Pesquisa Danca Crista

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    1/43

     

    MISSIONÁRIOS 

    DANÇA CRISTÃ: UMA REFLEXÃO RELATÓRIO DE PESQUISA 

    ANA CECÍLIA ROCHA VEIGA 

    2014 

    DO COTIDIANO 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    2/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 2

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    SOBRE A AUTORA

    Ana  Cecília  Nascimento  Rocha  Veiga  nasceu  num  lar  cristão,  onde  aprendeu  a  amar  as Escrituras. Casada com o médico Alberto Nogueira Veiga, com quem compartilha a alegria de ser mãe do pequeno Mateus. É professora da Universidade Federal de Minas Gerais e assessora auxiliar  na  Aliança  Bíblica  Universitária  de  BH.  Membro  da  Igreja  Metodista  Congregacional onde,  juntamente com seu esposo, leciona no Curso de Noivos. 

    SOBRE A LIVRE REPRODUÇÃO E DIREITOS AUTORAIS

    Optamos  pela  publicação  virtual  uma  vez  que  a  Internet  se  apresenta  como  um  veículo democrático,  acessível  e  gratuito  aos  leitores.  Assim,  a  série  de  estudos  bíblicos  e  demais publicações  do  site  "Missionários do  Cotidiano"  pode  ser  reproduzida  livremente,  desde  que sejam  citadas  as  fontes,  mantidos  os  textos  em  sua  integridade  –  sem  alterações  –  e  sem obtenção  de  vantagem  comercial  sobre  as  cópias.  O  conteúdo  desta  pesquisa,  bem  como futuras  outras  publicações,  pode  ser  obtido  por  download   gratuito  no  endereço www.missionariosdocotidiano.org 

    AGRADECIMENTOS

    A Deus,

     acima

     de

     tudo,

     pela

     sua

     Palavra

     inspiradora,

     pela

     fé,

     pela

     salvação.

     Ao

     meu

     esposo

     e aos meus pais, pela  leitura atenta e pelas preciosas sugestões. A todos os colaboradores que 

    contribuíram para esta pesquisa, citados ao longo do texto ou anônimos, que Deus os abençoe ricamente. 

    Primeira publicação Julho/2014. 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    3/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 3

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    SUMÁRIO

    1  – Apresentação.04 2  – Etapas e Ferramentas da Pesquisa.04 3  – Aporte Bíblico: a dança nas Escrituras.06 4  – Aporte histórico‐cultural da dança cristã.23 5  – Aporte espiritual da dança cristã.33 6  – Referências.37 

    7  –

     Anexos.40

     

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    4/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 4

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    DANÇA CRISTÃ UMA REFLEXÃO

    1  – APRESENTAÇÃO 

    Esta pesquisa  iniciou‐se em 2011, com o objetivo de embasar a elaboração de conteúdo para um evento de capacitação da liderança da ABU  – Aliança Bíblica Universitária1, da qual fazemos parte como assessora auxiliar2 de Belo Horizonte. O encontro se  intitularia TIS3 Tabus  – Dança Cristã, dentro da proposta de discutirmos, em uma série de TIS, assuntos polêmicos diversos e 

    pertinentes 

    à 

    vida 

    cristã 

    à 

    compreensão 

    da 

    igreja 

    contemporânea. 

    Entretanto, 

    à 

    medida 

    que 

    nos  preparávamos,  percebemos  o  quão  complexo  era  o  tema,  bem  como  o  quanto desconhecíamos  este  universo,  visto  que  a  dança  não  faz  parte  da  nossa  vida  nem  como ministério, nem profissionalmente ou como hobby , apenas como divertimento amador. Após estas  constatações,  propusemos  um  adiamento  do  evento  e  o  desenvolvimento  de  uma pesquisa mais ampla sobre o assunto, que tomou curso por três anos. Neste período o tema foi abordado  por  três  diferentes  perspectivas,  constantes  neste  relatório:  aporte  bíblico,  aporte histórico‐cultural  e  aporte  espiritual.  Apesar  de  ter  se  originado  das  demandas  do nosso ministério na Aliança Bíblica, esta consiste em uma pesquisa  independente, não configurando uma posição oficial da ABUB.  Esperamos, com este trabalho, contribuir para o debate acerca dos dons e ministérios cristãos na igreja contemporânea, para honra e glória do Senhor. 

    2  – ETAPAS E FERRAMENTAS DA PESQUISA 

    a)  Identificação  das  ocorrências  da  palavra  dança  e  suas  derivadas  na  Bíblia:  As  fontes consultadas para identificação das citações sobre “dança” na Bíblia foram: 

    1) Leitura Integral realizada por nós na Bíblia Sagrada, traduzida em português por João Ferreira de Almeida, versão Revista e Atualizada no Brasil, 2ª edição, em letra grande, publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. 

    2) Portal

     Bíblia

     Online,

     busca

     pelas

     palavras

     “dança”,

     “dançar”,

     “dance”

     e “dançou”

     nas

     

    seguintes versões: Almeida Corrigida e Revisada Fiel (ACF), Almeida Revisada  Imprensa Bíblica (AA), Nova Versão Internacional (NVI), Sociedade Bíblica Britânica (TB), Versão Católica (VC). 

    3)  Aplicativo  Bíblia  Sagrada,  versão  4.0.1,  desenvolvido  pela  Net  Filter  e  Maquinário Laboratório  Criativo,  Versão  Neo  Vulgata  (NVg)  da  CNBB,  busca  pelas  palavras  (e  partes  de palavras) “dança”, “dance” e “danço”. 

    4) Portal Bíblia Católica, busca pelas palavras “dança”, “dançar”, “dance” e “dançou” nas seguintes versões: Bíblia da CNBB, Bíblia Sagrada. 

    1

     ABUB

      –

     Aliança

     Bíblica

     Universitária

     do

     Brasil

     www.abub.org.br

     2 Missionária voluntária de apoio à liderança estudantil. 

    3 Treinamento Intensivo de Sábado ‐ TIS 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    5/43

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    6/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 6

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    3  – APORTE BÍBLICO: A DANÇA NAS ESCRITURAS 

    A ocorrência da palavra “dança” e suas derivadas na Bíblia 

    Nesta primeira parte da nossa pesquisa pretendemos nos concentrar no que a Bíblia tem a nos dizer,  textualmente, sobre a dança. Segundo a nossa  leitura  integral, bem como consultando sistemas de busca, concordâncias, dicionários, palavras‐chave e léxicos, concluímos que a Bíblia em  português  possui,  em  nossa  classificação,  26  citações  diretas  sobre  dança  (vide  lista completa  dos  textos  em  anexo).  Incluímos  nesta  pesquisa  somente  os  livros  constantes  na Bíblia  protestante,  mas  em  termos  de  versões,  foram  analisadas  traduções  evangélicas, 

    católicas,  judaicas

     e línguas

     originais.

     Cada

     ocorrência

     do

     termo

     identificada

     foi

     investigada

     em

     diferentes versões,  bem como  em  sua palavra original,  para  posteriormente  decidirmos  se a mesma deveria ser incluída em nossa estatística ou não. Por exemplo, em Joel 2:21, lemos: 

      Versão  Almeida  Corrigida  e  Revisada  Fiel  (ACF):  “ Não  temas,  ó  terra:  regozija‐te  e alegra‐te ,  porque o Senhor   fez grandes coisas.”  

      Bíblia do Peregrino: “Não temas, solo; alegra‐te,  faz  festa ,  porque o Senhor   fez  proezas;”  

      Neo  Vulgata  (NVg):  “Terra,  nada  de medo,  dança  e  canta ,  pois  o  Senhor   fez  coisas grandiosas.”  

    Em termos

     de

     significado,

     nas

     três

     versões

     supracitadas,

     o uso

     de

     diferentes

     palavras

     não

     alterou  o  sentido  original  da  mensagem  expressa  no  texto.  Em  termos  de  citação  literal, concordam com a linha de tradução da ACF, que não inclui a palavra “dança” em Joel 2:21, as seguintes  versões:  Almeida  Revisada  Imprensa  Bíblica  (AA),  Nova  Versão  Internacional  (NVI), Sociedade  Bíblica  Britânica  (TB),  Versão  Católica  (VC),  King  James  (KJV),  Almeida  Revista  e Corrigida  (Bíblia  de  Estudos  Palavra‐Chave  –  CPAD),  Almeida  Revista  e  Atualizada  (Bíblia  de Estudo  Vida),  Bíblia  Judaica  Completa  (Vida),  Bíblia  Hebraica  (Sêfer),  Bíblia  de  Jerusalém (Paulus), Nova Bíblia Viva (MC), Bíblia em Linguagem Contemporânea (Vida), Nova Tradução na Linguagem de Hoje (SBB), Tradução Brasileira (SBB). Na versão em linguagem original, a palavra hebraica em questão gîlî 4,  tem sua  raiz em “gil”,  tendo sido  traduzida em  inglês pela NASB  – 

    New 

     American 

    Standard  

    Bible 

     – 

    em 

    40 

    ocorrências 

    (de 

    45 

    constantes 

    na 

    Bíblia) 

    como 

    variações 

    de “regozijar‐se”. A única versão em português que utiliza explicitamente a palavra “dança” no referido texto é a versão Neo Vulgata (NVg). Por esta razão, o texto de Joel 2:21 não entrou em nossas estatísticas de citação direta da palavra “dança” e  suas derivadas, assim como outros oito textos (vide lista completa em anexo). 

    Os  26  textos  classificados como citação direta  sobre dança  foram, por  nós,  categorizados de acordo  com  o  sentido  e/ou  assunto  que  a  palavra  possui  no  contexto  em  que  se  encontra, sendo estas as divisões: Alegria (10 textos), Comemorações de Vitórias (5 textos), Danças Pagãs (4 textos), Dança de Davi (3 textos), Louvor (2 textos), Rapto das Filhas de Siló (1 texto), Dança 

    4 http://biblehub.com/hebrew/gili_1523.htm 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    7/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 7

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    de  Maanaim  (1  texto).  Vamos,  então,  analisar  cada  categoria  individualmente,  seguindo  a ordem supracitada que leva em consideração o número de citações em cada classificação. 

