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8/18/2019 Pesquisa Qualitativa Em Saúde Uma Introdução Ao Tema http://slidepdf.com/reader/full/pesquisa-qualitativa-em-saude-uma-introducao-ao-tema 1/66 V645p Víctora, Ceres Gomes Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao tema Ceres Gomes Víctora. Daniela Riva Knauth e Maria de Nazareth Agra Hassen . - Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000 . - 136 p . 1 /\iiltuµu:vo:..1 ; l ~ ljJ~: Pc ;qui:;r : ~ t ~ i ~ Pesquisa qualitativa e quantitativa . 2 Saúde: Pesquisa . 1 Knauth, Daniela Riva . . Hassen, Maria de Nazareth Agra. III . Título CDD 572.7072 Catalogaç ã o na publicação: Maria Lizete Gomes Mendes Bibliotecária : CRB 10/950 · 1 1 i 1 PESQIDS QU LIT TIV EM S ÚDE Uma íntrodução ao tema eres Gomes íctora Daníela Ríva Knauth María de Nazareth gra Hassen Colaboradores ]andyraM G Fachel joséRoberto Goldím Ondína Fachel Leal

Pesquisa Qualitativa Em Saúde Uma Introdução Ao Tema

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V645p Víctora, Ceres Gomes

Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao t emaCeres Gomes Víctora. Daniela Riva Knauth e Maria de NazarethAgra Hassen . - Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000 . - 136 p.

1 /\iiltuµu:vo:..1 ; l ~ l j J ~ :Pc ;qui:;r : ~ t ~ i ~

Pesquisa qualitativa e quantitativa . 2 Saúde: Pesquisa . 1 Knauth,Daniela Riva . . Hassen, Maria de Nazareth Agra. III . Título

CDD 572.7072

Catalogaç ão na publicação: Maria Lizete Gomes MendesBibliotecária : CRB 10/950

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PESQIDS QU LIT TIVEM S ÚDE

Uma íntrodução ao tema

eres Gomes íctora

Daníela Ríva Knauth

María de Nazareth gra Hassen

Colaboradores

]andyraM G Fachel

joséRobertoGoldím

Ondína Fachel Leal

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@ das autoras11 edição : 2000

Direitos reservados desta ediçãoTomo Editorial Ltda.

Capa Roberto Silva

Imagem d capaDois nus 1930,pintura a óleo .sobre t e l ~100 x 73 cm :Acervo Museu Lasar SegalVlPHAN/MinC - São Paulo)Lasar Segall, 1891 Vilna - 19S7São Paulo.

Cromo d imagem d capa Luis Hossaka

Diagramação Art & Layout - Assessoria e Produção Gráfica

Revisão TécnicaJanie Kiszewski Pacheco

RevisãoMoira

Impressão e acabamento Gráfica Pallotti

ApoioFundação Ford ePrograma de Apoio a Grupos Interdisciplinares da UFRGS

Tomo Editorial Ltda.Fone/fax: (51) 227 1021 E-mail : [email protected] .brRua Demétrio Ribeiro , 525 CEP 90010-310: P·orto Alegre/ASou Ca ixa Postal : 1029 Agência Centrâl 90001-970Porto Alegre/RS

umário

Introdução.. .......... ...................................... ...., .............................................9

CAPÍTULO 1

Corpo, aúde e Doençana Antropologia...............................................1.1 Introdução ............................................................................ ........... ...

1.2 A Antropologia e o estudo dooutro 12

1.3 O conceito de cultura e de representação social.. .............................13

1.4 Corpo, saúde e doença.. ...... ..............................................................15

1.5 Reprodução biológica e reprodução social ..................... ................... 16

1.6 Estrutura e funcionamento corporal..................................................17

1.7 Corpo e sociedade.........................: . ................................................. 20

1.8 Saúde e doença....... ........................................................ ..................20

Bibliografia Comentada........... ...................... .. .. ...........................................22

Bibliografia Referida...................................................................................... 23

CÂPÍTULO 2

Filosofiada Ciência corno apoio à compreensão da finalidadeda pesquisa científica............................ ............................... .....................25

2.1 Teoria do conhecimento............................................................... ...... 25

2.2 Filosofia da ciência............................................................................28 ·

Bibliografia Comentada.......... ......................................................................32

Bibliografia Referida...................................................... ...............................32

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CAPÍTULO 3 6.2.1 Observação participante ................. ............................... ..... 62

6.2.2 Entrevistas ............. ..................... ..................................... 64

6.2.3 Grupofo cal ......... .................. ....... .... . . .................. .... 65

6.2.4 História devida ............. ....... . .. .... ........ .................... 67

6.2.5 Rede de relações ......... ............... ............................. ..... . 68

6.2.6 Elaboração de desenhos .. ........................ .................. ..... 70

6.2.7 Classificação/ordenação de fqtos ou gravuras········· ···· ···:······· 716.2.8 Análise de documentos ............................ ................. : .. 71

6.3 Técnicas de registrode dados ......... ....... ...... ...................... ....... 7

Métodologiasqualitativa e quantitativa ........................................ ....... 33

3.1 Introdução ............. ..................... ........ ..................................... 333.2 é t o ~ o squalitativo e quantitativode pesquisaem saúde . .............. 373.3 Métodosqualitativoe quantitativo: complementaridade .................... 39

3.4 Métodos qualitativo e quantitativo: integração...... : .._....... ............. 41

3 s Rapid Assessment Pr ocedur es RAP ...... .....................................423.6 Consideraçõesfinais ............................ ............................................43

6.3.1 Diário de campo .............................................................. .. . 73

6.3.2 Síntese de dados ..................... ..... ........................... 73

6.4 Análisee interpretação dos resultados .... ............................. ...... 75

Bibliografia Comentada........... ....... ............................... .. ........... . ..... 44Bibliografia Referida .......... ................. ............. ..................................... 44

CAPÍTULO 4 Bibliografia Comentada .... . ........................ .................. ..... .. .. ...... 77

A Construção do Objeto de Pesquisa ....................................................45BibliografiaReferida... ................ .................. ..... ................ ... 78

4 1 Introdução ...... ............... ....... .................................... ............. 45

4.2 Tema e objeto de investigação ................................................ . .... 46CAPÍTULO 7

4.3 A construção do objeto....................... ........................ ... ............ 484.4 O universo empírico...... . ........... .......................... .. ...... .......50 Ética .... ............... ........ ... ........................ ................. .................... 79

7 1 Primeiras consid erações.................................................................... 79

7.2 Ética não é apenas uma questão desigilo ......................................... 81

7 3 O Consentimento In formado e a sua utilização em pesquisaJo sé R.oberto Goldim ) . .................................... ...... ............ 82

Bibliografia Comentada ................ ................. ...... ................................. 52Bibliografia Referida........... ...................... . ........................ . .............. 52

CAPÍTULO 5 Referências Bibliográficas .... .................................. ......... .....................87

Bibliografi a Comentada ............................. .. ... ........ ........... .............. 88

Filme Recomendado........................................... ............... .. . ........ .. 89étodo Etnográfico de Pesquisa .............. .......................................... 535.1 Introdução................... ......................... .. ................ ...... ............535.2 De etnografia e etnógrafos........... .. ........... .................... ........ 535.3 Problemas práti cos oo trabalho de campo......... ............: ............... 55

CAPÍTULO 8

Bibliografia Comentada ....... .. ................ ............. ..... ...........................59Bibliografia Referida ............ .............. .. ....... ............... ....................... 59

Tratamentos de Dados Qualitativos ........................ .... .............. 918 1 Alguns exemplos..... ........................ ............... . ...... .............. 93

8.1.l A banalizaçãoda Aids . ..... ................... .... ........................ 93

8.1.2 Os homens e a concepção do aparelhoreprodutorfeminino.. . ...... .. ... ... ............ . ....... ...... 99

APÍTUL0 .6

8.2 Dados qualitativos etratamentoestatístico:Uma proposta metodológicaOndina Fach el Leal , Jandyra M G. Fa chel . .... ................. 10 3

Técnicas de pesquisa ........................ ... . ............................... ... . . 61

6.1 Introdução ................................ ................... . .. ........... ............. 61

6.2 Técnicas de coleta de dados..................... .......... ...... ..... . ......... 61

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Notas ......... ....... .......... .................... ... .......... . .................. ........ 121

Referências Bibliográficas . . ............................... .. ......... ............ . 123

CAPÍTULO 9

Indicadores de Qualidaded Pesquisa Qualitativa .......................... 123

APÊNDICES

ApêndiceI: Planejamento de pesquisa........................ ..... ...... ... . ... 127

Apêndice II: Projeto de Pesquisa - itens principais................................ 128

Apêndice III: Sugestões bibliográficas sobre redação técnica .... ............. 131

ApêndiceIV: Relatório de Pesquisa - itens principais ......... .... ·:········ ··· 133

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ntrodução

A idéia deste livro foi motivada pela primeira edição do Curso de Metodologiade Pesquisa Qualitativaem Saúde, ocorrido de abril ajunho de 1997 naUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, promovido pelo Departamento deMedicina Social da Faculdade de Medicina e pelo Departamento de Antropologi do Institutode Filosofia e Ciências Humanas. O curso foi pensado comoum forma de atenderà demanda crescentepor parte de pesquisadores devárias áreasque buscavam, no Núcleo de Pesquisaem Antropologia do Corpoe d Saúde, NUPACS, alternativas metodológicas que permitissemum abord gem qualitativan pesquisaem saúde. A procurapor inscrições superouimensamente a oferta de vagas, e a lista de espera para uma segunda e terceiraedições veio a confirmar mais claramente a procura crescentepor um metodologia de pesquisa que desse conta das especificidades das questões de saúdeque não eram apropriadamente mensuráveisem termos quantitativos.

Elaboramos, assim,um progr m de curso bastante amploque visavatratard metodologia qualitativa voltada para projetos de pesquisaem saúde,c:om a caract eríst icade não se apresentarcomo um apanhadode técnicas depesquisa qualitativa a serem meramente aplicadas dentro de projetosjá concebidos mediante metodologias mais tradicionais nessa área. Importava queos participantesdo curso entendessem e soubessem operacionalizar algunsconceitos e princípiosque norteiamesse tipo de metodologia, enraizada naAntropologia Social e, mais recentemente, atualizada dentro da AntropologiaMédica.

Optamospor publicar parte do conteúdo desenvolvido nas aulasn formade um introdução ao temad pesquisa qualitativaem saúde. Isso se justificaanteà grande carência de publicações básicas sobre o tema. Sabemos que ocorpo, as úde e a doença são objeto de diferentes áreas de investigação/intervenção e, por isso, dirigimos esta publicação a novos pesquisadores daárea de s úde , para que possam iniciar um programa de.estudos, antes departirem propriamente para a realização de um projeto de pesquisa.Para tanto,

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cada capítulo deste livro objetiva darum tratamento básicoa uma questãopertinente à metodologia qualitativa evem acompanhadode indicaçõesde leitura que podem ajudarno aprofundamentodas questõesde pesquisa.

Finalmente, gostaríamos de ressaltardois pontos quenos parecem fundamentais: o primeiro é que, assim como o curso, o livronão apresenta umafórmula mágicaou um caráterde manual,do qual possam ser extraídas algumas técnicas a serem aplicadas em projetosde pesquisaá çxistentes. Emboratratemosde técnicasde pesquisa, este éum livro que visa fotroduzir concepções quenorteiam a pesquisa qualitativana áreade saúde, apontando o estreitovínculo existente entre teoria e metodologia. O livroapresenta,de início, umaintroduçãoàAntropologia,uma vez que entendemos que éapartir daí queseconcebe a abordagem qualitativa das questõesde saúde.

O segundo ponto é que o fatode valorizarmos, neste livro,as possibilidadesda metodologia qualitativa em projetosde pesquisa em saúde não implica u.ma desvalorização·da metodologia quantitativa, como seum tipodemetodologiase construísseem oposiçãoao outro. Entendemos queos recursos disponíveis paraestudaros fenômenos corporaise/oude saúde são múltiplos enão necessariamente excludentes. Nessesentido,o livro busca demonstrar queas metodologias quantitativa e qualitativa em projetosde pesquisa em saúde podem sero m p l ~ m e n t a r e s ,na medidaemque respondemaq u e s t ~ e sdiferentes, permitindo assim a visualizaçãode vários prismas relativos ao problema estudado.Um trabalhode pesquisa competente precisa darcontada complexidade da área que envolve o corpo,a saúde e a doença,contemplandosuas diversas dimensões:epidemiológica,médica, religiosa,socialecultural.

Gostaríamos deagradecer àFundação Forde àUniversidade Federaldo Rio Grandedo Sul que, pormeio do Programade Apoio a Grupos Interdisciplinares, apoiaramestaobra. Agradecemosespecialmenteaos colegas quecolaboraram rninistràndo aulasno curso, ZulmirnBorges,João Trois, HelenGonçalves e Francisco Arsegode Oliveira,e tambémaos colaboradores deste livro,JandyraM. G. Leal e OndinaF. Leal, queapresentamuma pesquisaem quefoi aplicadotratamentoestatístico adados qualitativos, e José Roberto Goldim,queanalisao instrumentoconsentimento inform do comoumrecursode controle éticosobreapesquisa.Estamos gratas tambéma MarceloMattos Araújo, diretordo Museu Lasar Segall, pela cessãoda imagemda capa.

Agradecemos aindaao grupode professores ealunos vinculadosao Departamentode Antropologia,ao Departamentode Medicina Sociale ao Programade Pós-Graduaçãoem AntropologiaSocial/UFRGS,que ao apoiarem arealizaçãodo Curso de Metodologiade Pesquisa Qualitativaem Saúde,ajudaram a construireste volume.Em especial, aOndinaFachelLeal, pela motivação eorientaçãonas diversas etapasdas nossas trajetórias.

1

1.1 Introdução

Corpo Saúde e oençana Antropologia

oconhecimento sobreas questões referentes asaúdee doença,em nos-sa sociedade,tem sido tradicionalmenterelegado ao domíniodas Ciências Bio-lógicas biologia, patologia, medicina,etc).Essas ciênciassão pautadaspeloprincípioda universalidadeebuscam assim identificar e explicaros elementoscomuns aos organismos individuaiseàs diversas sociedades.Entretanto,quan-

do o que queremos destacaré a diversidade, essasciênciasnão conseguemexplicarinúmeros fatorescolocados pelas concepçõesde saúde,doença,nor-malidade eanormalidade,nas quaisse destacamadiversidade e a diferença.Éinegável o fatode que o corpo humano possui uma anatomia e uma fisiologiauniversais, mas por outro lado,amaneira comoas diferentes sociedadescon-cebem ocorpo,os cuidadosque dispensam a ele, os limites que estabelecementreo interno e oexterno, entreonormal e oanormal,bem como as maneirase as regrasquecada ~ c i e d a d eestabelece pâraa utilizaçãodo corposão extremamentevariadas. E buscando compreenderessadiversidadeque as Ciências Sociais,em especial, aAntropologia,tomam como objetode estudo ocor-po,a saúde e adoença.

Aperspectivaantropológicanão nega o caráter universalde certosfenô-menos biológicos,mas procura entender osignificado específicoqueessesfe-

nômenos assumemnuma dada sociedade,visto queos registrosde normalidade e anormalidade são, antesde tudo, determinadosa partirde valores. Abusca desse relativismoeda singularidadedos grupossociaistem por pressupostoqueo real só podeser apreendidoapartirda ordem simbólica,ou seja,éo simbólicoque,atravésdos sistemasde classificação ede sentido, defineoreal. A realidadeé entendida,assim,comouma construção socialna qual of to concreto - adoença, porexemplo-só existe apartirda ordem simbólica,isto é, só existese naquela sociedadeelafor passívelde serpensadacomo talcomo anormalidade.

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. No nível epistemológico,essa concepção da realidadesupõe uma racionalidade hermenêutica enão determinista:Em outras palavras, buscam-se.ªcompreensão e o sentidodos fenômenos sociais, sendoque o papel do pesqmsador _ 0 de interpretaresses fenômenos e não simplesmente constatar sua

existência.

1.2 A Antropologia e o estudo dooutro

A Antropologiapode ser definida como a ciência que estuda o outro ,sendo que esse outro foi definido e redefinido das mais diversas formas aolongoda história da própri a disciplina.Pois a definição dooutro é s e m p r ~relativa, isto é, dependeda posição onde se coloca o eu (ou nós . Nesse sentido, ahistória da Antropologiapode ser vista, segundoDa Matta,como o modo peloqualos homens perceberam suas diferenças aolongo de um dado período detempo (1984, p. 87). ·

A históriada Antropologiaestá intimamente e l a c i o ~ a d aà colonizaçãoeuropéia, pois ério conhecimento do Novo Mundo e das índias que se cons

tata a eicistência de sociedadescompletamente diferentesda sociedade européia.No século XIX,concebia-se a existência,de um lado,da ~ c i e d a d ee ~ r ~ -

péia - civilizada, cristã,desenvolvida- e, de outro, daquelas sociedadespr m

tivas - arcaicas, atrasadas, selvagens. ·O outro passa aser definido, dessa forma,como o primitivo, o selvagem,

e a Antropologiasurge como a disciplinaque estuda essassociedades primi-tivas .Tal definição dooutro só é repensadaquando se começa a constatarqueas chamadas sociedades primitivas estavam em vias de extinção - seja pelaassimilação ou pela destruição - eque a disciplina necessitava redefinir seucampo de investigação. Assim,s p e ~ i a l m e n t enos paíseseuropeus-que tradicionalmente estudavam suascolônias- iniciou-seuma discussão,cujo augeocorreu nas décadasde 70/80,quando se tratouda possibilidade de fazer Antropologiachez ·soi, como dizem os franceses, isto é, em casa, na sua própria

sociedade.Já nos países periféricos, taiscomo o Brasil, essa discussão nãoteve grande repercussãona medida em que , seja pela falta de recursosdepesquisa , seja pelo fatode sermos considerados exóticos , a Antropologia jánasce estudando nossa própria sociedade, e a passagem do estudo das populações indígenas para o estudo de grupos específicos, tanto nazona ruralcomoÚi-banafoi realizadasem grandes questionamentos.

. Essa discussão, oucrise e obj e to , trouxeum saldo bastante positivo poise ~ p l i c i t o uque o que caracterizade fato a disciplinanão é o estudo das socie-dades exóticas, mas sim o estudo da alteridade, isto é, da diferença. Eessaestá presente tambémna nossa própriasociedade que , apesarde uma mesma

lfngua, apresenta grupos com valores e visõesde mundo bem p f 1 sdiferentes. O outro passa a ser definido,assim, a par tirde suas espccificidadsociais e culturais e não, mais apartir da dist ância geogr áfica e social que osepara do pesquisador. Eum outro cada vez mais próximo, qu e com partilhamuitos dos valores, hábitos e costumesdo próprio pesquisador. Se antes adis

tância entre o pesquisad0r e ooutro era uma distância geográfica, liniüística ecultural, hoje essa distância é muito mais tênue,podendo ser social, de gênero,de cultura ou, simplesmente,uma distância produzida pela formade olharmos ooutro oµ a nós mesmos.· ·

A Antropologiase estabelece, assim,como a ciênciaque estudao ou tro

em análises mic ros sociais.Está preocupada em buscar a especificidade apartirdo estudo da diferença e em-relativizar os conceitos e os valores dapr ópriasociedade do pesquisadorem confrontocom os conceitos e valores da sociedade estudada . Issonão significaque os estudos antropológicos nãotenham aambiçãode propor modelos explicativos maisgerais-o estruturalismo, a grande teoria social deste século,·é oexemplo disso-mas implica que esses modelos geraisdevem partir doestudo das especificidades locais, das diferençaseda comparação entre diferentes sociedadesou grupos sociais. Ees tão, dessaforma, sempre sujeitos a questionamentos e a contestações.É nessa relação estreita entre teoria e pesquisade campo qu e reside a

• originalidade da Antropologia e su a capacidade auto-reflexiva.As hipóteses teóricas, os referenciais explicativos são constante mente postosem chequee reformulados peló trabalho de campo, da mesma forma que o·estudo de novas realidades pode trazer a releitura e a redescoberta das etnografias clássicas. Assim,como afirmaPeirano (1995, p. 22), a antropologia nãose reproduz como umaciência riormal de paradigmas estabelecidos,maspor uma determinadamaneirade vincular teoria-e-pesquisa, de modo a favorecer novas descobertas . Dissodecorre, segundo a mesma autora,que nãohá lugar para crise enquanto houverpesquisa nova e reflexão teórica correspondente (1995,p.23).

1.3 O conceito de cultura e de representação socialUm instrumento fundamentalda Antropologia para estudar o out ro é o

conceitode cultura, que expressaá forma como a diferença é pensadae comoé concebido o outro . Esse conceitose modificouc m a própria história dadisciplina. Se, primeiramente, a cultt:ira foi vista c omo uma forma de expressãodas necessidaqes biológicasdo homem(proposta evoiucionista), atualmenteéconsenso entr e os antropólogosque a culturadeve ser entendida como o conjunto de regras que orienta edá significado às práticaseàvisãode mundo deum deterininado grupo social.

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14 CORPO SAÚDE EDOENÇANA AITTROPOLOGIA

A cultura é tomada, assim, por seu caráter simbólico.Elaé a forma quedeterminadogrupo social estabelecepara classificaras coisas e atribuir-lhesum significado.E, nessa conc.epção,a cultura é sempre arbitrária, pois cada~ p ipodeatribuirum significadodiferenteaummesmoobjetoou fenômeno.E urna espéciede códigoqueum determinadogrupo compartilha, sendo queasdiferentesdimensõesda cultura se encontram logicamente entrelaçadas e com-põem este códigoqueé a própria cultura. · .

Por i m ~cultura pode ser entendida como alente atravésda qual vemose damos sentidoao mundo social. Retomandoas palavrasde Geertz (1989, p.15 e ss.), cultura éa teia de significados que o homem teceu, a partir da qualele olha omundo eondese encontra·preso.

Outroconceito queorienta grande partedas análises antropológicasé ode representação social. É através desse conceito que podemos estabelecera especificidadedo social em contraposiçãoao individual. O conceitode representaç ão socialtem sua origem em Durkheim, segundo o qual a forma·dosindivíduos pensarem e agirem é determinada pelo social. Esse autor salientaqueas representações coletivas não são a simples soma das representaçõesindividuais, pois essas se elaboram a partir de um certo consenso social quelhes é anterior.Énesse sentido que, para Durkheim, a tradicional dicotomia

indivíduo/sociedade é falsa, uma vez queas categorias fundamentaisdo pensamento sãode origemsocial. Segundo esse autor,é impossível dissociaros indivíduosda sociedadena qual eles estão inseridos,da mesma forma queé impossível conceberuma sociedade sem que essa se manifeste atravésde indivíduosconcretos.

Os conceitos são representações coletivas. Se eles são comuns a um gruposocial inteiro,não é que representem uma simples média entre as representaçõesindividuàis correspondentes(. . , em realidade, estão carregados de um saber queultrapassa odo indivíduo médio. Eles não são abstrações que só teriam realidadenas consciências particulares, mas representações tão concretas quanto as que oindivíduo pode ter de seu meio pessoal, representações que corresponde111àmaneira como esse ser especial, que é a sociedade, pensa as coisas de tal experiência própria (Durkheim, 1996, p. 483).

As representações sociais podem ser entendidas, assim, como formasdeconhecimento socialmente elaboradas e partilhadas que possuemfins práticose concorremàconstruçãode lima realidade comum aum grupo social (Jodelet,1989).É importante salientar queas representaÇões sociais não são merasabstrações, elas funcionam também como orientadoras das práticas sociais.Podemos pensaras representações sociais como aquilo queas diferentesopiniões individuaistêm em comum, alógicaque lhes une e queécompartilhada

ll .

PESQUISA QUALITATIVAM SAÚDE 15

portodo um grupo social deformamais ou menos estável.Éuma interpretaçãoque se organiza em estreita relação com o social~ q u ese toma,paraaqueles

· quedela compartilham,a realidade ela mesma. E própriodarepresentaçãosocialnãosepensarcomo tal,vistoque, para aqueles que a compartilham, elaé a própria realidade.

1.4 Corpo, saúde edoença

No Ocidente, a tradição filosófico-religiosa de separação entre alma ecorpo, reforçadapeloracionalismo cartesiano, impôs uma separaçãoem termos p conhecimento produzido sobreum ou outro domínio.Assim,na nossasociedade, o corpo é visto como pertencendoao domíniodo conhecimentoobjetivoe, portanto,objeto de estudodas ciências biomédicas, enquanto quea alma, a mente e/ou o psiquismo são relegados à ordem da subjetividade evistos como objeto da religião, psicologia e psicanálise.Mas essa dicotomianão é apenas analítica,ela implica também uma valorização diferenciadades-ses dois domínios, sendo que o domíniodo corpoé, sem dúvida, omais valorizado.É a materialidadedo corpo que configura sua realidade, sua verdade.

Como conseqüência, tudo aquilo que não pode ser materializado, quantificado, isolado e universalizado da mesma forma é tido comosubjetivo istoé,como tendo uma existência circunscritaao domíniodo pensamentoe, portanto, não se constituindo numa realidadee fato .

Essa concepçãodicotômicaentre corpo/menteou corpo/àlmaou físico/moral direciona a análiseda realidade material - o corpo-como indepenqentedas representações sociais - domínio da subjetividade. A universalidadedocorpo é a premissa básica dessa análise.A diversidadeépercebidasob o prisma do patológico,da ignorância do atraso cultural do desvio,etc.

Na áreadas ciênciashumanas, inúmeros trabalhos, especialmenteaquelesde cunho mais antropológico e histórico, têm demonstrado que cada sociedadeou grupo social apresenta formas bastante específicas de conceber e relacionar-se como.corpo. MarcelMaussfoi um dos primeiros autores achamaratenção para a importância do quedenominoutécnicas corporais ou seja,as maneira s como os homens sociedade por sociedade e de maneiratradicional sabem servir-se e seus corpos (1974, p. 211).

A constatação desta variabilidade de concepções e tratamentos dispensadosao corponos permite relativizaros próprios parâmetros adotadospor nossa sociedade, considerados por nós como a forma universal e/oucorreta de pensar e agir sobre o corpo. Atesta, dessa forma, o caráterarbitrário doquetemospornatural . E importante salientar que a difusãodo saber médico, verificada, sobretudono séculoXX, contribuiude maneira

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i •

I1.

decisiva para cs a natu ralizaç o euniversali zaçãq da definição de corpoocidental. '

Em várias sociedades; pr .incipalmente naquelas chamadasprimi-tivas a separação entre corpo e alma é inexiste nte: o corpo é tidocomoum dos elementos constitutivos dapessoa. Os atributos sociais e espirituais do indivíduo são inseparáveis do seu corpo físico. Tambémna nossaprópria sociedade existem grupos sociais qu e concebeip relações bastan-·te.estreitas entre o corpo e a mente, ouentre o físico'e o moral,comodemonstrou Duarte(1986). Segundo o autor, para os membros das classes t r a b a l h a d o r a ~o corpo é pensadocomo uma realidade físico-moral,na qualas desordens deordem física podem ocasionar perturbações morais e vice-versa. Para essas sociedades e grupos sociais, o corpo desempenha um papel ativo na construção da pess oa e na determinação da identidade social: ele é maisuma determinação coletiva do que individual.Essa' perspectiva difere radical mente das co ncepções vigentes na sociedade ocidental moderna para as quais o corpo se configuranuma realidade individual e autônoma.

1.5 Reprodução biológica ereprodução social

A reprodução é um domínio privilegiado pa ra a visualização desta conjunção de concepções biológicas e sociais acionadas pela cultura, visto queela implica não apenas a continuidade da espécie, mas também da própriasociedade. Assim, todas as sociedadeselaboram um conhecimento paraexplicar corno e quando se formaum novo ser, o que esse "herda" dos paisbiológicos, dos ancestrais e, por vezes, do próprio mundo natural e sobrenatural.

Dessa forma, para várias sociedades africanas,por exemplo, a criança éa reencarnação deum ancestral, recebendo desse·determinadas características físicas e psíquicas. Para outras, ela é reencarnação de determinados espíritos do mundo animal, o que explica seus comportamentos futuros.É tambémcomum, em algumas sociedades, bem como ent re certos grupos sociais danossa própria sociedade, que determinadas crianças sejam consideradas comoreencarnação de outrasquejá morreram.

A concepção dehereditariedade contempla, assim, tanto os aspectos de ordem física como aqueles deordemsocial, isto.é, as criançasher-dam dos pais biológicos e ancestrais (reais, sociais ou espirituais) carac terísticas físicas e morais, bem como posições políticas e sociais. Um casobastante próximo de nós, que demonstra de forma exemplar essa imbricação, sãoas noções referentes ao sangue -sangue ruim sangue fraco ou

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o sa ngu e p u a - qu xp1 : . ~1 1 i 1 i 1 ô 1u sangue funciona não

apenas como veícul o privilc íud d· rw m 1s a o da onsangüinidade, mas·expl,ica também certos comportarn ent d indivfd uos, inse rindo os dentrode um grupo social mais amploque, em geral, é a própriafamília consangüínea.

A reprodução aciona ainda todo umconjunto de saberes referentesàprópria formação da criança eàs influências que essa sofre do meio externo. E aqui as concepções sobre os fluidos corporais, em especia) sobresangue, esperma e leite matemo, são fundamentais. Entre alguns gruposafricanos, como no caso dos Sarno da Costa do Marfim, existe a idéia deque o esperma se transforma em sangue dentro do corpo da mulher, fornecendo o " sopro vital" para o desenvolvimento do feto, enquanto que o sangue matemo e r ~utilizado para a fabricação·do corpodo bebê, inclusive deseu esqueleto. E a partir da concepção da função desempenhada pelosfluidos corporais que diversas sociedades sus tentam a importância da manutenção da atividade sexual durante a gravidez, pois dela dependerá opróprio desenvolviment() do bebê.

Também bastante comuns sãoas crenças relativas à influência domeio ambiente sobre o feto. Cada sociedade estabelece, assim, um conjunto de regras para otratamento da gestante, tanto em termos do queessa deve ou nãocomer e fazer, comoem termos doscuidados que aspessoasque a cercam devem observar. Na nossa própria sociedade, éfreqüente a idéia deque a gestante sentedesejos por vezes exóticos, eque esses de vem ser satisfeitos sob pena de a criança sofrer algum danofísico. Há ainda a idéia, reforçada pelo próprio discurso médico e psicológico, deque as incomodações a que a mulher for submetida durante agestação se refletirão sobre o comportamento do bebêou poderão mesmo interferir no curso da gestação.

1.6 Estrutura e funcionamentocorporal

A variabilidade dó corpo pode ser obse rvada também pelo conhecimento anatômico que cada sociedade ou grupo social elabora. Esses saberes se referem à estrutura externa e interna do corpo, a seu funcionamentoe a relações estabelecidas entre órgãos e sistemas,no nível interno, e, no

nível externo, entre entradas e saídas dos fluidos corporais e de elementosexternos.

