Pesquisa Acadêmica Em Instituições de Ensino Superior Particulares

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  • Revista Intersaberes | vol.7 n.13, p. 46 - 66 | jan. jun. 2012 | ISSN 1809-7286

    Pesquisa acadmica em instituies de ensino superior particulares: desafios e perspectivas

    Academic research in private institutions: challenges and perspectives

    Precisamos de uma educao vitalcia para nos dar escolhas. Mas precisamos ainda mais salvaguardar as condies que tornam a escolha disponvel e ao alcance de nosso poder.

    (BAUMAN, 2011, p. 197)

    Daniel Soczek1; Mario Alencastro2

    1 Doutor em Sociologia (UFSC), professor (Facinter) e pesquisador (Ncleo de Pesquisas em Educao Facinter). 2 Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR), professor (Facinter e Fatec) e pesquisador (Ncleo de Pesquisas em Educao Facinter).

    RESUMO

    O objetivo deste artigo apresentar algumas reflexes preliminares e problematizadoras sobre a necessidade e o exerccio de pesquisa no ensino superior. Sendo este texto parte de um estudo em andamento, algumas teses aqui apresentadas esto fundamentadas em pesquisas j realizadas e outras decorrem, exclusivamente, de observaes e impresses destes autores, como professores de diversas instituies privadas de ensino superior, nos ltimos anos. Nesse sentido, num primeiro momento ser feita uma considerao geral sobre a importncia da pesquisa como norte reflexivo para orientao do cidado no mundo contemporneo. Na sequncia, sero apresentadas algumas consideraes sobre o conceito de pesquisa e sua importncia no ensino superior e, por fim, alguns apontamentos sobre os desafios e as perspectivas do ensino superior no Brasil. Palavras-chave: Pesquisa. Atuao docente. Acesso crtico ao conhecimento.

    ABSTRACT This paper aims to present some preliminary and problem-solving reflections upon the need for and the practice of research in higher education. This text is part of an ongoing study, some theses presented here are founded on studies already carried out and

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    others derive exclusively from observations and impressions of these authors as professors in several higher education private institutions over the last few years. To that end, at first, some general consideration will be made at about the importance of research as a guide to orientate the individual in todays world. Then, we will present some considerations about the concept of research and its importance in higher education and, finally, some notes about the challenges and perspectives in higher education institution in Brazil. Key-words: Research. Teaching performance. Critical access to knowledge. INTRODUO

    Pode-se afirmar que vivemos, hoje, na perspectiva de uma alta ps-

    modernidade. Essa condio permite diversas possibilidades de existncia neste

    momento histrico, marcado pelos processos resultantes, entre outros, do

    fenmeno da globalizao. Tem-se, assim, de um lado, um movimento crescente de

    condies de construo ou ampliao/aprofundamento das relaes sociais na

    perspectiva de CASTELLS (1999), quando afirma a ideia de uma sociedade em rede,

    ou a crtica desse processo, por seu carter homogeneizador e reducionista (IANNI,

    1995).

    Esse contexto permeado e compreendido com base em uma tica pluralista,

    sob a gide da multiplicidade, pode ser pensado e analisado, entre outras

    perspectivas, pela produo, pela disponibilizao e pelas formas de uso das

    informaes, que hoje so produzidas de modo quase incalculvel. Assim, podemos

    questionar, por exemplo, o nmero de livros publicados no mundo anualmente, o

    nmero de jornais, o nmero de dissertaes e teses apresentadas e defendidas, o

    nmero de msicas produzidas e tantas outras formas de produo de informao.

    A enorme disponibilizao de informaes, nas mais variadas possibilidades,

    no nos deixa esquecer, entre outras, de duas questes que consideramos

    fundamentais neste ensaio. Primeiro, o carter ideolgico presente nas formas como

    essas informaes so oportunizadas. Por se tratar de uma disposio

    profundamente desigual por exemplo: quantos tm acesso internet? Com qual

    velocidade? , interessante levar em conta os fundamentos reflexivos utilizados por

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    Adorno e Horkheimer (2003), no comeo do sculo XX, principalmente no que tange

    aos problemas relativos massificao das informaes e a aquilo que denominaram

    de Indstria Cultural. Veja-se, por exemplo, um portal como o Wikipdia: por trs da

    atitude nobre de disponibilizao de informaes, seu contedo resulta (e

    reelaborado, pois as informaes podem ser editadas por qualquer pessoa) de

    percepes particulares e, obviamente, no isentas de relaes de poder em

    movimento: todos tm e defendem sabendo ou no disso ideologias diversas.1

    O segundo (e no menos importante) aspecto que destacamos se refere ao

    fato de que a posse de informaes no significa, automaticamente, que se saiba

    como us-las, em termos de sua operacionalizao (processo) e de sua finalidade

    (tica). Veja-se, por exemplo, a possibilidade de encontrar textos em blogs que

    tratam conceitos e ideias de forma superficial ou equivocada. Como podemos

    desenvolver um esprito crtico que permita, nesse universo de informaes, separar

    o joio do trigo, se isso for conveniente e de acordo com os pressupostos de uma

    sociedade democrtica? Nesse mesmo diapaso, o uso de tradutores on-line

    altamente questionvel: ainda que essas ferramentas muito tenham evoludo, verter

    um texto, em qualquer lngua, quase sempre gera aberraes lingusticas de toda

    ordem.

