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MAIO DE 2013 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR TERREMOTOS Dimensões da crosta terrestre influenciam tremores no Brasil TECNOLOGIA DA INFORMAçãO Etiquetas “inteligentes” usam sinais de rádio para rastrear objetos DIREITOS HUMANOS Arquivos digitalizados ampliam acesso a memórias da repressão JORNALISMO Imprensa sensacionalista ajudou a divulgar ciência nos anos 1950 ENTREVISTA MICHEL RABINOVITCH Talento para formar cientistas As novas aves da Amazônia Quinze espécies da floresta são descritas no maior achado da ornitologia brasileira desde o século XIX

Pesquisa FAPESP 207

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As novas aves da Amazônia

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maio de 2013 www.revistapesquisa.fapesp.br

terremotosDimensões da crosta terrestre influenciam tremores no Brasil

tecnologia da informação Etiquetas “inteligentes” usam sinais de rádio para rastrear objetos

direitos humanos Arquivos digitalizados ampliam acesso a memórias da repressão

jornalismo Imprensa sensacionalista ajudou a divulgar ciência nos anos 1950

entrevista michel rabinovitch Talento para formar cientistas as novas aves

da amazôniaQuinze espécies da floresta são descritas no maior achado da ornitologia brasileira desde o século XIX

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Superlotação in vitroa imagem ampliada cerca de 11.200 vezes mostra o momento exato da saída do

Trypanosoma cruzi de uma célula de mamífero. Causador da doença de Chagas,

o parasita ao invadir células hospedeiras se multiplica para depois rompê-las e alcançar

as células vizinhas. as células em cultura (fundo cinza) foram fixadas e processadas para

visualização em microscópio eletrônico de varredura, que permite observar com alta

resolução detalhes da evasão dos muitos parasitas (em azul) de uma única célula.

a imagem faz parte de um conjunto de dados obtidos para o estudo do T. cruzi pela

doutoranda pilar florentino em conjunto com os professores Cristina Orikaza,

patrícia Milanez e andré aguillera, da universidade federal de são paulo (unifesp),

supervisionados por renato Mortara.

fotolab

se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para [email protected], com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 Mb. seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

Imagem enviada pelo parasitologista Renato A. Mortara, diretor do Centro de Microscopia da Unifesp

4 | maio DE 2013

PolÍtica cientÍfica e tecnolÓgica

30 HistóriaDigitalização de arquivos da repressão política em São Paulo terá impacto na pesquisa e na investigação de violações de direitos humanos

35 CienciometriaSupervalorização do indicador que combina quantidade e qualidade na produção científica gera controvérsia

40 educaçãoProgramas de iniciação científica revelam disposição de universidades para estreitar relações com o ensino médio

ciÊncia

44 GeologiaPesquisadores propõem novas explicações para os terremotos no país

50 obituárioO zoólogo Paulo Vanzolini foi um dos idealizadores da FAPESP e autor de uma teoria sobre a origem das espécies na América do Sul

52 ecologiaConstrução de rodoanel motiva expedições científicas à serra da Cantareira, na Grande São Paulo

58 especial Biota educação iiiOcupação e uso desordenado do solo, ao lado da instalação de usinas hidrelétricas, dificultam o fluxo migratório de espécies no pantanal

18 caPaquinze espécies de aves serão descritas simultaneamente, na maior descoberta da ornitologia brasileira em 140 anos

foto léo ramos

entrevista

24 michel rabinovitchparasitologista fala sobre a carreira e do talento para formar cientistas

63 BioquímicaDNA com tripla hélice pode regular expressão de certos genes

66 fisiologiaEquipe de Minas Gerais identifica no sangue molécula que dilata os vasos sanguíneos e reduz a pressão arterial

tecnologia

68 informáticaEtiquetas “inteligentes” baseadas em sinais de rádio para contar e rastrear objetos conquistam novos mercados

72 eletrônicaNova geração de células flexíveis tenta superar dificuldades para aumentar o uso de energia fotovoltaica no mundo

76 CosméticosCarbocisteína usada em substituição ao formol é analisada com técnicas desenvolvidas pela KosmoScience

humanidades

78 mídiaJornal vespertino de Assis Chateaubriand divulgava ciência como parte do projeto de extinguir “atraso” brasileiro

82 músicaPesquisadores do projeto Móbile fazem turnê para mostrar resultados da união entre arte e tecnologia

seçÕes

3 fotolab5 editorial6 Cartas7 On-line8 Dados e projetos11 boas práticas13 estratégias14 tecnociência86 Memória88 arte90 ficção92 resenhas94 Carreiras

58

maio 2013 n. 207

30 68

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mariluce moura

DiretOra De reDaçãO

carta da editora

há duas belas personagens, entre tantas que aparecem nesta edição de Pesquisa FAPESP, que nos propõem refletir com vagar sobre

a influência e o peso da personalidade ou, se pre-ferirmos, da singularidade do indivíduo, sobre o desenvolvimento de determinadas práticas sociais – neste caso, a produção do conhecimento cientí-fico e a formação do ambiente propício para tanto. Refiro-me, primeiro, a Paulo Vanzolini, morto aos 89 anos em 28 de abril, cujo obituário publicamos na página 50. Polêmico, tantas vezes apontado co-mo ranzinza e mal-humorado e, simultaneamente, como senhor de fino e corrosivo humor, Vanzolini, o cientista, teve papel fundamental, teórico e prá-tico, na constituição de uma zoologia efetivamente contemporânea no país. Os especialistas, observou o filósofo Luiz Henrique Lopes dos Santos, coorde-nador científico do projeto desta revista, não exage-ram quando o definem como o introdutor da zoolo-gia evolutiva no Brasil. Já Vanzolini, o compositor, autor de belíssimos clássicos da música popular brasileira, como Ronda e Volta por cima, embora tenha seu talento amplamente reconhecido, ainda deve provocar novas e acuradas análises sobre a dimensão de sua influência neste âmbito de nossa cultura. Entretanto, talvez o traço menos festejado de Vanzolini seja sua inteligência brilhante, deci-siva, no trabalho de forjar o caráter de instituições centrais para o desenvolvimento científico do país. E aqui me refiro, valendo-me de novo das palavras de Luiz Henrique na conversa que tivemos sobre a personagem de múltiplos talentos, não apenas ao Museu de Zoologia, mas também e principalmen-te à FAPESP, em cujo eficiente e respeitado modus operandi brilham a distância o espírito visionário e a sagacidade política de Vanzolini.

A segunda personagem fascinante em que me de-tenho é Michel Rabinovitch, um cientista em plena atividade aos 87 anos, que nos revela um pouco da riqueza profissional e pessoal de sua trajetória na entrevista que concedeu a Neldson Marcolin e Ri-cardo Zorzetto, respectivamente, o editor-chefe e o editor de ciência da revista. Os primeiros 15 anos de sua carreira na USP, quando já se destacou co-

mo um grande formador de novos cientistas, e os 33 anos seguintes de trabalho em respeitadas ins-tituições de ensino e pesquisa nos Estados Unidos e na França – Rabinovitch deixou o Brasil em 1964 para escapar à violência da ditadura – emergem de um depoimento sensível e generoso que se descola da primeira pessoa e conduz suavemente o olhar do leitor para o ambiente mais amplo da construção do saber científico no país. Vale a pena se deter na entrevista a partir da página 24.

É tempo de passar à reportagem de capa desta edi-ção, elaborada pelo editor especial Marcos Pivetta, que trata, a partir da página 18, da descrição simul-tânea de 15 novas espécies de aves da Amazônia, em artigos científicos previstos para serem publicados em julho num volume especial do Handbook of the birds of the world, obra de referência fundamental para ornitólogos profissionais e amadores. A descri-ção representa uma contribuição brasileira da maior importância para o conhecimento da biodiversidade e, ao mesmo tempo, configura a maior descoberta de nossa ornitologia em nada menos que 140 anos.

Gostaria de destacar também, ainda na seção de ciência, a reportagem elaborada por Igor Zolner-kevic e Ricardo Zorzetto a respeito das novas ex-plicações geológicas propostas para os terremotos no país (página 44). Sim, o Brasil tem terremotos, embora com intensidade sempre de fraca a mode-rada, mas que ainda assim provocam alguns trans-tornos porque não há nenhuma política pública ou medidas preventivas para seu enfrentamento. Para finalizar, destaco a reportagem do editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, sobre a digitalização de documentos ligados à repressão da ditadura pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo (página 30), que deverá ter grande impacto na pesquisa histórica e na investigação das violações dos direitos humanos no país; e o relato de nosso editor de humanidades, Carlos Haag, sobre o interessan-te tratamento dispensado à ciência pelo Diário da Noite, jornal sensacionalista do grupo empresarial de Assis Chateubriand (página 78), que amplia nos-sa percepção sobre a divulgação científica no país. Desejo a todos uma boa leitura!

o peso do talento individual na ciência

6 | maio DE 2013

um dos resultados e é a favor do resul-tado oposto. Ora, frente a um resultado de uma pesquisa, cabe analisar a meto-dologia e os dados; não cabe “gostar ou não gostar” do resultado. A reportagem não analisa os materiais e métodos. Não importa qual o assunto da pesquisa, esta lógica é geral. Também é lamentável a opinião de uma professora da UFRGS, de que “não consigo ver o que pode sair de bom desse tipo de estudo”. Então há a pesquisa boa e a pesquisa ruim?jorge ducati

Departamento de astronomia, ufrGs

porto alegre, rs

Nota da redação: Pesquisa FAPESP se pautou por normas jornalísticas: entre-vistamos os autores das pesquisas com resultados opostos e apresentamos ver-sões sobre a questão abordada.

Qr-codeFui bolsista da FAPESP (modalidade Pipe) entre 2002 e 2006, hoje moro no Rio de Janeiro e sou leitor assíduo de Pesquisa FAPESP. Sempre que a trago ao trabalho (Petrobras) e a deixo na minha mesa di-versos colegas aproveitam para dar uma folheada em busca de assuntos interessan-tes. Sugiro adicionar a cada reportagem na revista impressa um pequeno QR-Code que remetesse ao link da reportagem na web. Às vezes queremos compartilhar algum tema enquanto estamos lendo, e a maneria mais fácil seria tirar uma foto (a partir do celular) deste QR-Code e enviar o link para um colega. Isto ampliaria ainda mais a abrangência da revista.rafael faraone rando

rio de Janeiro, rJ

Nota da redação: Pesquisa FAPESP agradece a sugestão. Estamos estudan-do a possível adesão do QR-Code nas reportagens.

cartas

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua Joaquim antunes, 727, 10º andar - Cep 05415-012, pinheiros, são paulo-sp. as cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

fotos do passadoEncantaram-me duas reportagens da Pesquisa FAPESP (edição 205): “O pas-sado que não deixa o presente”, de Carlos Haag, e “Retratos das culturas alheias”, de Neldson Marcolin. A primeira objetiva a inércia e as dificuldades de mudanças sociais no Brasil, a partir de sua formação histórica imperial em contraposição à formação sempre republicana das nações vizinhas latino-americanas. Ressaltando a fotografia como um recurso etnográfico altamente eficiente em pesquisa, a segun-da enfoca o trabalho de Harald Schultz, na linha que me pareceu seguir os passos de Pierre Verger e dos irmãos Villas-Boas. Com estas reportagens Pesquisa FAPESP delineia um quadro do que temos de melhor em etnografia, fornecendo uma importante orientação para projetos e estudos futuros em antropologia.francisco j.b. sá

salvador, ba

accademia del cimentoNa edição nº 205 de Pesquisa FAPESP, na reportagem “Uma ciência mais aberta”, a Royal Society é citada como “a mais antiga sociedade científica do mundo”. A primei-ra sociedade científica da era moderna foi a Accademia del Cimento, criada em Florença em 1657. Em 1660, veio a Royal Society, na Inglaterra, e em 1666 surgiu a Academie Royale des Sciences, em Paris. andré laino

universidade do estado do rio de Janeiro

Nova friburgo, rJ

Nota da redação: A Accademia del Ci-mento encerrou suas atividades em 1667. A Royal Society é a mais antiga sociedade científica ainda existente.

comportamentoSobre a reportagem de capa da edição 203, “O crânio subvertido”, fica muito claro que há uma opinião (do autor do texto?) sobre o resultado de três pes-quisas. Duas destas têm certo resulta-do e outra tem um resultado oposto. A opinião da revista (do autor?) é contra

[email protected]

CelsO laferPrEsiDEntE

eDuarDO MOaCyr KrieGervicE-PrEsiDEntE

conselho suPerior

aleJaNDrO szaNtO De tOleDO, CelsO lafer, eDuarDO MOaCyr KrieGer, ferNaNDO ferreira COsta, HOráCiO lafer piva, HerMaN JaCObus COrNelis vOOrwalD, JOãO GraNDiNO rODas, Maria JOsé sOares MeNDes GiaNNiNi, JOsé De sOuza MartiNs, luiz GONzaGa belluzzO, suely vilela saMpaiO, yOsHiaKi NaKaNO

conselho técnico-administrativo

JOsé araNa varelaDirEtor PrEsiDEntE

CarlOs HeNrique De britO CruzDirEtor ciEntífico

JOaquiM J. De CaMarGO eNGlerDirEtor aDministrativo

conselho editorialCarlos Henrique de brito Cruz (Presidente), Caio túlio Costa, eugênio bucci, fernando reinach, José eduardo Krieger, luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo leite, Maria Hermínia tavares de almeida, Marisa lajolo, Maurício tuffani, Mônica teixeira

comitÊ cientÍficoluiz Henrique lopes dos santos (Presidente), adolpho José Melfi, Carlos eduardo Negrão, Douglas eduardo zampieri, eduardo Cesar leão Marques, francisco antônio bezerra Coutinho, João furtado, Joaquim J. de Camargo engler, José arana varela, José roberto de frança arruda, José roberto postali parra, luis augusto barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-anne van sluys, Mário José abdalla saad, paula Montero, roberto Marcondes Cesar Júnior, sérgio luiz Monteiro salles filho, sérgio robles reis queiroz, wagner do amaral, walter Colli

coordenador cientÍficoluiz Henrique lopes dos santos

diretora de redação Mariluce Moura

editor chefe Neldson Marcolin

editores Carlos Haag (Humanidades), fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), ricardo zorzetto (Ciência); Carlos fioravanti e Marcos pivetta (Editores espe ciais); bruno de pierro e Dinorah ereno (Editores assistentes)

revisão Márcio Guimarães de araújo, Margô Negro

arte Mayumi Okuyama (Editora), ana paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia felli e Camila suzuki (Assistente)

fotÓgrafos eduardo Cesar, léo ramos

mÍdias eletrônicas fabrício Marques (Coordenador) internet Pesquisa FAPESP onlineMaria Guimarães (Editora executiva - licenciada)Júlio Cesar barros (Editor em exercício) rodrigo de Oliveira andrade

rádio Pesquisa Brasilbiancamaria binazzi (Produtora)

colaboradores abiuro, adélia bezerra de Menezes, ana lima, angelo alves Carrara, Carla Ceres, Daniel bueno, Daniel das Neves, evanildo da silveira, fabio Hamdan, Gabriel bitar, igor zolnerkevic, Maria do rosário Caetano, Martha san Juan frança, raul aguiar, sandra Javera, valter rodrigues (Banco de Imagens), yuri vasconcelos, zé vicente

é Proibida a reProdução total ou Parcial de textos e fotos sem Prévia autorização

Para falar com a redação (11) [email protected]

Para anunciar (11) 3087-4212 [email protected] assinar (11) 3038-1434 e 3556-5204 [email protected]

tiragem 46.000 exemplaresimPressão plural indústria Gráficadistribuição DiNap

gestão administrativa iNstitutO uNieMp

PesQuisa faPesP rua Joaquim antunes, no 727, 10o andar, Cep 05415-012, pinheiros, são paulo-sp

faPesP rua pio Xi, no 1.500, Cep 05468-901, alto da lapa, são paulo-sp

seCretaria De DeseNvOlviMeNtO eCONôMiCO,

CiêNCia e teCNOlOGia governo do estado de são Paulo

fuNDaçãO De aMparO à pesquisa DO estaDO De sãO paulO

issN 1519-8774

PesQuisa faPesP 207 | 7

yOutube.COM/user/pesquisafapesp

on-linEw w w . r e v i s t a p e s q u i s a . f a p e s p. b r

xum dos principais capítulos de nossa história evolutiva, a transição dos vertebrados da água para a terra, ganhou novos contornos com o sequenciamento do genoma do celacanto – espécie de peixe africano. ao compararem o material genético do celacanto com o do Protopterus annectens, espécie primitiva de peixe pulmonado africano de nadadeiras com ossos, os pesquisadores descobriram que o P. annectens é, do ponto de vista evolutivo, o parente mais próximo dos tetrápodes, classe de vertebrados terrestres com quatro membros, na qual se incluem os seres humanos.

x está sendo avaliada a terceira versão do pirajuba, protótipo de veículo subaquático não tripulado desenvolvido na escola politécnica da usp. O projeto foi iniciado em 2008 com o objetivo de servir de plataforma de testes para pesquisas nas áreas de dinâmica, controle e navegação de veículos submarinos. em 2011 passou a ser adaptado para missões oceanográficas e de monitoramento ambiental. a ideia é que, no futuro, o veículo ajude a mapear o solo marinho e seja usado para inspecionar instalações submersas, como oleodutos, gasodutos e emissários submarinos.

Exclusivo no site

rádio

Historiadora fala dos 100 anos da primeira exposição de Lasar Segall no país

vídeo do mês

Nova tecnologia pode ajudar a marcar o tempo com alta precisão

P. annectens: peixe é o parente mais próximo dos tetrápodes

ma

tH

aE

/ W

iKim

EDia samuel mendes de souza_ sabia

que prata era boa contra micróbios, mas essa associação com fungos é muito interessante por entrar na bactéria. (Prata biológica)

júnior ventura_ Muito interessante, principalmente por disponibilizar livros pela internet. a curiosidade sobre o livro de Graciliano ramos foi inédita para mim. (Aquarela do Brasil)

sergio correa_ uau! que ampliação da nossa percepção do universo. (Sentinela das trevas cósmicas)

renato anjo_ isso é culpa da humanidade ou ocorreria mesmo se ela não existisse? (Degelo nos Andes)

alexandre spatuzza felmanas_ Dica cultural para o final de semana: o museu [Lasar Segall] fica na vila Mariana, lindo, tem cinema, café e fica perto de lá a Casa Modernista. (O modernismo que veio do frio)

isabel tessmer lilge rosa_ Mais do que hora de alguém se preocupar! (Intervenções sustentáveis) bruna Pastrello_ seria muito bom, porque o diagnóstico é realmente complicado. (Diagnóstico rápido para dengue)

nas redes

assista ao vídeo:

8 | maio DE 2013

DaDos E ProjEtos

temáticos

xestudo da variabilidade dia a dia da mesosfera, termosfera e ionosfera em baixas latitudes e região equatorial, durante o ciclo solar 24 Pesquisador responsável: paulo roberto fagundesinstituição: instituto de pesquisa e Desenvolvimento/univapProcesso: 2012/08445-9vigência: 01/03/2013 a 28/02/2018

xo universo em 3-d: astrofísica com grandes levantamentos de galáxias Pesquisador responsável: laerte sodré Juniorinstituição: iaG/uspProcesso: 2012/00800-4vigência: 01/01/2013 a 31/12/2017

xmodulação da diferenciação de linfócitos t em infecções por protozoários, fungos e bactérias Pesquisador responsável: João santana da silvainstituição: faculdade de Medicina de ribeirão preto/uspProcesso: 2012/14524-9vigência: 01/04/2013 a 31/03/2016

xacidente de trabalho: da análise sociotécnica à construção social de mudanças Pesquisador responsável: rodolfo andrade de Gouveia vilelainstituição: faculdade de saúde pública/uspProcesso: 2012/04721-1vigência: 01/04/2013 a 31/03/2018

xafecções ortopédicas relacionadas à prática esportiva: aspectos clínicos, genéticos e moleculares Pesquisador responsável: Moisés Coheninstituição: epM/unifespProcesso: 2012/07721-2vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xgeometria de sistemas de controle, sistemas dinâmicos e estocásticos Pesquisador responsável: Marco antonio teixeirainstituição: instituto de Matemática estatística e Computação Científica/unicampProcesso: 2012/18780-0vigência: 01/04/2013 a 31/03/2018

xmodelos de regressão e aplicações Pesquisador responsável: Heleno bolfarineinstituição: instituto de Matemática e estatística/uspProcesso: 2012/21788-2vigência: 01/04/2013 a 31/03/2018

temáticos e jovem PesQuisador recentesprojetos contratados entre março e abril de 2013

xPapel de receptores de reconhecimento padrão (Prrs) na ativação de macrófagos nas infecções fúngicas cutâneas causadas por Fonsecaea pedrosoi, Sporothrix schenckii e Trichophyton rubrum Pesquisador responsável: sandro rogério de almeidainstituição: faculdade de Ciências farmacêuticas/uspProcesso: 2012/18598-7vigência: 01/04/2013 a 31/03/2016

xcontribuição de produção de bioenergia pela américa latina, caribe e áfrica ao projeto gsb-lacaf-cana-i Pesquisador responsável: luís augusto barbosa Cortezinstituição: Núcleo interdisciplinar de planejamento energético/unicampProcesso: 2012/00282-3vigência: 01/03/2013 a 28/02/2015

xfenomenologia de física de partículas Pesquisador responsável: Gustavo alberto burdmaninstituição: instituto de física/uspProcesso: 2012/10995-7vigência: 01/03/2013 a 28/02/2018

xPrevenção e tratamento da depressão em idosos: um estudo de base populacional Pesquisador responsável: Cássio Machado de Campos bottinoinstituição: instituto de psiquiatria/ssspProcesso: 2012/50010-0vigência: 01/03/2013 a 28/02/2017

xaperfeiçoamento a inocuidade de alimentos pela eliminação de patógenos de biofilmes mistos. (faPesP-dcsr) Pesquisadora responsável: elaine Cristina pereira de Martinisinstituição: faculdade de Ciências farmacêuticas de ribeirão preto/uspProcesso: 2012/50507-1vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

xmodelling the dynamics of equatorial forest soil deep carbon in changing environments - c-Profor (faPesP/anr-blanc) Pesquisador responsável: adolpho José Melfiinstituição: escola superior de agricultura luiz de queiroz/uspProcesso: 2012/51469-6vigência: 01/02/2013 a 31/01/2016

xevolução de terrenos arqueanos do cráton são francisco e província borborema: implicações para processos geodinâmicos e

paleoambientais globais Pesquisador responsável: elson paiva de Oliveirainstituição: instituto de Geociências/unicampProcesso: 2012/15824-6vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xdinâmica de satélites artificiais Pesquisador responsável: rodolpho vilhena de Moraesinstituição: instituto de Ciência e tecnologia/unifespProcesso: 2012/21023-6vigência: 01/04/2013 a 30/09/2015

xcontradições do trabalho no brasil atual. formalização, precariedade, terceirização e regulaçãoPesquisadora responsável: Marcia de paula leiteinstituição: faculdade de educação/unicampProcesso: 2012/20408-1vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xespectroscopia vibracional em fases condensadasPesquisador responsável: Mauro Carlos Costa ribeiroinstituição: instituto de química/uspProcesso: 2012/13119-3vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xa função de genes que codificam fosfatases na virulência e na patogenicidade de Aspergillus fumigatusPesquisador responsável: Gustavo Henrique Goldmaninstituição: faculdade de Ciências farmacêuticas de ribeirão preto/uspProcesso: 2012/23942-9vigência: 01/07/2013 a 30/06/2017

xfotossensibilização nas ciências da vidaPesquisador responsável: Mauricio da silva baptistainstituição: instituto de química/uspProcesso: 2012/50680-5vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xhistória da energia elétrica no estado de são Paulo (1890-1960): patrimônio industrial, paisagem e meio ambientePesquisador responsável: Gildo Magalhães dos santos filhoinstituição: fflCH/uspProcesso: 2012/51424-2vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xevolution of consumption patterns, economic convergence and carbon footprint of development. a comparison brazil-france (faPesP/

anr-blanc-ecoPa)Pesquisadora responsável: suani teixeira Coelhoinstituição: iee/uspProcesso: 2012/51466-7vigência: 01/03/2013 a 31/08/2016

são Paulo excellence chairs (sPec)

xgrafeno: fotônica e optoeletrônica. colaboração uPm-nus Pesquisador responsável: antonio Hélio de Castro Netoinstituição: Centro de pesquisas avançadas em Grafeno e Nanomateriais/upMProcesso: 2012/50259-8vigência: 01/04/2013 a 31/03/2018

jovem PesQuisador

xanálise das ondas gravitacionais Pesquisador responsável: riccardo sturaniinstituição: instituto de física teórica/unespProcesso: 2012/14132-3vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

xutilização de complexos de rutênio como estratégia farmacológica para reverter e/ou prevenir a disfunção endotelial Pesquisador responsável: Gerson Jhonatan rodriguesinstituição: Centro de Ciências biológicas e da saúde/ufsCarProcesso: 2012/24477-8vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xfatores de transcrição de Chromobacterium violaceum: integrando vias de sinalização, regulons e patogenicidade Pesquisador responsável: José freire da silva Netoinstituição: instituto de biociências/uspProcesso: 2012/20435-9vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xavaliação da produtividade primária marinha através do estudo das bactérias magnetotáticas em sedimentosPesquisador responsável: luigi Jovaneinstituição: instituto Oceanográfico/uspProcesso: 2011/22018-3vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xevolução da lesão renal aguda e crônica em ratos submetidos ao pré-condicionamento físico: participação do endotélio Pesquisadora responsável: Heloisa

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Della Coletta francescatoinstituição: faculdade de Medicina de ribeirão preto/uspProcesso: 2012/50180-2vigência: 01/04/2013 a 31/03/2016

xelastografia, ultrassonografia com contraste por microbolhas e doppler como métodos de diagnóstico das neoplasias mamárias, afecções prostáticas e testiculares em cães Pesquisador responsável: Marcus antonio rossi felicianoinstituição: faculdade de Ciências agrárias veterinárias de Jaboticabal/unespProcesso: 2012/16635-2vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017

xretrocópias: origens, polimorfismos e variações somáticas Pesquisador responsável: pedro alexandre favoretto Galanteinstituição: Hospital sírio-libanês/sbsHslProcesso: 2012/24731-1vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017

x interação entre hipometabolismo, dinâmica do cálcio e excitabilidade neuronal – implicações no processo degenerativo da doença de alzheimer Pesquisador responsável: fernando augusto de Oliveira ribeiroinstituição: instituto de Ciências ambientais, químicas e farmacêuticas/unifespProcesso: 2012/50336-2vigência: 01/03/2013 a 28/02/2017

xefeito dos ácidos graxos de cadeia curta produzidos por bactérias probióticas na profilaxia e tratamento da inflamação alérgica das vias aéreas Pesquisadora responsável: Caroline Marcantonio ferreirainstituição: instituto de Ciências biomédicas/uspProcesso: 2012/50410-8 vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xcomo o cérebro de Apis mellifera (lineu, 1758) (hymenoptera, apidae) responde à dose subletal de tiametoxam? Pesquisadora responsável: thaisa Cristina roatinstituição: Centro de estudos de insetos sociais/unespProcesso: 2012/13370-8vigência: 01/05/2013 a 30/04/2015

xestudo da migração de células t específicas geradas pela vacinação ou infecção pelo Trypanosoma cruzi Pesquisador responsável: José ronnie Carvalho de vasconcelosinstituição: epM/unifespProcesso: 2012/22514-3vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017

xdinâmica espaço-temporal do carbono do solo e emissões de óxido nitroso na cultura da cana-de-açúcar no brasil – convergência entre modelos específicos de espaço e tempo Pesquisador responsável: Marcelo valadares Galdosinstituição: Centro Nacional de pesquisa em energia e Materiais/MCtiProcesso: 2012/06933-6vigência: 01/03/2013 a 28/02/2017

o peso da visibilidade dos papersÍndices comparativos entre universidades da américa latina, baseados apenas em publicações num conjunto de revistas indexadas no web of science

fonte: Cwts leiden ranking 2013; www.leidenranking.com/ranking. obs.: P = número de trabalhos no período analisado; mcs = citação média por trabalho; mncs = citação média por trabalho corrigida por impacto da área; PP = porcentagem dos trabalhos publicados que estão entre os 10% mais citados. Os índices mcs, mncs e PP estão corrigidos para compensar as diferenças entre a quantidade de publicações de cada universidade.

todas as ciÊncias

ranking / universidades P mcs mncs PP

1 pontifícia universidade Católica do Chile 4.175 4.56 0.94 9.2%

2 universidade de buenos aires 7.169 4.79 0.95 7.5%

3 universidade do Chile 5.173 3.66 0.80 7.3%

4 universidade Nacional de la plata 3.384 3.44 0.76 6.3%

5 universidade de são paulo 29.240 3.63 0.75 6.1%

6 universidade federal do rio de Janeiro 8.691 3.64 0.74 6.1%

7 universidade estadual de Campinas 9.744 3.31 0.73 6.0%

8 universidade federal de são paulo 5.574 4.09 0.71 5.4%

9 universidade federal de santa Catarina 3.812 3.09 0.68 5.4%

10 universidade federal de Minas Gerais 6.567 3.44 0.73 5.4%

ciÊncias biomédicas e da saúde

ranking / universidades P mcs mncs PP

1 pontifícia universidade Católica do Chile 1.404 5.45 0.86 8.7%

2 universidade do Chile 1.875 4.85 0.74 6.9%

3 universidade de buenos aires 2.592 5.71 0.80 6.2%

4 universidade federal do rio Grande do sul 3.267 4.49 0.74 6.0%

5 universidade de são paulo 14.294 4.13 0.71 5.3%

6 universidade federal de são paulo 4.753 4.16 0.70 5.1%

7 universidade federal do rio de Janeiro 3.355 4.50 0.70 5.1%

8 universidade federal de santa Catarina 1.360 3.88 0.66 4.7%

9 universidade federal de Minas Gerais 2.889 3.95 0.66 4.3%

10 universidade federal do paraná 1.147 3.83 0.62 4.1%

matemática e comPutação

ranking / universidades P mcs mncs PP

1 universidade federal de Minas Gerais 351 2.24 1.06 10.7%

2 pontifícia universidade Católica do Chile 292 1.92 0.88 9.4%

3 universidade do Chile 513 1.58 0.94 9.2%

4 universidade de buenos aires 405 1.45 0.87 8.8%

5 universidade Nacional de la plata 128 2.12 0.90 8.4%

6 universidade estadual de Campinas 795 1.69 0.86 8.3%

7 universidade federal do paraná 120 1.60 0.77 7.8%

8 universidade estadual paulista 272 1.77 0.78 7.6%

9 universidade federal do rio Grande do sul 288 1.60 0.78 7.0%

10 universidade de são paulo 1.384 1.56 0.79 7.0%

ciÊncias sociais e humanidades

ranking / universidades P mcs mncs PP

1 universidade federal de são paulo 100 2.60 0.80 6.9%

2 pontifícia universidade Católica do Chile 685 1.12 0.68 6.6%

3 universidade do Chile 520 0.72 0.83 5.8%

4 universidade federal de Minas Gerais 334 1.24 0.53 5.4%

5 universidade federal do rio Grande do sul 314 1.45 0.46 4.5%

6 universidade de são paulo 884 1.28 0.46 3.8%

7 universidade de buenos aires 467 0.72 0.33 3.1%

8 universidade federal de santa Catarina 229 0.49 0.44 3.0%

9 universidade federal do rio de Janeiro 402 1.16 0.38 3.0%

10 universidade estadual de Campinas 316 0.69 0.34 2.7%

apresentado por Mariluce Moura, diretora de redação da revista Pesquisa faPesP, e por Celso filho, diretor da rádio usp, o Pesquisa brasil traz informações de ciência, tecnologia, meio ambiente, humanidades.

Há sempre um pesquisador convidado conversando sobre o desenvolvimento de sua pesquisa, além de uma seleção musical com muito swing.

e você pode participar do “Ouvinte pesquisa” fazendo perguntas aos pesquisadores e concorrendo a uma assinatura anual da revista Pesquisa faPesP.

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Pesquisa brasil

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Novo guia para revisores

Combate frágil à má conduta

Boas Práticas

O Committee on Publication Ethics (Cope), fórum com sede no Reino Unido que reúne editores de periódicos científicos em torno de temas ligados à ética na pesquisa, lançou no dia 25 de março um guia para auxiliar o trabalho de revisores. O documento traz princípios básicos e normas que devem ser seguidas durante o processo de revisão por pares. As recomendações vão das mais consensuais, como a necessidade de o revisor avaliar somente artigos que sejam de sua área, até as mais específicas, tal como a que não permite que a revisão seja influenciada pelas origens do manuscrito, em relação à nacionalidade, religião, posições políticas e sexo do autor do paper.

Entre as diretrizes apresentadas pelo Cope – que atualmente conta com mais de 7.600 membros de 80 países, incluindo representantes de grandes editoras, como Elsevier, Springer e Wiley-Blackwell – está a de que as publicações devem assegurar que seus revisores trabalhem de forma construtiva, respeitando a confidencialidade e evitando conflitos de interesses. O comitê também destaca a proibição de usar informações obtidas durante a revisão para benefício próprio ou de terceiros, ou como forma de desacreditar o autor do paper.

Em nota, a coordenadora do projeto, a bióloga e editora-chefe do boletim trimestral do comitê, Irene Hames, disse que embora hoje sejam publicados cerca de 1,8 milhão de artigos por ano, em aproximadamente 28 mil publicações acadêmicas, “os revisores muitas vezes não contam com um guia de boas práticas para a revisão, distanciando-os de suas obrigações éticas”.

Para cada etapa do processo o guia fixa diretrizes específicas. Por exemplo, antes de começar a revisão o pesquisador deve declarar quaisquer interesses potencialmente conflitantes ou concorrentes (pessoais, financeiros, profissionais, políticos ou religiosos) que possam interferir em seu trabalho. Caso isso ocorra, o revisor precisa avisar o editor. Uma das recomendações diz que o revisor não pode envolver subalternos durante o trabalho, incluindo pesquisadores em início de carreira, sem antes obter uma permissão do periódico.

Os nomes daqueles que ajudarem no processo devem ser incluídos na resposta ao autor, para que recebam o devido crédito. Já na etapa de

O combate a casos de má conduta de cientistas é frágil na maioria dos países em desenvolvimento, conforme concluiu um estudo publicado em março na revista científica PLOS Medicine. Embora os casos de fraude e de plágio sejam um problema global, atingindo de 2% a 14% de cientistas em países desenvolvidos, as nações mais pobres ainda estão despreparadas para tratar de temas ligados à integridade e à ética na pesquisa.

Os autores do estudo levantaram dados sobre fabricação de resultados, falsificação de experimentos e plágio em 11 países: Argentina, Bangladesh, China, Costa Rica, Guatemala, Índia,

Quênia, México, Peru, África do Sul e Tunísia. Concluíram que, com exceção da China, que criou um escritório para a integridade da pesquisa científica, os países mais pobres quase não dispõem de mecanismos para agir contra a má conduta.

O autor principal do estudo, o nigeriano Joseph Ana, disse ao portal SciDev.net que a má conduta tem raízes na cultura do “publicar ou perecer”, ou seja, na pressão que os pesquisadores sofrem para publicar muitos artigos como forma de crescer na carreira. Outro fator apontado por ele é a dificuldade para escrever em inglês, o que leva muitas pessoas a plagiar trechos de outros artigos.

preparação do relatório, a revisão deve privilegiar sugestões para que o manuscrito seja melhorado, evitando sempre comentários pessoais e acusações.

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12 | maio DE 2013

Estratégias

um programa de combate à poliomielite lançado na Nigéria já localizou mais de 32 mil assentamentos de populações nômades e identificou mais de 700 mil crianças, das quais aproximadamente 40 mil nunca haviam sido vacinadas. embora apenas 3% dos 122 casos de poliomielite registrados em 2012 no país tenham ocorrido em crianças nômades, as equipes do programa descobriram mais de 100 prováveis casos que não foram relatados, reforçando a tese de que os nômades formam um importante elo na cadeia de transmissão da doença, informa reportagem da revista Nature. Junto com o paquistão e o afeganistão, a Nigéria é um dos últimos redutos onde a transmissão do poliovírus, o causador da poliomielite, ainda não foi interrompida.

