todos os segmentos sociais (DALLARI, 1996, pp. 13-51).

Isso implica em entender as variadas ações que as diversas forças sociais

desenvolvem com o objetivo de influenciar a formação, execução, fiscalização e

avaliação de políticas públicas na área de trabalho e pesca artesanal. Para a

abordagem participativa deste trabalho, a participação das mulheres pescadoras de

Muriú, principal foco de atenção neste tópico, foi imprescindível e pertinente na

construção da metodologia aplicada. Foi aplicado o método de construção de

painéis, de idealização própria, com a inserção de linguagem facilitada por desenhos

e figuras, baseado na abordagem do mural didático, essa dinâmica facilitou o

engajamento das pescadoras, pois o quadro já estava previamente elaborado e

coube às mulheres preencherem as opções em que se enquadravam, evidenciando

suas características. Conforme Piletti (2010), o mural didático é um “conjunto de

elementos subordinados a um tema, dispostos harmoniosamente com o fim de

transmitir determinada mensagem”. Assim, os quadros formados de isopor e acrílico

foram montados com papel emborrachado etil vinil acetato (EVA) colorido.

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Posteriormente, foi realizada uma roda de conversa sobre gênero, visando

uma comunicação dialógica, dinâmica e produtiva, uma vez que, essa técnica

possui, segundo Melo e Cruz (2014):

[..] característica de permitir que os participantes expressem, concomitantemente, suas impressões, conceitos, opiniões e concepções sobre o tema proposto, assim como permite trabalhar reflexivamente as manifestações apresentadas pelo grupo. (MELO; CRUZ, 2014, p.32).

Esse procedimento teve como objetivo geral coletar informações sobre a

rotina, familiar, trabalho na pesca artesanal e a relação das mulheres com as

políticas públicas. A metodologia foi aplicada com as mulheres por meio da

realização de uma oficina na Colônia de Pescadores Artesanais (Z14) da praia de

Muriú, a qual foi dividida em três momentos. Para Candau (1995):

As oficinas pedagógicas constituem uma estratégia metodológica baseada na articulação teoria-prática, que utiliza depoimentos e histórias de vida, emprega diferentes linguagens, promove o diálogo entre diversos saberes e conhecimentos, usa técnicas participativas e favorece a construção coletiva (CANDAU, 1995, pp. 117-118).

Assim, a atividade foi realizada no dia 06 de outubro de 2016, na sede da

Colônia, com a participação de 10 mulheres com faixa etária variada, entre elas a

presidente da instituição Z14.

Figura 2 – Grupo de mulheres participantes da oficina

Fonte: Colônia de Pescadores de Muriú, 2016. Acervo pessoal.

Na dinâmica, inicialmente houve o momento de acolhida onde foi realizada a

apresentação da atividade que seria desenvolvida e a sua finalidade. Após o

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acolhimento, a primeira parte teve como objetivo coletar informações sobre a família

e o trabalho, caracterizando o modo de vida das pescadoras, a partir de 03 quadros.

O primeiro quadro tinha como perguntas a faixa etária, quantidade de filhos, estado

civil e a escolaridade. O segundo quadro tratou do produto da pesca, o tempo de

trabalho e a quantidade de vezes que o exercia na semana. Já no terceiro quadro foi

questionado as vantagens e desvantagens da profissão de pescadora artesanal. Os

questionamentos estavam expostos de maneira a que fossem realizadas as

avaliações na forma de classificações e as pescadoras adicionaram alfinetes nos

pontos em que se consideravam, sem a nossa intervenção, com exceção do terceiro

quadro, em que as mulheres expuseram suas opiniões de forma oral, em que suas

opiniões foram cuidadosamente anotadas no caderno de campo e em um segundo

momento, após a oficina, foi repassado para o quadro.

A análise dos relatos obtidos do terceiro quadro foi realizada por meio do

Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), método qualitativo criado pelo pedagogo

Fernando Lefevre juntamente com Ana Maria Cavalcanti Lefevre. O DSC consiste na

apreciação de respostas ou depoimentos coletados a partir de questões abertas.

Tais depoimentos são observados e categorizados

sob a forma de um ou vários discursos-síntese escritos na primeira pessoa do singular, expediente que visa expressar o pensamento de uma coletividade, como se esta coletividade fosse o emissor de um discurso (LEFEVRE; LEFEVRE; TEIXEIRA, 2000, p. 3).

Para o tratamento dos dados e elaboração do DSC, foram elencadas

categorias e distribuídas as informações nas suas respectivas classificações. De

maneira geral, os instrumentos utilizados permitiram a reunião de informações de

forma clara, não existindo dificuldade ou constrangimento das participantes no seu

entendimento e participação na sua construção. As imagens dos quadros completos

estão expostas abaixo.

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Figura 3 - Caracterização Pessoal da Mulher Pescadora

Fonte: CARVALHO, 2016.

Figura 4 - As Mulheres na Pesca

Fonte: CARVALHO, 2016.

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Figura 5 - Vantagens e Desvantagens da Pesca Artesanal

Fonte: CARVALHO, 2016.

A segunda parte da metodologia teve como objetivo analisar o entendimento

das pescadoras acerca das políticas públicas e contou com um quadro. A partir

desse quadro, foi trabalho dialogicamente o conceito de políticas públicas. Um dos

pontos abordados nesse quadro foi o conceito de política pública e por quais

programas elas eram atendidas. O mural contou com três escalas numeradas de 1 a

5, em que 1 representa o nível mínimo e 5 o máximo, para indagar o grau de

importância dessas políticas, de melhora na qualidade de vida da família e de

participação das mulheres nos espaços da colônia, conselhos e associações. Nessa

parte, apenas 08 mulheres responderam as duas primeiras escalas, pois duas

mulheres, até o momento da metodologia, não tinham sido beneficiadas por

nenhuma política pública.

Para a organização das escalas, seguiu-se o mesmo modelo de

preenchimento dos quadros anteriores, porém a exposição das políticas públicas foi

executada de forma verbal. A abordagem desse quadro obteve um grau de

complexidade maior por tratar da conceituação de política pública, pois as

participantes não souberam definir o que poderia ser, ao que foi necessária nossa

colaboração trazendo definições sobre o termo. No entanto, houve dificuldade na

identificação dos programas que as atendiam, dada a carência de projetos

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específicos para esse segmento da população. O quadro pode ser observado na

figura 06.