    Fonte: da autora, 2014. 

    A dança como sinônimo de alegria 

    Se tem algo que nos parece claro em nossa pesquisa é o quanto a sociedade do período bíblico incorporava  a  dança  em  suas  atividades  festivas,  bem  como  o  quanto  a  associava  aos momentos  de  alegria,  conclusão  esta  reforçada  pelo  fato  de  que  grande  parte  dos  textos identificados  abordam  a  dança  como  sinônimo  e/ou  em  contextos  de  alegria.  Em  Jeremias lemos como as mulheres, mas também os  jovens e velhos, tomariam parte na dança: “ Então as moças dançarão de alegria, como também os  jovens e os velhos. Transformarei  o lamento deles em  júbilo; Eu lhes darei  consolo e alegria em vez de tristeza.”  Jeremias 31:13 (NVI) 

    Afirmações sobre alegria e dança podem ser encontradas no capítulo 31 de Jeremias e também 

    nos 

    Salmos 

    30:11 

    87:7. 

    Até 

    para 

    descrever 

    alegria 

    dos 

    perversos 

    dança 

    é 

    uma 

    figura 

    de 

    linguagem  bíblica  (Jó  21:11).  São  frequentes,  inclusive,  textos  que  contrapõem  a lamentação/tristeza  à  dança,  como  em  Eclesiastes  (vide  também  Lamentações  5:15,  Mateus 11:17,  Lucas  7:32):  “Tudo  tem o  seu  tempo determinado,  e há  tempo  para  todo o  propósito debaixo do céu. (...) Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de  prantear, e tempo de dançar;”  Eclesiastes 3:1,4 (ACF) 

    Na  Parábola  do  Filho  Pródigo  (Lucas  15:11‐31),  Jesus  narra  o  retorno  deste  ao  lar,  que  foi celebrado  com  músicas  e  danças  (Lucas  15:25).  Não  há,  portanto,  em  nossa  interpretação, nenhuma  crítica  ou  desabono  à  dança  per   si ,  nem  no  Velho,  nem  no  Novo  Testamento.  Ao contrário, a alegria do pai ao receber o seu filho, nesta parábola uma alegoria do  júbilo de Deus em  receber  de  volta  o  pecador,  foi  expressa  com  festas  e  danças,  dentro  de  um  contexto 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    8/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 8

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    positivo. E são palavras atribuídas por Lucas ao próprio Cristo. Portanto, parece‐nos respondida a questão se um cristão pode, de acordo com a Bíblia, dançar em contextos de alegria. Na Bíblia 

    a dança

     é apresentada

     como

     algo

     inerente

     às

     manifestações

     humanas,

     como

     nos

     confirmam

     as

     constatações antropológicas nas mais diferentes épocas e culturas. 

    A dança e as comemorações de vitórias 

    Pelas  narrativas  bíblicas  e,  ainda  dentro  do  contexto  de  festejos  e  contentamentos anteriormente elucidado, o povo de Israel comemorava suas vitórias com músicas e danças. A narrativa mais famosa de um destes eventos toma curso em Êxodo, quando o exército egípcio perseguia  os  recém‐libertos  escravos  hebreus,  tendo  o  faraó  arrependido  de  tê‐los  deixados 

    livres do

     cativeiro:

     “Quando

     os

     cavalos,

     os

     carros

     de

     guerra

     e os

     cavaleiros

     do

      faraó

     entraram

     no  mar,  o  Senhor    fez  que  as  águas  do  mar   se  voltassem  sobre  eles,  mas  os  israelitas atravessaram o mar   pisando em terra seca. Então Miriã, a  profetisa,  irmã de  Arão,  pegou um tamborim  e  todas  as  mulheres  a  seguiram,  tocando  tamborins  e  dançando.  E   Miriã  lhes respondia, cantando: ‘Cantem ao Senhor,  pois triunfou gloriosamente. Lançou ao mar  o cavalo e o seu cavaleiro’.”  Êxodo 15:19‐21 (NVI) 

    Outra dança comemorativa teve consequências infelizes... Jefté prometeu ao Senhor que daria em sacrifício aquilo que, retornando ele para casa vitorioso, viesse primeiro ao seu encontro. A promessa, baseada em sacrifícios absurdos, recaiu sobre a pessoa que  lhe era mais cara, sua 

    única 

    filha. 

    história 

    é 

    narrada 

    em 

    Juízes: 

    “Vindo, 

     pois, 

     Jefté 

    Mizpá, 

    à 

    sua 

    casa, 

    eis 

    que 

    sua 

     filha lhe saiu ao encontro com adufes e com danças; e era ela a única  filha; não tinha ele outro  filho nem  filha. E  aconteceu que, quando a viu, rasgou as suas vestes, e disse:  Ah!  filha minha, muito me abateste, e estás entre os que me turbam! Porque eu abri  a minha boca ao Senhor, e não tornarei  atrás. E  ela lhe disse: Meu  pai, tu deste a  palavra ao Senhor,  faze de mim conforme o que  prometeste; (...). Disse mais a seu  pai: Concede‐me isto: Deixa‐me  por  dois meses que vá, e desça  pelos montes, e chore a minha virgindade, eu e as minhas companheiras. E  disse ele: Vai.  E   deixou‐a  ir   por   dois meses;  então  foi   ela  com  as  suas  companheiras,  e  chorou  a  sua virgindade  pelos montes. E  sucedeu que, ao  fim de dois meses, tornou ela  para seu  pai, o qual  cumpriu nela o seu voto que tinha  feito; e ela não conheceu homem; e daí  veio o costume de Israel, Que as  filhas de Israel   iam de ano em ano  lamentar,  por  quatro dias, a  filha de  Jefté, o gileadita.”  Juízes 11:31‐40 

    Sobre este voto, lemos o seguinte comentário: “Se o Espírito do Senhor  veio sobre  Jefté, como  pôde  fazer  um voto tão estúpido?  Não há relação entre o  poder  dado a  Jefté  pelo Espírito e o voto que  fez. Contar  com o Espírito Santo  para uma  tarefa especial  não garante ausência de defeitos em outras áreas da vida. O voto de  Jefté era uma  tentativa de  fazer  um acordo com Deus em vez de confiar  nEle. (...) Todo esse episódio ressalta que mesmo os que Deus usou como líderes nem sempre seguem seus caminhos. Em vez de confiar  em Deus,  Jefté tentou barganhar  a  bênção  divina. O  que  conseguiu,  em  vez  disso,  foi   tristeza.”   (Bíblia  de  Estudo  Vida,  1998, p.389) 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    9/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 9

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    No  primeiro  livro  de  Samuel,  as  danças  comemorativas  trouxeram  problemas  a  Davi, especialmente por conta dos coros provocativos entoados pelas mulheres em suas danças de 

    vitória: “Sucedeu,

      porém,

     que,

     vindo

     eles,

     quando

     Davi 

     voltava

     de

      ferir 

     os

      filisteus,

     as

     mulheres

     de todas as cidades de Israel  saíram ao encontro do rei  Saul, cantando e dançando, com adufes, com alegria, e com instrumentos de música. E  as mulheres dançando e cantando se respondiam umas às outras, dizendo: Saul   feriu os seus milhares,  porém, Davi  os seus dez milhares. Então Saul   se  indignou muito,  e  aquela  palavra  pareceu mal   aos  seus  olhos,  e  disse: Dez milhares deram a Davi, e a mim somente milhares; na verdade, que lhe  falta, senão só o reino?  E, desde aquele dia em diante, Saul  tinha Davi  em suspeita.”  1 Samuel 18:6‐9 (ACF) O próprio Saul, neste mesmo capítulo, atentou contra a vida de Davi. 

    Em I Samuel 21:11, Davi  já fugitivo quase foi morto, uma vez que “(...) os criados de  Aquis  lhe 

    disseram: Não

     é este

     Davi,

     o rei 

     da

     terra? 

     Não

     se

     cantava

     deste

     nas

     danças,

     dizendo:

     Saul 

      feriu

     os  seus milhares,  porém Davi  os  seus dez milhares?”   Os  príncipes  dos  filisteus,  em  I  Samuel 29:5,  também  se  levantaram contra Davi,  citando os  mesmos  motes  cantados nas danças. O que  chama  bastante  atenção  nestes  casos  é  o  ato  provocativo  das  mulheres.  Não  somente agiam com  frieza,  tripudiando das vidas perdidas em guerras, mas como  também colocavam uns  contra  os  outros  de  seu  próprio  povo,  instigando  a  competição  e,  para  usarmos  termos bastante atuais,  realizando um verdadeiro bullying. Tais eventos nos  levam a  refletir  sobre a nossa postura ao lermos a Bíblia. Em diversos momentos o texto das Escrituras não faz  juízo de valores, apenas  narra  as  histórias  de  sua  época, cabendo  a nós avaliarmos, à  luz  do  Espírito Santo e da ética cristã, aquilo que é correto ou não, fazendo diferenciação entre o que está ali 

    para 

    nos 

    alertar 

    sobre 

    ações 

    equivocadas 

    daquilo 

    que 

    nos 

    transmite 

    um 

    comportamento 

    ser 

    seguido. 

    Danças Pagãs 

    A Bíblia também cita a dança em contextos pagãos. Em I Reis 18:26 a narrativa nos conta que os profetas  de  Baal  dançavam  ao  redor  do  altar  que  construíram  ao  seu  deus,  clamando inutilmente  para  que  mandasse  fogo  do  céu.  Na  versão  Almeida  Revista  e  Atualizada,  as expressões utilizadas  foram: “manquejando, movimentavam‐se ao  redor  do altar  que  tinham  feito.”  Os rituais incluíam, além da dança, a oferta de manjares, profecias e até mesmo o ferir‐se a si mesmos com facas e lancetas. Sabemos, por pesquisas de historiadores e antropólogos, que a dança faz parte dos rituais de inúmeras religiões ao redor do mundo, desde a antiguidade até os dias de hoje. 