Os nômades e a pólio

entre as principais barreiras para a erradicação da doença, que atinge principalmente crianças pequenas, estão os nômades, considerados “reservatórios” do vírus, espalhando-o durante as migrações. O programa National stop transmission of polio (N-stop) foi organizado pelo Global polio eradication initiative, uma parceria público- -privada coordenada pela Organização Mundial da saúde (OMs) e o Centro de Controle de Doenças (CDC), dos estados unidos, com apoio do governo nigeriano. a primeira etapa consolidará um censo do grupo nômade fulani e outras populações de localização difícil, para que depois os programas de saúde entrem com a vacinação. a meta do governo da Nigéria é erradicar a doença até 2015.

três universidades, um curso

as três universidades estaduais paulistas preparam em conjunto um inédito curso de doutorado em bioenergia. Com a proposta de ser um curso internacional, o programa contará com professores da universidade de são paulo (usp), da universidade estadual de Campinas (unicamp) e da universidade estadual paulista (unesp), além de especialistas estrangeiros. terá boa parte de suas aulas em inglês e usará um sistema de videoconferência para a integração de alunos e professores situados em diferentes cidades. segundo Carlos alberto labate, professor da usp e coordenador-geral do programa integrado de Doutorado em bioenergia, as aulas deverão ter início em março de 2014. Os alunos farão pelo menos quatro meses de estágio no exterior. O doutorado

vacinação antipólio na áfrica: crianças nômades são reservatórios do vírus

produção de etanol no interior paulista: aumento da base científica da pesquisa em bioenergia

conjunto é um desdobramento de outra iniciativa, o Centro paulista de pesquisa em bioenergia (Cppb), instituído em 2010, por meio de um convênio entre o governo do estado de são paulo, fapesp, usp, unicamp e unesp. ligado ao programa fapesp de pesquisa em bioenergia (bioen), o Cppb aumenta a base científica de pesquisa em bioenergia. “O curso é um dos importantes resultados do Centro paulista de pesquisa em bioenergia, organizado pela fapesp e pelas três universidades estaduais paulistas, com expressivo investimento do governo do estado de são paulo. O caráter multi-institucional é uma excelente ideia das universidades e fará o curso muito competitivo mundialmente”, disse Carlos Henrique de brito Cruz, diretor científico da fapesp.

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Contribuição reconhecida

O vencedor da edição 2012 do prêmio almirante álvaro alberto para Ciência e tecnologia é o engenheiro edgar Dutra zanotto, professor titular do departamento de engenharia de Materiais da universidade federal de são Carlos (ufsCar). O prêmio é concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico (CNpq), em parceria com a fundação Conrado wessel e a Marinha do brasil, e busca reconhecer o trabalho de pesquisadores brasileiros pelo avanço da ciência, tecnologia e inovação no país. “foi com surpresa e satisfação que recebi a notícia do prêmio”, disse zanotto, em entrevista ao portal do CNpq. O professor coordena há mais de três décadas o laboratório de Materiais vítreos (laMav) da ufsCar, responsável por diversas contribuições

elsevier adquire Mendeley

unesp adota inglês em 50 disciplinas

a universidade estadual paulista (unesp) vai oferecer a partir de agosto 50 disci-plinas de pós-graduação ministradas em inglês em 14 unidades espalhadas pelo estado de são paulo. as aulas são volta-das tanto para alunos estrangeiros quan-to brasileiros matriculados nos cursos da unesp. as 50 disciplinas envolverão quatro áreas do conhecimento: ciências agrárias, energias alternativas, odonto-logia e literatura e linguística. a iniciati-

va faz parte do esforço de internaciona-lização da unesp. segundo o pró-reitor de pós-graduação da universidade, eduar-do Kokubun, o objetivo é ampliar a diver-sidade cultural em sala de aula e a par-ticipação de estudantes internacionais nos programas de pós-graduação da universidade. Cada programa terá um grupo de disciplinas organizado de acor-do com um sistema de créditos vigente na europa, permitindo que o aluno es-

trangeiro transfira com facilidade os créditos para qualquer instituição que adote o sistema. O estudante será matricula do na unesp como aluno espe-cial. a interação entre os estudantes da unesp e os colegas estrangeiros deverá contribuir para a construção de um am-biente multicultural e mais internaciona-lizado, disse José Celso freire Junior, responsável pela assessoria de relações exteriores da unesp.

a holandesa elsevier, uma das maiores editoras de livros e periódicos científicos, comprou por us$ 100 milhões a rede social Mendeley, sediada em londres. Criada em 2008, a Mendeley surgiu como um software acadêmico gratuito usado para organizar referências bibliográficas. ao migrar para a internet, tornou-se uma rede social, permitindo ao usuário saber quais artigos são mais acessados por pesquisadores de determinada área, participar de grupos sobre determinados temas de interesse e interagir com outros pesquisadores. Com a operação, a elsevier

amplia seus negócios na internet, concorrendo diretamente com o endNote, serviço gerenciador de bibliografias da thomson reuters. reações desfavoráveis foram publicadas em blogs e mídias sociais após o anúncio da aquisição. usuários alertam que a vocação da Mendeley de ser uma plataforma aberta pode ficar comprometida na nova fase da empresa. em entrevista ao jornal The Guardian, o cocriador da Mendeley, victor Henning, disse que a missão da empresa continua sendo a de tornar a ciência uma atividade mais colaborativa.

edgar zanotto: pesquisas no campo da nucleação e cristalização de vidros

em pesquisa básica e aplicada relacionadas, por exemplo, à nucleação e cristalização de vidros (Ver pesquisa fapesp nº 178). entre 1995 e 2005 zanotto foi coordenador adjunto em ciências exatas e engenharias da Diretoria Científica da fapesp. “participei da concepção, implantação e administração, com sucesso, de novos e paradigmáticos programas de fomento à pesquisa, como Genoma, Cepid, pipe, Consitec, Nuplitec, scielo e a revista Pesquisa FAPESP”, relembra.

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14 | maio DE 2013

O clima no brasil nos próximos anos deve se manter estável, com temperaturas médias mais elevadas em todo o país, chuvas mais frequentes e intensas no sul e sudeste e secas mais frequentes e intensas no Norte e Nordeste. “todos os modelos [de simulação climática] indicam que a tendência de eventos climáticos extremos deve permanecer”, comentou tércio ambrizzi, da universidade de são paulo (usp), em abril, durante uma apresentação dos resultados preliminares do primeiro relatório nacional das mudanças climáticas. O relatório deve ser lançado em setembro pelo painel brasileiro de Mudanças Climáticas (pbMC), similar ao painel intergovernamental de Mudanças Climáticas (ipCC). “Não queríamos que o país chegasse de

extremos do clima no brasil

mãos vazias a 2014, quando o ipCC vai soltar o próximo relatório”, disse ambrizzi, um dos coordenadores do relatório. “agora podemos detalhar por bioma ou por setores o que o ipCC falava para a américa do sul”, comentou eduardo assad, da embrapa, que também coordenou o relatório. segundo assad, a persistência de temperaturas mais elevadas e chuvas ou secas mais intensas deve causar uma redução na produtividade agrícola e de áreas para o plantio: “temos de aumentar a produtividade agrícola”. as previsões indicam que a amazônia e a mata atlântica deverão encolher, reduzindo o volume dos rios e a quantidade de água disponível para os moradores dos centros urbanos.

pasto seco em Minas Gerais: chuvas e secas intensas devem se manter nos próximos anos

tEcnociênciaMais matéria que antimatéria

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em seus primórdios, o universo deve ter sido composto pela mesma quantidade de matéria e antimatéria, mas as observações atuais indicam que há muito mais partículas do que antipartículas no Cosmos. um experimento com o objetivo de tentar entender essa assimetria fundamental foi conduzido no Grande Colisor de Hádrons (lHC, na sigla em inglês), maior acelerador de partículas do mundo, situado nos arredores de Genebra. batizado de lHCb, o experimento analisou dados produzidos no ano de 2011 e encontrou evidências de que o decaimento radioativo das partículas subatômicas conhecidas como mésons b0

s gera mais matéria do que antimatéria – ou, como dizem os físicos em seu jargão, produz uma violação Cp (Physical

experimento lHCb: decaimento de mésons gera mais partículas que antipartículas

Review Letters, artigo submetido). essa é a quarta partícula a exibir tal comportamento, mas o grau de confiabilidade das medições é sem precedentes, segundo os pesquisadores europeus. embora esse tipo de violação possa ser explicado pelo Modelo padrão da física, teoria que dá conta do que é feita a matéria e de como ela se comporta no nível subatômico, alguns desvios talvez precisem ser analisados por meio de estudos mais detalhados. “sabemos que os efeitos totais induzidos pela violação Cp são pequenos demais para explicar um universo dominado pela matéria”, disse pierluigi Campana, porta-voz do lHCb. “No entanto, ao estudar os efeitos desse tipo de violação, estamos procurando pelos pedaços que faltam desse quebra-cabeça.”

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nanotubos e chumbo, combinação fatal

Nanomateriais podem ser prejudiciais à qualidade de águas e saúde ambiental, alertou Diego stéfani Martinez, pesqui-sador do laboratório de química do es-tado sólido (lqes) do instituto de quí-mica (iq) da universidade estadual de Campinas (unicamp), em um congresso internacional sobre segurança de nano-materiais realizado em novembro de 2012 na frança. Como resultado de um expe-

rimento feito com tilápias expostas a diferentes concentrações de nanotubos de carbono e chumbo por períodos de até 96 horas, ele e outros pesquisadores do lqes e do instituto de pesca de são paulo, em Cananeia, concluíram que os nanotubos podem aumentar em até cin-co vezes a toxicidade aguda do chumbo para essa espécie de peixe (Journal of Physics: Conference Series, março). isola-

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as bactérias podem ser encontradas em tumores não só porque os causaram, como se afirma há décadas, mas também porque os colonizaram, como típicos agentes oportunistas, concluíram Joanne Cummins e Mark tangney, ambos da universidade Cork, da irlanda (Infectious Agent and Cancer, março). revendo as pesquisas que associam câncer com bactérias, os dois autores desse estudo verificaram que três espécies são mais comuns (prevalentes) em tumores de pulmão, enquanto duas outras aparentemente os causam; quatro espécies de bactérias são

prevalentes em câncer de pâncreas e outras quatro são prováveis agentes causadores de tumores na bexiga e na vesícula biliar. Como conclusão geral, as bactérias se mostraram mais como agentes oportunistas, capazes de sobreviver em ambientes de pouco oxigênio como os dos tumores, do que causadores de tumores. para os pesquisadores irlandeses, estudos mais aprofundados sobre as estratégias de sobrevivência no microambiente tumoral poderiam indicar novos vetores bacterianos que facilitassem o transporte de drogas antitumorais, talvez assim reduzindo a toxicidade.

Nanotubos: provável causa de redução do consumo de oxigênio em peixes

bactérias em tumores

damente, os nanotubos não mostraram nenhum sinal de toxicidade aguda até o limite de 3 miligramas/litro, mas aparen-temente causaram uma redução no con-sumo de oxigênio e na eliminação de amônia pelos peixes. Os autores desse trabalho chamam a atenção para as im-plicações de nanomateriais em ambien-tes aquáticos e suas interações com poluentes comuns como o chumbo.

por que dividir a comida

Os chimpanzés, nossos parentes mais próximos, compartilham comida por várias razões: para manter ou fortalecer os laços sociais com parentes ou amigos próximos, para retribuir alimentos que ganharam antes ou para evitar o custo de solicitações persistentes nesse sentido. a decisão sobre iniciar, tolerar ou resistir à transferência de comida envolve um cálculo complexo e inconsciente no qual os animais consideram o

que eles têm em mãos, a natureza de suas relações com quem está pedindo, o grau de amizade com o solicitante e o custo de resistir aos pedidos, concluíram pesquisadores dos estados unidos e do Canadá (Animal Behavior, março). para estudar os padrões de transferência de alimentos, que ajudariam a entender as motivações para a cooperação entre primatas, os cientistas fizeram um experimento com seis grupos de chimpanzés em cativeiro. para cada grupo, com sete a nove animais, deram dois discos com 30 centímetros de diâmetro feitos de suco de fruta, água e amendoins. Dos 51 chimpanzés, 45 que tinham comida a compartilharam, deixando os animais se alimentarem de discos que estavam em suas mãos ou caídos no chão. pedidos pouco enfáticos eram frequentemente ignorados e as demandas mais persistentes eram associadas a respostas que pareciam refletir o desejo de resistir às solicitações.

Hora do lanche: dividir expressa amizade ou gratidão

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16 | maio DE 2013

robô-mosca paira no ar

as moscas são acrobatas do ar, capazes de desviar de um mata-moscas ou de uma palmada em frações de segundo. esses incômodos insetos conseguem ainda executar manobras difíceis, como pousar em flores em movimento em razão da presença de vento nas redondezas. assim, dotado de todos esses predicados de difícil reprodução no laboratório, seria também o robô miniaturizado criado por Kevin Ma e seus colegas da universidade Harvard, nos estados unidos. eles desenvolveram um robô com o tamanho aproximado de uma mosca que executa proezas aéreas semelhantes às das moscas-domésticas (Science, 3 de maio). feito de microestruturas de tecido compósito, o robô-mosca bate suas asas, confeccionadas de um material piezoelétrico (que

transforma eletricidade em movimento), cerca de 120 vezes por segundo. Os pesquisadores acoplaram seu robô- -voador a uma pequena fonte de energia externa e descobriram que o inseto artificial consome cerca de 19 miliwatts de eletricidade durante o voo, aproximadamente o mesmo que uma mosca de tamanho similar gastaria para realizar essa tarefa. O projeto tem como objetivo fornecer uma nova maneira de estudar a mecânica de controle de voo, agora numa escala equivalente à dos menores seres da natureza capazes de alçar voo e de passear pelo ar com extrema desenvoltura. Outra meta do trabalho, de acordo com os pesquisadores, é propiciar subsídios para futuros estudos sobre fontes de energia miniaturizadas, sensores e tecnologias de computação.

inseto artificial é do tamanho da mosca- -doméstica e bate as asas 120 vezes por segundo

Como viver quatro anos mais

Com mais atenção à saúde, os idosos poderiam viver quatro anos mais se as mortes evitáveis fossem realmente evitadas, concluíram pesquisadores do instituto de pesquisa econômica aplicada (ipea) e da fundação Oswaldo Cruz (Cadernos de Saúde Pública, abril). solange Kanso, do ipea, e seus colegas verificaram que as doenças crônicas – principalmente as do coração (56,6%), gripe e pneumonia (9,3%) e tumores associados ao tabagismo (7,8%) – representam a maioria do total (82%) das causas de mortes evitáveis de idosos com até 74 anos no estado de são paulo. No brasil existem políticas direcionadas para a prevenção dessas doenças, a exemplo do plano Nacional de reorganização da atenção à Hipertensão e ao Diabetes Mellitus, dirigido para a população com 40 anos ou mais. uma das metas da secretaria estadual

de saúde de são paulo é a redução das taxas de internação e mortalidade por doenças do aparelho circulatório. O problema, porém, é que “esses programas estão voltados apenas para a população com idades entre 30 e 59 anos, excluindo assim a população idosa”, observam os autores. Cuidados extras com a saúde trariam mais anos de vida, por meio da eliminação das principais causas consideradas evitáveis, principalmente entre a população masculina, que talvez esteja exposta a mais fatores de risco e use menos o sistema de saúde. “Caso não tivessem ocorrido esses óbitos”, relatam os pesquisadores, “a expectativa de vida aos 60 anos, no estado de são paulo, aumentaria em 20,5%, passando de 22,2 anos para 26,8 anos, valor próximo ao observado para o Japão”. em 2007, 66.190 idosos com até 74 anos morreram no estado de são paulo.

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Múmias de 4 mil anos com aterosclerose

até agora a aterosclerose, a formação de placas de gordura nos vasos sanguíneos, era vista como uma condição ligada à alimentação rica em gordura e ao sedentarismo: era uma doença da modernidade. No entanto, a aterosclerose foi detectada em 37% de 137 múmias de quatro continentes – 76 eram do egito, 51 do peru, 5 dos estados unidos e 5 da região do alasca – que viveram ao longo dos últimos 4 mil anos e agora foram examinadas por meio de tomografia computadorizada corporal total

(The Lancet, 10 de março). segundo o médico randall thompson, pesquisador da universidade de Missouri-Kansas, estados unidos, e principal autor desse estudo, a identificação de placas de gordura nas paredes das artérias sugere que a doença era comum mesmo entre populações distantes entre si. também levanta a hipótese de que existe uma predisposição humana natural à doença, que poderia ser mais uma consequência do envelhecimento do que do tipo de dieta. todas as pessoas que foram mumificadas eram fo

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onde está a lignina no bagaço da cana

Com o auxílio de um microscópio óptico confocal, um grupo de pesquisadores do instituto de física de são Carlos (ifsC) da universidade de são paulo (usp) con-seguiu identificar concentrações mínimas de lignina no bagaço da cana-de-açúcar, informação importante para a transfor-mação da biomassa em etanol celulósico. Nos processos químicos de pré-trata-mento do bagaço para a produção do etanol de segunda geração, uma das etapas é a retirada da lignina, que au-menta a rigidez da parede vegetal e di-ficulta o acesso à celulose e, portanto, a quebra dos açúcares. “usamos um mi-croscópio confocal de fluorescência para mapear o local exato onde ela se encon-tra ao longo da parede da fibra da cana”, explica francisco eduardo Gontijo Gui-marães, pesquisador que participa do projeto coordenado por igor polikarpov, do ifsC-usp. Dessa forma, eles acreditam, é possível avaliar se os pré-tratamentos químicos usados no processo são efetivos.

“a maioria dos métodos usados atual-mente só consegue medir concentrações de lignina de até 9% e nós já chegamos a 1%”, ressalta Guimarães. por meio da microscopia confocal, a equipe de poli-karpov mediu também as fibras de celu-lose individualmente, o que representa um avanço em relação aos métodos hoje em uso, que medem o conjunto de fibras.

Os cheiros e os micróbios

pesquisadores do instituto Max planck de imunobiologia e epigenética em freiburg, alemanha, isolaram fragmentos de proteínas conhecidos como peptídeos que formam o odor corporal de cada pessoa e podem ativar as defesas contra microrganismos causadores de doenças (Research in Germany, março). esses peptídeos podem ser detectados pelas células sensoriais da mucosa do nariz e, ao mesmo tempo, espelham os genes de cada pessoa ligados aos mecanismos de reconhecimento de microrganismos causadores de doenças. Os estudos indicaram que pessoas, peixes, camundongos, aves e provavelmente outros vertebrados recebem informações importantes sobre o sistema imune de um parceiro por meio de seu odor corporal. Desse modo, concluíram os cientistas, um parceiro é escolhido à medida que ofereça um complemento aos genes e proteínas que ativam o sistema imune de cada pessoa.

vegetarianas e tinham levado uma vida fisicamente muito ativa. a idade média das mortes relacionadas diretamente à aterosclerose era de 43 anos. Nos últimos séculos, os óbitos por infecções se tornaram bastante comuns.

Nas artérias aderidas aos ossos, sinais de uma doença comum

Cana-de-açúcar: medições mais apuradas para localizar a lignina

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quinze espécies

são descritas

simultaneamente,

na maior descoberta

da ornitologia brasileira

em 140 anos

novas aves da amazônia

desde a segunda metade do século XIX a ornitologia brasileira não dava uma con-tribuição tão significativa para ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade:

15 novas espécies de aves da Amazônia nacional serão formalmente descritas pela primeira vez numa série de artigos científicos previstos para serem publicados em julho num volume especial do Handbook of the birds of the world, da espanho-la Lynx Edicions. Esse tomo fecha uma coleção de 17 livros que, por seu caráter enciclopédico e didático, é adotada como fonte de consulta por ornitólogos profissionais e amadores.

Os autores das descrições pertencem a três instituições nacionais de pesquisa – Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ--USP), Instituto Nacional de Pesquisas da Ama-zônia (Inpa), de Manaus, e Museu Paraense Emí-lio Goeldi (MPEG), de Belém – e ao Museu de Ciência Natural da Universidade Estadual da Louisiania (LSUMNS), Estados Unidos. Os or-nitólogos não apresentavam ao mundo, de uma

Nova espécie de gralha do gênero Cyanocorax, já ameaçada de extinção: encontrada apenas na borda de campinas naturais do sul do amazonas

marcos Pivetta

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só vez, numa única obra, um conjunto tão nume-roso de novas aves brasileiras desde 1871, quando saiu o livro Zur Ornithologie Brasiliens. Nessa obra, escrita pelo austríaco August von Pelzeln (1825-1891), foram divulgadas 40 espécies de aves coletadas pelo naturalista Johann Natterer (1787-1843), também austríaco, em suas viagens pela Amazônia brasileira.

Onze das novas espécies são endêmicas do Bra-sil e quatro podem ser encontradas também no Peru e na Bolívia. Oito ocorrem somente a oeste do rio Madeira, na parte ocidental da Amazônia; cinco habitam exclusivamente terras situadas entre esse curso d’água e o rio Tapajós, no cen-tro da região Norte; e duas vivem apenas a leste do Tapajós, no Pará, na porção mais oriental da floresta tropical. No volume especial do Hand-book, os autores descrevem a morfologia (formas e estruturas), a genética e a vocalização (canto e sons) das novas espécies. Por meio de mapas es-pecíficos para cada espécie, mostram ainda seus locais de ocorrência. No entanto, até que o livro seja oficialmente publicado, o nome científico e alguns detalhes sobre a anatomia e o modo de vi-da das novas espécies não podem ser divulgados.

Dessas aves até agora desconhecidas e sem registro na literatura científica, a maior e mais espetacular é uma espécie de gralha,

do gênero Cyanocorax, com cerca de 35 centíme-tros de comprimento, que vive apenas na beira de campinas naturais situadas em meio à floresta existente entre os rios Madeira e Purus, no Ama-zonas. “Essa gralha está ameaçada de extinção”, diz Mario Cohn-Haft, curador da seção de ornito-

logia do Inpa, principal descobridor do cancão--da-campina, nome po-pular cunhado para a ave. “Seu hábitat está em perigo e podemos perder a espécie antes de ter tido tempo de estudá-la a fundo.” Sua principal região de ocorrência é um complexo de campinas, distante 150 quilômetros ao sul de Manaus, numa área próxima à rodovia BR-319, que liga a capital amazonense a Porto Velho. A estrada está sendo reformada e os pesquisadores temem que o acesso facilitado ao local coloque em risco o hábitat da espécie. “A nova gralha também ocorre numa zona de campos naturais no sul do Amazonas, próximo a Porto Velho, onde há muitos colonos do Sul do país, que a confundem com a gralha-azul [um dos símbolos do Paraná]”, diz Cohn-Haft.

Com exceção de uma ave da ordem dos Pici-formes, que inclui tucanos e pica-paus, as demais espécies amazônicas agora apresentadas à comu-nidade científica pertencem à ordem dos Passeri-formes. Popularmente chamados de passarinhos, os membros desse grupo representam aproxima-damente 55% das espécies de aves conhecidas, como os pardais, canários, bem-te-vis e tantas outras. Além da gralha e do parente distante dos tucanos, serão descritos no livro cinco espécies da família Thamnophilidae (na qual se incluem os papa-formigas), quatro da família Dendroco-laptidae (todas novas formas de arapaçus), três da vasta família Tyrannidae (que compreende 400 espécies presentes do Alasca à Terra do Fogo) e uma da pequena família Polioptilidae (composta por menos de 10 espécies, em geral aves vulgar-mente denominadas balança-rabo).

poiaeiro-de- -chicomendes, nome popular de espécie a ser descrita da família tyrannidae (ao lado). abaixo, nova espécie de arapaçu-de-bico-torto

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Em termos numéricos, as novas espécies amazônicas representam um acréscimo de quase 1% na biodi-versidade nacional de aves. “Somos o segundo país com maior núme-ro de espécies de aves conhecidas, cerca de 1.840”, afirma Luís Fábio Silveira, curador do setor de ornito-logia do Museu de Zoologia da USP, um dos coordenadores da iniciativa. “Apenas a Colômbia tem mais espé-cies do que nós, aproximadamente 1.900. Mas, daqui a uma década, de-vemos chegar às 2 mil espécies de aves conhecidas no Brasil. Há vários exemplares de aves desconhecidas nos museus brasileiros, oriundos de diversos biomas, que serão descritos nos próximos anos.”

As aves são o grupo de vertebra-dos mais estudado da biologia. No entanto, pa-rece haver muito a ser conhecido, especialmente na Amazônia, ainda que esse bioma tenha sido alvo de muitas pesquisas nas últimas décadas. “A biodiversidade em geral, e mesmo a de aves deste bioma, está longe de ter sido completa-mente amostrada”, diz o ornitólogo Bret Whit-ney, pesquisador do Museu de Ciência Natural da Universidade Estadual da Louisiania e prin-cipal coordenador da empreitada. “Ainda fal-ta muito para a Amazônia ser considerada su-

ficientemente bem conhecida e, assim, permitir o planejamento e a sustentabilidade das reservas de biodiversidade já existentes e também das futuras.” Em paralelo à vida acadêmica, Whitney é sócio de uma empresa de ecoturismo, a Field Guides, que leva pessoas pa-ra observar aves em vários pontos do globo, inclusive da Amazônia.

Algumas das dezenas de expedi-ções feitas pela Amazônia nos úl-timos 10 anos que levaram à des-coberta de novas espécies foram custeadas, parcial ou totalmente, por um projeto de Silveira financia-do pela FAPESP. Outras contaram com apoio do CNPq, do Ministério do Meio Ambiente, do Programa de Pesquisa em Biodiversidade do Mi-nistério da Ciência e Tecnologia, de secretarias estaduais e até da ame-ricana National Geographic Society. Numa dessas incursões pela floresta tropical, no ano passado, duas de-zenas de pesquisadores e alunos de pós-graduação das instituições envolvidas no projeto alugaram du-

rante um mês, por R$ 75 mil, um barco para per-correr o rio Sucunduri, um afluente do Madeira, em busca de novas espécies de aves.

Em outros momentos, os cientistas precisa-ram até do apoio de proteção armada pa-ra entrar em regiões que poderiam abrigar

novas formas de aves. A localidade tipo de uma das novas espécies, um arapaçu-de-bico-torto, é a Floresta Nacional de Altamira, próxima à rodo-via BR-163, no sul do Pará. A área é uma unidade de conservação do Ibama. “Mas, para podermos trabalhar com segurança na reserva, tivemos de ser escoltados por soldados do Exército brasileiro. Havia um garimpo ilegal em funcionamento na unidade”, conta Aleixo, da seção de ornitologia do MPEG. “A tensão de trabalhar num lugar as-sim é grande e, não fosse a presença do Exército, não teríamos conseguido.”

Modernamente, o processo de descrição de es-pécies recém-descobertas ocorre nas páginas de revistas científicas, não mais em livros. Mas a im-portância e a singularidade do conjunto de novas espécies de aves amazônicas fizeram os editores da enciclopédia e os autores dos trabalhos opta-rem por um caminho alternativo. Cada nova espé-cie foi alvo de um paper independente, um artigo científico, nos moldes do que seria preparado para um periódico acadêmico, e a equipe do Handbook contratou os serviços de um grupo de especialis-tas para atuar no processo de revisão por pares e

desde o século xix não era descrito de uma única vez um número tão grande de novas espécies de aves brasileiras

onde vivem as novas avesas 15 espécies recém-descobertas ocorrem em três grandes regiões da amazônia

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espécies a oeste do rio Madeira

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aprovação dos textos com as descrições formais de cada espécie. Para a ciência, o texto que des-creve e batiza com um nome em latim, composto de dois termos (gênero e espécie), uma nova for-ma de vida equivale ao atestado de nascimento da espécie. Serve também como uma documentação fundamental da biodiversidade de uma região, no caso das aves da Amazônia, e para a formulação de políticas públicas de caráter ambiental.

A iniciativa de publicar todas as novas espécies de uma vez ganhou corpo no ano passado e foi coor-denada por Whitney, Silveira, Cohn-Haft e Aleixo, sempre com a participação de alunos de pós-gradua-ção de suas respectivas instituições. O grupo estava produzindo textos para o 17º volume do Handbook, que traria informações de espécies de aves desco-bertas recentemente em todo o mundo, entre 1992 e 2011. As espécies formalmente descritas pela ciência nesse período haviam ficado de fora dos demais 16 livros da série, que resumiam e organizavam dados de cada membro das famílias conhecidas de aves. Inicialmente, o volume especial da obra trataria de 68 espécies, todas já descritas formalmente em pa-pers publicados em revistas científicas nas últimas duas décadas, o que dá uma média de menos de 4 novas espécies descobertas por ano. No final, o livro extra trará 83 espécies, incluindo as 15 da Amazônia cuja descrição científica ocorre excepcionalmente no próprio livro. Ao optar por revelar simultanea-mente as novas espécies numa única obra, a ideia do grupo era chamar a atenção para a importância de preservar a biodiversidade da Amazônia, onde podem ser encontrados dois terços das espécies de aves presentes no Brasil. “Se publicássemos cada paper em separado, em revistas distintas, o impacto não seria o mesmo”, diz Silveira.

O ato de procurar por aves no meio natural re-mete à imagem de um sujeito de bermudas, ca-

miseta, chapéu e binóculos na mão. Talvez uma máquina fotográfica também componha o cenário. No entanto, um item não mencionado é mais do que obrigatório para os ornitólogos: um gravador. A maioria das 15 novas espécies foi, inicialmente, identificada por seu cantar, que, aos ouvidos dos es-pecialistas, apresentava caráter diferente ou pouco familiar. “Não é preciso ser superdotado para reco-nhecer um cantar diferente. É questão de treino”, diz Whitney. “É como reconhecer pelo primeiro acorde uma música nova de sua banda favorita.”

Há apenas duas décadas, a descrição de uma nova espécie de ave, como ocorria com a maioria dos seres vivos, se baseava apenas

na singularidade de sua anatomia e aparência ex-terna. Se a plumagem e as estruturas ósseas de um exemplar eram diferentes significativamente dos traços encontrados nas espécies conhecidas, esse animal podia ser rotulado como sendo de uma no-va espécie. Hoje, além da morfologia, outros dois critérios fundamentais são usados para propor a existência de novas espécie de aves: a análise de suas vocalizações e de seu material genético. “Atualmente há pesquisadores que propõem a existência de uma nova espécie de ave mesmo quando apenas um desses três parâmetros se

o brasil é o segundo país do mundo com mais espécies de aves conhecidas, cerca de 1.840

o canto dos passarinhosGráficos mostram as diferenças sonoras entre as vocalizações de espécies semelhantes do gênero Herpsilochmus (ao lado)

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mostra distinto das demais espécies conheci-das”, afirma Silveira. “Fomos conservadores em nosso trabalho e propusemos uma nova espécie apenas quando encontramos divergências em pelo menos dois desses três critérios.”

Com a ajuda de softwares especializados, o canto gravado de cada candidata a nova espécie de ave foi comparado com vocalizações homólo-gas de espécies semelhantes. Às vezes, bastaram uns poucos segundos de comparação para con-firmar a primeira impressão captada pelo ouvido treinado dos ornitólogos: as frequências sonoras emitidas pelas novas espécies eram distintas dos cantos produzidos por aves aparentadas, mesmo de algumas espécies que lhes eram fisicamente extremamente semelhantes. De cada ave desco-berta, os pesquisadores também sequenciaram alguns milhares de pares de bases de genes pre-sentes no DNA nuclear e nas mitocôndrias, or-ganelas celulares responsáveis pela produção de energia que têm genoma próprio, independente, frequentemente usado para estudos de filogenia.

O material genético foi comparado com o DNA de espécies já conhecidas a fim de averiguar sua singularidade e montar, quando possível, relações de parentesco ou uma árvore filogenética da nova espécie. “Para boa parte das novas aves que esta-mos descrevendo, a confirmação de que se tra-tava de espécies diferentes foi realmente obtida com a inclusão do aspecto genético nas análises”, comenta Aleixo. “Isso reforça a importância de que a coleta científica de espécimes tem que ser acompanhada pela obtenção de material genéti-co, algo que, infelizmente, ainda não é praticado em vários museus e coleções de todo o Brasil.”

os estudos genéticos são capazes de revelar informações preciosas sobre as origens das espécies. A história evolutiva de duas

novas aves agora descritas, dois chorozinhos do gênero Herpsilochmus, é bem ilustrativa do tipo de contribuição que pode ser obtida com essa abordagem. Ambas as espécies são quase iguais do ponto de vista morfológico, mas suas vocali-zações são nitidamente distintas. Uma das aves habita um trecho da margem direita do rio Ma-deira e outra vive apenas na margem esquerda. Nesse caso, o Madeira, cuja distância entre as margens pode atingir quase 10 quilômetros em alguns pontos, funciona como uma barreira na-tural entre as duas populações de aves, que não mantêm contato uma com a outra. A separação prolongada dos dois grupos de chorozinhos levou ao processo evolutivo que os biólogos denomi-nam especiação: o surgimento de uma nova espé-cie, no caso de duas, originadas da fragmentação de uma população ancestral comum e que hoje ocorrem em ambientes sem comunicação (efei-to vicariante). Apesar das enormes semelhanças morfológicas entre as duas populações de choro-zinhos, os estudos genéticos relevaram – e esse é o dado realmente surpreendente – que elas foram isoladas pelo Madeira 2 milhões de anos atrás.

O papel dos grandes rios da Amazônia, barreiras geográficas intransponíveis para muitas espécies, no surgimento de novas formas de vida é bem co-nhecido pela ciência. Segundo os ornitólogos, a no-vidade é que mesmo cursos d’água não tão monu-mentais podem desempenhar a mesma função em certos casos. Pelo menos três novas espécies foram descobertas, por exemplo, na região que fica entre os rios Aripuanã e Machado, no sul do Amazonas e norte de Rondônia: um dos chorozinhos acima mencionados, a choquinha-do-rio-roosevelt e o cantador-de-rondon (esses são os nomes popula-res das aves). Essa área, por onde passa também o rio Roosevelt, funcionou como um refúgio para espécies menores de aves, que ficaram “presas” e acabaram, com o passar dos anos, desenvolvendo características próprias no interior do território entre as margens dos cursos d’água. “Alguns rios da Amazônia foram mudando seu percurso ao longo da história evolutiva”, afirma Silveira. “Às vezes, esse processo de acomodação dos leitos de rios promove a separação de populações de aves que antes habitavam o mesmo ambiente.” Os nu-merosos rios que serpenteiam pela maior floresta tropical são uma caudalosa fonte de biodiversida-de, dentro e fora de suas águas. n

bico-chato-do- -sucunduri (acima). Nova espécie da família dos bucconidae (ao lado)

projetosistemática, taxonomia e biogeografia de aves neotropicais: os Cra-cidae como modelo (2007/56378-0); modalidade linha regular de auxílio a projeto de pesquisa. coord. luís fábio silveira – Mz-usp; investimento r$ 86.928,28 (fapesp).

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um método para inocular ciência

entrevista

neldson marcolin e ricardo zorzetto

ao procurar um texto de referên-cia, o professor Michel Pinkus Rabinovitch abre uma pasta no computador com uma infinidade

de outras pastas, cada uma delas relativa a um tema de estudo ou interesse. Os as-suntos são variadíssimos e todos remetem a alguma área da ciência. Quando concedeu a entrevista a seguir, no começo deste ano, ele estava empenhado em estudar uma pequena molécula supostamente tóxica para tumores ao mesmo tempo em que pesquisava a vida de alguns cientistas para compor textos sobre história da ciência. A curiosidade intelectual, inata em todo pesquisador que se preze, continua intacta em um professor que era procurado por alunos com interesse em pesquisa na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) dos anos 1950.

Inicialmente interessado em hematologia, Rabinovitch formou-se em 1949, doutorou-se dois anos depois e se tornou professor adjun-to de histologia e embriologia em 1959. Ao final de uma carreira de 15 anos na USP, onde orientou e formou uma geração brilhante de jovens, o cientista deixou o Brasil em 1964,

Michel rabinovitch

idade 87 anos

esPecialidade parasitologia e biologia celular

formação universidade de são paulo (graduação e doutorado) universidade de Chicago (pós-doutorado)

instituiçÕes universidade de são paulo universidade rockefeller universidade de Nova york CNrs/instituto pasteur

instituição atual universidade federal de são paulo

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ameaçado pelo regime militar, e iniciou uma peregrinação de 33 anos em instituições dos Estados Unidos e da França. Foi pesquisador e professor na Universidade Rockefeller e na Escola de Medicina da Universidade de Nova York, onde acolheu os pesquisadores brasileiros Bernardo Mantovani, Momtchi-lo Russo e Clara Barbieri Mestriner; e no Instituto Pasteur, em Paris, onde orientou Silvia Celina Alfieri, Liège Galvão Quintão e Patricia Veras. Estudou biologia celular, pes-quisou protozoários e bactérias e conheceu pesquisadores como Hewson Swift, Daniel Mazia, Zanvil Cohn, Rollin Hotchkiss e Ral-ph Steiman, entre outros.

Em 1997 Rabinovitch voltou definitiva-mente ao Brasil para a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na capital paulista, onde novamente formou pesquisadores e ainda hoje ajuda na orientação de alunos e participa de reuniões científicas da área de parasitologia e microbiologia. Aos 87 anos, Rabinovitch mora em um apartamento abar-rotado de livros perto da universidade, aonde vai a pé. Nesta entrevista, ele contou sobre sua extensa e rica trajetória científica no Brasil e no exterior.