    A construo e o uso das informaes cria uma catica e contraditria rede de

    teorias que tentam ajudar a compreender a realidade. Entretanto, no podemos

    esquecer a lio de Boaventura de Sousa Santos (1999), quando afirma, da

    perspectiva da teoria crtica, que a teoria no pode reduzir a realidade ao que

    existe. O que consideramos como existente para ns, seres humanos, fruto da

    elaborao ou da imposio de olhares sobre o mundo, de modo formal ou informal,

    constitudo, portanto, de lacunas e tensionado continuamente nas relaes de poder.

    Esses olhares, convm admitir, so sempre parciais, perspectivos, relativos ao tempo

    e ao espao histrico no qual so construdos, segundo interesses diversos. O

    1 Nesse sentido, consultar o texto Quem mexe na Wikipdia?. Disponvel em:

    . Acesso em: 25 abr. 2012.

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    existente, portanto, aquilo que conhecemos ou a maneira como operamos com

    aquilo que conhecemos.

    Considerando os apontamentos anteriores, entendemos que trabalhar

    informaes com qualidade, de forma crtica, ou seja, sem deixar de questionar o que

    significa tal qualidade, fundamental para pensar o mundo contemporneo,

    rompendo com as tensionadas relaes de poder que nele ininterruptamente se

    exercem, no intuito de construir conhecimentos/ interpretaes da realidade. A esse

    movimento denominamos pesquisa. A centralidade da pesquisa como mecanismo

    fundamental para coexistir no mundo contemporneo parece, portanto, bvia. A

    preocupao deste texto, na perspectiva de seu recorte terico, pensar, portanto,

    de modo crtico reflexivo, como as instituies de ensino privado tem participado e

    contribudo para o processo de emancipao do sujeito pela pesquisa, considerando

    o carter ideolgico de construo e o uso da informao. O problema-propsito das

    reflexes que se seguem pensar sobre como trabalhar com informaes

    construindo, efetivamente, utopias em nosso contexto contemporneo, tendo-se

    por base as lacunas oriundas de um olhar crtico da realidade hodierna.

    1. A CENTRALIDADE DA PESQUISA NO ENSINO SUPERIOR

    Antes de tratar, propriamente, da temtica da pesquisa nas Instituies de

    Ensino Superior (IES) privadas, importante destacar o universo das instituies

    particulares de ensino e seu crescimento. Segundo dados do Censo da Educao

    Superior 2010 (CENSUP, 2011), publicado em outubro de 2011, temos, atualmente, os

    seguintes nmeros:

    Quadro 1 Nmero de matriculados em Instituies de Ensino Superior

    Pblicas Privadas Total

    Instituies de Ensino Superior

    278 2.099 2.377

    Nmero de matriculados

    1.643.298 4.736.001 6.379.299

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    De uma perspectiva histrica, a passagem do sculo XX para o XXI, no Brasil,

    foi marcada pela ampliao das instituies privadas de ensino superior. Segundo os

    estudos de Losh e Reis (2004), em 1997 havia 689 Instituies de Ensino Superior

    particulares no Brasil, nmero que subiu para 1004, em 2000, e 1442, em 2002, ou

    seja, um crescimento de 109% em apenas cinco anos. Podemos, para esse fenmeno,

    apontar diversas razes, como a existncia de uma demanda reprimida no acesso ao

    ensino superior ou a necessidade de formao de fora de trabalho considerando o

    desenvolvimento das tecnologias.

    Mediante to significativos nmeros, no podemos deixar de questionar sobre

    o significado da pesquisa nas instituies particulares. No se pode perder de vista o

    fato de que o aumento de estudantes no ensino superior significa uma conquista

    para o modelo educacional vigente, mas deixa a descoberto a questo de como faz-

    lo com qualidade.

    Hodiernamente, a condio ps-moderna e os desafios de uma educao de

    qualidade num contexto em que o neoliberalismo e a mercantilizao do ensino

    grassam sem barreiras (BAUMAN, 2011), h um chamamento para a reconstruo

    contnua dos processos pedaggicos, o abandono de modelos prontos e da

    perspectiva de trabalho do necessrio distanciamento reflexivo entre o aluno ideal

    o que estuda, l, presta ateno e est interessado em sua formao, numa

    concepo utpica de educao e o aluno real, que trabalha, que tem um

    histrico educacional eivado de lacunas mltiplas, sendo sua permanncia numa

    instituio de ensino superior, em vrios casos, muito mais uma presso social de

    alguma ordem do que o interesse pela educao. Assim o grande desafio pensar

    alternativas factveis que permitam emancipar o sujeito em formao na perspectiva

    da pesquisa, de modo dialtico.