    Outro evento bem conhecido encontra‐se em Mateus 14:06 e Marcos 6:22, quando a filha de Herodias dançou para Herodes em um banquete, levando o rei a prometer‐lhe o que desejasse, até mesmo metade de seu  reino.  Instigada por sua mãe, a dançarina pede a cabeça de  João Batista  em  um  prato.  Há  praticamente  um  consenso  entre  os  estudiosos  quanto  ao  caráter sensual  da  dança  (vide  Comentário  Bíblico  NVI  p.986,  A  Bíblia  Vida  Nova  p.  52),  causando grande  satisfação  ao  rei  e  em  seus  convivas,  bem  como  resultando  em  inconsequente 

    promessa de

     gratidão.

     

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    10/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 10

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    Entretanto, chama a atenção uma dança pagã em especial, por ter sido realizada pelo próprio povo de  Deus em  festa a um  ídolo. Descendo  Moisés  do  monte com  as  tábuas da  lei, ouviu 

    aquilo que

     não

     era

     alarido

     dos

     vencedores

     e nem

     dos

     vencidos,

     mas

     alarido

     dos

     que

     cantam

     e dançam  em  homenagem  a  um  bezerro  de  ouro  esculpido  por  Arão.  A  festa  envolveu 

    holocaustos,  ofertas  pacíficas,  comida  e  bebida,  além  de  divertimentos  que,  em  I  Coríntios 10:6‐8,  são  descritos  como  práticas  de  imoralidades.  Chama  a  atenção,  ainda,  o  sincretismo proposto por Arão: “E  ele [Arão] os tomou das suas mãos, e trabalhou o ouro com um buril, e  fez dele um bezerro de  fundição. Então disseram: Este é teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito. E   Arão, vendo  isto, edificou um altar  diante dele; e apregoou  Arão, e disse:  Amanhã será  festa ao Senhor. (...) E  aconteceu que, chegando Moisés ao arraial, e vendo o bezerro e as danças, acendeu‐se‐lhe o  furor, e arremessou as tábuas das suas mãos, e quebrou‐as ao  pé do monte;”  Êxodo 32:4‐5, 19 (ACF) 

    Em hebraico, a palavra “Senhor” no trecho acima é o tetragrama YHVH5, que se refere ao nome de Deus (Jeová em português). Por tradição, para que o mesmo não seja tomado em vão, todas as vezes que o  judeu se depara com este tetragrama o lê mentalmente ou o traduz por Adonai (Senhor). Portanto, a palavra em questão no original não deixa dúvidas de que Arão estava, ao mesmo  tempo, edificando um altar a um  ídolo e propondo uma  festa ao Deus de  Israel. No versículo  19,  a  palavra  utilizada  para  dança  tem  sua  origem  em  machol6,  que  significa literalmente  “dança”,  “dançar”.  O  mesmo  termo  pode  ser  encontrado  em  outras  diversas ocorrências,  inclusive  em  Êxodo  15:20,  referindo‐se  à  dança  comemorativa  de  Miriã.  Esta constatação nos alerta de que nem sempre as danças dos hebreus eram únicas e exclusivas, 

    criadas 

    para 

    momentos 

    de 

    alegria 

    celebração 

    do 

    povo 

    de 

    Deus 

    que, 

    portanto, 

    não 

    poderiam 

    ser consideradas necessariamente “especiais”, “santas” e/ou “legítimas”. 

    A dança de Davi 

    “Davi, vestindo o colete sacerdotal  de  linho,  foi  dançando com todas as suas  forças  perante o Senhor, enquanto ele e todos os israelitas levavam a arca do Senhor  ao som de gritos de alegria e de  trombetas.  Aconteceu que, entrando a arca do Senhor  na cidade de Davi, Mical,  filha de Saul, observava de uma  janela. E, ao ver  o rei  Davi  dançando e comemorando  perante o Senhor, ela o desprezou em seu coração. Eles trouxeram a arca do Senhor  e a colocaram na tenda que Davi   lhe  havia  preparado;  e Davi   ofereceu  holocaustos  e  sacrifícios  de  comunhão  perante  o Senhor.  Após oferecer  os holocaustos e os  sacrifícios de  comunhão, ele abençoou o  povo em nome do Senhor  dos Exércitos, e deu um  pão, um bolo de tâmaras e um bolo de uvas  passas a cada homem e a  cada mulher   israelita. Então  todo o  povo  partiu,  cada um  para a  sua  casa. Voltando Davi   para casa  para abençoar  sua  família, Mical,  filha de Saul, saiu ao seu encontro e lhe disse: ‘Como o rei  de Israel  se destacou hoje, tirando o manto na  frente das escravas de seus servos, como um homem vulgar!’  Mas Davi  disse a Mical: ‘Foi   perante o Senhor  que eu dancei,  perante  aquele que me  escolheu  em  lugar   de  seu  pai  ou de  qualquer   outro  da  família  dele, quando  me  designou  soberano  sobre  o   povo  do  Senhor,  sobre  Israel;   perante  o  Senhor  

    5 http://biblehub.com/hebrew/3068.htm 

    6 http://biblehub.com/hebrew/4246.htm 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    11/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 11

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    celebrarei   e me  rebaixarei   ainda mais,  e me  humilharei   aos meus  próprios  olhos. Mas  serei  honrado  por  essas escravas que você mencionou’. E  até o dia de sua morte, Mical,  filha de Saul, 

     jamais teve

      filhos.” 

     2 Samuel

     6:14

    ‐23

     

    Este  texto,  com  certeza,  é  emblemático  no  que  tange  à  questão  da  dança  cristã,  sendo basicamente a grande  justificativa para a sua introdução nas liturgias contemporâneas. Por esta razão,  desejamos  analisá‐lo  sob  vários  aspectos,  começando  pela  cerimônia  como  um  todo. Davi foi a Baalim, em Judá, buscar a arca e trazê‐la para Jerusalém. Puseram a arca sobre uma carroça de bois e foram adiante dela, Davi e todos os israelitas, dançando e cantando. A certa altura  a  carroça  chacoalhou  e  Uzá  morreu  instantaneamente  ao  tocar  a  arca,  num  impulso tomado como irreverência pela ira divina, segundo o texto. Davi, contrariado, ficou com medo de  prosseguir  e  deixou  a  arca  na  casa  de  um  estrangeiro  de  Gate.7  Lá  a  arca  ficou  por  três 

    meses e,

     chegando

     aos

     ouvidos

     de

     Davi

     que

     o geteu

     tinha

     sido

     tremendamente

     abençoado

     com

     sua presença, organizou novamente uma grande festa para ir buscá‐la. Desta vez, obedeceu‐se o ritual de que somente os levitas carregassem a arca. Davi, que não era sacerdote, vestia uma estola  sacerdotal,  que  consiste  em  uma  veste  curta  e  sem  mangas.  Em  I  Crônicas  15:27  há menção de que ele  trajava  também um manto de  linho, mas ao que tudo  indica o  tirou para dançar,  conforme  deduzimos  pelos  comentários  de  sua  esposa.  Davi  foi  saltando  (como algumas versões  traduzem a palavra “dança”) até a chegada da arca na cidade. Havia gritos, música e grande alegria... era uma festa! Colocaram, então, a arca em uma tenda previamente preparada, quando o texto afirma que Davi ofereceu holocaustos e sacrifícios, para em seguida proferir uma benção. Alguns estudiosos acreditam que atribuir a Davi a condução dos sacrifícios 

    consistiu 

    “força 

    de 

    linguagem”, 

    uma 

    vez 

    que 

    tais 

    tarefas 

    eram 

    exclusivas 

    dos 

    sacerdotes 

    e, 

    ainda  mais  depois  do  acontecido  com  Uzá,  dificilmente  o  rei  usurpar‐lhes‐ia  a  função.  (vide Bíblia de Estudos Vida, p.474) Mas trata‐se de uma questão de interpretação. Após a bênção e a distribuição de víveres, o povo e o rei voltaram para suas casas. Foi quando Mical confrontou Davi. 

    O primeiro aspecto que nos chama a atenção neste relato é  justamente o quão conturbado foi levar  a  arca  de  volta  a  Jerusalém.  Quando  as  pessoas  normalmente  citam  este  texto  para defender  a  dança,  não  mencionam  que  todo  o  processo  envolveu  vários  acontecimentos estranhos e até mesmo um caso de morte! Comparemos esta cerimônia, a título de exemplo, com um evento que permite paralelo: quando Salomão conduziu a arca para o templo recém‐construído. O acontecido é narrado em II Crônicas 5 a 7. Enquanto os levitas carregavam a arca e os demais utensílios, sacrifícios aconteciam  incessantemente com a participação de  todo o povo,  até  que  esta  foi  colocada  no  Santo  dos  Santos.  Os  sacerdotes,  não  importando  a  sua função, haviam se consagrado de modo prévio. Ficou bem claro que se tratava de uma situação solene  e  especial.  Os  levitas  músicos,  trajando  linhos  finos,  tocavam  diversos  instrumentos, cento e vinte  trombetas, enquanto o coro, em uníssono,  louvava e agradecia ao Senhor. E a nuvem da Sua presença encheu o templo. Salomão se ajoelhou diante do altar e da assembleia reunida  e,  com  as  mãos  para  o  alto,  orou  algo  que  nos  comove  até  os  dias  de  hoje.  O  rei 

    7 Os

     comentaristas

     da

     Bíblia

     de

     Estudos

     Vida

     acreditam

     que

     fosse

     um

     dos

     geteus

     que

     imigraram

     para

     Israel

     para

     se

     tornar

     

    guarda‐costas  pessoal  de  Davi ou  ainda  que  fosse  levita,  visto  que  os  levitas  podiam  ser  geteus  se  procedessem  da  cidade levítica de Gate‐Rimom. (p.474) 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    12/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 12