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O senhor tem fama de ser o formador de pesquisadores como Ricardo Bren-tani, Nelson Fausto, Thomas Maack e Sérgio Henrique Ferreira, entre outros. O que propiciou a formação de gente tão qualificada? Vários fatores. Na década de 1950 exis-tiam alguns grupos excelentes de pes-quisa básica no Instituto Biológico, no Instituto Butantan e na Faculdade de Filosofia da USP. Eu mesmo frequen-tei as conferências das sextas à tarde no Biológico, presididas por Henrique da Rocha Lima. Na mesma época o am-biente científico nas cadeiras básicas da FMUSP era limitado a alguns excelentes investigadores isolados, entre os quais Floriano Paulo de Almeida, Carlos da Sil-va Lacaz e Wilson Teixeira Beraldo. Em iniciativa pioneira, hoje pou-co lembrada, do fim da déca-da de 1940, por alguns anos, desenvolveu-se no quarto an-dar da FMUSP o Laboratório de Câncer Andrea e Virginia Matarazzo, dirigido por Pie-ro Manginelli, que trouxe a cultura de tecido e a cance-rologia para a Faculdade de Medicina, como tinha feito Robert Archibald Lambert na década de 1920. As grandes mudanças do meio do século nas cadeiras básicas da facul-dade se iniciaram com Luiz Carlos Junqueira, seguido por Isaias Raw e Alberto Car-valho da Silva. Antes disso as oportunidades para o trei-namento de estudantes em ciência experimental eram poucas. Os estudantes interessados em pesquisa clínica se dirigiam para o HC, já povoado por clínicos-pesquisadores de alto nível como Michel Abujamra, meu guru e amigo vitalício, Helio Lou-renço de Oliveira, José Barros Magaldi e Dirceu Pfuhl Neves. Nesse contexto eu era um franco-atirador informal, pouco autoritário, recém-chegado de excelen-te experiência nos Estados Unidos, de 10 a 12 anos mais velho do que os estu-dantes, interessado em música, leitura e no papel da ciência na sociedade. Além disso, minha vida pessoal permitia con-viver com os estudantes dentro e fora do laboratório. Acredito que esses fatores contribuíram para aquele evento his-tórico, difícil de ser reproduzido hoje.

O professor Brentani disse em uma entrevista que os jovens com talento para pesquisa na FMUSP eram orien-tados pelos professores a “procurar o Rabino”.O Ricardo era atraído pela pesquisa, me procurou e a gente trabalhou muito jun-to – e nos divertimos muito também.

O Departamento de Histologia era mes-mo o melhor da faculdade?Em 1946 ou 1947 a ciência no Departa-mento de Histologia e Embriologia con-tinuava voltada para a anatomia micros-cópica, embriologia e teratologia: ela era descritiva, tradicional, pré-moderna. Microscópios, micrótomos, estufas e corantes eram os instrumentos utiliza-dos. Aprendi as técnicas assessorado por

José dos Santos, um técnico esplêndido. Aos alunos de medicina ensinava-se o necessário para a compreensão da fisio-logia e da patologia. O mesmo ocorria em outros departamentos. O professor José Oria percebia que a mudança era necessária. Ele mesmo me deu um vo-lume de um simpósio de Cold Spring Harbour de 1947 sobre ácidos nuclei-cos. Em 1948, a tomada de poder pe-lo Junqueira, que aos 28 anos possuía doutoramento, docência e assumia a cátedra por concurso, revolucionou o departamento, agora rebatizado de De-partamento de Biologia Celular. Em um incidente pitoresco, a ocupação relâm-pago de um largo espaço livre no segun-do andar permitiu a construção de um

amplo laboratório arejado, ricamente mobiliado pela Fundação Rockefeller com câmara fria, centrífugas, eletro-forese, balanças, espectrofotômetros, coletor de frações, microscopia, micro-cinematografia, um armazém de coran-tes e produtos para histoquímica. A pes-quisa para Junqueira envolvia não só a microestrutura como a histofisiologia, histoquímica, radioautografia, estudo de células vivas e a abordagem química e bioquímica, inicialmente desenvolvida por Hannah Rothschild e, mais tarde, por José Ferreira Fernandes e outros. Generosamente apoiado pela Capes e pelo CNPq, o departamento treinou nu-merosos estudantes e pós-doutorandos de São Paulo e outros estados; alguns se tornaram membros do departamento,

como José Ferreira Fernan-des, Ivan Mota; outros, como Chapadeiro, Tafuri (ambos de Minas) e José Carneiro S. Filho tiveram carreiras bri-lhantes. Junqueira também trouxe para a FMUSP, por períodos curtos, professo-res estrangeiros de alto nível que davam minicursos pre-ciosos. Entre eles, Eleazar Sebastián Guzman-Barron, Johanes Holtfreter e Geor-ge Gömöri. Foi a primeira revolução das ciências bási-cas da FMUSP, pouco depois seguida pelas metamorfoses da bioquímica, da fisiologia e da parasitologia lideradas por Isaias Raw, Alberto Car-valho da Silva e pelos com-panheiros de Samuel Pessoa,

como o casal Deane, Luiz Hildebrando Pereira da Silva e o casal Nussenzweig.

Por que optou por estudar medicina?Perdi meus pais cedo. A mãe com leu-cemia aguda e o pai com tumor de rim. Tinham 46 e 47 anos. Foi por isso que estudei medicina. Antes disso estava me preparando para fazer engenharia, a pro-fissão do meu pai. Me interessei pela hematologia por causa da leucemia e es-colhi o Oria e depois o Michel Abujamra como mentores. Um dos meus primeiros artigos se chama “Aspectos citoquímicos da célula leucêmica”. Em 1944 entrei na faculdade e me formei em 1949. Meu pai se formou em Lausanne, na Suíça, onde conheceu o artista plástico brasileiro An-

Perdi minha mãe com leucemia aguda e meu pai com tumor no rim. Por isso fui estudar medicina

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tonio Gomide, que insistiu para que ele se mudasse para o Brasil. Ele veio. Come-çou pelo Rio Grande do Sul e terminou em São Paulo. Ainda existem prédios por aqui construídos por uma firma da qual meu pai era sócio. Conheceu minha mãe em São Paulo, que chegou de Odessa, Ucrânia, em 1910.

A família de sua mãe imigrou antes?O primeiro a chegar ao Brasil, aos 18 anos, em 1888, foi meu tio-avô do lado da minha mãe, Jacob Zlatopolsky, que veio sozinho para cá. Trabalhou numa tipografia no Brás, virou dono do negó-cio e montou uma papelaria na rua São Bento, 21A. Ainda me lembro do perfume do lápis alemão da Faber, daquele cheiro de cedro que dominava o ambiente. Em 1910, ele mandou vir a famí-lia, que morava em Genebra. Acabou se casando com uma sobrinha, Genia, que não teve filhos e com quem eu e meus irmãos moramos depois que meus pais morreram.

O senhor começou a pesqui-sar já durante a graduação?Meu primeiro artigo é de 1947, quando eu cursava o quarto ano de graduação. Eu matava aula para traba-lhar no laboratório sabendo que ia ser pesquisador. Nun-ca fiz um parto na vida. Meu primeiro artigo foi publicado em francês na Revista Brasi-leira de Biologia. O trabalho tratava do dimorfismo sexual da glândula submaxilar do camundongo, modelo que foi depois in-tensamente explorado por Junqueira e seus colaboradores. O tema tinha sido sugerido a Junqueira pelo radiobiólo-go francês A. Lacassagne, que durante a Segunda Guerra Mundial descobriu o dimorfismo sexual das submaxilares de rato; ele nos visitou na FMUSP pro-vavelmente em 1946.

Quando o senhor foi para Chicago?De setembro de 1953 a setembro de 1954 fui bolsista da Fundação Rockefeller na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Comecei trabalhando no labo-ratório de Microscopia Eletrônica de Isidore Gerch, um excelente cientista. Ele estava desenvolvendo um método

para microscopia eletrônica de cortes ultrafinos de tecidos congelados e dis-secados. Percebi que não era coisa para mim e, com anuência da Fundação Ro-ckeffeler, fui trabalhar no Departamen-to de Medicina da mesma universidade com Eleazar Sebastián Gusman-Barron, que então orientava Hannah Rothschild, colaboradora de Junqueira.

Os pesquisadores também iam para fora do país?Sim. Foi o caso de Hannah, o meu e, mais tarde, o de Ferreira Fernandes, Ivan Mo-ta e outros. Gusman-Barron me propôs verificar se a molécula da ribouclease pancreática tinha um grupo sulfidrila livre como acreditavam pesquisadores belgas. Barron pediu para eu utilizar ini-

bidores e medir a atividade enzimática. Fiz isso e publiquei um paper com ele mostrando os resultados. Em Chicago tive também a oportunidade de conhecer o notável biólogo e ser humano Hewson Swift, do Departamento de Zoologia.

De lá o senhor foi para a Califórnia?Fui para a Universidade da Califórnia em Berkeley a convite de Daniel Mazia. Eu estava chateado em Chicago e resolvi fa-zer o curso de fisiologia celular no Marine Biological Laboratory, em Woods Hole, perto de Boston, no verão de 1954. Entre os professores estavam James Watson e George Wald. Por coincidência, estavam lá o Hewson Swift e o Daniel Mazia, ou-tro biólogo que formou gerações de pes-

quisadores. Depois do curso de biologia celular, quem quisesse podia ficar o resto do verão. Eu fiquei, em um espaço que me cederam. Montei uma experiência que tentava estudar a síntese de rodopsina no olho de sapo. Não deu em nada, mas o Mazia gostou de mim e me convidou para trabalhar no laboratório dele em Berkeley. A Rockefeller autorizou. Foram somente quatro meses, mas valeu a pena.

Por que esse período foi importante?Porque me associou a um projeto ex-tremamente interessante. O Mazia juntou três cientistas de alto nível: Walter Plaut, que dominava técnicas de radioautografia de alta resolução; David Prescott, um excelente biólogo celular; e Lester Goldstein, especiali-

zado em micromanipula-ção e microcirurgia de cé-lulas em microscópio. Eles conseguiram a primeira de-monstração sólida de que o RNA sai do núcleo e vai para o citoplasma. Para is-so marcavam o núcleo de amebas com fosfato radioa- tivo. O núcleo marcado era transferido para outra ame-ba da qual se tinha removido o núcleo. A passagem do isó-topo para o citoplasma era demonstrada por radioauto-grafia. Pensaram inicialmen-te que o isótopo estivesse as-sociado ao DNA. Como eu trabalhava no laboratório do Hewson, conhecia um méto-do muito simples de mostrar se o isótopo estava no DNA

ou no RNA. Demonstrei para eles que o fosfato estava no RNA e que era o RNA que migrava para o citoplasma.

O senhor publicou com eles?Com o Plaut publiquei um artigo em 1956 sobre o que acontecia quando o núcleo marcado era transplantado pa-ra uma célula nucleada. Ficamos amigos. Depois que Plaut migrou para a Univer-sidade de Wisconsin, em Madison. Ele veio para o Brasil duas vezes e deu aula na USP. Em Wisconsin Plaut pensou ter encontrado síntese de DNA no citoplas-ma das amebas e assumiu que poderia se tratar de DNA mitocondrial. Visitando o laboratório, demonstrei que a incorpora-ção de isótopo era devido à presença de

na faculdade eu matava aula para trabalhar no laboratório já sabendo que ia ser pesquisador

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bactérias simbiontes nas amebas que ele utilizava. Plaut se convenceu e publica-mos dois artigos sobre isso no Journal of Cell Biology. Em outro estudo demons-tramos que os sibiontes se multiplicam sem controle nas amebas enucleadas.

Esse trabalho foi feito nos Estados Uni-dos. O senhor conseguiu fazer algo pa-recido no Brasil?Muitos anos depois, de volta a São Paulo, na Unifesp, comecei a infectar células enucleadas com vários patógenos.

Como foi quando voltou ao Brasil de-pois dessa sua primeira saída?Voltei em 1955. Foi aí que vieram todos aqueles estudantes talentosos estudar comigo. Contei que tinha trabalhado em ribonuclease [tipo de enzi-ma que catalisa a degradação do RNA] no laboratório do Gusman-Barron. Aí nos per-guntávamos: tem ribonuclea- se no sangue? Tinha. Tem no soro? Por que não procu-ramos saber de onde vem a do soro? Foram nessas pes-quisas que entraram o Ser-gio Dohi, o Thomas Maack, o Brentani, o Nelson Fausto. Experiências envolvendo a retirada dos rins em dife-rentes espécies de animais sugeriram que o rim filtra a ribonuclease. Em cooperação com colegas da nefrologia, demonstramos que a ativi-dade da ribonuclease séri-ca era também elevada em pacientes com insuficiência renal. O rim filtra e degrada a enzima. Em experimento clássico sugerido pelo nefrologista Israel Nussenzweig, da USP, a urina dos ureteres no cão era desvia-da para o sistema venoso. Nesse caso o animal desenvolvia uremia, mas a ribo-nuclease do soro não subia.

Quem o convidou para ir para a Uni-versidade de Brasília, a UnB, em 1964?Interessado no projeto fantástico da UnB, eu me ofereci e escrevi para o pro-fessor Maurício Oscar da Rocha e Silva, então encarregado da Biologia. Estive em Brasília duas vezes em reunião com Antonio Cordeiro e outros. No dia 1º de abril de 1964 fui nomeado professor em Brasília. Não tomei posse.

O senhor foi nomeado e não assumiu.Se eu assumisse não sairia do Brasil e iria preso. Eu tinha muito pouca atuação política, mas muitos dos meus estudan-tes eram trotskistas, outros comunistas, e eu era acusado de ser o mentor deles. Mas nunca fui do Partido Comunista. Eu não gosto do poder de poucos nem de partido político, sou anarquista.

De repente o senhor se viu desempre-gado, sem USP nem UnB.É, fiquei. Não fui atingido pelo AI-5 porque saí do país. No dia 1º de abril foi instalada uma Comissão de Inquérito na USP que começou a me investigar. O representante da repressão na Facul-dade era o professor Geraldo de Cam-pos Freire, que procurei para perguntar

por que ele estava me investigando. Ele respondeu que minha consciência deve-ria saber. Prenderam o Thomas Maack. Durante a reunião da SBPC em Ribeirão Preto, apareceram tiras para prender o Luiz Hildebrando [Pereira da Silva] e a mim. O Hildebrando, como bom comu-nista, saiu pela frente, se entregou e foi para a cadeia. O Mauricinho [Rocha e Silva, filho de Maurício Oscar da Rocha e Silva] me avisou que estavam me pro-curando e me levou para São Paulo no seu Fusca. Nunca mais vi minha perua Willis, da Ford, que se destinava a trans-portar homens e bagagens de São Paulo a Brasília. Me refugiei na casa de meu primo José Mindlin, onde fui visitado por amigos, mas não pelos tiras.

Ficou quanto tempo escondido?Uns 10 dias. Walter Plaut, que sabia da história, escreveu dizendo que tinha em-prego para mim em Madison. Era uma opção, mas eu preferia ir para a Univer-sidade Rockefeller, porque me interes-sava pelos trabalhos de Cohn e Hirsch sobre lisossomas [organelas celulares].

Por que não voltou com a anistia?Porque aí já tinha esposa e filhas. Além disso, quando mataram o Vladimir Her-zog, fiquei tão enraivecido que entreguei meu passaporte ao consulado brasileiro em Nova York e me vi sem nacionalidade. Achei que aquelas barbaridades nunca iam acabar. Tive de pedir a nacionalida-de americana. Vocês se lembram do Frei Tito [Alencar de Lima], preso e torturado

pelos militares? Quem tradu-ziu o artigo dele para o inglês fui eu, para publicar na re-vista Look, em 1970. A gente fazia o que podia para ajudar. Quando eu voltei para cá, o Fernando Henrique Cardoso era presidente e me devolveu a cidadania brasileira; e José Goldemberg, então reitor da USP, me aposentou. E hoje sou professor emérito. Bo-nito, não é?

O senhor foi investigado?Fui, mas estava fora. A pro-motoria recorreu três vezes e fui inocentado em todas. Isso no Inquérito Policial Militar, que correu a minha revelia. Meu advogado era o Mário Simas, que ajudou

muita gente de esquerda. A ironia é que devo minha carreira no exterior aos mili-tares. Passei 16 anos nos Estados Unidos, 15 na França e voltei há 17.

Por que foi para a França?Entre 1980 e 1981 fiz um ano sabático na Unidade de Parasitologia Experimen-tal do Instituto Pasteur, para estudar Leishmania com Jean Pierre Dedet no laboratório dirigido por Luiz Hilde-brando. Voltei para Nova York e come-cei os projetos sobre os vacúolos para-sitóforos de macrófagos infectados. Em 1984 surgiu a oferta para trabalhar no Centre National de la Recherche Scien-tifique, lotado no Instituto Pasteur. Eu não podia recusar.

Quando mataram o vladimir herzog, fiquei tão enraivecido que entreguei meu passaporte

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Sua segunda mulher era americana?Era suíça, Odile Levra, mas morava em Nova York. Tive duas filhas americanas. A mais velha, Miriam, mora em Paris e, com Serge, teve minha única neta, Eleanor, de 4 anos, o pequeno, grande amor de minha vida. Minha filha mais nova, Caroline, mora em Nova York. Formada em cinema, é uma escritora potencial.

Por que voltou para Nova York depois de Paris?Meu primeiro período na Rockefeller gerou amigos de longa data. Um era o Jim Hirsch, interessado em tuberculo-se e depois em neutrófilos, macrófagos, quimiotaxia e fagocitose. Jim faleceu em 1987. Zanvil Cohn foi um amante de macrófagos e de suas múlti-plas funções. Quando Cohn soube que eu iria me apo-sentar do Pasteur em 1994, escreveu me convidando para passar um ano na Ro-ckefeller. Infelizmente Co-hn nos deixou subitamente. Seu sucessor, Ralph Stein-man, fez questão de manter o convite. Foi assim que eu passei mais um ano na Ro-ckfeller antes de voltar para o Brasil. Durante aquele ano trabalhei no laboratório de Gilla Kaplan coinfectando células com Coxiella burnetii de fase II e Mycobacterium avium e Mycobacterium tu-berculosis. Infelizmente Ral-ph também faleceu. O lugar dele foi ocupado pelo bra-sileiro Michel Nussenzweig [filho de Ruth e Victor], que foi meu aluno no curso de medicina da Universidade de Nova York.

Além dessas bactérias, o senhor estu-dava também a Leishmania? Sim. No caso da Leishmania, há es-pécies que habitam grandes vacúolos [vesículas] semelhantes a fagolisos-somas. Outras ocupam vacúolos com pouco espaço livre. Quando trabalhava no Instituto Pasteur, soube que a bac-téria Coxiella burnetii, agente da febre Q humana ou animal, também ocupa vacúolos grandes com características de lisossomas [outro tipo de vacúo-lo] semelhantes aos da Leishmania.

Comparei as capacidades de fusão dos vacúolos de Leishmania e de Coxiella com pequenos fagossomas contendo partículas inertes. Produzi um artigo com a Denise Mattei e a Patrícia Ve-ras, que era minha pós-doutoranda da Bahia, sobre este assunto. Um dia es-tava tomando banho e me ocorreu uma ideia. Tenho no laboratório dois pató-genos que vivem em lisossomas. O que aconteceria se uma mesma célula fosse infectada pelos dois? Eles ficariam em compartimentos separados ou iriam partilhar os mesmos vacúolos. Pensado e feito. No mesmo dia, células infecta-das por Coxiella foram também infec-tadas com Leishmania amazonensis. No dia seguinte, muitas Leishmania se encontravam nos vacúolos das Coxiella.

Mais ainda, as Leishmania se dividiam nos vacúolos emprestados e se trans-formavam reversivelmente em promas-tigotas flageladas. Mas o experimento inverso não funciona. Se você infecta as células primeiro com Leishmania, espera um dia e reinfecta com Coxiella, os dois organismos ficam cada um em seu vacúolo. Isso foi em 1995 e repre-sentou a criação do que denominei a construção de vacúolos quiméricos, que não existem só na nossa imagina-ção. O experimento foi depois repetido por Patricia com o Trypanosoma cru-zi. Neste caso, os Trypanosoma nada-vam circulando pela periferia dos va-cúolos de Coxiella como se estivessem procurando uma saída. Fizemos uns

vídeos magníficos que comoveram al-guns biólogos. Mais tarde demonstrei que micobactérias em vacúolos aper-tados também podem penetrar dessa forma nos vacúolos ocupados por Co-xiella. Esse modelo, porém, ainda não foi estudado como deveria.

Como o senhor voltou para o Brasil e escolheu a Unifesp?Tinha colegas e amigos na Escola Pau-lista de Medicina da Unifesp que me conheciam bem e me convidaram a me juntar a eles. Não me arrependi.

Tem cargo lá?Sou aposentado da USP e professor co-laborador na Unifesp. Não ganho salário da Unifesp, mas recebi um laboratório

e mantenho um pequeno es-critório que ainda uso. Fre-quento seminários, participo de reuniões em duas disci-plinas e aconselho estudan-tes e outros, quando solici-tado. De vez em quando sou chamado para dar alguns se-minários sobre história, so-ciologia e política da ciência, por exemplo.

Vamos fechar esta entre-vista com o mesmo tema do começo: qual o melhor jeito de formar cientistas?Minha experiência e as de outros me mostraram que não é preciso ser um grande cientista para induzir os es-tudantes a fazerem ciência. Os melhores educadores e

formadores de cientistas transmitem seu entusiasmo pela ciência e enfa-tizam a importância da curiosidade e da necessidade de brincar com as ideias. Há uma diferença entre a inicia-ção científica e o desenvolvimento do cientista como profissional. Não acho que tenha feito grande ciência. O que de realmente importante aconteceu foi pertencer a uma comunidade que queria aprender junto.

Por sua trajetória, nos parece que o se-nhor também fez boa ciência.Até fiz alguma, mas não no começo. A melhor recompensa, porém, é contri-buir para formar alguém que é melhor cientista do que você mesmo. n

não é preciso ser um grande cientista para induzir os estudantes a fazerem ciência

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PolÍtica c&t História y

o passado emerge

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Digitalização de arquivos da repressão política

em são paulo terá impacto na pesquisa e na

investigação de violações de direitos humanos

o Arquivo Público do Estado de São Paulo lançou no começo de abril o portal Memória Política e Resistên-cia (www.arquivoestado.sp. gov.br/memoriapolitica), que permite a consulta pela internet de mais de 314

mil fichas e 12,8 mil prontuários – num total de 1 milhão de imagens – produzidos por órgãos de vigilância política do es-tado de São Paulo entre 1924 e 1999, período que abrange duas ditaduras (1937-1945 e 1964-1985). O trabalho de digitalização já alcançou 10% do total de páginas desses acervos preservados pelo arquivo e vai continuar nos próximos anos. O material dis-ponível na web faz parte de três conjuntos de documentos. Um deles é o acervo do Departamento de Ordem Política e Social de Santos, composto por 80 metros lineares de documentos mantidos de maneira ilegal no Palácio da Polícia de Santos até 2010, quando foram recolhidos. Também há fichas e prontuá-rios do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops), principal órgão da polícia política paulista, extinto em 1983, cujo acervo, formado por 1.173 metros lineares de documentação, foi transferido para o Arquivo Público do Estado há 23 anos. Por fim, há documentos do Departamento de Comunicação Social (DCS), que assumiu atribuições que pertenciam ao Deops e funcionou entre 1983 e 1999.

A digitalização teve apoio da FAPESP, que destinou R$ 1,69 milhão à modernização dos laboratórios do arquivo por meio do programa Apoio à Infraestrutura de Pesquisa do Estado de São Paulo. O Ministério da Justiça e a Casa Civil da Presidência da República também destinaram recursos à iniciativa. “As pessoas podem ter acesso de casa, não tem nenhuma senha, é tudo público. É muito importante no sen-tido de transparência e de informação para as famílias das vítimas do período da ditadura”, destacou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, na solenidade de lançamento. Trata-se de um marco no resgate da memória da repressão e da resistência política, e tem importância tanto para o traba-lho de historiadores quanto para o da Comissão Nacional da Verdade e de comissões estaduais e municipais criadas para investigar violações dos direitos humanos. “A nossa Comissão da Verdade é a única no século XXI. Nós vamos ter acesso a tecnologias que nenhuma das 40 comissões anteriores no mundo tiveram”, afirmou o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador da Comissão Nacional da Verdade.

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acervo do Deops de são paulo: referência para as comissões da verdade

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Como as comissões da Verdade no país foram criadas mais de 25 anos após o final do regime militar, a identificação de documentos é vital pa-ra a reconstrução dos fatos, uma vez que muitas testemunhas morreram ou não se lembram de detalhes capazes de elucidar crimes. “Os docu-mentos devem ajudar sobretudo nos casos de mortos e desaparecidos, para encontrar peças que faltam no quebra-cabeça da investigação. Essa é a principal expectativa em relação a esses arqui-vos”, diz a cientista política Glenda Mezarobba, consultora e pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade. Segundo Ivan Seixas, coordenador da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, documentos do acervo do Deops têm auxiliado o trabalho de investigação da enti-dade. Ele cita um exemplo: a análise de seis livros datados dos anos 1970 que registram entradas e saídas da sede do Deops sugere ligações entre um diplomata norte-americano e um represen-tante da indústria com os serviços de repressão política. Os livros apontam visitas frequentes do cônsul dos Estados Unidos em São Paulo na época, Claris Rowney Halliwell, e de Geraldo Re-sende de Matos, cujo cargo é identificado como “Fiesp” – a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo nega, porém, que Matos tenha feito parte de seu quadro de funcionários. “São docu-mentos que mostram o dia a dia do Deops”, diz Seixas. Ele aponta o benefício que a digitalização do acervo está trazendo para comissões criadas em municípios. “Já existem comissões em San-tos, Bauru e Campinas. A possibilidade de obter documentos pela internet vai facilitar o trabalho dessas comissões municipais”, afirma.

a digitalização também propiciará um iné-dito cruzamento de informações. “Com documentos reunidos em banco de dados,

é possível cruzar informações diversas e localizar agilmente referências sobre qualquer pessoa per-seguida pelo Deops”, diz o historiador Lauro Ávila Pereira, diretor do Departamento de Preservação e Difusão do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Será possível, utilizando recursos avan-çados de programação, fazer buscas inteligentes dentro do conjunto de documentos. “Se encon-tramos, por exemplo, um determinado padrão de documento que contenha informações relevantes sobre um desaparecido político, podemos fazer uma busca por outros documentos com aque-le mesmo padrão, na esperança de elucidar ou-tros casos”, diz Glenda Mezarobba. Ela participa de um subgrupo incumbido de utilizar técnicas computacionais de e-Science, usadas para obter resultados através de computação intensiva, e ex-plorar grandes conjuntos de dados digitais com o objetivo de encontrar informações que contri-buam para a elucidação de violações de direitos

humanos. Glenda licenciou-se no ano passado do cargo de diretora da área de Ciências Humanas da FAPESP para atuar na comissão. Nesse subgru-po, ela trabalha com Roberto Marcondes Cesar Júnior, professor do Departamento de Ciência da Computação da USP e coordenador adjunto da Diretoria Científica da FAPESP. Cerca de 16 mi-lhões de páginas do arquivo do Serviço Nacional de Informações (SNI) também estão sendo digi-talizados. “O ideal seria termos todos os arquivos do país digitalizados. É comum encontrar cópias de um documento desaparecido de um arquivo no acervo de outro”, diz Lauro Ávila.

A disposição do Arquivo do Estado de tornar público o acervo na internet ampara-se na Lei de Acesso à Informação, de maio de 2012, que remo-veu obstáculos para a divulgação de documentos. A lei determina que “documentos que versem so-bre condutas que impliquem violação dos direi-tos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso”. A partir dos anos 1990, acervos de órgãos de repressão começaram a ser transferidos para arquivos estaduais. Mas, com exceção de São Paulo, o acesso na maioria dos es-tados só ocorreu nos anos 2000 – e, ainda assim, a consulta é frequentemente restrita a pesquisado-res e familiares que comprovem vínculo com os documentos. “No caso do Arquivo do Estado de São Paulo, nós apenas pedimos a quem consulta o

1.173 metros lineares de documentos compõem o acervo do extinto Deops

tecnologia promete ajudar a comissão da verdade a rastrear documentos importantes

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acervo pela internet que tome cuidado com o uso que poderá vir a fazer com informações sobre a vida privada de terceiros”, diz Carlos Bacellar, o coordenador do arquivo, que é professor do De-partamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. “A privacidade só pode ser aberta caso ajude a esclarecer fatos. Se a informação não esclarece nada e escancara detalhes da vida pessoal, perde o interesse social.”

A digitalização do conteúdo completo dos pron-tuários começou pelo acervo do Deops de Santos, encontrado em 2010, por se tratar de um conjunto de documentos desconhecido de pesquisadores e familiares de presos e desaparecidos políticos. “Começar pelo material de Santos fazia sentido pela novidade, uma vez que o grande acervo do Deops paulista já vinha sendo explorado desde meados dos anos 1990”, diz Lauro Ávila. O resga-te do arquivo de Santos é um capítulo curioso da recuperação da memória. A descoberta do acervo, guardado numa delegacia de polícia na cidade, foi noticiada pelo jornal Folha de S. Paulo na edição de 26 de fevereiro de 2010, uma sexta-feira, e de-sencadeou uma operação relâmpago. O então se-cretário da Casa Civil do governo paulista, o hoje senador Aloysio Nunes Ferreira, e o secretário de Justiça, Luiz Antonio Marrey, determinaram que técnicos do Arquivo do Estado fossem imediata-mente a Santos e tirassem os documentos de lá. O receio era de que a publicidade em torno da des-

coberta levasse pessoas envolvidas na repressão a remover documentos comprometedores, um tipo de mazela que desfalcou boa parte dos acer-vos. “Conseguimos um caminhão emprestado da própria Polícia Civil e, às 3 horas da madrugada de sábado, as caixas com todos os documentos estavam em São Paulo”, lembra Lauro Ávila. O estado das fichas e prontuários era bastante pre-cário. Foi necessário mais de um ano para que os documentos fossem tratados e digitalizados. Há indícios de que contém documentos não dispo-níveis em outros arquivos. Foi encontrado, por exemplo, um inédito conjunto de fichas de zela-dores e porteiros de prédios de Santos, que eram obrigados a informar a polícia sempre que alguém alugava um apartamento na cidade. “Os zeladores eram obrigados a atuar como informantes e pe-diam aos inquilinos que preenchessem uma ficha com a relação de moradores do imóvel”, diz Ávila.

e quipamentos foram comprados no exterior para acelerar a digitalização. “A FAPESP foi fundamental, não só pelos recursos, mas

também pelo apoio que deu na importação de equipamentos. Eles foram adquiridos muito mais rapidamente do que se fôssemos comprar de ou-tra forma”, diz Carlos Bacellar, o coordenador do arquivo. Atualmente, uma equipe de 10 técnicos, utilizando os equipamentos, consegue digitalizar quase 2 mil imagens por dia. Entre os equipamen-

Scanner planetário, que copia documentos sem deteriorá-los, foi usado na digitalização de documentos do acervo do Deops de santos (nos detalhes)

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tos adquiridos destacam-se um scanner planetário, que permite copiar documentos sem deteriorá-los, e um outro tipo de scanner que permite a gravação da imagem original em microfilme.

A digitalização terá um papel importante na ampliação do acesso de pesquisadores aos arqui-vos da repressão política. Alguns historiadores já se debruçaram sobre os arquivos do Deops paulista. Maria Aparecida de Aquino, professora do Departamento de História da FFLCH/USP, lançou cinco livros, dentro da série Radiografias do Autoritarismo Republicano Brasileiro, editado pela Imprensa Oficial de São Paulo, que resulta-ram de seu trabalho de mapeamento e sistemati-zação do acervo do Deops, apoiado pela FAPESP entre 1998 e 2002. “Havia um complexo código alfanumérico em cada uma das 9.626 pastas que consultamos. Deciframos esse código, com o tra-balho de uma equipe de 20 bolsistas, coordenada e acompanhada por mim e por dois de meus dou-torandos”, relembra a professora. “Conservamos o material trocando as pastas nas quais eles se encontravam, limpamos, colocamos papel neutro para proteger e entregamos um banco de dados completamente informatizado”, diz.

Quem aproveitou de forma contínua o arquivo foi Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do Departamento de História

da FFLCH/USP. Interessada em temas como ra-cismo e antissemitismo, obteve do arquivo nos anos 1990 autorização para analisar as fichas e prontuários com bolsistas de iniciação científica, mestrado e doutorado. “Montamos no arquivo as Oficinas de História, com até 60 estudantes trabalhando com o material por mais de uma década. Era uma aula de história ao vivo”, diz ela. “Mais de 40 pesquisadores foram formados nesse esforço, que resultou em uma dezena de dissertações, oito teses de doutorado e várias pu-blicações, como 14 inventários de documentos.”

Um dos desafios, diz a professora, foi decifrar a lógica do discurso do repressor e delimitar até que ponto ele expressa a verdade e onde começa a ficção, construída para justificar a intolerância e etiquetar o crime político. “O primeiro passo foi compreender o conceito de crime político, que favorecia a vigilância, a perseguição e o encar-ceramento de um cidadão indesejável por suas ideias. O crime de ideias se configura a partir do momento em que o pensamento assume uma for-ma física, ou seja, pode ser identificado através da produção de conhecimentos, da propaganda política impressa em livros ou panfletos, confis-cados como prova do crime”, afirma. Entre 1995 e 1996, Maria Luiza começou a usar o arquivo do Deops num projeto financiado pelo Instituto Goethe sobre mulheres judias expulsas do Brasil no governo Vargas. Em seguida, obteve apoio da FAPESP para dois projetos temáticos que resul-taram numa série de inventários e na criação de um arquivo virtual com documentos selecionados por temáticas específicas.

Sob sua orientação, uma equipe de 30 pesquisa-dores digitou a partir de 1999 o conteúdo de mais de 185 mil fichas do Deops. “Na época não tínhamos equipamentos nem uma base de dados capazes de efetuar uma busca avançada junto às fichas poli-ciais e a opção foi digitar”, diz. Desde o ano 2000, as fichas nominais podem ser consultadas no site do Proin (www.usp.br/proin), sigla para Projeto Integrado Arquivo do Estado/ USP. Também foram colocadas no site as primeiras páginas digitalizadas dos jornais, panfletos e livros confiscados durante os autos de busca nas residências dos suspeitos ou das associações comunitárias ou políticas. Sob a coordenação do professor Boris Kossoy, da Escola de Comunicação e Artes da USP, o Proin desenvol-veu um inventário de fotografias confiscadas dos álbuns de família ou produzidas pelo Laboratório de Fotografia do Gabinete de Investigação/Deops, que eram anexadas aos prontuários e dossiês. n

livros e inventários sobre o acervo do Deops: formação de pesquisadores

“montamos uma sala de aula dentro do arquivo”, diz a historiadora maria luiza tucci carneiro

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hsupervalorização do indicador que combina quantidade

e qualidade da produção científica gera controvérsia

CieNCiOMetria y

os limites do índice-h

no final do ano passado, a revista Chemistry World, editada pe-la Royal Society of Chemistry, do Reino Unido, decidiu parar

de publicar um ranking on-line que era sucesso entre os leitores. Tratava-se da lista, atualizada algumas vezes por ano, com mais de 500 pesquisadores altamen-te produtivos na área de química, aqueles que ostentam no currículo um índice-h maior que 55. A decisão de suspender o ranking foi uma capitulação às críti-cas de que ele dava ênfase demasiada a um simples indicador de desempenho, sem levar em conta outros aspectos da produção científica, e poderia induzir universidades e agências de fomento a tomar decisões simplistas ou equivo-cadas. O índice-h de um pesquisador é definido como o maior número “h” de artigos científicos desse pesquisador que têm pelo menos o mesmo número “h” de citações cada um. O primeiro do ranking da Chemistry World era George Whitesides, da Universidade Harvard, com índice-h 169. Equivale a dizer que ele publicou pelo menos 169 artigos que obtiveram, cada um, ao menos 169 citações em outros trabalhos. Para ter um índice-h elevado, é preciso publicar artigos que repercutam na comunidade

científica. Se um pesquisador publica muito, mas é pouco citado, ou se recebe muitas citações, mas num número res-trito de artigos que publicou, terá um índice-h baixo.

O índice-h foi proposto em 2005 pelo físico argentino Jorge Hirsch, profes-sor da Universidade da Califórnia, San Diego, como uma ferramenta capaz de combinar quantidade e qualidade de pro-dução acadêmica. Logo tornou-se parâ-metro em avaliações e cartão de visitas de pesquisadores com desempenho des-tacado, e extrapolou sua utilização para além do desempenho individual: hoje há rankings do índice-h de universida-des, países e revistas científicas. Segundo Henry Schaefer, professor da Universi-dade da Geórgia, Atenas, nos Estados Unidos, e responsável pela compilação da lista da Chemistry World, as críticas surgiram desde a primeira edição do ranking em 2007 e nunca cessaram. “O problema não era com o índice-h em si, mas com o ranking que supervalorizava esse indicador”, explicou.

O episódio da Chemistry World é reve-lador das vantagens e mazelas do índice--h, uma medida que ganhou aplicação generalizada por seus méritos – é fácil de calcular, baseia-se em critérios ob-

jetivos e resume num único número a produtividade e a relevância do trabalho de um pesquisador. Simultaneamente, seu uso tornou-se alvo de críticas por não levar em conta suas limitações. O próprio Jorge Hirsch admite um proble-ma importante. “Deve-se sempre ter em mente que pesquisas fora do mainstream podem ser pouco citadas e subavaliadas por indicadores bibliométricos e mere-cem ser apoiadas financeiramente apesar disso”, afirmou à revista on-line Research Trends. “Um indicador bibliométrico de-ve ser sempre usado ao lado de outros indicadores, e com bom senso.”