    Nunca demais lembrar que, se a expanso do ensino superior no Brasil, por

    meio da iniciativa privada, pode ser considerada como um fator de democratizao,

    pois inegvel que amplia o acesso ao nvel universitrio, da mesma forma tambm

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    vista como um fator de mercantilizao do ensino, j que oferece aos alunos,

    muitos deles de baixa renda, uma educao de qualidade duvidosa (BICALHO, 2004).

    Para Picano (2003, p. 78), a demanda por formao tem despertado, em

    especial, o interesse de grupos que perceberam na educao as possibilidades de um

    grande e lucrativo mercado. So, segundo o autor, os sacoleiros do ensino, para os

    quais difcil fazer a distino entre conhecimento e mercadoria, sendo que os

    estudantes foram reduzidos condio de clientes e a escola transformou-se,

    exclusivamente, numa empresa.

    O objeto de uma instituio de ensino em geral e, principalmente, das

    Instituies de Ensino Superior concentra-se no desenvolvimento/desdobramento do

    conceito de conhecimento. Em linhas gerais, o conhecimento o processo de

    sistematizao do mundo, reorganizando-o em diversas perspectivas, no intuito de

    compreender e melhorar a ao do ser humano. Essa reorganizao implica a criao

    e a discusso de modelos interpretativos da realidade que gerem aes prticas e,

    continuamente, obriguem-nos sua reviso, sua melhoria, sua ampliao ou seu

    abandono (KUHN, 2003), na medida em que seu alcance explicativo posto em

    questo por dois movimentos distintos e paralelos. Um desses movimentos deriva da

    percepo de suas incongruncias internas e o outro, externo, resulta das tenses

    com a prxis. Se o objeto de uma instituio de ensino superior a produo do

    conhecimento, seu foco, por bvio, tem de ser pautado por reflexes e pela

    construo de processos centrados na pesquisa. A produo desse conhecimento a

    prpria produo da condio humana. Conhecimento e pesquisa so elementos

    dissociveis apenas na perspectiva terica, para fins didticos. No existe

    conhecimento sem pesquisa, e vice-versa. So, metaforicamente, duas faces da

    mesma moeda, e essa uma das possibilidades de compreenso e interpretao do

    conceito de educao.

    Nesse sentido, no que consiste ou quais so os pressupostos da centralidade

    da pesquisa no processo de produo da condio humana? De acordo com

    FELDMANN (2009, p. 72),

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    [...] consiste em compreender o fenmeno educativo sempre como uma tarefa inconclusa e perspectival. sempre uma forma fractal de interrogar o mundo, perspectiva essa perpassada pelos nossos valores, concepes, ideologias. Entender esse fenmeno tom-lo em sua concretude, em suas manifestaes histricas, poltica e social. sempre um processo relacional e contextual. Envolve relaes entre as pessoas, projetos e processos que se produzem mutuamente, contraditoriamente embasados em uma viso de homem, de mundo e de sociedade. As pessoas no nascem educadores, tornam-se educadores, quando se educam com o outro, quando produzem sua existncia relacionada com a existncia do outro, em um processo permanente de apropriao, mediao e transformao do conhecimento mediante um projeto existencial e coletivo de construo humana.

    A essa lgica da compreenso do alcance e do significado da pesquisa

    agregam-se as reflexes de Marx e Engels, que, neste momento, ajudam-nos a

    pensar sobre as possveis aproximaes entre a pesquisa e o papel do educador.

    Segundo eles,

    A teoria materialista de que os homens so produtos das circunstncias e da educao e de que, portanto, homens modificados so produtos de circunstncias diferentes e de educao modificada, esquece que as circunstncias so modificadas precisamente pelos homens e que o prprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forosamente, diviso da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepe sociedade [...] A coincidncia da modificao das circunstncias e da atividade humana s pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prtica transformadora (MARX; ENGELS, 1977, p. 118-119).

    Considerando as perspectivas assumidas nessa reflexo, este texto resulta,

    portanto, da percepo crtica da centralidade da pesquisa como elemento fundante,

    norteador e incentivador da prtica educativa. A centralidade da pesquisa no ensino

    superior decorre de vrios pressupostos, a serem argumentados ao longo desta

    reflexo. O que destacamos, como diretamente resultando das reflexes at aqui

    desenvolvidas, que uma Instituio de Ensino Superior no um espao de mera

    regulao ou adestramento social para o mercado de trabalho, por exemplo. O

    ensino, principalmente o superior, no pode estar limitado a uma tica mercantilista

    baseada na reproduo material e/ou na reproduo ideolgica acrtica da sociedade,

    j que a produo e o uso das informaes no se desvinculam de seu carter tico.