As concepções do que é interior e exteriorao corpo, isto é, dos limitescorporais variam significativamente de sociedade para sociedade.Se aparentemente o corpo é delimitado por suas fronteiras externas, a própria medicina já

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admite umacerta continuidade desse corpo através de qualquer material quecarregue oDNA do indivíduo. Por outro lado, para'várias sociedades, umaparte retiradado corpo deum indivíduo continua, num certo sentido, a fazerparte e l e ~ visto possuir o poder de produzir, diretamente, efeitos sobre seuproprietário.Essa concepção orienta uma série de rituais mágicos que utilizapartes fios de cabelo,unhas, secreções) do indivíduo para produzir sobre esse

o efeitodesejado.Aprópria imagemdo corpo-registrada, por exemplo, através de uma fotografiaé vista por diversos grupos sociais como diretamel}tevinculadaao indivíduoe, portanto, capazde exercer influência sobre ele. E ocasode certos rituais de curanos quais opaciente está presente, muitas vezes,somenteatravés de sua imagem (fotografia).

A questão dos-limites corporais deve ser inserida na totalidade das concepções sociais. püis está diretamente relacionadaaos valores da sociedadeougrupo emquestão. Assim, por-exemplo, naquelas sociedades em que a maternidâde éum valor estruturante da própria organização social,as distinções entre o corpo damãe e o da criança podem ser bastante tênues. Isso pode serobservado emvários grupos indígenas e africanos pelo fatode o bebê ser car-·regado juntoao corpoda mãe e pela presença desse em praticamente todasasatividadesdesenvolvidaspelamulher.

O estudode Víctora(1996),que toma o corpocomo objeto privilegiado deanálise, demonstra como as categorias de tempo e d e espaço, bem co mo a composiçãoda unidade doméstica e as relações de gênero são fundamentais na compreensãode como as pessoas pensam e experenciam seu corpo. A autora analisa,assim, comparativamente um grupo de mulheres britânicas pertencentes àsdas-ses médias e trabalhadoras e um grupo de baixa renda do sul do Brasil, mostrandocomo esses dois grupos possuem diferentes concepções a respeito dos limitescorporais e do sistema reprodutivo. Segundo Víctora, a maior ou menor fluidez/rigidez da organização espacial eda percepção do tempo observada nos doisgrupos estudados em relação ao espaço vivido pode ser tomada como uma dasformas pelas quais as pessoas vivenciam suas expe riências corpor ais.s ~ i mnosgrupos de baixa renda do Brasil,em que a organização espacial e o temposão

concebidosc0010 mais flexíveis, há uma noção mais fluida dos órgãos e sistemascorporais, concebendo a possibilidade da mudança espacial dos órgãosou mesmo a possibilidade de órgãos sere m"despertados" apartir de determinadas situações corporais, como é o·casoda mãe do corpo"- um "órgão" que, segundo ogrupo estudado, todas as mulheres possuem, mas quese manifesta somente noperíodo da gestação e puerpério, a fim de"fazercompanhia" para o bebê que estáaindadentro da barriga da mãe. Emcontraposição,no grupo inglês, no qual existeuma maior rigidez na organização espacial e um tem po mais regular, o modelo d ecorpo preconizado pela biomedicina, que conceb e órgãos fixos e organizado semsistemas, é melhor"assimilado".

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PESQUISAQU LIT TIV M SAÚDE 19

Essas experiências de tempo e espaço, queimplicamnoções de privacidadee individualidade, aparecem relacionadasainda coma concepção ques diferentes gn1pos possuem a respeito dos limitescorporais. A autora sugere que asfreqüentes menções sobre experiências de estupro no grupo de informantes inglesas (embora pergunta a respeito jamáis tenhasido colocada) e a recusa deamamentarem função dos o'lhares alheiosstaring) decorrem de uma peréepção

mais rígida dos limites corporais e d a associaÇão do corpo individual com o corpofísico,no sentido de que tocar/invadir oc ~ r p ofísico corresponde a tocar/in:-'adira própria pessoa.É desse modo que Víctoraafirmaque grupos onde há a prevalência da noção de corpo privado, as idéias biomédicassobre corpo são maisconsistentes,ou seja, fazem sentido para og r ~ p o

O corpo é pensado também emseu funcionamento, tantono que se refereaos canaisde comunicação internos entreos diferentes órgãos e sistemas easinfluências externas que afetam esse funcionamento, comoem termos dos di- ·ferentes movimentos e fluxos seguidos pelos fluidos corporais.Éa partirdeumaconcepçãoespecífica sobre o funcionamento corporalque, para determinadassociedades,a obstruçãodo caminho tido como normal de determinadofluido- tal como o sangue menstrualou o esperma- é vista como nefasta,podendo ocasionar complicações em outras partesdo organismo -como cabeçaou nervos Quemnão ouviu falar sobreos sintomas provocados pelab s t i ~

nência sexual (especialmente masculina)ou ainda sobreos casosde pessoasqueenlouqueceram em virtudede uma obstruçãoda menstruação ocasionadapor certas práticas, como lavar o cabeloou andar descalça? Esses casos, embora possam parecer caricaturais, expressam uma concepção específicadofuncionamento corporal.

A concepçãodo funcionamento corporal dominantenas sociedadesocidentais é muito diferente daquela presentenas sociedades orientais. Enquantoas primeiras vêem o corpo a partir deum modelo biomecânico,as_segundas concebem o corpo a partir deum paradigma bioenergético (Luz,1995). A concepção do corpo como uma espécie de máquina,no qualaspartes que não funcionam podem ser substitu ídas- através de implantes etransplantes -(Helman, 1994)só é possível numa sociedade que privilegiaos aspectos físicos, em detrimento daqueles de ordem social, moralou espiritual.As sociedades ocidentais que aderemao paradigma bioenergéticoacreditam que o corpo não é apenas formadode matéria,mas tam_ém deenergia e que, portanto,um desequilíbrio emum destd domínios levaaimplicaçõesno outro. Neste sentido,as concepçõessobreo funcionamentocorporal determinamos tipos de.recursos e práticas de curaaceitas emcadasociedade.

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Osestudos de Víctora ( 1995) e Leal ( 1995) , buscarido compreender o ente .ndimento que mulheres de grupo popular tinham do período fértil, constataram asobreposição entre período fértil e período menstrual. Segundo as autoras , e s s ~

concepção se apóia na idéia que as mulheres possuem sobre o funcion ·amento docorpo. A lógica utilizada é a dos movimentos de "abrir" e "fechar" e das qua lidadesde calor e umidade do sangue menstrual. É u r ~ n t eo p e ~ í o d omenstrual que .ocorpo feminino se abre" para permitir a saída do sangue menstrual e é tambémnesse período que o corpo está "quente" e "úmido", reunindo , assim, todos osdementos tidos como importantes para a fecundação . A "entrada" aberta e o ambiente adequado fazem com que o período menstrual seja concebido , na perspectiva das mulheres, como o período de maior fertilidade da mulher .

1.7· Corpo e sociedade

Cada sociedade ou cada grupo social imprime marcas em seus membros •tanto através deinscrições físicas (tatuagens, circuncisões, modelamento dedeterminada parte docorpo, etc.), ,como estéticas (roupas , c e ~ s ó r i o se -

portamentais (forma de andar, sentar, repousar, etc .).O pertenc1mentoo c i a l ~ ·

dessa forma, corporalmente inscrito, podendo ser identificado pelos demais~ e m b r o sdaquela sociedade. Essas marcas corporais podem corresponder adiferentes situações - como classe social, faixa etária, etnia, posição social,etc. -e, nesse sentido , indicam estados passageiros oupermanentes dos indivíduos.

A sociedade inscreve também .suas marcas no indivíduo em termos degestos e movimentos. Foi Mauss quem primeiro apontou, como já mencionamos,o quanto osmovimentos docorpo variam segundo a educação recebida ea sociedade à qual pertence o indivíduo. Nessa perspectiva, os gestos e osmovimentos deixam de ser percebidos como naturais e passam a ser vistoscomo socialmente aprendidos. O natural é,assim, o que cada sociedade estabelece como tal. Para visualizar esta determinação social das técnicas êorpo-

rais basta contrastarmos nossa forma de repouso - sent(lda oudeitada - comaquela adotada por sociedades indígenas, africanas e mexicana s - a posição decócoras (Bastide,1983).

1.8 Saúde e doença

Partindo dopressuposto de que o real é sempre mediado pelo simbólico,podemos considerar que a saúde e a doença possuem uma realidade indepen-

l . UI A UALI l A1IVA •M AÚD 21

dente de sua definição biomédica, pois são objetos derepresentações e trata.mentos específicos em cada cultura. Independente dofenômeno biológico, adoença pode ser vista como um fenômeno social, namedida emque sópodeser pensada como taldentro de um sistema simbólico que lhe defin e, confer e-lhe sentido e estabelece os tratamentos .a serem adotados. Além disso , a doença, apesar de ser um acontecimento individual, mobiliza umconjuntode relações sociais. É nesse sentido que, segundo Augé ( 1986), a doença é ur objetoprivilegiado deinvestigação, pois coloca em relação, aomesmo tempo,o ioló-gico e o social, o individual e o coletivo.

Diversos estudos antropológicos e históricos já demonstraram que, emdiferentes sociedades, a doença exige uma explicação não apenas de suascausas naturais mas também de sentido. Ou seja, ela exige uma resposta aquestões dotipo "por que eu"? e "por que agora"?

Mas as representações de saúde e doença de uma dada cultura somenteassumem sentido quando relacionadas aocontexto maisamplo noqual seinse-rem. Eles part icipam da visão de mundo daquele grupo e é em relação a essaque elas adquirem coerência e que sua lógica se revela. Aopensar sobre saúdee doença, os indivíduos estão pensando sua relação com osoutros, com aso

ciedade, com a natureza e com o mundo sobrenatural. Como afirma Herzlich,''por ser umevento que ameaça oumodifica, à vezes irremediavelmente, nos·sa vida individual, nossainserção sociale,portanto, o equilíbrio coletivo,a doen-ça engendra sempre a necessidade de discurso , a necessidade de uma interpretação complexa e contínua da sociedade inteira" ( 1991, p. 33).

Buscando analisar as diferentes perspectivas que a doença assume nasociedade contemporânea, alguns autores utilizam a distinção, estabelecida porFabrega ( 1971 ),entre disease e illness à qual se acrescenta, ainda, a partir deYoung (1982), umterceiro termo, sickness. A palavra disease é utilizada parareferir os estados orgânicos e funcionais, ou seja, a doença tal como ela éidentificada pelo modelo biomédico . Já illnessremete à percepção que o indivíduo possui de seu estado, é a perspectiva leiga sobre o fenômeno, refere-se asituação de doença noseu sentido mais amplo. Por fim,sickness situa-se entrea concepção biomédica e a leiga, é uma espécie de consenso negociado entreosdois modelos. Detoda a forma, é a concepção sócio-cultural da doença quevaidetêrminar asescolhas terapêuticas possíveis para a situação.

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Bibliografia Comentada

UCHÔA,E VIDAL;J. M. "Antropologia Médica: Elementos ConceituaiseMetodológicospara uma Abordagemda Saúde eda Doença ';Cadernos de Saúde Pública,10(4), out/dez1994.Este artigo salienta inicialmenteque as noçõesde saúde e doença referem-se a

fenômenos complexos, aomesmo tempo biológicos, sociológicos, econômicos, ambi·entais e culturais. Nesse sentido, importa discutir a relação entre a antropologia, aepidemiologia-e a sociologia da saúde, que, atravésde diferentes abordagens, buscamentender o processo saúde-doença. Os autores vão além, discutindocomo o dua lismocartesiano, precursor das concepções biomédicas contemporâneas, transformou asdoenças em fís.icas ou mentais. Como conseqüência dessa fragmentaçãodo objeto,observa-se também uma fragmentação das abordagens ao objeto. Segundo eles, aantropologia oferece um instrumental importan te para criticarmos as nossas verdades,favorecendo, assim,_a construção de um novo parad igma para a abordagemda saúde eda doença.Finalmente, eles sugerem u ma sérieçle elementos conceituais e metodológicos para urpa abordagem antropológi cada saúde eda doença.

HERZLICH, C.A problemática da representação social e sua utilidade no campo dadoença'»Physis- Revista deSa úde Coletiva, 1 2), p. 23-36, 1991.

Herzlich, neste artigo, aponta a importância de estudar as representações de s aúde edoença: como realidadesui gene ris. Enraizada na·Antropologia, a autora assume, comoDurkheim, a idéia.de um"pensamento social". Observa a existência, em cada sociedade,de um discursO"sobre a do ença.que não é independente d o conjunto dessas construçõesmentais de expressão. O discurso é uma viade acesso privilegiado ao conjuntoda _ concepções, dos seus valores e suas relaçõesde sentido, embora a explicação das condutas propriamenteditas deva incluir outras variáveis, além das representações. Atravésdaanálise da gêneseda doença, mostrou corno a interpretação coletiva dos estados docorpo coloca em questão a ord em social. Por meioda saúde e da doença, ternos acesso àimagemda sociedade, de suas imposições, tais como o indivíduo as vive. A doençaencarna e cristalizaa."imposição sqcial". Estudou também a análise das categorias, dasoposiÇões,dQs

0

agenciamentos cognitivos e das formas.de a c i o n a l i d~d ecom as quais ossujeitos.tentaffi r a ~ u~i r e c i r g a n i z ~ .parao Investigador, suax p e r iê ~ c i a. ..

·. . . . .· . . : . . . . . : . .

IIBLMAN, C. 'Tuflnições Culturais de Ariati>miae i s i o o g i ~ ) n :HELMAN,}::~ l t u -

ra , Saúde eDóen ça . Porto Alegre, ArtesMédic ás, 1994.· 1 . . .

Neste segundo capítulo do livroCultura, Saúde e Doença, Helman explora a importância das questões culturais que se encontram subjacentes às experiências e às conceituações sobre o corpo ind ividual. Conforme oautor, a imagem de corpo das pessoas,ou seja, suas noções sobre tamanho e forma ideais, a estrutura interna e funcionamentodo corpo são influenciados por elementos sociais e culturais e têm repercussões importantes sobre a saúdedo indivíduo.

l<j' ~

P ESQUISA QUALITATI VA EM S AÚDE 23

Bibliografia Referida

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AUGÉ, M.L' Anthropologie de la mal adie,L Homme, 26( 1-2), 1986, pp. 81-90.BASTIDE, R. Técnicasde repouso e relaxamento.ln: Queiroz, M.I. Roger Bastide . São

Paulo, Ática, 1983. 1DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Pt trópolis,

Vozes, 1983.DURKHEIM, E. s o rmas elementares da vida religiosa . São Paulo:Martins Fontes,

1996.FABREGA, H. Medical Anthropology,Biennal R evie w of Anthropology, 1971, p.167-

229.FAISANG, S. Pou r une Anthropologie de la Maladie en France. Un regardafricaniste.

Cah ie rsdel Homme,EHESS, 1989.GEERTZ, C.A interpr etação das culturas . Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan 1989.HELMAN, C. Cultura , Sa úde e Doença. 2 ed. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994._ _ .Researchin Primary Health Care:The Qualitative Approach, ln : NORTHON, P.et

ai. Pr imary Car e Research , vol. 1.Londres, Sage Publications1991 .

HERZLICH,C. A problemática da representação social e sua utilidade na campo dadoença,Physis, vol.1, n.2, 1991.JODELET, D. Représentations sociales: un domaine en expansion.Les Repr ésentations

Soci ale s . Paris: PUF, 1986.LAPLANTINE,F. Anthropologie des systemes de représentations de la rnaladie.ln :

JODELET, D. (org.) Les Représetations So ciales. Paris: PUF, 1986.LEAL, O. Sangue, Fertilidade e Práticas Contraceptivas. Corpo e significado. 2 ed.

Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2000.LUZ , M. Racionalidades Médicas e TerapêuticasAlternativas. Cadernos d e Sociolo

g ia (7), 1995.MAUSS, M. As Técnicas Corporais. Sociol ogia e A ntropolo gia, Vol II. São Paulo,

EPU/EDUSP,1974.PEIRANO, M.A favor da etn o g rajia . Riode Janeiro: Reiume Dumará, 1995.

VÍCTORA, C. As Imagens do Corpo: representações do aparelho reprodutor femininoe reapropriações dos modelos médicos. ln: LEAL, O.Corpo e significado . PortoAlegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000.

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YOUNG, A. The Anthropologyofillness and Sickness,Annual Revi ew of Athropology, 11 1982, p.257-285.

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Filosofia da Ciência como poioà Compreensão da Finalidade

da Pesquisa ientífica

Não existe pensamento fildsófico oucientífico sem direitd de errar.

oberto omano

2.1 Teoria do conhecimento

A teoriado conhecimento, ou gnosiologiano grego,gnosis equivale a conhe-cimento, sabedoria), é um dos ramos da filosofia e trata da investigação acercadascondições do conhecimento, isto é, como se origina o conhecimento, como ele éprocessado como os dados se transformam em juízos a respeito das coisas), quais

são seus limites eem que condiçõesé engendrado.Assim é que podemos dizerque,na teoria do conhecimento,o objeto de conhecimentoé o próprio conhecimento. Háuma variedade de teorias acerca da gênese e desenvolvimento do conhecer quaseque tão grande quanto o número de teóricos do tema.

Numa tentativa de simplificação, pode-se reconhecer os dois veios principais de concepções a respeito do conhecimento, os quais darão vazão amúltiplas variações. Para -Platão, o verdadeiro conhecimento não nos chega atravésda experiência dos sentidos, do mundo sensível, concreto. Para ele, o que há éa Idéia sendo que os fenômenos da natureza não passàm de meros reflexosdas idéias. P,ara Aristóteles, ao contrário, a fonte de todo conhecimento é omundo empírico que apreendemos através das informações a que temos acesso por meio dos nossos sentidos .

Grosseiramente, podemos traçar a tradição de pensamento que decorre

destes dois veios, umracionalista/idealista e outro emp iricista.No primeiro caso,inclui-se o inatismo, isto é, a concepção segundo a qual somos dotados de al-gum tipo de aparato mental, o qual é o responsável pela nossa produção deconhecimento . Já os empiricistas concebem a mente humana como uma tábuarasa, isto é, para eles, nascemos vazios de qualquer conhecimento e o vamosadquirindo na medida em que temos experiências no mundo sensível que vãosendo gravadas nesta matriz.

Assim, teoriza-se o conhecimento de diferentes formas. Alguns, natradição mais racionalista, fazendo predominar os processos mentais, da razão, daidéia , preconizam que a fonte de conhecimento é a razão humana. Filiam-se a

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26 FILOSOFIA D C J ~ C I•••

esta forma deentendimento filósofos dediferentes épocas, como Descartes,Spinoza,Leibnize osiluministas, em geral.Numa tradiçãoempiris41,istoé,queproclama que a fonte .do conhecif lerito são as impressões dos °Sentidos,naherança aristotélica,sao Locke, Berkeley e Hume e ·ospositivistas. Neste caso,investiga-se a natureza por meiodossentidos, pela observação, pelo primadodaexperiência, doexperimento.

Esquematicamente,teríamos:

O conhecimento vem dadedução racional e lógica.As idéias inatas são a fontesegura deconhecimento(inatismo) .Conhecimento a priori.

São consideràdos racionalistas:

.Platão (427-347 a .C.)

Descartes ( 1596-1650)Spinoza (1632-1677)Leibniz ( 1646-.1716)

Iluminismo (movimentoracionalista do século XVIII,fundamentado na crença narazão humana como meio parase chegar aoconhecimentoseguro .e para levar o homem apatamares superiores dedignidade.) .

Todo conhecimento provém daexperiência .Nãoexistem idéias inatas, amente é como uma tábula rasa.Conhecimento a posteriori.

São considerados empiristas:

Aristóteles (384-322 a.C.)

Locke (1632-1704)Berkeley (1685-1753)Hume (1711-1776)

Positivismo (Filosofia deAugusto Conte, séc XIX, comênfase nométodo empírico:investigação da natureza pormeio da observação,experiência, experimentos.) •

Descaftes é umracionalis ta radical, assim como Hume é umempiristaradicaL Para o primeiro, o ponto departida é o pensar . O pensar é a base doedifício doconhecimento, pois assensações devem ser excluídas dabase doconhecimento, umavez que,segundoconstata, o mundosensível é preenchidodeilusões . Ossentidos nosinduzem aoerro, provocam entendimentos incompatíveis com a real.idade, as ilusões dos sentidos. _A única certeza que pode-

PESQUIS QUALITATIVA EM SAúDU 27

moster é a deque,aopensar, estamos pensando. E,aoestar pensando, é certoque existimos, poisseria impossível pensar semexistir.Daí,o bordão:pensologo existo a ceI. tezafundante de t< >da"verdade".

Jáosingleses Locke e Hume serãocríticos daidéiadoinatismo(acreditarque já nascemos com idéias inatas). Para eles, a mente antes de_passar poralguma experiência é o vazio total, está em_mestadodecompleta ~ d e t e r m i

nação. As impressões dossentidos vão se depositando na tábua rasa, e osprocessos mentais que atuamsobre taisimpressõespermitem h e g a r ~c o ~ c e i

tose idéiasgerais. (Estamosaquifalandodo método indutivo,o quediferenciao empirismoinglêsdoaristotelismo,esse último dedutivo. Dentreosque proclamama u p r e m a c i adossentidos sobre a razão, háosque defendem o métododedutivoe osquepreconizam o métodoindutivo).

· Kant tenta conciliar asduaspossibilidades, aodefender que tantoossentidosquanto a razãosãoimportantes naconstrução doconhecimento . Ele propõe que o conhecimento resulta dasíntese entre experiência e conceitos. Devemos,segundoele, todoo nossoconhecimentoàsimpressõesquenoschegamatravésdossentidos, massomos dotados(vimosaomundo comdeterminado saparatos) de pressupostos importantes para processar esse conhecimento.Somos dotados deformas desensibilidades que nascemconosco, que sãoasnoções detempo e deespaço. Assim, deforma automática, colocamos todososeventos que experimentamos dentro dessas categorias. Entendemos que

· tudo o que ocorre acontece dentro dascoordenadas dotempo e doespaço .Essa noção nãonosé dadapelos sentidos, ela prescinde dossentidos .

Além decolocar tudodentro deespaço/tempo,ainda temosconoscoa noçãodecausalidade istoé,entendemos quetudotemumacausa e,sempre quediante de umfenômeno, atentamos paraassuas causas.*Para Kant,o entendimentopossuiasregras doconhecer deformaa priori isto é,antesdetudo.Maso entendimento nãopossui de forma a priori os conteúdos. Esses virãopelaexperiência nomundo,pela sensaçãoe pela percepção. Kant diráqueci conhecimento nãoprovém dos sentidos, mas nãoexiste conhecimento que nãovenhaatravés dossentidos .Os contéúdo 's víndos atravésdaexperiência, defora,Sãorecolhidos pela sensação e pela percepção. r r i a ~ e zsubmetidos às regrasap r i o ~ idoconhecer,transforrriaiil-sem juíios, in conhecimento. . . .

O po_itivism 'o recótnenda o caminhodo'lixoparatodaa metafísica .PreocupaÇõescomoascausas finais doseventos, a origens Últimasdascoisas não

. . . . .

*Gaarder ( 1995) fonn uia uma boa imagem para demonstrar que os seres humanos sãodotados da noção de ·causal .idade . Diz ele que, s uma bola cruza na frente de um gato,este d i s p ~atrás da bola, por não ser provido da noção de causa, ao p s ~ oque se omesmo nos sucede, nossa reação é olhar em volta para ver de onde vem a bola.

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28 ' ILOS MA l)A lf INt IA,

fazem part e do seu repertório. Positivistas consideraril anticientíficos todos osestudos que não sejam da ordem do experimento . Só o que pode ser oriundo daobservação e da experiência faz parte do mundo científico. Apenas os fatos esuas relações podem ser objeto de pesquisa. O método científico é empírico(verificação experimental) e há a crença na neutralidade da ciência. O melhorexperimento é aquele que foi procedido sem qualquer interferência do pesquisador, quando então se teria acesso ao objeto puro. o l t ~ r e m o sa esse tópicoadiante porque ele merece maiores considerações. ·

2.2 ilosofia d ciência

As implicações filosóficas da ciência merecem ser analisadas não só peloimpacto que produzem, mas também porque a ciência pode se alimentar dosjuízos da análise filosófica . Dentre os temas da ciência passíveis de estudo,figura a questão do método científi co e suas variantes no tempo.* Na filosofiada ciência, estudam-se os conceitos, os pressupostos, os axiomas, os fundamentos . Também a questão da verificação, da refutação. Estuda-se o comportamento da comunidade científica diante das descobertas, etc.

Uma classificação bruta da ciência a dividiria em ciências empíricas (fatuais) e ciências não empíricas (formais). As ciências ditas ormais, das quaisa matemática e a lógica são representativas, têm como característica a exis-tência da prova, da demonstração, que é completa e final, definitiva. O seuideal é a coerência, o que é possível porque elas não se ocupam de fatos. Seusenunciados envolvem relações entre signos, entes ideais, abstratos. As ciências formais não dependem da natureza, da humanidade e suas inconstâncias.Não lidam com a mobilidade, com as alterações que o tempo carrega e queimprimem novas e v .ariadas modificações nos seus objetos. Não existe a dinâmica que move as ciências sociais.

As ciências empíricas se debruçam sobre as ocorrências no mundo. Seuspostulados são aceitáveis quando apresentam evidência empírica, isto é, pqdemser verificados na vida experimental. Para se porem à prova, tais enunciados

podem ser submetidos à observação ou à experimentação. Trata-se aqui dasciências naturais (como a física, química, biologia) ou das ciências sociais (economia, sociologia, antropologia, etc). A coerência dos postulados é necessária,mas não é sufici.ente. As hipót eses são provisórias, pois sua verificação é incompleta, parcial, setorial e, portanto, temporária. Essa diferencia ção nos inte-

Num estudo introdutório como este, não caberia aprofundar cada tema aqui mencionado . No entanto, conhecer a origem, a história e as classificações do método é fundamental para o pesquisador. Para isto, ver Lakatos, 1987 .

.

rcssa para p d 1rn •11np cJ • · 11h· ·im · 0qu · n >sii oi tn,s ~n t i d de inn s limpan l 11 ·no ·n 1 ·ln 1 u n ss lllnpod· p •s 1uisa.

No passado, os greg j id nti 1 arnm uma difi·rcnça ntre a pini: do a)e a ciência episteme). Podemos chamar a primeira de senso omum, u seja,aquele conhecimento cujo critério de distinção é o conhec imento acrítico, ele nãose apresenta a partir de um rigor lógico, faz parte do campo das crenças, po r issodizer-se que é crédulo, pois se baseia na superficialidade/aparência do fenômeno.Já a ciência (que se origina da noção grega de episteme depois que lhejé acrescida a idéia do método) lida com critérios, tais como coerência, consistência,originalidade e objetivação; intersubjetividade, divulgação.

Além da doxa e da episteme, existe ainda a ideologia. Esta pode chegarà falsificação dos postulados, pois freqüentemente é alimentada por interesses.Sob a capa de descrição de uma determinada realidade, está na verdade a ·prescrição. Há, por trás daquilo que se mostra como verdade um objetivo deconvencimento, tanto é que no lugar de critérios apresentá-se o caráter ustificador dos enunciados. O importante a destacar nessas distinções (senso comum/ ciência/ ideologia), é que, em toda produção científica, há a pres ença desenso comum e também de ideologia . Isto porque a ciência é produzida porhomens , e homens não estão imunes à opinião e ao interesse (Demo, 1985

Em relação ao objeto, é preciso que se . tenha claro que todo objeto éconstruído. O objeto científico não é dado pelas condições objetivas tão somente. Ele é dado a partir da experiência que o sujeito estabelece com ele/objeto.Logo, a ciência trabalha com realidade construída. Por aqui, já se vê que opressuposto positivista de que a realidade é objetiva cai por terra. Estamospropondo que não há objeto na realidade, a menos que a mente humana reconheça, conceba e proponha um objeto. Na tradição kantiana de pensamento, oreal permanece inatingível: sempr e o que temos éo real para mim , o real talcomo se apresenta à minha mente e não a coisa em si .

Daí o surgimento de uma definição de ciência, segundo a qual ela é umdos modos possíveis de se ver a realidade. A religião pode ser outro modo .Mesmo no campo da ciência, a realidade é um todo complexo, impossível deser acessado de forma única ou .por meio de urna única ciência . O que as

ciências fazem é recortar este todo que é a realidade e analisar por partes, pormétodos e por .objetos diferenciados.

A objetividade, isto é, a tomada do objeto da ciência desvinculado de quaisquer influências extra-objeto é um ideal inalcançável. A corrente posit ivistatentou impor a objetivação como critério de demarcação científica, e as influências deste pensamento chegam até nossos dias. Não é raro depararmos coma idéia de que a verdadeira ciência é neutra ou objetiva .

É preciso fazer a diferença entre objetividade, que é a concentração exclusiva no objeto e o ideal da objetivação, que é o esforço para conter a influên-

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eia da subjetividadenoobjeto, este último uma inetadocientista consciente(Demo,1985).Noentanto, aceita-se que a influência do observadornofenômenoé uma condiçãq insuperável, até porque oprópriOfatodeexistirumobservadorá mprimenoobjeto determinadasa r a c t e r í s t i c ~ sque ele, objeto,nãoterianaausência desta observação. A rnecânica quântica demonstroutalinfluênciadoobservadornofenômeno observado e conseguiu inclusive medir o

graudeinfluência que nunca será zero. E istonafísica.De's.a forma, podemosdizer que,aocontextodoobjeto de pesquisa, pertence também o observador.Essafoiumanovae revolucionáriacaracteJ'.ÍSticareconhecida da ciência, istoé,o saber científico é sempre perspectivista. Com o advento da antropologia,dasociologia ed economia, a lógica dialética, que não pareciatãoevidentenodesenvolvimento das ciências da natureza, tornou-se presentenasciênciasdacultura(Vargas,1970,p.27).· Talcaracterística perspectivista, queá é uma imposição nos tempos atuais, depõeosideais da herança positivistanaciência, cujo alicerce máximocomo método estava calcadonaobjetividade do inundo físico. Apesar disso,ainda encontramosnonosso meio reações a esta postura. Tanto é que desde otítulo,umlivrodoteórico Paul Feyrabend ainda hoje causa desconforto:Con-tra o Método .