Figura 6 - Pesca Artesanal e Políticas Públicas

Fonte: CARVALHO, 2016.

Já o terceiro momento da abordagem participativa foi formado por uma roda

de conversa e funcionou como uma entrevista em grupo, que teve como pauta

principal o gênero. Assim, foi norteado a partir de três questionamentos, o primeiro:

qual o seu papel no lar e as suas principais atividades, o segundo: quais locais eram

frequentados por elas diariamente e o terceiro: qual a relação de (in)dependência no

que tange a renda e ao trabalho na pesca, assim como elas se veem percebidas

pelos homens, tanto marido como filhos e colegas de profissão. Posteriormente, foi

entregue para cada uma das participantes da metodologia o “Diário da Mulher

Pescadora”, esse diário teve como objetivo reunir informações sobre o dia-a-dia das

mulheres, em casa e no trabalho e foi dividido durante 1 semana, nos três turnos do

dia (manhã, tarde e noite).

O uso de diários consiste em um método de pesquisa qualitativa e

etnográfico, isto é, há a busca pela compreensão de determinado grupo social,

independentemente de sua representatividade numérica. O víeis etnográfico

compreende a observação, descrição e análise das ações e interações em

comunidade. Para Patterson (2005, p. 142) diário é visto como o conjunto de

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"registro pessoal de eventos diários, observações e pensamentos" o que corrobora o

exposto por Allport (1942 apud PLUMMER, 2001, p.48) em que "são documentos de

vida por excelência, que narram em crônicas, o fluxo contemporâneo de eventos

públicos e privados que são significativos para o diarista". Dessa maneira, visando

analisar as experiências diárias a que são submetidas às pescadoras de Muriú fora

desenvolvido por elaboração própria um diário específico para esse segmento.

Essa abordagem representou uma enorme contribuição para este estudo por

possibilitar a interpretação das ações e motivações das pescadoras que além de

expor o uso do tempo em suas atividades habituais, apresentaram costumes

considerados culturais e predominantes na maior parte dos escritos. O período de

uma semana foi escolhido, em especial, pelo curto prazo de realização desse

trabalho, mas também por simbolizar um pequeno ciclo de intervalo de tempo em

que foi possível construir uma investigação a partir das percepções pessoais da

mulher pescadora, por intermédio da frequência dos acontecimentos, como dias e

horários em que pesca, de convivência na colônia, de dedicação as atividades

domésticas e de momentos de lazer.

A frequência dos episódios constitui uma rotina, ainda que “[...] a palavra

"rotina" tem, no seu sentido habitual, um caráter pejorativo, porque nos faz pensar

em conduta mecânica” (BASSEDAS, HUGUET e SOLE, 1999, p.2), essa significa

uma estruturação básica de ações no tempo e no espaço possibilitando a

composição de perfis, pessoais, profissionais e psicológicos. Assim, com a coleta de

dados dessa dinâmica foi possível traçar o perfil da mulher pescadora de Muriú que

se encontra, em sua maioria, numa faixa etária entre 36 a 45 anos, casada e com

dois filhos. O grau de escolaridade predominante corresponde ao ensino médio,

incompleto e completo. Sobre o principal produto da pesca, têm-se o peixe e o

camarão, sendo o camarão o mais rentável e de fácil comercialização; grande parte

das mulheres está nessa profissão de 10 a 15 anos e pescam principalmente nas

terças e nas quintas-feiras. Acerca das políticas públicas, sete das dez participantes

da metodologia são beneficiárias do bolsa família e todas reconhecem a importância

dessa política para o meio familiar e como contribuição para uma melhor qualidade

de vida.

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4. MODO DE VIDA E ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES PESCADORAS NA PRAIA DE MURIÚ/RN

Este capítulo permite a realização de um estudo do papel social exercido

pelas mulheres pescadoras da praia de Muriú, fazendo uso da análise de dados e

das informações obtidas por meio da aplicação de entrevistas semiestruturadas

junto ao Secretário de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca de Ceará

Mirim/RN, bem como à Presidente da Colônia de Pescadores de Muriú e Jacumã

Z14. Ademais, com a metodologia participativa, realizou-se uma dinâmica com as

mulheres pescadoras da praia de Muriú, no intuito de traçar o perfil dessas

mulheres, e coletar informações sobre o modo de vida no ambiente familiar e no

trabalho.

Para tanto, esse momento do trabalho é constituído por 5 subseções,

intitulados e descritos a seguir: i. perfil da mulher pescadora na praia de Muriú/RN,

delineando o perfil das mulheres, no que tange idade, estado civil, escolaridade e

exercício da atividade pesqueira, desta determinada praia; ii. Colônia de Pescadores

Z14 – Muriú e Jacumã, com a finalidade de caracterizar as estruturas administrativa

e organizacional da instituição; iii. pescadoras e políticas públicas, buscando

apreender a percepção das mulheres pescadoras sobre a conceituação de políticas

públicas e a importância destas políticas para elas; iv. atuação do Poder Público

Municipal – Secretaria de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca de Ceará

Mirim/RN, no intuito de perceber as ações do Poder Público Municipal sobre o

exercício da pesca em Muriú; e v. organização das mulheres pescadoras, tendo

como objetivo compreender o cotidiano destas mulheres dentro da comunidade.

4.1 Perfil da mulher pescadora na praia de Muriú/RN

Segundo o RGP (2016), Ceará Mirim possui 286 indivíduos na categoria de

Pescador Profissional na Pesca Artesanal, em detrimento de 1 incluído como

Pescador Profissional na Pesca Industrial, totalizando 287 pescadores de um total

de 23.596 no estado do RN. Esses pescadores estão vinculados a Colônia Z 14,

referente a Muriú e Jacumã, mas também há vínculos com a Colônia Z4 (Natal), Z15

(Maxaranguape), Z16 (Pitangui), Z23 (Itajá) e ao Sindicato da Indústria de Pesca do

Estado do Rio Grande do Norte (SINDIPESCA/RN). Tais registros foram realizados,

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majoritariamente, pela Secretária Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP), mas

também pelo IBAMA, SUDEPE, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

(MAPA) e Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA).