    Nesse sentido, procuraremos fazer algumas observaes sobre o conceito de

    pesquisa para, em seguida, discuti-lo no mbito do ensino superior privado, tendo em

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    vista o papel das instituies de ensino na sociedade.

    crtica mercantilizao do ensino contrapomos tanto os fundamentos

    terico-reflexivos quanto os aspectos de ordem legal. Na perspectiva da legalidade,

    tanto as instituies pblicas quanto as particulares devem seguir as

    regulamentaes da LDB n 9394/96, que afirma, em seu artigo 43, que a educao

    superior tem por finalidade:

    III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigao cientfica, visando ao desenvolvimento da cincia e da tecnologia e da criao e difuso da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV - promover a divulgao de conhecimentos culturais, cientficos e tcnicos que constituem patrimnio da humanidade e comunicar o saber atravs do ensino, de publicaes ou de outras formas de comunicao; V - suscitar o desejo permanente de aperfeioamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretizao, integrando os conhecimentos que vo sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada gerao; VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar servios especializados comunidade e estabelecer com esta uma relao de reciprocidade; VII - promover a extenso, aberta participao da populao, visando difuso das conquistas e dos benefcios resultantes da criao cultural e da pesquisa cientfica e tecnolgica geradas na instituio.

    Essa mesma lei, em seu artigo 52, dispe que:

    [...] as universidades so instituies pluridisciplinares de formao dos quadros profissionais de nvel superior, de pesquisa, de extenso e de domnio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I - produo intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemtico dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista cientfico e cultural, quanto regional e nacional; [...]

    As instituies de ensino, principalmente as de ensino superior, so

    demandadas a pesquisar por fora legal. Alm dos aspectos legais, oportuno

    destacar elementos de fundamentao conceitual da pesquisa, para no focarmos

    apenas numa perspectiva legalista do processo, sem entender os fundamentos de

    sua constituio. Bem mais amplo do que a obrigatoriedade legal, existe o

    fundamento filosfico-pedaggico da centralidade da pesquisa como processo

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    contnuo de formao de todos os envolvidos no processo educativo. No h como

    pensar o trabalho docente como discusso e construo de uma ordem social, em

    contnua interao com o outro. Corrobora essa tese, por exemplo, Paulo Freire,

    quando afirma que no h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino (1996, p.

    29).

    Entretanto, como sabemos, sempre existe um fosso entre a legislao e a

    realidade. Parece fazer parte do senso comum que o discurso demaggico invada o

    discurso poltico, com reflexos na organizao e no desenvolvimento das atividades,

    nesse caso, das instituies de ensino. Veja-se, por exemplo, a existncia do Decreto

    n 2.306, de 19 de agosto de 1997, o qual criou a figura jurdica Centro Universitrio,

    com autonomia para criar cursos e vagas, mas sem a obrigatoriedade da pesquisa

    decreto esse revogado posteriormente.

    lamentvel a postura defendida por alguns tericos da educao que, talvez

    por no compreender a importncia da investigao como parte essencial do

    processo educacional, defendem a existncia de dois tipos de universidade: as

    universidades de ensino e as universidades de pesquisa!

    Severino (2007, p. 30) chama ateno para o fato de que a prpria LDB ratifica

    essa viso errnea, quando atribui s faculdades a misso de cuidar apenas do

    ensino, deixando para as universidades a obrigatoriedade de desenvolver pesquisa.

    Para Geraldo Magela (2003), reitor da PUC Minas, a pesquisa cientfica nas

    universidades particulares separa as instituies de ensino privadas preocupadas em

    fazer a formao de quadros para o mercado de trabalho e as que ultrapassaram a

    linha da graduao bem-sucedida e ousaram praticar, na plenitude, o conceito de

    universidade.

    Apesar das diversas idas e vindas, prprias do processo de democrtico,

    hoje o conceito de universidade, que integra pesquisa, ensino e extenso, vem

    superando, em termos legais, os equvocos inerentes quele decreto e as posturas

    tericas que separam o ensino da pesquisa. A pesquisa vista, atualmente, na

    perspectiva legal de sua obrigatoriedade aliada sua importncia terica, decorrente

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    de seu fundamento e do significado de seus resultados para a formao cidad.

    Na definio constitucional, as universidades so obrigadas a desenvolver o

    ensino, a pesquisa e a extenso. No que diz respeito pesquisa, seria interessante

    buscar a troca de experincias para a produo de novos conhecimentos, o que,

    certamente, acarretaria em ganhos no apenas para a formao profissional, mas,

    principalmente, para a sociedade como um todo. Dessa forma, na universidade, a

    pesquisa deveria assumir uma trplice dimenso: (1) a dimenso epistemolgica a

    perspectiva do conhecimento, pois s se conhece construindo o saber, ou seja,

    praticando a significao dos objetos; (2) a dimenso pedaggica a perspectiva

    decorrente da relao com a aprendizagem, ou seja, s se aprende e ensina pela

    efetiva prtica da pesquisa; e (3) a dimenso social a perspectiva da extenso. O

    conhecimento s se torna legtimo se contribui para a melhoria da existncia

    humana, inserindo-se na realidade histrico-social dos homens (SEVERINO, 2007, p.