Antes de chegar a esse ponto, precisamos conhecer a existência de umoutro marcoriafilosofia da ciência contemporânea. Trata-se das teses deKarl Popper edeThomas Kuhn, respectivamenteA Lógica da DescobertaCientífica e A Estrutura das Revoluções Cientificas. Há que se destacarnassuas proposições a idéia de que o progressodaciência não é cumulativo,istoé,não existe uma linearidadedeconhecimentos que vão se acumulando,somando-se e culminando num novo postulado científico.Ambos enfatizam oprocesso revolucionário peloqualuma teoria mais antigaé rejeitada e substituída porumanovateoria, incompatível com a anterior. Kuhn analisará, assim,osmomentos destacados do desenvolvimento científico, sobretudoosrelacionados a Copérnico, Newton,Lavoisier e Einstein. A ciência progredi-ria, assim, a·ossaltos. •

Grandes divergênciasseparam a seguirosdoisteóricosdafilosofiadaciên-. eia. Kuhnreconhece como legítimos dois tiposdeciência:a ciência normal e arevolucionária; a primeira se refere à ciência praticada pelos cientistas sobumparadigma.Éa ciência que está presentenosmanuais e queoscientistas praticam articulandoosfenômenos e teorias fornecidos pelo paradigma.A ciêncianormalnãosepropõea descobrir novidades.Noentanto, todo este contingentedecientistasaplicadosem suas pesquisas acaba por encontrar dados que nãosecoadunamcomo paradigma.Noprincípio, esses devem ser desprezados. Porém,quando elesseavolumam,sucededesecriarumasituação em que reconhecidamenteoparadigmanãomaisdácontadeexplicarosfenômenos.Trata-sedoque

Kuhn chamarádecris e momentoemque a anomaliaseavolumaemimportância enãomais pode ser desconhecida. Nestecaso,oscientistasprecisam queum

·novo paradigma substitua aquele quenão maissatisfaz a o m u n i d ~ d e .Ku.hn ob-servaque,emgeral,um novoparadigma emergeantesqueumacnse estejabemdesenvolvidaoutenha sidoexplicitamentereconhecida. .

Aqui adentramosnoque ele chamadeciência revolucionária do cien

tista que propõe o paradigma que substitui o anterior eu e~ ã olheé < > ~ p a t í -vel. Popper despreza aquilo que Kuhn descrevecomoc1enc1anormal.p1zqu.eo cientista não revolucionário, não críticoéaquele que aceita o dogma domtnantedodia, quenãodeseja contestá-lo e quesóaceita umanovateoria revolucionária quando quase toda a gente está pronta para aceitá-la, quando elapassa a estarnamoda, como uma candidatura antecipadamente vitoriosa aquetodos,ouquase todos aderem (Popper,1969,p.4).Ele prosseguecoma críticaaocientistanormal,que pode ser chamadodecientista aplicado, tachandoºde dogmático. Aprendeu uma técnica quee pode aplicarsem ~ e~ e j aP eciso perguntar a razão pela qual pode ser apltcada. Para Popper, a umca clencia é aquela descrita por Kuhn como revolucionária. A discussão entreambosé mais extensa e seguramente mais profundadoque esta aqui mostrada,noentanto,destacar esta parte teve um objetivo específico neste livro, qual sejaalertar para a importânciadoespírito b e r t onão dogmático, de todososque• queiram ser pesquisadores.

Adotar uma teoria dentreasunanimemente aceitasouvigentes e buscarosdados que a confirmemnoseu universodepesquisatemsidoumafórmulabastante adotada, sobretudo entreosestudantes quando confrontadostom anecessidade de apresentar uma pesquisa empírica , sejaemtrabalhosdeconclusãodecursooupós-graduações. Por outro_ado,umafórmula complementar, istoé, pesquisar algum grupo de interesse e acomodar seus achados aessas mesmas teorias vigentes para obterumtrabalhobem fechadinho , correto,é outra forma medíocredecomportamentonocampoda ciência .Não

.que a culpa seja desses estudantesoupesquisadores: sucede que a imposiçãodeuma investigação traz esse risconoseubojo.

. Uma possibilidadedecontornar esse problema seria a discussão abertasobre esse tema, com lançamentodeoutras opções alternativas à pesquisa,talcomo o estudo teórico.Outra possibilidade (essa nãotãoimediata) é adeseformar,nosestudantes,desde cedo, o verdadeiro espírito científico,nãodogmático, crítico,flexívele ousado. Essa talvezuma boa contribuição dafilosofiadaciência a candidatos a cientistas e que está intimamente relacionada à idéiacontidanaepígrafe deste capítulo. · ·

Em Contra o Método Feyerabend apresenta uma propostade anarquismo epistemológico , embora afirme que émais umabuscade ~ ~ e r ~ r a

críticadoque propriamente anarquismo. Ele se coloca contra a obedtencia a

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r gra · 1xa ' • uni v ·rsai ', pr e ni za ndo que essas levam a uma ciência impo sili vapor for as de id logia fechadas, donas da verdade . Segundo Feyerabend, fora da ciência pode haver um saber até mais adequado, o que recomenda o uso de todos os métodos e o recurso a toda s as idéias aprove itáveis quelevem a um conhecimento aproximado da realidade.Já que todas as metodologias têm limitações, então vale tudo: o.cientista deve ser criativo e desprovidode preconceitos ao adotar as mais variadas m e t o d o l o ~ a ss violações sãonecessárias para o progresso dirá a certo momento.

. Feyerabend tira a ciência de seu pedestal de superioridade em relação aoutras formas de conhecimento do mundo. A ciência - continua - contémerros, desvios, que são pré-condições do progresso . A ignorância pode seruma bênção , pois é da insegurança que surge a necessidade de inovar. Arevolução de que falava Kuhn, ou a única ciência para Popper, só pode serfruto de um cientista com a mentalidade descrita por Feyerabend.

Bibliografia Comentada

DEMO, Pedro. Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1985.

O livro trata exaustivamente das questões sobre metodo logia e sua relação co m asCiências Sociais, discutindo as diferentes concepções de pesquisa. Apresentando a

metodologia corno urna disciplina instrumental a serviço da pesquisa , diz que a metodologia não estuda teorias mas o seu modo de armação. Ou seja, para que uma pesquisaseja bem sucedida, é preciso que o pesquisador domine teoria e técnicas, sendo que,por trás de cada wna delas e de suas subdivisões, há posturas valorativas. Da escolhado terna à forma de abordá-lo, o subjetivismo está atuando. São escolh as que fazemose, por mais que as fundamentemos, estaremos é justificando o que, na verdade, é umaescolha. . · · ·

Neutralidade e objetivid ade são, à vezes; tomadas como sinônimos, embora neu-tralidade seja urna noção relacionada à perspectiva do sujeito e objetividade seja umanoção afeta à perspectiva do objeto. De qualquer modo, ambas significam a possibilidade de refletir a realidade tal como é (e não corno se apresenta) . Em ambos os casos,acreditaríamos que o objeto se impõe ao pesquisador . E neste caso, não teríamos oobjeto construído. Ora, precisamente a construção do objeto é uma das partes maisrefinadas, elaboradas e importantes da pesquisa em ciências sociais. Entre outràs con

.sistentes razões, essa é uma das que sustenta a impossibilidade da adoção do princípioda neutralidade em _pesquisa social.

Bibliografia Referida

FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995 .KUHN, Thomas S.A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975.LAKATOS, lmre. Historia de l ciencia y sus reconstrucciones racion.ales. Madrid :

Tecnos, 1987.POPPER , Karl. A lógica da pesquisa científica . São Paulo: Cultrix, 1969.

etodologias Qualitativae Quantitativa

. 3 1 Introdução

O ponto de partida para a compreen são do que é conhecido como metodologia qualitativa de pesquisa está no entendimento de que uma metodologia émuito mais do que um conjunto de técnicas de pesquisa.

Conforme evidenciado no capítulo anterior, o mundo real não se apre senta como uma totalidade, mas como um recorte que fazemos da totali

dade. Esse recorte é concebido a partir do ponto de vista de onde nos• encontramos e dos pressupostos que trazemos conosco, o que nos possi

bilita experimentar e avaliar a totalidade no nosso cotidiano. No caso deum cientista que visa pesquisar uma realidade, além do ponto de vista edos pressupostos, é necessário todo um instrumental que possibilite a pesquisa. Esse instrumental não é apenas material, mas também um conhecimento sobre como operar o material, o que perceber, o que fazer com osresultados, entre outras coisas. Um leigo que nunca observou uma lâminanum microscópio não consegue identificar nela qualquer elemento. Paraque seja possível perceber os elementos contidos na lâmina e aplicar a

· eles qualquer sentido, é necessário , além de saber operar um microscópio, treinar o olhar para o que se deve ou não deve enxergar e, principalmente, dominar uma série de conceitos que dêem sentido à observação (Peito e Peito, 1987).

Assim sendo, pode-se afirmar que cada tipo d e metodologia traz consigoum conjunto de pressupostos sobre a realidade, bem como um instrumental,composto po r uma série de conceitos, pelo treinamento do olhar e por técnicasde observação da realidade.

Os pressupostos sobre a realidade são basicamente respostas paraquestões do tipo : como a realidade se organiza, quais as forças que a compõem, de que consiste o normal nessa realidade, que tipo de ser a habita .As respostas para essas e outras perguntas compõem uma teoria sobre

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essa realidade, sendo que é sobre teorias que se estruturamas metodologias. É preciso ter uma concepção de totalidade pàra que possamosrecortáIa e proporuma forma de entendê-Ia. Torna-se, portanto, fundamental quetenhamosclaroque a.s metodologias estão inexoravelmente vinculadas ateoriassobrea realidade.

Quaissão,então,os pressupostosda metodologia qualitativade pesquisa?

Qual avisãoderealidade que está por trás de sua utilização? Em primeir:olugar, parte-sedo reconhecimento de que o mundo real - embora possa-seargumentarqueexista independentemente de qualquer coisa ou pessoa - sóexistede fato,na medida em quenós tomamos parte dele e ele faz sentido paranós.

Um outropressuposto é que asociedadeé constituídade microprocessos·que, emseuconjunto, configuramas estruturasmaciças,ou seja, a realidadesocialnãoéum todo unitário,mas umamultiplicidadede processos sociais queatuam simultaneamente, emtemporalidadesdiferenciadas, compondo, essessim,uma totalidade.

Com relaçãoàs forças queatuamna realidade social, pressupõe-se queas sociedades se movimentam a partirde forças da ação individual e grupal.Entretanto,háuma preponderância daaçãogrupal sobre a individual,na medida emqueseentende que a sociedadenão é apenas uma somade indivíduose,porconseguinte,aaçãogrupalnão é uma somade ações individuais (Haguette,1987).Cornojá visto nos primeiros capítulos destelivro, as perspectivas indicadas por Durkheim e Mauss fundamentam essa relação entreos indivíduos easociedade,em queos primeirosnão apenas dividem o espaço social mas, principalmente, compartilhamos significados relativosao universo social em quecoabitam.

Ésomentea partir desses pressupostos quepodemo ,porexemplo, reconhecer e entãorecortar alguns microprocessos e partir para investigá-los. Aprópria definiçãodo quevem a serum objeto de estudo também depende dadefiniçãodeproblemáticasde pesquisa baseadas nesses pressupostos. Importa salientar o lugar central ocupado pela definiçãode problemáticasde.pesqui:sana cadeiaque vai dospressupostos teóricos atéos resultados de pesquisa. Eoproblema de pesquisa .qu completa a ligação entreum grupodepressupostos que conformam uma teoria,de um lado, eos dadosde pesquisa,do outro.Com relação a esta vinculação entre teoria, problemade pesquisa e dados depesquisa.Bourdieuexplica:

Ésomenteemfunção deum corpo de hipóteses derivado de umc.onjunto depressuposições teóricas queum dadoempíricoqualquer pode funcionarcomoevidênçia(Bourdieu, 1989, p.24).

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PESQUISA QUALITATIVAEM SAÚDE 35

Umexemploque nosajuda avisualizar essa correlação pode ser encontradoha pesquisa realizada por Gonçalves (1998), que trata da questão da adesão aot r ~ t m e n t opara t u b e r c u l o ~ eem Pelotas, RS. Tendo como pressuposto que acultura de um grupo afeta as suas decisões sobresaúde, doença, medicalizaÇão,cura.e morte, a pesquisadora constrói umaproblemáticade pesquisa que çnfocaaspectos da cultura de.um grupo de pessoasvinculadasao Programa de Controleda Tuberculose PCT promovido pelo Ministério da Saúdeesuas relaçõef com·ª adesão ou não ao tratamento da doença. Gonçalves, partindo de pressupostosantropológicos relativos à fonna de inserção no mundo cultural, opta por umametodologia qualitativa de pesquisa que pennit e maior penetração do pesquisador no mundo dos pesquisados, obtendoassim dados que não se.limitavam aoseguimento ou ao abandono formal confonn e ocadastrodo PCT, mas aum intrincadoprocesso de aproximações e distanciamentos do tratamento para tuberculose a partir de diferenças de gênero, idade, expectativase trajetórias.sociais dospacientes, entre outras coisas. Fica evidente nessa pesquisa que o dado relativoàs formasdiferentes deadesãoao tratamentosó se constituicomoevidêncianamedidaem que se pressupõe que ospacientes são, acimade tudo, agentes ,os quais pod em fazer, e de fato fazem, uso diferenciado do tratamento proposto.

Além da correlação entre ateoria,a metodologia, adefiniçãodo problema• e o tipode dado obtido, énecessárfoevidenciarmais umaspectonesse r o c e s

soque é a escolhadas formasde coleta de dados,ou seja, as técnicasde coletade dados,as quais estão diretamentevinculadasao tipode dadocoletado.Noexemplo citado, a opçãoda antropóloga por técnicasdo tipo ~ s e r v ç ã oparticipante, entrevistasem profundidade, seguimentode redesde relações edetrajetórias sociais, alémdo acompanhamento periódicoe, porvezes,cotidianodos pacientes, permitiu a ela o estabelecimentode correlaçõesquenão teriamsido possíveis com outras técnicasde pesquisa.

Peito e Peito(1987) propõem uma distinçãoentremetodologiaetécnicas depesquisa, definindoas técnicas comopertencentesàordemdospragmatismos dacoleta primáriade dadose a metodologia como relativaà lógicaacionada o-gic-in-use na seleçãode determinadas técnicasde observação,no uso dos dados coletados eno estabelecimentode relações dessesdados comas proposições teóricas.Os autores também sugerem, nesse sentido,que não é possívelsepararas técnicasde coletade dadosda lógica-acionada .De formaconsistente,elessugeremque os problemaspráticosrelativosao uso de certas técnicaspodem ser procurados juntoao exameda si.la lógica-acionada .

Um último ponto, porémnãb menos importante, dessa cadeiaque se segue refere-se à relação entreos dados coletados, supondoque maisde um tipode dado seja coletado, e que essesse encontrem vinculados a uma forma decoleta,ou mesmo informados porela.Éfundamentalqueum projetode pesqui-

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, M1 nllXllOWfl . ( Ufll llf\llVfl 1 (.)UflNlllflllVfl

ualit tiva r nh ça a diferençasna fasede análise einterpretação dosme mo .Nas pesquisas antropológicas,é comumautilizaçãode a d o s h i s t ~ r i-

cos,jomalísticos,populacionais-coletadoscom baseem outras metodologias- e dados etnográficos- coletados pelo próprio pesquisador eque ajudam acompor o quadro das informações a serem analisadas. Entretanto, não se P?de

· deixarde trabalhar a relação entre os dados que,por seremde natureza dife

rente obviamente nãopodem ser comparadosde forriu1direta.Completando, então, a cadeia de refer.ência ex?ost a ne:sesc o m ~ r i t á r i o s

gerais, é possívelmontar o seguinteesquema de m c u l a ç o ~ sque nao po.deser esquecidopor um pesquisador, sobpena de anulara validadede suamvestigação:

DEFINIÇÃO. I DOP R O B L E M ~

1FORMAS -+TIPO RELAÇÃO

TEORIA\ D E COLETA DE DADO-+ ENTREDADOS

METODOLOGIA

O esquema apresentado visa demonstrar graficamente a cadeiade referência de uma pesquisa. Através dele, visualizamos a relação existente entreuma teoria subjacente, a metodologia, a definição do problema, as formasdecoleta, o tipode dado coletado e a relação ent re os tipos de dado. Salien.tamosainda a correlação existente entre a definição do pr oblemade pesquisa e ametodologia. posto que cada tipo de problema de pesquisa vai exigi.r o empregode um tipo de metodologia. (Por exemplo,se o problema depesquisa e f e r e - ~ e

a um índice, ou seja, se implica medidas quantificáveis,utiliza-se a metodologiaquantitativa.) Mas esse não éum caminhode mão única, porque a escolha deuma metodologia também influencia a definição do problema,umavez.quetodaa metodologia apresenta potencialidades, mas também limitaçõesaosobjetosde pesquisa.

Na maior parte das investigações naárea da saúde, tem-se utihzado ametodologia quantitativa de pesqu isa queé, em linhas gerais,o n s i s t e n t ~c ~ m

os pressupostos das ciências biológicas. Partindo desta cadeia de referencia,vamos explicitar,de forma bastante simplificada, alguns elementos encontrados nas metodologias qualitativase nas quantitativas, principalmente no que serefere a sua utilização,a suascaracterísticas,a técnicas mais comuns, aalgumas potencialidades e a algumas limitações. e r t m e n t e ~ c o ~ p r ç ~ oa e

guir não visaserexaustivae esperamosque os pontosperdidos pela s1mphfi-

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ssiva · ·jum mp nsad s la a •i li la 1 ohtidunn · mpuruçud is tip s de mét ds. Alémd mais, bs ·rv ·-s u , quand srnmostr 1tand

·de metodologia quantitativa depesquisa,n o stam n sr ~ 1ind a pesquisalaboratoriais, mas apenasàquelasquelidamdiretamentecompopulações, paraquese possamtraçar comparaÇões com ametodologia qualitativa,queé basi-camente empregada a grupos humanos. ·

3.2 Métodos qualitativo e quantitativo de pesquisaemsaúde

UtilizaçãoOs métodos quantitativos de pesquisasãoutilizados fundamentalmente

para descreveruma variável quanto asua tendência central ou dispersão-média, mediana,moda- ou dividi-la em categorias e descrever a sua freqüênc ia- taxas e medidas derisco-em grandes populações. Já os métodos qualitativos de pesquisa não têm qualquer utilidade na mensuraçãode fenômenosem grandesgrupos,sendo basicamente úteis para quem busca entender o contexto onde algum fenômeno ocorre. Assim sendo, eles permitem a observaçãode vários elementos simultaneamente em um pequeno grupo. Essa abordagem

é capaz de propiciar um conhecimento aprofundado de um evento, possibilitan-• do a explicação de comportamentos.

Características daamostragem

Os métodos quantitativosem estudos populacionais trabalham com técnicasde amostragem do tipo aleatória ou estratificada, baseando-se no pressuposto de que a investigaçãosobreum fenômeno em um número X de indivíduosrepresentauma totalidade definida. Essas técnicas são utilizadas em estudosdo tipoprevalência, caso-controle ou de coorte.

Uma das'principais carac terísticas dos métodos qualitativos é o fato deque as pesquisassão formuladas para fornecerem uma visão de dentro dogrupo pesquisado, uma visãoêmica . Trabalha-se com um elevado número dequestõese, para que isso seja possível, busca-se estudar sempreum grupopequenode pessoas, o qual é escolh ido de acordo com critérios previamente

* Para distinguiro modo de conhecimento do observadorestranho,que é distinto domodo de conhecer dogrupopesquisado,são utilizadosos termos lingüísticosfonéticoe fonêmico,eliminandoo prefixo fon. Assim,ético é o conhecimento doobservador,expresso em conceitos abstratose gerais pertencentesa categoriasteóricas. Êmico,pelocontrário, éo conhecimentopróprio do indivíduo pertencente a umaculturadeterminada, expressopa lógicà interna doseu sistemade conhecimento.

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n s ·m nslru ·s t 1 · -metodológicascom princípios diferenciados.Entretanto,essadi v rsidadetem sidoutilizadade um 'a forma bastanteeficienteem projetos de pesquisaque constroem maisde um o\)jeto de pesquisa a partirde um mesmo tema, sendoum voltado ao conhecimento quantitativo e outro aoqualitativo, com finalidadede adicionar outras dimensões aum mesmoestu_do.E possível, assim, trabalharde forma complementarcom as duas metodologtas,no sentido de que os resultadosde uma questão, o l o c a d ~a partirde princípios

·teórico-metodológicos quantitativos, suscitem novas questõesque só possamser colocadas dentro de princípiosu a l i t a ~ i v o sou vice-versa.Veremos a seguiralguns exemplos de complementaridade desses dois métodos:

a do quantitativo ao qualitativo

. Uma pesquisa do tipo quantitativo, util izando as técnicas tradicionai s deamostragem e de tratamento de dados, realizaüm levantamentoda prevalênciade uma doençaem dadapopulação e constatauma prevalência diferenciadaentre diferentes grupos sócio-econômico-culturais, que compõemuma população maior. Uma pesquisa qualitativacomplementar poderiatomar amostrasmenores de cada segmento identificado e pesqui sarem profundidade questõesdo tipo: como se dá essa combinação de fatores sociais, econômicos e cultur ais

que podem estar predispondoà disseminaçãoda doença entre apopulação?Quais os fatores que podem estar protegendo alguns membrosda população dadoença? Até que ponto a doença é reconhecidacomo tal pela população?

Um exemplo prático deste tipo de abordagem foi a pesquisa realizada em1998-1999 pelo NUPACS* • Núcleo de Pesqui sa em Antropolog ia do Corpo edaSaúde da UFRGS em parceria com a Política Municipal de Cont rolede DST/Aids de Porto Alegre, que visa complementar um estudo epidemiológico que,apartir das estatísticas municipais de mortalidade po r Aids, identificou as áreasde Porto Alegre mais atingidas pela doença. A pesquisa desenvolvida peloNUPACS utiliza-se da metodologia qualitativa para investigaros fatores culturais que podem estaraumentando.a vulnerabilidade daquela população, tendoem vista que possui característicassócio-econômicas semelhantesàs de€lutraszonas da cidade.

b do qualitativo ao quantitativo

Partindo de uma pesqui sa qualitativa sobre hábitos culturais relacionadosa higiene, alimentação, cuidados de saúde, ambiente doméstico, comportamen-

A referida pesquisa,Aids e Pobreza:Práticas Sexuais, Representações da DoençaeConcepções de Riscoem um Bairro de Porto Alegre ,é coordenada por D. Knauth e C.Víctora e financiada pela FAPERGS.

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t i is deumdeL nnin do grup i nõm1 ultu u lni p d -e uporqueexista uma peculiaridade nogr up ·studad . · p ssív l, nt· o,

tomaralgumdessesaspectos e idealizar uma pesquisa quantitativa prevendoafreqüênciade algumaspectoestudadona população maior.

Essetipo de trajetóriade complementaridadefunciona comoumsistemaem que um estudo qualitativo gera hipóteses queserãoconfirmadas a.partir de

um estudo quantitativo emuma população muito maior. Nessa mesma direção,pode-se também realizar um estudo qualitativocom a finalidade de l a b o r a r

categorias e estruturar um questionário que será aplicado, e, nesse sentido, oestudo qualitativo funciona comoum tipo de estudo piloto, com a finalidade deproduzir um instrumento de pesquisa quantitativa que seja mais adequado, tantoem termosda linguagem a ser utifizada, quantoem termosda relevância dasquestões produzidas. ·

Aindacom relaçãoà complementaridade, vale salientar que nãohá necessidade de que os projetos qualitativos e quantitativos que se complementamsejam elaborados pelo mesmo pesquisador ou pe la mesma equipe de pesquisadores. Considerando que são projetos, cuja cade ia de referência descrita anteriormente difere, uma grande preocupação recai sobre o último ponto, que é arelação entre os dados, a qual deve ser cuidadosamente examinada, conside

rando os pressupostos de cada tipode pesquisa. Assim sendo, para que a complementaridade se dêde forma mai s consistente, o trabalho interdisciplin.arérecomendável, ainda que não haja necessidadede que ambas as pesqmsassejam realizadas pela mesma equipe.

3.4 Métodos qualitativo equantitativo: integração

Épossível aindaaprofundarum pouco mais a relação entre as metodologias quantitatjvas e qualitativas, buscando não simplesmente uma complementaridade, mas uma integração de dados quantit ativos e qualitativos, dentro deum mesmo projeto. Nesse caso,ai nterdisciplinaridade é fundamental e faz-senecessário que a cadeia de referência seja cuidadosamente explicitada.

Um exemplo desse tipo deabordagempode ser visto em uma pesquisadesenvolvid a pelo NUPACS* que, partind o de duas etnografias realizadasem vilas de favela em Porto Alegre, elaborouum Roteiro Etnográfico de Pes-

•A pesquisa referida intitula-se Body,Sexuality and Reproduction: A Study ofSocialRepresentations ,foi coordenada por OndinaF Leal e financiada pela OrganizaçãoMundial da Saúde, Projeto 91378 BSDA Brasil, Special Programme ofResearc h Development andResearch Trainingin Human Reproduction.

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quisa: um número de questões fechadas e um número maior de questõesabertas que seriam exploradas em profundidade. O N da pesquisa foi 200,distribuídos em 50% de informantes masculinos e 50% femininos . A obtençãode dados foi fundamentalmente qualitativa, mas os processos de tipologização e de sis tematização posteriores possibilitaram a quantificação e o tratamento estatístico dos dados . Esse processo culminou com a geração de gráficos de Análise Fatorial de Correspondência (AFC) •.os quais permitiram avisualização de correlações entre variáveis que não tériam sido possíveiscaso a pesquisa tivesse se detido aos procedimentos mais comuns tanto dametodologia quantitati va , quanto da qualitativa . Esse procedimento será examinado mais detalhadamente no capítulo VIII.

3 5 Rapid ssessment Procedures RAP)

Uma abordagem que tem sido utilizad a de forma bastante eficiente naspesquisas sobre saúde são os chamados RAP - Rapid Assessment Procedur s que consistem em um conjunto de proc edimõntos de orientação etnográfica e têm comovantagem obter informações básicas de forma mais ágil e numtempo muito menor do que o levado pelas abordagens mais tradicionais. Aquestão do tempo de realização de uma pesquisa qualitativa é relevante namedida em que, em se tratando de problemas de saúde e doença, muitas vezesé necessária uma investigação rápida que oriente um projeto, um planejamentoou que informe recomendações de saúde emergenciais. A utilização do RAP érecomendada também na forma de pesquisa piloto, porque possibilita a realiza~ ã o?e levantamentosqualitativos de problemas que podem ser abordados quant1tat1vamenteem etapas posteriores .

A utilização do RAP, entretanto, requer também um treinamento que vaialém d conhecimento das técnicas ou dos modelos de entrevista propostos nosmanuais de RAP. Não raro , observam-se pesquisadores pouco experientes empesquisa qualitativa que optar am pelo RAP como forma de coleta de dadose x ~ t a m e t epela aparente facilidade e agilidade que ele oferece, mas que têm

mmtas d i f i c u l ~ d e

em fases posteriores de pesquisa, principalmente no que serefere ao mane10 de dados qualitativos e à interpretação dos mesmos.

3.6 Considerações finais

Tendo elaborado uma breve comparação entre as metodologias qualitativa e quantitativa, bem como apontado os trajetos possíveis de um tipo paraoutro, gostaríamos de retornar às questões da metodologia qualitativa e apresentar alguns exemplos de estudos possíveis de serem realizados que ·se enqua-

dram dentro da especificidade de estudos qualitativos na área da saúde .Sugestão de temas para estudos qualitativos r e l a c i o n a d o s ~saúde:• Estudo sobre a forma como os indivíduos representam a doença e o

corpo para si próprios e sobre as especificidades que atribuem a essa .representação em relação ao seu status social (profissão e classe so-cial) ou gênero.

• Investigação das lógicas dos sistemas etiõlógicos-terapêuticos em de-terminadas situações. (Alguns estudos descrevem dois grupos de representações que operam lógicas distintas: num, a doença é considerada como uma entidade exterior que penetra no corpo do indivíduo, e acura consiste no combate a esse inimigo; no outro, a doença não é vistacomo exterior ao doente , mas originária dele próprio, e a cura consistenuma atividade reguladora .

• Modelos epistemológicos acionados para pensar a doença. (Estudosexistentes sugerem a existência de 3 modelos: o modelo biomédico, queprocede pelo isolamentodas especificidades etiológicas para então com-batê-las separadamente; o modelo psicológico, em que a etiologia ébuscada no próprio indivíduo; e o modelo relacional, no qual a doença épensada em termos de equilíbrio/desequilíbrio ou.harmonia/desarmoniaem relação ao meio ao qual o doente pertence).

• Investigação das representações sociais da doença em relação aos di-ferentes recursos de cura disponíveis na sociedade, ou seja, quais asrepresentações acionadas e atualizadas por esses diferentes sistemasde cura.

Nos exemplos acima, fica claro que a própria problemática de pesquisaestá baseada em um pressuposto teórico enraizado nas Ciências Sociais e que ,a partir desse, é que se opta pela metodologia qualitativa. Nesse sentido, valeressaltar que a definição das técnicas de coleta e análise/interpretação, emboraconsista em pontos fundamentais de uma pesquisa, encontra-se subordinada àescolha do terna e à elaboração do objeto de pesquisa . O próximo capítulo vaiaprofundar essas questões .

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44 M1 .10 1 llAN 111 1\ ll VA

i b l i o ~ cf a omcntadu

HELMAN, C. Fatores culturais em epidemiologia Cultura, Saúde e Doença, PortoAlegre : Artes Médicas, -1994 .

Nesse capítulo, Helman discute como alguns fatores culturais podem afetar aepidemiologia de doenças em diferentes partes do mundo, seja por sua influência nas

causas, no desenvolvimento de doenças ou na proteção confr i problemas de saúde.Além de afetar diretamente a exposição a risco s para a saúde, a ·cultura de determinado povo pode, por .exemplo, informar até mesmo os critérios diagnósticos, o que érevelado por estudos recentes sobre as interpretações dos médicos de sinais e sintomas de pacientes. A estrutura familiar, os papéis de gênero , os comportamentossexuais, os hábitos na educação infantil, aS alterações na imagem de corpo, as profissões, a religião, as estratégias de automedicação e terapias leigas estão entre uma

série de fatores culturais analisados pelo autor como fatores fundamentais na produção ·ou proteção de problemas de saúde, certamente refletidos na epidemiologia dedoenças nas diferentes culturas .

Bibliografia Referida

BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J.C.; PASSERON, J .C. La Construcción dei Objeto . El oficio de sociólogo. 9 ed . México: Siglo XXI, 1986.· Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand/Difel, 1989.GONÇALVES, H. A visão do paciente: além da adesã o ao tratamento da tuberculo-

se Porto Alegre, PPGAS-UFRGS (Dissertação de Mestrado), 1998.HAGUETE, T . M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis : Vozes, 1987.MINAYO, M. C.eSANCHES, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementa

riedade? , Cadernos de Saúde Pública 9(3) julho-setembro 1993, p . 239-262.PELTO, P. e PEL'IU, G. Antropological Research The Strncture of nquiry . Cambridge :

Cambridge University Press, 1987.SCRIMSHAW, S. e HURTADO, E. Rapid Assessment Procedures for Nutrition and

Primary Health Care . The United Nations University, Tokio, UNICEF/United Nations Childrens Fund e UCLA/ Latin American Center Publications, Los Angeles,1987.