À vista disso, é notória a pluralidade de associados da Colônia, que apesar da

complementaridade de outras atividades econômicas, o mar consiste na principal

área de atuação, retirando diversos produtos da pesca, entre eles: peixe, marisco,

alga e crustáceo. No que concerne às questões de gênero no exercício da pesca, 72

mulheres estão cadastradas na categoria de pescadora artesanal e 215 homens,

representando aproximadamente 26% do universo pesqueiro de Muriú. Das 72

pescadoras, a maior parte se encontra na faixa etária de 47 a 56 anos, equivalente a

aproximadamente 45%, nascidas na década de 60, e se dedicam a pesca do peixe e

marisco, complementando a atividade com o crustáceo.

Na oficina realizada com o grupo de 10 mulheres pescadoras de Muriú,

equivalente a mais de 10% do universo total, foi possível coletar informações para

construção do perfil da mulher pescadora dessa praia. A partir dessa amostra, pode

ser constatada, em primeira análise, a idade das mulheres entrevistadas, em que

prevalece a faixa entre 36 e 45 anos, representada por 6 pescadoras, seguida da

margem de até 25 anos. Essa primeira porção coincide com as informações

coletadas no RGP (2016), em que 34% nasceram na década de 70, estando com

idade entre 37 e 46 anos, retratando o segundo espaço de idade mais comum. A

faixa etária pescadoras de Muriú participantes da metodologia está exposta no

gráfico 01 abaixo.

Gráfico 1 - Faixa Etária das Pescadoras de Muriú

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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O segundo aspecto da caracterização diz respeito ao estado civil e a

quantidade de filhos. De acordo com a amostragem, a maior parte das mulheres são

casadas e possuem dois filhos, refletindo as modificações nas taxas de natalidade e

valorização da estrutura familiar nuclear em que, na atual situação da pesquisa,

apenas uma pescadora se encaixa na classificação de mais de cinco filhos. Nesse

enquadramento, 7 mulheres são casadas e 5 tem dois filhos, representando 70% e

50% da porção estudada, respectivamente. Considerando a inserção feminina no

mercado de trabalho da pesca e as novas perspectivas de profissionalização, as

mulheres mais novas (até 25 anos) são solteiras e não tem previsão de engravidar.

Como pode ser atestado pela presidenta da Colônia Z14: “Hoje eu acho que

as mulheres tem menos filhos [...] até porque a menina do posto aqui faz um

trabalho diretamente nas casas para organizar isso e eu sempre faço palestras com

elas.” No quadro 02 está apresentado o estado civil e o número de filhos,

considerando cada pescadora participante com a numeração de P1 a P10.

No quesito escolaridade, é observado que nenhuma das mulheres apresenta

ensino superior completo ou incompleto, no entanto, entre as mulheres pesquisadas,

a taxa de analfabetismo é nula, encontrando-se 6 das entrevistadas em ensino

médio concluído ou em andamento. Neste sentido, a realidade local contribui

positivamente com os índices de desenvolvimento humano, uma vez que, de acordo

com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (2014), o

índice escolaridade consiste em uma das variáveis do IDH, sendo possível por meio

Quadro 2 - Estado civil e número de filhos das Pescadoras de Muriú

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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dele perceber o avanço de uma determinada população no que se refere à

educação.

Contrariando a colocação de Furtado e Leitão (2012) em se tratando do

desinteresse feminino pela educação e, consequentemente, o maior índice de

analfabetismo dado a ausência de tempo com as atividades da pesca e trabalho

doméstico, o contexto de Muriú demonstra uma vivência diferente por apresentar o

grau de escolaridade supracitado, constatando uma maior conciliação entre trabalho

e estudo, dado também a menor quantidade de filhos, o que contribuiu para

realização desse trabalho na aplicação e entendimento da metodologia. Outra

consequência desse dado se traduz no bom desempenho em outras profissões,

para complementaridade de renda, a exemplo da de vendedora, exercida

anteriormente pela presidenta da Colônia. A escolaridade das pescadoras está

apresentada no gráfico 02 a seguir.

O trabalho feminino na atividade pesqueira em Muriú, assim como abordado

por Maldonado (1986):

Não conheço casos em que as mulheres participem junto com os homens da pesca de alto. O fenômeno das pescadeiras revela a existência de uma pesca feminina, em que as mulheres fabricam seus próprios botes e instrumentos de coleta de moluscos e crustáceos, chegando a adentrar-se no mar para trabalhar, mas sem ultrapassar os limites do mar de terra (MALDONADO, 1986, p.21).

Gráfico 2 - Escolaridade das Pescadoras de Muriú

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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Como apresentado, a atividade feminina não envolve apenas a parte

terrestre, de tratar o pescado e confeccionar instrumentos para pesca, e sim inclui a

ida ao mar para coleta, ainda que não se dê em alto mar, especialmente na pesca

de camarão. Esse produto é especificado por ser um crustáceo de alto valor

biológico e, também, de boa rentabilidade, como colocado por Alho “[...] o camarão

deve ser conservado pela importância ecológica e valor antropogênico, ao sustentar

todo um modo de vida” (ALHO, 2008 apud COELHO, BRANCO e DIAS, 2015, p.

99).

A espécie mais comum desse produto é o “barba branca” e sua captura

implica o uso do “mangote”, aspecto da rede de arrasto que também é usado para

coleta de peixes de pequeno porte. Essa técnica consiste numa rede de malha que

vai sendo jogada para filtrar a água no deslocamento e, por se tratar de uma forma

simples é a mais utilizada em Muriú. Sendo assim, todas as mulheres pescam

camarão e 7 o fazem juntamente com a pesca do peixe. Apenas 2 se dedicam a

pesca da lagosta, com a baixa da maré, coletando nas pedras, geralmente no

período de veraneio. A disposição dos principais produtos da pesca em Muriú pode

ser vista na figura abaixo, na forma de um diagrama em que os números

correspondem a quantidade de mulheres.

Figura 7 - Diagrama de representação dos principais produtos da pesca

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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Quando questionadas sobre a quanto tempo exercem a atividade pesqueira, 4

das 10 pescadoras participantes da oficina assinalaram que estão na profissão a

cerca de 10 a 15 anos, dado que a faixa etária predominante é equivalente ao

espaço de 36 a 45 anos. Como consequência, as mulheres com idade mais elevada

assinalaram que praticam a pesca a mais de 20 anos, sendo um ofício aprendido na

família. O pouco tempo na profissão decorre da busca por outras profissões quando

mais jovens, a exemplo de doméstica ou vendedora. No entanto, por se tratar de um

trabalho familiar, o fato das mulheres investigadas que possuem casada como

estado civil (7 do universo pesquisado das 10 pescadoras) se relacionarem com

pescadores, influencia diretamente na escolha por essa profissão. O gráfico 03

evidencia os dados coletados relativos ao tempo de prática da pesca.