    26-27).

    Alm das discusses de ordem filosfico-reflexiva a respeito da importncia

    da pesquisa e das reflexes sobre seu carter legal, resta, ainda, uma importante

    vertente de anlise, de cunho social, que justamente o acesso ao ensino e,

    consequentemente, seus reflexos para pensar a questo da pesquisa. Nesse sentido,

    uma das problemticas que destacamos est no aumento significativo de pessoas

    cuja formao voltada para o ensino. Umberto Eco (2001, p. XIII-XIV), na introduo

    do livro Como se faz uma tese, chama ateno para ao fato de que antigamente, a

    universidade era uma universidade de elite e que apenas os que dispunham de

    recursos e tempo extra tinham acesso a ela. Muitos cursos eram oferecidos em

    regime integral e os estudos eram conduzidos num ritmo que permitia tempo para

    que fossem absorvidos. No entanto, ao se referir situao do ensino superior

    atualmente em curso na Itlia, ele apresenta uma situao diversa, pois se trata de

    um ensino voltado para as massas, sendo que em muitos casos os alunos se

    matriculam no ensino superior sem a devida base ou preparo. Em alguns cursos, so

    inscritos milhares de alunos, o que torna seu acompanhamento, por parte dos

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    professores, quase uma utopia.

    Trata-se, portanto, de um contexto no qual as atividades de pesquisa e

    investigao cientfica so obviamente muito prejudicadas.

    Nossa reflexo permite perceber que, no obstante as devidas distncias e

    propores com as quais esta temtica deve ser tratada em termos de comparaes,

    tambm no Brasil temos situao semelhante, ou seja, tal situao reflete

    perfeitamente o cenrio brasileiro. Ao se considerar apenas os cursos de Pedagogia,

    de acordo com os dados do ltimo Censo do Ensino Superior divulgado pelo Instituto

    Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em sete anos, o nmero de

    alunos formandos nesses cursos praticamente dobrou, ou seja, aumentou de 65 mil

    novos educadores em 2002 para 188 mil, em 2009. O censo tambm identificou que,

    no mesmo perodo, registrou-se um aumento de mais de 60% nas matrculas nessa

    rea de ensino. Se em 2002 foram registradas 357 mil matrculas, em 2009 o total

    chegou a 555 mil (CENSUP, 20110). Dessa forma, o grande desafio : como assegurar

    que esse grande contingente de profissionais assuma a bandeira da pesquisa como

    algo fundamental de sua prxis pedaggica, considerando as circunstncias nas quais

    so formados? Diante dessa questo, considerando a crtica mercantilizao do

    ensino, a pesquisa deve levar em conta as perspectivas elencadas a seguir.

    a) Pesquisa como promoo da conscincia crtica: Paulo Freire (1979, p. 41),

    ao apresentar as caratersticas da conscincia crtica aquela que est ligada

    tomada de conscincia da realidade, engendrando, assim, a capacidade de sua

    transformao , ressalta o fato de que ela no se satisfaz com as aparncias e que

    tem anseio pela profundidade na anlise de problemas. A conscincia crtica busca

    substituir situaes ou explicaes mgicas por princpios autnticos de casualidade

    e, ao se deparar com um fato, faz o possvel para se livrar de preconceitos, estando

    sempre disposta a verificar, testar ou revisar suas descobertas. Se, como quis Freire,

    a conscincia crtica tem como caractersticas a indagao e a investigao, conclui-se

    que a pesquisa acadmica um campo frtil para o seu desenvolvimento. Como,

    portanto, fazer do ensino, pesquisa?

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    b) Pesquisa para a produo de novos conhecimentos: para Luna (2000, p.

    15), a pesquisa visa produo de conhecimento novo, relevante terica e

    socialmente e fidedigno. No que diz respeito s pesquisas em educao, por

    exemplo, o compromisso do pesquisador est na transformao da realidade

    pesquisada, seja pela interveno direta, seja pela explicitao das implicaes sociais

    do conhecimento produzido. A produo de conhecimentos, pela articulao das

    informaes, permite a transformao do mundo.

    c) Pesquisa como melhoria da qualidade profissional: sabe-se que o discente

    que participa da produo do conhecimento por meio da pesquisa cientfica

    enriquece sua formao acadmica, no apenas pelos conhecimentos adquiridos,

    mas, sobretudo, pelo exerccio da metodologia de investigao cientfica. Nunca

    demais lembrar que a iniciao cientfica por meio da pesquisa amplia a viso de

    mundo e refora a expertise profissional do estudante.

    d) Pesquisa como forma de evitar o desperdcio da experincia:

    fundamental pensar o papel da pesquisa como sistematizao da partilha das

    experincias de formao, dando visibilidade a elas, gerando ganhos em escala na

    medida em que so conhecidas e discutidas por outros docentes, com base em uma

    reflexo ao mesmo tempo crtica e criativa sobre a realidade escolar. Como nos alerta