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    constatou em sua prece que não há deus como o nosso Deus... nem os céus podem contê‐Lo, muito  menos  um  templo  feito  com mãos  humanas.  Prosseguiu  pedindo,  humildemente,  que 

    quando o povo

     orasse

     O

     Senhor

     ouvisse

     suas

     súplicas,

     que

     quando

     pecassem

     que

     O

     Pai

     misericordioso  os  perdoasse,  que quando  passassem  por  aflições que  Ele contemplasse  seus corações. Quando terminou de orar, desceu  fogo do céu e consumiu as ofertas, e a glória do Senhor  mais  uma  vez  encheu  o  templo,  de  modo  tal  que  os  sacerdotes  sequer  podiam  ali entrar.  Tendo  presenciado  tudo  isto,  os  israelitas  se  ajoelharam,  levando  o  rosto  ao  chão,  e deram  graças  dizendo:  “Ele  é  bom,  o  Seu  amor  dura  para  sempre.”  A  todos  estes acontecimentos  se  seguiram  sete  dias  de  festa,  mas  Salomão  soube  muito  bem  separar  o momento de culto do momento de festejo. Primeiro, a adoração solene ao Pai, depois sete dias de  alegria  (e  provavelmente  música  e  dança,  como  de  costume)  para  comemorar  o  regozijo advindo desta comunhão! 

    Quando  lemos  sobre  a  cerimônia  conduzida  por  Salomão  a  impressão  que  nos  passa  é  de reverência, humildade, ordem, solenidade, êxtase e muita, muita contrição de espírito, tanto da parte do rei, quanto da parte do povo. Não é o que observamos no evento  liderado por Davi. Isto nos leva a refletir como o  líder tem, tantas vezes, o poder de “dar o tom”. Claro, algumas pessoas poderiam argumentar que Davi estava conduzindo a arca somente para uma simples tenda  provisória  e  que  Salomão,  finalmente,  inaugurava  o  grande  templo  e,  portanto,  sua cerimônia teria estas características dadas à dimensão e  importância do que tomava curso. O que esta linha de raciocínio não leva em consideração é que, mais importante do que a tenda, mais  importante  do  que  o  templo,  era  a  presença  do  Senhor.  E  esta,  representada 

    simbolicamente 

    pela 

    arca 

    da 

    aliança, 

    sempre 

    esteve 

    ali, 

    tanto 

    numa 

    quanto 

    noutra 

    ocasião. 

    que faz a ocasião? O que era realmente digno de respeito e adoração: a arquitetura majestosa construída  por  mãos  humanas  ou  o  poder  do  Senhor?  A  arca  da  Aliança  deveria  ser  o  mais importante, não o seu  invólucro.  Isto significa que Mical tinha razão? Davi havia feito tudo de modo equivocado? 

    Para alguns críticos severos de Davi, a resposta seria sim. Não pareceria certo um rei vestir uma estola sacerdotal, muito menos retirar o manto e dançar de modo, como Mical dá a entender, que expusesse demais seu corpo, ato pouco condizente com sua posição e  responsabilidade. Aliás, a crítica principal de Mical referia‐se às vestimentas de Davi reveladas pela dança, não se concentrando  na dança  simplesmente.  As  servas,  de  longa data,  andavam  “por aí”  cantando coros provocativos envolvendo Davi. Agora estas mesmas desfrutavam de ver o rei se expondo, física e emocionalmente, como um “homem vulgar”, ou como “qualquer dos vadios”  (versão ACF), o que culminou no ciúme e no desprezo de Mical. Davi, então,  teria  jogado ainda mais “lenha na fogueira”, provocando a esposa com o fato de que estas mesmas servas, que tanto a irritavam, o honrariam (ainda que ela não o fizesse). Por fim, para alguns Mical não teria tido filhos ao ter sido preterida sexualmente por Davi, que optou por favorecer suas outras esposas e concubinas, e não por causa da “ira divina”. O texto, de fato, não explicita as razões para a ausência de filhos, nem estabelece  juízo de valores sobre quem estava com a razão. Seria este, enfim,  mais  um  caso  de  Davi  agindo  de  modo  impensado?  Ele  mentiu  e  enganou  pessoas durante a sua fuga de Saul, colocou‐se em perigo e acabou fingindo‐se de doido para se salvar, 

    adulterou com

     Bate

    ‐Seba,

     ordenou

     a morte

     do

     esposo

     traído

     Urias

     e,

     ainda

     por

     cima,

     não

     agia

     

    de acordo com seu papel e dançava “seminu” para “alegria” das mulheres. Bom, Davi não era 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    13/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 13

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    perfeito, ele cometeu  inúmeros  erros.  O grande  problema de  reduzi‐lo  a  seus  desacertos de modo tão simplista é terminarmos por sermos injustos. No geral as pessoas costumam ter uma 

    relação de

     “amor

     e ódio”

     com

     Davi,

     uma

     análise

     de

     extremos,

     ora

     somente

     relembrando

     seus

     defeitos,  ora  idolatrando‐o  exageradamente.  Onde  estará,  dentro  de  uma  visão  totalmente negativa,  o  “homem  segundo  o  coração  de  Deus”?  Como  alguém  tão  impulsivo,  insensato  e emocional  poderia  receber  tal  designação?  No  nosso  entendimento, o  que  fazia  de  Davi  um homem  segundo  o  coração  de  Deus  era  a  sua  capacidade  de  quebrantar‐se  diante  de  suas próprias  misérias,  e  não  a  ausência  destas.  Quando  movido  pelo  desejo  de  vingança,  ao  ser interpelado por Abigail, Davi não considerou sua  ira contra Nabal, nem a cultura machista de sua época, mas reconheceu imediatamente naquela mulher uma enviada de Deus para impedir que ele se vingasse. (I Samuel 25) Quando Natã o expõe no caso do assassinato de Urias e do seu adultério, dizendo que ele era o homem pérfido da história, Davi  imediatamente admite 

    caindo em

     si:

     “Pequei

     contra

     O

     Senhor!”.

     Quando

     seu

     filho

     com

     Bate

    ‐Seba

     está

     à beira

     da

     morte, pranteia e ora sem cessar, mas quando este parte, lava o rosto e aceita com resignação os desígnios da vida. (2 Samuel 12) O que fazia de Davi um homem segundo o coração de Deus era  a  capacidade  admirável  de  reconhecer  os  Seus  caminhos,  ainda  que  não  tivesse  tantas vezes  andado  por  eles.  Davi  verdadeiramente  amava  o  Senhor  e,  ao  pecar,  simplesmente arrependia‐se e tentava remediar o prejuízo. Quem dera tivéssemos mais sabedoria que Davi! Mas também, quem dera tivéssemos sua disposição para perdoar os outros e a si mesmo, sua lucidez  de  reconhecer  seus  próprios  pecados  e  tentar  corrigi‐los!  Davi  talvez  tenha  tomado várias decisões questionáveis na condução da arca à Jerusalém, mas talvez  também devamos dar‐lhe crédito quando ele diz que não dançou para homens  (ou mulheres), e sim para Deus. 

    Erros 

    acertos 

    parte, 

    pessoalmente 

    acreditamos 

    em 

    Davi 

    quando 

    ele 

    diz 

    que 

    estava 

    sendo 

    sincero, que realmente se deixou  invadir por  imensa alegria. Parece‐nos condizente com tudo mais que a Bíblia fala a respeito dele, tanto o extravasar sem analisar consequências, quanto o coração grato e alegre pela presença do Senhor. Por fim, ele tem algo mais a seu favor neste incidente todo: por que Mical estava observando os outros ao invés de estar louvando a Deus e comemorando como  todo o  restante do povo? Se Mical  tivesse olhado menos para o  lado e mais para o alto não teria tido tempo de notar a dança e a roupa (ou a ausência dela no caso) de seu esposo Davi que, este sim, ninguém pode negar, estava que não se cabia de tanto  júbilo! 

    Podemos, então, concluir que Davi estava certo, Mical errada e, portanto, podemos dançar nos cultos e extravasar toda nossa alegria pela presença do Senhor através da dança? Bom, nós não conseguiríamos nos furtar de explorar neste estudo os argumentos pró‐Davi e pró‐Mical, mas a verdade é que, neste caso, não faz diferença alguma quem estava com a razão, pois o veredito é o mesmo e indiscutível: Davi nunca dançou na tenda, nem durante a cerimônia de culto. Davi dançou na procissão que  levava a arca até Jerusalém! Dentro do contexto de comemoração e festejos,  que  era  o  caso,  a  dança  de  Davi  não  tem  nada  de  inesperado,  afora  os  trajes  que escolheu para isto. Uma leitura  integral e atenta dos capítulos referentes à dança de Davi não deixará  dúvida  de  que  ocorreram  antes,  na  grande  festa,  não  sendo  mencionada  nenhuma dança  durante  o  culto  conduzido  após  a  chegada  da  arca  ao  seu  destino  final.  Isto  parece consenso, ponto pacífico. Mas  e a  dança  referida nos  salmos?  Justifica a  sua  introdução nos períodos de louvor eclesiástico atuais? 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    14/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 14

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    Louvor 

    “Louvem o seu

     nome

     com

     danças;

     cantem

    ‐lhe

     o seu

     louvor 

     com

     tamborim

     e harpa.” 

     Salmo

     149:3 (ACF) 

    “Louvai ‐o  com o  tamborim  e a dança,  louvai ‐o  com  instrumentos de  cordas  e  com órgãos.”  Salmo 150:4 (ACF) 

    Os  versículos  acima,  juntamente  com  a  dança  de  Davi,  são  alguns  dos  mais  mencionados quando  se  trata  da  dança  no  contexto  cristão.  A  palavra  hebraica  é  a  mesma  em  ambos  os casos (machol ). O primeiro aspecto a ser salientado consiste no  fato de que a tradução desta palavra como “dança” não consiste em um consenso absoluto entre os linguistas e tradutores. 