A respeito dos dias de pesca foi observado que 6 das mulheres pescam duas

vezes na semana, 3 pescam três vezes e, apenas 1 pratica a pesca os quatro dias

durante a semana. Ainda que a pesca seja coordenada pela tábua de marés, como

discutido por Cordell (1989), “os pescadores podem portanto utilizar a maioria de

seus equipamentos de pesca todos os dias, na medida em que escolhem locais

apropriados segundo o regime diário de maré.” (CORDELL, 1989, p.6). Contudo, o

modo de vida das pescadoras de Muriú na atividade pesqueira compreende os dias

úteis, com exceção da segunda feira, haja visto que, como colocado pelas

entrevistadas, tradicionalmente, o primeiro dia da semana é tido como descanso.

Gráfico 3 - Tempo de Atividade Pesqueira

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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Aos sábados e domingos elas também frequentam a praia, porém visando o lazer

com seus filhos. O quadro abaixo contém o cronograma da atividade pesqueira, no

ciclo de uma semana, considerando o calendário das 10 mulheres pesquisadas.

4.2 Colônia de Pescadores Z14 – Muriú e Jacumã

A Colônia Z14 conta com uma estrutura organizacional hierárquica formada

pelo presidente, vice presidente, primeiro e segundo tesoureiro e primeiro e segundo

secretário, além de um conselho fiscal composto por três conselheiros e seus

suplentes, totalizando 12 membros. Nessa condição, apenas uma mulher compõe

esse quadro, na função de presidente há três anos, eleita em 2013 e reeleita nesse

ano de 2016, o que ratifica a exclusão histórica da mulher pescadora no processo de

participação e ocupação da Colônia pelos seus maridos. A trajetória política da atual

presidenta é marcada pela influência do seu pai, pescador artesanal que ocupava

este cargo na gestão anterior, como foi relatado em entrevista:

Eu entrei aqui eu tinha 13 anos. Meu pai trabalhava aqui e eu por pena dele trabalhava aos domingos [...] na eleição de 2010 teve muita confusão e eu não queria ser presidente de Colônia, não era minha vontade, queria ficar enquanto meu pai ficasse. Quando foi em 2013, um pescador que tá minha diretoria hoje [...] foi lá na barraca e disse que eu ia sair e os outros desistiram, aí pronto. (ENTREVISTADA 2, 2016).

Quadro 3 - Cronograma da Atividade Pesqueira

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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Tendo em vista o recente reconhecimento feminino na atividade pesqueira,

apenas no ano de 2006 com a Lei nº 6.6977, não é comum a presença de mulheres

nas entidades de representação e seu exercício de poder. Contudo, em Muriú, a

presença de uma mulher no maior cargo da Colônia, pela primeira vez na trajetória

das diretorias da Colônia Z14, em um ambiente majoritariamente masculino, não se

dá de maneira figurativa. Essa individualidade local implica numa maior

representatividade feminina, proporcionando mais oportunidades de participação

para as mulheres da comunidade e de contribuição nas decisões. A partir disso, cria-

se uma nova cultura na praia de Muriú de empoderamento das pescadoras e

apropriação do espaço público As principais características institucionais da Colônia

podem ser observadas no quadro 04.

4.3 Pescadoras e Políticas Públicas

O conceito de política pública é complexo e abrange uma variedade de

interpretações, conforme Secchi (2013) esse termo trata do conteúdo das decisões

políticas e do seu processo de elaboração, anunciando que “uma política é uma

orientação à atividade ou à passividade de alguém; as atividades ou passividades

decorrentes dessa orientação também fazem parte da política pública.” (SECCHI,

2013, p.2). Durante o momento da metodologia, foi perguntado o entendimento das

pescadoras sobre a expressão política públicas, o que gerou dificuldade na

verbalização desse conceito, atribuindo como definição os programas que as

7 Essa lei possui como ementa a equiparação da mulher que exerce atividade pesqueira e

marisqueira de forma artesanal em regime de economia familiar ao pescador artesanal, frente à previdência social e ao seguro desemprego.

Quadro 4 - Características da Colônia Z14

Características da Colônia Z14

Fundação 19/11/1921

Praias Muriú e Jacumã

Filiados 500

Mulheres associadas 60

Principal produto Lagosta

Frequência das reuniões 6 em 6 meses

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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beneficiavam. Sobre os programas, foi relatado o Programa Bolsa Família, o auxílio

doença e o salário maternidade; os dois últimos são de responsabilidade do Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS), órgão do Ministério da Previdência Social e

representam benefícios assistenciais temporários para manutenção do padrão de

vida.

O seguro defeso8 consiste em um benefício de seguro desemprego voltado

para os pescadores artesanais, em períodos que a pesca é inviabilizada para

proteção das espécies, como no caso da lagosta. Apesar de ser a política voltada

para pesca com mais beneficiários no município de Ceará Mirim, com 215

beneficiários, segundo dados do Portal da Transparência (2016), não atende as

mulheres, dado que a pesca da lagosta corresponde à pesca de alto mar, sendo

realizada no período de 2 a 3 dias, o que inviabiliza a participação feminina dada a

necessidade de se ausentar do lar, por essas razões, geralmente é praticada por

homens com uso do compressor.

Após isso, foi perguntado a importância das políticas citadas no contexto

familiar, 3 das mulheres atribuíram o valor máximo da escala de representação de 1

a 5. Apenas uma mulher adotou importância 1, dado que no momento não se

encontrava como beneficiária de nenhuma política citada, porém, com 54 anos era a

que estava com idade mais próxima da aposentadoria. Haja vista que 7 das 8

participantes são contempladas com o PBF, pode-se concluir a escala atribuída e a

importância dada ao subsídio recebido por elas.

A relevância desse programa (PBF) é evidenciada pela baixa renda das

pescadoras, tendo em vista que, segundo informações da presidenta da Colônia, as

mulheres pescam, em média, de dois a três quilos de camarão9 por semana e

comercializam esse produto por R$25,00 o quilo, o que totaliza no mês uma renda

de R$300,00, considerando a captura de três quilos por semana. Contudo, nesse

valor mensal é descontado os valores gastos com os instrumentos de pesca e na

sua comercialização, resultando em um montante ainda menor.