    Boaventura Souza Santos (2001), devemos urgentemente retomar a questo do

    desperdcio da experincia.

    e) Pesquisa como possibilidade de emancipao do sujeito: nas instituies

    de ensino, no se faz mais necessrio algum com mera capacidade de reteno de

    dados, mas, sim, de operacionalizao desses dados. De acordo com Severino (2003,

    p. 74), No se trata apenas de sua habilitao tcnica, da aquisio e do domnio de

    um conjunto de informaes e de habilidades didticas. Impe-se ter em mente a

    formao no sentido de uma autntica Bildung, ou seja, de formao humana em sua

    integralidade.

    f) Imprescindibilidade da pesquisa: qualquer pessoa precisa, no mnimo,

    manter-se atualizada em termos de conhecimentos de ordem geral sobre o mundo e,

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    de forma especfica, sobre sua rea de trabalho, pois os conceitos esto sempre em

    movimento alguns so novos, e todos esto num processo dialtico de

    reconstruo.

    g) Pesquisa como mtodo: uma das grandes contribuies de Pedro Demo

    est na concepo de educar pela pesquisa. Assumimos, portanto, os quatro

    pressupostos propostos pelo autor para pensar a pesquisa:

    - A convico de que a educao pela pesquisa a especificidade mais prpria da educao escolar e acadmica. - o reconhecimento de que o questionamento reconstrutivo com qualidade formal e poltica o cerne do processo de pesquisa. - a necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana do professor e do aluno. - a definio de educao como processo de formao da competncia histrica humana (DEMO, 2003, p. 5).

    Considerando as reflexes at aqui desenvolvidas, torna-se necessrio

    abordar um tema importante e, ao mesmo tempo, delicado, que a prtica da

    pesquisa e como ela se d nas instituies particulares, responsveis pela formao

    de um contingente muito grande de profissionais, como vimos nos nmeros

    anteriormente apontados. Cabe, portanto, indagar se a pesquisa acadmica est

    ocupando seu papel na formao dos futuros cidados e profissionais. Urge, assim,

    uma cuidadosa anlise desse cenrio, e, nesse sentido, pergunta-se: Quais so as

    polticas institucionais de incentivo pesquisa? Como ela desenvolvida nas

    Instituies de Ensino Superior (IES) particulares?

    2. CONTEXTOS INSTITUCIONAIS PARA PESQUISA

    Apesar dos inmeros ganhos que a pesquisa acadmica reconhecidamente

    oferece, a produo acadmico-cientfica obrigatria das IES particulares, com raras e

    louvveis excees, apresenta um percentual pouco significativo. Segundo Gomes,

    Gonalves e Menin (2007) as instituies particulares preocupam-se quase

    exclusivamente com o quesito ensino, cumprindo servios de extenso universitria

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    na exata medida de sua obrigatoriedade [manuteno do status de universidade, por

    exemplo] ou na possibilidade de ganhos de marketing com sua divulgao.

    De acordo com Severino (2007, p. 29), a implantao das escolas superiores

    no Brasil deu-se de forma totalmente desequipada no que tange s condies

    necessrias ao desenvolvimento de uma prtica de pesquisa. Para esse autor, a maior

    preocupao de grande parte das instituies de ensino brasileiras est na

    profissionalizao do discente, por meio do repasse de informaes, de tcnicas e

    habilidades pr-montadas. Trata-se de um modelo que se limita a repassar

    informaes fragmentadas e a conferir uma certificao burocrtica e legal de uma

    determinada habilitao [profissional].

    Tal situao exige uma srie de reflexes e questionamentos. Uma primeira

    questo a ser levantada : qual a representao da pesquisa nas instituies de

    ensino? Em muitas IES particulares, percebe-se, por parte de seus gestores, uma

    idealizao no trato da realidade escolar: espera-se que o aluno seja um aluno ideal,

    motivado e interessado pela produo do conhecimento. No que concerne ao

    conceito de professor, espera-se dele uma postura abnegada, desconsiderando a

    pesquisa como parte do trabalho docente. A pesquisa, portanto, no vista como

    parte importante do trabalho docente, que, como trabalho, deve ser remunerado

    dignamente.

    Considerando as ponderaes anteriores, a problematizao da pesquisa no

    ensino superior ser abordada utilizando como recorte metodolgico, para efeito das

    reflexes aqui apresentadas, as perspectivas do professor e do aluno, no sentido de

    buscar alternativas s lacunas do processo.

    Uma primeira questo que deve ser levantada : Por que e como nos

    tornamos professores? Se viver a experincia de docncia significa a insero no

    universo da pesquisa com vistas a ampliar o arcabouo de conhecimentos, como se

    d a relao entre professor e pesquisa?

    A pesquisa cientfica acadmica exige, muitas vezes, investimentos massivos e

    contnuos em infraestrutura laboratorial e em recursos humanos qualificados.