Não se pode usar o índice-h para com-parar pesquisadores em estágios diferen-tes da carreira – um pesquisador sênior com índice-h 100 na área de química pode orgulhar-se de ser extremamente produtivo, assim como um pesquisador jovem da mesma área que tenha um índi-ce-h 30. Também é equivocado comparar o desempenho de pesquisadores de áreas diferentes. “Cada área tem um tamanho peculiar e tendências diferentes de cita-ção”, explica Rogério Meneghini, coor-denador científico da biblioteca SciELO Brasil. “Em bioquímica, por exemplo, há um número enorme de pesquisado-res. Logo há mais artigos e mais gente

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citando. A regra é você trabalhar com as subáreas quando faz comparações”, afirma Meneghini, para quem, contu-do, o índice-h é uma ferramenta valiosa, sobretudo nas ciências naturais. “Um índice-h elevado nessas áreas é um si-nal de que o pesquisador fez coisas de impacto”, afirma.

Já em muitas disciplinas das huma-nidades a divulgação de resultados de pesquisa por meio de livros é tão impor-tante quanto sua divulgação por meio de artigos em revistas indexadas, de modo que nelas o índice-h frequentemente diz pouco sobre o impacto real do trabalho de um pesquisador. “Nas humanidades, um índice numérico de avaliação de impacto é certamente algo a ser levado em conta, mas como um dos elementos de avalia-ção, entre outros. Desacompanhado de elementos de avaliação de natureza qua-litativa, será só um número”, afirma Luiz Henrique Lopes dos Santos, coordenador adjunto de Ciências Humanas e Sociais da FAPESP. “Além disso, o impacto de uma publicação não se mede apenas por citações, mas também por muitas outras coisas, como sua contribuição para inova-ções tecnológicas ou para a formulação de políticas públicas, por exemplo.”

virtudeO italiano Mauro Degli Esposti, profes-sor da Universidade de Manchester, no Reino Unido, compilou recentemente uma lista de pesquisadores de todas as áreas com índice-h acima de 100, basea-do nos dados do Google Acadêmico. Em seu ranking, com quase 200 nomes, apa-recem pouquíssimos pesquisadores de ciências humanas ou sociais aplicadas, caso, por exemplo, do Nobel de Econo-mia Joseph Stiglitz (índice-h 130) e do linguista Noam Chomsky (123), e pre-dominância nos estratos mais altos de cientistas dos campos da medicina e da bioquímica (ver quadro). Não há corre-lação direta entre vencedores do Nobel e o topo na lista. Entre os 30 primeiros, há apenas quatro vencedores do Nobel e um ganhador da Medalha Fields, prin-cipal honraria dos jovens matemáticos. “A única virtude que vejo no índice-h é o fato de ser fácil de calcular”, critica George Matsas, professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp). “Não há nenhum critério claro para se dizer o que é um índice-h alto ou baixo. Eu conjecturo

o Que é

indicador proposto pelo físico Jorge

Hirsch, em 2005, para mensurar ao

mesmo tempo a produtividade e o

impacto do trabalho de um pesquisador,

com base nos seus artigos mais citados.

sua aplicação se disseminou e o conceito

também é aplicado para medir a

produtividade e o impacto de grupos de

pesquisa, de universidades, de países e de

periódicos científicos.

como é calculado

O índice-h de um pesquisador é definido como

o maior número "h" de artigos científicos desse

pesquisador que têm pelo menos o mesmo

número "h" de citações cada um. um

pesquisador com índice-h 30 é aquele que

publicou pelo menos 30 artigos científicos que

foram citados em pelo menos 30 outros

trabalhos. a ponderação exclui trabalhos

pouco citados. também desconsidera artigos

altamente citados se forem exemplos isolados.

entenda o índice-h

que o h do Peter Higgs, do bóson de Higgs, ou de Kenneth Wilson, prêmio Nobel de Física de 1982, seria menor que o de vários outros dos quais nunca ouvimos falar”, diz.

Rogério Meneghini alerta para uma distorção importante no índice-h: a par-ticipação em redes que chegam a reunir 700 pesquisadores em estudos em física de partículas, astronomia ou novos me-dicamentos. “Seria uma decisão drástica, mas talvez fosse o caso de não considerar esse tipo de artigo no cálculo do índice--h. Seus resultados são importantes, mas não é possível medir a real participação de cada autor”, afirma. Nada contra a participação em redes de colaboração internacional, observa Meneghini. “Te-mos muitos pesquisadores brasileiros que participam continuamente de redes de 20 ou 30 cientistas de vários países e mantêm colaborações sólidas com gen-

"um indicador bibliométrico deve ser usado sempre ao lado de outros indicadores, e com bom senso", disse jorge hirsch

PesQuisa faPesP 207 z 37

te do MIT, da Inglaterra ou da França. Isso é um sinal de qualidade”, observa.

Assessores e membros das Coorde-nações de Área da FAPESP utilizam o índice-h de pesquisadores como parâ-metro auxiliar na avaliação da qualidade do conjunto de artigos, mas a FAPESP não abre mão dos pareceres extensivos de assessores e da análise qualitativa para selecionar as melhores propostas. “O fundamental, na nossa avaliação, é a qualidade do projeto de pesquisa”, diz Wagner Caradori do Amaral, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e coor-denador adjunto da Diretoria Científica da FAPESP na área de Ciências Exatas e Engenharias. “Se o projeto tiver qualida-

de e o proponente demonstrar potencial para realizá-lo, não é o índice-h que irá impedi-lo de receber financiamento”, afirma o coordenador adjunto José Ro-berto Postali Parra, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP. “O índice-h é um dos parâmetros de observação, mas nunca é suficiente”, complementa Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora adjunta de Ciências da Vida. Segundo ela, a popularidade do índice-h ajudou a consolidar no Brasil a importância da divulgação de resultados em periódicos indexados. “Mas é preciso tomar cuidado para não criar um vício de números”, afirma. Mais importante do que o índice-h, diz Marie-Anne, é o

contexto em que as publicações se inse-rem. “Existem citações que se referem a um ganho de tecnologia, outras que são de um ganho de conhecimento, outras de observação de um fenômeno. Dependen-do do tipo de projeto apresentado, esse tipo de informação tem relevância espe-cífica na avaliação. E também é preciso ver como evoluiu o índice-h no contexto da carreira de um pesquisador. Se o im-pacto é resultante de um único artigo ou se trata de uma obra, é um dado impor-tante”, afirma Marie-Anne.

confiançaPara Carlos Eduardo Negrão, coorde-nador adjunto de Ciências da Vida, o índice-h é uma ferramenta para avaliar pesquisadores no campo da fisiologia e medicina, mas não pode ser visto de maneira isolada. “É um índice que ajuda qualificar o impacto dos estudos publica-dos por pesquisador e se ele se concentra em poucos ou vários trabalhos”, diz Ne-grão, que é professor da Escola de Edu-cação Física e Esporte da USP e diretor da Unidade de Reabilitação Cardiovas-cular e Fisiologia do Exercício do Insti-tuto do Coração (InCor). “É importante analisar também o impacto das revistas em que os artigos são publicados e con-sultar o Web of Knowledge, da Thomson Reuters, para verificar o número total de citações do pesquisador. É de interesse verificar também como o pesquisador é categorizado em nossa comunidade científica, isto é, o seu nível no CNPq. Esse conjunto me dá mais confiança de realizar uma avaliação justa.”

No caso dos projetos na área de ciên-cias da computação, uma preocupação do coordenador adjunto em Ciências Exatas e Engenharias Roberto Marcon-des Cesar Júnior, professor do Institu-to de Matemática e Estatística da USP, é avaliar também a produção científica apresentada em certas conferências in-ternacionais, caso, por exemplo, da In-ternational Conference on Computer Vision. “O uso do índice-h em ciências da computação é semelhante ao das hard sciences, mas os melhores periódicos têm impacto similar aos dos artigos dessa conferência, que é indexada em bases internacionais”, afirma. Segundo ele, o índice-h é útil para medir o sucesso dos pesquisadores, as ligações que ele conse-guiu fazer com outros grupos e o impac-to de sua pesquisa. “Mas o que importa

PrinciPais limitaçÕes

› Não serve para comparar

pesquisadores de disciplinas diferentes,

pois o volume de citações varia de

acordo com o tamanho de cada

comunidade de pesquisadores.

› pode ser manipulado por meio

de autocitações.

› Dá a livros o mesmo peso que dá aos

artigos, tornando complicado comparar

pesquisadores de áreas em que há a

cultura de publicar os resultados de

pesquisa em livros, como as

humanidades.

› Não considera o contexto das citações.

Não faz distinção entre um paper feito

por um pesquisador ou um pequeno

grupo de colaboradores e um artigo com

centenas de autores, cuja participação

individual é difícil de avaliar.

PrinciPais vantagens

› Consegue combinar quantidade

e impacto da pesquisa num único

indicador.

› pode ser facilmente obtido por

qualquer pessoa com acesso a bases

de dados, como a web of science, e é

fácil de compreender.

› permite caracterizar a produtividade

científica de um pesquisador com

objetividade, principalmente em áreas

em que há cultura consolidada de

publicação em revistas indexadas, e

pode ter utilidade na tomada de

decisões sobre promoções, alocação

de verbas e atribuição de prêmios.

› tem um desempenho melhor do que

o de outros indicadores isolados, tais

como fator de impacto, número de

artigos, número de citações, citações

por paper e número de artigos

altamente citados, para avaliar a

produtividade científica de um

pesquisador.

38 z maio DE 2013

um peso maior na avaliação de grupos de pesquisa feita pela Capes e, por isso, acabam se tornando um alvo preferen-cial de seus pesquisadores.

No caso da odontologia, só são admi-tidos no estrato 1-A periódicos com índi-ce-h igual ou superior a 52. Em enfer-magem, estão no estrato 1-A periódicos com índice-h de pelo menos 15. Em admi-nistração, o limite é um índice-h de 5. O índice-h dos periódicos é fornecido pelas bases Web of Science e Scopus, que adota-ram a metodologia de Hirsch para avaliar a produção e o impacto de revistas – uma publicação com índice-h 50 é aquela que teve pelo menos 50 artigos com pelo me-nos 50 citações num determinado perío-do. Um achado importante do estudo de Mugnaini é a larga utilização de índices de citação (JCR), notadamente o fator de impacto (FI), na avaliação da maioria das áreas. O FI é uma medida que reflete

destaques do indicadorMauro Degli esposti, professor da universidade de Manchester, no reino unido, compilou uma lista de pesquisadores de todas as áreas com índice-h acima de 100, baseado no Google acadêmico. alguns exemplos:

Walter WillettÍNDiCe-H 246

O professor de nutrição de

Harvard é autor de mais

de mil artigos, na maioria

sobre dieta e doenças

salvador moncadaÍNDiCe-H 158

O farmacologista

anglo-hondurenho tem

extensa contribuição no

campo das inflamações

e da biologia vascular

david baltimoreÍNDiCe-H 180

professor do instituto de

tecnologia da Califórnia,

o microbiologista ganhou o

Nobel de Medicina de 1975

noam chomskyÍNDiCe-H 123

professor de linguística do

Mit e intelectual renomado,

é desde os anos 1980

um dos mais citados em

ciências e humanidades

shizuo akiraÍNDiCe-H 186

imunologista da universidade

de Osaka publicou 11 artigos

altamente citados apenas

entre 2006 e 2007

joseph stiglitzÍNDiCe-H 130

professor da universidade

Columbia, o influente

economista neokeynesiano

conquistou o Nobel

de economia de 2001

edward WittenÍNDiCe-H 167

O professor da universidade

princeton foi o primeiro físico

a ganhar a Medalha fields,

honraria dos matemáticos

elaine fuchsÍNDiCe-H 113

a bióloga da universidade

rockefeller produziu

contribuição original sobre

mecanismos moleculares

da pele de mamíferos

é sempre o projeto. As ideias são mais importantes do que os números”, diz.

Um efeito colateral importante da adoção disseminada do índice-h – as-sim como de outros indicadores basea-dos em citações de artigos científicos – é que ele começa a exercer influên-cia sobre a cultura de publicação de vá-rias áreas do conhecimento no Brasil. Num estudo divulgado em 2011, Rogério Mugnaini, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, e sua aluna de mestrado Denise Peres Sales mapearam o uso de índices de citação e indicadores bibliométricos na avaliação científica brasileira. Observaram que o índice-h é usado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como um dos crité-rios para definir o estrato mais alto de revistas científicas em diversas áreas, no sistema Qualis. Essas publicações têm

o número médio de citações de artigos científicos publicados em determinado periódico. Os valores do FI vão de 0,5 pa-ra áreas como geografia, administração, ciências contábeis e turismo até 6, caso da astronomia. Ciências biológicas exigem fator de impacto superior a 4; medicina, 3,8; ciências agrárias, 2; engenharias, en-tre 0,8 e 1; matemática, 0,95.

amadurecimento“A utilização generalizada de índices de citação inclui áreas de menor tradição de publicação em periódicos internacionais, como ciências humanas e ciências sociais aplicadas, que apesar de não se basearem num indicador exigem a indexação dos periódicos nos índices internacionais”, diz Mugnaini. “A Capes desempenha um papel fenomenal com o sistema Qualis, por envolver pesquisadores do país todo e zelar pela qualidade da pós-graduação.

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PesQuisa faPesP 207 z 39

"não dá para esperar que a sociologia apresente um processo de internacionalização igual ao da física", diz rogério mugnaini

o índice-h das nações

Mas acaba dizendo para as áreas: o obje-tivo é todo mundo publicar em revistas de fator de impacto internacional”, afir-ma. Segundo ele, o que ocorre em algu-mas áreas é a aceleração de um processo de amadurecimento, com pesquisadores tentando publicar cada vez mais em re-vistas de alto impacto. Em outros casos, contudo, não se trata de uma evolução natural. “Não dá para esperar que a so-ciologia venha a apresentar um processo de internacionalização igual ao da física. Paralelamente, é necessário haver meca-nismos que permitam olhar uma revista nacional, publicada em português, e dizer: essa revista é boa. Não serão a citação e o índice-h que darão esse parâmetro”, diz.

Um artigo publicado em julho de 2012 na revista Perspectivas em Ciências da Informação fez uma análise comparada entre a produção científica de bolsistas de produtividade do CNPq nos níveis 1-A e 1-B, que estão no topo da escala, em quatro diferentes campos do conheci-mento – e observou o que pode ser uma mudança de comportamento nas ciências humanas. O estudo, assinado por Ricardo Arcanjo de Lima, Lea Velho e Leandro Innocentini Lopes de Faria, mostrou que em física e em genética, áreas nas quais há comunidades consolidadas e habitua-das a publicar em revistas internacionais,

de sociologia. “Esperávamos um índice-h zero, pois a prática de publicação passa longe do modelo das revistas internacio-nais, com clara preferência de publicação em livros”, diz Arcanjo, que é analista da Embrapa e concluiu no ano passado dou-torado em política científica e tecnológica na Unicamp. O índice-h foi igual a zero entre os pesquisadores 1-A, mas chegou a 1 na categoria 1-B, que reúne pesqui-sadores mais jovens. “A pressão sobre os pesquisadores pode estar mudando práticas da disciplina no Brasil”, afirma.

Para Rogério Meneghini, o caso das humanidades evidencia a pressão cres-cente para disponibilizar o conhecimen-to. “O dinamismo da produção científica hoje é outro”, afirma. Ele observa, con-tudo, que a dificuldade de publicar em revistas internacionais está gerando um crescimento exagerado de periódicos no campo das humanidades no país. “Como o número de cursos de pós-graduação em humanidades cresce numa veloci-dade mais rápida que em outras áreas, está havendo esse fenômeno do aumento descontrolado de periódicos no Brasil. O país tem hoje cerca de 5 mil perió-dicos. Entre as revistas que solicitam inclusão na biblioteca SciELO, a pro-porção das humanidades chega a 80%”, diz Meneghini. n fabrício marques

havia uma correlação entre o índice-h dos pesquisadores e seu status acadêmico. No caso da física, a média do índice-h para os bolsistas nível 1-A foi de 13 e nos de 1-B de 11. Já em genética, a média do índice-h para os bolsistas nível 1-A foi de 15 e nos de 1-B de 11. Em ciências agrá-rias, a média para os bolsistas nível 1-A foi de 7 e nos de 1-B de 6. Um dado que suscitou surpresa foi o resultado na área

O mapa-múndi do índice-h, construído com base nos artigos indexados na base scopus publicados pelo conjunto de pesquisadores de cada país e as citações recebidas, entre os anos de 1996 e 2010

foNte scimago journal & countrY ranK

Índice-h dos países

n Menos que 32

n 32 - 76

n 76 - 145

n 145 - 248

n 248 - 336

n 336 - 450

n 450 - 604

n 604 - 750

n 750 - 1.229

n sem informação

40 z maio DE 2013

programas de iniciação científica revelam

disposição de universidades para estreitar

relações com o ensino médio

eDuCaçãO y

a emoção da estreia

Há três anos o cotidiano da Es-cola Estadual Professora Olívia Bianco, em Piracicaba, interior de São Paulo, não é mais o mes-

mo. O carro-chefe da reviravolta, que ainda está em andamento, é uma parceria firmada em 2010 com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com o objetivo de aproximar alunos dos 2º e 3º anos do ensino médio com a univer-sidade. A cada ano, a escola seleciona seis alunos com bom desempenho em sala de aula para que, ao longo de 12 me-ses, desenvolvam trabalhos de iniciação científica sob orientação de docentes da Unicamp. “Os alunos que participam dizem entrar em outro mundo”, conta a diretora Vera Alice Castro Schiavinato. Segundo ela, os adolescentes que não participam do programa acabam sendo motivados pelos colegas que já frequen-tam laboratórios como gente grande. “É como uma corrente: o aluno que faz iniciação científica influencia os demais, e o interesse pelo estudo cresce visivel-mente na escola”, acrescentou.

O ex-aluno do Olívia Bianco, Lucas Lordello dos Santos, é hoje estudante do

curso de ciências do esporte da Unicamp. Até o começo de 2011, quando entrou no programa de iniciação científica, nun-ca havia pisado em um laboratório de pesquisa. “Eu acreditava no estereóti-po de que aluno de escola pública não consegue entrar em boas universidades públicas. O projeto não só me ajudou a entrar na Unicamp como também me fez querer ir mais longe”, afirma o rapaz, que realizou seu projeto na área de anatomia na Faculdade de Odontologia. Os alunos que se submetem à iniciação científica no ensino médio ficam oito horas sema-nais em laboratórios da universidade, durante um ano, podendo estender o prazo se necessário.

Uma série de iniciativas, semelhantes à relatada acima, tem conseguido impul-sionar o intercâmbio entre colégios da rede pública e universidades por meio da criação de novas bolsas de iniciação científica para o ensino médio. Nas prin-cipais universidades do estado de São Paulo, por exemplo, o número de alunos selecionados e de projetos aumentou significativamente. No início de abril, a Unicamp abriu suas portas para 300

adolescentes de escolas de Campinas e região, um aumento de 66% em relação a 2010. Seguindo a mesma tendência, a Universidade de São Paulo (USP) dispo-nibilizou 512 vagas no seu Programa de Pré-iniciação Científica (Pré-IC), 97 a mais em comparação a 2012. Nos últimos anos, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) também ampliou seu programa voltado para alunos do ensino médio, ao estendê-lo para escolas de todo o estado de São Paulo e não apenas para os co-légios técnicos ligados à universidade.

Na Unicamp, o Programa de Iniciação Científica Júnior (PICJr) foi criado em 2007 com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-lógico (CNPq), que, desde 2003, concede cotas de bolsas para alunos de ensino médio. Na primeira edição do programa foram selecionados 119 alunos de um grupo de 488 estudantes de 43 escolas públicas de ensino médio das cidades de Campinas, Limeira e Piracicaba. No ano seguinte, o número de escolas par-ticipantes aumentou 84% e a indicação de alunos chegou a 750, dos quais 144 foram selecionados. Com o aumento da

bruno de Pierro

PesQuisa faPesP 207 z 41

Desbravando um novo mundo: alunos do ensino médio de Diadema unem-se para resolver desafios do programa de pré-iniciação científica da poli-usp

qualidade de vida”, explica o docente e assessor da Pró-Reitoria de Pesquisa da Unicamp, Mário Fernando de Góes. Os alunos recebem uma bolsa de R$ 100 e tanto a alimentação quanto o transporte são pagos pela instituição. Segundo Góes, o grande trunfo do programa é aproxi-mar os estudantes do cotidiano da vida acadêmica e oferecer a oportunidade de desenvolverem o senso crítico diante dos desafios atuais da ciência, através da cons-trução e transmissão do conhecimento.

mão na massaO professor José Joaquin Lunazzi, do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, já orientou 10 estudantes do ensino médio, desde o início do progra-ma, em projetos que envolvem imagens tridimensionais e cinema digital. Seus alunos são inicialmente apresentados aos processos da óptica e depois apli-cam o que aprenderam na construção de equipamentos, utilizando materiais simples, espelhos, ferramentas e câme-ras fotográficas. “Faço questão que colo-quem a mão na massa, falta muito disso no ensino médio”, avalia. Para Lunazzi,

o programa traz benefícios também pa-ra o orientador, que diante dos inúme-ros questionamentos trazidos pelos es-tudantes precisa criar novas formas de repassar o conhecimento. “Eu poderia ter me aposentado em 2002, mas quis continuar passando um pouco da minha experiência para os mais jovens, apren-dendo novas maneiras de ensinar física de um modo mais fácil.”

Para Belmira Bueno, coordenadora dos programas de pré-iniciação científica da USP, a ideia não é formar cientistas, mas sim ampliar a formação do aluno como um todo, para que ele tenha mais elementos e faça a melhor escolha de um curso de graduação. Segundo ela, a universidade deu início à organização de uma pesquisa que irá localizar, na rede pública, os alunos que passaram pelo programa desde 2009. “Muito em breve teremos um quadro mais completo sobre o destino desses jovens, para saber quantos ingressaram na universidade e quantos, por ventura, acabaram inseridos no mercado de trabalho”, explica. Neste caso, o objetivo é saber se houve tentati-vas e quais os limites que se impuseram ED

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demanda, a Pró-Reitoria de Pesquisa passou, com o apoio da FAPESP, a in-centivar o docente orientador com um aporte de R$ 3 mil anuais para custeio de atividades dos laboratórios envolvidos. Em 2010, com a criação de outro braço no CNPq, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica no Ensi-no Médio (Pibic-EM), a Unicamp foi contemplada com mais 150 bolsas de estudo completando as atuais 300 va-gas. Neste ano, a universidade recebeu 1.026 indicações de alunos interessados em participar dos 78 projetos oferecidos por docentes e pesquisadores. A área que oferece mais linhas de pesquisa é a de biomédicas.

“No começo, o aluno chega tímido, mas ao longo do ano isso muda, e, quan-do apresenta o pôster com os resultados do projeto, há uma transformação da

r$6,7 milHõEs é o repasse do cnPq a programas de iniciação científica júnior

42 z maio DE 2013

aos egressos do Pré-IC para não terem ainda ingressado no ensino superior.

O programa da USP foi implementado em 2008 e adotou um modelo diferente de outras universidades. É inteiramente institucionalizado por meio de parce-rias estabelecidas em dois acordos: um com a Secretaria Estadual de Educação (SEE) e outro com o Centro Paula Sou-za (CPS). O Pré-IC da USP conta com o apoio do CNPq desde 2010 e do banco Santander, que também responde pelas bolsas concedidas aos estudantes. Há ainda um aporte da Monsanto no valor de R$ 220 mil, destinado ao pagamento de bolsas para professores do ensino mé-dio, que participam como supervisores, e para a realização do Seminário Anual de Pré-iniciação Científica. O recurso é operacionalizado pela Fundação da USP (Fusp). Disso resulta que a USP lança três editais todos os anos com a finali-dade de selecionar os alunos das duas redes de ensino público que participam do programa e os alunos de suas duas escolas que oferecem ensino médio – a Escola de Aplicação, na capital, e o Co-légio Técnico de Lorena.

“Oferecemos aos estudantes de ensino médio a oportunidade de se dedicarem a um tema específico. Trata-se de algo dife-rente da aula expositiva da escola”, declara o pró-reitor de Pesquisa da USP, Marco Antonio Zago, que também foi presiden-te do CNPq entre 2007 e 2010. Segundo ele, a esperança é que programas como

o da USP inspirem a criação de outros, para que as experiências existentes ga-nhem escala.

O CNPq destina hoje R$ 6,7 milhões para programas de iniciação científi-ca no ensino médio, contemplando 109 universidades no total. Em 2012 foram concedidas 4.359 bolsas, entre convê-nios e acordos de cooperação. Segundo a coordenadora de Programas Acadê-micos do CNPq, Lucimar Almeida, a

instituição está trabalhando no senti-do de aperfeiçoar os instrumentos pa-ra avaliar e mapear os bolsistas até a graduação. Um dos problemas para a consolidação dos indicadores é a fal-ta de atualização do Currículo Lattes, porque muitos alunos não continuam atualizando o sistema depois que ter-minam a iniciação científica. Outro en-trave é o conjunto de deficiências que os estudantes trazem do início da vida escolar. “A situação da educação básica reflete nos resultados dos projetos de iniciação científica. É preciso fortale-cer o ensino em ciência e matemática desde cedo, porque a bagagem de boa parte dos alunos é fraca”, diz.

suPeraçãoMas em muitos casos as dificuldades servem para fazer o jovem despertar de um falso mito que é criado em torno do ensino público: o de que os estudantes de escola pública não são capazes de se tornar alunos de uma boa universida-de pública. “Uma vez ouvi de um pro-fessor que eu não tinha condições de correr atrás do tempo perdido e tentar passar numa universidade de boa qua-lidade. Tempo depois, lá estava eu, na minha escola, ensinando meus colegas e servindo de inspiração para que ou-tros também seguissem o caminho da pesquisa”, conta Willian Apolinario de Paula, que em 2011 ingressou em um pro-jeto de pré-iniciação científica da Escola Politécnica da USP, sobre automação e sustentabilidade, quando ainda cursava o colegial na Escola Estadual Anecondes Alves Ferreira, na periferia de Diade-ma. Hoje aluno do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFSP), Willian diz ter certeza de que, não fosse a bolsa de pré-iniciação científica, não teria perspectiva de um futuro que nunca imaginou que poderia traçar. Assim que terminar a graduação, pretende engatar o mestrado na USP e seguir carreira aca-dêmica. O professor que orientou Willian na Poli, Diolino Santos Filho, afirmou que o principal atributo do programa é a possibilidade de multiplicação do conhecimento na escola. “O que mais me incentiva a fazer parte dessa expe-riência é observar o desdobramento dos conhecimentos que são aprimorados na universidade”, esclarece.

Desde 2012, o Projeto de Experiên-cias de Turismo de Base Comunitária

“a educação básica reflete nos resultados de projetos de iniciação científica no ensino médio”, diz lucimar

1

PesQuisa faPesP 207 z 43

ensino médio que estão envolvidos ne-le é a possibilidade de interação com bolsistas de mestrado, pós-doutorado e iniciação científica de graduação que também desenvolvem trabalhos na re-gião. “Trata-se de uma política de fo-calização que aproxima ensino público superior e ensino médio, e por meio da qual são articulados processos educati-vos e científicos”, explica Alessandro de Oliveira dos Santos, um dos professores do IPUSP envolvidos no projeto.

mudança de PadrÕesFora do âmbito estadual, uma experiên-cia que tem despontado é o Programa Futuro Cientista (PFC), iniciativa do campus de Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos. Embora esteja vinculado à UFSCar, o projeto é inde-pendente e sobrevive graças a parcerias com empresas, como a Gerdau e o Gru-po Objetivo. Fazem parte da esteira de colaboradores também outras universi-dades, como a Universidade de Soroca-ba (Uniso), a Unesp de Botucatu, o Ins-tituto de Física de São Carlos e a PUC de Sorocaba, que também recebem alunos.

Segundo Fábio de Lima Leite, criador e coordenador do programa e professor do Departamento de Física, Química e Matemática da UFSCar de Sorocaba, dos 300 estudantes que passaram pelo programa, cerca de 10% desistiram de estudar por diversas razões, inclusive envolvimento com drogas. “As escolas estaduais estão em situação precária, vemos crianças indo para a escola só para poder comer. Nossa missão é mos-trar a esses jovens que o ingresso na universidade é um projeto de vida.” As bolsas para ensino médio são fornecidas pelo CNPq, mas para os outros módu-los, que envolvem estudantes do ensino fundamental (6º a 9º ano), os recursos são provenientes dos patrocinadores. Os alunos do ensino fundamental tra-

balham na forma de redes de pesquisa-dores e, ao ingressa-rem no ensino médio, são “adotados” pelo programa e iniciam o processo de formação científica na univer-sidade, explica Ismail Barra Nova de Melo, outro coordenador do projeto.

Os programas de iniciação científica para alunos de ensino médio podem ter potencial para mudar certos padrões de ensino arraigados. “O modelo que domi-na as escolas é baseado no currículo, que é relativamente rígido e muito preocupa-do com notas. Essa crença de que o cur-rículo define as coisas é sem fundamen-to”, observa o pró-reitor Marco Antonio Zago. Na avaliação dele, o sistema mais eficiente é aquele em que a sala de aula torna-se uma equipe, integrando alunos e professores, com o objetivo de resolver questões fundamentais, como acontece em pesquisas científicas.

“O foco passa a ser a resolução de múl-tiplos problemas, que estão relacionados com a vida na sociedade, com os seres vi-vos”, afirma Zago. Nesse modelo, portan-to, o trabalho em grupo, a reunião livre entre alunos e professores e a liberdade para arriscar são fatores que ajudam a definir não apenas o resultado em si de uma pesquisa, mas o nível de interesse pelo ato de estudar de uma sala de aula. “Os jovens gostam de fazer tudo em gru-po, como ir para a balada. Por que não aprender da mesma forma?”, conclui. n

no Vale do Ribeira, realizado pelo Ins-tituto de Psicologia da USP (IPUSP) em parceria com escolas técnicas dos muni-cípios de Iguape, Registro e Peruíbe, no Vale do Ribeira, região sul do estado de São Paulo, reúne pesquisas sobre mani-festações artísticas e religiosas, lazer e sociabilidade e interação com o turismo de comunidades tradicionais da região, como os quilombolas. A grande contri-buição do projeto para os 50 alunos de

“nossa missão é mostrar que o ingresso na universidade é um projeto de vida”, afirma fábio

1 lunazzi e alunos em experimento na unicamp

2 atividades em grupo no programa futuro Cientista da ufsCar

3 willian de paula: projeto da iniciação terá continuidade no mestrado

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44 z maio DE 2013

andes bacia do Paraná

Um perfill continental: ilustração apresenta variações no relevo (linha branca) e na crosta da américa do sul

ciÊncia GeOlOGia y

PesQuisa faPesP 207 z 45

sismólogos propõem

uma nova explicação para

os terremotos no país

igor zolnerkevic e ricardo zorzetto

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Por que a terra tremeno Brasil

em 8 de outubro de 2010 a terra tremeu como jamais se havia visto em Mara Rosa, cidade com 10 mil moradores no norte de Goiás. Passava um pouco das 5 da tarde daquela sexta-feira e as pes-

soas se preparavam para o fim de semana quando o chão balançou tão intensamente a ponto de se tornar difícil ficar em pé. Árvores chacoalharam, paredes trincaram e telhas despencaram das ca-sas. Menos de um minuto mais tarde, os reflexos desse terremoto de magnitude 5, um dos mais fortes registrados no país nos últimos 30 anos, haviam percorrido 250 quilômetros e alcançado Brasília, onde alguns prédios chegaram a ser de-socupados. “Muita gente em Mara Rosa pensou que a terra fosse se abrir e o mundo acabar”, conta Lucas Barros, chefe do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB). Nas semanas seguintes Barros e sua equipe instalaram sismó-grafos em Mara Rosa e nos municípios vizinhos para acompanhar a reverberação daquele tremor. Em seis meses, outros 800 sismos, menos inten-sos, ocorreram ali e ajudaram a determinar a cau-sa direta do desassossego da terra naquela região. Bem abaixo de Mara Rosa, a uns três quilômetros de profundidade, há uma extensa rachadura na crosta terrestre, a camada mais rígida e externa

do planeta. E, ao longo dessa fratura que se es-tende por cinco quilômetros, as rochas haviam se deslocado, fazendo a terra tremer. “Tivemos de fazer audiência pública em Mara Rosa e em Mutunópolis para explicar às pessoas o que es-tava ocorrendo e o que elas deviam fazer para se proteger”, diz Barros.

A identificação dessa fratura não chegou a sur-preender o grupo da UnB. Mara Rosa e outros mu-nicípios do norte de Goiás e do sul de Tocantins se encontram em uma região geologicamente instá-vel: a zona sísmica Goiás-Tocantins, que concentra 10% dos terremotos do Brasil. Parte dos geólogos atribui a elevada frequência de tremores nessa área – uma das nove zonas sísmicas delimitadas no país, com 700 quilômetros de comprimento por 200 de largura – à proximidade com o Lineamen-to Transbrasiliano, uma extensa cicatriz na cros-ta terrestre que cruza o Brasil e, do outro lado do Atlântico, continua na África. Acredita-se que ao longo do lineamento a crosta seja mais frágil por concentrar blocos rochosos trincados que, sob compressão, se movimentariam mais facilmente produzindo terremotos.

Mas nem todos concordam. Muitas vezes a lo-calização dos tremores não coincide com a desse conjunto de falhas e, em certos trechos dele, nunca

PesQuisa faPesP 207 z 45

46 z maio DE 2013

se detectaram tremores. Quem duvida da influência direta do lineamento sobre os sismos dessa região aposta em causas mais profundas, como as que acabam de ser identificadas por um grupo de pes-quisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) a partir do levantamento da espes-sura da crosta terrestre no país, recém-concluído.

Em um trabalho publicado em fevereiro deste ano na Geophysical Research Letters, o sis-mólogo Marcelo Assumpção e o geofísico

Victor Sacek apresentam uma explicação mais completa – e, para muitos, mais convincente – para a concentração de tremores em Goiás e To-cantins. Em algumas áreas dessa zona sísmica a crosta terrestre é mais fina do que em boa parte do país e encontra-se tensionada pelo peso do manto, a camada geológica inferior à crosta e mais densa do que ela. Medições da intensidade do campo gravitacional nessas áreas de crosta fina indicam que, ali, há um espessamento do manto. Essa combinação faz essas duas camadas de rocha – a crosta e a região superior do manto, que do ponto de vista físico se comportam co-mo uma estrutura única e rígida chamada pelos geólogos de litosfera – vergarem como um galho prestes a se romper. Nessa situação, a litosfera pode trincar como uma régua de plástico que é curvada quando se tenta unir suas extremidades (ver infográfico ao lado).

“A litosfera tende a afundar onde ela é mais den-sa e a subir onde a densidade é menor”, explica Assumpção. “Essas tendências causam tensões que produzem falhas e, eventualmente, provocam sismos”, completa o sismólogo do IAG, coordena-dor da Rede Sismográfica do Brasil, que monitora os terremotos no país.

Durante uma conversa em sua sala no início de abril, Sacek, coautor do estudo, pegou um livro de capa flexível para ilustrar o que ocorre no trecho da zona sísmica Goiás-Tocantins onde se encontra Mara Rosa. “Supondo que esse livro represente a litosfera da região, um acréscimo de carga no interior da litosfera, por haver uma proporção maior de rochas do manto [mais densas], vai fa-zê-la sofrer uma flexura”, explicou, colocando o livro na posição horizontal e pressionando suas laterais, o que o fez se dobrar como se um bloco de pedra estivesse colado à capa inferior. Como resultado, a parte superior é submetida a forças de compressão e a inferior a forças de distensão. “Embora seja rígida, a litosfera tem alguma flexi-bilidade e resiste até certo ponto à deformação”, diz Sacek. “Mas a partir de determinado limite ela pode vergar e se romper.”

Anos atrás, analisando o mapa da distribuição de sismos no Brasil, Assumpção percebeu que a maioria deles ocorria no trecho de Goiás e Tocan-

foNte marcElo asssumPção – iag/usP

6,2 é a magnitude do tremor mais intenso registrado no Brasil, em 1955

sob a terralevantamento mostra a diferença de espessura da crosta terrestre no brasil e na cordilheira dos andes

tins no qual em 2004 o geofísico Jesús Berrocal, ex-professor da USP, havia identificado uma ano-malia gravimétrica. Lá o campo gravitacional é anormalmente elevado para uma região de planalto com altitude média entre 300 e 400 metros. Na-quelas terras planas e relativamente baixas – por exemplo, não existem cadeias de montanhas ali – não há excesso de massa sobre a superfície que justifique a flexura da litosfera. Logo, concluiu As-sumpção, essa massa só poderia estar embaixo da terra. Provavelmente em regiões profundas como as camadas mais superficiais do manto, uma vez que a crosta só tem 35 quilômetros de espessura.