8 Foi instituído pela Lei 10.779, de 25 de novembro de 2003. Disponível em <https://goo.gl/1MgJ3v>.

9 O camarão foi escolhido como parâmetro por se tratar do principal produto da pesca no universo das

10 mulheres pesquisadas.

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Já na segunda pergunta, a respeito da influência das políticas na qualidade

de vida, as elucidações se encontraram entre o nível 4 e 5, correspondendo a 75%

as duas posições. A porcentagem foi calculada com base em um universo de 8

mulheres, já que as duas de faixa etária até 25 anos, até o presente momento, não

eram atendidas por nenhum programa. No quadro 06 está representada a escala

adotada e as respostas para os dois questionamentos relativos às políticas públicas.

4.4 Atuação do Poder Público Municipal – Secretaria de Agricultura,

Abastecimento, Aquicultura e Pesca de Ceará Mirim/RN

Como já exposto, o município de Ceará Mirim conta com uma secretaria

específica para área pesqueira (Secretaria de Agricultura, Abastecimento,

Aquicultura e Pesca), o que deveria garantir um maior direcionamento das ações

para essa temática. A concepção do termo pesca artesanal para a secretaria está de

acordo com as definições apresentadas pelos autores no capítulo 01, especialmente

a abordagem de Maldonado (1989), em que a pesca é exercida de forma tradicional

e não mecanizada.

Conforme a Lei Orgânica de Ceará Mirim, a estrutura administrativa da

secretaria é composta por três departamentos, sendo eles: o de pesca, o de

aquicultura e o de agricultura e produção orgânica, porém, não existem profissionais

específicos para atuar na esfera da pesca, o que acarreta no não desenvolvimento

de projetos para essa área e o não planejamento de ações por parte do Poder

Público na praia de Muriú, como pode ser visto na fala do secretário:

Quadro 5 - Percepção das Pescadoras acerca das Políticas Públicas

Perguntas Número de respostas de acordo com a escala

1 2 3 4 5

Qual a importância das políticas públicas

que as atendem? 1 0 2 2 3

O quanto essas políticas

influenciaram na sua qualidade de vida?

0 0 2 3 3

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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o município não tem recurso suficiente para ter um quadro técnico para realmente dar conta da necessidade, a gente tem um quadro reduzido [...] a gente não tem ninguém da área da pesca, mas a gente funciona dessa forma, fazendo aquilo que é possível fazer e não o que a gente gostaria de fazer. (ENTREVISTADO 1, 2016).

Por isso, a dinâmica de funcionamento da secretaria se traduz no

atendimento básico e exclusivo da agricultura familiar, com assistência técnica de

extensão rural e assessoramento para acesso aos programas do Governo Federal, a

exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de

Alimentação Escolar (PNAE). Dessa forma, a secretaria cumpre seu papel de órgão

executor das políticas públicas federais, contudo, sua função deveria abranger a

proposição e coordenação de projetos para o desenvolvimento da pesca, por se

tratar do órgão público mais próximo da realidade local.

Acerca dos acordos realizados para a execução dos projetos, é constatado

que não há formação de convênios, o que dificulta a concretização das metas

propostas pela secretaria, porém, existem parcerias informais, a exemplo do Instituto

de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) do estado para tratar do

agronegócio e extensão rural na agricultura familiar. Dada a carência de institutos

estaduais voltados para a atividade pesqueira, com exceção do IBAMA que funciona

como órgão fiscalizador, a secretaria não trabalha com as mulheres pescadoras e

não possui perspectiva de projetos para esse segmento.

No entanto, o panorama de futuros projetos contempla a aquisição de

pequenas embarcações e jangadas e o fornecimento de motor para os barcos, mas

tais propostas não estão em planejamento pela ausência de um técnico em pesca

que tenha conhecimento das necessidades da comunidade de Muriú. Esse

distanciamento, atestado pela fala do secretário: “[...] a gente perdeu o contato com

a Colônia e a Federação, nosso contato na verdade era mais com a Colônia, com a

Federação a gente não tinha contato.” (ENTREVISTADO 1, 2016) é corroborado

com o que expressa a Presidenta da Colônia Z14 sobre a relação da instituição com

o Poder Público: “Nenhuma [...] nada, não sei nem quem é, eu já procurei várias

vezes, inclusive até com o prefeito mas a gente não tem nada com eles.”

(ENTREVISTADA 2, 2016).

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4.5 Organização das Mulheres Pescadoras

As limitações de atuação do Estado implicam numa maior organização da

comunidade e fortalecimento da Colônia para o trabalho em busca de melhores

condições para pesca. “As facilidades só aqui na Colônia na relação com o

pescador, mas lá fora é muito difícil as coisas, a gente precisa muito da prefeitura

mas ela não supre nada para gente.” (ENTREVISTADA 2, 2016). Assim, a Colônia

de Muriú atua em conjunto com a FEPERN, em que a presidenta exerce a função de

segunda tesoureira da atual gestão, e com as Colônias Z4, Z15 e Z16, que

correspondem às zonas de Natal, Maxaranguape e Pitangui, sendo a de Natal a

mais influente do estado.

A Colônia também procura desenvolver parcerias com o Serviço Brasileiro de

Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) para oferta de cursos de

capacitação, e formação através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino

Técnico e Emprego (PRONATEC), tendo fornecido no ano 2015 cursos específicos

para as mulheres, com participação de 20 pessoas por grupo. Destarte, o papel

assumido por essa instituição adequa-se ao provimento de requisitos básicos para

profissionalização e proteção da economia local, para além de sua função legal

sindical e representativa, adquirida a partir da Constituição Federal de 1988, na

redação do parágrafo único do artigo 8º, ressaltando que “as disposições deste

artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores,

atendidas as condições que a lei estabelecer.”. Então, há uma procura por parte da

diretoria vigente, especialmente a presidenta, de otimizar o funcionamento da

instituição, para que a população representada não dependa das ações da

secretaria municipal,

[...] para o pessoal não ter que ir à Ceará Mirim, porque também é R$10,00 para ir e R$10,00 para vim [...] a comunidade de Muriú é muito descansada, não sabe o valor que eles tem e os representantes só olham para o bolso deles, eles não olham para comunidade. (ENTREVISTADA 2, 2016).