    No caso

     do

     Salmo

     149,

     a VC

     apresenta

     a frase

     “em

     coros

     louvem

     o Seu

     nome”,

     mas

     no

     Salmo

     159 a mesma versão  traduz machol  como dança.  Já a Bíblia Hebraica Sêfer conduz de  forma oposta à VC, traduzindo o 149:3 por “Que saibam  louvar  Seu Nome com alegria e dança;” e o 150:4 por “Louvai ‐O com melodias e ritmo”. Por fim, a Bíblia de Estudo Palavra‐Chave Hebraico  – Grego  (CPAD, 2011), versão Almeida Revista e Corrigida, não apresenta a  tradução “dança” em nenhum dos dois versículos, respectivamente: “Louvem o seu nome com  flauta (...)”  (149:3) e “Louvai ‐o com o adufe e a  flauta (...)”  (150:4) Como nestes dois Salmos há uma  listagem de instrumentos  musicais  utilizados  no  louvor,  alguns  tradutores  acham  mais  coerente  traduzir machol   por  flauta,  visto  que,   juntamente  com  “coro”,  esta  palavra  também  tem  estes significados. Apesar destas divergências, uma vez que a dança indubitavelmente fazia parte dos 

    momentos 

    de 

    alegria 

    dos 

    hebreus, 

    não 

    há, 

    em 

    nosso 

    ver, 

    nenhum 

    impedimento 

    de 

    se 

    optar 

    pela tradução tanto por dança quanto por flauta em ambos os textos. Mas vale destacar, enfim, que  a  tradução  por  “dança”  varia  de  tradutor  para  tradutor,  não  sendo  de  modo  algum consenso. 

    O  segundo  aspecto  a  ser  levantado  sobre  estes  textos  consiste  no  seu  uso  para  justificar  a dança  na  liturgia  hodierna.  No  caso  do  Salmo  149,  a  justificativa  se  ampara  no  versículo primeiro: “Louvai  ao Senhor. Cantai  ao Senhor  um cântico novo, e o seu louvor  na congregação dos  santos.”  A  expressão  que  concorre  para  tal  argumentação  é  “congregação  dos  santos”, compreendida  anacronicamente  como  sendo  a  igreja.  Contudo,  esta  palavra  originalmente significa  ajuntamento,  agrupamento,  multidão,  companhia,  tropel.  Foi  utilizada  em  outras ocasiões nas Escrituras para referir‐se a ajuntamentos de guerra, prática do mal e da violência (Gênesis 49:6, Ezequiel 23:47, Salmo 26:5) e também para o exercício do bem, como é o caso, congregar‐se para  louvar ao Senhor. Ao  longo do Salmo 149, o salmista nos convoca a cantar em nossas camas (leitos) e a guerrear contra os gentios. Portanto, não há qualquer alusão a um contexto litúrgico ou a práticas religiosas ao longo deste texto, ainda que possamos nos dias de hoje utilizar esta mesma expressão (congregação dos santos) referindo‐se à igreja. 

    O mesmo se verifica no Salmo 150. No primeiro versículo  lemos um chamado para  louvarmos ao Senhor no Seu santuário e no firmamento do Seu poder. Para alguns estudiosos, a palavra santuário em questão refere‐se ao próprio firmamento, o santuário de Deus nos céus, e não ao 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    15/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 15

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    templo  de  Jerusalém.8  Mesmo  que  não  se  adote  tal  paralelismo,  vale  considerar  algumas observações quanto a este salmo. A palavra “firmamento” pode ser traduzida por “expansão” 

    ou “céus”.

     Como

     lemos

     em

     Gênesis

     1:8

      –

     “ E 

     chamou

     Deus

     à expansão

     Céus,

     e  foi 

     a tarde

     e a manhã,  o  dia  segundo.”   Neste  versículo,  a  palavra  “expansão”  é  a  mesma  traduzida  por 

    “firmamento”  no  Salmo  150:1.  Retomando,  então,  a  análise  contextualizada,  o  salmista  nos conclama a  louvarmos a Deus no santuário e nos céus, por meio de diversos  instrumentos e conclui  que  tal  chamado  ao  louvor  se  aplica  a  todo  ser  que  respira  (ou  tudo  que  tem  vida, fôlego). Como podemos louvar a Deus no céu? Ou como animais e plantas louvam ao Senhor? Este  capítulo,  portanto,  parece‐nos uma  ode à criação, uma  constatação  do  quão  louvável  é Deus, e não uma  instrução  litúrgica de como devemos conduzir este  louvor. O  louvor a Deus, nestes Salmos, é o louvor contínuo que exercemos com a nossa própria vida. “Martinho Lutero disse  que  um  sapateiro  louva  a  Deus  quando  confecciona  honestamente  um  bom   par   de 

    sapatos.” 9

     Assim,

     parece

    ‐nos

     uma

     extrapolação

     forçada

      justificar

     a dança

     nos

     cultos

     pelos

     textos encontrados nestes Salmos. 

    Rapto das Filhas de Siló 

    “E  olhai, e eis aí  as  filhas de Siló a dançar  em rodas, saí  vós das vinhas, e arrebatai  cada um sua mulher  das  filhas de Siló, e  ide‐vos à terra de Benjamim. E  será que, quando seus  pais ou seus irmãos vierem a litigar  conosco, nós lhes diremos: Por  amor  de nós, tende compaixão deles,  pois nesta guerra não tomamos mulheres  para cada um deles;  porque não lhas destes vós,  para que 

    agora 

     ficásseis 

    culpados. 

    E  

    os 

     filhos 

    de 

    Benjamim 

     fizeram 

    assim, 

    levaram 

    mulheres 

    conforme 

    ao número deles, das que arrebataram das rodas que dançavam; e  foram‐se, e voltaram à sua herança, e reedificaram as cidades, e habitaram nelas.”   Juízes 21:21‐23 (ACF) 

    Os  homens  de  Israel  juraram  que  não  dariam  suas  filhas  em  casamento  a  um  benjamita. Depois, arrependidos das consequências deste  juramento  tolo, propuseram um arremedo de solução que consistia em aproveitar a ida dos benjamitas a alguma solenidade religiosa em Siló para  raptar  mulheres.  Esta  solenidade  provavelmente  se  refere  à  Páscoa  ou  a  uma  das  três grandes  festas  dos  judeus,  mencionadas  em  Êxodo  23.  Somente  os  homens  compareciam  a estas festas, portanto, as mulheres de Siló seriam as únicas presentes e sofreram a emboscada enquanto dançavam nas vinhas.10 Sobre este acontecimento bizarro e cruel, lemos os seguintes comentários: “Deus nunca disse aos israelitas que aniquilassem a tribo de Benjamin. Nunca lhes mandou impedir  que suas  filhas se casassem com os sobreviventes, nem massacrar  os homens de  Jabes‐Gileade. Todo esse relato, do começo ao  fim, mostra  inocentes sofrendo  pelo  fato de os israelitas terem  posto seus interesses em  primeiro lugar. (...) Por  que o rapto  para conseguir  uma  esposa?   Esse  costume  talvez  tenha  sido  tomado  de  empréstimo  aos  pagãos.  Parecia  a única maneira  de  driblar   o  voto  impensado  que  haviam  feito  fora  da  orientação  de  Deus.”  (Bíblia de Estudo Vida, p.404‐405) 

    8

     Para

     esta

     interpretação,

     vide

     “Carta

     Pastoral

     e Teológica

     sobre

     Liturgia

     na

     IPB”

     (IPB,

     2010,

     p.12

    ‐13).

     9 SCHAEFFER, Frank. Viciados em Mediocridade: Cristianismo contemporâneo e as artes. p.63 10

     Bíblia de Estudo Palavra‐Chave CPAD, p.309 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    16/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 16

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    Dança de Maanaim 

    “Volte, volte,

     Sulamita;

     volte,

     volte,

      para

     que

     a contemplemos.

     Por 

     que

     vocês

     querem

     contemplar  a Sulamita, como na dança de Maanaim?”  Cantares 6:13 (NVI) 

    Na  Nova  Tradução  na  Linguagem  de  Hoje,  lemos:  “Volte,  volte,  sulamita.  Volte,  volte;  nós queremos  ver   você  dançar.  Por   que  vocês  querem me  ver   dançando a  dança  da  noiva?”   Na Bíblia Hebraica Sêfer a última parte do versículo acima é traduzida por: “Por  que olhais  para a Shulamit  como  para as  fileiras de dois arraiais?”  A versão ACF vai dizer: “ Por  que olhais  para a Sulamita como  para as  fileiras de dois exércitos?”  A Bíblia do Peregrino entende como: “O que olhais  na  Sulamita  quando  dança  entre  dois  coros?”   Novamente,  portanto,  não  observamos consenso  em  termos  de  tradução.  Contudo,  este  não  é  o  ponto  que  nos  parece  mais 

    relevante... 

    Não  há  como  negar  que  o  aspecto  mais  marcante  deste  livro  seja  sua  ode  ao  amor  entre homem  e  mulher  e  as  inúmeras  referências  à  sexualidade,  como  lemos  nos  comentários  da Bíblia  de  Estudos  Vida:  “Muitas   pessoas  têm  estranhado  que  um   poema  de  amor   e  de intimidade  sexual   tenha  sido  incluído  na  Bíblia.   Algumas  delas   propõem,   portanto,  que  o leiamos  apenas  simbolicamente,  como  ilustração  do  amor   incondicional   de  Deus.  Outras  o interpretam à letra, e acham aí  um tesouro de deleites conjugais. Talvez haja valor  nessas duas abordagens. De qualquer   forma, Cântico dos Cânticos é um belo quadro do aspecto  físico do amor, e suas  palavras sensuais aplaudem a sexualidade como  parte da maravilhosa criação de 

    Deus.”  