Mas era preciso verificar se essa ideia fazia sentido e se o espessamento do manto podia, de fato, fazer a litosfera se curvar. Assumpção pediu então a Sacek, especialista em simulações com-

andes bacia do paraná

Distância (em km)

pro

fund

idad

e (e

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m)

região dos andes com crosta fina

Crosta com mais de 2,5 bilhões de anos

lineamento transbrasiliano

região dos andes com delaminação

zona sísmica da plataforma continental

bacia do paraná

província de borborema

flexura tocantins

-5°

-10°

-15°

-20°

-25°

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-10

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6.0004.0002.000

0

-70° -75° -70° -65° -60° -55° -50° -45° -40° -35°

500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.0000

espessura da crosta (em km), medida a partir do nível do mar

70

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60

55

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45

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15

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PesQuisa faPesP 207 z 47

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os

zona sÍsmica goiás-tocantins

a crosta é estável onde não há falhas geológicas e sua espessura não varia

muito. O espessamento do manto nas regiões em que a crosta é mais fina

pode causar tensões adicionais que favorecem a ocorrência de tremores

estresse constantea litosfera do planeta, formada pela crosta e a parte

superior do manto, é dividida em placas que se movem

e colidem. O choque nas bordas das placas gera

tensão que se espalha pelo interior dos continentes

a diferença de peso

entre rochas da crosta

e do manto à mesma

profundidade faz

a região afinada vergar

por conta do peso extra

abaixo dela. essa flexura

comprime as rochas

próximo à superfície

somada às tensões

exercidas nas bordas das

placas da litosfera, essa

compressão é demais

para as rochas

a profundidades inferiores

a 5 km, que tendem a

sofrer fraturas, causando

os abalos sísmicos

de superar o limite de elasticidade das rochas e fragmentá-las. “Esse modelo explica até a profun-didade dos sismos, que em geral ocorrem a menos de cinco quilômetros da superfície”, afirma Sacek.

Ele e Assumpção acreditam que esse mecanismo – a flexura em região de crosta mais fina – pode também ser a causa da elevada frequência de tre-mores em outras regiões do país, como a bacia do pantanal e a zona sísmica de Porto de Gaúchos, em Mato Grosso, onde em 1955 ocorreu o maior abalo sísmico já registrado no Brasil, com magnitude de 6,2 graus na escala criada por Charles Richter. Os terremotos com magnitude superior a 5 são raros no país – ocorre, em média, um a cada cinco anos. Mas, mesmo fracos, costumam assustar a popu-lação, pouco habituada a conviver com os sismos e pouco preparada para lidar com eles. Além de falta de informação sobre como enfrentar os tre-mores, as residências mais pobres não resistem a abalos pequenos, que causariam poucos danos em uma metrópole. Em 9 de dezembro de 2007, um tremor de magnitude 4,9 danificou várias casas no povoado de Caraíbas, nos arredores de Itaca-rambi, norte de Minas Gerais, onde a queda de uma parede matou uma criança. “Essa é a única morte direta causada por um terremoto de que se tem notícia no país”, conta o geólogo Cristiano Chimpliganond, da UnB.

a flexura da crosta também explica os ter-remotos em outra zona sísmica do Brasil: a margem da plataforma continental en-

tre os estados do Rio Grande do Sul e o Espírito Santo. A uma distância que varia de 100 a 200 quilômetros da costa, o fundo do mar sofre um declive abrupto. Nesse degrau, a profundidade do oceano passa de 50 metros para 2 mil metros. Os sedimentos que os rios transportam para o mar se acumulam na extremidade desse degrau, exer-cendo um peso extra sobre a crosta. Assumpção acredita que essa sobrecarga provoque os sismos

1

putacionais, que criasse um modelo matemático para representar as camadas geológicas daquela área de Goiás e Tocantins que levasse em conta todas as forças que atuam sobre elas. Sacek de-senvolveu um programa incluindo tanto o efeito de forças locais, originadas a poucas dezenas de quilômetros da região dos sismos por diferenças de relevo (vales, rios e morros) e por variações na espessura da crosta, como o de forças regionais, de escala planetária, que ocorrem a milhares de quilômetros de distância, nas bordas dos blocos em que está dividida a litosfera.

Ao unir esses elementos, Sacek identificou uma zona de fragilidade da crosta que coincide com a área de mais sismos em Goiás e Tocantins. Nesse grande bloco, com 200 quilômetros de largura e 5 de profundidade, as forças são intensas a ponto

reGiãO COM terreMOtOreGiãO De estabiliDaDe

CrostaRocha menos densa

espessura média: 40 km

35 km

manto litosféricoRocha mais densa

excesso de massa

Peso para baixo

2Crosta verga

Peso para baixo

fraturas e tremores

Região mais fraturada

tremores na crosta

Compressão da crosta superior

3

5 km

48 z maio DE 2013

detectados nessa região, por mecanismos seme-lhantes ao que estaria ocorrendo em Goiás e To-cantins. A diferença nesse caso é que o excesso de massa não se encontra sob a crosta, mas sobre ela.

Em um trabalho de 2011, Assumpção e cola-boradores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) e da Petrobras analisaram um terremoto que ocorreu em abril de 2008 a 125 quilômetros ao sul da cidade de São Vicente, no litoral paulista – e que foi sentido até na cidade de São Paulo. O ponto de origem do tremor foi justamente a extremidade do degrau da plata-forma continental e as características de suas ondas sísmicas parecem confirmar a ideia de que foi desencadeado pela sobrecarga de sedimentos.

A elaboração desses modelos sobre a causa dos tremores brasileiros só foi possível graças à desco-berta de variações na espessura da crosta terres-tre no país. Assumpção e colaboradores da UnB, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Observatório Nacional (ON) reu-niram informações sobre a espessura da crosta em quase mil pontos na América do Sul, tanto no continente como no oceano – desse total, cerca de 200 medições foram feitas nos últimos 20 anos com financiamento da FAPESP e do governo fede-ral. No mapa que sintetiza esses dados, publicado no Journal of South American Earth Sciences, os pesquisadores chamam a atenção para as regiões onde a crosta é mais espessa ou mais delgada. “A espessura da crosta é um dos parâmetros mais im-portantes para compreender a tectônica [as forças e os movimentos das camadas geológicas] de uma região”, afirma o sismólogo Jordi Julià, da UFRN.

Essa é a compilação mais completa e detalha-da já feita sobre a crosta brasileira. A espessura em todos esses pontos foi obtida a partir da com-binação de dados obtidos por três métodos que usam as ondas sísmicas para deduzir a estrutura das camadas geológicas por onde elas passam. O mais preciso deles – e também o mais caro – é a refração sísmica, no qual os pesquisadores re-gistram ao longo de centenas de quilômetros os tremores causados por explosões controladas (ver Pesquisa FAPESP nº 184). Os dois outros métodos se baseiam no monitoramento ao longo de anos dos terremotos que acontecem ao redor do globo.

De modo geral, a crosta no Brasil tem espes-sura semelhante à dos outros continentes – em média de 40 quilômetros, medidos

a partir do nível do mar. Há algumas regiões no país, porém, em que a crosta chega a ser mais fina do que 35 quilômetros. A existência de uma delas – uma faixa de quase mil quilômetros que vai do pantanal, em Mato Grosso do Sul, a Goiás e To-cantins – ainda não está bem delineada, porque há poucas informações sísmicas disponíveis sobre a

“A sismologia não consegue prever terremotos e, mesmo que conseguisse, não poderia evitá-los”, diz Lucas Barros, da UnB

região. Já no Nordeste, onde foi feita a maioria dos experimentos de refra-ção sísmica pela equipe de Reinhardt Fuck, da UnB, a incerteza é menor.

Ali se localiza a área mais vasta do território nacional com crosta menos espessa: a província de Borborema, bloco rochoso sobre o qual se assen-tam quase todos os estados do Nordes-te, a região com maior frequência de tremores no país. Em alguns pontos dessa região, a crosta tem menos de 30 quilômetros. Esse afinamento parece ter ocorrido entre 136 milhões e 65 mi-lhões de anos atrás, período em que a América do Sul se separou da África.

Um dos recordes de espessura está sob a floresta amazônica, na fronteira entre os estados de Roraima, Amazo-nas e Pará. Com até 45 quilômetros de espessura, esse é um dos pedaços da crosta mais antigos do Brasil, com mais de 2,5 bilhões de anos. “Essas regiões mais antigas tendem a ter crosta mais espessa”, diz Assumpção.

Mas o trecho de crosta mais espessa do país se encontra em uma região relativamente jovem, a bacia do Paraná, que começou a se formar há 460 milhões de anos. No interior de São Paulo, próxi-

onde ocorrem os sismosterremotos se concentram em regiões de crosta fina, como o Nordeste, o Centro-Oeste e a plataforma oceânica

tremores com magnitude igual ou superior a 3,5 ocorridos entre 1955 e 2012

foNte marcElo asssumPção – iag/usP

PesQuisa faPesP 207 z 49

mo ao rio Paraná, a crosta alcança 46 quilômetros de espessura. Assumpção propõe duas possíveis razões para esse espessamento. A primeira, su-gerida por diversos estudos, é que sob a bacia do Paraná haveria um bloco de crosta mais antiga, com bilhões de anos de idade, batizado de crá-ton do Paranapanema. A segunda tem a ver com a intensa atividade vulcânica ali há 130 milhões de anos. Por algum motivo que não se conhece, o manto abaixo da bacia do Paraná se tornou anormalmente quente, fenômeno que os geólo-gos chamam de pluma térmica. Essa pluma teria fundido parcialmente as camadas profundas da Terra, gerando magmas de composição basáltica que se derramaram sobre a superfície e origina-ram uma das maiores províncias vulcânicas do planeta. Essas rochas geraram as faixas de terra roxa, um solo bastante fértil. Parte do material originado no processo permaneceu lá embaixo e, quando o manto esfriou, se soldou à porção inferior da crosta, aumentando sua espessura.

Com pesquisadores do Chile e da China, Assump-ção expandiu o mapeamento da crosta para a cor-dilheira dos Andes. Sob essa cadeia de montanhas, a espessura da crosta varia de 35 quilômetros, na fronteira do Peru com o Equador, a 75 quilômetros, no altiplano boliviano. Essa espessura máxima é semelhante à observada em outras regiões monta-nhosas relativamente jovens, como o Himalaia. Em geral, há uma correlação direta entre a altitude de um terreno e a espessura da crosta. “Quanto mais alta a topografia, mais espessa é a crosta”, explica Assumpção. “Para altitudes superiores a 3 mil me-tros, o normal é a crosta chegar a 70 quilômetros.”

Mas há exceções. No norte da Argentina, onde os Andes se erguem a mais de 4 mil metros de al-tura, a crosta tem menos de 55 quilômetros de es-pessura. Novamente, os pesquisadores imaginam

duas explicações. Ou a crosta já era anormalmente fina desde antes da formação dos Andes ou, há 4 milhões de anos, ela se tornou tão espessa e quente que perdeu parte de suas camadas mais profundas, fenômeno chamado delaminação.

Já na fronteira do Peru com o Equador, onde a altitude supera os 3 mil metros, sua espessura é de apenas 35 quilômetros. Nesse caso, a crosta parece ser sustentada pelo movimento das correntes das camadas mais profundas do manto, que, embora sejam rochas, se comportam como um líquido ex-tremamente viscoso no tempo geológico – ele flui alguns centímetros por ano. A força dessas corrente-zas ascendendo são capazes de suspender a crosta, acrescentando de um a dois quilômetros na altura das montanhas. O inverso também pode aconte-cer. O fluxo descendente pode puxar para baixo a crosta em algumas regiões, como Sacek e Naomi Ussami, geofísica da USP, observaram na bacia de Marañon, entre o Equador, o Peru e a Colômbia.

apesar das duas décadas de trabalho, as pesquisas nessa área ainda estão atrasadas na América do Sul. Os Estados Unidos e

a Europa já dispunham de mapas detalhados da espessura da crosta no final dos anos 1990. “O avanço do mapeamento da crosta no mundo varia segundo a renda per capita dos países”, diz As-sumpção. “Só estamos melhores do que a África.”

No Brasil, as principais instituições de pesquisa da área se uniram há dois anos e criaram a Rede Sismográfica do Brasil, que dispõe de 50 estações sismológicas e pretende chegar a 80. Assim, os pesquisadores esperam monitorar melhor o país e aumentar a resolução do mapa. Quanto mais terremotos se observarem, mais detalhes da es-pessura da crosta poderão ser identificados. E, com mais detalhes, é possível criar modelos que permitam predizer com mais precisão as áreas sob risco de tremores de maior magnitude. “A sismologia não consegue prever terremotos e, mesmo que conseguisse, não poderia evitá-los”, diz Barros. “Por isso, temos de aprender a con-viver com eles e nos proteger deles.” n

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Cordilheira dos andes: região em que a crosta é mais espessa na américa do sul e atinge até 75 quilômetros

projetoevolução tectônica, climática e erosional em margens convergentes: uma abordagem numérica (nº 2011/10400-0); modalidade: bolsa de pós-doutorado; coord.: victor sacek – iaG/usp; investimento: r$ 153.896,91 (fapesp).

artigos científicosassuMpçãO, M. e saCeK, v. intra-plate seismicity and flexural stresses in central brazil. geophysical research letters. v. 40 (3), p. 487-91. 16 fev. 2013.assuMpçãO, M. et al. Crustal thickness map of brazil: Data compi-lation and main features. journal of south american earth sciences. v. 43, p. 74-85. abr. 2013.assuMpçãO, M. et al. Models of crustal thickness for south america from seismic refraction, receiver functions and surface wave disper-sion. tectonophysics. 2013 (on-line).

50 z maio DE 2013

O zoólogo paulo vanzolini foi um dos

idealizadores da fapesp, o autor de uma teoria

sobre a origem das espécies na américa do sul

e um ícone do samba paulista

reverencio a natureza. E tive uma carreira gratificante. Posso dizer que sou um pesquisador comple-

tamente realizado”, comentou o biólogo paulista Paulo Emílio Vanzolini em 2010 à Pesquisa FAPESP ao apresentar seu li-vro Evolução ao nível de espécie – Répteis da América do Sul. Com 704 páginas, o livro reúne os 47 principais artigos cien-tíficos de Vanzolini, publicados de 1945 a 2004, que ajudaram a ampliar o escopo da zoologia brasileira – até meados do século XX focada na descrição isolada de espécies e, a partir dos trabalhos de Vanzolini, reorientada para a busca dos mecanismos de formação de novas es-pécies, examinadas do ponto de vista biológico, evolutivo e ambiental.

Vanzolini, que morreu de pneumonia no dia 28 de abril, cinco depois de ter completado 89 anos, também escrevia sambas, sua segunda paixão, depois da zoologia. Além de compor – seu maior sucesso é Ronda, de 1951 –, às vezes ele próprio subia ao palco. Uma de suas úl-timas apresentações foi na choperia do Sesc Pompeia, em São Paulo, em janeiro de 2012: a mulher, a cantora Ana Bernar-do, interpretava suas músicas enquanto ele aguardava sentado em uma mesa, para depois contar histórias de sua vida. Em outra canção, Quando eu for, eu vou sem pena, gravada por Chico Buarque, ele diz:

ObituáriO y

Pensador da biodiversidade

O que eu fiz é muito poucoMas é meu e vai comigoDeixo muito inimigoPorque sempre andei direitoAgasalhei neste peitoMuita cabeça chorandoMorena minha até quandoVocê de mim vai lembrar

Apesar da modéstia, o que ele fez não foi pouco – e ficará, porque ele abriu ca-minhos não só na biologia, mas também na estruturação da ciência brasileira. “Vanzolini participou do movimento de professores e pesquisadores que propu-seram a criação da FAPESP e, no governo Carvalho Pinto, teve uma contribuição fundamental para a estruturação da ins-tituição e pela concepção do modelo de organização que rege a Fundação até hoje”, afirmou Celso Lafer, presidente da FAPESP. “Lamento profundamente a sua morte. Vanzolini era alguém por quem eu tinha grande admiração.”

Vanzolini participou das primeiras reuniões sobre a criação da FAPESP lo-go depois da Constituição de 1947, que autorizou instituir-se uma fundação de amparo à pesquisa em São Paulo. Foi ele quem, em 1960, redigiu a lei de criação e os estatutos da FAPESP. Com Antonio Barros de Ulhôa Cintra, reitor da USP

e presidente do Conselho Superior da Fundação que se instalava, Vanzolini participou da escolha dos primeiros di-retores, dos assessores. Ele foi “uma das forças de coesão da FAPESP”, escreveu a historiadora da ciência Amélia Império Hamburger, no livro FAPESP 40 anos: abrindo fronteiras.

Vanzolini foi membro do Conselho Superior em três períodos (1961 a 1967, 1977 a 1979 e 1986 a 1993). Quando Os-car Sala, diretor científico de 1969 a 1975 e presidente do Conselho Superior de 1985 a 1993, viajava, era ele quem cen-tralizava o julgamento e o acompanha-mento dos pedidos de financiamento a pesquisas ou a bolsas. “... é muito difícil ser número dois e eu era, confortavel-mente”, ele contou no depoimento a Amélia Hamburger. “Quando o Oscar viajava e eu assumia, eu não resolvia da minha cabeça, resolvia com a cabeça dele, sabia os pontos em que nós pen-sávamos diferente e decidia como eu achava que ele iria decidir.”

Como diretor do Museu de Zoologia da USP de 1962 a 1993, ele ampliou a coleção de pouco mais de mil exemplares cata-logados para os mais de 300 mil de hoje. Ele próprio datilografava rótulos e fichas de identificação dos animais guardados, lembra-se Miguel Trefaut Rodrigues, biólogo que fez o doutorado sob a orien-

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PesQuisa faPesP 207 z 51

tação de Vanzolini, depois foi contratado como professor da USP, tornou-se um dos maiores herpetologistas (especialista em répteis) do país, ao lado do próprio Vanzolini. Rodrigues depois o sucedeu na direção do museu, que hoje conta com uma das maiores e mais importantes co-leções zoológicas neotropicais.

entre a guerra e a boemiaVanzolini ouvia falar da USP e ouvia mú-sica desde pequeno: seu pai era um en-genheiro civil eletricista e professor da Escola Politécnica da USP e a mãe e a irmã, musicistas. Ele se interessou pelo estudo de répteis aos 10 anos, ao visitar o Instituto Butantan, e aos 14 era esta-giário do Instituto Biológico. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando cursa-va medicina na USP, ele se alistou como voluntário na Força Expedicionária Bra-sileira para lutar na Itália, mas a guerra acabou antes que ele embarcasse. Como preferia estudar bicho a tratar de gente, quando terminou o curso de medicina, em 1947, Vanzolini embarcou para fazer o doutorado na Universidade Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, e conti-nuar ouvindo boa música, desta vez nos bares americanos.

Um dos primeiros biólogos paulistas a fazer um levantamento amplo da biodi-versidade na Amazônia – projeto pioneiro apoiado pela FAPESP em 1966, em colabo-

ração com pesquisadores de Manaus, de Belém e dos Estados Unidos –, Vanzolini aos poucos percorreu todo o país e o con-tinente americano, dos Estados Unidos à Argentina. “Sempre trabalhei com a mes-ma linha de pesquisa, procurando explicar como teria surgido a grande diversidade da fauna sul-americana”, ele contou em 2010. Seu trabalho de campo lhe permitiu propor novas formas de explicar a biodi-versidade nas florestas tropicais como a Amazônia e a mata atlântica.

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Por muito tempo se acreditava que, nesses ambientes, o número elevado de espécies de plantas e de animais seria o resultado de longos períodos de estabi-lidade climática e geológica, que teriam favorecido o cruzamento e a reprodução. No final da década de 1960, Vanzolini resgatou conceitos empregados inicial-mente para explicar a diferenciação de aves na Europa para apresentar a teoria dos refúgios, proposta simultânea e in-dependentemente pelo geólogo alemão Jurgen Haffer. De acordo com essa in-terpretação, elaborada em conjunto com o geógrafo brasileiro Aziz Ab’Saber, a América do Sul teria passado por ciclos de variações climáticas intensas no últi-mo 1,6 milhão de anos – quando esfriava muito, como entre 18 mil e 14 mil anos, as florestas tropicais perdiam espaço e encolhiam, formando nichos geográfi-cos, os refúgios, que teriam garantido a sobrevivência de espécies menos acos-tumadas ao frio. Vanzolini acreditava que as espécies se formavam e se diver-sificavam em consequência da formação dessas ilhas e do isolamento geográfico dos seres que a habitavam, não em con-sequência de evolução lenta e estável, como se pensava antes. É provável que três processos tenham ocorrido nestas regiões: a formação de novas espécies, a extinção de certas espécies e a adapta-ção de outras, que teriam passado sem mudanças genéticas importantes pelas alterações do ecossistema.

Vanzolini afirmou em 2012 que não fez teoria nenhuma: “Era apenas um traba-lho com uma espécie de bicho. O que fiz acabou sendo trazer um exemplo práti-co, daquilo que o Haffer havia proposto do ponto de vista teórico. Nada mais é do que um modelo [conceitual], que po-de ser replicado, inclusive, para outras regiões”. Em 1970, um ano depois de a revista Science ter publicado o artigo de Haffer propondo a teoria, Vanzolini e o pesquisador norte-americano Ernest Wil-liams publicaram um estudo de cerca de 300 páginas sobre o surgimento de uma espécie de lagarto do gênero Anolis – e em momento algum usaram a expressão teoria dos refúgios, hoje adotada pelos biólogos para explicar a riqueza biológica das florestas tropicais do Brasil. n

vanzolini em 2012 (ao lado) e em uma das viagens à região Norte. acima, o Anolis chrysolepis, no qual ele se baseou para formular a teoria dos refúgios

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52 z maio DE 2013

no início de fevereiro, em uma das expedições se-manais dos pesquisadores do Instituto de Botâni-ca às áreas a serem cortadas pelo trecho norte do rodoanel – a estrada de 180 quilômetros (km) de

extensão em fase final de construção em torno da Grande São Paulo –, a botânica Cíntia Kameyama reconhece e co-lhe espécies de plantas provavelmente raras do cerrado que crescem em um campo ao lado de um sítio a seis quilômetros do aeroporto de Guarulhos. “A estrada vai passar aqui e esta área de mata vai desaparecer”, ela comenta, enquanto separa as plantas colhidas. “O último túnel do rodoanel começa ali”, diz o botânico Paulo Ortiz, apontando para um morro coberto de árvores, entre as quais se destacam as flores coloridas das quaresmeiras. Logo depois Regina Shirasuna volta de uma caminhada a um aglomerado de árvores carregando uma pá e vários sacos que escondem apenas a raiz das plantas que ela colheu: “Vou replantar ainda hoje”. Em seis meses de trabalho, as equipes de resgate tinham recolhido cerca de 200 plantas e as levado para serem cultivadas no instituto. Das 20 áreas visitadas, algumas eram usadas para desova de cadáveres ou encontros de grupos religiosos, que se reuniam em clareiras da mata para cantar alto e, quando os pesquisadores passavam, cumprimentavam com um “paz, irmão!”.

O trabalho de campo se intensificou em abril, quando outros grupos de botânicos começaram a resgatar bromélias e outras plantas raras penduradas nas árvores das matas a serem su-primidas nas bordas da serra da Cantareira, a maior floresta urbana do país, com 30 km de extensão, em boa parte já ocu-pada por bairros populares e condomínios luxuosos, na zona norte de São Paulo e em municípios vizinhos. Ao mesmo tem-

Construção de rodoanel motiva

expedições científicas à serra

da Cantareira, na Grande são paulo

texto carlos fioravanti fotos eduardo cesar

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O início de uma estrada: a vegetação

nativa a ser removida em um dos canteiros

de obra do trecho norte do rodoanel

a redescoberta de uma floresta

PesQuisa faPesP 207 z 53

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54 z maio DE 2013

po, biólogos e veterinários entraram na mata para cortar a vegetação mais baixa e fazer muito barulho para resgatar filho-tes e espantar para o alto da serra os que pudessem fugir. Eles trabalhavam com pressa: logo chegariam os tratores pa-ra remover a vegetação nativa das áreas que serão tomadas pelas pistas do trecho norte do rodoanel, que terá 44 km de ex-tensão, boa parte em Guarulhos. Em três anos, quando estiver pronto, esse trecho completará o anel viário que deve desviar os caminhões que chegam de outras re-giões do país e hoje têm de passar pelas avenidas marginais, dificultando o trân-sito dos moradores da Grande São Paulo.

Em consequência das exigências am-bientais, impensáveis até há poucas dé-cadas, quando as rodovias se impunham sem questionamentos sobre as florestas do país, provavelmente nunca antes uma estrada foi construída com tantos cuida-dos – até os engenheiros tiveram de ab-dicar da autonomia e trabalhar com pes-quisadores dos institutos de Botânica e Florestal. Para complicar, a estrada teria de passar por bairros densamente povoa-dos de São Paulo e Guarulhos e próxima ao Parque Estadual da Cantareira, uma área de preservação de remanescentes de mata atlântica. Com 80 km2, o parque abrange quatro municípios – São Pau-

lo, Mairiporã, Caieiras e Guarulhos – e abriga 25% da área original e pelo menos 60% da cobertura vegetal da serra, além de proteger as nascentes que fornecem água para os moradores da metrópole desde o final do século XIX.

Desde que começou a ser planejado, há 10 anos, o traçado do trecho norte passou por transformações radicais para redu-zir os impactos ambientais – uma das propostas era passar ao norte da serra da Cantareira, não ao sul, como no tra-jeto aprovado. “Examinamos dezenas de

o traçado do trecho norte resulta de 10 anos de debates com comunidades, ongs e órgãos ambientais

possibilidades de traçado, em interação com as prefeituras e as secretarias de meio ambiente dos municípios a serem atingidos”, diz Carlos Henrique Aranha, diretor da Prime Engenharia, empresa de gerenciamento ambiental contratada pela Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), empresa pública responsável pela construção do trecho norte.

O traçado final é o resultado de mui-tas negociações, não só entre órgãos do governo. Os protestos e as pressões dos moradores da região norte da capital e dos municípios a serem atingidos pelas obras resultaram em vários ajustes: a estrada desvia de um campo de tênis, de uma caixa-d’água que havia sido recém--construída quando foi anunciada, de um condomínio de luxo e de uma paineira com 15 metros de altura repleta de bro-mélias. Mas vai ocupar o terreno da es-cola em uma avenida de terra na periferia de Guarulhos, que deverá ser refeita em outro lugar. Ninguém diz que o traçado da estrada – construída a um custo esti-mado em R$ 6,5 bilhões – é perfeito, mas “o de 10 anos atrás era mais impactante”, diz Geraldo Franco, pesquisador do Ins-tituto Florestal. “A obra já foi bloqueada por causa da oposição de ONGs e órgãos ambientais do governo que analisaram os relatórios de impacto principalmente sobre a serra da Cantareira”, ele relata. A estrada que começou a ser construída vai cortar o parque por meio de túneis.

rePor o Que cortar Para reduzir o impacto da obra, a regra é simples: repor o que tiver de ser remo-vido. A Dersa anunciou que garantirá uma indenização ou uma casa nova às 3.490 famílias atingidas pela obra. Há uma grande preocupação também com a fauna – incluindo cerca de mil cães e 800 gatos mantidos pelos moradores – e com a flora. “Possivelmente teremos me-nos resgates que no trecho sul, porque os animais terão para onde fugir”, disse o veterinário Plínio Aiub, coordenador do grupo de empresas responsáveis pelo afugentamento e resgate de fauna, em uma reunião de planejamento realizada no início de fevereiro na Dersa.

Na região por onde a estrada vai pas-sar, de acordo com inventários anterio-res, vivem 234 espécies de aves, 49 de répteis e 65 de mamíferos – incluindo bu-gios, preguiças, veados, gambás e ouriços. Cogita-se a construção de túneis e cor-

a floresta ocultaáreas prioritárias para pesquisa no parque da Cantareira

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vores tinha morrido ou não tinha crescido como se esperava, por causa de alagamen-tos, incêndios provocados, geadas, invasão de gado e oposição de moradores vizinhos (ver Pesquisa Fapesp nº 191).

Agora se prevê a reposição de cer-ca de mil hectares, em áreas próximas que ainda estão sendo identificadas. Um problema para o qual os especialistas ainda não encontraram solução é como repor as áreas de cerrado inesperada-mente identificadas nos municípios de Guarulhos e Arujá, agora consideradas preciosas por representarem um tipo de vegetação eliminada com o cresci-mento das cidades e com obras como o aeroporto de Guarulhos. Planeja-se rea-proveitar o solo que tiver de ser retirado nas novas áreas, mas não há garantia de que essa estratégia funcione, porque até hoje biólogos, agrônomos e engenheiros florestais não conseguiram manter de modo satisfatório as plantas do cerrado fora das áreas em que crescem natural-mente. “Os estudos sobre a produção de mudas de espécies do cerrado ainda são incipientes”, lembra Franco.

A movimentação de homens e máqui-nas envolvidos com a construção do tre-cho norte está aumentando a visibilidade da serra coberta de mata atlântica, que

redores com cordas entre árvores nas estradas que cortam a serra para evitar atropelamentos e facilitar a passagem de animais. “Se vai funcionar? Só testando para saber”, diz o ecólogo Márcio Port--Carvalho, do Instituto Florestal.

A vegetação nativa que tiver de ser cor-tada terá de ser reposta: é o refloresta-mento compensatório, como já foi feito no trecho sul, inaugurado em 2010, e deve ser adotado também no trecho leste, já em construção. Em 2007, como condição para a aprovação do projeto de construção do trecho sul, órgãos ambientais estaduais e federais determinaram que a Dersa re-plantasse 1.016 hectares de florestas (cada hectare equivale a 10 mil metros quadra-dos), em áreas próximas à futura rodovia, para compensar a perda de 200 hectares de mata atlântica que cerca a Grande São Paulo. Até janeiro de 2012, em um terço das 147 áreas plantadas, a maioria das ár-

a cidade e a serra: o Núcleo Cabuçu e o contínuo de florestas protegidas pelo parque (acima) e plantas coletadas em Guarulhos em fase de identificação botânica

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ajuda os moradores de São Paulo a se orientarem geograficamente, mas ainda é pouco conhecida. A cada ano, 90 mil moradores da cidade visitam o Parque da Cantareira (aberto apenas nos finais de semana), a 20 km do centro da cida-de, de onde se pode ter uma magnífica vista da metrópole, a mil metros de al-titude. Não é muito se comparado com o Parque do Ibirapuera, que recebe 70 mil pessoas apenas em um sábado de sol.

Como os visitantes, os levantamentos sobre os animais e as plantas do Parque da Cantareira não são abundantes. “Ain-da temos muitas espécies de árvores, entre elas duas de cinamomos, para se-rem descritas”, diz João Batista Baitello,

biólogo do Instituto Florestal. Em 2010, seu colega Frederico Arzolla apresen-tou 101 espécies de arbustos e árvores que crescem em clareiras que haviam sido formadas para a instalação de tor-res de transmissão de energia elétrica e em 2011 outras 179 espécies de árvores encontradas em 11 km de trilhas no in-terior do parque. Desde o início do sé-culo passado os estudos se concentram nas áreas mais preservadas do parque, como o Pinheirinho, que Baitello visitou pela primeira vez logo depois de ter sido contratado pelo instituto, em 1976. Seis anos depois, ele e Osny Tadeu de Aguiar apresentaram o primeiro levantamento amplo dessa região, com 189 espécies de

à frente dos tratores: corte da mata baixa e resgate de plantas e animais; bromélias e orquídeas coletadas e mantidas em viveiros; e perereca de uma das áreas da futura estrada

a conservação ambiental em são Paulo começou na cantareira, antes do conceito de parques

árvores, entre elas algumas majestosas como o carvalho-nacional, o guatambu, a canela-preta, o jequitibá-branco, o pau--terra e o pau-furado, a maior de todas, com até 40 metros de altura e 3 de diâ-metro. O parque abriga 678 espécies de árvores e 866 de animais já descritas, de acordo com o plano de manejo, o mais completo inventário feito até agora. Esse trabalho, que pode ser encontrado no site do Instituto Florestal, apresenta também áreas prioritárias que deveriam ser mais estudadas (ver mapa).

A diversidade biológica se deve à com-binação de dois tipos distintos de mata atlântica, a ombrófila densa montana, encontrada em serras, e a semidecidual, com árvores que perdem parte das fo-lhas nas épocas mais secas do ano, e à diferença de altitude, que varia de 775 a 1.200 metros. Segundo Alexsander An-tunes, especialista em aves do Instituto Florestal, a época de frutificação de uma mesma espécie pode variar de acordo com a atitude: a palmeira-juçara, por exemplo, frutifica entre abril e junho nas regiões mais baixas e no final do ano nas mais altas, desse modo fornecendo frutos para arapongas e sabiás ao longo do ano todo.

uma floresta de histÓriasA Cantareira está muito ligada à história da capital paulista. “Muito provavelmente as árvores utilizadas para fazer as vigas sobre as paredes de taipa do Pátio do Co-légio, construído no século XVI, vieram

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da serra da Cantareira”, diz Baitello, que em seguida mostra uma placa de canela--preta com pelo menos 460 anos de ida-de com que um morador da cidade, José Nunes de Vilhena, presenteou dom Bento José Pickel, padre beneditino e curador do herbário do então chamado Serviço Florestal, mais tarde Instituto Florestal.

Como os fazendeiros buscavam mais terras para plantar café, chá ou cana-de--açúcar, o desmatamento na serra cres-ceu bastante até o final do século XIX, quando o governo estadual resolveu agir, desapropriando fazendas para proteger as nascentes ou riachos que abasteciam a cidade – o nome Cantareira, por sinal, vem da palavra cântaro, onde os mora-dores e viajantes guardavam água. “A conservação ambiental no estado de São Paulo começou aqui, antes mesmo do conceito de parque ou reserva”, diz Ar-zolla. O parque nacional mais antigo do Brasil, o de Itatiaia, foi criado em 1937.

A criação do Serviço Florestal em 1911 e da Guarda Florestal um ano depois assegurou a preservação da mata e de boa parte dos animais que a habitavam. Onças-pintadas e catetos não foram mais vistos, em consequência da fragmen-tação da mata e da caça intensiva, mas o parque e as áreas próximas abrigam uma das maiores populações de bugios (Alouatta clamitans) do país. “Por aqui vivem centenas de bugios”, diz Port--Carvalho, que está terminando uma estimativa da população desses animais. Das quatro espécies de primatas nati-vas encontradas atualmente na serra da Cantareira, a única ameaçada de extin-ção é o sagui-da-serra-escuro ou Calli-

Ontem e hoje: uma foto da década de 1940 de um pau-furado, árvore de até 40 metros de altura (de avental, o anatomista Calvino Mainieri) e uma das estradas que cortam a serra

thrix aurita. Uma das maiores ameaças é o cruzamento com outras espécies de saguis que não viviam na serra, como Callithrix penicillata. “Na semana pas-sada, pela primeira vez, vi um C. aurita andando com um grupo de C. penicilla-ta em uma área contínua à Cantareira”, relata Port-Carvalho.

“Dos parques de mata atlântica, este é o mais fácil para ver bichos, tanto maca-cos quanto aves”, diz Antunes, que mora em um condomínio a dois quilômetros do parque em cujo jardim vivem bugios, tucanos e 80 espécies de aves. Desde 2005 ele identificou no parque 250 es-pécies de aves, incluindo algumas que ainda não tinham sido vistas na cidade de São Paulo, como o gavião-de-sobre--branco, o pica-pau-rei e o corocoró. Macucos, já raros no estado de São Pau-lo, podem ser vistos pelo parque “com relativa facilidade”, ele diz. “Quando a gente chega ao alto da serra em um dia úmido, com a neblina subindo, pode--se ver pingos amarelos se movendo no solo”, relata Gláucia Cortez, bióloga do Instituto Florestal. Os pontos amare-los são os sapinhos-pingos-de-ouro ou Brachycephalus nodoterga.

Não se sabe como as plantas e os ani-mais vão reagir à redução da floresta, às obras e depois à estrada. “Os impac-tos negativos para alguns grupos de animais podem aparecer só depois de muitos anos, por isso é importante fazer monitoramentos de longo prazo”, alerta Port-Carvalho. Quem está planejando, abrindo ou acompanhando a nova estra-da já está em alerta. “Seremos vigiados o tempo todo”, disse um engenheiro na

Dersa. Eles temem que os moradores dos condomínios próximos à obra fotografem e divulguem pela internet qualquer irre-gularidade, assim que a virem.

Em meados de abril, Plínio Aiub, com sua equipe, já tinha encontrado – e remo-vido para regiões mais seguras da mata – cobras e aranhas, além de terem visto bandos de macacos-prego que apareciam para espiar. “Fomos chamados para res-gatar uma cascavel e encontramos uma Phyllomedusa, um gênero de perereca que normalmente vive em áreas baixas e úmidas, mas estava em uma região alta e seca”, diz ele. “No trecho sul, pegamos animais até o último dia da obra. Eles ten-dem a voltar para onde estavam antes.” n

artigos científicosarzOlla, f.a.r.D.p. et al. Composição florística e a con-servação de florestas secundárias na serra da Cantareira, são paulo, brasil. revista do instituto florestal. v. 23, n. 1, p. 149-71, 2011.

baitellO, J.b.; aGuiar, O.t.; rOCHa, f.t.; pastOre, J.a.; esteves, r.. estrutura fitossociológica da vegetação arbórea da serra da Cantareira – Núcleo pinheirinho. revista do instituto florestal. v. 5, n. 2, p. 133-61, 1993.

leONel, C. (Org.). Parque estadual da cantareira: Plano de manejo. 1ª ed. são paulo: fundação florestal, 2009 (livro eletrônico).