,

4.1 Introdução

Con trução dobjeto de Pesquisa

A pesquisa científica necessita, para ser exeqüível, delimitar a amplitudede seu objeto de estudo. Isto significa que toda pesquisa opera um recortesobre uma determinada realidade, uma vez que é impossível contemplar, através de uma só pesquisa, a totalidade dos fenômenos naturais ou sociais. Esterecorte é num primeiro nível, um recorte temático, visto que ele explicita, dentre a multiplicidade dos fenômenos sociais e naturais, qual deles será investigado. Em um segundo nível, há outro recorte que poderíamos chamar de disciplinar , no sentido de que é a partir da perspectiva de uma disciplina específica(ou área do conhecimento) que determinado fenômeno será investigado. Em .outro nível, temos uma delimitação empírica do objeto de investigação, isto éonde a pesquisa será desenvolvida <;>uentão que comunidade, grupo, pessoascomporão o universo de investigação. Por fim mas vinculadoao anterior outrorecorte que opera a pesquisa está e l a c i o n a d o ~metodologia utilizada, que podetanto privilegiar um enfoque quantitativo e portanto, abrangerum maior núme- .rode sujeitos/processos investigados, como um enfoque qualitativo, contemplando poucos sujeitos/processos investigados, perdendo assim em amplitudemas ganhando na profundidade dos aspectos estudados.

Tomemos o exemplo da adolescência. Ao escolhermos estudar a d o l e s ~

cência, já estamos selecionando uma fase de vida específica. Não estamos nospropondo a estudar a vida desde sua concepção até a morte, mas apenas umaparte desta trajetória que podemos delimitar através de um critério etário e/ouatravés de um conjunto de modificações físicas e emocionais _ ue acreditamoscaracterizar esta fase de vida. Entretanto, a adolescência possui múltiplos aspectos que podem ser explorados em uma pesquisa científica e nós em face danossa formação acadêmica, devemos selecionar os aspectos que são pertinentes para a nossa área do conhecimento . Assim, se formos médicos ou biólogos,podemos nos propor a estudar os aspectos físicos relacionados a esta faixaetária; se tivermos uma formação em psicologia, iremos nos interessar mais

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46 A CONSTRUÇÃO O OBJETO DE PESQUISA

pelos aspectos anocionais; se formos sociólogos ou ~ n t r o p ó l o g o spoderemosnos questionar a respeito dos aspectos sociais e culturais vinculados a esta faseda vida; ou seja cada área do conhecimento possui interesses específicos dentro de um tema mais amplo. Todos esses aspectos compõem o fenômeno daadolescência, entretanto, cada pesquisa deverá delimitar aqueles aspectos quesão possíveis compreender e explicar a part ir da área de conhecimento e do

referencial teórico em questão. Mas se não podemos cóntemplar todos os aspectos da adolescência, não podemos também investigar todos os adolescentesdo mundo . Assim precisamos delimitar, em razão do que queremos estudar eda metodologia utilizada, quantos e quais adolescentes iremos investigar . E,embora existam técnicas estatísticas bastante sofisticadas para a realização deamostragens-representativas de uma determinada população, tem'os que terconsciência de que nosso recorte empírico vai determinar os resultados e aamplitude da pesquisa . ·

Assim, nosso primeiro recorte á está dado pelo tema que desejamos enfocar. O segundo vai configurar-se a partir de nossos interesses de investigação e de nosso referencial teórico. O terceiro e o último recorte vão estarrelacionados à metodologia utilizada e ao universo empírico privilegiado. A partir destes recortes efetuados na realidade, a pesquisa deve ser lida e compreen

dida. É a partir deles que os dados ganham significado e podem servir parasubsidiar tanto discussões teóricas como ações concretas e políticas sociai sque tenham porobjetivo o tema e a população estudada.

4.2 Tema e objeto de investigação

Uma das maiores dificuldades da pesquisa científica, em especial na áreadas ciências humanas e da saúde, é a formulação do objeto de investigação.Este, em geral. termina por ser confundido com o tema da investigação, causando uma série de dificuldades na delimitação do universo de pesquisa, naescolha da metodologia e técnicas a serem utilizadas e na própria análise dosdados. Dessa forma todo o bom projeto de pesquisa deve começar pela espe

cificação do tema partindo, a seguir, para a especificação do objeto de investigação propriamente dito.

O tema é o assunto que se quer investigar. O tema é sempre amploe não traz, necessariamente, um problema científico . Entretanto, a exp licitação da temática a ser investigada permite situar o leitor dentro do contextomais amplo no qual se insere o objeto que será investigado. Neste sentido, adefinição do tema fornece importantes subsídios para a justificativa da própria pesquisa ,

PESQUISAQU LIT TIV EM SAÚDE 47

É importante ter claro que o tema está colado à realidade empírica, elenão é uma abstração, mas uma leitura parcial e rápida da realidade. Ele define

· também os primeiros passos de uma pesquisa, visto que é uma primeira delimitação, ainda grosseira , do objeto de investigação. A parti r da definição do temada pesquisa, á é possível percorrer a bibliografia sobre o assunto, conhecer osaspectos do tema que foram mais trabalhados, identificar lacunas no·conheci

mento produzido, etc. Nesse sentido, a~ l i m i t a ç ã o

do tema orienta a constru-ção do objeto propriamente dito. lO objeto, por sua vez, não encontra, necessariamente, uma correspon

dência imediat a com uma realidade empírica, pois o ideal.é que sua problemática ultrapasse as situações concretas, ou melhor , se aplique a diferentesrealidades, embora com algumas diferenças, tais como de intensidade, formade apresentação, duração, etc . Assim, ao afirmarmos que o objeto de investigação científica não é igual à realidade empírica, estamos assumindo o fatode que a ciência trabalha sempre com uma realidade construída . Esta construção é determinada pelo seu recorte disciplinar, pelas características docampo científico da época, pela trajetória acadêmica e pessoal do pesquisador, pela conjuntura político-econômica e social, enfim, por um conjunto defatores que ultrapassam a ciência propriamente dita . A concepção de objeto

construído indica, como antes aprofundado, a problematização da relaçãoentre sujeito e objeto. O sujeito é incapaz de apenas descrever retratar oobjeto, como se fosse uma câmera fotográfica - até porque não existe oretrato totalmente objetivo - este depende da qualidade do filme, da máquina,da luz, do enquadramento, etc .

O objeto da pesquisa científica é desse modo, distinto do tema, visto quedeve apresentar, primeiro, uma delimitação do tema, ou seja, um recorte preciso, e segundo, deve trazer questões pertinentes ao campo científico ao qual ainvestigação se vincula . Assim, podemos dizer que o objeto é o problema quese quer investigar . Ele é sempre uma construção teórica e necessita ser delimitado em termos de: população (amostra), número de fatores a serem estudados(variáveis), espaço e tempo.

Embora possamos dizer que o objeto é o problema a ser investigado,não podemos confundir um problema científico com um problema social.Estes dois tipo s de problemas podem e mesmo devem estar vinculados,mas são de natureza diferente . Um problema social é a leitura que umgrupo social ou uma instituição faz de uma determinada realidade e transforma esta leitura em uma demanda, bandeira de luta ou questão política.Por outro lado, o probl ema científico pode ser construído a partir de umproblema social , mas deve romper com o senso comum desse, problematizando-o, desconstruindo-o, tomando-o como uma visão específica. Um problema científico deve, assim, considerar como parte da investigação a pró-

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pria m rg n iad pr bl ma ocial (momentohistórico, agentesenvolvi-dos, interessescm jogo etc.). ·

Para clarear a diferençaentre problema social eproblema científico,tomaremos o exemplo da Aids. Podemos considerar.que a epidemia daAidsé um problema social, pois atingeum grande número de pessoase acarretaum série de conseqüências econômicas e sociaisem diferentes níveis (pesso

.al, familiar, estatal). A Aids, diferentemente de outras doenças -que possuem igual ou maior prevalência e gravidade - conseguiu,' graças à ação daschamadas ONGs (Organizações Não Governamentais), colocar-secomo umproblema de toda a sociedade.É assim que, no Brasil, obteve-se a distribuição de medicação gratuitapara a Aids, aomesmo tempoem .que faltammedicamentos para outras doenças que não tiveram a mesma capacidade demobilização social e política. Mas, se a epidemia da Aids éum problemasocial, ela não é,em si, um problema científico.Para que esse problemasocial se transfonne em um objeto de investig;:ição, é necessário problematizá-lo a partir de nosso recorte metodológico e disciplinar.No caso,por exemplo, de uma pesquisa na área das ciências sociais, poderíamos questionar osfatores sociais e culturaisque agemcomo facilitadores da expansãoda epidemia entre detenninada população, ou ainda, poderíamos invest igar as re

presentações e as práticas relacionadas à doença e às formas de transmissãodo vírus, à concepçãode risco e às medidasde prevenção. Entretanto,naanálise dessas questões, a investigação científica deverá considerar t ambémos diferentes fatores vinculados à emergência do problemaem jogo. No casoda Aids, não poderíamos deixar de contemplar a influênciada mídia e dascampanhas de prevenção nas representações e práticas daspessoas o financiamento internacionalpara a doença, o papel dasONGs entre outroselementos.

4.3 A construção do objeto

O objeto da investi_gaçãocientíficarequer, dessa forma,um elaboradotrabalho de construção. E nele que reside, em grande parte, a originalidade dapesquisa. A explicitação do problema a ser investigado, dorecorte que estásendo privilegiado e dos limites e implicações desserecorte é um dos principaisrequisitos para uma boa pesquisa.

A construção do objeto reflete um processo de amadurecimento teórico,exploraçãodo tema e da realidade empíricaque é própria ao pesquisador, ouseja,é um caminhoque ele mesmo deve percorrer. Emboratendo claroquecada processoésingular, sugerimos, aseguir, alguns passos que podemauxiliarna construçãodo objeto de investigação:

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~ Q U S UAI 1 A" IVA 1 M SAUl I 49

1 artird unll·ma d int r sscbastanteampl ;2. vi ar alit ratura brco tema,tanto aliteratura i nt fi a om u-

rras fontes deinformação(internet, jornais, revistas, docum ntos);3. Identificar,combase narevisãobibliográfica,as especificidadesdo tema,

os aspectos privilegiados pelos diferentesenfoques(científico,jornais,revistas), a atualidade da questão, sua relação com a realidade·empíri

ca;4. Colocar, a partir do material consultado e de observações não sistematizadas, um conjunto de perguntas para o tema quese quer investigar;

5. Confrontar essas perguntas comas questões colocadas pela área deconhecimento específica da investigação;

6. Escolher um aspecto do tema que seja de interesse do pesquisador eque tenha relação com uma detenninada realidade empírica e comasquestões colocadas pela área de conhecimento;

7. Elaborar a problemática de investigação, delimitando o tema,as questões a serem investigadas.e suarelação com a área de conhecimento.

Comojá salientamos, é fundamental que o objeto a ser investigado sejabem delimitado. Esta delimitação deve levar em consideração, além de ques

tões teóricas, aspectos de ordem prática, tais como o número de pessoas envolvidas, tempo e verba disponíveis para a realização do estudo eda análise dosdados. Isso não significa que o estudo deva responder apenas a uma questão,mas sim que existe uma questão principal da qual pode derivar uma série deoutras perguntas. Em alguns modelos de projeto de pesquisa, isso aparece naforma de objetivo principal e objetivos específicos. Os objetivos específicossão, na verdade,as hipóteses, colocadasno fm:mato de perguntas, construídaspara responder o problema de investigação.A explicitação dessas perguntaspode melhor direcionar o estudo e auxiliar a elaboração dos instrumentos decoleta de dados (roteiro de entrevista e observação).

Porexemplo um projetode pesquisapode ter como objetode investigaçãoas relações existentes entre concepçãoe prática religiosae doaçãode órgãosesangue(Borgeset. ai, 1997). Assim, o objetivo principalé entender porum lado,a concepção queas diferentes relig,iões possuem a respeito da doaçãode órgãose de sanguee por outro, a atualizaçãodesse discurso na prática dos fiéis.

Os objetivos específicos vinculados ao principal são:1 compreender o lugar ocupado pela doação de órgãos e de sangue na

cosmologia da religião;2 identificar os diferentesfatoresrelacionadosà permissãoou interdição

da doação no contexto do discursoe da prática religiosa;

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5 ACONSTRUÇÃODO OBJETO DE PESQUISA

3 investigar a adesão dosfiéis aodiscursoreligiosorelativo à doação desanguee órgãos; ·

4. traçaro perfil dosfiéisqueseguem aorientação religiosa e daqueles quenãoofazem

5. identificar a concepção dos fiéisa respeitoda doaçãode órgãose desangue.

A definição do objeto de investigação não deve ser tomada, entretanto,como estática e permanente. Nas pesquisas que privilegiam a metodologiaqualitativa,há semprea possibilidade de redefinir o objeto durante o própriodesenvolvimento do estudo. Essa redefinição pode se dar em função dasespecificidades do grupo e/.ou localestudado,das mudanças sociais, econômicas e políticasou em razão mesmoda pertinência do objeto para o grupoeinestudo.

4 4 O universoempírico

Oobjetode investigação deveexplicitar, alémdo problema a ser investi

gado, ouniverso empírico que será contemplado e orecortetemporal privilegiado.O universo·empíricoé o que,nas pesquisas quantitativasé, em geral,chamadode amostraou população.Entretanto,na pesquisa qualitativanão trabalhamoscom a idéia de amostra ,visto que essa traz implícita a concepçãode que uma determinada parte de uma populaçãoé representativa do todo.Esse pressupostogarante,porsua vez, apossibilidade de generalização dosresultados obtidos.

Na pesquisa qualitativa, o universoempírico refere-seao grupo queseráestudado eao local onde será realizadaa investigação.E, emboranão hajaapreocupação coma aleatoriedadedesse universoempírico, a escolhadeve darse emfunção do objetode investigação.Ou seja, olocale ogrupoescolhidopara o estudo devem apresentaras melhores condiçõesde explicitaçãÔda problemáticada investigação. Assim se, por exemplo, queremos investigaras

modificaçõesno quotidiano ocasionadas pelo diagnósticode diabetes, iremostomarum grupode pessoascorri essadoençaou entãoum grupo de pessoasque convivemcom um diabético.Agora, seria muito difícil darmos conta desseobjetode investigaçãosetomássemoscomo~ n i v e r s oos moradoresde determinado bairro, a menos queessebairroapresentasseumaincidênciamuitograndeda doença.

Dessa forma,o primeirorecortedo universoempíricodiz respeitoaogrupoou grupos que participarão doestudo. O grupo pode serdelimitado

PESQUISAQU LIT TIV EM SAÚDE 51

em função de diferentescritérios:uma determinada faixa etária (adoles.cência,velhice,idade reprodutiva, etc.), classe social(classe média, altaoupoplilar), condição física(gestação,portadorde determinada doença, etc.),etnia (negro, índio, italiano,.alemão, etc.), sexo (homensou mulhe.res , gênero(masculino,feminino), profissão,condiçãomarital (casados, solteiros,viúvos, separados) e vários outrosfatores que,de algumaforma, podemcaracterizaras pessoasestudadas.Emgeral, ouniverso acaba senqo umacombinação de doisou mais desses critérios,comopor exemplo, d o l e s ~

centes gestantes de classe médiaou entãohomenssolteirostrabalhadoresda construção civil.

O segundo recorte do universo deve indicar o local onde o grupoeleito será recrutado. O fundamental é que o local escolhido garantaas ·melhores condições de acessoao grupo, tantono que se refereà disponibilidadeemgrande número do perfil desejado, comono quedizrespeitoàaceitação da presença do pesquisador por parte dos membros do grupo.Nesse sentido, podemos justificar a escolhade um bairroda cidade pelofato de eleapresentargrande incidênciada doença que queremos estudarou então podemos privilegiar determinados serviços de saúde por termosa aceitação do responsável paraa realização do estudo,ou ainda pode-

• mos optar por um local em razão dejá termos vínculos estabelecidos.A terceira delimitaçãoguedeve estar contempladano universodeinvestigação éa temporal. E fundamental explicitar qual operíododetempo que será contempladono estudo.É bastante diferente acompanharmos uma gestante do início da gravidez até o parto de tomarmosumúnico momento desse processo. O recorte temporal deve estar, evidentemente, emconformidadecom o objetoda investigação.

Porfim,o universoempíricodeve preverainda onúmerode pessoasqueserão contempladasna investigação, o chamadoda pesquisa quantitativa.Na pesquisa qualitativaessenúmero não é determinado porumcálculoamostral,tampouco rígido. Ele é indicado pela própria saturaçãoou recorrência dos dados, istoé, aquele momentono qual a busca denovossujeitosnão acrescentamais nenhum dado novo à investigação.

Entretanto, o fato de a pesquisa qualitativa trabalhar com populaçõesmenores nãos i g n i f i c ~que duasou três pessoas investigadas conseguirãodar conta do objeto. E fundamental que o pesquisador busque, dentrodeseu universo,a maior diversidade possível,de forma a contemplaras diferentes perspectivas do problema e obterumasaturaçãodos dados adequada.

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Dil>llogrnflu n •ntndu

BOURDIEU, P ; CHAMBOREDON, J. C .; PASSERON, J.C. "La construcción dei objeto". El oficio de soc iólogo. Juan Pablos: Siglo XXI , 1986 , 9 ed.

Nessa publicação, os autores debatem os princípios que nort eiam a definição de umobjeto .de investigação científica. Para eles, a investigação .científica se organiza emtorno de objetos construídos que não são iguais àquelas úii dades delimitadas pelaspercepção do real. Nesse sentido, pode-se dizer que há muita ·diferença entre o objetoreal e o objeto científico. Toda à prática científica implica pressupostos teóricos e umcorpo de hipóreses metodologicamente construídas com vistas à prova experimental.Assim sendo, numa investigação científica, não existe pergunta neutra . Por exemplo , apergunta: "você trabalhou hoje?" implica uma concepção pré-determinada de trabalho .

.Portanto, o sociólogo deve submeter suas .próprias interrogações à interrogação sociológica . Os autores avaliam que o questionário é apenas um dos instrumentos daobservação, cujas vantagens metodológicas não devem dissimular seus lim ites epistemológicos .

Bibliografia Referida

BOURDIEU, P "Introdução a uma Sociologia Reflexiva" . O Poder Simbólico . Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil SA/Difel , 1989.

étodo tnográfico de Pesqui a

5.1 Introdução

A Antropologia tem uma peculia ridade que é seu método próprio, chamado método etnográfico. O mét odo etnográfico de pesquisa é um conjuntode concepções e procedimentos utilizados tradicionalmente pela Antropologia para fins de conhecimento científico da realidade social. Uma abordagemqualitativa aos problemas de saúde identifica-se de várias formas com o mé-todo etnográfico.

omo um método de investigação, o método etnográfico data do final doséculo XIX e início do século XX, q uando alguns antropólogos começaram apropor uma abordagem diferente das existentes até então, posto que a reflexãoantropológica relaciona-se com a descobert a do novo mundo na metade doséculo XIV .

5.2 De etnografia e etnógrafos

Ao contrário dessa abordagem etnocêntrica, a abordagem etnográfica seconstrói tomando como base a idéia de que os comportamentos humanos sópodem ser devidamente compreendidos e explicados se tomarmos como referência o contexto sociid onde eles atuam . Para tanto, toma-se fundamentalentendermos o ponto de vista do nativo procurand o o significado das práticas pesqu isadas para os praticantes. Partindo do princípio de que as regras quenorteiam os comportamentos humanos não estão explícitas (ao contrário, mui-

, tas vezes enc ontram-se veladas), o trabalho do pesquisador deve ser o de examinar minuciosamente os diversos aspectos da vida dos diferentes grupos sociais . Por isso, o trabalho de campo intensivo com observações in lo o que nosconduz ao ponto de vista do nativo é fundamental. Somente essa abordagempermite a construção de um conheciment o baseado no confronto entre as nossas hipóteses e as nossas observações.

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O é t o d ~etnográfico de pesquisa possibilitaaoinvestigador compreenderaspráticasculturais dentrodeumcontextosocialmaisamplo,estabelecendoasrelaçõesentre fenômenos específicos e uma determinada visãode mundo.Entretanto,como á referido, emboraaspráticaspossarq ser evidentesaosolhos, omesmonãosepode dizersobreosvalores queasmotivam;asregrasqueasorganizam que não estão, necessariamente, expressas numcódigo de

leis. Segundo Malinowski 1984, p.24), elasencontram-se incorporadas nomais evasivo de todos os materiais: o ser humano. ·. A compreensão dessesv a l o r e s ~regras implica, assim, a consideraçãodorealemsuasdiferentes manifestações. Para Malinowski, o pesquisador devedar contade três áreasda realidade que constituema totalidade da vidatribal quesão:1.o arcabouço da constituição dasociedade; 2.os imponderáveis da vid real; e 3. o espírito do nativo .

Desvendar oarcabouço da constituição da sociedade consiste eminventariar a constituição social de um grupo, suas leis e regularidades,asdiferentes instituições, tudo o que compõe sua organizaçãosocial.Para tanto, osdocumentos escritos sobre a sociedadeemquestão e sua organização são fundamentais.Já osimponderáveis da vida real sãofenômenos que não se.encontram registradosnempodem ser investigados atravésdeperguntasoudo

cumentos.Sãosimplesmente procedimentos cotidianos como rotinasde_rabalho, cuidados como corpo, formas de comer e preparar alimentos, ou mesmocaracterísticas como o tomdasconversas, os sentimentos, etc. Esses são., emgeral,obtidosatravés de observaçõesin loco. Oespírito do nativo segundo

.Malinowski,sãoospontosdevista e opiniõesx p r e s ~ a sosideais,osm o ~ v o se·ossentimentosque impulsionam o indivíduoà ação.E tudo oqueé verbahzado,portantoobtidomediante depoimentos, daí a importânciadasfalas edasexpressõesêmicas.

Estastrêsáreas da realidade, como pode ser observado, remetem-nos adiferentestiposde dados: registros escritos, observacionais e discursivos,osquaissãocomplementares e podem ser utilizadosnatriangulação de informações. Paratantoáreas técnicasdepesquisa podem ser utilizadas.

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PESQUISA QU LIT TIV EM,SAÚDE 55

Deve-se ressaltaraimportânciadesetrabalhar considerando essestrêsníveisderealidade,namedidaemquea apreensãodeapenasumdelesseria

· r ~ aapreensão parcial da realidade. Muitas vezes, observamos queasaçõesnemsempre correspondeinàsracionalizações.Emoutras palavras:nemtudoque se diz é o quesefaz evice-versa. Nem tudo quesefaz é documentado, enemtudo oquee ~ t ádocumentadocorresponde àquiloquesefaz.A triangula

ção possibilitaumaaproximaçãodosdiferentes níveis e permiteumaapreen-são mais ampladarealidade. . . 1· Numa investigação sobre a realidade social, deve-se consideraro ato de

queapesquisadecampodotipoetnográfica implicaumarelaçãosocialentreopesquisador eospesquisados.A qualidadedos dadosobtidosdependeem grandepartedamaneiracomoessa interação socialseestabelece. Por essemotivoosetnógrafos buscam estabelecer.comosseusinformantes uma relaçãodeproxi-midade,deconfiança, baseadaemprincípios éticos.

A aceitaçãodopesquisador porpartedos sujeitos investigados éfunda-mental para a qualidadedodadoobtido. Por isso, é importantequeopesquisa-dor planejeasua entradanolocaldapesquisadeforma cuidadosa. A identificaçãodopesquisadorcomo alguémquenãomerece a confiançadogrupo pode

~ tornar a pesquisa totalmente inviável.

· Éevidentequeasrelações entre pesquisador epesquisado, assim como• todasas relações sociais, envolvemumalto grau de subjetividade. Porissomesmo, o trabalhodopesquisador precisao f r e rumprocessodeobjetivaçãoque pode ser obtido atravésdepermanentes revisões críticasdotrabalhodecampo, pela explicitaçãodospapéis representados pelos atores envolvidos,pela explicitaçãodospressupostosdopesquisadorsobre o grupo estudado epela constante análisedasrelações sociais estabelécidas dentrodogrupoinvestigado.

5.3 Problemaspráticos dotrabalhodecampo

O trabalhodepesquisadecampo explicita aquilo que se entendecomoinerentea:o trabalhodoetnógrafo, que é o problemadadualidadedopesquisador.Este é alguém que precisa estara6 rnesmo tempopróximo edistante dogrupo estudado.Eleé alguém quenãopertenceaogrupo,m ~falaCOJUÓsefossedogrupo.Eleprecisaestarpróximodogrupo pesquisadoe aomesmotempo, dele distanciar-se paranãoser excessivamente impregnado pelapro-blemátÍcaepeloponto de vistadogrupo pesquisado.O pesquisadorenfrentaoproblemadetransitar entredoismundos: o acadêmico-Científico e odogrupopesquisado. Edeveencontrar ajustamedida, o equilíbrionecessário:elepreci-sa terumaboainserçãoemcampo, o quesóacontece quandoháalgumnível

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d·empa tia e 1 d v· · nh cr oponto de vista e avisão de mundo dos pesquisad s.N ntant ,n·opode se impregnar pelasverdades do grupo."Beber naboca do informante é umaexpressão utilizada para configurar asituaçãoemque o pesquisador incorpora acriticamente o discursqdo pesquisado.Ele assume odiscurso do pesquisadonão na sua condição de discurso,mas comodadosobre oreal, abdicandode seu papel analítico e assumindo a causado grupo.Éevidenteque as pessoas pesquisadas formulamsuas. e o r i a ssobre o mundo,têm suas razões,evocam justificativas para seusatos, mas o papeldo p e s q u i ~ a -

dor é mais analisar tais formulações e menos adotá-las parasi e para seutrabalho.

Além disso, é importante que busquemos avaliaros efeitosda presençado observadorna própria observação, o que realmente não é tarefa fácil,mas ,no mínimo, devemos ter claro que a presençado observador é partedo evento·observado,isto é, mui.as ações observadas podem ter sido geradas pela própriapresençado observador. Por outrolado, um fato que merece ser também consideradono processo de objetivaçãodo trabalhode campo é a relação entrenossas escolhas de pesquisa e nossas questões pessoais, que, com muita freqüência, encontram-se vinculadas,mesmo que não o reconheçamos.

Assim, mais do que um problemateórico,evidenciado pelo debate sobre oquese convencionou chamar de pós-modernidade (Marcus,1991 e Rabinow,1988)emAntropologia,a dualidadedo pesquisador coloca questões que requerem uma reflexãomais aprofundada antes mesmo de iniciar-se o trabalho decampo.Estas questões sãodo tipo:

Qual será a entrad a no grupo a ser pesquisado?

Define-se entrada como a forma de acessoao grupo pesquisado. Dessaentrada, dependem muitasdas variáveis com que o pesquisador deparana suapesquisade campo. Se, por exemplo,ao pesquisarmos um grupode serviçosdeenfermagem, somos apresentados como pesquisadores pela direçãodo hospital ou sesomos introduzidos porum colega enfermeiro, essas apresen.taçõesproduzirãodiferentes impactosna forma comoseremos absorvidos pelo grupo

pesquisado. Pareceum tànto óbvio,mas muitos pesquisadores nãose dão conta da importância desse momento, tantoao escolher a forma de apresentação,quantoao explicitar, no relatório finalda pesquisa,esse momento crucial.

Como romper com a visão oficial do grupo ou a imag em pública queo grupo deseja proj etar ?

Há uma tendência naturaldo pesquisado de oferecerrespostas ao pesquisador queele creia seremdo interessedo último e assim apresentar um a

l't (J\11 . A l lAll lAllVAIMSA\ 1 7

im ag m fa ts d r dHI u vu l dz ir s" P is. ,p squ isadorcxp m ·nd v 11 7 r •l 1

ma"direta a pergu nta obreoqueelequ r invc·tigar. r is . .hu f r m ~ s

de perguntar, aliadas à observaçãotreinada, paracheg '. ~ bJ ~ v o qu isermos investigar aviolênciapresentenas relações familiares, nao ~ er g un ta -

rembsàs pessoas se elassão vio lentas. Podemo s a p r e~e n t a rum caso deviolência e pedir uma análise para investigarse o entrevistado reconhece asituaçãode violência.Ou perguntamos, por exemplo, oque um pai deve fazerao descobrir que o filho lhe mente. . , .

A pesquisade campo é constituída dec o m p a n h a m e ~ t os 1 s t e ~ a t 1 ~ 0edeusode técnicas concomitantes precisamente parase mumrdb maior numer?possívelde controles sobre ogrupo. Assim, coteja-se o manifestocom o praticado,observa-se o grupopesquisado em diferentesmomentos.

Como cónhecer os f tos não oficiais ?

·Há sempre uma versão oficial que éf e ~ e c i d ap r i m ~ i r a m e n t e .E a.écoerente e consistentecom as imagens que a sociedade dommante e a nudiapro-

<luzem paraoenômeno. Para conheceros fatos oficiais,há, normalmente,boas fontes de acesso.Dependendode nossa pesquisa, porém,os fatos nãooficiais podem sermais importantes ee v e l a ~ o r e s .Só o e m ~ ocontinuadodepesquisavai permitir queos conheçamos,pois elesa p a r e c e r ~ ono d e ~ o r r e r~ a

convivência. Elesse apresentarão nas falas, nas c o n v e r s a ~informais,~ e . ª º

reveladosem atitudes,em sugestões.Os informantes,pesquisados quepnv1legiamos por uma relaçãode maior cumplicidade,sãoboas fontes paraos fatosnão oficiais.

Como controlar o tipo d e informante de que se dispõe, já que essepode determinar um tipo de informação recebida?

Quantomais olhares se puderem inventariarno c u r ~ od o t r a b ~ h ode campo ,melhor, pois mais o contraditóriose manifesta, mais ad1vers1dade.se faz

presente. Também mais esforço demanda parasep e r c e b e ~

ae g u l ~ n d a d ~ ,

mas é a única forma dese chegar a ela.Conhecerum grupo e poderd1scernrra regrada exceção, a regularidadeda excepcionalidade. u a n ~ oçliante de ~

fenômeno observávelem campo, estamosseguros de queele e representativodo grupoou trata-sede um fato isolado, significa que estamos finalmenteconhecendo ogrupo pesquisado.

Para isso,é preciso identificar o nosso informante, mapeá-lo eter emmenteque ele apresenta oseu ponto de vista.Conhecerum grupo c u l ~ r a l m e n -

te definido é conhecer aquelegrupo. Estamos, porexemplo ,mvesttgandoos

Ú

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moradores de uma vila que será removida e nesta vila há uma comúnidade deTestemunhas de Jeová. Se eu pesquisar apenas eS.Ses Testemunhas de Jeová,eu não terei um estudo sobre os moradores da vila X, mas sobre os moradoresTestemunhas de Jeová da vila X Naturalmente se o meu objetivo for conheceros moradores dá vila, precisarei estratificar ao máximo o meu universo de pesquisa dentro da vila . Essa estratificaÇão representa um maior controle das in-formações . ·

Alé Jl das questões antes mencionadas, algumas àdvertências sobre o trabalho de campo se fazem necessárias : ·

Cuidado para não ferir suscetibilidades das pessoas integrantes do grupo

Embora se saiba que não existe neutralidade em pesquisa, há uma grandediferença entre pesquisar e ser militante. O fato de não sermos neutros nãoimplica que tomemos e defendamos posição no curso da pesquisa. Não parecerazoável pesquisar usuários de drogas e, ao mesmo tempo, doutriná-los oumostrarmo-nos indignados com os danos que os mesmos estão infringindo asua saúde ou com conseqüências morais de suas atitudes. Há uma diferença aser considerada entre pesquisa e intervenção,* que são momentos distintos eque, como tal, para o bem de uma e de outra, devem ser respeitados.