    (p.1040) 

    Duas  interpretações,  portanto,  prevalecem  a  respeito  deste  livro.  Na  primeira  temos  uma celebração da intimidade sexual conjugal como bênção de Deus. Na segunda encontramos uma alegoria sobre o amor do Senhor para com Sua  igreja, a noiva. Não há nada de impossível em traçarmos  este  paralelo,  o  que  não  parece  muito  sábio  seria  considerar,  ao  pé  da  letra,  isto como  justificativa para que tenhamos danças na igreja. No livro de Cantares os noivos também comem e bebem, apascentam rebanhos, dormem. Será que devemos fazer tudo  isto na  igreja também?  Parece‐nos  contraditório  juntar  as  duas  interpretações  ao  mesmo  tempo,  ou  seja, entendendo que uma abstração (o esposo e a esposa como sendo Deus e a igreja) possa gerar interpretações bíblicas tão absurdamente literalistas (devemos dançar na igreja porque a noiva dançou  em  Cantares).  “Um  dos   poemas  mais  impressionantemente  seculares  na  Bíblia  é Cantares  de  Salomão.  Antigamente, muitos  cristãos  achavam  que  este  livro  representava  o amor  de Cristo  pela Igreja. De  fato, o  poema  pode ser  interpretado desta  forma. Porém,  jamais devemos limitá‐lo apenas à representação deste relacionamento. Ele retrata o relacionamento entre Cristo e a Igreja  porque todo relacionamento adequado entre um homem e uma mulher  é uma ilustração do relacionamento entre Cristo e a Igreja.” 11 

    Contudo, o uso mais estranho deste  texto encontramos na argumentação de que a dança da Sulamita estivesse correlacionada com a escada de anjos vista por Jacó em Gênesis 28:11‐19, e também com o encontro com anjos de Gênesis 32:1‐2, onde lemos: “  Jacó também seguiu o seu 

    11 SCHAEFFER, Francis. A. A Arte e a Bíblia. p.33 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    17/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 17

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    caminho,  e anjos de Deus  vieram ao  encontro dele. Quando  Jacó os avistou, disse:  ‘Este  é o exército de Deus!’  Por   isso deu àquele  lugar  o nome de Maanaim.”   (NVI) O  texto de Gênesis 

    pode remeter,

     ainda,

     às

     palavras

     de

     Jesus:

     “E 

     então

     acrescentou:

     ‘Digo

    ‐lhes

     a verdade:

     Vocês

     verão o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem’.”  João 1:51 (NVI) Nesta teoria, os anjos de Deus estariam dançando enquanto subiam e desciam a escada que  liga aos céus, por  isto, a dança nos uniria à Deus. Não há qualquer menção sobre dança nestes  textos  de  Gênesis  e  de  João,  portanto,  ficamos  sem  compreender  a  origem  desta correlação, a nosso ver, fantasiosa, cuja origem se dá única e exclusivamente pela existência da palavra “maanaim” em Cântares. Traduzida também por “dois exércitos”, “dois arraias”, “dois coros”,  etc.,  muitas  versões  sequer  a  consideram,  neste  caso,  um  nome  próprio.  Como  no hebraico  não  existe  letra  maiúscula,  determinar  se  consiste  em  um  nome  próprio  ou  uma palavra a ser traduzida por seu significado é opção do tradutor, a partir de sua interpretação do 

    contexto. Com

     esta

     constatação,

     gostaríamos

     de

     passar

     a uma

     reflexão

     sobre

     o uso

     da

     Bíblia

     no

     processo de  justificativa da dança na liturgia do culto cristão. 

    A Bíblia na argumentação dos ministros de dança cristã 

    Em nossa pesquisa, conforme apontado na introdução, tivemos acesso a bibliografias, vídeos e eventos  presenciais  correlacionados  à  dança  cristã,  onde  observamos  atentamente  como  a Bíblia tem sido utilizada na construção de uma argumentação para  justificar a dança nos cultos contemporâneos. O primeiro aspecto que nos chamou a atenção é como os textos citados (em 

    sua 

    grande 

    maioria 

    referentes 

    à 

    dança 

    de 

    Miriã, 

    Davi 

    os 

    Salmos) 

    não 

    são 

    profundamente 

    analisados ou contextualizados, o que preferimos atribuir a uma  investigação superficial, ou a um desconhecimento da conjuntura cultural bíblica do que, propriamente, a um ato de má fé. Neste  sentido,  acreditamos  que  esta  pesquisa  possa  vir  a  colaborar  com  uma  reflexão  mais detalhada quanto ao papel da dança na Bíblia, talvez alterando este cenário para aqueles que concordarem com as conclusões de nossa investigação. 

    O  segundo  aspecto  que  nos  deixou  em  alerta  foi  a  impressão  de  que  a  Bíblia  estava  sendo constantemente “encaixada” em uma visão que se desejava validar, e não o contrário, ou seja, buscou‐se  construir  uma  visão  a  partir  do  que  nos  ensina  as  Escrituras.  Isto  se  torna  uma constatação quando lemos, por exemplo, certas afirmações encontradas em textos escritos por ministros de dança. Em um  dos  livros, cuja autoria é de uma pessoa de  renome nacional na dança cristã, lemos como a busca de respaldo bíblico desencadeou estudos na área de teologia, filosofia e história, com a expectativa de se encontrar um arcabouço teórico que  justificasse os trabalhos  que  já  vinham  desenvolvendo  com  a  dança  dentro  da  igreja.  Parece‐nos  esta  uma abordagem  extremamente  perigosa,  visto  que  devemos  primeiro  estruturar  teoricamente  as bases bíblicas, espirituais e os valores de nossas ações para, depois, concretizá‐las em algo tão sério e impactante para a vida da igreja, como um ministério. Assim, choca‐nos a percepção de que a sustentação bíblica pareça vir sempre “correndo atrás” de uma  legitimação tardia para fatos consumados. Alguém disse que a dança profética muitas vezes não agrada por não ter um livro de  regras, obedecendo  somente ao  Altíssimo.  Qual  o  papel da Bíblia, quando  se  afirma 

    isto? 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    18/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 18

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    O terceiro aspecto digno de nota se refere à verificação de que a maioria das citações bíblicas não aborda os textos e versículos diretamente relacionados à dança, mas sim a uma infinidade 

    de ocorrências

     onde

     o povo

     de

     Deus

     sofreu

     perseguição

     e saiu

     vitorioso.

     Aliás,

     o discurso

     defensivo parece ser a grande tônica, chegando a se tornar até mesmo agressivo, com vários alertas para que os leitores não se deixem levar pela resistência de pessoas invejosas, críticas e contrárias, não raro apelidadas de “micais” em diversas fontes pesquisadas. De fato, a inveja e o  julgar alheio são razões para muitos problemas que temos no meio evangélico e no mundo. Contudo, limitar uma argumentação teológica a estes sentimentos empobrece o debate, numa aparente  tentativa de silenciar os opositores pela coação, simplesmente acusando‐os, dentro do  espírito  de  que  “a  melhor  defesa  seja  o  ataque”.  Por  fim,  se  formos  sempre  adotar  esta postura poderemos lançar mão dos textos bíblicos sobre provações para  justificar praticamente tudo, inclusive as consequências que sofremos na vida por decisões equivocadas ou por nossos 

    próprios pecados.

     Ou

     seja,

     se

     toda

     dificuldade

     ou

     exame

     externo

     que

     sofrermos

     forem

     tomados

     por  perseguição  e  inveja,  logo  não  pareceríamos  aos  nossos  próprios  olhos  infalíveis  e  sem pecado? 

    Dentro deste contexto, outra citação que nos chama a atenção é a de I Coríntios 1, onde Paulo diz que Deus escolheu as coisas  loucas deste mundo para envergonhar aqueles que se  julgam sábios. Ora, o texto em questão se refere à mensagem da cruz! Esta sim, de fato, é loucura para o mundo, pois viver a vida como Cristo nos propõe significa abrir mão de si mesmo e gloriar‐se somente nEle. O que isto tem a ver com dança? Indo além... em que ocasião a dança pode ser considerada  “loucura  para  o  mundo”?  Ao  contrário,  a  dança  é  valorizada  e  tem  papel  de 

    destaque 

    na 

    sociedade 

    secular, 

    que 

    vê 

    com 

    boníssimos 

    olhos, 

    com 

    raras 

    exceções, 

    entrada 

    da 

    dança nas igrejas e a consequente ampliação do mercado gerado pela incorporação cristã desta arte.  São  ainda  proporcionalmente  poucas,  dentro  e  fora  da  igreja,  as  pessoas  que  têm questionado  a  dança  cristã  e  o  mote  deste  questionamento  não  passa  por  considerá‐la “loucura”, mas simplesmente descontextualizada e inapropriada para os momentos de culto. O “estranhamento”  provocado  por  Cristo  e  pelos  dons  espirituais  em  nada  tem  a  ver  com  a dança. 

    Há uma constante  interpretação de que a dança teria caráter profético. Os salmos 149 e 150 estariam  antecipando  o  momento  em  que  vivemos.  Alguns  líderes  chegam  a  generalizar, afirmando que sempre que a Bíblia menciona a dança haveria um sentido profético, o que faria dos dançarinos os cumpridores desta profecia. A palavra “profecia” tem  inúmeros significados no  contexto  bíblico,  bem  como  o  termo  “profeta”.  Na  Bíblia  profetizar  tem  o  caráter  de expressar uma verdade ou uma doutrina, e não somente prever o futuro. Em ambos os casos, parece‐nos nebuloso como o ministro de dança se encaixaria na categoria de profeta. Jeremias profetizou que as pessoas dançariam de alegria com as bênçãos vindouras de Deus, mas não que profetizariam através da dança. São situações bem distintas que merecem ponderação. 