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a ameaça vem do planalto

A ocupação e o uso desordenado da terra por meio da agricultura e da pecuária nas regiões ad-jacentes às planícies, muitas vezes estimuladas por políticas públicas, são hoje uma das princi-pais ameaças à conservação da biodiversidade local, destacaram os pesquisadores. “A utilização não sustentável da terra nos planaltos tem pro-vocado a erosão do solo e, como consequência direta, o assoreamento dos rios”, disse Sabino. Segundo ele, o caso mais emblemático ocorreu na bacia do rio Taquari. “A partir da década de 1970, a intensificação da agropecuária sem a de-vida conservação dos solos culminou no assorea-mento quase completo do baixo curso do rio.” O resultado foi o rompimento de suas margens e a inundação permanente de mais de 5 mil km2 de uma área onde a inundação era sazonal (ver Pesquisa FAPESP nº 116). “Isso inviabilizou ati-vidades econômicas próprias da região, reduziu a produção pesqueira e mudou substancialmente a composição local da fauna e da flora”, ressaltou. De acordo com o biólogo, apesar de tradicional-

rodrigo de oliveira andrade

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imaginem um enorme anfiteatro no coração da América do Sul”, disse o biólogo José Sa-bino ao se referir ao mosaico geográfico que dá forma às planícies pantaneiras, na região Centro-Oeste do Brasil. Com 140 mil quilôme-

tros quadrados (km2) e uma dinâmica que alterna ciclos anuais de seca e alagamento que influenciam as interações ecológicas e os padrões de biodiver-sidade, o pantanal é a maior planície inundável do mundo. Está rodeado por serras que podem atin-gir 1.400 metros de altitude, “as quais dão vida à paisagem, mas também estão ligadas às principais ameaças à diversidade biológica da região”, afirmou o biólogo. Sabino é pesquisador da Universidade Anhanguera-Uniderp e foi um dos convidados do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação, realizado em São Paulo em 18 de abril. Além dele, participaram o veterinário Walfrido Tomas, do La-boratório de Vida Selvagem da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa-Pantanal), e o agrônomo Arnildo Pott, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Ocupação e uso desordenado do solo, ao lado

da instalação de usinas hidrelétricas, dificultam

o fluxo migratório de espécies no pantanal

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mente se basear no uso de pastagens nativas, a pecuária desenvolvida nas planícies sempre foi considerada de baixo impacto à biodiversidade pantaneira. Mas a tendência à intensificação da produção nos últimos anos tem levado pecuaris-tas a cultivarem pastagens exóticas, o que implica o desmatamento de matas nativas.

Outras atividades também ameaçam o bioma. É o caso da indústria, da mineração e da produ-ção de energia por usinas hidrelétricas, as quais têm potencial para alterar a dinâmica natural dos ecossistemas que compõem o pantanal. “As hidre-létricas podem comprometer o fluxo de nutrientes transportados pela água e o funcionamento hidro-lógico que alimenta as planícies pantaneiras, bem como promover alterações no hábitat de espécies aquáticas e semiaquáticas e, consequentemente, nos serviços ecossistêmicos que essas espécies desempenham na região”, ressaltou Tomas.

Mesmo assim, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem realizado licitações para a construção de pequenas centrais hidrelétricas il

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anfiteatro natural: planícies alagáveis, cercadas por uma região de planalto

na bacia hidrológica do Alto Paraguai, alertou Sabino. “A construção dessas usinas pode com-prometer o fluxo migratório de certas espécies de peixes da região”, disse. Já a mineração impõe risco de contaminação ao ambiente. “A mineração de manganês e ferro, por exemplo, pode levar à perda da vegetação característica do pantanal, afetando diversas espécies e comprometendo a disponibilidade de recursos hídricos fundamen-tais para a manutenção da diversidade biológica local”, destacou o biólogo. O garimpo de ouro no norte do pantanal já poluiu áreas significativas com mercúrio, disse.

Assim, por se tratar de uma área natural mol-dada pela disponibilidade de água, sobretudo do rio Paraguai e de uma extensa rede de afluentes com nascente nos planaltos vizinhos, a imple-mentação bem-sucedida das estratégias de con-servação deve passar pela mudança da unidade de gestão pantaneira para a bacia hidrográfica do Alto Paraguai, concluiu Tomas. “As políticas públicas de preservação precisam integrar o bio-

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ma às nascentes dos rios que o alimentam.” Para ele, estratégias de remuneração, desoneração e certificação de práticas adequadas de gestão para proprietários que conservam a diversidade das paisagens pantaneiras também devem ser incen-tivadas. “O cultivo de pastagens para aumentar a produção tornou-se algo constante no pantanal. É preciso investir na premiação de pecuaristas que não intensificaram sua produção por meio desse tipo de plantação. Afinal, o fazendeiro que cria seu boi sem alterar a paisagem está contribuindo para a conservação do bioma”, disse.

Cerca de 5% do pantanal está protegido por áreas de conservação. Embora essa abordagem seja bem aceita pelo poder público, na prática ela tem se mostrado ineficaz no que diz respei-to à preservação da fauna. “A conservação de espécies mais críticas depende mais do manejo sustentável das fazendas do que das unidades de conservação existentes”, destacou Tomas. Ele se referia a espécies como a onça-pintada, a ariranha e a arara-azul, encontradas com mais frequência além das fronteiras das unidades de conservação. “As espécies não se distribuem de forma homogênea na planície. Por isso, a pre-servação desses animais requer estratégias mais amplas do que a simples gestão dessas unidades de conservação.”

encruzilhada territorialO pantanal ocupa hoje 1,8% do território nacio-nal. É o menor dos seis biomas brasileiros – o maior é a Amazônia, que se estende por 50% da área total do país. Mas seu tamanho singelo não necessariamente reflete sua complexidade bio-

lógica. Geograficamente, as planícies pantaneiras estão localizadas numa encruzilhada territorial. Englobam parte da região sul de Mato Grosso e noroeste de Mato Grosso do Sul, se estenden-do também pelo leste da Bolívia e pelo norte do Paraguai. “É o fim do mundo! Ou o começo dele, depende do ponto de vista”, brincou o agrôno-mo Arnildo Pott. Segundo ele, essa localização privilegiada permitiu ao pantanal interagir com diferentes ecossistemas, como a Amazônia e o

a partir da esquerda: walfrido tomas, arnildo pott e José sabino

interação com os vizinhosfauna e flora pantaneira sofreminfluência da amazônia, do cerrado e da mata atlântica

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dichotomus), mais de 3 milhões de jacarés (Cai-man yacare), 5 mil araras-azuis (Anodorhynchus hyacinthinus) e de 3 a 5 mil onças-pintadas (Pan-thera onca). No entanto, esses números podem variar conforme a gangorra sazonal que gerencia os períodos de secas e inundações na planície”, disse. De todo modo, a falta de endemismos no pantanal é compensada pelas interações entre as espécies que por lá vivem e geram processos biológicos próprios da região. “Esses processos são endêmicos e precisam ser conservados, já que têm funções ecossistêmicas importantes para a manutenção da diversidade biológica pantanei-ra”, destacou Tomas.

gestão sustentávelDe acordo com Sabino, a mitigação das ameaças à biodiversidade do pantanal também depen-de da governança. “Precisamos fazer a interface entre o que produzimos de conhecimento sobre a diversidade biológica pantaneira e como essa produção pode ser útil à sociedade”, ressaltou o biólogo. Para ele, é preciso deixar clara a impor-tância da biodiversidade desse bioma para o país, mostrando como criar condições para a cons-trução de uma relação mais harmoniosa com a natureza. Há algumas iniciativas nesse sen-tido, destacou Sabino. “O próprio progra-ma Biota-FAPESP é exemplo disso”, disse.

E é nesse cenário de gestão e gover-nança que se inserem

Onça-pintada, arara-azul e jacaré-do-pantanal: encontrados com mais frequência fora das unidades de conservação

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cerrado, além de enclaves de mata atlântica. “A flora pantaneira sofre forte influência fitogeográ-fica desses biomas. Em algumas regiões podemos verificar a presença de vegetações aquáticas a menos de um metro de vegetações próprias da caatinga”, afirmou. Algumas espécies vegetais amplamente distribuídas nos campos do pampa, como a Macrosiphonia velame, e na caatinga, co-mo a Brasiliopuntia brasiliensis, podem facilmente ser identificadas no pantanal.

O mesmo ocorre com a fauna pantaneira. De acordo com Tomas, grande parte dos mamífe-ros do pantanal é típica do cerrado, enquanto a maioria das espécies de aves é oriunda da Ama-zônia e da mata atlântica. “Também é possível verificar a presença de populações de peixes amazônicos por lá”, disse. Constituído, sobre-tudo, por uma savana estépica, o pantanal é a área úmida com maior riqueza de espécies de aves no mundo. “Ajuda o fato de o bioma estar localizado em uma rota migratória”, destacou. Mas existem lacunas a serem preenchidas em relação ao conhecimento taxonômico e geográ-fico acerca da diversidade biológica da região. É o caso de grupos menos conhecidos, como crustáceos, moluscos e lepidópteros. “O progra-ma Biota Mato Grosso do Sul, o qual está sendo implantado, nos ajudará a entender melhor a complexidade da diversidade biológica panta-neira”, comentou.

São poucos os registros de espécies endêmi-cas no bioma. Segundo Tomas, o que marca o pantanal não é o endemismo de espécies, mas a abundância de populações. “Estimamos a exis-tência de 45 mil cervos-do-pantanal (Blastocerus

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16 de maio (14h00-16h00)

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Conferencistasvânia regina pivello

(ib-usp, são paulo)

Jader Marinho filho

(iCb-unb, brasília)

vanderlan s. bolzani

(unesp, araraquara, são paulo)

20 de junho (14h00-16h00)

biOMa CaatiNGa

Conferencistasluciano paganucci

(ue, feira de santana)

fernanda werneck

(iCb-unb, brasília)

bráulio almeida santos

(ufpb, paraíba)

22 de agosto (14h00-16h00)

biOMa Mata atlâNtiCa

ConferencistasCarlos alfredo Joly

(ib-unicamp, Campinas, são paulo)

Helena bergallo (ibrag/uerj)

Márcia Hirota

(sOs Mata atlântica)

19 de setembro

(14h00-16h00)

biOMa aMazôNia

ConferencistasMaria lucia absy (inpa)

Carlos peres

(universidade east anglia,

reino unido)

Helder queiroz (iDsM)

24 de outubro (14h00-16h00)

aMbieNtes MariNHOs

e COsteirOs

ConferencistasMariana Cabral de Oliveira

(ib-usp, são paulo)

Maria de los angeles Gasalla

(iO-usp, são paulo)

roberto s .G. berlinck

(iqsC-usp, são paulo)

21 de novembro

(14h00-16h00)

biODiversiDaDes eM

aMbieNtes aNtrópiCOs –

urbaNOs e rurais

Conferencistasluciano M. verdade

(Cena-usp, são paulo)

elisabeth Höfhling

(ib-usp, são paulo)

roseli buzanelli torres (iaC)

Programação ciclo de conferências biota-faPesP educação 2013

+10

para mais informações:

www.biota.org.br . www.biotaneotropica.org.br . www.agencia.fapesp.br

as políticas públicas voltadas à organi zação do ecoturismo na região, destacaram os pesquisadores. “O pantanal tem um po-tencial enorme para o ecoturismo, mas essa é uma atividade que, infelizmente, ainda é feita de forma amadora”, afirmou Tomas. Somente a Costa Rica, disse Sabi-no, recebe três vezes mais turistas do que o Brasil. “Nosso país ainda subexplora essa atividade. Precisamos reconhecer nossos potenciais para estimularmos seu aprovei-tamento de forma adequada.”

No pantanal esse potencial é vasto. Um dos atrativos é a transparência das águas, como as do rio Olho d’Água, “tão ou mais límpidas que as de Fernando de Noronha e do Caribe”, afirmou Sabino. Em boa parte isso se deve à conservação das matas situada às margens dos rios. Essa preservação não só garante a pureza das águas como a integrida-de de processos ecológicos, como a relação de cumplicidade entre os macacos-prego e as piraputangas (Brycon hilarii), espécie de peixes prateados da família Characidae.

De acordo com Sabino, as piraputangas têm uma capacidade de orientação acústica e visual muito grande, de modo que qual-quer barulho vindo da superfície da água atrai sua atenção. Já os macacos-prego, exímios dispersores de sementes, ao se ali-mentarem, fazem o que os pesquisadores chamam de forrageamento destrutivo. “A cada um ou dois frutos que põem na boca, eles derrubam outros tantos”, explicou o biólogo. Ao cair na água, esses frutos aca-bam atraindo a atenção das piraputangas, redirecionando-as para onde essas semen-tes são lançadas. Esses peixes, então, pas-sam a seguir esses macacos, já que eles, indiretamente, alimentam as piraputangas. “Esse é apenas um dos potenciais turísticos do pantanal”, concluiu.

O Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação é uma iniciativa da coordenação do programa Biota-FAPESP e da revista Pesquisa FAPESP. Seu objetivo é contri-buir para a melhoria da qualidade da edu-cação científica e ambiental no Brasil. Até novembro haverá mais seis palestras (ver programação ao lado), que irão tratar dos desafios e das principais ameaças relacio-nadas aos seis biomas brasileiros: cerrado, caatinga, mata atlântica, Amazônia, além dos ambientes marinhos e costeiros e da biodiversidade em ambientes antrópicos, urbanos e rurais. n

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DNa com três fitas pode regular

expressão de certos genes

o efeito da tripla hélice

Há quatro anos, o pesquisador Eduardo Gorab, do Instituto de Biociências da Universi-dade de São Paulo (IB-USP), desenvolveu um método que

usava um antigo anticorpo para reco-nhecer um tipo raro de estrutura pre-sente no material genético de moscas das espécies Rhynchosciara americana e Drosophila melanogaster: moléculas de DNA compostas de três fitas entrela-çadas de bases nitrogenadas, em vez da tradicional dupla hélice, a conformação padrão do ácido desoxirribonucleico. A inusitada tripla hélice se encontrava na heterocromatina, região cromossômica em que o DNA permanece compactado ao lado de proteínas e de RNA, o ácido ri-bonucleico. Por isso, quando identificou a tripla hélice no interior dessa região, Gorab suspeitou que ela pudesse estar associada ao processo de desativação de genes, de comum ocorrência na he-terocromatina. No entanto, um estudo publicado em 27 de janeiro deste ano na revista científica Nature Structural & Molecular Biology pelo brasileiro e cole-gas da Europa e do Japão sugere novas possibilidades para o papel das triplas hélices no núcleo celular.

Com a ferramenta molecular criada por Gorab, o grupo internacional de pes-quisadores encontrou na cromatina de embriões de camundongos triplas hélices

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tripla hélice (em rosa) identificada em cromossomo de mosca: modulação de genes

formadas por cadeias de bases de confor-mação ligeiramente diferente da identi-ficada no material genético das moscas. Em vez de três fitas espiraladas de DNA, as células dos animais apresentavam duas cadeias de DNA ligadas a uma de RNA. Tais triplas hélices foram identificadas num estágio bastante específico e ini-cial do processo de desenvolvimento do embrião, quando este tinha somente de duas a oito células. Nessa etapa da em-briogênese, a presença das triplas hélices parecia aumentar a expressão de certos genes importantes para essa fase do pro-cesso. Em estágios mais avançados do embrião, quando esse conjunto de genes não era mais ativado, a fita de RNA aco-plada às duas de DNA também não era mais detecta-da. “In vivo, tam-bém vimos que, quando estimulá-vamos a produção da tripla hélice, a expressão desses genes aumentava”, afirma Gorab. “Os resultados do tra-balho não são uma prova direta, cabal, de que isso ocorra, mas reforçam essa correlação."fo

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intramolecular

Ocorre o despareamento das duas fitas (a e b) da molécula padrão de DNa em certo ponto da sequência. um pedaço do DNa permanece com as duas cadeias de bases nitrogenadas pareadas enquanto outro apresenta as fitas soltas. uma das fitas soltas se dobra e se enrola ao trecho de DNa que havia mantido as duas cadeias pareadas

intermolecular

a tripla hélice também pode se formar em casos em que uma das fitas é cedida por uma segunda molécula de DNa. Nessa situação, duas cadeias oriundas de um DNa convencional (C e D) se unem a uma fita (e) que se desprendeu de outro DNa. No trabalho recente de Gorab, essa terceira fita é cedida por uma molécula de rNa

como se forma a tripla hélicea estrutura pode se originar de um único trecho de DNa (intramolecular) ou da interação de dois ácidos nucleicos (intermolecular)

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desde os anos 1950, as inusitadas triplas hélices são alvo de estudos, mas sua função ainda não é bem conhecida

projetoaspectos moleculares da heterocromatina em es-pécies da família sciaridae (Diptera: Nematocera) (2008/50653-2); modalidade linha regular de auxílio a projeto de pesquisa; coord. eduardo Gorab – ib/usp; investimento r$ 165.485,11(fapesp).

artigo científicofaDlOuN, a. et al. Chromatin signatures and retrotrans-poson profiling in mouse embryos reveal regulation of liNe-1 by rNa. nature structural & molecular biology. 27 jan. 2013.

estrutura de dNa quádruplo: possível ligação com o câncer

Segundo uma das autoras do estudo, a pesquisadora Maria-Elena Torres-Padilla, do Instituto de Genética e de Biologia Molecular e Celular (IGBMC), de Estras-burgo, França, o possível efeito regula-tório da tripla hélice se manifesta nesse estágio do desenvolvimento embrionário sobre uma arquitetura atípica da croma-tina. Por definição, a cromatina apresenta duas formas distintas: uma ativa, a eucro-matina, em que o DNA está acessível e pode ser expresso por proteínas regula-tórias; e uma inativa, a mencionada hete-rocromatina, na qual o material genético está compactado e não pode ser utilizado.

No trabalho com as células embrio-nárias dos roedores, a cromatina se en-contrava em um estágio atípico, interme-diário entre suas duas formas, mas que podia ser acessado e regulado pela tripla hélice. “Estávamos procurando por um mecanismo regulatório ligado ao RNA que teria impacto sobre a ‘estrutura’ ou a ‘conformação’ da cromatina”, explica Maria-Elena. “Como o RNA forma uma tripla hélice com o DNA, ele era um bom candidato a desempenhar esse papel.”

Embora o fenômeno da formação de moléculas de DNA com mais de duas fitas de ácidos nucleicos seja estudado desde a década de 1950, os bioquímicos passa-ram a ter uma melhor compreensão dos mecanismos que podem levar ao surgi-mento desse tipo de material genético menos convencional apenas nos últimos 10 ou 15 anos. “As triplas hélices tendem a se formar em regiões do genoma em que ocorrem seguidas repetições de uma

base, embora haja também outras possi-bilidades”, diz Gorab. Ou seja, trechos do DNA ricos em sequências com um único nucleotídeo, como TTTTT (para a base ti-mina) ou AAAAA (adenina), são candida-tos a abrigarem hélices com mais de duas fitas. Como cerca de metade do genoma de mamíferos é composto por sequências repetitivas, formadas por elementos mó-veis (transposons e retrotransposons) que podem mudar de lugar ou se autocopiar ao longo do genoma, a presença desse tipo de estrutura não deve ser tão rara assim.

dna QuádruPloUm DNA com três fitas pode se formar de mais de uma maneira. No estudo de Gorab com as moscas, a tripla hélice se originou do despareamento das duas fitas que compõem a molécula padrão de DNA a partir de um certo ponto da sequência. Um pedaço do DNA permanece com as duas cadeias de bases nitrogenadas pa-readas enquanto outro apresenta as fitas soltas. Uma dessas fitas soltas, no entanto, se dobra e se liga ao trecho de DNA que havia mantido as duas cadeias pareadas. Dessa forma, surge uma molécula de áci-do desoxirribonucleico com três fitas, to-das originárias de uma única molécula. Esse é o DNA triplo intramolecular.

Há também o DNA triplo intermole-cular, quando uma das fitas é cedida por uma segunda molécula de DNA. Nesse caso, a tripla hélice tem duas cadeias vin-das de um DNA convencional mais uma fita que se desprendeu de outro DNA. No trabalho com os camundongos em que Maria-Elena usou o anticorpo criado por Gorab, a terceira fita do DNA foi cedida por uma molécula de RNA, que normal-mente apresenta apenas uma cadeia de bases. “Nossa metodologia pode identi-ficar várias formas de ácidos nucleicos triplos”, diz o pesquisador da USP.

Não há evidências de que a formação de estruturas genéticas ainda pouco co-nhecidas, como a tripla hélice, esteja re-lacionada necessariamente com o apare-cimento de doenças. Em tese, elementos que atuam como moduladores da ativi-dade de genes podem trazer efeitos tan-to positivos como negativos. Um estudo publicado em janeiro deste ano na revis-ta Nature Chemistry identificou hélices quádruplas de DNA, outra conformação pouco usual dessa molécula, em células humanas com câncer. A descoberta pode ser útil para a compreensão do processo de aparecimento dos tumores e talvez até para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas.

Com quatro fitas entrelaçadas, esse tipo de DNA se forma em trechos do ge-noma ricos na base nitrogenada guanina, representada pela letra G. Por isso, recebe o nome de quadruplexos-G ou quartetos--G. “A pesquisa indica que os quaduple-xos ocorrem com maior frequência em genes de células que estão se dividindo rapidamente, como as de câncer”, disse, na ocasião, Shankar Balasubramanian, da Universidade de Cambridge, principal autor do estudo. “Para nós, isso reforça fortemente um novo paradigma, o de usar essas estruturas com quatro fitas como alvos para tratamentos personalizados no futuro.” n marcos Pivetta

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equipe de Minas Gerais identifica no sangue molécula

que dilata os vasos e reduz a pressão arterial

uma promissora estratégia para tratar a hipertensão começa a ser delineada pela equipe do médico Robson dos Santos, do

Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em um arti-go publicado em abril na revista Circulation Re-search, uma das mais bem conceituadas na área cardiovascular, os pesquisadores descreveram uma pequena molécula naturalmente produzi-da pelo organismo que faz os vasos sanguíneos relaxarem e a pressão sanguínea diminuir. Essa molécula – trata-se de um peptídeo (fragmento de proteína) chamado alamandina – se soma ao já complexo mecanismo bioquímico de regu-lação da pressão arterial e abre a possibilidade de explorar uma forma de controle diferente da proporcionada pelas medicações disponíveis.

A maior parte dos anti-hipertensivos em uso tenta reduzir a pressão do sangue sobre as pare-des internas dos vasos sanguíneos de duas manei-ras: bloqueando a ação de compostos que fazem os vasos se contraírem e a pressão arterial subir ou estimulando a redução do volume de sangue ao eliminar parte de sua água na urina. Santos e seu grupo imaginam que seja possível controlar a hipertensão, problema que atinge 20% dos adul-tos e metade das pessoas com mais de 60 anos no Brasil, usando uma estratégia distinta. Em vez de frear a ação dos compostos que elevam a pressão, eles pretendem aumentar a concentra-

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nova estratégia contra a hipertensão

ção sanguínea de moléculas como a alamandina, que fazem a pressão diminuir.

Os pesquisadores acreditam que a alamandina possa atuar em conjunto com outro peptídeo que faz baixar a pressão arterial: a angiotensina 1-7, que Santos ajudou a identificar no final dos anos 1980. Desde meados do século passado se sabe que, de modo geral, a pressão arterial é controlada pela ação de peptídeos chamados angiotensinas, que funcionam como hormônios e atuam sobre as células da parede dos vasos sanguíneos. Sob si-tuações de estresse psicológico ou condições que alteram a concentração de sais ou o volume de líquido no sangue (como diarreia e hemorragia), os rins iniciam a produção de uma enzima cha-mada renina, que aciona a produção em cascata de algumas formas de angiotensina capazes de fazer a pressão subir. Quando é ativado ocasional-mente, esse mecanismo é essencial para manter a saúde do organismo. Mas se torna danoso se a ativação for contínua.

Até os anos 1980 se acreditava que esse me-canismo bioquímico, conhecido como sistema renina-angiotensina, tivesse ação exclusivamente vasoconstritora e só funcionasse para aumentar a pressão arterial. Isso começou a mudar durante um estágio de pós-doutoramento que Santos fez na Cleveland Clinic Foundation, em Ohio, Estados Unidos. Ele e outros pesquisadores de lá identi-ficaram no sangue uma forma de angiontensina n

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básica, voltada para identificar a via de sinalização da alamandina no interior das células, e outra clínica, com o obje-tivo de testar a ação dessa molécula em pessoas com hipertensão. Atualmente um composto à base de angiontensina 1-7, desenvolvido pelo grupo de Santos, avan-ça nos testes com seres humanos – ele já foi dado a grávidas com pré-eclâmpsia para regularizar o nível do peptídeo no sangue e controlar a pressão arterial (ver Pesquisa FAPESP nº 203), e os testes com a alamandina devem ser iniciados já no segundo semestre deste ano. “Como es-se peptídeo é produzido pelo próprio organismo, acreditamos que não haverá efeitos tóxicos. Por isso, podemos pular os testes toxicológicos, feitos com ani-mais, e ir direto aos testes clínicos”, diz Santos, que coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanobiofar-macêutica (INCT-Nanobiofar).

Ex-aluno de Eduardo Moacyr Krieger, um dos maiores especialistas brasileiros em hipertensão, Santos integra um seleto grupo de pesquisadores que se dedica a le-var as descobertas da bancada aos pacien-tes e se preocupa com o ritmo das pesqui-sas nessa área no país. “Temo que aconteça conosco o que ocorreu com o captopril, mesmo considerando que nosso composto já esteja protegido por patentes”, afirma Santos, inquieto com a demora resultante do suporte financeiro insuficiente e dos entraves burocráticos à inovação no setor acadêmico e no empresarial.

Nos anos 1960, o farmacologista Sér-gio Ferreira, da USP em Ribeirão Preto, identificou no veneno da jararaca uma molécula (o fator de potenciação da bra-dicinina) que bloqueia a formação de an-giotensina II e leva ao desenvolvimento do anti-hipertensivo captopril. Na época não havia preocupação em requerer pa-tentes e o lucro da produção do medica-mento foi para um laboratório estrangei-ro. “Se não avançarmos logo”, diz Santos, “perderemos novamente a dianteira”.n

artigo científico

lautNer, r. et al. Discovery and characterization of alamandine, a novel component of the renin-angiotensin system. circulation research. v. 112. p. 1.104-11. 2013.il

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– a angiotensina 1-7, um dos integrantes do sistema renina-angiotensina – que fazia a musculatura dos vasos relaxar e a pressão diminuir. “Desde aquela épo-ca ficamos atentos para a presença de outros peptídeos que produzissem va-sodilatação”, recorda Santos.

PossibilidadesEle começou a suspeitar da existência da alamandina em 2008, quando um de seus colaboradores, o pesquisador alemão Joachim Jankowski, descobriu outro com-ponente desse complicado sistema, a an-giotensina A, a partir do qual é produzida a alamandina. Mas preferiu esperar cinco anos antes de publicar a descoberta, até identificar o receptor específico a que ela se conecta e entender melhor o seu funcio-namento. Hoje se sabe que tanto a alaman-dina quanto a angiontensina 1-7 estimulam as células que revestem internamente os vasos sanguíneos a produzir óxido nítrico, gás que relaxa a musculatura da parede das artérias. Por essa razão, Santos tra-balha no desenvolvimento de compostos que possam aumentar a concentração de ambas no sangue e aprimorar o contro-le da pressão arterial. “Acreditamos que a angiotesina 1-7 e a alamandina podem atuar juntas e, melhor ainda, esperamos que uma possa potencializar o efeito da outra”, diz o pesquisador, que imagina ser possível desenvolver compostos com aplicações que vão além da hipertensão, uma vez que a angiotensina 1-7 também ajuda a reduzir o nível de algumas formas de colesterol e aumentar o aproveitamento da glicose pelas células, que é deficiente em boa parte dos hipertensos.

“A descoberta dessa molécula pode dar origem a uma nova classe de medi-camentos com indicação para os casos em que os remédios tradicionais não fun-cionem tão bem”, afirma a médica Maria Claudia Irigoyen, chefe do Laboratório de Hipertensão Experimental do Insti-tuto do Coração da Universidade de São Paulo (USP). Para ela, o fato de a alaman-dina se ligar a receptores diferentes nas células dos vasos sanguíneos aumenta o seu espectro de atuação terapêutica.

O pesquisador de Minas concentra agora seu trabalho em duas frentes. Uma

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quase todas as coisas possíveis de se-rem contadas em empresas, indústrias, mercados, hotéis e hospitais podem ser identificadas com o uso de etiquetas

RFID (do inglês radio frequency identification) ou identificação por radiofrequência, que represen-tam um passo além, com muitas vantagens, no sistema de código de barras. O mercado mundial de hardware, software e serviços baseados em RFID – as chamadas etiquetas “inteligentes” – tem crescido a uma taxa de 20% ao ano. Segundo a consultoria americana ABI Research, ele deverá movimentar mais de US$ 70 bilhões entre 2012 e 2017. No Brasil, essa área ainda é incipiente, mas muitas empresas, pequenas em grande parte, trabalham nesse momento no desenvolvimento de projetos e produtos com essa tecnologia.

Um exemplo é a RFIDEAS, uma start-up fun-dada em novembro de 2010 no Centro de Ino-vação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) na Cidade Universitária, em São Paulo. Hoje a empresa possui dois núcleos de desenvolvimento de etiquetas inteligentes: um de software e outro de hardware. No primeiro, ela criou o Automatic Real Time Information System (Artis), um siste-ma de rastreamento e gestão de equipamentos de TI – servidores, storages (dispositivos de armaze-

namento) e notebooks – em tempo real baseados em RFID. Ele destina-se a empresas que pos-suam um grande volume desses equipamentos, como datacentros e escritórios. “No momento, essa solução está instalada na Alog Datacenters do Brasil, rastreando aproximadamente 20 mil equipamentos ininterruptamente”, conta Anto-nio Rossini, cofundador e diretor de estratégia da RFIDEAS. “Outras empresas já estão em via de adotar o Artis como ferramenta de controle de seu parque de equipamentos.”

No núcleo de hardware, a empresa vem desen-volvendo o projeto de um leitor RFID leve, por-tátil, de dimensões reduzidas, de fácil instalação e preço mais competitivo que os disponíveis no mercado. O projeto começou em setembro de 2011, quando a empresa foi aprovada na fase 1 do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Em-presas (Pipe) da FAPESP. Nessa etapa foi criado um protótipo para provar o conceito do equipa-mento concebido pela companhia. “Atualmente estamos na segunda fase do Pipe”, diz Rossini. “Criamos a segunda versão do protótipo, mais avançada e com mais recursos. O projeto tem pre-visão de conclusão em setembro de 2014, quan-do será lançado o primeiro modelo do produto para o mercado.”

etiquetas “inteligentes” baseadas em sinais de rádio para

contar e rastrear objetos conquistam novos mercados

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identificação a distância

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Todos os sistemas de RFID funcionam de ma-neira semelhante. O básico é composto por um transponder ou tag (etiqueta eletrônica), um leitor e um software de gestão. O primeiro é feito com um chip, programado com as informações que se deseja, e uma antena, que, juntos, podem ser en-capsulados em vários formatos como etiquetas, lacres ou fichas, por exemplo. Ele pode ser fixado em crachás ou cartões de acesso de pessoas em empresas, por exemplo, ou mesmo em uniformes de trabalho, em coleiras ou brincos para animais, além de equipamentos, embalagens, roupas ou qualquer produto que se queira identificar ou rastrear. Os transponders podem ser pequenos como um grão de arroz ou grandes como um li-vro, dependendo de sua aplicação.

Os leitores, por sua vez, são equipamentos que podem ter várias formas e tamanhos e ser mó-veis, portáteis ou fixos. Neste caso, eles podem ser instalados em locais como portas, para captar os dados de pessoas ou objetos identificados com as etiquetas que passam por elas. Os leitores são capazes de “ler” ou “capturar” as informações armazenadas em uma tag, sem necessidade de contato físico. Eles recebem os dados das eti-quetas transmitidos pelas antenas por ondas de rádio e os convertem em informações digitais, que são processadas pelos softwares de gestão.

Rossini, da RFIDEAS, acrescenta mais detalhes sobre essa tecnologia. Ele explica que há três tipos dela: de baixa frequência (LF), alta (HF) e ultra--alta (UHF). “A primeira opera na faixa de 125 KHz e é geralmente utilizada para rastreamen-to de animais de estimação, controle de acesso, dentre outros.” A de alta frequência é mais sofis-ticada e opera na faixa de 13,5 MHz. Sua principal aplicação é em controle de acesso e autenticação. São crachás ou cartões de entrada que precisam ser aproximados de um leitor. O cartão do bilhete único do ônibus e metrô também opera com essa frequência. O UHF é a tecnologia RFID mais so-fisticada e que, no Brasil, opera na faixa de 902 a 928 MHz. “A sua principal característica é a lei-tura a distância e de múltiplas etiquetas em um curto intervalo de tempo”, explica Rossini.

leitura a distância Esse RFID de alta frequência é subdividido em três categorias: passiva, semipassiva e ativa. A primeira consiste em tags eletrônicas sem bateria que são afixadas nos objetos que se deseja moni-torar. Elas são compostas de pequenas antenas associadas a um microchip e obtêm a energia necessária para seu funcionamento da indução eletromagnética da própria onda incidente, pro-veniente do leitor, que gera uma corrente elétrica. A energia serve para que ela possa ativar o seu microchip e este envie então de volta o número correspondente à etiqueta. A tecnologia permite

leituras a até 10 metros de distância, de centenas de tags por segundo. A sua principal aplicação está no controle de armazenagem de produtos, rastrea-mento de equipamentos e pedágios eletrônicos.

O RFID semipassivo, por sua vez, consiste de uma etiqueta com uma bateria acoplada. O fun-cionamento é semelhante ao do passivo, mas a bateria própria permite que mais energia seja uti-lizada e a leitura seja realizada a distâncias de até 50 metros. O conjunto tag-bateria fica inativo até que haja acionamento por um leitor. Quando isso ocorre, a bateria entra em ação e ativa a etiqueta, que então envia o código para distâncias maio-res. Essa tecnologia era utilizada no sistema de pedágios eletrônicos no Brasil até o ano passado, quando se decidiu migrar para a forma passiva.

Por fim, o ativo é também baseado no conjun-to tag-bateria, mas o funcionamento é um pouco diferente do semipassivo. Nesse caso, a etiqueta emite de tempos em tempos o seu código para que os leitores possam capturá-lo. “A sua prin-cipal vantagem é a leitura a distâncias que ul-trapassam 100 metros”, explica Rossini. “A sua aplicação mais comum está no rastreamento de contêineres marítimos em portos.”

nas ondas do rádiosistema de radiofrequência transporta informações de etiquetas para softwares de gestão

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é composta por um chip e uma antena,

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A exemplo da RFIDEAS, a Acura Global tam-bém desenvolve leitores RFID. A empresa é uma das pioneiras nesse mercado no Brasil e na Amé-rica Latina. Um dos seus destaques é a linha Au-toID Secure, composta de vários modelos para identificação de veículos. “Semelhante aos siste-mas já consagrados em pedágios, o AutoID Secure pode ser usado para identificar carros, utilitários, caminhões e ônibus, em condomínios, prédios e grandes estacionamentos”, explica Paulo Jarbas, gerente de comunicação e marketing da Acura. “São equipamentos que foram desenvolvidos com a nossa engenharia e são fabricados na unidade industrial que temos em Itajubá (MG).”

Também com financiamento do Pipe, a Save-way, de Campinas, no interior paulista, está de-senvolvendo o Savetyre, um sistema de gestão de pneus baseado em tecnologia RFID. Ele é com-posto por etiquetas para pneus, base de dados off-line para o veículo, antena portátil, disposi-tivo de medição de sulco e pressão, softwares de banco e de gestão de dados. O projeto começou a ser desenvolvido em 2007. “Na época, era muito forte a necessidade dos transportadores urbanos encontrarem reduções de custo significativas na operação de transporte de passageiro”, conta José Caruso Gomes, fundador da empresa. “E os pneus representam grande parte deste custo.”

Segundo Gomes, o primeiro desafio é desen-volver uma tag RFID resistente a toda a vida útil do pneu, suas reconstruções e manutenção. Ela deverá fazer parte da carcaça do pneu, sem pos-

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sibilidade de remoção, clonagem ou substituição. O segundo desafio vem na automação da coleta de dados necessários para a gestão do pneu ao longo de sua vida. “São desafios enormes, pois o pneu de carga deve rodar até 400 ou 500 mil quilômetros”, diz Gomes. “Em sua vida útil sofre picos de temperatura que podem atingir 400ºC e devem permitir duas ou três reconstruções da banda de rodagem.” Se tudo der certo, a primeira versão completa do sistema está prevista para o primeiro semestre do próximo ano.