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    Quanto infraestrutura, em muitas Instituies de Ensino Superior privadas no

    existem bibliotecas com material suficiente e adequado para atender s demandas

    dos cursos de graduao e, ainda mais, da pesquisa cientfica.

    As pesquisas so reconhecidamente caras e, muitas vezes, comprometem a

    explorao da educao superior como importante nicho de mercado. Raras so as

    faculdades e at mesmo os centros universitrios e as universidades que se

    empenham em contratar professores mestres e doutores alm da cota necessria

    para cumprir as exigncias legais. Uma vez contratados, esses profissionais so

    alocados para funes de ensino em sala de aula e nunca, ou raramente, em

    atividades relacionadas com a pesquisa acadmica de boa qualidade.

    Para o especialista em educao Claudio de Moura Castro (s./d.), um dos

    grandes problemas para a pesquisa nas instituies privadas sua viabilidade

    econmica, pois os poucos financiamentos pblicos disponveis para ela esto

    restritos aos mestrados e doutorados, cuja operao nas IES privadas j

    problemtico. Para financiar a pesquisa, essas IES teriam de repassar os custos para

    os alunos, o que no uma alternativa factvel na atualidade. Alm do mais, teriam de

    ampliar o nmero de professores em regime de dedicao exclusiva e com menos

    atividades em sala de aula. Maria Beatriz de Carvalho Mello, citada por Moura Castro,

    afirma que, para cumprir tais objetivos, a IES necessitaria ter 1/3 dos seus professores

    em regime de dedicao exclusiva, com, no mximo, 15 horas em sala de aula, uma

    realidade invivel para a maioria delas.

    Se as instituies particulares de ensino promovem grupos de estudos ou

    programas de iniciao cientfica, normalmente o nmero de horas associadas a

    essas atividades so poucas, em funo do trabalho demandado, e no atingem a

    totalidade dos professores. Vale lembrar que existe uma lgica de responsabilizao

    do professor pelo fracasso escolar e que, apesar de as instituies no pagarem por

    horas de pesquisa, avaliam seus profissionais de educao pelas suas publicaes.

    Questionamos, aqui, se o professor deve sacrificar feriados, fins de semana e outras

    atividades para se dedicar pesquisa.

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    Moura Castro menciona, ainda, a possibilidade de venda das pesquisas para

    empresas. Isso no to simples, pois, segundo ele, mesmo nos Estados Unidos, no

    mais do que 5% da receita das universidades vm de contratos de pesquisa com

    empresas. A experincia das nossas instituies privadas mais dedicadas pesquisa

    mostra que elas so capazes de conseguir pequenos contratos de prestao de

    servios e pesquisa aplicada, mas os montantes econmicos recebidos no custeiam

    o processo. Os contratos mais vantajosos acabam indo para as instituies pblicas,

    por conta de seu enorme investimento prvio em pessoal e laboratrios.

    Em linhas gerais, portanto, existe uma descaracterizao do papel do

    professor. Ele no tratado com status de docente, negando-lhe sua condio de

    construtor do conhecimento, mas tomado como mero replicador de conceitos,

    nem sempre conexos com a realidade. Ou seja, o professor reduzido condio de

    mero executor de tarefas, num roteiro preestabelecido e engessado. A

    consolidao dessa perspectiva usada como justificativa para pagamento de

    salrios risveis e condies de trabalho que so, no mnimo, precrias. A questo da

    pesquisa deixa de ser responsabilidade do empregador e passa ser uma cobrana ao

    professor, como uma obrigao a ser feita fora das horas em sala. A cobrana na

    perspectiva do publish or perish usurpa do professor seu direito ao lazer, ao

    descanso. O conceito de pagamento de hora atividade, por exemplo, mascara essa

    ausncia, pois, alm da pesquisa, necessrio que professor corrija provas e

    trabalhos e cuide das burocracias pertinentes sua prtica, alm de responder a e-

    mails e de outras atividades que fazem parte da ao docente, mas que no so

    contabilizadas como horas de trabalho.

    Na perspectiva do perfil do estudante do ensino superior nas instituies

    particulares de ensino, algumas questes devem ser pontuadas. Nunca demais

    lembrar que, em muitos casos, o aluno que procura as IES particulares quase sempre

    um cidado que trabalha durante todo o dia e precisa do curso superior por alguma

    razo objetiva (melhorar o salrio) e no tem interesse, energia ou motivao prpria

    para se engajar na pesquisa acadmica. Quase sempre esse aluno traz profundas

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    deficincias na sua formao bsica de gramtica e fundamentos de matemtica,

    at os conhecimentos gerais e seus professores, quase todos horistas, so forados

    a nivelar por baixo a profundidade de suas aulas. Existe uma compreenso

    equivocada da construo do conhecimento. Em vez de ter como meta e princpio a

    ideia de pesquisa, de construo do conhecimento, espera-se que o conhecimento

    seja dado, e no construdo por intermdio do professor, pelo aluno, que agente

    central do processo.

    sabido que, na tradio cultural brasileira, a universidade considerada

    como um lugar de ensino, de transmisso de contedos, e no como o local de

    excelncia para a produo do conhecimento. Trata-se de uma viso distorcida e que

    est presente, muitas vezes, na prpria concepo que o aluno tem da atividade

    docente. Aquele professor que no traz respostas prontas, que instiga o aluno a

    pesquisar e se coloca na condio de facilitador ou mediador no processo de

    investigao, ainda visto como enrolador por grande parte de seus alunos. O

    bom professor o professor show, que d timas aulas expositivas, que prepara

    apostilas e treina o aluno para fazer provas.