A realidade da praia de Muriú é vista pelos pescadores como extremamente

modificada em comparação a 30 anos atrás, tanto nos aspectos ambientais, como

nos sociais. As dificuldades encontradas abarcam a precariedade da lagosta

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(principal produto da região), o alto custo dos materiais e o excesso de

documentação necessária, como evidenciado pela presidenta da Colônia:

Hoje eu noto a dificuldade que eles enfrentam em documentação e na pesca da lagosta mesmo que tá mais difícil ainda, na falta da lagosta e assim, o investimento é muito alto [...] hoje não tem mais a lagosta que tinha. (ENTREVISTADA 2, 2016).

Todavia, foi elencado mudanças sociais positivas, “[...] hoje ele bebe menos,

cuida mais de si, com o pouco que eles ganham, eles conseguem priorizar a

família.” (ENTREVISTADA 2, 2016), mostrando uma maior preocupação e

consciência do uso dos recursos, já que muitas vezes se torna insuficiente. Essa

crescente responsabilidade com o meio familiar decorre em alterações no papel

social da mulher, que passa a usar o seu tempo para compor os locais de

participação. Quando questionadas sobre o quanto estão presentes nesses

espaços, 80% das participantes da metodologia conferiram 5 na escala, tendo em

consideração as reuniões da Colônia, pois não participam de nenhuma outra

associação ou conselho, dado que, os conselhos do município são, em sua maior

parte, voltados para agricultura. A inexistência de uma associação das mulheres

específicas para pesca tem como causa a falta de disponibilidade e interesse para

desempenhar esse trabalho não remunerado, conforme informação obtida com a

presidenta da Colônia. As respostas obtidas acerca da participação podem ser

observadas no quadro abaixo.

Nessa perspectiva, “a participação representa uma conquista para os atores

sociais e possibilita a ação interativa entre forças que se complementam e se

contrapõem numa realidade vista como totalidade”, conforme ACSEIRAD (2001,

apud PEREIRA, 2008, p.76). A inclusão da mulher no ambiente de discussão

Quadro 6 - Participação das Pescadoras de Muriú

Pergunta Número de respostas de acordo com a escala

1 2 3 4 5

O quanto você participa das

reuniões da colônia, associações e

conselhos?

0 0 1 1 8

Fonte: Elaboração Própria, 2016.

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configura um importante fator para avaliação da realidade, o que permite elencar

vantagem e desvantagens da prática da pesca segundo o ponto de vista feminino,

contribuindo no processo de elaboração de ações a partir dos atores chaves da

problemática de gênero na pesca artesanal: as mulheres pescadoras.

A partir das colocações a respeito das vantagens e desvantagem da pesca

artesanal, elaborou-se o DSC. Na metodologia em questão, identificou-se duas

categorias (pontos positivos e negativos), a primeira resultou no seguinte DSC: “A

vantagem é que no dia que vai pescar já tem o peixinho [, isto é,] eu já não compro

porque eu pesco [apesar de ser mais vantajoso quando] vende o camarão que o

quilo vale bem a pena. [Também é elencado como ponto positivo] ter uma

segurança no futuro [, por isso, é comum o sentimento de gratidão] as pessoas que

inventaram a aposentadoria pela parte de pescadora.”.

Quanto a segunda categoria foi possível elaborar o subsequente discurso: “A

desvantagem é a desvalorização que ninguém valoriza o pescador em canto

nenhum, tem também a desvalorização de alguns peixes [, bem como a constante

exposição ao] sol. [Além disso, é ruim] quando a gente vai pescar e não pega nada.

[Sem contar que] tudo custa muito caro, o nylon é caro, o chumbo é caro, a boia é

cara e como a gente não sabe remendar e entralhar e a gente vai pagar, se torna

mais caro ainda.”.

Dessa maneira, é notória a maior quantidade de desvantagens em

comparação aos pontos positivos referentes à pesca. A instabilidade no valor do

pescado e da oferta dos produtos é uma situação preocupante na realidade de

Muriú, em conjunto com o alto custo dos materiais e da mão de obra para o conserto

dos artefatos, como também, da ausência de atravessadores10 para facilitar a venda

do peixe. Por corresponder a um saber local, a pesca compõe um modo de vida

tradicional, representado por técnicas, práticas e interações com o meio ambiente de

maneira peculiar, quando o ambiente compreende tanto o local de trabalho, como de

vivência.

10

Os atravessadores, abordados por CORDELL(1989), representam uma opção de mercado

alternativo para compra e revenda dos peixes, porém, por não se tratar de um trabalho formal, não há registros e a relação é definida por vínculos de confiança.

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Baseado nos diários entregues às pescadoras como parte da metodologia

participativa foi possível elencar os principais locais frequentados pelas pescadoras,

a forma como se dá o seu trabalho e as opções de lazer. Atestando as colocações

de Diegues (1983) relativas à arte da pesca na execução de um trabalho criativo, a

praia está envolvida em grande parte da rotina, caracterizando um modo de vida e

não dissociação do trabalho com o lazer, até mesmo pela incerteza quanto ao

horário de trabalho, diferentemente dos trabalhos formais característicos das áreas

urbanas de oito horas por dia, como pode ser visto no relato de uma pescadora na

imagem 02 a seguir.

Nesse sentido, na rotina das pescadoras fora mencionado além do tempo de

trabalho, os horários destinados ao lazer, geralmente nos parrachos, ao estudo – no

caso das duas mulheres mais jovens - as atividades domésticas e também aos

momentos dedicados à Colônia. O fato atípico de uma mulher assumir o papel de

presidente da Colônia alterou a dinâmica da comunidade e sua rotina, tendo em

vista que há um aumento da participação das mulheres a partir do sentimento de

representatividade, relatado por elas no diário, ou seja, os espaços da Colônia

passam a ser ocupados pelas mulheres semanalmente. Entretanto, apoiando-

se na pergunta “Como você se vê percebida pelos homens?”, as mulheres relatam

que os homens não as valorizam, como demonstrado no quadro 07.

Figura 8 - Parte do Diário da Mulher Pescadora

Fonte: Acervo pessoal, 2016.