Uma terceira empresa que recebeu financia-mento do Pipe para desenvolver projeto com tecnologia RFID é a Coss Consulting. Em 2006, ela deu início a projeto para desenvolver uma plataforma genérica de rastreabilidade chama-da de Welcoss-RFID que pode ser aplicada na indústria para controle inteligente do nível de estoque e reabastecimento de materiais, no ras-treamento de caixas, engradados e carrinhos usados em transporte de materiais, no controle de materiais médicos e hospitalares, em data-centros para monitoramento de equipamentos e no agronegócio para rastrear café, soja e car-ne. “Atualmente estamos trabalhando em uma aplicação de gerenciamento de depósitos que permitirá a identificação de cada item, que será chamada de Welcoss-WMS (warehouse mana-gement system)”, conta o fundador da empresa e diretor de tecnologia e inovação, Fredy João Valente. “Também estamos desenvolvendo o pro-duto Welcoss-Safeblood, que será uma variante do Welcoss-WMS com foco específico no ge-renciamento de estoques de bolsas de sangue.”

Além de empresas que produzem sistemas e leitores de RFID, há outras no Brasil, mas ainda em pequeno número, que fabricam os chamados inlays, que são os componentes básicos de uma etiqueta, ou seja, o chip de silício e a antena, que pode ser de alumínio, cobre ou prata. Um exem-plo é a Ceitec, de Porto Alegre, que produziu o chamado chip do boi, usado para identificação e rastreamento de bovinos, comercializado desde o ano passado. Somando tudo, o mercado brasi-leiro de RFID chega a estimados 5% do mundial, mas vem crescendo a uma taxa de 15% ao ano. n

projetos1. Dispositivo de leitura rfiD completamente integrado (nº 2011/50108-7); modalidade programa pesquisa inovativa em pe-quenas empresas (pipe); coord. José Kleber da Cunha pinto/rfiDeas; investimento r$ 44.148,87 (fapesp).

2. rede safe-blood: rede segura de movimentação de bolsas de sangue com rastreabilidade baseada em etiquetas inteligentes de rfiD epC (n° 2008/53489-9); modalidade programa pesquisa inovativa em pequenas empresas (pipe); coord. fredy João valente/Coss Consulting; investimento r$ 73.470,04 (fapesp).

3. sGp – sistema de Gestão de pneus (nº 2008/55278-5); modalidade programa pesquisa inovativa em pequenas empresas (pipe); coord. José Caruso Gomes-saveway; investimento r$ 63.629,30 (fapesp).

Circuito impresso de etiqueta eletrônica (acima) e máquina leitora

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Nova geração de células flexíveis tenta superar dificuldades

para aumentar o uso de energia fotovoltaica no mundo

o desafio do sol

E m março deste ano foi inaugu-rada no deserto Madinat Zayed, nos Emirados Árabes Unidos, uma grande central de geração

de energia solar com capacidade de 100 megawatts, quantidade suficiente para abastecer 20 mil residências. O em-preendimento, instalado em uma das regiões mais ensolaradas e quentes do mundo, é o maior do gênero a empre-gar essa fonte de energia, considerada renovável, abundante e não poluente. A produção de energia solar ou fotovoltai-ca cresce no globo a um ritmo acelera-do, em torno de 50% por ano, mas sua presença na matriz energética mundial ainda é muito pequena, de cerca de 1% – no Brasil, representa apenas 0,01% do total. Segundo a Agência Internacional de Energia, a geração fotovoltaica de todas as usinas do mundo atingiu 67 gigawatts (GW) em 2011, o equivalente a cinco hidrelétricas de Itaipu. Um dos principais obstáculos para a ampliação do uso dessa fonte energética é o alto custo dos painéis solares e demais equi-pamentos que compõem o sistema.

Para superar essa dificuldade, univer-sidades, institutos de pesquisa e empre-sas de vários países, inclusive do Brasil, trabalham no desenvolvimento de uma nova linha de células solares com custo fo

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de produção inferior ao das lâminas de silício usadas atualmente nos módulos convencionais. Conhecidas como célu-las solares de terceira geração – as de silício foram as de primeira geração e as de filmes finos inorgânicos, de segunda –, elas são principalmente de dois tipos: orgânicas (OPV, sigla em inglês para or-ganic photovoltaic) ou sensibilizadas por corantes (DSSC, acrônimo em inglês de dye-sensitized solar cell). As células OPV levam esse nome porque usam materiais semicondutores à base de carbono para fazer a conversão de energia luminosa em elétrica. Já as DSSC funcionam através de uma reação química de oxidação-re-dução. Também chamadas de híbridas, pois são feitas de materiais orgânicos e inorgânicos, elas são construídas entre dois vidros e contêm um eletrólito líqui-do, normalmente uma solução composta por um sal de iodo. As células ativadas por corantes absorvem a radiação solar, permitindo o fenômeno da separação das cargas (positivas e negativas) para a pro-dução de energia. Nem as células orgâni-cas nem as híbridas são comercializadas em larga escala no mundo. Estima-se que serão necessários pelo menos mais três anos para que isto ocorra.

Várias novas tecnologias em células so-lares têm sido pesquisadas nos últimos

anos com o objetivo de encontrar uma alternativa mais eficiente às células basea-das em silício cristalino. “De modo geral, as células de terceira geração, nas quais também se incluem as feitas com pontos quânticos [minúsculos cristais semicondu-tores], multijunção e portadores quentes [de carga altamente energética], fazem um melhor aproveitamento dos fótons que in-cidem sobre elas”, diz o pesquisador Fer-nando Ely, do Grupo de Eletrônica Orgâni-ca do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, de Campinas. O CTI Renato Archer tem pesquisas avançadas para o desenvolvimento de células solares de terceira geração. Seus pesquisadores já conseguiram fazer vários protótipos de células flexíveis, com 60 por 40 milíme-tros de área, usando pontos quânticos, e estão trabalhando em seu aperfeiçoamen-to. “Além de enfrentar as principais limi-tações que impedem a comercialização desses dispositivos, nosso grupo busca gerar propriedade intelectual para, poste-riormente, transferir esse conhecimento para o setor produtivo. Nossas atividades incluem, ainda, estudos para aumentar a eficiência de conversão das novas célu-las solares por meio do uso de aditivos funcionais, o desenvolvimento de novas técnicas de fabricação por processamento contínuo – a chamada técnica roll-to-roll

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carga negativa

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como funcionaas células solares orgânicas usam materiais semicondutores à base de carbono para converter luz em corrente elétrica

fonte feRNaNdo ely / Cti ReNato aRCHeR

corrente elétricaas cargas negativas são encaminhadas para o eletrodo metálico, de alumínio. a circulação de cargas é o que gera a corrente elétrica na célula

transferÊncia de elétronos fótons são absorvidos pelo material semicondu-tor. ao interagir com ele, ocorre a transferência de um elétron, gerando uma carga negativa e outra positiva no material

incidÊncia da luza luz solar atravessa o substrato transparente usado para construção da célula – por exemplo, um plástico Pet

seParação de cargasas cargas positivas são recolhidas no eletrodo transparente, feito de óxido de índio e estanho (ito)

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vantagens e desafiosA fabricação com baixo consumo de energia e o reduzido custo de manufa-tura são as principais vantagens das célu-las de terceira geração. Um termo muito usado na área de energia é o chamado payback financeiro ou energético – ou seja, em quanto tempo o investimento se paga ou quanto tempo é necessário para produzir a mesma quantidade de energia que foi gasta na manufatura. “No caso dos painéis fotovoltaicos de silício cris-talino, o payback energético é em torno de quatro anos, enquanto nos sistemas feitos de OPV o payback deve ser menor que um ano”, diz Ely. Outro diferencial dessas novas células é a possibilidade de fabricação de grandes painéis flexíveis, feitos de plástico ou tecido, através de métodos simples de impressão da in-dústria gráfica, permitindo a produção de módulos solares leves e dos mais va-riados tamanhos. Além disso, as células orgânicas e as sensibilizadas por coran-tes têm alta fotoconversão usando luz artificial, o que possibilita seu emprego em ambientes internos de escritórios, fábricas e casas.

Por serem leves, flexíveis e semitrans-parentes, o leque de aplicações das cé-lulas OPV e DSSC é mais amplo do que o das gerações anteriores. Elas podem

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– e a produção de eletrodos transparentes à base de nanotubos de carbono.” As ativi-dades no CTI Renato Archer são apoiadas pela FAPESP, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

As empresas Dye-Sol, da Austrália, e G24 Innovations, da Grã-Bretanha, são líderes em desenvolvimento de célu-las sensibilizadas por corantes (DSSC). Já a companhia Heliatek e o Instituto Fraunhofer para a Pesquisa Aplicada de Polímeros (IAP), ambos da Alema-nha, encabeçam as pesquisas na área de OPV. No Brasil, duas empresas tra-balham no desenvolvimento das células de terceira geração. A FlexSolar, com sede em Joinville, no interior de Santa Catarina, assinou em 2012 um acordo com o IAP para desenvolver células so-lares orgânicas flexíveis. O projeto, no valor de € 4,8 milhões – cerca de R$ 12,5 milhões –, prevê que a produção, num primeiro momento, será concentrada no país europeu, mas depois de dois anos os dispositivos deverão ser fabricados também em Joinville. Segundo comu-nicado divulgado no site do Instituto Fraunhofer, a ideia do projeto conjunto surgiu durante a visita do presidente da FlexSolar, Bernard Schmidt, a uma fei-ra internacional de eletrônica orgânica em Munique, em junho do ano passado. Quatro meses depois, o entendimento foi assinado entre as partes. A empresa é subsidiária da Cromotransfer, também de Joinville, que há 15 anos desenvolve tecnologias de impressão para os seto-res têxtil e de embalagem. A FlexSolar foi criada para transferir esse know-how para a área de fotovoltaicos, já que a fa-bricação das células solares orgânicas utiliza métodos de impressão similares aos da indústria gráfica.

A outra companhia nacional, chama-da Tezca Células Solares, está instalada no Polo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec). Criada no final de 2008, a start- -up já desenvolveu em laboratório vários protótipos de células DSSC, batizadas de TezcaFlex, e espera instalar ainda este ano uma planta-piloto. “No momento, es-tamos realizando testes de durabilidade em nossas células. Pretendemos trazer novos investidores para o negócio a fim de iniciar a fabricação em escala comercial até 2016”, afirma Agnaldo Gonçalves, um dos sócios fundadores da Tezca. O obje-

compare as tecnologiasCélulas feitas de silício têm maior eficiência, mas são mais caras

célula solar convencional célula de filmes finos inorgânicos

Com elevado custo de produção, as células de

primeira geração são feitas de material rígido

material silício cristalino

fotoconversão máxima 24,7%

ParticiPação no mercado 90%

embora menos eficientes do que as células

tradicionais, são mais baratas de produzir

material silício amorfo, silício

policristalino ou microcristalino e

seleneto de cobre-índio-gálio (CiGs)

fotoconversão máxima 18,8%

ParticiPação no mercado 10%

1a geração 2a geração

a empresa catarinense flexsolar assinou contrato com o instituto fraunhofer, da alemanha, para desenvolver células flexíveis

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tivo do empresário é construir módulos solares flexíveis de baixa potência, com a espessura de uma folha de papel A4, para uso em equipamentos eletrônicos móveis como a bateria de telefones celulares, por exemplo. Para desenvolver a tecnologia, a Tezca conta com apoio da FAPESP, que financia um projeto Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), e do CNPq.

PesQuisa faPesP 207 z 75

ser usadas para recarregar baterias de equipamentos eletrônicos de baixa po-tência, como telefones celulares, câmeras fotográficas e tablets. Também podem ser integradas em fachadas, janelas ou claraboias de edificações – aplicação co-nhecida como building integrated photo-voltaics (BIPV) – ou ainda em roupas es-peciais, jaquetas e mochilas, permitindo que o usuário colete energia enquanto se desloca. “O Exército dos Estados Unidos tem um projeto de uso desses painéis nas roupas dos soldados e em tendas para dar carga em equipamentos eletrônicos ou prover iluminação”, afirma Ely. Outra ideia é usar as OPVs no mobiliário urba-no, como pontos de ônibus, como fonte de energia para displays de propaganda e sinalização.

Para que tudo isso se torne realidade, no entanto, dois grandes desafios ainda precisam ser superados: a baixa eficiên-cia e o reduzido tempo de vida útil dos novos dispositivos. A taxa de conversão da energia luminosa em energia elétrica – relação entre a quantidade de fótons que incide sobre a célula e a quantidade de energia elétrica convertida – das cé-lulas de terceira geração ainda é muito baixa. O índice de eficiência máximo, porém não certificado, já obtido para as células OPV foi de 12,1% e para as DSSC,

projetos

1. arquiteturas orgânicas semicondutoras para dispositi-vos eletrônicos (nº 2006/57399-9); modalidade Jovem pesquisador; coord. fernando ely/Cti renato archer; investimento r$ 299.265,87 (fapesp). 2. iNCt Namitec - instituto Nacional de Ciência e tecno-logia de sistemas Micro e Nanoeletrônicos (proc. fapesp nº 2008/57862-6 e proc. CNpq nº 573738/2008-4). modalidade projeto temático (fapesp) e Chamada institutos Nacionais de C&t (CNpq); coord. Jacobus w. swart/Cti renato archer; investimento r$ 4.251.055,34 (fapesp) e r$ 5.693.114,45 (CNpq).

dá origem a elementos indesejados que reagem com os semicondutores orgâni-cos alterando a sua estrutura química e funcionalidade. A solução, nesse caso, é fabricar as células OPV em atmosfera inerte e, posteriormente, encapsulá-las com filmes impermeáveis. Com relação às DSSC, os problemas são relacionados à confiabilidade, à durabilidade e ao pro-cesso de engenharia na construção. Pa-ra superá-los, o caminho é substituir o eletrólito líquido para evitar vazamentos e alguns materiais de alto custo usados em sua montagem, como o catalisador de platina e o rutênio, um dos elementos químicos presentes no corante.

Para que os painéis OPV se tornem comercialmente viáveis, acredita Ely, é preciso atingir um nível de eficiência de conversão de 10% e 10 anos de vida útil. Com esses números, o custo do watt se-ria em torno de US$ 0,10. Não há dados confiáveis do custo de energia fotovoltai-ca no Brasil, mas na Alemanha, um dos países mais avançados no uso dessa ener-gia, o valor do watt, considerando-se um painel de silício cristalino com eficiência entre 12% e 14%, é de US$ 1,50. “O Brasil tem grande potencial de uso da energia solar. Por isso é importante dominarmos essa tecnologia. Como ainda não há nada comercial na esfera das células solares de terceira geração, vejo que esta é uma grande oportunidade para o país conso-lidar propriedade intelectual, fabricar e comercializar esses dispositivos”, afirma Fernando Ely. n

foNte fErnanDo ElY / cti rEnato arcHEr

célula orgânica célula sensibilizada por corantes

também chamadas de híbridas, as células

DssC usam materiais orgânicos e inorgânicos

material Corantes e eletrólito

fotoconversão máxima 11,4%

ParticiPação no mercado não é

comercializada

leves e flexíveis, essas células fazem o

aproveitamento de fótons via nanotecnologia

material semicondutor à base de carbono

fotoconversão máxima 12%

ParticiPação no mercado não é

comercializada

3a geração

flexíveis e transparentes, células orgânicas e híbridas têm amplo leque de aplicações

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de 11,4%. Nas células feitas de silício cris-talino a eficiência recorde é duas vezes maior, de 24,7%. Esses valores se refe-rem a células pequenas, de aproxima-damente 1 cm2 de área – em painéis de grande área, a eficiência de conversão cai fortemente. O baixo rendimento das células orgânicas se explica pela não ab-sorção de luz na região do infraverme-lho, com comprimento de onda supe-rior a 900 nanômetros, e por perdas de energia acarretadas por recombinação de cargas elétricas. “A melhor forma de enfrentar o problema é partir para o de-senvolvimento de novos semicondutores orgânicos ou sistemas compósitos com nanomateriais”, diz Ely.

Já a reduzida vida dessas células é re-sultado da presença de oxigênio ou umi-dade dentro delas. Com a incidência da luz, especialmente a parcela ultravioleta (UV), a presença de oxigênio e umidade

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Carbocisteína usada em substituição ao formol é analisada

com técnicas desenvolvidas pela Kosmoscience

a empresa KosmoScience, de Va-linhos, no interior paulista, foi criada há 10 anos como uma spin-off da Universidade Esta-

dual Paulista (Unesp) de Araraquara para desenvolver metodologias científicas que comprovassem a eficácia de produ-tos cosméticos antes de serem lançados no mercado. “Quando começamos, não existia nenhum laboratório desse tipo no Brasil. Só nos grandes centros da Europa ou dos Estados Unidos”, diz o químico Adriano Pinheiro, diretor-executivo e um dos três sócios da empresa. “Desen-volvemos ferramentas e metodologias próprias para mensurar as propriedades físico-químicas, biofísicas e biológicas de produtos para cabelo e pele.” A parceria com o Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica da Unesp, vinculado ao Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), coordenado pe-lo professor Elson Longo e financiado pela FAPESP, abriu caminho para que a empresa se tornasse um laboratório de referência e conquistasse clientes como Natura, L’Oréal, Hipermarcas, Unilever, O Boticário, Belcorp do Brasil, entre ou-

COsMétiCOs y

avaliação da escova progressiva

tras grandes do setor. “Trabalhamos com uma série de protocolos científicos e métodos físico-químicos para avaliação de eficácia de produtos que são hoje uti-lizados pela indústria nacional e interna-cional”, diz Longo. “Antes disso, muitos protocolos utilizados eram falsos, pelo que constatamos em testes realizados no nosso laboratório.”

Entre os serviços prestados pela em-presa está a análise da carbocisteína, um aminoácido utilizado tradicionalmente em aplicações farmacêuticas que entrou no mercado cosmético em substituição ao formol – banido devido ao seu potencial cancerígeno – para alisamento de cabelos, processo conhecido como escova progres-siva. Antes de qualquer lançamento cos-mético, as empresas precisam comprovar todos os benefícios listados nos rótulos dos produtos para que eles sejam aprova-dos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, as empresas tam-bém precisam fazer estudos que com-provem os resultados propagados, mas para colocar seus produtos no mercado não precisam de aprovação de nenhum órgão regulatório. Os estudos comprova- fo

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tórios de eficácia funcionam como defesa da empresa no caso de ser interpelada judicialmente por algum consumidor.

“Desenvolvemos três metodologias para estudar as interações físico-quími-cas que ocorrem no cabelo após a apli-cação da carbocisteína”, diz Pinheiro. Uma delas avalia com o auxílio de um dinamômetro as propriedades mecâni-cas da fibra capilar após a aplicação do produto. O aparelho mede a deformação causada pela aplicação de uma força me-cânica sobre um sistema elástico. A partir dessa leitura, é possível identificar quais alterações estruturais ocorreram na fibra em decorrência da aplicação do produto.

função ProtetoraA outra emprega a espetroscopia Raman, técnica fotônica de alta resolução que permite identificar a informação quími-ca e estrutural de compostos orgânicos e inorgânicos. “Pelo método conseguimos visualizar o que ocorre com as ligações dissulfídicas de enxofre, responsáveis pela integridade física estrutural da fi-bra de cabelo.” Quando há quebra dessa ligação, a estrutura fica frágil. A escolha das ligações de enxofre deve-se ao fato de que ele tem para o cabelo a mesma im-portância que o ferro na construção civil. A terceira técnica utilizada – a microsco-pia eletrônica de varredura de emissão de campo – avalia as alterações morfo-lógicas das cutículas do cabelo. “As cutí-culas do cabelo são a camada superficial do fio, que têm como função proteger a estrutura interna”, diz Pinheiro. “Quan-do as cutículas se degradam, o cabelo fica mais difícil de pentear, mais áspero e sem brilho.” As metodologias criadas para avaliação da carbocisteína são fruto de um trabalho realizado por Pinheiro e pelas pesquisadoras Viviane Albarici e Francini Picon, que fizeram doutorado no Centro de Materiais Cerâmicos e que hoje trabalham na KosmoScience.

Outra área de estudo da KosmoScience é a pele. Um dos protocolos desenvolvidos pela empresa analisa in vivo a geração de colágenos que produzem maior firmeza na pele e atuam como fator antienvelheci-

mento. “Várias moléculas podem estimu-lar a formação da fibra de colágeno, como polissacarídeos, ácido ascórbico e ácido retinoico”, diz Pinheiro. Nesse caso, os pesquisadores utilizam um equipamento chamado espectroscopia de reflexão di-fusa, que possui uma fibra óptica dirigida às regiões do corpo avaliadas. “A partir do uso dessa técnica é possível determinar os comprimentos de emissão e excitação de colágeno presente na pele”, diz Pinheiro. É possível avaliar quanto de colágeno a pessoa possui na pele antes do tratamento e ao longo do tempo de ação do produto aplicado. As leituras podem ser feitas aos 30, 45 e 60 dias, por exemplo.

A possível eficácia dos tratamentos contra a celulite é verificada por uma câ-mara de infravermelho, também conhe-cida como câmara térmica. Trata-se de um dispositivo optoeletrônico que realiza imagens térmicas da pele. Como a celulite caracteriza-se por acúmulo de gordura e água nas células, quando elas se expan-dem começam a pressionar os microvasos sanguíneos, reduzindo a microcirculação no local. “As imagens térmicas da câmara vão apontar se houve uma melhora da ir-rigação sanguínea no local após a aplica-ção do produto anticelulite”, diz Pinheiro. “Pela homogeneidade na distribuição da temperatura conseguimos caracterizar se o tratamento foi eficiente.”

Se há 10 anos a KosmoScience era uma iniciante no ramo, hoje ela compete com laboratórios internacionais que se insta-laram no Brasil. “Grande parte das indús-trias de cosméticos americanas e euro-peias reverteu o processo e atualmente elas testam seus produtos no Brasil”, diz Pinheiro. Entre os fatores listados para essa mudança estão o menor custo dos testes, a qualidade científica dos estudos e o fato de o Brasil ser um dos maiores mercados mundiais de produtos cosmé-ticos, atrás apenas dos Estados Unidos e Japão. “A miscigenação da nossa popula-ção também contribui para isso”, ressal-ta. As diversas etnias, tipos de pele e de cabelo com todas as suas nuances (lisos, ondulados, crespos) possibilitam distin-tas investigações científicas. n

Por dentro da cabeleira técnicas avaliam efeitos da aplicação de carbocisteína em alisamentos

alterações estruturais que ocorreram na fibra capilar são identificadas com o auxílio de um dinamômetro, equipamento que faz a leitura da tensão sofrida pelos fios versus

a sua deformação

informação química e estrutural de compostos orgânicos e inorgânicos é avaliada por uma técnica fotônica de alta resolução chamada espectroscopia Raman

alterações morfológicas das cutículas do cabelo – camada superficial do fio que tem a função de proteger a estrutura interna – são checadas com um microscópio eletrônico de varredura, capaz de produzir imagens em alta resolução. Cutículas degradadas deixam o cabelo áspero e sem brilho

Jornal vespertino de assis Chateaubriand

divulgava tecnologia como parte do projeto

de extinguir “atraso” brasileiro

a imprensa sensacionalista e a ciência

na década de 1950, os discos voadores, que ainda não se chamavam UFO, sobrevoavam a praça da Sé; a che-gada da bomba de rádio, “com dez

grs. do metal, pela primeira vez na América do Sul”, era saudada com uma manchete maior do que a greve dos funcionários contra o regime de oito horas; e os paulistas eram alertados de que “à altura de 63 mil pés o sangue ferve”, perspectiva terrível que atrasava a “batalha pela conquista de um novo mundo”. Num país em que ainda não havia revistas especializadas em divulgação científica e o rádio era o princi-pal meio de comunicação de massas, a ciência corria solta pelas páginas do Diário da Noite, vespertino paulistano que pertencia a Assis Chateaubriand e era um dos mais importantes do poderoso império dos Associados.

“Como muitos na época, Chateaubriand tinha uma agenda de união nacional pela mo-dernização do país. Para ele, isso passava di-retamente pelo fim da ‘ignorância’ das massas populares, seja atacando o espiritismo e as religiões de origem africana, a que chamava de ‘macumba’, seja pela ciência que acabaria com o ‘atraso’ nacional”, explica a historiadora Mariza Romero, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “O Diário da Noite passou a divulgar informações científi-cas para leitores leigos e nada familiarizados

com a tecnologia. O interessante é que o jornal não tinha uma página fixa ou um suplemento para isso, mas colocava a ciência no meio de seções de polícia, política, esportes e, muitas vezes, como manchete”, diz Mariza.

A pesquisadora, que já havia estudado a atuação do vespertino sensacionalista em ques-tões religiosas, sociais e policiais em Inúteis e perigosos (Educ/FAPESP), agora analisa a sua pauta científica em Divulgação científica e imprensa popular. “Entre 1950 e 1960, o Diário da Noite conseguiu uma divulgação científica mais ampliada em termos de educação para as massas do que muitos dos cadernos e páginas especializadas que estavam aparecendo pela imprensa brasileira, mais formais, e que só chegavam a um público muito restrito.”

Financiado por empresários, industriais e fazendeiros paulistas, o vespertino de Cha-teaubriand, com feição sensacionalista desde sua fundação, em 1925, nos anos 50 contava com equipamentos de ponta, profissionais experientes, articulistas internacionais, re-portagens de impacto e notícias de primeira mão, destacando-se as páginas policiais e os escândalos. Com uma tiragem de 70 mil exem-plares e duas edições, tornou-se um dos jornais de maior circulação em São Paulo.

“O Diário da Noite criou um vínculo forte com as classes populares, que, com a rede-

anúncio da chegada de uma bomba de rádio para hospital paulistano e a discussão dos cientistas brasileiros sobre a bomba H

humanidades MÍDia y

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ciência era fundamental para levar o país ao progresso e à modernidade

mocratização e o aumento do consumo, passaram a ser vistas, por um lado, como protagonistas da prática política e, por outro, como as camadas que precisavam ser tuteladas”, fala Mariza.

Assim, nota a pesquisadora, ao mesmo tempo que se dizia alinhado às reivindi-cações populares, “defensor do povo”, o vespertino se ligava aos setores da bur-guesia que se preocupavam com a emer-gência dessas massas. “Por causa do seu suposto vínculo com a população, o Diá-rio da Noite não se voltava abertamente contra a luta das massas. Mas mostrava o tempo todo quem não tinha lugar no futuro que estava chegando e quem eram aqueles que apesar de sempre convidados a ‘entrar’ na modernidade estavam fora dela”, conta a historiadora.

A orientação desenvolvimentista dos governos após o Estado Novo apresentava para a sociedade a ciência como instru-mento fundamental para conduzir o país ao progresso econômico e à tão almejada modernidade. Além disso, no Brasil dos anos 1950, as novidades tecnológicas co-mo eletrodomésticos, automóveis, medi-camentos e máquinas agrícolas chegavam ao incipiente mercado consumidor nacio-nal. Era a ciência a serviço do homem, co-mo diziam as propagandas: “Mil e nove-centos técnicos altamente especializados criaram especialmente para você a ‘super máquina’ Vigorelli, aerodinâmica”, diz um

anúncio de máquina de costura do Diário da Noite. Em outro, uma lata de tinta era saudada como “sensacional descoberta da química” e o leitor era convidado a “cientificar-se das excepcionais carac-terísticas” do novo produto.

“As ideias desenvolvimentistas em-polgavam o Brasil na era JK e sobre es-te fundo ideológico mais amplo estava a ideia de que o desenvolvimento tecnoló-gico possibilitaria abrir o único caminho para a real independência econômica do país”, observa Luisa Massarani, da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, em Um gesto ameno para acordar o país: a ciência no Jornal do Commercio (1958 – 1962), edi-

tado pela Fiocruz. Na primeira edição do suplemento, o seu coordenador, Walter Oswaldo Cruz, observou: “O Brasil não se desenvolverá sem técnicos, e técnicos são o produto humano da ciência”.

“A divulgação científica brasileira tem peculiaridades. Nunca houve grandes in-vestimentos estatais em ciência e tecno-logia e tampouco na educação científica, o que deixou para os meios de comunica-ção a tarefa de apresentar a ciência para uma população com baixo índice de alfa-betização tecnológica”, observa Ana Ma-ria Ribeiro de Andrade, pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), do Rio de Janeiro, e autora de A dinâmica da ciência na sociedade (Hu-citec/Mast). “Assim, apesar de alguns esforços individuais, o sensacionalismo é a principal característica dessa divul-gação. A construção dos fatos científicos aparece sempre envolta em mistérios, a genialidade está sempre presente em to-das as descobertas e a história está quase sempre ausente”, avalia Ana.

No caso dos jornais de Chateaubriand, lembra Mariza, havia uma mistura estra-nha de sensacionalismo e divulgação real como na manchete de primeira página: “Enxerga o jovem com os olhos do padre morto”. Com o título em letras garrafais, semelhante ao das reportagens sobre milagres, comuns no jornal, tudo fazia crer que se tratava de uma matéria sem

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nenhuma consistência. Mas o conteúdo da reportagem, que durou três dias, de-nota pesquisa, com informações precisas num texto bem escrito, aparentemente um verdadeiro paradoxo, que, no entan-to, demonstrava ser uma boa estratégia para atrair o leitor.

criançasEm outra edição, o título avisa que cien-tistas brasileiros vão discutir os efeitos da bomba H. “Curiosamente, a chamada foi colocada bem acima da notícia de que ‘as crianças vão sofrer sem leite’ e, com certeza, na época chamou mais atenção do que a questão local das mães furiosas com a política”, observa a pesquisadora.

O caso da bomba H também revela a dualidade do jornal sobre a ciência, vis-ta ao mesmo tempo como panaceia para os problemas do país, mas não isenta de muitos perigos. “Repercute entre os pes-quisadores o documento dos sábios ame-ricanos”: a possibilidade de que a energia nuclear tivesse efeitos adversos levou o vespertino a conversar com professores da USP. Constrangido, um especialista como o físico Marcelo Damy afirma que “o assunto foge ao campo de sua especia-lidade” e se pronunciou “de forma geral contra o uso de armas atômicas para fins belicosos”. “José Goldemberg, da ‘Facul-

projetoDivulgação científica e imprensa popular. são paulo e rio de Janeiro nos anos 50 (2011/13246-2); modalida-de bolsa no exterior; Coord. Mariza romero (puC-sp); investimento r$ 22.266,26 (fapesp).

muralha entre ciência e leitor pela mitifi-cação da atividade científica que, ao lado da idealização de figuras, não predispôs o brasileiro a estudar ciência”, avalia Ana.

“Creio que o Diário da Noite, pelo con-trário, aproxima a ciência do leitor, justa-mente pelo uso de recursos jornalísticos mais populares e, inclusive diferente-mente dos outros meios de divulgação científica, expressa também os medos e angústias contemporâneos com relação ao desenvolvimento científico. Ele con-tribui assim para desmistificar a ciência, o que, creio, é um dos diferenciais da minha pesquisa”, nota Mariza.

Assim, para a pesquisadora, o Diário da Noite ao se definir como porta-voz das massas populares pretende, através da di-vulgação científica, tirá-las da ignorância, promovendo os ideais de conforto, bem--estar e de felicidade, tão caros aos anos dourados, sendo a ciência uma das portas de entrada para a modernidade. “Por outro lado, ela é desmistificada quando o jornal denuncia seus riscos e perigos, e ainda en-tretém o imaginário coletivo quando trata de forma ambígua temas como o dos discos voadores”, nota a autora. n carlos haag

dade de Filosofia de São Paulo’, falou ‘li-geiramente’ à reportagem sobre os efeitos danosos da radioatividade.” “Muitos cien-tistas não gostavam de se ver associados a jornais como o Diário da Noite para não macular sua reputação”, nota Mariza. Es-sa fraca articulação entre a comunidade científica e o jornal permitiu que assuntos candentes na mistura de desenvolvimen-tismo e Guerra Fria decolassem.

Alguns literalmente, como os discos voadores, que frequentaram muitas ca-pas do vespertino de Chateaubriand. “A imprensa brasileira foi incapaz de ofere-cer aos leitores informações suficientes para que eles pudessem reconhecer fe-nômenos celestes e objetos voadores cor-riqueiros. Sem um background científico, muitos ficaram à mercê das especulações de jornais sensacionalistas”, observa o historiador Rodolpho Gauthier Cardo-so dos Santos, que pesquisou o tema em A invenção dos discos voadores. Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958). Por isso, nos matutinos, voltados para classe média e alta, como O Estado de S. Paulo ou a Folha da Manhã, não de-ram tanto espaço a esse tipo de questão, mais atentos à possibilidade de que se tratasse de uma questão bélica.

Em geral se divulgou a ideia de uma ciência grandiosa e inacessível ao cidadão comum, com muitos mitos e cientistas isolados em sua complexidade. “Era uma

O Diário da Noite discute como o homem poderia chegar à lua e coloca a ciência até mesmo nos anúncios

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lílian Campesato na obra Conexões dispersas/dispersões conexas, 2011

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pesquisadores do projeto Móbile fazem turnê

para mostrar resultados da união entre arte e tecnologia

e ouvindo movimentos

quando iniciou o projeto Mó-bile, em 2009, Fernando Iaz-zetta, da Escola de Comunica-ções e Artes da Universidade

de São Paulo (ECA-USP), afirmou que pretendia “o cruzamento entre uma pro-dução teórica e artística, possibilitando que trabalhos de criação sejam desenvol-vidos dentro da nossa proposta”. Hoje, perto da sua conclusão, os pesquisadores de Móbile mostram que não se esquece-ram da promessa e acabam de retornar de uma turnê internacional que exibiu os resultados do projeto.

Foram cinco apresentações: Belfast, Irlanda, no Sonic Arts Research Centre da Queen’s University; Conservatório

de Música em Seia e na Universidade de Aveiro, ambos em Portugal; no La Ha-ceria, Bilbao, e no Hangar, Barcelona, Espanha. “Pela primeira vez a FAPESP financiou uma turnê de músicos ao ex-terior. Vimos que além dos trabalhos pu-blicados, a parte artística resultante das nossas pesquisas era tão relevante quanto os resultados escritos”, explica Iazzetta, autor de Música e mediação tecnológica, da Editora Perspectiva.

No grupo, além do coordenador do projeto, foram Lílian Campesato, Mi-chelle Agnes, Julian Jaramillo, Rogério Costa e Vitor Kisil, todos integrantes do Móbile. Os outros professores e orientan-dos que não foram estavam representa-

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vendo sons

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distanciados e, com certo descompro-misso em relação à tradição, aproximar a música de outros modelos artísticos, numa miscigenação com as outras ar-tes. “Nesse contexto pode se desenvol-ver uma música interativa, pois o único modo de entrar nessa nova forma é pela vivência sensorial plena”, fala Iazzetta.

reaçãoO projeto não trabalha com a ideia de ruptura, mas com uma reação contra a tecnologia como solução para todos os problemas. Mesmo na música isso acon-teceu. O próprio termo “música eletroa-cústica” enfatiza a tecnologia utilizada por esse gênero. A partir dos anos 1980, isso passa a ser criticado. Agora se pre-tende tirar a arte do seu pedestal, como algo feito para poucos e por poucos, dei-xando-a mais acessível, mais lúdica e irô-nica, aproximando a música e a sua cria-ção do dia a dia das pessoas. A mediação tecnológica, por sua vez, facilitou a co-nexão entre elementos sonoros e visuais.

“A plateia num concerto, por exemplo, assiste passiva a algo que não consegue fazer ou entender por completo, em to-tal admiração e distância. Mesmo diante de um piano as pessoas ficam sem com-preender bem como funciona aquela me-cânica mais complexa”, fala. A tecnologia compensaria justamente essa ausência de virtuosismo em cada um de nós. Surgiria um “novo amadorismo” no bom sentido do termo: a capacidade de qualquer um criar música, já que se dissolveria a assi-metria entre quem faz e quem aprecia a obra de arte. Os aparelhos se colocam no lugar da técnica e a experimentação subs-titui a tradição. “Brincar com os aparelhos

dos pela produção artística resultante da sua pesquisa no temático. O espetáculo apresentado tinha como título Transpa-rência e era composto por seis cenas em que se misturavam obras “tradicionais”, com instrumentos e partituras, outras que usavam improvisação e três baseadas nas buscas pela interação entre música, tecnologia e outras artes.

No caso das cenas de interação, o gru-po usava uma mesa preta sobre a qual está instalada uma minicâmera manu-seada por Lílian Campesato. “Ela ma-nipula objetos e, com isso, há variações na projeção de som e de imagens, por exemplo. Em outra parte, temos uma filmagem de uma plataforma do metrô. Lílian vai jogando pedaços de papel e sobre eles é que partes da imagem vão aparecendo aos poucos, se desvelando”, diz o músico. “Buscávamos passar essa sensação de desvelar ao tornar as ima-gens transparentes”, conta Iazzetta.