    Uma dos elementos que corroboram as afirmaes por ns feitas a prpria

    exigncia de realizao dos Trabalhos de Concluso de Curso (TCC), considerados

    uma tarefa difcil, desnecessria e enfadonha por um grupo significativo de alunos.

    Poucos reconhecem no TCC uma oportunidade para praticar a pesquisa e iniciar-se ou

    aprofundar-se na vida cientfica propriamente dita.

    CONSIDERAES FINAIS

    A construo de uma sociedade democrtica e solidria exige processos de

    integrao cada vez mais amplos e diversificados, sugerindo a emancipao e a

    promoo da humanidade no homem. No que concerne s instituies de ensino,

    isso significa a criao de melhores condies para que o aluno mobilize e realize sua

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    liberdade para apreender, construindo uma conscincia cidad de forma progressiva

    e sistemtica, num processo de autonomizao do sujeito, rompendo com

    homogeneizaes ideolgicas, psicolgicas ou de qualquer outra ordem. No basta

    ter ou fazer experincias: fundamental pensar sobre tais experincias, construindo

    um sentido para si e para o mundo.

    Ao longo das reflexes sistematizadas neste texto, pontuamos que uma

    instituio de ensino tem um papel social do qual se exige qualidade. Essa qualidade

    no se mede pela satisfao dos pais ou dos alunos e no se trata de querer

    alcan-la a qualquer preo, visto que a educao no um produto, como nos

    ensina Meirieu (2005), quando afirma que a justia, na sociedade, no se mede pela

    satisfao do juiz ou do ru.

    Pensar a funo social de uma instituio de ensino significa pensar,

    necessariamente, nas dinmicas de pesquisa: a reflexo sobre problemas diversos

    abre o campo para novas possibilidades de compreenso e interpretao do mundo.

    Esse movimento no se resume ou se encerra no curto perodo de algumas horas-

    aula. Significa, acima de tudo, um envolvimento com a pesquisa, a materializao de

    um interesse social mais amplo, voltado para a reflexo. A escola no pode se limitar

    a uma imposio neoliberal mercantilista cujo foco seja a mera preparao para o

    trabalho, ainda que esse seja um dos seus objetivos. Num mundo marcado pelo

    avano e pela ampliao dos acessos tecnolgicos, mais importante do que fazer

    compreender e interagir.

    O espao do ensino superior o espao do ensaio, do risco de se construir

    como sujeito autnomo. O erro parte do processo. Pesquisar no a obrigao de

    resultados absolutos, mas a possibilidade de encontr-los. Se uma pesquisa no

    apresenta resultados, isso no deve ser computado como mero erro, mas, sim, como

    a eliminao de uma possibilidade errada para atingir o acerto.

    Para envolver os alunos numa atividade de pesquisa, como meta institucional,

    preciso que o professor seja pesquisador que tenha tempo e queira s-lo. Mas

    como faz-lo, se o contexto no nem um pouco favorvel? Sobre essa questo,

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    Sergio Vilas Boas (2004, p. 74) chama a ateno para essa dificuldade, quando a

    realidade apresenta um professor horista e obrigado a trabalhar em mais de uma

    instituio de ensino e com alunos que tm apenas poucas horas tarde ou noite

    para seus estudos, sem bibliotecas e equipamentos necessrios para a pesquisa.

    Como superar essa contradio?

    Tal contradio se supera pela percepo de que uma instituio de ensino

    no algo pronto, dado. Tem de ser continuamente reconstruda. Uma instituio

    escolar no um prdio com uma placa bonita e uma burocracia administrativa,

    ainda que altamente qualificada. , acima de tudo, o conjunto de seus princpios

    norteadores e da forma como eles se materializam como trabalho.

    Um dos grandes desafios para a construo de uma condio adequada para a

    pesquisa no ensino superior romper com uma lgica mercantilista, que limita os

    professores a meros reprodutores do conhecimento, agregando sua prtica

    profissional o tempo da pesquisa, ou seja, ampliando significativamente as horas de

    pesquisa a eles concedidas nas diversas instituies de ensino. Se a pesquisa se

    constituir numa poltica educacional expansiva a todos os professores das

    instituies de ensino, aumenta-se, certamente, a qualidade dos trabalhos

    acadmicos realizados pelos alunos e, alm disso, funda-se a possibilidade de a

    instituio de ensino superior efetivar seu papel social: construir conhecimento pela

    pesquisa.

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