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Como consequência dessas respostas, pode-se concluir que apesar do maior

envolvimento e empoderamento feminino, a cultura de (des)valorização masculina

permanece nos espaços de participação e na comunidade de Muriú. Aliado a não

atuação efetiva do Poder Público municipal, na forma de políticas públicas próprias

para o atendimento das pescadoras, e o não diálogo com a Colônia, as mulheres

permanecem assumindo um papel social de trabalhadoras, parcialmente ou

totalmente, não reconhecidas pelos seus colegas de profissão e maridos, pelas

políticas públicas e pelo Estado.

Quadro 7 - Percepção acerca do papel da mulher pescadora

Pescadora Artesanal Como se veem percebidas pelo

homem

P2

Por pior que seja o seu bombril enferrujado, você é muito importante na sua família porque por trás de um

grande homem, tem sempre uma grande mulher. Você pode não ter

valor para o dono do bombril

P5 Se meu marido me valoriza tá

guardado em um baú

P7 Eu não tenho o que reclamar

P8 Mulher de pescador não tem qualidade

Fonte: Elaboração própria, 2016.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que a pesca artesanal compreende além dos processos de

pesca e exploração, o trabalho de confecção e reparo dos instrumentos de pesca, é

uma atividade anterior ao período colonial, praticada inicialmente para subsistência,

proporcionando, historicamente, o aparecimento de diferentes culturas litorâneas.

Assim, a prática da pesca foi se consolidando e constituindo um modo de vida

característico do litoral, definida por laços de cooperação, autonomia e liberdade.

Atualmente, corresponde a uma das atividades profissionais mais comuns na costa

litorânea do RN, demonstrando uma organização representativa dividida entre

colônias e a federação estadual.

A concepção de gênero é marcada por critérios como sexo e definições

psicológicas; na perspectiva do movimento feminista, essa conceituação corrobora

com a diferenciação dos papeis sociais atribuídos pelos homens e mulheres,

acarretando na divisão sexual do trabalho. Desse modo, as mulheres têm sua

responsabilidade comumente atribuída ao exercício do trabalho doméstico,

resultando na não valorização do trabalho produtivo e na desvalorização de sua

contribuição na unidade de produção familiar, principalmente nas populações de

pescadores, em que tem suas instituições representativas (colônias e federação)

compostas por homens, influenciando diretamente a tomada de decisões nas

relações profissionais e políticas da comunidade.

Com a proposta de compreender o papel da mulher na pesca artesanal na

praia de Muriú, no município de Ceará Mirim/RN, a partir da análise do modo de vida

e espaços de participação das pescadoras artesanais, haja vista a importância de

compreender a dinâmica dessas comunidades para uma melhor fundamentação das

políticas públicas voltadas à população litorânea, este trabalho permite a observação

de que as mulheres ainda não são reconhecidas pelo seu trabalho na pesca

artesanal, porém, em Muriú, é notório um maior empoderamento feminino com a

inserção das pautas das mulheres na Colônia, influenciadas pela representatividade

exercida com a ocupação do mais alto cargo na Colônia por uma mulher.

O município de Ceará Mirim está inserido em um contexto de atividade

turística, devido à sua costa litorânea com duas das praias mais visitadas do litoral

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norte (praias de Muriú e Jacumã) e no ambiente de políticas públicas. Ceará Mirim

integra o Território da Cidadania do Mato Grande e também a Região Metropolitana

de Natal, compondo um espaço predominantemente rural, porém com maior acesso

e integração a serviços, em comparação aos quatorze municípios do Mato Grande.

Dessa forma, o processo de urbanização e o aumento da população dessa região

constatado ao longo do trabalho está aliado ao modo de vida rural, reforçando a

coletividade e a relação de pertencimento com a natureza, o que é observado na

comunidade pesqueira de Muriú, ao contrário de sua completa modificação pelos

processos urbanizantes e globalizadores.

Os objetivos desse trabalho foram concretizados uma vez que foi possível

discutir as temáticas de gênero e pesca artesanal, a começar pelo percurso histórico

da instituição familiar e as suas consequências na não inserção da discussão de

gênero, bem como os estudos femininos sobre a pesca artesanal, demonstrando o

processo cultural ao qual estão inseridas e suas formas de transformação. No que

se refere ao objetivo específico traçado que contempla as políticas públicas,

baseado na percepção das pescadoras sobre esses conceitos e como o Poder

Público as atendem, também pôde ser constatado a ausência de atuação da

secretaria municipal responsável e a, consequente, carência de ações públicas

específicas para o seguimento da mulher pescadora.

Acerca do modo de vida das pescadoras, pode-se mencionar uma rotina

combinada entre atividades domésticas, as atividades da pesca, as de participação

nas reuniões da Colônia e as de lazer. Considerando que esse estudo se dá em

uma comunidade tradicional, uma das principais características está no modo de

vida peculiar e na relação direta da sociedade e meio ambiente, em que a praia

corresponde ao espaço de trabalho e lazer. Nesse contexto, a organização feminina

e dos demais pescadores se dá através da Colônia de Pescadores Z14. Essa

instituição atua para além de seu papel sindical, com a promoção de cursos, oficinas

e palestras para especialização e valorização da profissão. Assim, as mulheres

compõem o papel de participar e expor suas demandas, juntamente com os

homens, ocupando o mesmo espaço público.

Percebendo a escassez de políticas públicas municipais voltada para a pesca,

a Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca de Ceará

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Mirim opera atendendo as necessidades básicas na vertente dos agricultores

familiares, facilitando a emissão de certidões e acesso aos programas de fomento a

extensão rural do Governo Federal. A ressalva do atendimento dessas mulheres

está na existência de políticas no âmbito nacional que atendem as mulheres no

geral, a exemplo do Programa Bolsa Família, dado que o Seguro Defeso não

contempla as pescadoras, pois, na praia de Muriú, essa ação subsidia o período de

defeso da lagosta, produto característico da pesca de alto mar, não contando com a

presença feminina.

Em síntese, conclui-se que o presente estudo é de extrema importância para

a compreensão da realidade local, interpretando as dinâmicas sociais de

organização das mulheres pescadoras e dos arranjos administrativos e políticas

públicas desenvolvidas a nível municipal.

Por fim, esta monografia atenta para necessidade do planejamento de

políticas públicas para o setor da pesca e, particularmente, para as mulheres

pesqueiras, fundamentado em uma perspectiva de desenvolvimento local com

incentivo, por parte do Poder Público, às tecnologias sociais para preservação dos

saberes tradicionais aliado ao desenvolvimento tecnológico, bem como, o estímulo a

instrumentos que possibilitem o empoderamento feminino e incentivo à participação.