A ideia do Móbile é reunir pesquisa-dores das áreas de música, artes visuais, artes cênicas, ciência da computação e

engenharias para o desenvolvimento de novos processos musicais centrados na interação entre esses vários setores apa-rentemente desconectados. Em especial, o projeto questiona o fetiche da tecnologia, após os modelos iniciais de experimenta-lismo focados nos estúdios e nos equipa-mentos de ponta. “Houve um momento na música do século XX em que surgiu um entusiasmo exagerado pelas novas. Veneraram-se os avanços tecnológicos como se eles valessem por si mesmos. Para nós, o que interessa é o resultado”, afirma. “Muitas vezes, muita tecnologia pode até atrapalhar. Adotamos a ideia de low tech, a tecnologia mais eficiente que está no cotidiano. A articulação mais complexa tem que ser o pensamento ar-tístico e não a engenharia”, avisa Iazzetta.

O pesquisador avisa que isso pode não parecer novidade, mas que mesmo nos grandes centros de pesquisa musical o que se vê é justamente essa mitificação do high tech. O mais importante, acredita, é realocar o papel do virtuosismo que se-parou criador e espectador em dois polos

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1 ensemble Móbile no espetáculo Por trás das coisas, outubro de 2010

2 ensemble Móbile apresentando obra no evento ¿Música? 5, na universidade de são paulo, em 2012

3 Michelle agnes tocando piano preparado no evento ¿Música? 3, no Centro Cultural são paulo, em 2011

4 Cesar villavicencio tocando hyerflauta

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em breve a mesma síntese sonora que se conseguiu, no passado, com os pro-gramas gráficos”, fala. Queiroz lembra as simulações de espaços acústicos feitas em computador em que um grupo pode se ouvir até mesmo numa sala inexistente.

“O trabalho no projeto Móbile tem sido uma oportunidade única para nós. Conseguimos, pela primeira vez, montar uma equipe interdisciplinar de cientistas, artistas e estudantes de tecnologia e ar-tes trabalhando em conjunto na pesquisa em produção artística de vanguarda”, afirma Fabio Kon, também do Depar-tamento de Ciências da Computação da USP e membro do projeto Móbile. “Desde o início do projeto temos busca-do aproximar a criação artística da pro-dução tecnológica de ponta e explorar as sinergias entre essas duas formas de conhecimento. Não é uma tarefa fácil, pois a tendência natural dos artistas e dos técnicos é trabalhar isoladamente; mas esse projeto tem sido um primeiro passo nessa direção. Estamos contentes com os resultados alcançados, mas ainda

é uma experiência em que a arte tende a deixar de ser arte. São propostas artísticas descarregadas de técnica e voltadas para a experiência, para o jogo com os materiais. Por sua vez, a arte cada vez mais imersa no uso de traquitanas tecnológicas, o que se dilui, de maneira paradoxal, é a própria técnica”, nota Iazzetta.

Tudo isso, porém, para que o parado-xo funcione, vem justamente da tecno-logia. “Trabalhamos numa perspectiva complementar com os músicos. Temos muitas perguntas sobre o som e elas são objetivas sem nenhum viés estético. São sinais tratados de forma científica”, ob-serva Marcelo Queiroz, professor de ciências da computação da USP, que participa do Móbile. Além do conheci-mento tecnológico, Queiroz é formado em composição pela ECA-USP. “Mas quando estou do ‘outro lado’, só trabalho com as variáveis científicas em busca de uma parceria horizontal com as pesqui-sas musicais do grupo”, afirma.

Assim, diz, essa interação acontece sempre que uma questão artística propõe um desafio técnico, como a análise de sinais de voz, por exemplo. “Prefiro ver música e arte como lugares onde surgem naturalmente problemas de interesse téc-nico que demandam soluções. Afinal, os computadores, por serem mais flexíveis, oferecem maiores chances de expansão e experimentação com timbres e sinais, do que a criação de novos instrumentos”, avalia Queiroz. Para ele, a música agora está seguindo o mesmo caminho antes trilhado pelas artes visuais. “Do ponto de vista dos dados sonoros podemos mo-dular a escuta humana, transpor para a ferramenta computacional. Teremos

projeto

Móbile: processos musicais interativos (nº 2008/08632-8); modalidade projeto temático; Coord. fernando iazzetta (usp); investimento r$ 515.936,56 (fapesp).

a tecnologia ajuda a tirar a mística do ato de criação musical há muito a avançar e um longo caminho

pela frente”, fala Kon. “Essa é uma for-ma única de produção e disseminação do conhecimento que foge dos padrões tradicionais de fomento à pesquisa”, ob-serva o pesquisador. Segundo ele, tudo vai além dos estudos musicais.

“Fala-se muito na tecnologia e nas má-quinas como o avesso do humano, como se a alma da música fosse vendida por um vintém. Mas imaginar que uma má-quina tira o que há de humano na música é esquecer que nada é mais represen-tativo do humano do que as máquinas que fazemos”, lembra Iazzetta. Para o músico, tratamos a relação entre mú-sica e tecnologia como um aspecto de dependência, e não de simbiose.

Segundo Iazzetta, o uso da tecnolo-gia hoje deixa de ser essencial, como foi no início da música eletroacústica, e se torna incidental. Sai do foco e vira uma ferramenta para criar interesses e, com isso, ajuda a desmistificar o ato de criação musical. n carlos haag

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86 | maio DE 2013

neldson marcolin

relançamento de

manual prático

de medicina do

século Xviii

revela detalhes

da arte de curar

memÓria

quem precisasse de cuidados médicos entre o descobrimento do Brasil, em 1500, e a chegada da família real, em 1808, estava em maus lençóis.

Os médicos portugueses dispostos a se aventurar por aqui eram raríssimos. Em Portugal eles eram intelectuais formados em universidades, discutiam pensadores da Antiguidade como Aristóteles e Galeno e tinham status e salários significativamente mais altos do que aqueles cujas profissões eram consideradas manuais ou mecânicas. Este era o caso, por exemplo, dos cirurgiões, habilitados a fazer curativos, cirurgias, sangrias e amputações depois de dois anos de estudos práticos no Hospital de Todos os Santos de Lisboa, mas sem formação acadêmica. Eram eles que levavam algum alívio e conhecimento a uma população extremamente carente de qualquer assistência à saúde nas terras de além-mar.

Trabalhar longe da Corte portuguesa trazia grandes vantagens para os cirurgiões, como a possibilidade de se tornarem proprietários de terra, de enriquecimento e valorização social. Os médicos só se tornaram mais frequentes no Brasil quando a família real se estabeleceu aqui, em 1808, e criou as faculdades de medicina de Salvador e do Rio de Janeiro. Na tentativa de tornar menos grave essa carência, pelo menos três cirurgiões escreveram manuais médicos no século XVIII no Brasil.

Cirurgião negro colocando ventosas, aquarela de Debret (1826), mostra a população negra dependente de cirurgiões ainda no século XiX, no rio de Janeiro

conselhos de cirurgião1

PesQuisa faPesP 207 | 87

as atenções”, explica a historiadora Márcia Moisés Ribeiro, pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras (FFCHL), ambas da Universidade de São Paulo (USP). Márcia também estudou a trajetória de Mendes.

Além do escorbuto, o manual prático do cirurgião dá instruções de como tratar ferimentos em geral, erisipela, tumores, edemas, carbúnculo, doenças intestinais e chama a atenção para a assepsia dos instrumentos, dá receitas e conselhos sobre a arte de curar. “Alguns dos remédios prescritos por ele parecem claramente temerários hoje, sobretudo os inorgânicos sintéticos, como os sais de mercúrio, antimônio ou arsênio”, observa Filgueiras.

Mendes não desprezava as experiências da terra e investigou a eficácia das plantas brasileiras na cura de doenças, em especial quando se tratava de males tropicais. Muitas dessas informações vinham das tradições indígenas e africanas. “Os médicos formados na Universidade de Coimbra não tinham esse conhecimento”, conclui Filgueiras. n

Luís Gomes Ferreira publicou Erário mineral, em 1735; João Cardoso de Miranda escreveu Relação cirúrgica e médica, em 1747; e em 1770 José Antonio Mendes compôs Governo de mineiros mui necessário para os que vivem distantes de professores seis, oito, dez e mais léguas, padecendo por esta causa os seus domésticos e escravos queixas, que pela dilação dos remédios se fazem incuráveis e as mais das vezes mortais. Este livro de 158 páginas e título quilométrico foi republicado no mês passado pelo Arquivo Público Mineiro com um estudo crítico de Carlos Alberto Filgueiras, químico e historiador das ciências da Universidade Federal de Minas Gerais.

A palavra “governo” no título tem o sentido de condução de tratamento de doenças. Seu autor recebeu a “carta de cirurgia” em Lisboa em 1739 e teria vindo para o Brasil logo depois. Não há informações sobre seu nascimento, volta para Portugal e morte. No livro, ele diz que escreveu o manual depois de 35 anos empregados na “arte cirúrgica”. Sabe-se que trabalhou entre as capitanias da Bahia e de Minas Gerais.

“Apesar de haver muita crendice no manual, alguns itens são bastante interessantes, sobretudo o dos efeitos da aplicação do suco de limão para a cura do escorbuto”, diz Filgueiras. O sumo da fruta era esfregado com sal nas mucosas da boca, até sangrarem, o que fazia a vitamina C entrar em contato direto com o sangue do paciente. “A aplicação era bastante bárbara, mas a sua essência está de acordo com a medicina moderna” (leia a prescrição original no quadro acima).fo

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O objetivo de Mendes e de outros cirurgiões era dar informações práticas para instruir os senhores a respeito dos tratamentos médicos disponíveis aos escravos, que trabalhavam de sol a sol na mineração, na lavoura e em todos os serviços pesados. “Na Europa, o alvo dos governantes era a saúde do homem pobre, que dependia da sua força física para trabalhar. Nas colônias dependentes do trabalho escravo era à população negra que se voltavam

rugendas desenhou escravos – vítimas frequentes de doenças no período colonial – minerando ouro na gravura Mineração de ouro por lavagem perto do morro do Itacolomi (1835)

Receita contra escorbuto

“Quando o escorbuto estiver ainda no seu princípio (...) o fareis assim: se tiver a língua suja, e pouca vontade de comer, lhe mandeis com limão azedo e sal moído, esfregar muito bem as gengivas até lhe botarem bastante sangue; e a mesma língua lha mandareis também esfregar com o mesmo; (...) lhe dareis um vomitório, e no dia seguinte lhe mandareis dar uma onça de sumo de arroz de telhado (...) cuja porção continuará oito, ou dez dias a tomar, continuando sempre com a dita esfregação nas gengivas (...) “

frontispício original de Governo de mineiros e indicação de como curar escorbuto

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88 | maio DE 2013

Com orçamento

reduzido, O som ao

redor mobilizou a

crítica e levou 100 mil

espectadores aos

cinemas

o som ao redor, filme de custo modesto, realizado fora do eixo Rio-São Paulo e sem atores que frequentam os horários nobres da TV, conseguiu duas façanhas:

levar 100 mil espectadores aos cinemas e mobilizar de forma notável o pensamento crítico brasileiro, gerando significa-tiva fortuna crítica.

O cineasta pernambucano Kleber Mendonça, que assi-na a direção do filme e escreveu seu complexo (e lacunar) roteiro, é filho de uma historiadora e professora universi-tária. Enquanto a mãe desenvolvia pesquisas acadêmicas e aprofundava-se nos estudos de Casa grande & senzala, ele assistia a filmes e mais filmes. Graduou-se em comunica-ção, na Universidade Federal de Pernambuco, e tornou-se crítico de cinema.

O som ao redor vem gerando uma notável fortuna crí-tica, comparável às verificadas quando do lançamento de Terra em transe (Glauber Rocha, 1967), Cronicamente in-viável (Sérgio Bianchi, 2000), Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) e Tropa de elite 1 e 2 (José Padilha, 2007 e 2010). O filme de Kleber saiu do gueto cinematográfico e enfrenta questões como a luta de classes, a fúria preda-tória da especulação imobiliária, o racismo à brasileira e a presença de milícias na prestação de serviços a cidadãos acuados pelo medo.

A narrativa tem seu início num dia comum, numa rua de classe média da capital pernambucana. “Seria mais um dia como outros”, lembra Kleber, “se uma milícia não chegasse ao local para oferecer a paz de espírito apregoada por segu-ranças particulares”. Só que a presença dos milicianos, “se traz tranquilidade para uns, traz também tensão para outros, numa comunidade que parece temer muita coisa”.

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a força de um filme

PesQuisa faPesP 207 | 89

Ismail Xavier, professor de cinema da Univer-sidade de São Paulo (USP), entusiasmou-se com o primeiro longa ficcional de Kleber Mendonça. Para ele, “o filme trabalha motivo reiterado no cinema pernambucano recente, que é a relação entre passado e presente, ou as camadas de tempo que se acumulam na experiência contemporânea em nossa modernização incompleta, conduzindo de forma extraordinária a encenação da vida de um bairro de classe média alta do Recife”.

Xavier, autor de Alegorias do subdesenvol-vimento: Cinema Novo, Tropicalismo e Cinema Marginal, ressalta que “falar em permanência do passado no presente, em O som ao redor, é também cotejar o rural e o urbano ou a presença das tradições patriarcais de mando e coronelis-mo na vida da cidade atual, com aquele painel de personagens e situações que, de início, pare-cem compor fragmentos, flagrantes de uma vida de bairro que se acumulam sem forte conexão

narrativa, mas a partir de um domínio da mise--en-scène e de notável trilha sonora”.

Para o professor da USP, “o essencial é que a rarefação, o escoamento do tempo, em O som ao redor, permeia o percurso e otimiza a rela-ção entre fragmentação, abertura e movimento rumo a um desfecho. Num momento em que fi-nais abertos, com interrogações, já viraram uma convenção, o gesto de Kleber é contracorrente, atando o prólogo e a última cena como um re-torno do reprimido”.

O pesquisador se pergunta por que o filme gerou fortuna crítica tão significativa. “De um lado”, fala Ismail, “visto dentro da produção bra-sileira, O som ao redor desloca a tônica do debate sobre a violência e as mazelas urbanas, em geral associadas à crise da família e focalizando uma juventude “sem pai” cuja condição social induz à entrada no crime organizado (e aqui, com certe-za, é preciso que nos lembremos de filmes como Cidade de Deus, entre outros)”.

Ao contrário do filme de Fernando Meirelles, “o de Kleber devolve a questão da violência ao autoritarismo da tradição patriarcal, de modo que não se trata de ‘culpar’ a urbanização selva-gem porque dissolve a família, mas dar ênfase a outro ângulo do problema: mostrar que ele está na tradição familiar dos de cima, que sobrevive”.

Xavier lembra que o filme de Kleber traz sín-tese em que o passado no presente, o campo na cidade, o paradigma patriarcal e as questões de classe se articulam de modo a nos animar a uma recapitulação do percurso desse cinema nesses quase 20 anos. “Uma das forças de O som ao re-dor é, justamente, gerar este movimento retros-pectivo, coisa que só obras notáveis são capazes de fazer”, afirma o pesquisador. n

Cenas do fillme O som ao redor, de

Kleber Mendonça

90 | maio DE 2013

querido Jorge, você estava certo em tantas coisas que só agora me atrevo a admitir. “Todo neurocientista se torna para-raios

de malucos, magneto de psicopatas”, você dizia. E eu pensava que esse era seu modo enviesado de pôr em dúvida meu juízo. “Não há vício que leve à ruína mais rápido do que o de viver aci-ma das próprias posses”, você repetiu inúmeras vezes, quando conquistei prêmios de prestígio e comecei a esbanjar um pouco. Jorge, você era um chato, mas me deu uma chance quando descobri-ram minhas fraudes acadêmicas e me afastaram da universidade.

Outros colegas da equipe, meus ilustres “com-parsas de pesquisa”, como você os chama, não receberam esse tipo de apoio. O Jardel se dei-xou abater pela demissão, a perda de prestígio e a enxurrada de retratações. Dezesseis artigos desqualificados e uma esposa consumista em crise de abstinência levaram-no do divã ao divórcio. Agora ele dá aulas de biologia num colégio esta-dual, porque nenhuma escola de alto nível quer manchar a própria imagem empregando um ex--pesquisador corrupto. A indústria também quer distância da gente a não ser para consultorias secretas e mal pagas. Seus abutres de terno ain-da acham que deveríamos agradecer de joelhos pela honra de servi-los. O Hélio tentou suicídio, ou diz que tentou, pra chamar atenção da família. Ninguém ligou a mínima. As famílias modernas deixaram de lado aquele amor invasivo e sufo-cante. Mantêm contato por mensagens de texto. A irmã do Hélio, quando soube que ele havia so-brevivido, digitou “q bom q vc tah bem. se cuida”.

Parece que o último parente à moda antiga no universo é você, Jorge. Ainda assim, eu não soube ser grato. Entenda que é difícil, para quem já foi um conferencista internacional, agradecer por um empreguinho como dublê de supervisor de obras, na construtora do irmão. Eu não sabia

o que fazer naqueles prédios. O supervisor de verdade supervisionava meus passos e você não me deixava receber salário sem fingir trabalhar, porque pretendia corrigir meu caráter. Jorge, meu irmão, eu acho que te odeio.

Todos nós vivíamos não somente acima de nos-sas posses, mas também acima de nossas possibi-lidades intelectuais. Esse tipo de vício está além de sua compreensão, Jorge. Sua inteligência me-diana, tão útil para as miudezas do dia a dia, mal pode conceber o que um jovem cientista genial sente quando um de seus primeiros artigos recebe uma centena de citações. Nós nos viciamos em ser brilhantes a qualquer custo e conseguimos por quase uma década.

A estrutura da universidade – sua trama de burocracia, secretárias e seguranças – funciona-va como uma gaiola de Faraday ao redor de mim e da minha equipe. Mantinha longe os malucos que tentavam atingir-nos como raios. Precisei cair em desgraça para perceber quantos eram e avaliar seu grau de persistência obsessiva. Eles me cercavam na rua. Queriam saber o verda-deiro motivo do meu afastamento. “O senhor descobriu algum segredo do governo, não foi, professor?”, eles perguntavam. “Conta pra gen-te. É verdade que a indústria farmacêutica está incluindo o vírus do autismo nas vacinas con-tra a gripe?” Em suas teorias conspiratórias, eu era um herói, o cientista íntegro que precisava de uma forcinha para desmascarar governos e empresas malévolos.

No mês passado, um deles, não sei como, inva-diu meu apartamento. Era um sujeito baixinho, magrelo, hiperativo e cheio de tiques. Veio com uma conversa estapafúrdia. Ele seria um aliení-gena a fim de me contratar para um projeto de pesquisa em outro planeta. Tentei convencê-lo a sair. Ele continuou lá, falando e falando sobre transferir minha mente para outro mundo, atra-

conto

altos da excelênciacarla ceres

PesQuisa faPesP 207 | 91

carla ceres é colunista do site Digestivo Cultural, cronista do site Diário do engenho, mantém o blog algo além dos livros (http://carlaceres.blogspot.com.br), mesmo título de seu CD de poemas premiados.

Há duas semanas, por incrível que pareça, Jor-ge, ele voltou com o dinheiro. Você já viu cinco milhões de dólares juntos na sua frente? É irre-sistível. Aceitei o emprego, pedi uma semana de prazo e fugi quando ele virou as costas. É claro que eu não acreditava naquela história de pes-quisa em outro planeta. Ao contrário do que você sempre insinuou, eu não sou maluco. Mas aquele sujeito era doido de pedra e queria algo de mim, algo assustadoramente esquisito. Deixei o apar-tamento pros credores e sumi.

Acontece que o homenzinho me encontrou. Não sei como. Ele disse que meu prazo para pôr os negócios em ordem, me despedir da família e encontrar uma clínica de confiança onde deixar meu corpo, que ficaria vazio após minha transfe-rência mental, havia terminado. Ou eu ia com ele naquele momento ou ele ofereceria o emprego a outra pessoa, talvez ao Hélio ou ao Jardel. Assim sendo, precisei matá-lo. Foi legítima defesa de mi-nhas posses e possibilidades. Você devia ter visto o brilho estranho que os olhos dele emitiram na hora da morte. O corpo, em pequenas parcelas, está concretado nas colunas do edifício Altos da Excelência. Não deixe o supervisor mexer nelas, Jorge. Continue erguendo o prédio. Esse é o conselho que te deixo antes de sumir de vez. Vá por mim, é melhor não mexer nos esqueletos que sustentam altos projetos.

vés do espaço, num tipo de upload intergaláctico. “O senhor percebe, professor, que nós já dispo-mos de tecnologia para baixar nossas mentes para corpos humanos como este que estou usan-do”, disse o invasor de apartamentos, agora se promovendo à categoria de invasor de cérebros. “Ocorre, porém, uma falha no que diz respeito às expressões faciais. Ou ficamos inexpressivos ou excessivamente dramáticos. Queremos nos misturar sem parecer ridículos ou frios. O se-nhor, como neurocientista, reúne as qualificações necessárias para ser nosso humano de confiança nesse projeto de compatibilização expressiva. Podemos contar com o senhor?”

Perdi a cabeça. Explodi. Eu estava exausto de fingir trabalhar, exausto de fingir inocência, exausto de tolerar a loucura alheia. “Vocês do seu planeta precisam se informar melhor sobre os funcionários que contratam”, rosnei. “Eu não sou de confiança quando se trata de dinheiro”, admiti num surto depressivo. “Nós sabemos disso, professor, mas o senhor é brilhante em sua área. Peça quanto quiser. Nós pagamos”, respondeu o homenzinho. “Pois bem, senhor alienígena, saia daqui e só volte com cinco milhões de dólares. Entendeu?” Ele ficou em silêncio por alguns se-gundos, com os olhos erguidos como os de um ser humano normal quando faz contas mental-mente. Depois partiu sem dizer palavra. Venci. Admiti meus erros, mas venci. A quantia exorbi-tante que me veio à mente para fazê-lo desistir foi a mesma que obtive fabricando dados para pleitear verbas de pesquisa.

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92 | maio DE 2013

levantada a história do exército e da fiscalidade na Bahia durante as invasões holandesas. O segundo capítulo explora a relação do exército com a so-ciedade baiana, buscando comparar a formação militar das ordenanças da Bahia à infantaria re-gular deixada em Salvador para a defesa contra as investidas do holandês. O autor destaca a as-sociação entre militares e moradores.

O capítulo terceiro estuda os meios pelos quais o financiamento foi levado a efeito pela Coroa. O socorro do Brasil é visto do ponto de vista da po-lítica de Lisboa, seja durante o governo filipino de Portugal, seja durante a guerra de Restaura-ção. Aqui um dos pontos nevrálgicos do trabalho: está-se diante de um tesouro régio fortemente comprometido até o final da união ibérica em con-flitos na Alemanha, na Saboia, em Flandres, bem como na Índia e na África; e a partir de 1640, com a disputa pela própria autonomia perante Castela.

No quarto capítulo debate-se o financiamento do exército e da defesa na colônia, com ênfase sobre a tributação e demais políticas de direcionamento de recursos para a defesa: os donativos, as fintas, os empréstimos. Este talvez seja o capítulo em que as relações entre fiscalidade e guerra mostram-se mais claras: as reações da sociedade colonial ao incremento do fisco e seus reflexos nas relações com o governo e o Senado da Câmara de Salvador.

Por fim, caracteriza-se esta obra pelo esforço de consulta e sistematização das informações em uma base documental variada. Merece destaque a documentação manuscrita, além das dezenas de fontes publicadas, como as atas e cartas da Câmara de Salvador e a coleção Documentos Históricos da Biblioteca Nacional: o Arquivo Histórico do Muni-cípio de Salvador, o Arquivo Histórico Ultramarino, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, o Arquivo Público do Estado da Bahia, na Biblioteca Nacio-nal de Lisboa e na Biblioteca do Palácio da Ajuda.

A pertinência do tema, o rigor da análise e a inequívoca qualidade das fontes tornam esta obra leitura obrigatória a todos quantos se dediquem à história da colonização no Brasil.

guerra e pacto colonial. A Bahia contra o Brasil holandês (1624-1654) correspon-de à tese de doutoramento de Wolfgang

Lenk apresentada ao Instituto de Economia da Unicamp, sob orientação do professor José Job-son de Andrade Arruda. Seu objeto, as invasões holandesas da Bahia e de Pernambuco que amea-çaram por três décadas o domínio português na América. O primeiro aspecto inovador que merece atenção do leitor é o fato de se buscar compreender as relações entre a Fazenda Real e a açucarocracia baiana. O argumento do autor é o de que a vitória portuguesa sobre os invaso-res deveu-se a elementos internos a sua colônia, em particular o levante de senhores de engenho pernambucanos contra a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Em apoio a essa tese, Lenk assevera que a política adotada para o governo da Bahia permitiu que sua defesa fosse financiada pela própria economia colonial. A esse respeito o autor assinala duas áreas que requerem uma reflexão mais detida.

Em primeiro lugar, em razão da importância da participação dos colonos na guerra em nome da Coroa de Portugal, analisar os limites possíveis de tal envolvimento. Já do ponto de vista militar, ha-via problemas específicos na disposição das forças armadas na colônia. Como muito acertadamente destaca Lenk, a colônia já vivia diariamente sua guerra particular: a de reprodução da ordem es-cravista, entre a senzala e o engenho, para além das novidades trazidas com o recrudescimento das disputas entre as potências coloniais euro-peias e com a invasão holandesa, que resultou na reformulação da defesa da colônia segundo os parâmetros da guerra seiscentista (confronto de posições fixas, de cercos e baluartes, de infanta-ria; alistamento e uniformização do combatente, por exemplo). O senhor de engenho era “sócio da empresa militar (em muitas ocasiões como coman-dante de ordenanças); os regimentos exigiam-lhe o armamento, o próprio edifício era tomado por uma fortificação”. Em síntese, “o policiamento do trabalho escravo foi uma extensão da organização militar da conquista do litoral”.

Mas, para Lenk, ao lado dos itens associados à guerra há o da fiscalidade. No primeiro capítulo é

meandros de uma guerra colonial

resenhas

angelo alves carrara

angelo alves carrara é professor de história econômica na universidade federal de Juiz de fora e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico (CNpq). ED

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guerra e pacto colonial. a bahia contra o brasil holandês (1624-1654) wolfgang lenkalameda/fapesp482 páginas, r$ 70,00(preço estimado)

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autores mobilizam vasta erudição, mas é na crítica da crítica que radicam os pontos nevrálgicos do livro de ensaios

Formação, embasada na noção de “sistema”: foi no século XVIII, com o Arcadismo, que em solo pátrio uma literatura se configura.

Retomo as ideias de Antonio Candido: no momento em que se constela um conjunto de produtores literários (Autor), um conjunto de receptores (Público – que lê/ouve) e um veícu-lo transmissor (Obra), numa continuidade de tradição, as produções literárias adquirem ca-racterísticas orgânicas de sistema – e isso acon-

teceu antes da Independência, antes da organização do Estado nacional, constituindo um mo-mento de formação da literatura brasileira, vista como processo.

Na sequência, a reflexão de Leonel e Segatto avança por um outro viés: admitindo numa “digressão” a ideia de sistema, contestam que a literatura for-mada no século XVIII seja “do Brasil” (que não existia), mas tão somente “de Vila Rica”. Mas, se-guindo esse raciocínio, não se poderia falar em Descoberta do Brasil, pois em 1500 o país ainda

não existia... Quanto a Vila Rica, o que nela se te-cia configura, nos termos de Bourdieu, um campo, necessariamente delimitado, dentro daquilo que mais tarde viria a ser a nação; é só na evolução que o campo vai se estender.

Várias objeções eles ainda elencam, desme-recedoras de uma vida literária nas Minas. A historiadora Laura de Mello e Souza, no livro Cláudio Manuel da Costa [São Paulo, Compa-nhia das Letras, 2011], provê dados instigantes sobre essas questões – também presentes, aliás, ao longo da Formação. Enfim: tudo fica cristali-no se, em vez de nos atermos aos Prefácios e à Introdução, mergulharmos nas páginas em que somos confrontados com a força das ideias de Antonio Candido, no corpo a corpo com as obras, analisadas em seu contexto.

com o propósito explícito de travejar litera-tura e história na mesma visada crítica, o livro de Maria Célia Leonel e José Antonio

Segatto abarca uma gama rica de assuntos, de Machado a Euclides, a Guimarães Rosa, Chico Buarque, Silviano Santiago e Moacyr Scliar – para culminar com um ensaio reverentemente polêmico sobre a Formação de Antonio Candido.

Com efeito, nas competentes resenhas sobre ca-da obra e cumprindo o prometido, os autores mo-bilizam vasta erudição; mas é na “crítica da crítica” que radicam os pontos nevrálgicos. É o caso de “Alegoria e política no sertão rosiano”, abordando ensaios que propõem uma leitura histórico--política do Brasil. Questionando a posição de W. Bolle [grandeser-tao.br. São Paulo, Duas Cidades, Editora 34, 2004], que, na linha da historiografia alegórica de Benjamin, afirma que o Grande sertão: veredas pode ser lido co-mo um “Retrato do Brasil”, Leo-nel e Segatto contestam a ideia de que o “sistema jagunço” repre-senta as estruturas atuais do país. Mas: será que os episódios do crime organizado em São Paulo e no Rio, o massacre do Carandiru ou o filme Tro-pa de elite não mostrariam – e na mais estridente atualidade – o “sistema jagunço” em ação?

Vamos ao capítulo “Formação da literatura e constituição do Estado nacional”, focando o gran-de livro de Antonio Candido, Formação da lite-ratura brasileira. Momentos decisivos [São Paulo, Martins Ed., 2 v., 2ª. ed.]: o intento dos autores é discutir e redefinir o marco histórico da literatura nacional: ela começaria a ser criada na década de 1830, com a constituição de um Estado nacional. “Se não havia país, Estado nacional, como poderia haver literatura brasileira”? – perguntam – para concluir: “Talvez fosse mais plausível afirmar que, até o século XVIII, o que havia era uma incipien-te produção literária colonial portuguesa e que, de meados desse século até as primeiras décadas do XIX, houve uma espécie de pré-história da literatura brasileira”. Contestam assim a tese da

um corpo a corpo com ideias de candido

ficção e ensaio. literatura e história no brasilMaria Célia leonel e José antonio segatto edufsCar 225 páginas, r$ 29,00

adélia bezerra de menezes

adélia bezerra de meneses é professora de teoria literária. aposentada, continua vinculada à pós-graduação da usp e unicamp. Dentre outros livros, é autora de Cores de Rosa. Ensaios sobre Guimarães Rosa (ateliê, 2011).

carreiras

94 | maio DE 2013

mais espaço para trabalharbiólogo de Nova york complementa pesquisa em são paulo

oportunidade | mercado

No final do ano passado, o cientista brasileiro Victor Nussenzweig convidou o biólogo chinês Min Zhang para fazer parte de sua pesquisa sobre as enzimas que controlam o crescimento do Plasmodium, o protozoário causador da malária, em São Paulo. Zhang, há cinco anos como pós-doutor no laboratório de Nussenzweig na Universidade de Nova York, viu no convite uma ótima oportunidade e disse sim de imediato. Ao lado de Nussenzweig, veio para São Paulo em janeiro e durante dois meses trabalhou no laboratório de Sérgio Schenkman na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Sou mais independente quando trabalho no Brasil”, diz Zhang. “Conheci muitos cientistas e estabeleci muitas colaborações.”

Ele conta que gostou das pessoas, do clima, da comida e da cidade, mas também viu a dificuldade de obter reagentes químicos para os experimentos. “O progresso foi menor do que teria sido nos Estados Unidos”, comenta.

“Min é muito simpático. Ele nos ensinou muito e seu trabalho teve um efeito fantástico no grupo”, diz Schenkman. Segundo ele, o convívio com Min mudou a atitude dos estudantes e dos outros pesquisadores: “Ele mostrou uma atitude profissional pragmática, com clareza de objetivo. Sabia exatamente o que queria fazer e por que fazer nos experimentos. A forma como planejava os experimentos e discutia os resultados não é muito comum em nossa cultura científica. O convívio com pessoas com

Nussenzweig e zhang: parceria com brasileiros

bagagens culturais diferentes pode trazer avanços significativos à ciência brasileira”.

Nussenzweig e Zhang trouxeram técnicas de análises de enzimas – principalmente as fosfatases e as quinases, envolvidas na síntese de proteínas – que permitiram a identificação de rotas bioquímicas comuns entre o Plasmodium e

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MerCaDO

de olho no consumidorpara fernando Martins, presidente da intel, o jovem profissional deve se atirar no mercado sem largar os estudos

Aos 48 anos, Fernando Martins é desde 2010 o presidente e diretor-geral, no Brasil, da Intel, a maior fabricante de chips do mundo. O caminho até a

presidência começou ainda nos anos 1980, no meio do curso de engenharia elétrica e de computação na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. “Fiz muitos estágios em empresas de setores diferentes, da têxtil à farmacêutica”, diz Martins. “Para quem pensava em trabalhar na indústria, como eu, é fundamental sair a campo cedo, ao mesmo tempo que se continua estudando.” Ele recomenda que já no terceiro ano do curso de graduação o aluno comece a procurar vaga como estagiário.

Recém-formado e já empregado, Martins conseguiu conciliar o trabalho de engenheiro com o mestrado. Seu interesse como pesquisador da área de informática sempre foi por mídia digital (processamento de imagens, computação gráfica e codificação de vídeo), o que o levou ao doutorado na Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. Lá trabalhou em projetos de codificação e transmissão de vídeos. “Eu estava em um dos maiores centros de inovação do mundo e comecei a ter ideias de como utilizar cada vez mais imagens digitais e vídeos na internet quando essa tecnologia mal estava engatinhando.”

Nesse período, meados dos anos 1990, teve o primeiro contato com a Intel. Em 1997 estava contratado. “Criamos tecnologias de compressão para conseguir reproduzir vídeos no computador via internet, o que possibilitou a criação de programas como Skype e YouTube.” Martins trabalhou por sete anos nos laboratórios até mudar de rumo na própria empresa.

Ele se transferiu para o setor de planejamento estratégico da Intel – passou a ser responsável pela escolha de tecnologias dos laboratórios que seriam relacionadas aos novos produtos da empresa – e começou a ver o consumidor de modo diferente. Planejar, segundo ele, exige uma ampla avaliação dos cenários disponíveis e algum futurismo para tentar saber o que vem pela frente.

Nos últimos anos, a Intel avaliou que o Brasil tem real possibilidade de se transformar em um importante centro de inovação – e Martins foi o escolhido para comandar a empresa no país. “Investiremos R$ 300 milhões em pesquisa e desenvolvimento em cinco anos com foco em software, educação, transporte e energia”, diz. “E trabalharemos com pesquisadores e técnicos do país.”

Com 40 artigos publicados e 24 patentes, Martins gosta mesmo é de ver o retorno dos usuários. “Transformar a vida das pessoas com alguma tecnologia que criamos é incomparável.” Para ele, o pesquisador que mira a indústria deve manter um olho no laboratório e outro nos desejos do consumidor.

o Trypanosoma cruzi, o protozoário causador da doença de Chagas, com que Schenkman já trabalhava.

Zhang tem 33 anos, fez graduação em biologia química na Universidade de Hubei, em Wuhan, e doutorado na Universidade de Fudan, em Xangai, ambas na China. Depois “teve várias oportunidades de ir para diferentes laboratórios nos Estados Unidos, mas “seu sonho era trabalhar com Victor”, conta Schenkman. Por isso, insistiu até conseguir. “O laboratório de Victor é um dos melhores do mundo em malária”, ele diz. A seu ver, obter financiamento nessa área é mais difícil, principalmente na atual crise econômica global, mas a pesquisa sobre doenças tropicais está ganhando importância diante das mudanças do clima, que vem ampliando as áreas geográficas de ocorrências dos insetos responsáveis por sua disseminação.

Sua vinda para São Paulo foi possível por meio de um projeto temático coordenado por Nussenzweig no âmbito do São Paulo Excellence Chairs (Spec), um programa-piloto da FAPESP que estabelece colaborações entre instituições do estado de São Paulo e pesquisadores brasileiros de alto nível radicados no exterior. Nussenzweig, aos 84 anos, está radicado nos Estados Unidos desde a década de 1960 – é professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo desde 1971. Ele e sua esposa, Ruth, se tornaram referência internacional na busca de vacinas e tratamentos contra a malária (ver Pesquisa FAPESP nº 106).

Zhang deve voltar a São Paulo em julho e talvez em dezembro para uma temporada de quatro meses. “Falar português ainda é um problema”, diz, mas estou planejando fazer um curso de português quando voltar ao Brasil”. fo

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1.1. Marca - Descrição

A marca da Fundação Banco do Brasil

é o conjunto formado pelo termo

Fundação composto com o alfabeto

Banco do Brasil, e o símbolo BB. A

marca é o principal elemento do

Sistema de Identidade Visual da

Fundação Banco do Brasil.

Por razões de proteção dos direitos

autorais e estratégia de comunicação,

a sua configuração não pode ser

alterada.

A marca da Fundação Banco do Brasil

está apresentada ao lado, em sua

variação 3D. A versão central 3D é a de

uso preferencial. Sua aplicação é

obrigatória em todos os materiais

impressos ou produzidos em

quadricromia, respeitando os limites de

redução. Para materiais impressos em

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de reprodução existem as demais

variações da marca.

1. Elementos Básicos

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ou por cópias xerográficas.

Para reprodução da

marca, utilizar

somente versões autorizadas.

Recomenda-se a utilização

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destina-se a impressos

bicolores, nas cores-padrão

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