Processo de identificação/classificação do pesquisador.

Na interação com o grupo pesquisado, há uma tendência natural dopesquisador de identificar-se com a problemática daquele. Há que se projetardesde o início corno e quando a pesquisa terá seu fim e, ao mesmo tempo, pensarnas implicações éticas da pesquisa . A forma de resolver esses · impasses édeixar sempre bem claro ao grupo pesquisado que se trata de uma investigaçãoe quais as finalidades da investigação. ·

As relações pessoais que o pesquisador consegue estabelece[-

Na esteira dos itens anteriores, o pesquisador; muitas vezes, acaba esta

belecendo laços com os pesquisados que poderão se dissolver com o encerramento do trabalho de campo. Não há qua_quer impedimento moral para queuma amizade nasça dessa relação . O que se configura num problema de pes-

Ver comentários a respeito da pesquisa-p articipante ou pesquisa-ação na página 64ou consultar Haguett e, 1987, capítulo XI, Pesquisa-ação e pesquisa participante .

1l1

1

1

PESQUISA QU LIT TIV M SAÚDE 59

quisa é se for criada uma expectativa de continuidade da interação que nãoseja confirmada com o findar do trabalho de campo.

Na tentativa de controlar um pouco as variáveis antes discutidas, que secolocam pelo próprio tipo de trabalho de campo de:ejado, parece útil ~ l e m r ~

alguns aspectos fundamentais do Método Etnográfico, segundo Ma:hnowski(1984),quesugere: . A •

• coletar dados sobre uma grande vanedade de fenomenos;• estudar cada fenômeno mediante a mais ampla variedade possível desuas manifestações concretas;

• registrar as peculiaridades sutis que chamam a aten?ão enquanto sãonovidades e depois deixam de ser notadas, o que eqmvale ao chamadoDiário de Campo;

• não inquirir sobre regras gerais e abstratas, mas a partir de casos queos pesquisados serão convidados a analisar.

Bibliografia Comentada

MALINOWSKI, B. Terna, Método e Objetivo desta Pesquisa . Argonautas do Pací

fico Ocid ental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. São Paulo, Abril Cultural, 1984. Col. Os

Pensadores .

Nesse capítulo introdutório a urna das mais clássicas etnografias, o pioneiro Malinowski descreve minuciosamente os princípios e fundamentos do trabalho de campo.Junto à abordagem técnica, está esboçada a sua experiência junto aos aborígenes dasilhas Trobriand (década de 191 O). Observação direta, convivência diária e íntima, contato efetivo, registro sistemático e, por fim, tradução de uma cultura (a pesquisada) paraoutra cultura a do pesquisador) são enfocados neste capítulo, fazendo dele leituraintrodutória e obrigatória para interessados em pesquisa de campo.

Bibliografia Referida

HAGUETE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia . Petrópolis, Vozes, 1987 .LAPLANTINE , F. Aprender antropologia. 8 ed. São Paulo : Brasiliense , 1994 .MARCUS, G. Past, present and ernergent identities : requirements for ethnographies of

late twentieth century rnodernity worldwide. Anais da 17ª Reunião da Aba . Florianópolis, 1991.

RABINOW, P. Beyond ethnography: anthropology as norninalisrn . Cultural An-thropology v 3, n 4, 1988 .

PEIRANO , M . favorda etnografia . Rio de Janeiro : Relume Dumará , 1995.

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6 1 Introdução

é c ~ i c a sde esquisa

Como foi ressalt ado no Capítul o III, as técnicas de pesquisa que compõem um tipo de metodologia não podem ser pensadas isoladamente, comoinstrumentos de coleta de dados prontos a serem aplicados aos sujeitos depesquisa, a fim de que produzam as informações de que o pesquisador necessita. Na verdade, além do processo já explicado da necessária vinculação comum referencial teórico, as técnicas de pesquisa qualitativa são um complexo de

procedimentos que devem ser pensados e escolhidos conforme os objetivos do• trabalho. A escolh a dos procedimentos não é, sob hipótese alguma, aleatória ,

assim como não é aleatória a es colha dos sujeitos/objetos de pesquisa , conforme discutido no capítulo IV . Cada pesquis a deve definir os procedimentos apropriados para o seu fim. Para que uma pesquisa dê conta com sucesso de seuobjeto , é fundamental a escolha das técnicas previstas na metodologia. Umavez estabelecido o objeto de pesquisa, o passo seguinte é decidir corno coietarinformações para estudá-lo . O uso de técnicas combinadas, isto é, a utilizaçãocoerente de mais de uma técnica, permite suprir lacunas e tornar mais completa a coleta de informações em campo.

É preciso lembrar que as técnicas de pesquis a podem ser divididas emtécnicas de coleta de dados , técnicas de registro de dados e técnicas de aná-lise interpretação de dados.

6.2 Técnicas de coleta de dados

As técnicas de coleta de dados descritas a seguir observação participante , entrevista, grupo focal , história de vida, rede de relações, elaboração dedesenhos e classificação/ ordenação de fotos ou gravuras - são as mais usuai sem pesquisas qualitativas em saúde. Todas elas já foram testadas em projetosde pesquisa de Antropologia Médica com bons resultados . Entretanto , vale

62 T C N I C SPESQUISA

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. 1

1.

· ··

62 T ~ C N I C SDE PESQUISA

salientarque o entendimentodas mesmasnão dispensao treinamentodopesquisadorda área desaúdejuntoa umaequipe com e'xperiência empesquisaqualitativa,que pode oferecer,apoio e supervisãoao trabalhode coleta eanálise dos dados. Alternativamente, muitos pesquisadores daáreamédica têmincorporado antropólogosàs suas equipesde saúde, apostandonariquezadotrabalhointerdisciplinar.Portanto,o objetivoda descriçãoquese segue é fornecer uma idéiados tipos de dados quetais técnicas podem.obter, o que é neces

sárioparacada procedimento,alémde oferecer uma reflexão sobreas implicaçõesdecadauma delas.

6.2. l Observação p rticip nte

Observar,na pesquisa qualitativa, significa examinar com todosos sentidosum evento, um grupode pessoas,um indivíduo dentrode um contexto,com o objetivo de descrevê lo. Não se justifica, portanto, participar deumevento, sejacomo profissional de saúdeou como paciente, por exemplo,e,posteriormente,buscardescrevê-lo,se a finalidade inicialnão era observaroselementosdessaintervenção. Ocorre que a observaçãona pesquisa qualitativanão é umaobservaçãocomum, mas voltada para a descrição de uma proble

mática previamente definida, e que, por isso mesmo, exige um treinamentoespecífico.Adefiniçãode uma problemáticade pesquisaé, necessariamente, anteri

orao ato de observar, porque é ela que direcionaos nossos sentidos para elementosaos quais normalmentenão estaríamos atentos eque podem:·estar relacionadosao nosso objeto de pesquisa.Ajustificativapara oprocedimentodeobservação estáno pressuposto de quehámuitos elementos quenãopodemser apreendidos por meio da falaou da escrita. O ambiente,os comportamentos individuaise grupais, a linguagemnão verbal, a seqüência e a temporalidade·em que ocorremos eventos são fundamentaisnão apenas como dados emsi,mas como subsídios para a interpretação posteriordos mesmos.

Aobservaçãoparticipante,como uma técnica de pesquisa qualitativa, trazconsigo adualidademencionadano capítulo anterior, quese traduzna necessidadede o pesquisador estar,ao mesmotempo, distante epróximo do objetodeobservação,ou seja, dentro e forado evento observado. Além disso,é necessário sabermedir os efeitosda presençado observadorna própria observação,o que é provavelmente o procedimentomais difícil e importante envolvido nessa técnica. Aimagem do investigador como umamoscana parede ,ou seja,como alguémcom a capacidadede observar tudosemser observado e seminfluenciar o ambiente onde elese encontra está há muito tempo ultrapassadapor sua intrínseca impossibilidade. A maneira mais pertinente de observaré

PESQUISA QUALITATIVAEM SAÚDE . 63

tendo claro queapresençado observador é partedo evento observado.Torna-se,p.ecessário, portanto,avaliaros efeitosdestapresençano próprioevento,

·tendo sempre em mente que muitasações observadas podemtersido geradaspela própriapresençado observador. . ·

No que se refereàs formasde registrode dados,nos casosde observação, sugerimos, alémdo treino da memória,que é essencial, tomarnotMbrevesde formadiscreta e expandi-las posteriormente. Seguem-sealgumas sugestões

deelementos a serem observados numa situação de pesquisa. 1

- conteúdo e localizaçãodos itensno espaço;- relação entre o ambiente interno e externo;- ·relaçãodas pessoas com o espaço;- distância/proximidade entre pessoasde um gruponum dado espaço;- distância com relaçãoao observador;- modificações na espacialidadeao longodo períod?de observação.

- postura corporal;- as normasde conduta explícitas e implícitas;- toques;- contatovisual.

- verbal e não verbal;- tomdevoz;- vocabuiárioêrnico. (ver notade rodapéda página37

- as pessoas observadas entresi;- as pessoas observadas com o observador;- o comportamento/participaçãodo próprio observadornos eventos

observados.- comoas açõesdos informantesse relacionam com oque elesdizemque fazem.

- ciclo curtoou ciclolongo;- seqüênciados eventos:- diferentes momentosdo objeto investigado.

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1

t t

Muil . uisu 1 que s tã se aproximando d a pes quisa qu alitativaco nfund cm a o se rv ação parti cip ante com p esquisa part icip ante, tamb émchamada d e pesquisa -ação. A observação participante é uma t écnica de pe squisa que é usada por quem faz pesquisa participante, mas não deve se r confundida com essa.

Observação participante pode ser definida como

proccSSO pelo qual mantém-se a presença do obse;.,ador numa situaçãosocial coma finalidade de realizar um investigação científica . O observador_ estáem relação face-a-face com os observados e, ao participar d vida deles no seucotidiano natural, colhe os dados . Assim, o observador é parte do contexto sobobservação, ao mesmo tempo, modificando e sendo modificado por este con texto(Schwartz& Schwartz, apud Cicourel , 1990, p . 89).

· Diferenças entre observação participante e pesquisa participante:

tem como objetivo conhecer e

compreender a realidade

• a definição do objeto, técnicas,e análise dos dados estãocentrados no pesquisador

6.2.2 Entrevistas

tem como objetivo

transformar a realidade• os membros do grupoestudado participam de todo oprocesso da pesquisa

• implica um processo deinvestigação , educação e ação.

As entrevistas na pesquisa qualitativa podem ser de vários tipos , coi:istitu-indo um espectro que vai desde uma conversa informal até um question áriopadronizado. O grau de formalidade deve ser definido conforme os objetivos dapesquisa, dependendo do tema a ser tratado e , principalmente , tendo em vista oque é apropriado culturalmente para o grupo pesquisado , sendo que m m s -

ma pesquisa pode conter vários tipos de entrevista . Novamente , sahenta-se aimportância deter-se muita clareza dos objetivos da pesquisa, porque são elesque vão definir quem entrevistar, o conteúdo das e n t r e ~ i s t a so númer? depessoas entrevistadas , o número de entrevistas com cad a mformante e , fmalmente, o tipo de entr evista apropriada para cada caso - semi-estruturada ,com ou sem roteiro.

r x mp l su nh s 1

r t u ~de cura m um 1 inaclCipante nos rituai , prc isar amo r lizar ntr ·visws 1 s 0 1 s clii ·t r ·sda institui ção p ara conhecer a s ua história, eu prin fpi s, sua mp iç· , uaorganização , e prec isaríamos também rea lizar uma érie de entrevi tas ma is oumenos formais com as pessoas que parti cipam dos ritos para conh ecer s uasmotivações , suas reações, tanto nas ses sões d e cura , no espaço do Centro ,como posteriormente, avaliando os resultados dos rituais em outras esf qras desuas vidas . Poderíamos sugerir, assim, que, num primeiro momento , fosse realizada uma sér ie de entrevistas formais com todo s os participantes dos rituaiscontendo dados básicos do tipo idade, sexo , condição sócio-econômica, motivoda consulta ao Centro Espírita , freqüência aos ritos , etc.

De posse desse levantamento, selecionaríamos apenas as pessoas que'procuraram o Centro em busca de soluções para problemas de saúde. Comesses participantes, poderíamos realizar entrevistas em profundidade, traçandoa sua hj.stóriapessoal dentro ou fora da doutrina espírita, suas motivações, sµascrenças, seus objetivos imediatos e/ou de longo prazo, enfim,uma infinidade defatores que poderiam nos ajudar a compor o mosaico, onde as curas se reali-

~ z mounão .Para tanto, seria .necessário .não apenas uma entrevista, mas \lma aproxi-

• mação com os informantes, resultante de uma série de encontros mais ou me-nos formais , de entrevistas de duração variável , em locais diferentes . O fundamental , nesse .caso, é que se ·avalie permanentemente o quanto estas alternativas - a entrevista mais curta ou mais longa , a entrevista no.Centro Espírita ouna casa do informante, a presença de outras pessoas ao longo da entrevista e aprópria imagem que o.informante faz do pesquisador - estão direcionando asrespostas do informante .Esses elementos precisam ser considerados na fasede análise de dados sob pena de distorcer tot almente a pesquisa

6.2 .3 Grupo foc l

A técnica de grupo focal é provavelmente mais conhecida por sua utilização por empresas de mark eting ou pela mídia . Vem sendo utilizada tambémem pesquisa qualitativa resgatando uma tradição de.entrevista em grupo umafanu1ia, um grupo de amigos, líderes comunitários, entre outros) que é bastantecomum em Antropologia.

O fundamental, para o sucesso da técnica , é que exista umfoco isto é ,um tópico a ser explorado . Assim, um grupo focal pode abordar:

1. um tema específico, a fim de captar as diferentes visões sobre o mesmo . Por exemplo, junto a um programa de prevenção de Aids, verifica -

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PESQUISA QUALITATIVAEM SAÚDE 71

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l1.1 1r'j

Noexemplo verificamos quatro pessoas-dui. -s mulheres e dois homensque freqüentam a mesma escola, três deles são usuários de drogas injetáveis

e compartilham seringas e agulhas. Uma das mulheres não é usuária,mas temrelações afetivo-sexuais comum dos homens. Essas relações sãoe m o n s t r ~

das atravésdas linhas contínuas (relações afetivo-sexuais), linhas pontilhadas(freqüênciaàmesma escola) e linhaswww (uso compartilhado de seringas dedrogas injetáveis). Em pesquisas na área de saúde, a viSualização das trocas

realizadas poruma rede de relações pode ser extremamente útil nas investigações sobre o aumento da vulnerabilidade ou da proteção de certo grupo paraalgum agente etiológico. .

6.2.6 Elaboração de desenhos

A técnica de elaboração de desenhos consiste em propor aos pesquisadosque_representemgraficamente uma determinada situaçãoou concepção. Apartirdo desenho, pesquisador e pesquisado entabulam uma discussão que seapóia nos elementos surgidosno desenho. A elaboração de desenhos comotécnica de pesquisa qualitativa em saúde se assemelhaàs técnicas projetivasutilizadas principalmente pela Psicologia, uma vez que se baseiamno pressuposto de queos informantes,ao entrarem em contato comos instrumentospropostos,irão"projetar" suas representações sociais sobre o fenômeno enfo-cado. ·

Esta técnica é apropriada a casos em que a comunicação oral não semostra súficiente para levantaras impressões do pesquisado. Hipóteses nãopresentes para o pesquisador surgem a partir desta técnica, assim como elacria um elo entre pesquisador e pesquisado. O primeiro faz perguntas a partirdo desenho e o segundo responde também a partirdo desenhoe assim, cria-seum ponto de convergência entre ambos. A técnica de elaboração de desenho éu ~ l i z ddeforma complementar a outras.Assim como para qualquer técnica,o mstrumento deve ser bem planejado e bem explicado para não procluzir oefeito contrário, isto é, inibição diantedo que pode parecerum "teste".

Uma pesquisa exemplar em Antropologia foi a realizada por DaMatta (1987),que usava a técnicade desenho entreos Apinayé. s índios daquela sociedadetribal, embora vivendo em casas situadas ao longode uma estrada, quandosolicitados a desenharem a disposição geográficade sua tribo, fizeram-na deforma circular refletindo, assim, as divisões tradicionais do grupo, ou seja, suarepresentação mental sobre a organizaçãoda tribo.

Em outro estudo, mais recente, na área de Antropologia Médica, utilizamos a técnicade desenho do corpo humano para refinar o estudo sobre con-

·

PESQUISA QUALITATIVAEM SAÚDE 71

cepçõesde localização e funçãode órgãos corporais. Nesse caso, a técnica foi, bastante útil para motivar os informantes a explicitarem suas representações

)sobre o interior do corpo - um tema, sem dúvida, bastante difícil deser abordado de outra forma. (Víctora,1991 e 1996)

6.2.7 Classificação/ordenação de fotos ou gravurasi

A técnica de classificação/ordenação de fotos ou gravuras consistenaapresentação, aos informantes, deum número determinadode fotos de pessoas em situações diferentes ou com diferentes condições físicas (pessoasmaisgordas e mais magras,mais altas emais baixas, mais simples e mais sofisticadas, mais modernas e mais antigas), solicitando queos informantesas coloquem em ordem quantoaó estado de saúde - do mais saudávelao maisdoente do tipo mais propenso ase contaminar poralgum agenteetiológicoaté aquele considerado fora de risco;estética - práticas de saúde ou sexuais associa-·das; possibilidade deestabelecimento de relacionamento tipo preferidocomoparceiro sexual; entre outras coisas. O mesmo pode ser feito paratipos ecoresde medicamentos e alimentos, visando conheceras representações eos valores atribuídos pelos informantes àqueles elementos apresentados.

É importante lembrar queos comentários a respeitodos tipos apresentados devem ser registrados pelo pesquisador com muitos detalhes e tantoosdados da classificaçãoem si comoos comentários gerados nessa situaçãosãotrabalhados para a compreensão das representaçõesdo informante a respeitode uma dada condição. Em outras palavras,os desenhos e as gravurasnãofalam porsi próprios, eles são dados que deverão serconsicieradosdentro-dasespecificidades e limites da própria técnica.

Nas experiências de pesquisa do NUPACS, essas técnicas são muito úteispara motivar uma conversação que, por sua natureza íntima ou delicada, seriadifícilde ser desenvolvida. Entretanto, vale ressaltar que a apresentação defotos/gravuras trabalha basicamente com"tipos ideais", ou seja, tipos préclassificados ou estereótipos. Cabe ao investigador tirar o melhor proveito

também desse fato, explorandoos significados dos estereótipos juntamentecom seu informante.

6.2.8 Análise de documentos

Pouco utilizadana pesquisa qualitativa,nem por isso a pesquisa documental deixade ser uma boa fonte de informações, que pode aliar-se a outrastécnicas de coleta, complementando-as ou evidenciando fatos novos. São

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iii'r

bjçL d· p squ isud uincntal os docum entos oficiais leis, reg ulamento , ),p s ttis( ru L ,diários, aulobiografias),públicos (livros, jornais, revistas, dis-cur os). . .

Uma pesquisa sobre comoas pessoas encaram e vivem a aposentadoriapor invalidez, por exemplo, deverá incluir, em alguma medida, o conteúdodosdispositivoslegais sobre o beneficio e poderá explorar, a seguir, a recepção dosindivíduos atingidos pelos critérios legais. Um estudo'sobre profissionais da

área de saúde poderá explicitar a regulamentação da categoria ouas obrigações estabelecidas no código de ética da profissão, assim como manifestaçõessobre a profissão em revistas e jornais especializados.

Umadas vantagens da pesquisa documental, comparada, por exemplo,com a entrevista, é a fonna elaborada do conteúdo e o fato de, uma vez nanossa posse, o documento estar disponível para a análise. A seleção dos aspectos de interesse junto à fonte documental é mais rápida, garantindo maior controle e domínio por partedo pesquisador.

A maioria das críticas que a técnica sofre (tratar de amostras não representativas, vàlidade questionável, etc) pode ser atenuada pelo bom sensodopesquisador e pela combinação com outras técnicas.É preciso, porém, que opesquisador tenha claro que.a análise de documentosvai lhe exigir uma habilidade extra se ele quiser ir além da simples checagem de informações. A análise de conteúdo, método de investigaçãodo conteúdo simbólico de mensa-gens (Krippendorff, 1980) exige preparo na área da lingüística. .

Se o volwne de documentação coletado for muito grande,o pesquisadordeverá classificaros documentos, conforme critérios definidos o mais cedopossível, de forma a economizar·temponas consultas posteriores e na fase deanálise. Deve-se ter presente também a necessidade de descarte de informações não relacionadasàpesquisa, ainda que pareçam muito importantes. Háuma fase da pesquisa, principalmente se ela não estiver bem amadurecida, emque se tem a impressão de que tudo é importante. Corre-se o risco de mergulhar numa avalanche de dados, que não se consegue trabalhar e que acabampoluindo e desviando a atençãodo foco da pesquisa. ·

6.3 Técnicas de registro ded dos

Algumasdas técnicas de registro de dados qualitativosjá foram aqui brevemente mencionadas, bem como as notas, brevesou detalhadas,as gravações,os registros de observações,os gráficos de parentesco,as redes de relações,os desenhos, entre outras, mas,dadasas suas peculiaridades, torna-senecessário esclarecer o esquema básico deregistro de dados requerido pelapesquisa qualitativa.

.3. 1 Diár o ri po

\ É chamadode di. ri d ; un p l11s11 u111 11 0 ~ h si ·od 1dadosdo pesquisador. n pirado nsLmbu lh sd sptim ·i1 s antt p 1ao estudar sociedades longínquas, carregavamc n ig um ad rn no qualeles escreviam todasas observações,experiências, sentimentos, etc, paraposteriormente selecionaros dados mais relevantes parasuas etnografias, odiário

de campo é um instrumento essencialdo pesquisador.É óbvioque atualmentea imagemdo velho caderno de capa dura, manuscrito, está bastante stiperada,tendo sido substituído por potenteslaptops notebooks com condições decomportar sofisticados programas deree<epçãoe gerenciamento dedados qualitativos .Mas, se porum lado,os instrumentos utilizados mudaram para melhorarascondiçõesdo registrode dados, por outro lado,preserva-se a idéiade qµe deveser mantido um diário tão acurado e detalhado quanto se apregoavanosprimeiros tempos da Antropologia.

O diário de campo eletrônico,portanto, nada mais édo queum registrofiel e detalhadode cada visita a campo, independentementedo fato de terem sidousadas outras técnicasde pesquisa como entrevistas, coleta de históriade vida,etc. Muitas vezes,são as informaçõesdo diário de campo quenos dão subsídiospara analisaros dados coletados de outra forma. e v e ~ s emanter a lógicade um

• diário de viagem, no qual se escreve todo dia sem restrições. O diário éumdocumento pessoaldo pesquisador, em quetudo deve ser registrado.Nesse sen-tido, ele difere bastante deum relatório de pesquisa que éum documentopúblicobaseado numa seleçãode dados que o pesquisador prepara paraapresentar.

No diário ou emoutro programa de agenda qualquer, éfundamental queseja feito um registro cronológicodas atividadesdo pesquisador; requer-setambém um fichário básicodas pessoas envolvfdas na pesqui sa- informantes,.familiares, pessoas importantes da comunidade,que pode ser incluídoem pro-gramas de banco de dados;as anotações de campo podem ser expandidasnopróprio diário de campoou em programasde recepção de dados etnográficos.O mesmo pode ser feito com relação a gravações em fita cassete, as quaisprecisam ser transcritas e inseridasno diárioou nos programasde recepçãodedados. Imagens e fotografias, que também compõem formas de registro, podem ser escaneadas e armazenadas em programas de banco de dados visuais.

6.3.2 Síntese de dados

A síntesede dados corresponde a uma primeira escritana qualse buscauma sistematizaçãoinicial dos dados enão deve ser confundidacom orelatóriofinal de pesquisa.Trata-sede uma composiçãode dados de diferentes origens,consistindo em uma parte intermediária entre a coletados dados e a análise

PESQUISA QUA LITATIVAEM SAÚDE 7

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finaldos mesmos.O diagrama a seguir ressalta esse aspectoda fasedesistematização,ou seja, o fatode que ela fonciona como·um primeiro momentodeorganização e seleçãoda massade "dados brutos". a partirdo qual é possívelcomeçar arefmar as análises.É o momentode sistematização quevai indicaros caminhos aseguir, s temas principais que despontaramdos dadosde campo eque comporão os resultados propriamenteditos.Da reflexão proporcionada no momento da sistematização, começam a fazer sentido determinadas informações colhidas ao longoda pesquisade campo.Muitas vezes, ela realimenta avolta acampo para que lacunas sejam resolvidas.Oideal éque a sistematização seja pensada à medida queas informaçõesda pesquisade campo venhamse somando,pois as fases da pesquisa qualitativa não são momentos estanques, circunscritosno tempo. Algumas fases sesobrepõem e provocam a realimentação. Assim,até um certo momento, o instrumentode coleta de informaçãose aprimora.O trabalhode campo e o avanço ·nas leituraspodem determinar alteraçõesno projeto inicial. Desde que issoencontreum limite, é inevitável eaté mesmo saudável.

1. CONCEPÇÃO E PESQUISA

(ordenamento e lapidaçãodos dados brutos)

IV. RELATÓRIO FINAL(análise, interpretação e conclusões)

Podemos , portanto, estabelecer uma fase inicialda pesquisade campoú ~ começa com as atividadesde coletade dados, a qual é acompanhada

·sistematicamentepor atividadesde registro de dados:um registrocronológicodo tipo "agendade campo",um ficháriocom dados básicosde todas as pessoascom que tivemos contatoem situaçãode campo;as transcriçõesdas entrevistas gravadas, a revelação e scanerizaçãode imagens, enfim,s "dadosbrutosde campo. .

A fase intermediária consistiria, então;da sistematização desse_ dados na formade um texto provisórfo, compondo o inícioda "lapidação"dosdados, a partirdo qual ficarão definidasas associações que serão exploradas no nívelda análise/interpretaçãt> dos dadós. Chamamos essa fasedeSíntese de Dados Vale lembrar que é nessa fase intermediária quesedefine o peso conferido a cada tipode dado coletado (artigode jo.mal,documento oficial, depoimento, etc.), que varia em função dessas diferentesnaturezasdo dado.

Embora neste capítulo estejamos tratandode técnicas,não custavoltarareforçar que elas nuncase encontram dissociadasdo re erencialt e ~ r i c o. Porisso, enfatizamosno diagrama a presençada concepçaoda pesquisacomoanteriorao campo. Sem a presençada teoria a acompanhar nossos passos,caminhamosnum labirinto escuro. A teoria ilumina enos ajuda a conhecer o

• solo onde pisamos.

6.4 Análise e interpretação dos resultados

O produtofinal de nossa pesquisa,em geral na formade um relatório, é.ºaprimoramentoda fasede sistematização. Ele apresentaráos dados dape:qmsa já perfeitamente trabalhados, permitindo quese cheguem a conclusoes arespeitoda relação entre ogrupo pesquisado eas teorias existentesou eventualmente propostas.

A análise é desenvolvida atravésda discussão queos temas eos dadossuscitam.Aanálise inclui as referências bibliográficas,omodelo teórico, juízosde valor edeve propor conclusões. No momentoda discussão, o pesquisadoradota e descarta teorias existentes com basena argumentação queseus achados lhe facultam.Também na discussão, apresenta-se a relação entreas hipótesesde trabalho e sua confirmaçãoou não na pesquisa empírica.Os resultados vão sendo apresentadose, concomitantemente, discutidos.

Um relatóriofinal também podetrazeras explicaçõespara os fenômenos.A explicação científica é a finalidadeda ciência.De todo o processode pesquisa, o nível explicativo é oque mais se identificacom a i ê n c i ~p r ~ r i a m e ~ t e

dita. A explicaçãoda realidade é a tentativade encontraros pnnc1p10s sub1a-

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· nl ·s n so had S n d rr r da pesquisa. Existem relatórios de pesquisaqu up nus apr · nt.am s dados trabalhados,semproporexplicações. A finalidade da pc qui a é identificarfenômenose entendê-Jos. Seu produto finaldeveser, portanto, o levantamento de fenômenos,mas tainbém, sempre quepossível,uma proposta de explicação para o entendimentodos mesmos. Comisso, o pesquisador acrescenta novos parâmetrosde análise, e a ciência avançacomas conexões eas relações que possibilitam novas-interpretações. A dife

rença entreuma pesquisa rica e produtiva e urna pesquisa para a qual faltoufôlego ao pesquisador justamente na sua fase mais importante é essa. Empesquisa qualitativa,na qualnão é usual tabular respo.stas ou apresentar índicese proporções da presença de eventos, mais importante se apresenta seu caráterexplicativo.

Por outro lado, é uma grave falha do relatório quando a conclusãoextrapola oque os dados permitem explicar. Alguns pesquisadores,no afãde encontrarem explicações paraos fenômenos,e, portanto, cumprir a metada pesquisa, superestimam sua capacidade interpretativa e caemo extremo oposto,ou seja, uma equação que apresenta, deum lado, pouca representatividade numérica do fenômeno e,do outro, urna conclusão generalizante. Isso verifica-se por exemplos em.casos de atribuição de explicaçõescom levantamento insuficiente de outras possibilidades explicativas(o informante declara que consulta mais a curandeira do que o médico, e opesquisador conclui que eleprefere a medicina tradicional à oficial, nãolevando em conta que pode não se tratar depreferência e sim de condi-ções de acesso por exemplo); compromisso com a hipótese inicial de pesquisa, que leva o pesquisador a adequar seus dadosà mesma, forçandointerpretações não justificáveis.

Bo 1rdieu (1985) destaca comoum dos problemas da fasede análise, istoé, da tradução para a ciênciados dados da pesquisa, o que chamade ilusãodatransparência , uma armadilha em que sucumbe o pesquisador que crê que oreal se descortine espontaneamente. Bourdieu refere-se aos pesquisadoresprincipiantesque sobrepõem o objeto dotadode realidade socialao objeto dotado de realidade sociológica. Issoos toma potenciais vítimasda sociologia espontânea, ao não distinguiremum problema socialde um problema sociológico.Umfato só se toma umdado quando atravessado por umsuporte teórico.(Ver item 4.2.)

Uma imagem que pode auxiliarno entendimento da diferença entre oreal e o conceituai é o mapa de Borges , expressão derivadade um conto.Ocorre que, quandoum trabalho peca pelo empiricismo, a pesquisase aproxima deum mapa tãoperfeito que é do tamanhodo lugar que devia retratar. O mapaé uma abstração: se ele for do tamanho do lugar, perdeseusentido.

Bibliografia Comentada

FOOTE-WHITE,W Treinandoa Observação ~ t i c i p a n t e ,in: GUIMARÃES,A. Z.Desvendando Máscaras Sociais Rio de Janeiro: Francisco Alves Ed.; 1980.