O estreitamento dos laços entre a colônia e a secretaria visando um maior diálogo e

gestão participativa compõe também um dos fatores fundamentais no planejamento

das ações públicas para contribuir no atendimento e melhoria da qualidade de vida

das comunidades pesqueiras.

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APÊNDICE

APÊNDICE I – Roteiro de Entrevista 01

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – DPP

ROTEIRO DE ENTREVISTA 01

Identificação do (a) entrevistado (a):

Data da entrevista:

Local da entrevista:

Duração:

1. Qual a concepção de pescador artesanal e agricultor familiar para a

secretaria?

2. Como você avalia a dinâmica de funcionamento da secretaria?

3. Qual é a estrutura organizacional da secretaria?

4. Você tem conhecimento sobre o programa Territórios da Cidadania? Qual a

influência das ações desse programa para o município?

5. O município conta com políticas públicas (planos, programas e/ou projetos)

e/ou ações que incentivem a geração de emprego e renda para a população

pesqueira?

5.1. Em caso positivo, como os resultados destas políticas e/ou ações são

avaliados?

6. E em relação às mulheres pesqueiras, o município conta com alguma política

pública e/ou ação para elas?

6.1 Como você avalia essa política e/ou ação?

Em caso de avaliação negativa: os problemas encontrados precisam de

interferência do Estado? Se sim, como ele deve intervir?

7. A secretaria tem parcerias com outras instituições de nível municipal, estadual

ou federal?

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7.1 E com a sociedade civil organizada (associação, núcleo, grupo, entre

outros)?

8. Como se dá a relação entre a secretaria, a colônia de pescadores (Z14) e a

federação estadual dos pescadores do RN?

9. A secretaria tem perspectiva de novas políticas e/ou ações para a população

pesqueira do município?

APÊNDICE II – Roteiro de Entrevista 02

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – DPP

ROTEIRO DE ENTREVISTA 02

Identificação do (a) entrevistado (a):

Data da entrevista:

Local da entrevista:

Duração:

A. Caracterização institucional da Colônia:

10. Nome e formação profissional (se houver) da presidenta.

11. Data de fundação e endereço.

12. Qual é a estrutura organizacional da Colônia?

13. No total, entre homens e mulheres, quantos pescadores são filiados à

Colônia?

14. Qual o principal produto da pesca em Muriú?

15. Como se dá a operacionalidade dos componentes/profissionais da Colônia?

Ou seja, periodicidade de reuniões, pagamentos, organograma, etc.

16. Qual a relação da Colônia com a Federação Estadual dos Pescadores

(política e administrativa)?

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17. Qual a relação da Colônia com a Secretaria de Pesca de Ceará Mirim e com a

SEAP?

18. A Colônia desenvolve alguma ação e/ou política pública junto ao Poder

Público (municipal, estadual ou federal) e/ou em parceria com instituições

privadas*?

19. Você tem conhecimento, participa dos conselhos do programa Territórios da

Cidadania?

10.1. Você sabe dizer de que modo os pescadores foram atendidos pelo

conjunto de ações desse programa?

20. Como se dá a relação da Colônia com as demais Colônias de pescadores dos

municípios do Território da Cidadania do Mato Grande?

21. Em relação às mulheres na Colônia:

12.1. Qual é o número de mulheres pescadoras filiadas à Colônia?

12.2. É desenvolvida alguma ação direta, por parte da Colônia, para as

mulheres que estão associadas?

12.3. Como é e como se dá a participação destas mulheres na Colônia?

B. Trajetória de vida e trabalho

22. A quanto tempo você se encontra nessa função?

23. Antes de você se tornar presidenta da Colônia, qual função exercia?

24. Você sempre morou na praia de Muriú? Se sim, quais mudanças você

percebe na vida dos pescadores (modo de vida, comportamento, formação de

associações, etc)?

25. Quais as facilidades e dificuldades encontradas por você na ocupação desse

cargo?

16.1. Quais facilidades e dificuldades os pescadores associados relatam

durante a realização de suas atividades?

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26. Você é beneficiária, de forma direta, de alguma política pública?

27. O que você entende por políticas públicas (direito de acesso)?

28. Você participa ou já participou de algum conselho municipal, estadual ou

federal?

19.1. Se sim, qual?

19.2. Qual a sua opinião sobre a participação nesses conselhos?

APÊNDICE III - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Departamento de Políticas Públicas - DPP

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado (a) Senhor (a),

Gostaríamos de convidá-lo a participar, na condição de entrevistado (a), do

Trabalho de Conclusão de Curso da discente Victorya Elizabete Nipo Teixeira de

Carvalho, matrícula 2013066952, aluna do curso de Gestão de Políticas Públicas da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Esclarecemos que todos os registros efetuados no decorrer desta investigação

serão usados para fins unicamente acadêmico-científicos e apresentados na forma de

artigo científico, não sendo utilizados para qualquer fim comercial.

Em caso de concordância com as considerações expostas, solicitamos que

assine este “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” no local indicado abaixo.

Desde já agradecemos sua colaboração e nos comprometemos com a

disponibilização dos resultados obtidos nesta pesquisa, tornando-os acessíveis a

todos os participantes.

Eu _________________________________________________________________

portador do RG. Nº __________________, inscrito no CPF:

______________________ aceito participar, na condição de entrevistado (a), da

pesquisa desenvolvida pela aluna bolsista do “Projeto Políticas Públicas à beira-mar:

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Territorialidades, saberes e conflitos” da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Declaro que fui informado (a) acerca dos objetivos da pesquisa e de seus

procedimentos metodológicos e autorizo a realização de entrevista e utilização dos

dados e informações concedidas nos exatos termos do presente termo.

Ante o exposto, permito que a pesquisadora obtenha dados, fotografias,

filmagens ou a gravação da minha voz e imagem para fins de pesquisa científica. No

que tange à autorização de gravação de voz, declaro que esta foi concedida

mediante o compromisso da pesquisadora em garantir-me os seguintes direitos: 1.

poderei ler a transcrição de minha gravação; 2. os dados coletados serão usados

exclusivamente para gerar informações para a pesquisa aqui relatada e outras

publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas, anais de congressos

e jornais; 3. minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de

publicação das informações geradas.

______________, _____ de ______________ de 2016.

_____________________________ ___________________________________

Assinatura do Entrevistado Assinatura do Pesquisador Responsável