    Por  fim, queremos destacar o papel que o Velho Testamento exerce na argumentação bíblica para a  inserção da dança nos cultos.  Fala‐se  em  restaurar o  tabernáculo  de Davi,  em buscar orientação  divina  para  a  confecção  das  roupas  de  dança  (a  exemplo  das  informações 

    detalhadas sobre

     as

     vestes

     citadas

     no

     Pentateuco),

     no

     uso

     de

     objetos

     decorativos

     que

     remetem

     

    ao templo antigo, em viagens de peregrinação à Jerusalém com a coleta de óleos da unção e 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    19/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 19

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    outras relíquias da  terra santa, em danças “de guerra” ao Senhor dos Exércitos:  linguagens e contextos  comuns  ao  Antigo  Testamento.  Não  parece  haver  uma  releitura  do  Velho 

    Testamento à luz

     do

     Novo

     Testamento,

     leitura

     esta

     que

     nos

     parece

     imprescindível

     uma

     vez

     que

     não somos seguidores do  judaísmo, ainda que possamos ter um amor muito grande às nossas origens. Somos, antes de tudo, cristãos. Precisamos considerar que um dos grandes  impactos que  a  vinda  de  Cristo causou  foi  a  espiritualização  da  fé  e a  substituição  de  rituais por  uma comunhão pessoal e direta com Deus. O véu  foi rasgado e o templo do Espírito Santo somos nós.  Os  sacrifícios,  a  circuncisão  e  os  ritos  sofreram  ampla  revisão,  muito  nos  espantando, portanto,  as  inúmeras  tentativas  de  resgate  e  reinterpretações das  tradições  judaicas,  quase que  ignorando  a  visão  neotestamentária  da  fé,  uma  visão  que  a  Reforma  Protestante  tanto lutou para restaurar. Contudo, os ventos doutrinários atuais parecem querer retroceder a um passado totalmente superado. "As Escrituras hebraicas são lidas e interpretadas através de um 

     filtro ou

      prisma

     cristológico.

     É   por 

     isso

     que

     os

     cristãos

     não

     implementaram

     –  e nunca

     o  farão

     –  uma lei  religiosa encontrada nas  páginas do  Antigo Testamento." 12 

    Este  fenômeno,  contudo,  não  se  restringe  à  dança,  mas  envolve  o  cenário  mais  amplo  das igrejas evangélicas, como apontam inúmeros pesquisadores, cristãos e seculares. Magali Cunha, no  livro  intitulado  “A  Explosão  Gospel:  Um  olhar   das  ciências  humanas  sobre  o  cenário evangélico no Brasil” , dedicou um subcapítulo ao assunto, que chamou de “Reprocessamento da  teofania  das  tradições monárquicas  de  Jerusalém” .  Nele  a  autora  afirma  que  uma  das elucidações alcançadas com seu trabalho de pesquisa foi  justamente a de que a cultura gospel  procura retomar elementos presentes no Antigo Testamento. Em seguida, Cunha se questiona 

    acerca 

    do 

    por 

    que 

    desta 

    retomada: 

    “A 

    resposta 

    não 

    está 

    na 

    história 

    do 

     protestantismo 

    brasileiro,  que  construiu  uma  teologia  muito   pouco  baseada  no   Antigo  Testamento.  Para  Antônio Gouvêa de Mendonça, o  protestantismo no Brasil  baseou‐se numa  religião de  Jesus, cristológica.  (...)  A ênfase no Cristo  salvador   prevaleceu no  protestantismo brasileiro  e  só  foi  alterada nas décadas de 1980 e 1990. Nesse  período a teofania das tradições monárquicas de  Jerusalém  foi  retomada com vigor  e inserida na cultura gospel. Como  já mencionado, essa  fase significou  reajuste   político‐econômico   para  inserção  do  Brasil   na  lógica  do  capitalismo globalizado  e  o  surgimento  das  teologias  da  Prosperidade  e  da  Guerra  Espiritual,  que encontraram guarida nos círculos evangélicos. Uma atenção à  letra das canções e às  posturas assumidas  em  relação  ao  culto  leva  à  percepção  de  que  há  uma  utilização  ideológica  da teofania  das  tradições  monárquicas  de   Jerusalém,  com  a  reconfiguração  de  elementos  e imagens retirados dos relatos do  Antigo Testamento.  A tradição é utilizada  para se reconstruir, no século  XXI, uma noção de  religião  templária,  intimista, centrada no  louvor  e na adoração, que se contrapõe à teologia mosaica, e cristológica, do  pastoreio e do serviço à comunidade. É  elaborada uma teologia da realeza, do  poder, do domínio, da guerra, da seleção, da hierarquia, que  pode  ser   partilhada na  terra. Essa  teofania  contém uma  linguagem bíblica que  facilita a  justificação ideológica e dá  forma à cultura gospel.”  (p.186‐187) 

    A despeito da  importância que o Velho Testamento exerça na dança contemporânea, não há, em toda a Bíblia, nenhum relato de que as danças faziam parte da liturgia, nenhuma instrução a este respeito nas milhares de recomendações detalhadas do Pentateuco, descrições estas que 

    12 McGRATH, 2007, p.128 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    20/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 20

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    englobam  desde  os  bordados  e  cores  das  cortinas,  a  forma  e  material  dos  utensílios,  os detalhes do tabernáculo e do templo, as inúmeras obrigações litúrgicas dos levitas. Se houvesse 

    dança como

     parte

     do

     culto,

     por

     que

      justamente

     este

     rito

     passaria

     despercebido,

     sem

     nenhuma

     menção  em  toda  a  lei  minuciosamente  copiada?  Alguns  ministros  atribuem  isto  à  perda  de registros, mas não parece estranho que todo o resto tenha sobrevivido nos manuscritos, menos a dança, ausente de todos eles por “perda de registro”? 

    No que  tange à dança, mais até do que nos outros aspectos  litúrgicos,  tal constatação acima descrita  ganha  proporções  ainda  maiores,  visto  que  toda  a  argumentação  bíblica  gira praticamente  em  torno  de  expoentes  do  Velho  Testamento,  a  saber,  Miriã  e  Davi.  Alguns ministros de dança chegam a afirmar que a dança de  Israel  foi a única exclusivamente criada para  a  adoração  ao  nosso  Deus  sendo,  deste  modo,  “legítima”  e/ou  “pura”  para  o  perfeito 

    louvor, ainda

     que

     os

     demais

     ritmos

     e estilos

     de

     dança

     devam

     ser

     resgatados

     “das

     mãos

     do

     Diabo”, que os usurpou para sua honra e glória após a queda. Mas, como lemos em Êxodo 32, o próprio povo de Deus usou esta mesma dança em adoração ao bezerro de ouro. Além disto, a influência cultural e artística que outros povos exerceram sobre os hebreus está amplamente registrada,  tanto  na  Bíblia  quanto  nas  pesquisas  arqueológicas  e  históricas.  Por  todos  estes motivos,  consideramos  que  a  argumentação  bíblica  dos  ministros  de  dança  tem  pouca sustentação. 

    Para  muitos  cristãos  esta  análise  texto  a  texto  que  acabamos  de  conduzir  pode  parecer totalmente dispensável, dentro do espírito de certas abordagens teológicas onde a Bíblia deva 

    ser 

    interpretada 

    como 

    um 

    todo, 

    levando‐

    se 

    em 

    consideração 

    seu 

    contexto 

    cultural 

    temporal,  evitando‐se  leituras  literalistas  da  Palavra  e  transposições  diretas  de  seus comportamentos  e  recomendações  para  os  dias  atuais.  Acreditamos  ser,  entretanto, indispensável conduzir tais reflexões, especialmente porque ficou claro para nós que nenhuma abordagem  bíblica  –  contextualizada  ou  literalista  –  daria  suporte  à  inclusão  das  danças  nas liturgias cristãs. A dança nunca  foi utilizada como um  transmissor de mensagens no contexto bíblico  litúrgico,  mas  parece  que  alguns  líderes  acreditam  que  repetir  insistentemente  o contrário mudará um dia os  fatos. Tanto no VT, quanto no NT, diversas outras manifestações artísticas  e  formas  de  comunicação  contribuíram  para  a  propagação  da  Palavra,  tais  como: obras de arte, arquitetura, escrita, oratória e música. Outro ponto  reside no estilo de dança. Não  sabemos  exatamente  como  eram  as  danças  no  período,  mas  tomando  as  descrições bíblicas  e  tradições   judaicas  remanescentes,  constatamos  que  o  dançar  ali  é  totalmente diferente do que observamos na  igreja evangélica, assemelhando‐se muito mais a cantigas de roda,  saltos  e  malabarismos  do  que  aos  sensuais  meneios  atualmente  predominantes.  Em geral,  homens  dançam  com  homens,  mulheres  dançam  com  mulheres.  Por  fim,  prevalece  o caráter  tradicional da dança  (inserida nos eventos  festivos, comemorações, manifestações de alegria, procissões religiosas, etc.), como veremos no próximo item. 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    21/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 21

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    Judeus dançando em roda e cantando na Ponte do Rialto  – Veneza. 