Neste artigo, Foote-White apresentasua experiência de·observação participante,em uma comunidade de italianos radicados no bairro de Cornerville, Chicago, na décadade 70. A atraente descrição desua paulatina inserção na comunidade serve de guiaorientador decampo,uma vez que muitas situações comuns na convivência com pesquisados são percebidase equacionadaspelo autor. Solicitação de tomada de posição

~ diante de um conflito, formulaçãopara os pesquisados dos objetivos da pesquisa,relacionamentocom os informantesmais próximos, adoção do linguajar próprio do

• ·grupo, participação nas instâncias desociabilidade,11as conversas e nas práticasatépedidos deempréstimode dinheirosão situaçõesapresentadas e de algumaformasolucionadaspelo autor.

QUEIROZ, M.I. P. RelatosOrais:do 'Indizível' ao 'Dizível',Ciência e Cultura 39(3),março 1987.

Algumas subdivisões do textoRelatosOrais: do indizíve l ao dizível são: Revalorização do e l a t ~oral; Relatooral e transmissão de conhecimentos; História oral, história de vida; histórias devida: características;histórias de vida na pesquisa brasileira,histórias devida:do individual ao coletivo. Dentro dessaestrutura,Maria Isaura Queiroz abordaa técnica deHistóriade Vida, distinguindo-a de outras assemelhadas,comohistória oral, depoimento pessoal, entrevista, e defendendo a necessidade do conhecimento das técnicas para queseja feita a escolha das mais adequadas de acordo com osobjetivos da pesquisa. Toda técnica é mecanismo de captação doreal ..) e'não podeser confundida com o material reunido, istoé, com os dados (p .. 0). A história de vida,um dos procedimentos empregados na coleta de dados, é uma forma de recolher material bruto a ser posteriormente analisado.

8 T ~ C N I C A SDEPESQUISA

MINAYO, M.C.S. Fase de Trabalho de Campo. O desafio do conhecimento: pesquisa

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p p qqualitativa em saúde . 5 ed. São Paulo, Rio de J a n e i r o H u c i t e c / A b r a s c o 1 9 ~ 8 .

O livro de Maria Cecília Minayo, nos seus quatro c ·apítulos, discute a questãometodológica, vinculando-a sempre à base teórica. No terceiro capítulo, a autora discute o trabalho de campo, definindo campo na pesquisa qualitativa como o recorteespacial que corresponde à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente aoobjeto da investigação" (p. 1 0 5 A metodolàgia qualitativa não poderia ser pensada sem o conceito de campo uma vez que a interação entre pesquisador epesquisado lhe é inerente. A entrevista é a forma de interação por excelência, e a

possível dissemetria entre entrevistador/entrevistado deve ser compreendida criticamente. Goffman e Berreman comparam a situação de entrevista com um teatro, em queambos são ao mesmo tempo atores e público na montagem dé um espetáculo singular.O entrevistador pode ser avaliado pela sua capacidade de penetrar na "região interior"dos entrevistados (em ql e a representação é preparada) e menos se iludir com a regiãoexterior (em que a representação é apresentada) . Na seqüência, a autora apresenta asdemais técnicas de pesquisa de campo, levantando as considerações de diversos autores, as críticas e as defesas de cada uma delas .

Bibliografia Referida

BOURDIEU, P.et ai. El oficio de sociólogo. Mexico: Sigla XXI, 1985.KRIPPENDORFF, K.Content analysis. Beverly Hills, Sage, 1980.

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7 1 Primeiras considerações

A palavra Ética,nasuaorigem etimológica, derivadeethos cujoprimeirosignificado, para o homem grego, seria costume - nocaso: usose costumes deum grupo. No mundo grego, oscostumes eram decisivos nobalizamento daconduta dosindivíduos. Agir corretamente era agir conforme o grupo. Outrosentido da palavra ethos era o dedomicílio moradia. Referia-se por ethos a

• morada dealguém ouo lugar geograficamente delimitado damoradia. Essamorada podia .também se referir à morada da alma e a morada daalma é o

• caráter deuma pessoa. A disposição interna davontade queinclina a pessoa aagir naturalmente dedeterminada maneira equivale aosentidodelocal em que

vive sua alma. Daí a relação demorada com ética.Por decorrência dos doissentidos, quando falamosem ética,estamos falando daação humana. Nãoqualquer açãohumana, masa açãovoluntária elivre, relacionada a atosque produzam conseqüências emoutros.Não sepodeclassificar doponto devista ético uma ação que parta deuina pessoa fora deseuperfeito juízo nem deuma pessoa que agepor força deumadeterminadacoação, ponderados oselementos envolvidos tipodecoação,conseqüênciasdeuma desobediência a ela, entre outras coisas).

Distinção que importa quando se fala tecnicamente deética é a que aassocia à palavra moral. Nodiscurso comum, fala-seindistintamenteem morale em ética. Noentanto, moral está bem maisligada aosentidode"costumes"(a própria palavra se origina demores do latim, costumes e u ~povo). Pelamoral, o que está deacordo com o que é aceito de formageneralizada é moral.Mas pode nãoser ético, pois a ética é umcampo do conhecimento que sedebruça sobre a moral, analisando-a. Assim, o pensamento filosófico sobre amoralidade constitui a ética, que temcomodiferencial o seugraudegeneralidade. A moral atua nocampo daprática, dassituações concretasdocotidiano,já a ética atua nocampo teórico, daregra, danorma geral. Elaatépode ajudara fundamentar uma açãoconcreta, masnunca deveser confundida com ela.

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rn ap1 ia.r um exemplo.Te nho dúvidas sedevo contar a um pesquisado detcnninad objetivo surgido posterionnentena ininha investigação(e, e s ~

mo sabendo que a pesquisa em nada prejudicará quaisquerdos envolvidos, imagino que ele poderánão compreender assim e poderá, talvez, negar-se a conceder aentrevista).Posso acionar dois mecanismos para solucionartal dilema.Umé examinaras possibilidades (contarou não contar) e julgar a que me parecercorreta. Estara agindono campo prático. Outra éexarni 1ara questãoà luz de

princípioséticos. Estarei recorrendo a uma ordemteórica,-Oesconectada,a pnncípio,do casoespecífico e encontrarei, por exemplo, urna norma: não se devenegar averdade a uma pessoa que a reivindica. Ou simplesmente: não se devenegar averdade em hipótese alguma. Uma forma provável de encontrar essanorma, e queme pouparia trabalho reflexivo seria buscarno códigode éticademinhaprofissãourna regra aplicávelàsituação em que me encontro.Os códigosde éticafuncionamcotnoatalhos nesse processo, pois objetivam fazer a necessária'ligaçãoentre'ética e moral (infelizmentenem todossão felizes nessa missão).

As duas formas mencionadas correspondem a duas correntes divergentes em ética: a primeira, mais casuística, e que faz como que um cálculo emrelação a benefícios/prejuízos, é a chamada utilitarista (a melhor ação é a quepromove a maior quantidade de bem e a menor quantidade de mal*). Já asegunda,·que assegura que a análise não deve circunscrever-seao caso específico,mas recorrerà regra geral, é a normo-deontológica.

No primeiro caso, ii-solução fica dependentedo discernimento pessoal equem sustentaria que o discernimento pessoal é critério suficiente para umadecisão que envolve um interesse pessoal(o do pesquisador de fazer sua pesquisa) e outros (os direitos dos pesquisados)? Essa incertezao ~ d u za umasoluçãodo tiponormalizadora, que é sintetizada, por exemplo, mediante o consentimento informado.Ou seja, a solução está dadaa priori por meio de umaregra que normatizaas pesquisas que envolvem seres humanos e que dispõesobre a obrigatoriedade da informação plenado pesquisado. Assim,no casodapesquisa,todo o tempo, devo estar cientede minhas obrigações éticas.

*O exemploque é discutido nesta questãoé mais ou menos o que segue. Supondo-seque há uma epidemia que vem matando milhares de crianças, um cientista descobreuma.vacina que poderá salvá-las. Entretanto, esta vacinano seu período de testes provavelmente envolverá o sacrifício de cerca de doze crianças. Pelo argumento utilitarista, faz-se o teste das vacinas, pois milhares de crianças se beneficiarão da morte de umadúzia de outras. Esse exemploé simplório eos teóricos utilitaristas~ e f e n d e m s edeque eleé uma distorção do mesmo. Trata-se dos utilitaristas da norma, que criam umaregra: deve-se milizar uma norma cuja aplicação produza as melhores conseqüênciaspara o maior mímero de pessoas. E volta-se a cair na subjetividade. Todavia, umaexcelente defesa do utilitarismo-encontra-se em Singer (1994). -

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7.2 Ética não é np ·nus um u tlll ('S I o 1h• I' lo

1No níveldo sensocom um, as pt:ssoas, a p nsar ·m éti a, v uin im diatamente a questãodo sigiloe, não raro, referem-se a s gr dom dico. omisso, ocorre uma simplificação de um conceito, queé bem mais r o~u n do Osigilo pode ser importante em determinadas circunstâncias,mas um comporta-mento correto não se limita a ele. ·

Ainda quenão precisemos sertão rigorosos quanto à distinçãoenti-e éticae moral (alguns teóricos inclusive a desprezam),é necessárioque a observaçãoa normas de conduta correta estejam presentes emtodas as dimensões dasnossas vidas: sejanas relações pessoais, de trabalho, de intimidade, com anatureza, na política, enfim, sempre que tivermos um ser humano envolvidonuma ação que implique conseqüências emoUtro serhumano ou na naturezá.A ética deve ser vista como parte importante da situaçãode pesquisa e deveser levada em conta desdeos primeiros momentosde sua concepção.

Na pesquisa qualitativa,algumas questõesda relação entre pesquisador epesquisados merecem exame.A técnica daobservação é, por vezes, apontada como problemática pela invasão da privacidade quepode representar,mes-

• mo quando consentida.Como a observação acontece naturalmentein loco osobservados ficam à mercê de sua própria faltade controleda situação. Pode

• acontecer de irromper,nutri momentode observação,uma situação constrangedora não prevista. Se ela não é reveladora de rienhumadas questõesdepesquisa, o bom senso e a eticidadedo pesquisador~ os u ~ c i e ~ t e s ~ a r aque oepisódio não tenha conseqüências.No entanto, se a situaçao cnada interessaràpesquisa,mas não houver aquiescênciados pesquisados para sua utilização,um embaraço ético está posto. Nà melhor das hipóteses, a situação criaránopesquisador uma opinião que ele não poderá fundamentarno relatóriode pesquisa com baseno vivido naquele momento. . .

Outra questão presentenas discussões sobre ética e pesquisa refere-seaoanonimatodos pesquisados,o qual deve ser garantido. ara isso, nos relatos,ouso de nomes fictíciosdeve ser adotado como regra.Mas nem sempre isso basta,já que deve-se cuidarcom oque éconhecido-por d e s c r i ç ã odefinida'',um tipo de

descrição que seaplica a uma esó uma pessoa. Denada adiantanão revelarmoso nomeda pessoaque coordenou a equipede s a ú d ~do postoXdurante oano de1996 ou a moradoramais antigado bairro Y .As vezes, somadastodas asdescriçõesdo entrevistadoao longodo trabalho, repõe-se a descrição defini?a:sexo, idade e escolaridade, num grupo pequeno, podem bastar para defimr apessoado entrevistado, falsamente protegidapelo uso de pseudônimos.Há pesquisas que evitamtodos esses problemas,mas estampam í t i ~ . f o t o ~ ~ a sdospesquisados.Ora, ouso de imagem se reveste~ umaproblematlcapropna,quepassapelo consentimento expresso parauso da imagem.·

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PESQUISA QUALITATIVAEM SAÚDE 83

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A discussão a respeito do dispositivo de consentimento informado seestende para além do próprio instrumento, pois ele só encontrará sentido numapesquisa que se proponha a não ferir os parâmetros éticos. ·

7.3 O Consentimento nformado e a sua utilização em pesquisaJosé Roberto Goldim *

Atualmente, entende-se por consentimento informado a autorização,dada de forma voluntária, por uma pessoa capaz de tomar decisões no seumelhor interesse, no sentido de permitir a realização de um procedimentoclínico, cirúrgico ou de pesquisa, após terem sido fornecidas todas as informações necessárias à plena compreensão dos riscos, desconfortos e benefícios associados.

O consentimento informado é um elemento característico e essencial doexercício de todas as profissões da área da saúde. Segundo Joaquim Clotet, oconsentimento informado não é apenas uma doutrina legal, mas é um direitomoral dos pacientes, que gera obrigações, igualmente morais, para os profissionais envolvidos nas atividades de assistência à saúde ou na pesquisa comseres humanos. 1

O processo de consentimento informado visa, fundamentalmente, resguar

dar o respeito às pessoas. Isto se dá através do reconhecimento da autonomiade cada indivíduo, garantindo a sua livre escolha após-tersido convenientemente esclarecido sobre as alternativas disponíveis. É desta forma, um procedimento mais abrangente do que a simples obtenção de uma assinatura em umdocumento de autorização . Este termo de consentimento informado também écitado em alguns documentos legais brasileiros com a denominação de termode consentimento pós informa ção (resolução 01/88) ou termo de consenti-mento livre esclarecido (resolução 196/96 e 251197 .

O componente de consentimento se materializa quando o indivíduo assume uma das alternativas como sendo a melhor para si próprio e dá uma manifestação inequívoca desta sua escolha, que preferentemente deve s ~documentada em um termo de consentimento informado. Existem situações queinviabilizam esta possibilidade, tais como as que envolvem pessoas não alfabetizadas ou membros de comunidades ágrafas, como ocorre em algumas populações indígenas. Este consentimento poderá ser documentado através de testemunhas ou outras formas de documentação.

*Doutor em Medicina UFRGS, Biólogo do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação doHospital de Clínicas de Porto Alegre, Professor de Bioética no PPG em Medicina:Clínica Médica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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O cons entim ento informado pode ser subdividido em dois componentesfundamentais e interdependentes : um de informação e outro de consentitnento . :3 Estas também têm sido as duas violações básicas do processo: a faltade informações adequadas e a falha na obtenção do consentimento propriamente dito. 4

. O componente de informação deve garantir ao paciente, ou voluntáriosadio, o acesso aos dados sobre o tipo de doença e os procedimentos utiiizados, o fato de que a sua participação é voluntária, o acesso às novas iqformações geradas ao longo do projeto, a garantia da preservação da sua privacidade e a qualificação e quantificação dos possíveis danos, riscos, desconfortos e bene.fícios envolvidos. 5 Vale lembrar que a adequada avaliação da relação risc.o/benefício é muito importante, podendo inviabilizar a realização deum projeto, pre ferencialmente antes de ser iniciada a sua execução.6 A informação a ser utilizada no processo de consentimento, e especialmente naredação do termo de consentimento informado, deve estar adequada ao estágio de desenvolvimento do indivíduo e ao seu grau de compreensão.7A estrutura de texto 8 e o vocabulário 9 a ser utilizado são elementos essenciais quedevem ser considerados. ·

• Outros autores propõem diferentes abordagens para o processo de obten-ção, detalhando os dois componentes já apresentados. Judith C. Ahronheim ecolaboradores desdobraram o componente de consentimento, caracterizandotrês elementos básicos : informação, capacidade e consentimento. 10 Dan English detalhou os dois componentes iniciais, ampliando paraquatro o número deelementos necessários para que um consentimento informado seja consideradoválido: fornecimento de informações, compreensão, voluntariedade e o consen-timento propriamente dito. · ·

Tom L. Beauchamp e Ruth Faden 12 estabeleceram a abordagem maisabrangente e detalhada para o processo de consentimento informado . Esseprocesso seria composto de três etapas; envolvendo sete diferentes elementos:

I. Pré-Condições:1. Capacidade para entender e decidir;2. Voluntariedade no processo de tomada de decisão.

II. Elementos da Informação:3. Explicação sobre riscos e benefícios;4. Recomendação de uma alternativa mais adequada;5. Compreensão dos riscos, benefícios e alternativas.

III . Elementos do Consentimento:6. Decisão em favor de uma opção, dentre no mínimo duas propostas;7. Autorização para a realização dos procedimentos propostos.

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mi te e tica da la de Medicina dil_Pontifícia UniversidadeCatólicado mie avaliou44projetos de pesquisa submetidos durante dois anos.oproblemamais freqüente apontado nas avaliações foi a ausência ou a inadequação do consentimento informado.13

Em um levantamento de mais de 1200 projetos de pesquisa submetidosàapreciação no Comitê de Éticaem Pesquisa do o s p i ~ a lde Clínicasde Porto·Alegre (HCPA), até o ano de 1996, o prob lema mais freqüente quese destacou

foi a elaboração do termode consentimento informado. 4

Posteriormente, aamostrafoi ampliada, envolvendo 1348 projetos de pesquisa, avaliados no HCPAentre1986e1997 Esse estudo avaliou apenasas questões que envolviam ostermos de consentimento informado.Apenas18% dos projetos tinham termosde consentimento informadoem condições de aprovaçãosem reparos. Antesde 1994, o problema mais freqüente era a falta do termo; após esta data, asquestões começaram a envolver a falta de informações adequadas e amáredação do documento. 5 · ·

Em um estudo recente, Jeremy Sugarman e colaboradores 16revisaram377 artigos quese referiam diretamente a pesquisas realizadas sobre o uso doconsentimento informado entre 1966 e 1997. .fadas indicavam falhas pontuaisna obtençãodo mesmo.

Um único artigo,17 não citado dentre os 377 constantesno estudo anterior,

diferencia-se dos demaisjá publicados.Ele apresenta a avaliação de 134 termos de consentimento informado com resultados que evidenciam,em sua maioria, uma leitura mais acessível que a verificada nos outros artigos. Vale destacar que todos esses projetos de pesquisa foram avaliados pelo mesmo comitêde éticaem pesquisa Auckland Area H e alth Board Os autores creditamesses resultados ao processo de avaliação e educação realizado por este comitêregional que inclui o grau de dificuldade de leitura como um dos itens a seremverificados.

Em um estudo realizado com 59 participantes de 6diferentes projetos de pesquisa, foiverificada a adequação do uso do consentimento informado em participantes de projetos de pesquisa realizados no HCPA ,através da avaliação integrada de seuscomponentes de informação e consentimento. 8 A avaliação docomponente de informação incluiu a análiseda dificuldade de leitura dos termos de consentim ento informado. Do isdestes documentos apresentarams t r u~u r de texto considerada difícil, eos·outros quatro, estrutura muito.difícil, utilizando-se os Índices deLegi-bilidade. Todos os 59 indivíduos pesquisados foram considerados capazesde tomarem decisõespara participarem de uma pe squisa. A maioria dosparticipantes (52,8%) afirmou ter recebido explicações prévias e tercompreendidoas informações (55,9%). Os termos de consentimento informado tinham textos que exigiam um a esc olaridade ma is ele va da qu e a da

maioria d s pa i i ipu11t s. lt 11do si lodo_s mesmos.

\ O consentimentoinformad p d • um ÍltlJ ·1 n ·nt no tab -lecimentode um vfnculoa dequadoe ntre pesquisad re sujeit sdapc uisa. O pesquisador deve buscar ser útil para as pessoa convidadas a participarem de t tn projeto aodar as informações necessárias para que os mesmostomem decisões que atendam aos seus melhores interesses. Ao esclarecer as

informações que não tenham sido adequadamente compreendidas e colocando-se à disposição para, a qualquer momento, tomar a esclarecer alguiha novadúvida, esta rá evitando eventuais prejuízos ao próprio participante e aumentando a adesão do mesmo ao projeto.

Alguns cuidados devem ser tomados quandose elabora a estratégia deobtenção do consentimento informado:19

• Informações sobre o Projeto: a pessoa que irá obter o consentimentoinformado dos possíveis participantes deverá dominar todasas informações básicas sobre o projeto, incluindo as justificativas, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa. Estas informações também devem constar expressamente no termo de consentimento informado. Deverµser evitadas frases como: foram fornecidas todas as informações necessárias à compreensão do projeto.

Caso haja,por questões metodológicas, a necessidade de omitir informações, e sta situação deverá ser formalmente apresentada ao Comitê de Ética em Pesquisa. O uso de placebo e a aleatorização na alocação dos participantesem grupos experimental e controle não podem ser omitidas, devendo constar explicitamente no processo deobtenção do consentimento informadó;

• Danos, Riscos e Desconfortos:devem ser descritosos danos, riscos edesconfortos prováveis, inclusive o tempo de duração previsto para oenvolvimento do voluntário com a pesquisa. É importante diferenciarosdesconfortos e os riscos que são decorrentes da participação na pesquisa,daqueles que fazem parte-da rotina de atendimento destas pessoas.

• Benefícios: devem ser apresentadosos benefícios prováveis que podem ser esperados com a participação no projeto, tanto individuaiscomo coletivos. Nos projetos de pesquisa não clínica, istoé .naquelesem que não há benefício provável direto para o participante, o voluntário de verá ser adequadamente informado desta característica dainvestigação;

• Alternativas: os eventuais participantes devem ser esclarecidos sobreas alternativasque existem para a situação que está sendo pesquisada ,

· incluindo os procedimentos de investigação diagnóstica ou terapêutica;

PESQUISA QUALITATIVAEM_ SAÚDE 8

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• Acompanh;i.mento Assistencial:as pessoas devem ser esclarecidassobreas formasde acompanhamento dos ·voluntários,do pontodevistaa5sistencial bem comoo nomedo pesquisadorresponsá:velpeloseu atendimento duraqte o peóodo da pesquh;a. Este pesquisador dev r á ~colocar àdisposição paraprestar eventuais informaçõesaovoluntário e deverá ser contatado na eventualidade de um dano re-lacionadoà pesquisa; ,

• VolunJariedade: deve ser enfãiizado que,o voluntário tem o direitodenão participarou de s.e retir;rr do estudo, a qualquer momento, sem queisto rq>resentequalquertipo de prejuízo par.a oseu atendimento dentroda instituição ondeo projeto está sendo realizado.Não pode haver qualquer1ipo decoerçãono processode recrutamentode voluntários.Deveserevitado namedidado possível, recrutar voluntários que.possamsesentircoagidos hierarquicamente devido a sua atividade acadêmicaouprofissional como, por exemplo,alunos ou funcionáriosda instituição.Outros grupos vulneráveis,tais como crianças, adolescentes, analfabetos ou pessoas com.redução na sua capacidadede tomar decisões,devemmerecer atenção especial;

• Privacidade e Anonimato: dev.em ser dadas garantiasde preservaçãodaprivacidadeàs informações coletadas. O pesquisador deve se comprometercom a preservaçãodo anonimatodos participantesdo estudo,quando dasua divulgação.Isto inclui anão utilizaçãode iniciais, números deregistros em instituições e outras formasde cadastros. No casode pesquisas que deverão ser auditadas por um patrocinaqorou agênciade controle externo, essa informação deve constar claramente inclusiveno termode consentimento, assim como a autorização, por parte do voluntário à ação do auditor externo. Caso seja necessário utilizarimagens obtidas comos participantesdo projeto, deverá ser solicitada

. _ uma Autorização para Uso de Imagem que pode ser incluída como_m item dentrodo termode consentimento informado.Nesta autorização.deverá constar a forma e a utilização previstas paraas ima gens;

• Ressan:imento e Indenização:as formasde ressarcimento das despesas de.correntes da participaçãona pesquisa, por exemplo: passagens ealimentação, caso existirem, devem ser explicitadas.Os valores não

. devemserde tal monta que possam gerarum possível conflitode interesses n t r e o valorofertad o e a voluntariedade na participação.Asformas de indenização por eventuaisdftnos decorrentes da pesquisadeveseresclarecidas. Caso haja uma apólicede seguro, esta informa-ção tambémdeverá ser dadaao participante; . . .

• Novas Informações: sempre que houver uma nova informação, quealtere o.que foi previsto durante a obtençãodo consentimento infor- . ~

mado,eladeve sertomadadisponívelao Comitêde Éticaem Pesquisa, queavaliaráa necessidadede ela ser disponibilizada paraos participantese incluídaem uma nova versãodo termode consentimento;

• Arquivamento: o termode consentimento informado,que documentao processode obtençãodo mesmo, deverá ser preenchidoem duasvias,ambas identificadas com o nomedo participante edo representante legal,se houver, datadas e assinadas, sendo umar t i ~p e l o

sujeitoda pesquisa,ou porseu representante legal, e outra ar9uivadapelo pesquisador.

O consentimento informadonão assegura a adequação éticade umprojeto de pesquisa. Asua utilizaçãonão garante quetodos os participantesestejamplenamente cientesdas questões envolvidas nesta investigação,mas aindaé amelhor forma disponível, pelomen.os atualmente,para preservar o respeito aestas pessoas.

Referências Bibliográficas

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médica: conceituação, origens e atualidade.Bioética 1 9 9 5 ; 3 1 ) : 5 1 ~ 5 9 .2 Erlen JA. Informedconsent:the information component.Orthop Nurs 1994;13(2)

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11 EnglishDC. Bioethics: a clinicai gúide for medical students. New York: Norton,1994:33-5.

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14 Matte U, Goldim JR. Pesquisa em saúde: aspectos é t i c o s ~metodologicos envolvidos na avaliação de projetos de pesquisa. RevistaHCP 1995;15(2): 135.

· 15 Raymundo MM, Malte U, Goldim JR. Consentimento Infortrado e avaliação de pro

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17 Murphy J, ~ b l eG, Sharpe N. Readability of subject information leaflets for medical research .NZMedJ 1994;107(991):509-510.

18,Goldim IR. O Consentimento biformado e a adequação de seu uso na pesqui sa emseres humanos.Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Medicina: Clínica

Médica/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999 [tese de doutorado) .19 Francisconi CF, G oldim JR. Termo de Consentimento Informado para Pesquisa:

Auxílio para a sua Estruturação URL:http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/conspesq htm.

Bibliografia Comentada

SINGER, P. Ética prática.São Paulo : Martins Fontes, 1994 .

O tetna deste livro é a aplicação da ética à abordagem das questões práticas, como

a relação com as minorias étnicas, mulheres, pobres, a preserv ação do ambiente, uso deanimais em pesquisa, aborto e eutanásia, entre outros. Defensor do utilitarismo, Singer

apresenta dois capítulos genéricos fundamentais à discussão atual da ética: Sobre aética e Por que devemos agir moralmente?Depois de abordar de forma polêmica asquestões antes mencionadas, Singer defende a ética como uma postura, e essa tendocomo objetivo alcançar o ponto de vista do universo. O ponto de vista éticG, assim,exige que se ulb'apasse o ponto de vista meramente pessoal e se transcendam as nossas preocupações subjetivas.

Filme Recomendado ·

Cobaias.( Miss Evers Boys . Direção: Joseph Sargent, Warner Brothers Video, 1997 ,Color/118 min .)

O filme remonta ao episódio conhecido como Estudo Tuskegeeiniciado em 1932, noAlabama, Estados Unidos. O aumento da mortalidade e a incidência de doenças entreos afro-americanos levavam a teorias, segundo as quais os negros eram biologicamen-

ne gros, ma s, quondbr a on · tu c ntr 1 negra e sffilis . O

negros abrangidos pelo programa cooperaram acreditando que e tav m sendo beneficiados por tratamento. O falso b'atamento se es tendeu de 1932 a 1972, mesmo já existindo a cura com penicilina. Bioética, ética na pesquisa, pesquisa com seres humano sdilemas morais são temas que perpassam o filme, que é excelente para introduzir discus -

sões nesse campo.··

·

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\ Tratamento ~ ados

. ualitativos

Um dos aspectos mais complexos da pesquisa qualitativa consiste precisamente nas formas de tratamento dos dados. Neste ponto voltamos, mais umavez, à importância de estarem claros os objetivos e o referencialteórico que

· fundamentam o trabalho de pesquisa, porque eles vão nortear a análise dosdados. Além distb, a análise dos dados depende também da bagagem de leituras e da experiência de pesquisa do pesquisador. Não é possível, no âmbito de

• um livro, formular procedimentosobjetivos que orientem o pesquisador de forma direta na interpretação dos seus dados. Em virtude desta complexidade,

• optamos por apresentar dois exemplos, de forma bastante resumida, de comoforam sistematizados e interpretados alguns dadosde pesquisa.

O primeiro exemplo é a pesquisa Aids e Pobreza: Práticas SexuaisRepresentações da Doença e Concepções de Risco em um Bairro de PortoAlegre 1 na qual partimos dos dados epidemiológicos sobre a epidemia daAids, que indicavam que a doença estava se alastrando no Brasil (é nomundo), principalmente, entre os grupos social ·e economicamente menosfavorecidos. Em Porto Alegre, uma área da cidade se destacava em relaçãoàs demais pela concentração de casos de Aids (CCDH; 1999 . Umasérie deindagações se colocaram , iniciando pelaprópria epidemiologia da doença,pas-:sando por questões de ordem sócio-econômica, juntamente com as de ordemcultural. EStequestionamentoinicial foi fundamentalpara·a construção-do nossoobjeto de estudo,que buscava compreendero impactoda incidênciados casos deAids nas representaçõese práticasda população.Ou seja, buscamosumaivaliação decomo o aumentbdo númerode pessoas infectadase afamiliaridade com adoença afetavam as repre5entaçõese as práticas associadasi Aids.

Tomamos então por universo de investigação moradores desta áreaque concentra o maior número de registros de mortalidade por Aids dacidade ·de ·Porto Alegre, ou seja, _ão se trata · apenas de mais um bairropobre , mas um local onde a condição de sorópositividade para o HIV

estava significativamente presente.

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ara invcsti go nn s ta u stõcs junto à população da área em es tudo ,fez-s e neces sário con id erar como um todo as representações que os me mbros do grupo pesquisado possuíam sobre a Aids, suas formas de contaminação e as suas concepções a respeito das pessoas contaminadas pelo HIV.Precisávamos também levar em t;onsideração os fatores associados ao riscode contaminação pelo HIV e, d ~ c ~ p a l m e n t ecompreender a percepção derisco acionada por esse segme nto da população, ou seja, quais os indicadores

utilizados, de fato, para a dotar ou não medidas preventivas.. A fim de apontar as especificidades do local de estudo, utilizamos, deforma comparativa, os dados a respeito das práticas e das representaçõessobre Aids eformas de contaminação coletadas em um outro estudo realizado pelo NUPACS, a pesquisa Corpo, Sexualidade e Reprodução:umestudo de representações sociais em quatro vilas de Porto Alegre/RS-Brasil, que abordou temática semelhante , com uma metodologia de campo també m semelhante, e foi realizada em outra zona da cidade de Porto Alegre,com uma configuração sócio-econômica não muito diferenciada.2

Foram entrevistadas 50 pessoas (25 homens e 25 mulheres) moradoras do bairro há pelo menos três anos. As entrevistas seguiram um Roteirode Entrevista Etnográfica (REE), já testado anteriormente e utilizado empesquisas realizadas pelo NUPACS. Esse .roteiro permitia a sistematização

dos dados considerando o discurso do informante a partir de focos temáticos, o que possibilitava que grandes bases de dados, como as obtidas empesquisas de natureza qualitativa, pudessem ser analisadas a partir de temas específicos. Tratava-se de entrevistas em que os temas eram abordados em profundidade, em encontros face a face, de acordo com os procedimentos característicos da metodologia etnográfica de pesquisa. As entrevistas tinham uma duração prevista de cerca de quinze horas, dividida nomínimo em cinco encontros.