    Somado a isto, o grande papel da dança no contexto bíblico, como  já constatamos, referia‐se à manifestação de alegria e comemorações. Deste fato inferimos dois aspectos cruciais: tratava‐se de uma dança espontânea e de um ato pessoal. Não há relatos de coreografias nas danças bíblicas, bem como não se menciona qualquer intenção de que o dançarino estivesse a exercer 

    tal 

    atividade 

    para 

    ser 

    visto 

    pelos 

    demais 

    (com 

    exceção 

    da 

    dança, 

    provavelmente 

    sensual, 

    da 

    filha de Herodias). Ao contrário, o observar a dança alheia foi a causa de inúmeros problemas, como o  já supracitado caso de Davi. A dança consistia em uma expressão cujo beneficiado era a própria pessoa, não o próximo. Assim, se a dança fosse ser inserida nos cultos contemporâneos, não parece fazer muito sentido que se restrinja a um ministério de púlpito para ser assistido. Entretanto,  ainda  que  envolvesse  toda  a  congregação,  esta  inclusão  programada  da  dança  jamais garantiria a autenticidade observada na Bíblia, uma vez que a espontaneidade adquire um caráter fundamental. Incluir a dança nos cultos durante o louvor (dentro do espírito bíblico de dança do VT) equivaleria a inserir na liturgia um momento para o grito, para o pulo ou para qualquer  outra  forma  de  se  extravasar  e  manifestar  felicidade,  o  que  não  nos  parece recomendável. Além da ausência de legitimidade do sentimento  – induzido ao invés de natural e espontâneo  – tal inserção abriria porta para manipulações e voltaria nossas atenções para a corporalidade, não para a espiritualidade. 

    Desde os tempos bíblicos o culto voltou‐se, paulatinamente cada vez mais, para a Palavra como centro:  “Nos  cinco  séculos  e  meio  que  se  seguiram  (587 ‐4  a.C.),  a  adoração  sofreu  uma mudança radical. O sacrifício e a música desapareceram. Em seu lugar, surgiram três  práticas: a leitura da  Torá, as orações declamadas e os  salmos  recitados.  A observância dos  ensinos da Torá  em  todos  os  seus  pormenores  tornou‐se  o  objetivo  da  adoração.  Ao  retornar   à  terra  prometida, os israelitas criaram casas de instrução e adoração, denominadas sinagogas. O culto nas sinagogas abrangia um chamado à adoração, orações  prolongadas, recitação da shemá (Dt  6.4),

     leituras

     das

     Escrituras

     e um

     sermão.

     Essa

      prática

     também

     representou

     a transição

     da

     

    adoração do  Antigo Testamento  para a do Novo Testamento. Para o  pesar  de muitos cristãos, 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    22/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 22

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    não é  possível  encontrar  em todo o NT, uma única descrição completa, tampouco uma ordem detalhada ou estilo divinamente determinado no que se refere ao ato de adorar. Em vez disso, o 

    que encontramos

     são

     mensagens

     visando

     à união

     dos

     crentes,

     a  fim

     de

     que

     se

     dediquem

     a várias  práticas que abrangem a adoração:  oração, canto,  leitura,  pregação e ensinamento da 

    Escritura.” 13  A  dança,  vale  ressaltar,  praticamente  não  é  mencionada  no  Novo  Testamento, nunca em contexto litúrgico ou religioso. Também não se encontra listada nas inúmeras cartas de Paulo, onde os ministérios diversos da igreja primitiva estão fartamente documentados. Ao longo  dos  últimos  dois  milênios,  o  culto  cristão  modificou‐se  drasticamente,  bem  como incorporou  inúmeros aspectos culturais  locais. Contudo, permaneceu global a centralidade na pregação,  adoração  e  edificação  através  da  Palavra.  Mas  no  último  século  esta  prioridade parece ter sido rapidamente modificada. 

    O que

     nós

     precisamos

     verificar,

     visto

     que

     não

     há

     um

     formato

     bíblico

     específico

     no

     NT

     a respeito

     do culto, é se, a despeito destas alterações culturais e  temporais, as diretrizes nele descritas foram  contempladas.  Em  Romanos  12,  Paulo  fala  como  o  nosso  corpo  faz  parte  do  culto racional  que  prestamos  a  Deus:  “Rogo‐vos,   pois,  irmãos,   pela  compaixão  de  Deus,  que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável  a Deus, que é o vosso culto racional. E  não sede conformados com este mundo, mas sede transformados  pela renovação do vosso entendimento,  para que experimenteis qual  seja a boa, agradável, e  perfeita vontade de Deus.” 14 Em 1 Coríntios 14, Paulo chama a atenção para a necessidade da ordem no culto, bem como manifesta claramente a  importância de nos preocuparmos com o nosso  testemunho e com  que  os  não‐crentes  irão  pensar  a  nosso  respeito,  ao  assistirem  nossas  reuniões.  Isto 

    contradiz 

    afirmação, 

    constante 

    em 

    bibliografias 

    sobre 

    dança, 

    de 

    que 

    devemos 

    ignorar 

    as 

    críticas e o que os demais dizem a respeito do assunto. Quanto mais em evidência for o nosso ministério, mais devemos considerar os que não conhecem a Cristo e que associam, não sem razão,  a  dança  a  uma  série  de  outros  aspectos  deslocados  do  objetivo  do  culto,  como  a sensualidade e a secularidade dos ritmos e das coreografias. Vamos compreender melhor sobre este assunto no próximo tópico. 

    13 BASDEN, Paul (org). Adoração ou show? Críticas e defesas de seis estilos de culto. p.14,15. 

    14 Romanos 12:1‐2 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    23/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 23

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    4  – APORTE HISTÓRICO‐CULTURAL DA DANÇA CRISTà

    “Os cristãos, efetivamente, não se distinguem dos demais homens nem  por   sua  terra,  nem  por   sua  fala,  nem  por   seus  costumes.  Porque  não habitam cidades exclusivamente suas, nem  falam uma  língua estranha, nem  levam um estilo de vida à  parte dos demais  (...). Mas, habitando cidades gregas ou bárbaras,  segundo a  sorte que  coube a  cada um, e adaptando‐se  na  vestimenta,  alimentação  e  demais  aspectos  da  vida aos usos e costumes de cada  país, dão mostras de um teor   particular  de conduta, admirável  e,  por   confissão de  todos,  surpreendente. Habitam 

    suas  próprias

      pátrias,

     mas

     como

      forasteiros;

      participam

     de

     tudo

     como

     cidadãos e suportam tudo como estrangeiros; toda terra estranha é  para eles  pátria, e toda  pátria, terra estranha.”  (Discurso a Diogneto, século II d.C.)15 

    Como  sabiamente  alertava Paulo,  nós cristãos  somos  peregrinos  neste  mundo, mas  também nos  adaptamos  ao  nosso  contexto,  tanto  para  ganharmos  almas  para  Cristo,  como  para extrairmos o melhor que este possa nos oferecer. Contudo, a dança nos cultos não parece ter sido uma constante neste processo de aculturamento cristão nos diversos  lugares e  tempos. Tanto na  igreja católica, quanto protestante, a dança na  liturgia, ao  longo destes milênios de 

    cristianismo, 

    consistiu 

    numa 

    exceção 

    com 

    poucos 

    precedentes 

    até 

    contemporaneidade. 

    No 

    catolicismo, historiadores apontam para uma presença breve da dança que, sob influência dos ritos pagãos,  logo  foi banida das  liturgias. No Brasil, observamos situação semelhante com o sincretismo  religioso  entre  o  catolicismo  e  cultos  afrodescendentes  (umbanda,  candomblé, etc.),  que  teve  sua  origem  no  período  colonial.  Este  sincretismo,  atualmente,  tem  sido questionado tanto pelos católicos, quanto pelos seguidores das supracitadas religiões, uma vez que o comportamento sincrético teve sua origem na imposição da sociedade escravocrata, que reprimia a liberdade de culto dos seus escravos. 

    No  protestantismo,  eventos  isolados  de  dança  também  pontuam  a  história,  a  exemplo  dos Shakers. “O grupo religioso que hoje nós conhecemos como Shakers  foi   formado na  Inglaterra do  século   XVIII  quando  dissidentes  de  várias  religiões,  incluindo  os  Quakers  ingleses  e Metodistas,   formaram  uma  sociedade  religiosa  baseada  na  doutrina   profética.  O  grupo,  formalmente denominado Sociedade Unida dos Crentes, era conhecido como Shaking Quakers, ou  Shakers,  por   causa  do  uso  que  faziam  da  dança  extática  em  seus  cultos. O  cristianismo revolucionário dos Shakers chocou seus contemporâneos. Eles desafiaram quase todos os ideais  predominantes  da  sociedade   Americana  durante  o  seu  tempo.  Shakers  acreditavam  em  propriedade  comunitária,  pacifismo, dança na adoração,  igualdade dos sexos, celibato e vida simples. Muitos  protestantes do  período entendiam que  trazer  a dança, giros e  palmas a um espaço sagrado e elevando  isto acima da  palavra de Deus,  falada  por  um ministro ordenado, era sacrilégio. Mas  para os Shakers, a dança significava um  relacionamento comunitário com 

    15 Citado por (apud) GONZÁLEZ, Justo L. Cultura & Evangelho. p.146,147 

  • 8/18/2019 Pesquisa Danca Crista

    24/43

     

    Ana Cecília Rocha Veiga - www.missionariosdocotidiano.org 24

    DO COTIDIANO

    MISSIONÁRIOS 

    Deus, não  individual, e era um  poderoso  símbolo do  sistema  cultural  dos Shakers.” 16 Um dos expoentes desta sociedade, Mãe Ann, ao  final de sua vida, convenceu os seus seguidores de 

    que era

     Jesus

     Cristo

     em

     sua

     segunda

     vinda

     ao

     mundo.

     O

     movimento

     teve

     seu

     ápice

     no

     século

     XIX,  para  entrar  em  declínio  e  quase  não  possuir  representantes  nos  dias  de  hoje.  “Nestes tempos  pós‐modernos, com sua visão  fragmentada e  relativista da  realidade,  tem se  tornado usual   a  apreciação  pelo  que  é  exótico,  periférico,  não  convencional. No  caso  da  história  da igreja, há uma  tendência em exaltar  as expressões heterodoxas da  fé  cristã,  considerando‐as tão  ou mais  legítimas  que  o  cristianismo majoritário,  ‘oficial’.  Porém,  o  fato  é  que,  se  tais manifestações  tivessem  se  tornado  dominantes,  o  evangelho  conforme  exposto  no  Novo Testamento teria sofrido distorções incontornáveis.” 17 

    Em nossa cultura contemporânea, o que parecia um