A definição das pessoas a serem entrevistadas deu-se por meio doprocedimento conhecido como snowball,em que cada pesquisador se inseriu numa rede de informantes a partir das sucessivas indicações dos entrevistados.Observou-se intencionalmente o procedimento de u s c ~ rcontemplar a heterogeneidade da população estudada, construindo diversas en

tradas que dessem conta das diferenças entre redes de sociabilidade existentes .

Como não poderia deixar de ser, partindo de uma orientação etnográfica,privilegiamos a relação en tre pesquisad or e informante, com a finalidade deobter dados com maior nível de detalhamento e de profundidade, be m como oacesso a informações de diferentes ordens qu e vão desde o discurso do informante, a descrição de elementos da situação de entrevista até olhares, gestos eexpressões.3 .

8 . 1 Algun s mpl s

8.1 I• A banalizaçã o da Ai d s

. Vários estudos sobre as representações e práticas a sso ciadas Aid s jáhaviam demonstrado como esta doença era percebida como uma doença dooutro4 • [Observa-se aqui a importância de uma revisão bibliográfica .cuidadosa já no início da pesquisa.] No caso da nossa pesquisa, questiohamosentão quem era este outro,portador do vírus HIV. Como mostraremos adiante, percebemos que este outro,que em vários estudos aparecia como dist ~ n t e- às vezes geográfica, às vezes culturalmente- aparecia, no caso analisado, _ ~ m oum o ~ t r ofamiliar . Estávam os diante de uma situação em quea prox1m1dade podia ser tão gra nde a po nto de impossibilitar a diferenciação entre o eu e o outro,dada a situação de alta prevalência da doe nça entreo grupo estu dado. Este processo de ap roximação da Aids, sem dúvida, teriaimplicações em termos de represen tações e práticas sociais relacionadas àdoença . Mas que implicações seri<lffi estas? ·

Para melhor visualizarmos e stas implicações, embora enfocando prin-• ~ i p l m e n t euma área da cidade, referida daqui por diante como VilaA uti

lizamos um outro recurso: os dados da pesquisa Corpo, Sexualidadee Re-• produção:um estudode representações sociais em quatro vilasde Porto

Alegre/RS-Brasil.Neste caso, o recurso comparativo serviu para salientaras especificida des do grupo enfocado, d emonstrando que os elementos utilizados para construir esse outrodiferem confo rme o contexto de cada bairro, ou seja, segundo a maior ou menor prevalência da doença no local esegundo as diferenças já existentes. .

Selecio namos, então, para esta análise, três bairros, devido a suas especificidades - VilaX Vila Y(da pesquisa Corpo, SÚualidade Reprodução e Vila A ( da pesquisa Aids ePobreza, aqui enfocada) - visto queestas , em função de seu contexto, permitiram-nos uma visão interessanteda relação entre a proximidade da doença e o conteúdo dado ao, assimchamado, outro,o portador do vírus ou doente de Aids . A Vila X situandose no extremo da distância da doença, a VilaA no extremo da proximidadee a Vila Yem um ponto intermediário onde a doe nça está presente, mas nãocom a mesma incidência que no bairro anterior5. Isso está demonstrado noquadro a seguir.

A Vila X é, entre os bairros estudados, aquele onde o tráfico e o uso dedrogas eram menos freqüentes e onde hav ia um menor número de pessoasinfectadas pelo HIV. A maioria dos moradores entrevistados referiu nãoconhecer nenhum portador do vírus da Aids. Na pior das hipóteses, desconfiava-se de alguém ou se fazia referência a outros lugares - distantes

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Incidência de Aids baixa média (crescente) alta

Tui ico/ baixo intenso intensouso de drogas

Quem é o outro distante : . o outro . o outro muitoconsiderado cantores, artistas, relati vamenfo próximo: o

port dor do vírus "gente rica" próximo : "os vizinho , odrogados", "essa amigo, o parentegente á de cima"

Atitude em relação Distanciamento distanciamento solidariedadeaos portadores total espacial

espacial e simbolicamente-onde podiam ser encontrados doentes de Aids, taiscomo os locais de prostituição no centro da cidade ou os próprios hospitais.Neste bairro, a Aids não fazia parte da paisagem local. Era um outro distante,geográfica e socialmente, que era identificado com a Aids. Um outro que pertencia a um mundo completamente diferente daquele no qual as pessoas estavam inseridas. A Aids era vista como uma doença que atingia cantores, artis

tas, gente rica ou então pessoas conhecidas em outros espaços (como o hospital) e com as quais se estabeleciam relações apenas circunstanciais. Os depoimentos dos moradores do bairro sobre conhecer alguém infectado pelovírus da Aids é que permitiam entender esta idéia. Segue-se um exemplo dedepoimento da Vila X:

Daqui não, pessoalmente não. Mas se falou do Gerson [jogador de futebol], do Collor [ex-presidente do Brasil], da Claudia Raia [atriz]. da Madonna{cantora], desse outro cantor lá ... [Cazuza], o jogador de basquete [Magic Johnson] .. Esse dois últimos é porque eles tinham relações [sexuais] com homens .O Collor dizem que foi a Claudia Raia quem passou o vírus ... homem, 34 anos)

Por meio da sistematização de uma série de respostas recorrentes, foi

possível entender que a Aids era percebida como um problema dos outrose que ~ t v longe da vida quotidiana do bairro. O próprio contexto local,sobretudo a baixa prevalência de casos, possibilitava este distanciamentodo problema.

A Vila Yapresentava uma situação intermediária . Sabia-se do tráfico e doconsumo de drogas intensos (embora mais recentes do que na Vila A) e também observava-se, na época da pesquisa, um incremento no número de casosde Aids. Neste bairro, ao contrário da Vila X, a Aids não podia ser pensada

como algo tão distante, pois sua presença no local era, de certa forma, visível.Vários moradores referiram conhecer- pessoalmente ou mediante um ter-

'ceiro ou mesmo de vista - alguém portador do vírus ou suspeito de sê-lo. Ooutro associado à Aids fazia parte da paisagem local, mas era identificado aosdrogados, àqueles que se picam . E isto porque, como expressou um dosentrevistados "na vila tem uma separação bem clara entre os drogados e osque não usam drogas" . Esta linha divisória é geográfica mas, sobretudo; relaci-onal; pois o mais importante não era definir o lugar onde estavam os drtigados,mas afirmar que eles pertenciam a outro grupo social e outro campo ~ p c i l

diferentes daquele de onde falavam nossos interlocutores. Os depoimentos so-bre as delimitações do espaço social surgidas no contexto das questões sobre aexistência de casos de Aids no local nos indicaram estas diferenças em relaçãoaos outros casos:

Eu já ouvi falar de casos na vila. Aqui em baixo não tem. Se tem, é lá em cima.Esses caras lá de baixo que se picam:Todos esses guris lá de baixo que traficam cocaína, eles todos devem ter o vírus.

Interpretando os dados, identificamos que essa definição do outro, quepassa de um outro distante a um outro que está cada vez mais próximo, traz

• já uma modificação qualitativa na própria relação de alteridade. De abstrato, o outro torna-se mais concreto.Este outro próximo é alguém que se conhece pessoalmente ou por

meio de uma pessoa relacionada, e com quem se compartilha uma série deespaços, de pessoas e de valores, enquanto que o outro distante (atores,cantores, prostitutas do centro da cidade, gente rica, etc.) possui uma existência quase imaginária - existência pensad ·a mediante imagens construídas pela mídia ou por histórias contadas - não pressupondo nenhuma rela-

. ção direta.No caso da Vila A, como já referido, pode-se contar um grande númerode

pessoas portadoras do vírus da Aids, além da presença marcante do tráfico econsumo de drogas. Diferentemente dos bairros anteriormente analisados, naVila A todos os entrevistados declararam conhecer mais de uma pessoa porta-

dora do vírus. E, além daquelas pessoas que afirmaram conhecer apenas devista, os entrevistados mencionavam sempre um membro da rede familiar ouda rede de relações mais próxima (vizinho, amigo, colega de trabalho .

Com a finalidade de demonstrar a proximidade da convivência compessoas infectadas, descrevemos no quadro a seguir alguns casos de informantes que convivem de perto com pessoas soropositivas. O quadro apresenta, na primeira coluna, o sexo e a idade do informante e, na segunda, aspessoas, suas conhecidas, portadoras do vírus da Aids.

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Algun as sd ·p ss asque onvivemde perto com portadores do vírusup ssoa c mAid s \

~ f ü ~ f , í l ~ ~ ~ ~ - : ~ ~- ~ ~ . ...... . :~

feminino - sua afilhada (29 anos) que é também madrínha de seu filho48 anos mais novo

- um filho adotivo de quem cuidou por 2,'3:anos

- outras pessoas menos íntimas da vizinhança'feminino - o marido21 anos - a mãe

mascul\.{lo - o paijá falecido43 anos - vizinhos e amigos

- uma amiga muito próxima- muitos conhecidos da vila

feminino - dois tios (innãos da mãe)19 anos - várias pessoas da vizinhança

··masculino - uma vizinha e amiga46 anos - conhecidos da vila

feminino - a vizinha42 anos - o filho da vizinha- o sobrinho da vizinha- a innã da vizinha

. feminino - um jovem homem40 anos - uma jovem mulher

- várias pessoas da vila

Interpretando os dados coletados na Vila A,n t e ~ d e m ~ sque a?:esença significativa tanto da Aids como das drogas nobamo nao permitia queestes elementos - drogas e Aids- funcionassem como demarcadores defronteiras entre os moradores. Isso se verificava também quando eles falavam nas entrevistas sobre a separação entre usuários·de drogas e não usuários esclarecendo aos entrevistadores que tal distinção não existia no local.Evo'cavam como argumento para isso o fato de que quase todo mundojáexperimentou alguma droga ao menos uma vez na vida ou possuium farrúliar que é oujá foi usuário, ou ainda o t ~ ~ eque,e m b o ~l ~ u m spessoasnão aprovassem o uso de drogas, os usuanose s t ~ v mmsendos_ nas redesde relações locais e, portanto, deviam ser respeitados. O depoimento deuma entrevistada ilustra essa idéia:

Po d or 1 11,\'f;, •pu uç u ntr s qu us 11n 1 u 1111 dr n j mns, todo 1111mdo s 11 t e. Pode ar 11 o 11 r de aml ui , mas, por ed11açao,

cumprimenta . Pode at é existir. .. mas é pou o .. 11111/lt r 21 anos)

Essa ausência de separação entre usuários de drogase não usuáriosindicavauma diferença na percepÇão da Aids como doença dooutro, vistoque esse último não era reconhecido como tal. Assim, enquanto que, naVila X, a Aids era associada aosdrogados, na Vila A não existiataU identificação,umcr vez que o próprio uso de drogas não funcionava como'definidor de lirrútes no interior do próprio grupo. A Aids, da mesma forma, nãoera· ndicadora de fronteiras. Assim como o uso de drogas,:ela estava presente na rede de relações próximas dos moradores e, nesse sentido, não eraum problema dos outros, mas um problema que podia ocorrer comqual-quer um 6 • Este entendimento fornecido pelos dados qualitativos e interpretadoà luz da bibliografiajá existente sobre o tema tomou-se fundamental, porque pudemos perceber que a familiaridade com a doença tornava adiscriminação em relação aos portadores do vírus inaceitável.As pessoasque seencontravammais próximasà doença buscavam demonstrar queaAids não era uma doença dooutro, no sentido de estar ligada a gruposecomportamentossocialmentecondenáveis, mas algo quepode acontecer

• com qualquer um, independentemente de classe social e/oucomportamen-to de risco. Em outras palavras, essa percepção possibilitava o afastamentode possíveis.acusações contra o bairro e seus moradores em razão da prevalência alta da doença - como um local onde seconcentram comportamen-tos de risco (promiscuidade, uso de drogas, práticas homossexuais,etc -,mas acabava também por diluir a própria noção de risco e mesmo de vulnerabilidade.

·Percebemos, por meio dos depoimentos, uma relativização das formas de transmissão e uma ênfase no caráter situacional, o que possibilitavao questionamento da eficácia das medidas preventivas. Esse questionamentoera levantado, principalmente, pelo confronto com a experiência quotidiana. É assim que vários entrevistados duvidavam da capacidade de proteçãodo preservativo, visto que este pode romper-se, ou mesmo da adoção demedidas de proteção do contato direto comas secreções das pessoas infectadas, tais corno o uso de luvas ou de seringas descartáveis, argumentandoque estas nunca foram utilizadasantes e nem por issoas pessoas se infectavam. Esse questionamento se expressa claramente na fala de uma entrevistada, ao referir-seà ênfase dada ao uso de seringas descartáveis:

..: antes só tinha aparelho [seringa] de vidro e ninguém tinha a tal de Aidsmulher; 48 anos).

98 T RA TA MF.Nro E DA DOSQU ALITA TIVOS

PESQUISA QUALITATIVAEM SAÚDE 99

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Ou aindaoutraentrevistada que, ao falar sobre o quanto a núdiaincentivao uso do preservativo, questiona: · ·

... dizem que a camisinha evita tanta coisa .. Será que e l ~previne tantoassim? Porque · camisinha fura ... Muita gente já entrou em fria por causa desseaí. .. mulher; 42 anos

A informante conclui afirmando que, para que o preser\rativo tivesse realmente a eficácia aele atribuída,só se fosse de aço.

A idéia deque a Aids pode acontecer independentementeda classesocial, cor, comportamento e mesmo da adoção de medidas preventivasevocava, no nosso entender, dois elementos centraispara a compreensãoda percepçãoda doença acionada pelosmembros dos grupos populares: a

~ ç ã ode destino e a concepção de morte. Primeiro, a perspectiva dequeninguém está livre da doença - que prioriza o caráter situacionalda contaminação que,por sua vez, exclui as possibilidades de previsão e prevenção. Segundo, é preciso inserir a Aidsnum contexto maior ondeela representa apenas umrisco a mais para os indivíduosem questão, e não necessariamente o principal.Que a Aids éuma doençasem cura eque levaà morte,todos os entrevistados sabiam7. Entretanto,uma série de argumentos -como a existênciade outrasdoenças mais ou tão graves quanto a Aids,o restabelecimentoda saúde em portadores do vírus que se encontra-vam bastantedoentes, a existência de terapêuticas, etc. - era acionada afim de minorar agravidade da doença . É neste sentido que uma entre-vistada afirma:às vezes uma pessoa com ids dura mais que uma pes-soa sã . A presença da morte era, assim,uma realidade, e a Aids apenasmais uma ameaça e que podia, de certa forma, ser controlada mediantea adoção demedidas preventivas e terapêuticas que visassem evitar odesenvolvimentoda doença.

Pela observação participante, percebemosque esses indivíduose s t

vam expostos aum conjunto muito grandede riscos - dentre os quais talvez aviolência fosse oque chamasse mais a atenção danúdia e dos próprios pesquisadores -em virtude mesmoda situação de exclusão social naqualse .encontravam8 • Face a este contexto, a morte era também naturalizada . Ela era vistacomo parteda vida, como um fenômeno natural quepodena ou não aparecer associado auma doença. Assim, muito mais queuma doença como a Aids, era o destinoque estabeleciaa hora de cada um.Cabe salientar aindaque a maioria dos entrevistadosjá tiveraum contatop r ó x i ~ ocom a morte, tanto pela perda deum familiarcomo em função deum acidente ou doença grave ou ainda pela pró pria violência do bairro. Amorte era, dessa forma, percebida como inevitável e imprevisível.

. o ~fim, a alta incidência da Aids no bairro estudado e a conseqüentefamp1andade com a mesma produzem o que chamamos de banalizaçãodadoença. A Aids passou aser vistacomo algo normalOl),como nas palavrasde uma entrevistada,

está tão normal , tão do lado da gente que fica fácil conviver. . . mulher;21 anos

1

Está . normal .·na nossa interpretação dos depoimentos, não apenasporque ex istem muitos casos, mas també m porque sua gravidade é minorada, considerando, entre outros, a continuação do depoimento desta mesmapessoa:

... deve ser horrível [ter Aids] , mas já tem tanto medicamentoque á paraviver bastante.

8.1.2 Os homens e a concepção do aparelho reprodutor e minino

Outro exemplo1 refere-se aum estudo realizadocom pessoas moradorasde vilas nas quais havia a presença marcanted postos de saúde demedicina comunitária. Procuramos entenderem que medida as visões biomédicas de anatomia e fisiologia do aparelho reprodutor eram assimiladasrejeitadas ou reinterpretadas pelos informantes.

. A coleta de dados foi. feitapor meio de entrevistas etnográficas,nas quais foi solicitado que os informantes desenhassem dentro deumas i l ~ u e t ap r ~ v ~ m e n t erepr?duzida, uma imagem dos aparelhos reprod u t 1 ~ o sf e m ~ m n oe masculmo . O objetivo deste exercício foi duplo: 1)motivar os mformantes a falarem a respeito do sistema reprodutoràmedida que , ao desenharem, osinformantes comentavam os seus desenhos; e 2)verificar o quanto os diagramas dos órgãos reprodutivos (usa ºs com freqüência por parte de agentes biomédicoscomo suportepara

mformação de fato influenciam as imagens que as pessoas possuemincorporadas. . · ·As formasde registrode dados foram a inserção das entrevistasem

ur:i banco d ~ dados, a inserção dasimagens em um bancode imagens,alem do registro de observações diretas, naforma de relatórios sobre asituação de obtenção das entrevista e da realização dos desenhos. Considerando que as entrevistaseram muito abrangentes, vamos nos deterespecificamente nos desenhosrealiiados pelos entrevistados do sexomasculino sobre o corpo feminino.·

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A is tcm t izt1 1 d s dad s f i fe ita media nte a cl ass ificaçã o d os de enh o ba ada em u as a rac tcrfs ti cas principai s, cómpondo tipologias : As c ara cterística s cons ide rada s foram a presença ou ausência de face, seios, vagina,outro s órgãos, conexão entre órgãos. Os desenhos não foram tomados isoladamente, mas trabalhados em conjunto com os dados mais gerais dos entrevistados, tendo como subsídio as características da cu ltura ein qu e estes indivíduosestão inseridos. Ou seja, não foi feita uma análise psicofóg ica dos entrevistadosa partir dos desenhos. ·

Tomando os desenhos como um todo, pode-se observar que existeuma priorização da sexualidade na representação por parte dos informanteshomens. Isso fica refletido em mais da metade dos casos que concordaramem realizar o desenho e que incluíram exclusivamente a vagina ou a vaginae os seios, indicando, assim, que a sexualidade tem prioridade sobre a con-cepção na sua visão de sistemas interdependentes .

Ainda, desenhos de corpo apresentando face, seios lou vagina, sem referência a órgãos internos, por exemplo, que formam 25% dos desenhos masculinos (35% do total de desenhos realizados se as recusas forem excluídas) nãopossuem equivalente entre os desenhos femininos. Este tipo pode se r classificado como a representação gráfica masculina típica. Aqui temos um exemplo:

Figura 8.1 Desenho de informante masculino - modelo "típico" (A)

. Um outro tipo de desenho bastante recorrente é o que inclui apenas avagina, sem face ou quaisquer outros órgãos. Este tipo aparece u em 17%do total de homens entrevistados. Exemplo :

Figura 8.2 - Desenho de informante masculino - modelo Sem face/com vagina"(A)

Os tipos apresentados indicam , como foi sugerido anteriormente ,• uma maneira específica de ·pensar o corpo feminino, no qual as partes

representadas graficamente são fundamentalmente as partes externas,em contraste com a natureza mais escondida das partes internas desenhadas p elas mulheres. Salienta -se aqui o fato de ter sido solicitado aosparticipantes da pesquisa que fizessem um desenho do aparelho reprodutor feminino ou, para aqueles que não entendiam essa formulação daproposta, que desenhassem q u i ~ oque está envolvido na preparaçãode um bebê no corpo da mulher. E interessa nte observar que, nos desenhos de informantes do sexo feminino, a vagina é representada comointerna ao corpo , sendo o canal vaginal uma continuação dos órgãosreprodutivos internos . Já nos desenhos de informantes do sexo masculino, a vagina é desenhada como uma parte isolada, normalmente ex -posta parafora . · ·

O próximo tipo mais comum é o que classifiquei como semelhante aomodelo médico que foi feito por 9% de todo o grupo , embora apenas doispossam ser tomados como bastante semelhantes. Os demais foram versõessimplificadas deste modelo . (Ver figura 8.3)

A análise de histórias de vida dos informantes, cujos desenhos foràm classificados como semelhantes ao modelo biomédico exceto um, demonstrouque eles não era m informantes muito típicos. Entre outras coisas, foi possívelverificar que estes informantes tinham maior contato com a cultura dominantemediante instituições como o exé rcito, por meio do ser\ iço militar (dois casos)

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Figura 8.3 Desenho de informante masculino - semelhante ao modelo b iomédico A)

ou de um partido político, por meio de militância partidária (dois casos). Osdemais podem ser também considerados atípicos no sentido de que tinham umcontato regular com a biomedicina, na medida em que um deles era declaravase homossexual e por isso visitava regularmente uma clínica especializada parafazer o teste de HIV e outro tinha, recentemente, realizado uma vasectomia.

o d e ~ s econcluir daí que arepresentaç ão biomédica é uma representação atípica realizada por habitantes atípicos das vilas estudadas.

Foram identificados mais quatro tipos que se referem a um número muitopequeno de desenhos, .realizados por 7 , 5 6 , 2.8 e 1.4 dos informantes,respectivamente. Dadas as limitações dessa exposição, não será possível tratar deles neste espaço.

A partir deste tipo de análise, é possível sugerir que a image'm gráfica é uma imagem aprendida no contato com a biomedicina - embora

um maior ou menor contato com a biomedicina não defina por si só oconhecimento desses homen s a respeito da reprodução. Em partes diferentes das entrevistas etnográficas, ficou claro que os homens pesquisados, de fato, não estabelecem muito contato com os serviços médicos. Uma das razões para tanto é o entendimento corrente por partedeles de que os homens têm corpos fortes, que raramente adoecem,mesmo porque a sua capacidade de trabalhar e de prover é fundamentalna constituição da sua identidade de gênero.

8.2 Dados Qualitativos e Tratamento Estatístico:uma proposta metodológica

Ondina Fachel LealJandyra M G. Fachel

A emergência de um objeto e de um campo, que tem sido nomeadonas ciências sociais e áreas afins como saúde reprodutiva (o que englobapráticas sexuais, reprodução e contracepção, doenças sexualmentr transmissíveis), remete-nos a pensar em novos aportes metodológicos que dêemconta da especificidade deste objeto . Vários aspectos poderiam ser aquiabordados: a constituição de um campo como tal a partir da demanda defontes financiadoras; a ênfase de um conhecimento voltado para a aplicação; questões éticas que envolvem o procedimento de pesquisa e manipulação de dados . Parece-nos que nenhuma destas questões tenha sidosuficientemente discutida em um fórum nacional das ciências sociais propriamente ditas . Outras áreas, como a medicina, de onde imigrou o conceito de saúde reprodutiva, a demografia e epidemiologia, possivelmenteterão se debruçado sobre estas questões, mas com parâmetros que dizemrespeito àquelas áreas de conhecimento.

Todavia, o assunto a ser diretamente abordado aqui será uma proposta

• de procedimento metodológico que visa dar conta de outra questão fundamental, e porque não paradoxal, que a saúde reprodutiva nos impõe.Está-se lidando com sexualidade, tema que em nossa tradição cultural éda ordem do íntimo, da subjetividade, da individualidade, enfim, do pri-vado, valores que, como tais, deveriam permanecer aquém do escrutíniodas ciências sociais objetivantes . A antropologia, em sua tradição etnográfica, esmi uça por vezes o privado dos outros (mesmo quando não foi convidada) e tem algo de concreto como proced imento de investigação a oferecer para o desvendamento deste privado. Além disto, dentro does-copo da teoria antropológica, existe uma discussão rel evante a respeito de ..

corpo, corporalidade, técnicas corporais, eventos corporais elementares

*Doutora em Antropologia pela Universidade daCalifórnia, Berkeley .É professora titulardo Departamento de Antropologia e junto ao PPGAS UFRGS), atualmente atuando comoassessora do Programa de Saúde Reprodutiva na Fundação Ford do Brasil.** PhD em Estatística pela London School of Economics, University of London eprofessora titular do Departamento de -Estatística da UFRGS.***Refiro -aqui textos clássicos da antropologia, corno por exemplo, Malinowski , Sex

nd Repression in Savage Society (1927), Margareth Mead, Sex nd Temperament in

Three Primitive Societies (1950), entre outros.

( m nns im nt m rt prazer e o f ri m e n t o e n f i ~o próprio corpo em

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( m nns im nt m rt ·,prazer e o f ri m e n t o e n f i .o próprio corpo emsua apacida dc de sig nifi car e processos biológicos enqu J.nto construtossociais*.

Ao mesmo tempo, as limitações do próprio método etnográfico, quenos proporciona um conhecimento denso, íntimo, que prioriza a qualidadedo dado - e neste sentido, é ali que repousa sua "veracidade" - baseiam-seno fato de que não trabalhamos com preocupações .de representatividade,no sentido estatístico. E é exatamente aí que todo nosso esforço em "chegar lá'', desvendar o "indesvendável" - a sexualidade do outro - foma-seum tanto inútil, à medida que nossa interlocução com as outras áreas, maiscomprometidas com a positividade do dado, vêem com desconfiança aquilo que tomamos como evidências na construção do argumento antropológico: nossos ~ · t r o f é u sdo trabalho de 'Campo extensivo, longos depoimentos, uma piada, um provérbio, uma canção, um desenho feito pelo informante, um mapa. De fato, não estaremos nunca discutindo subjetividades(isto é o ofício da psicologia) mas sociabilidades, relações sociais, práticassociais. E, se assim é, como passamos do evento à regra, do fato individualao padrão de comportamento?

O limite do procedimento antropológico está também naquilo que é eixode sua riqueza,-0fazer etnográfico centra-se na pessoa do etnógrafo, para sermos mais exatos, de um antropólogo que vai a campo: olhar treinado eatento,convive, observa, descreve, faz e ~ g u n t a s ,ouvehist0rias, familiariza-se, buscasentido e reconstrqi uma totalidade mais ou menos coerente em seu texto .etnográfico. Com-viver exige tempo, e 'esta é .condiÇãoda síntese a ser feita por estesujeito que etnografa. O somatório ·do tempo<le :observação de vários sujeitosnão substitui o tempo de um só observador.

Por outro lado; áreas como a epidemiologia, a demografia e a própriasociologia têm abordado sexualidade com as ferramentas que lhes são familiares: procedimento amostral, aleatoriedade, o que, no entendimento destes campos, garante representatividade e significância estatística. Ou seja, temos asurvey, em sua forma tradicional, questões fechadas , pré-codificadas, neutralidade ·na aplicação "do instrumento", em resumo, a possibilidade de poder lidar comum número (quantitativamente) representativo de casos.

Não se trata aqui de nos alongarmos em apontarmos as limitações e asvantagens dos diferentes procedimentos, já por demais conhecidas por todos nós. Tràta-se de insistir na possibilidade, ou melhor, fazer uma propos-

*A noção de "fonna elementar do evento" referindo -se a eventos corporais é de Augé,1986 . A bibliografia a respeito do corpo como elemento de significação ou, dito de outraforma, o corpo tomado de uma perspectiva cultural, é muito ampla . Ap enas como referências seminais, citemos Mauss (1974), Hertz (1970), Bastide (1983), Leroi-Gourhan (1987) .

ta metodológica d • ·do,à especificidade, m ~ indi ·ad , despecificamente, sexualidade.

·Esta proposta combina uma abordagem antropo lógi a d objeto,um procedimento etnográfico de pesquisa e conseqüente material "qualitativo", c om procedimentos estatísticos, análises tanto estatístida (Análise Fatorial de Correspondência) quanto antropológica e ferramentas

informatizadas que permitem a montagem de um banco de dad;os, gerenciamento e cruzamento destes dados. Trata-se, portanto, de in modelo de pesquisa preocupado com a interface entre dados qualitativos,sistematização dos dados, quantificação e análise em uma perspectivaque dê conta da sutileza dos mesmos.

Este procedimento metodológico foi desenvolvido e colocado em práticana pesquisa intitulada Corpo, Sexualidade e Reprodução.; m Estudo de

Representações Sociais, que recebeu o suporte financeiro da OrganizaçãoMundial de Saúde.* ·

Partiu-se de uma proposta que identificamos como antropológica, o quesignifica em nosso entendimento, grosso modo, ter como perspectiva a apreen-são da vida social corno totalidade. Ainda que o foco de análise seja a sexualidade , supõe-se que representações e práticas que dizem respeito à sexua-

• lidade, como um domínio específico, inserem-se em todo um sistema de crenças, representações, valores, organização familiar, organização da subsistência, entre outros, e só fazem sentido quando referidas a esta globalidade de,digamos, disposições sociais . Além disto (ou exatamente por isto), nossa pre-ocupação se dá no nível de desvelamento de significados (no sentido serniológico) e não apenas de correlação quantitativa de eventos empíricos . Veresquema da concepção da pesquisa figura 8.4 . O esquema figura 8.5 resu-me o procedimento de pesquisa e, neste texto, remeter-nos-emos constantemente a ele.

* A pesquisa Body, S exuality nd Reproduction: a Study of Social Representations(OMS/HRP Project 91398 Brazil) foi coordenada por Ond ina Fachel Leal e financiadape lo Special Programme of Research, Development and Research Training in HumanReproduction , World Hea lth Orga nization . A estruturação do Banco de Dados foi feitapor Leandro Sara iva , Marco Aurélio Mangan e Mário Guimarães Jr . Com todos osinvestigadores vinculados ao Núcleo de Antropo logia do Corpo e da Saúde (PPGAS/UFRGS), sobret udo Ceres Víctora e Daniela K nauth, mantivemos uma discuss ão constante q ue nos possibi litou o desenvolvimento deste modelo d e pesquisa e a elaboraçãodo prese nte traba lho. O p resente texto contou contribuições fundamentais de MarcoAuré lio Mangan, Daniela Knauth e Leandro Saraiva.

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Figura 8.4 - Concepção da Pesquisa

idadesexo

organização daunidade domést ica

condições de moradia

. trabalhotipo atividade

origem rt1ta1 urbana

origem étnica

tipos de aliançadescendência

circulação:parceiros, filhos

vida cotidianalazer/sociabilidade

representaçãode corpo

sistemas de

crença

escolaridade

.disposiçãocontraceptiva

. ·.·

disposiçãoreprodutiva

expectativade ·gênero ·

disposição sexualpráticas sexuais

papéis de gêneropreferências

NUPACS-UFR.GS Projeto WH©-B© Y OMSIHRP 91398 Brazil

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.

nna tiva a div ersas fases do procedimento dap ui u. Umas ric de qucstõc de ordem mais epistemológica e teórica poderia ser abordada, ma s nos limitaremos para fins deste trabalho no procedimentode coleta, organização e manipulação dos dados .

FASEI

Coleta de Dados

Buscou-se realizar uma espécie de "etnografia concentrada,"* tendocomo universo de pesquisa quatro vilas de favela da área met ropolita na dacidade de Porto Alegre, que têm a peculiaridade de serem atendidas porPostos Comunitários de Saúde. Visando a uma representatividade esta tística, trabalhou-se através de entrevistas e observações, com um número de200 casos (100 homens e 100 mulheres), bem maior que o normalmenteutilizado em pesquisas etnográficas. Os casos foram escolhidos buscandoa relevância para o objeto a ser investigado, isto é, pessoas dentro da fasereprodutiva, distribuição etária da população, o que de, uma perspectivaestatística, seria identificado como uma amostra intencional p r quotas.Além disso, levamos em conta critérios "antropológicos" tais como: empatia com o entrevistador, disponibilida de para a entrevis ta, etc.

O objetivo geral dessa primeira fase da pesquisa foi obte r informaçõessobre várias dimensões da vida do entrevistado, como acima referido. Tratando-se de um número relativamente grande de informantes para entrevi stas e observações em profundidade, foi necessário também utilizarmos umnúmero grande de entrevistadores (com formação em antropologia) e foicriado um instrumento de pesquisa, o REE Roteiro Etnográfico de Entre-vista) . Trata-se de um roteiro de entrevista e de observação. A orien tação éa de que entre o entrevistador e o entrevistado deve ser estabelecida umarelação informal, com cumplicidade e agradável. A ênfase da entrevista é asituação etnográfica, em detrimento de perguntas e respostas fechadas. Osesforços de sistematização dos dados devem ser feitos sobretudo a posteriori.

* O procedimento mais próximo a este que conhecemos é o RAP Rapid AssessmentProcedures): trata-se de um roteiro etnográfico de entrevista, desenvolvido na área deantropologia médica. A respeito do RAP como instrumento, ver Scrimshaw e Hurtado(1987) e também página 42 deste livro . Outros trabalhos que de se nvolvem uma reflexão a respeito das possibilidades dos dados etnográficos: Agar ( 1980), Bec ker ( 1993),Heggenhougen etal. ( 1990), Mitchell ( 1987), Peacock (1986). Os diversos autores citados não estão discutindo a possibilidade de infofl latização, desenvolvimento de bancode dados etnográficos ou cruzamento de variáveis .

O íluxo da ntr visto d ·v s ·•ui 1 fui d ·vist i d o { lundam ntal nosr ~ l a t ó r i o spcrtin ·ntc s u cada l ina ·/ u .º . lut d > · 1 · ~ m iintodos os dados de b crvação e da própria s1tuaçao t · ·nt1 ·v1sll1. u r - eum mínimo de 4 encontros para cada entrevi ta: prim ir m qu s e tabelece um 'contato inicial e fica definida a disponibilidad e do entrevi tado para aseqüência de entrevista.* No campo, estima-se cerca de 1Ohora_:-;.n? t_otal,de entrevista para cada informante. Além deste ~ m p oa elaboraçao- ·d1g1tadado relatório no p rograma de recepção, de senvolvido para este fim, tqma pelomenos 1Ohoras, o que deve estar em andamento à medida que a _entrevistadesenrola-se. Em razão disto, cad a investigador tem que ter fácil acesso aum computador pessoal.** . .

Durante a situação de entrevista, notas são tomadas pelo entrevistadorou, se este preferir e seu entrevistado o n s e n t i ~p o d e ~ áfazer ~ odo r a ~ a -

dor. Depois disto, para cada questão devem ser s1stemat1zadasas mformaç_oesconforme é solicitado e, para cada Relatório Temático RT) (comentános,memos), observar cada item do roteiro etnográfico específico.

Uma problemát ica importante se coloc a aqui: como não s _ trata p e -

nas de um etnógrafo, treinar um determ inado olhar, focar e s1stemat1zardeterminadas informações de forma mais ou menos homogênea para todosos casos torna-se um grande desafio para a pesquisa. O treinamento dosinvestigadores de campo é um processo n t ~ n s oe custoso. O i ~ r o r t a n t eéque cada investigador tenha bem claro quais são s foc?s t e m ~ t 1 c o se quediscussões teóricas estão em jogo. Trata-se de um mvest1gador-mformado .A explicação pormenorizada dos objetivos de cada questão do IBE, s s i m

como dos modos de utilizá-lo, encontra-se no "Manual de Onentaçao do

* A orientação é a de que o entrevistador deve explicar o objetivo da p e s q u i ~ aascondições de confidenciabilidade dos dados, indicar a p o s s i b i l i d a ~ ede o entrevistadonão querer responder algum a das questões QU interromper a entrevista . Deve haver umconsentimento do entrevistado para a entrevista .**Prob lemas operacionais de acesso fácil a computadores foram resolvi?os com o usode modelos portáteis de .CP laptops), que circularam entre os entrevistadores . Emconseqüência disto, o programa de recepção dos ~ d o steve que ser ~ a p ~ a d ?ao uso ~ e

computares mais simples tipo PC-XT. No preenchimento do~ e l a t o n o1 ~ d i c a d o

oco-digo o entrevistado deve ser sempre referido como Ego om1tmdo-se assim seu nomee ga;antind o a confidenciabilidade da entrevista. Questões éticas relativas à ~ n f i d ê n

cia dos dados tornam-se fundamentais, não apenas porque a temática no caso hda comuma dimensão da vida íntima dos informantes, mas porque os dados entram quaseconcomitantemente para um banco de dadôs informatizado, cuja manipulação, emborarestrita, e ·nvolve um número relativamente grande de investigadores. Ou seja, uma vezfinda a situação de entrevista, rompe-se, em certa medida, a s i ~ u a ç ã oetnográfica clás-sica de intimidade e cumplicidade do antropólogo e seu material. .

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110 TR T MENTO DE D DOS QU LIT TIVOS PESQUIS QU LIT TIV EM S ÚDE 111

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REE. * A elaboração deste tipo de material relativo a procedimentos metodológicos, bem como reuniões sistemáticas com os investigadores de campo, representou um grande investimento em termos de pesquisa. Em nossaavaliação, isto se justifica na medida em que se desenvolveu uma técnicaque p9de ser reproduzida em outras pesquisas .. E importanreobservar que, embora existam algumas qµestões fechadas de

tipo q u a n t ~ t a t i v o n oREE (roteiro de entrevista), a orientação é ·a de que o entrev s ~ d o rnao é um coletor de eventos. Ou seja, não se busca o mero registro de~ e g u l a r i d a d e sde comportamento, deseja-se desvendar as regras que guiam osinformantes o seu comportamento. Tentou-se uma pré-codificação para o registro d.e e g u l n ~de comportamentos que já prevíamos relevantes no conjuntod ~vida dos n t r e v 1 s t ~ d o sElas estão expressas através de questões fechadas quedao conta da regularidade. Paralelamente, existem as questões abertas, que buscam a compreensão dosfatos.**

FASE II

Sistematização: Recepção e Registro de Dados e Uso de Descritores

De modo geral o REE - Roteiro Etnográfico de Entrevista - com suadivisão por seções temáticas que devem, na prática, converter-se em tópicos de conversação, é um primeiro esforço de sistematização dos dados, à

O Manual é extremamente detalhado no que se refere à orientação ·. Por exemplo,c:ncontram-se o Ma u a ~ :co" entários sobre as atividades de lazer : o oco da questãoe 1etectar q::a1s os canais de informação a que está ligado Ego, tanto no que se referea mfo:maço:s , quan_to controle sobre práticas sexuais ou controle social em geral ".Ou ?nentaçoes ger: 1s como: "Chama-se especial atenção para o fato de que é necessário que o entrevistador rompa respostas tautol6gicas, tal como 'Por que usa umdeterminado m .todo contraceptivo?' 'Para não ter ilhos' ou 'Porque s m . O entrevistador deve entao reformular a questão ou ainda retomá -la em outro momento . Buscartambém superar Rspostas 6bvias , buscando explicações , ou maior refinamento der e : p ~ s t a como por exemplo : 'Em que situação usa camisinha?' 'Quando transo ,nao e uma resposta suficiente.** Duas e t n o g ~ a f i ~r e l a t i ~ a sa duas das vilas em questão, preocupadas com temáti-

. cas. a r a l e l ~ s Já .nnham sido desenvolvidas por antropó logas vinculadas ao atualprojeto de 1nvest1gação .De fato ; a atual proposta só se fez possível , em termos deformulação de hipóteses e de sistematizações a partir da existência destes trabalhos,~ a u t h(1991) e Víàora (1991). Outra etnografia foi também desenvolvida concomitant ~c?m a presente investigação, Dos Anjos (1993) . Estes dados etnográficos e a fami-handade etnográfica com o campo foi essencial à atual investigação .

medida que os entrevistadores têm que organizar as informações obtidas emcampo em unidades temáticas de narrativas significativas (os textos dos memostr6Jatórios informatizados) , às quais estão associados também conjuntostemáticos de questões fechadas .

As informações de cada entrevista serão registradas pelo próprio entrevista-dor em um programa de recepção dedados, desenvolvido especialmentepara estefim, o WH©- B•DY software.* Todas as questões do REE estão reproduzidas

neste programa. Este programa tem capacidade de receber todas as i n f o r m ~ ç õ e sdiretamente contempladas no REE e, além disto,outrosdados de observações;ouseja, o preenchimento do WH©-B•DY software é um momento etnográficodesistematização e elaboração das informaçõescoletados no campo. .

O REE contempla também informações na forma gráfica (planta baixa damoradia do informante, mapa de parentesco, desenhos corporais) que, atravésdo uso de scanner; vão compor bases gráficas específicas no banco de dados.

Figura 8.6 - MaP,a de parentesco

Além da organização da própria entrevista em tópicos temáticos, que pre-ferencialmente deve também observar tempos e encontros diferenciados nasituação de entrevista, outro recurso de sistematização e focus fundamental éa criação de descritores . Descritores são conceitos que convencionamospara indicar conteúdos temáticos específicos dos relatórios, conformando umsistema de indexação dos dados etnográficos . Estes descritores são utilizados

* O programa, como foi mencionadó, foi desenvolvi do por Marco Aurélio Mangan, que é _também respon sável por todo o acompanhamento do projeto em termos de informática Osoftware foi criado especificamente para a recepção deste relatório . Encontra-se em fasede desenvolvimento um programa para qualqu .er investigação preocupada com dados qualitativos/abertos e sua sistematização e posteriores associações estatísticas.

1 lJ 2 ' f'JIAIAMI NIO Ili ( AI O ~ llAI ll A l IVO.S

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p 1 ·ntr ·vistu dor n pre n him ento do WH © -B•:QY software conform e as~ g e s t õ e sde ca da R e la t ó~ i oTei:iático, i?dicada s na qrientação de cada ques

tao em um manual de onent ç o e na hsta de descritores que é apresentadana tela do P.rograma de recepção sempre que solicitada'esta função. Os descrit o ~ e ssugendos para a ~ aquestão podem ser complementados por outros descntores constantes na s ~ ageral, onde há também m a J ~ n t a t i v ade definição~ ecada um destes conceitos. Não necessariamente todospsdescritores suge

r i ~ ~ spara cada memo (campo b e r t ono programa de recepção) têm que serutilizados, mas eles devem balizar a própria entrevista. Uma lista de descritores ~ o n t é muma definição destes conceitos; a lista pode ser modificada econceitos e d e f i n i d o ~ou ~ s especificados com o andamento da pesquisa.

A figura 8.7 mdica a orientação para a questão e a sugestão dos descritores, o.s últimos, ~ o n f o r m eaparecem na tela do programa de recepção, sãodescritores sugeridos para a questão específica:

8.18. Comentários sobre a situação de moradia o foco daq ~ e s t ~ oé o e s p ~ ç ofísico como meio de demarcação dep r i v a c d a ~ eou nao. Observar .como a disposição espacialda moradia e das peças de cada casa estabelecem (ou não)formas de sociabilidade entre vizinhos (ex.: conversas e .banhos no tanque, contigüidade dos pátios, cercas) e entremembros da mesma unidade (ex.: quem dorme ondecirculação pela casa). · '

Descritores<núcleo><privacidade><Vizinhança><contigüidade>

Figura 8.7 - Orientação para questão e sugestão de descritores

Criaram-se de,scritores de dois tipos: descritores conceituais que se refer e ~ao conteudo das falas e descritores discursivos que se referem aosestilos das falas ou trechos das falas .dos entrevistados. Estabeleceram-sedetermin.adas o n ~ e n ç õ e spara notações como, por exemplo, o uso dos term o ~no smgular, amda que se refiram a algo plural. Os descritores conceituais.referem-se ao assunto que está sendo abordado, serão sinalizados porum smal o n ~ e n c i o n a lindicando o início e o fim do termo ou expressão, porexemplo, <ahança>, <aborto>, <contágio>, <vizinhança>. Descritores dis-

cursivos, como foi dil , indi an s · h6 u1n 1 lato. u111u pi 1111 11mu 1etc., ~ texto . Estes, de númer reduzid , ser5 sina liza c I s di ·1 nt tn nt-,como, por exemplo, <<piada>, << prov ér bi >, <<r ce ita>,<< ·impntia >, te.Observar que sinais devem ser utilizados sempre sem espaço entre este e aprimeira ou última letra do termo. .

Os descritores devem ser indicados no final de cada parágrafo rel11tivoao assunto descrito. Caso isto não seja possível (assuntos justapostos), :usaros descritores ao final de cada relatório temático ou memo. A f u n ç ~b douso dos descritores é indicar a ocorrência do evento no relato, semelhanteao uso de palavras-chaves. Estamos fazendo uma distinção entre descritores e palavras-chaves à medida que correspondem a níveis e momentosdiferenciados de análise .

Um dos objetivos da pesquisa é resgatar conceitos êmicos, portanto, oentrevistador deve preocupar-se em registrar esta s noções e expressões e mantêlas em sua forma original, no que se refere sobretudo a disposição contraceptiva , práticas sexuais, disposição sexo-gênero, doença (AIDS). Orienta-se que,no preenchimento do relatório informatizado WH©-B•DY software , cada

.conceito êrnico deve ser sinalizado por convenções previamente definidas e deuso comum.*

A homogeneização de preocupações antropológicas e uma padronização de nomenclat ura são fundamentais, em se tratando de um grupo de diversos pesquisadores. Mas percebemos também que a exigência de adotarmosum procedimento de sistematização detalhista acabou refinando, na condiçãode técnica, todo o desenvolvimento da pesquisa e nos impôs um aprendizado derigor de sistematização, geralmente deixado de lado na tradição do trabalho

*Por exemplo, observaram-se as notações : o uso de chaves sinaliza conceitos êmicos,por exemplo, {comprimido}. {capacete}, {se cuidar}, {receber visita}, referindo-serespectivamente a anticoncepcional oral (ACO) , condom, coito interrompido (CI), fi-car menstruada . Expressões inteiras que compreendem uma unidade conc ei tuai sãoindicadas entre chaves também, como por exemplo {botar casaco no rapaz} ou {fica

em roda feito urubu} , referindo-se respectivamente, a uso de condom e a coitoanal (CA). Transcriç .ões literais mais amplas da fala do entrevistado devem serindicadas pelo uso de aspas . Caso dentro destas falas haja conceitos ou expressões êmicas, estas são indicadas também entre cha ves. Em alguns casos, tais comoos termos ne rvos, assumir e gotas, conceitos êmicos foram incorporados comod esc ritores ; nesta situação, quando estão sendo utilizados na função de descritores, a notação para co nceito êmico não dev e ser empregada. A fim de uniformizaros relatórios, estabe leceram-se também algumas palavras e abreviações padronizadas que passaram a constar em um lista.

etnográfico, esforço este sempre centralizado na pessoa de um antropólogo. Apreocupação com o uso conceituai que indicaria a existência ou não de um Depois de reunir todos os relatórios das entrevistas em um único bancode

dados cadavariável texto de cada entrevista recebe um nome código da ques

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p p ç qdetenninado fato social exigiu também uma preocupação teórica na precisãodo uso de categorias analíticas. Questões que, em um trabalho mais artesanal'' e solitário de etnógrafo já não nos colocamos, voltam à tona com muitovigor: que indicadores empíricos exatamente nos indicam este ou aquele fatosocial ou detenniriado valor social passa a seruma questão importante, já quenão podemos identificar eventos com diferentes critérios. ·.

. Quanto aos procedimentos em informática, como foi mencionado, cada investigador recebeu uma cópia do programa de recepção WH©-B •DY software,adaptadoao computador pessoalque deveriausar. O programa reproduz na tela docomputadoro REE tópico por tópico. As telas de reprodução das seções do REEsão máscaras de um banco de dados,cada questão correspondendo a uma variável no bancodedados. Ou mais especificamente, de duasbases de dados: uma dequestões fechadas, outra de questões abertas.

No presente trabalho nos restringiremos à problemática metodológicadas interfaces trabalho de campo/relatório informatizado/manipulação dedados. Mas se faz necessário indicar que um cuidadoso procedimento derecepção dos diversos relatórios foi criado, além de toda uma estruturaçãode banco de dados.

O WH©-B\'DY, software que registra os dados, foi desenvolvido eminteração continuada entre o programador e os usuários, levando-se emconta, desde o início, que alguns dos entrevistadores não tinham familiaridade com informática. O programa é auto-explicativo e interativo, apresentando tela de ajuda , menu e os recursos usuais de um processador detexto. Corno já foi indicado, apresenta também uma lista de descritores e apossibilidade de copiar e mover textos, o que significa deslocar variáveis no banco de dados .

FASEID

Análise: Manipulação dos Dados e Criação de Tipologias

ORBE Roteiro E tnográfico de Entrevista) possui cerca de o questõesabertas, para um total de 200 entrevistas, o que nos dá um total de 14 mil textosrelatórios específicosrelativos amemos ou campos abertos no banco de dados).

Para a análise do material é necessário agilidadena manipulação deste volume deinformações. Adotamos para este fim um programa de gerenciamento de textodisponível no mercado,o Z Y ndex produzido por ZY Lab).

dados, cada variável -texto de cada entrevista recebe um nome código da questãomais o código que identifica a entrevista). Estes nomesde variáveis comporão o índice de textos sobre os quais o Z Yoperará. Feito isto, podemos fornecer ao programa mensagens de buscas combinadas que pennitem o rápidoacesso ao conjunto de textos ou , em última análise, evidências etnográficas)que nos interessam em determinado passo da análise dos dados.* t i ~ i z a n d o

combinadamente um editor de textos em ambiente windows, podemós fazer

modificações nos textos em que estamos trabalhando, como, por exemplo, incluir novos descritores, ou, em uma etapa mais refinada de análise,palavraschaves. Preservamos a noção de palavras-chaves para conceitos mais analíticos; os descritores, como foi indicado, são incluídosno relatório pelo entrevistador ou investigador de campo, as palavras-chaves, com uma diferente notaçãográfica, são incluídas no material original pelos investigadores principais, conforme temáticas e interesses específicos de análises que venham a d tsenvolver. As palavras-chaves sendo mais abrangentes e num nível maior de abstração podem englobar vários descritores.

O programa Z&Y nos permite acessar, com extrema rapidez, qualquer• palavra textual em qualquer texto de qualquer relatório (no total, no caso

desta pesquisa, de 14.000). Neste sentido não seria necessário o uso de descri-• tores, mas os descritores não só funcionam, como mencionamos, como um

refinamento do foco de análise e padronização do que deve ser observadoprioritariamente, mas nos permitem também indicar o fato sociológico que corresponde a um evento empírico (por exemplo, <sociabilidade> para sinalizarque há o relato de um grupo de jovens na esquina, etc.).

Um momento importante do processo de análise é - uma vez criadastodas as condições para um acesso rápido e continuado ao material originalde pesquisa, isto é, o banco de dados - podermos construir tipologias quenenhuma das questões fechadas nos dão ou que não são específicas de nenhum tópico do relatório. Trata-se de tipologias que supõem uma avaliaçãoanalítica e critérios do investigador, como, por exemplo, tipologia de trajetória de vida (ascendente, descendente, homogênea) ou tipologia de redes de

relações da qual o informante participa (densas/fluidas ou verticais/horizontais,

etc). Conforme atipologia, busca-se também

a construçãode critérios de classificação dos informantes (por exemplo, distinção social), no caso sobretudo detipologia de valores. O objetivo geral é chegarmos a um conjunto de tipos no

Por exemplo, textos da Questão G.3 Comentários sobre religião), que contenhamreferências a aborto (via descritor <aborto>) no conjunto de mulheres que já fizeramaborto, ou nas que falaram sobre aborto.

aso d 11 ·s }Ui 1d1 M , tip s d ompo rtamento $exual, ou uma d etennin ada disp os i o repr duliv a ou contraceptiva) e pod er associá-los a um perfil d eage ntes ou itua ções s ociai s Para isso a necessidad e da cri ação dos critérios

A a b o ~ ·l d tipol > •t 1s pod 111 1 11 ' ,, 11\, 1 p 1 '

11 11111 :1

COf\Clusã analfti a. P 1 ·x pl 1 pa i tu d,1 111 llM· 11111111 1 ·11.11 lt11 p >ss

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age ntes ou itua ções s ociai s. Para isso a necessidad e da cri ação dos critériosde ela sificação , que estamos denominando tipologias.

Éimportante frisar que essas tipologias, via de regra, n ão são o leque derespostas de questões fechadas (não se trata , por exemplo , de algo como um atipologia do estado civil). Diferenciamos três dime nsões de org anizaçã o dosdados: 1. Campos (no banco de dados), ou seja, detenninadas variáveis definida_ previamente à pesquisa e suas respostas; 2 . Variáveis, que na sua maioria

têm sido definidas durante a pesquisa e deve m se referir aos pontos centrais ,que distinguem grupos dentro da população pesquisada; e 3. Tipologias, ouseja , os valores possíveis das variáveis (trata-se, em termos estatísticos , devariáveis categorizadas, e não de variáveis numéricas) .

Então, ao término .da investigação, teremos algo como um conjunto decaracterísticas que , combinadas em determinados padrões , delimitam diferentes grupos (os tipos finais de comportamento sexual) dentro do universopesquisado . Por exemplo, pessoas com situação de statu s 3, com concep -ção religiosa 4 e com padrão de reprodução material 1 apresentam umtipo de comportamento sexual 5 . Neste ex_emplo fictício, as variá veisestão em itálico, e os valores corre spond em a uma alternativa de uma tipologia classificatória .

Quanto aos procedimentos operacionais envolvidos na elaboração de tipologias, em geral, os pesquisadores responsáveis definem , num primeiro momento nem sempre com muita precisão, uma variável e escolhem um conjunto de campos onde imaginam poder encontrar informações sobre ela . Issopode acontecer, quer diretamente na tela do computad or ou gerando um outputimpresso (quando vários pesquisadores vão traba lhar e discutir o material) constituído desse conjunto de campos solicitados, para cada entrevista . O material éanalisado pelos ·pesquisadores . Caso o trabalho seja bem sucedido (isto é , sehouver dados suficientes, se o grupo não for totalmente homogêneo, se o quesuporta a buscada variável tem alguma procedênCia), será obtida uma tipologia, uma categorização da variável, capaz de classificar cada uma dasentrevistas num determinado valor da variável . Feito isso , a variável, eseu valor/categoria para cada entrevista, será inserida na base de dados detipologias , em que constam apenas os códigos de identificação e as variáveis, agora transformadas em campos .

Novamente, este processo é feito via Z& Y com uma mensagem de busca com sintaxe: in ci {[conjunto de entrevistas consideradas]} and [nome docampo] and [nome do campo] etc . O Z& Y identificará as entrevistas-relatórios e os títulos dos c ampos , que serão marcados e transferidos para um arquivo-documento , que será posteriormente impresso ou manipulado on scr een .

, r

vel con stru irmo uma tip 1 gin u um t 1 1 11 >111 1 1 los pio · 11111 ·111 • h rti vo s exi stentes no uni verso pe q ui ·ad . P d ·m s ass 1111 ·s t s p 1 dimentos abortivo s tamb ém a ju í zos de va lor , que d· at tu,. i i um einclusive definem (na perspect iva do grupo ) o evento abo rt o Te mo e ntãouma tipologia com associações meramente qu alit ativas (no caso, há umaimpossibilidade e nos parece desnece ssária a quantificação) que d ds vendam ou nos auxiliam a entender o fenômeno aborto, como por exemplo afigura a seguir :

aborto situação procedimento agente

1 2 3 4 oral vaginal auto part . méd.

toler ável X X X

condenável X X X

recomendável X X X

Figura 8.8 - Tipologia dos procedimentos abortivos

A figura 8.9 mostra como se in cluem tipologias em forma de variáveisjunto ao programa de gerenciamento da pesquisa.

Figura 8.9 - Tipologias em forma de variávei s

118 TRATAMENTODE DADOS QUALITATIVOS

FASEIV

Análise Fatorial de Correspond ência

PESQUISA QUALITATIVAEMSAÚDE 119

ascendente descendente e regular. Cruzaram-se estas informações comaprevalência demétodos contraceptivos a partir dosquais temoso gráfico a

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Análise Fatorial de Correspond ência

Essa é a faseem que se utiliza a Análise Fatorial de Correspondênciaumatécnica estatística que permite medir e visualizar, demodográfico, o graudeassociação entreumconjunto devariáveis qualitativas para umadeterminadapopulação. Trata-se deum método estatístico descritivo que nospermite irpercebendo se.háounãocorrelações significativas entre variáveis categóricas

durante o andamento daprópria investigacão, testando hipóteses oudescobrindo associações que não haviam sido previstas. Desta forma, esta técnicaestatística estasendo utilizada deforma complementar à analise antropológicaptopriamente elita. .

Esta técnica busca uma medida que nos indica se há tendências paradeterminadas associações. Além disto; variáveis que em uma tabela deconti-

- gência estão situadas como variáveis-linha podem ser tomadas, em outromomento deanálise, como variáveis-coluna. O gráfico gerado pela técnicadaAnálise Fatorial de Correspondência não indica uma relação decausa eefeito. A AnáliseFatorial deCorrespondência é umatécnica própria para explorar graficamentetabelas decontigências, levando o investigador a perceberassociações possíveis e interpretá-las. ·

Como procedimento, para fazermos uso daAnálise Fatorial deCorrespondência, é preciso construir uma série de tabelas decontigênciajustapostas. Por exemplo: ocupação x religião; tipo de religiosidade x opinião arespeito do aborto; redes de relação x método contraceptivo; etc

O SPHINX programa informatizado daAnálise Fatorial deCorrespondência, gerará umgráfico que nospermite observar visualmente o grau deassociação entre no exemplo fictício) tipos de religiosidade e a opinião ouaprática a respeito doaborto. Para montar as tabelas decontigência que servemdeentrada de dadospara o SPHINX utilizamos o SPSS como ferramenta deleitura e quantificação dosdados diretamente a partir dobanco de dados,.utilizando, coviQfoiindicado, para asquestões abertas as tipologias sistematizadas.Nesta fasepode-se também medir a significância estatística das associações detectadas nas tabelas originais através do teste qui-quadrado.

Conclúiremós com outro exemplo deaplicação daAnálise Fatorial deCorrespondência,este trabalhando com dadospreliminares dainvestigação emcurso. Buscamosestabelecer asrelações entre o uso ounão demétodos contraceptivos e determinadas variáveis demográficas. A partir daleitura dealgu-masquestõ.esdoREE Roteiro Etnográfico deEntrevista) diretamente relacionadasaousodemétodos contraceptivos, construiu-se uma tipologia a respeitodesituação social doentrevistado, classificando sua trajetória de vida em

prevalência demétodos contraceptivos, a partir dosquais temoso gráfico a\segurr.

Método contraceptivo p r rajetória de vida

n=202 99 mulheres 103 lwmensvariáveis: me/lisa trajetor

não sabe•está grávida/quer engravidar

•vasectomia/estéril não usa

Axe1 (66,3 ) Cl+tabela

• DIU

Método

regular

Axe2 (33,7 )

descendenteD

condom•sterilização cirúrgica•ACO/ACI•

ascendenteD

Legenda

• Método que usaD Trajetória de vida

, . d ºdarajetona e VJ

contraceptivo Ascendente Regular Descendente

ACO/ACI 23 35 3

DIU 4 3 oCI+Tabela 1 7 o

Está grávida/quer engravidar 1 4

Nãousa 8 43 7Condom 3 6 4

Esterilização cirúrgica . 3 7 3

Vasectomia/Estéril o 1 oNão sabe o 2 l

TOTAL 43 125 32

P lo 11sodu A11 tlis •ht l riul d· rrespondência,pode- se observ arnl un. s 1s , u s inl ~ ·ssan:cs: o us.o de méto_çfo c.ontraceplivo orale/

u.lnJ v 1 1 ~ 1 · ,de onentaçao médica está associado apessoas com

l'I •l)IH 1\ ( 11111 Il i\ llVA 1 M A\1111 J J~

6 É interessanle con1111pur st 1 p ~p t1v 1 q11 l 1 d.1 11111lh 1 nkct 1tlus p 1vírus da Aid ,visl qu ·st 1s últi1111 s, 1p • 01 d J>ON. u 1 111 o v 111: , • ntlnuurn a

b Aid d d (K lh 1 ) A

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. r

. '

, ç ptra1ctónasde vidaascendentes,claramente buscando efetivamente limitarouespaçara reprodução. O não usode métodos contraceptivosestá assoe ~ ª ? º ~nenhu.m.a m u d a ~ ç an.a trajetória sócio-econômica, e a esterilizaçãoc1rurg1ca femmma a traJetónas descendentes, ainda que nãocom a mesmasignificância que apresenta a primeira associação.· _

Trata-se apenas de um exemplo para indicarmos a totalidade do processo

metodológico. Este tipo de análise estatística seria complementar à análise antropológica propriamente dita.

. Notas

E S ~ apesquisa, u ~c o n ~ acom o financiamento d a FAPERGS ecombolsas de pesqmsa do CNPq,for realizada pelo Nupacs- Núcleo de Pesquisa em Antropologia doCorpo e da Saúde - vinculado ao Departamento de Antropologia e ao Programa dePós-Graduação em AntropologiaSocial/ UFRGS, pelo Departamento de MedicinaSocialI UFRGS e pela Coordenaçãoda Política Municipal de Controle de DSTs/Aids da Secretaria Municipal de Saúde/Prefeitura d e Porto Alegre.

2 Essa pesquisa realizada no período de 1993 a 1995, com o apoio financeiro da Oroanização Mundial da Saúde (OMS/HRP Project 91398 Brazil- SpecialProgramm; ofResearch, Development and Research Trainingin Human Reproduction- WHO_~ o r l dH e ~ l t hOrganiza?on), teve co.mo foco privilegiado de investigação as questoes r ~ l a c 1 o n a d a sª saude reprodutiva.e resultou no conhecimento das práticassexuais e reprodutivas e das representações sobre corpo, saúde e doença da população estudada (Leal&Fachel, 1995).

3 Importa ressaltar que o projeto maior que inclui os dados aqui analisados propõe umaprofunda reflexão sobreas implicaçõeséticas desta pesquisa que, dado o seu tema,tem acesso a infmnações íntimas, bem como a práticas ilícitas de moradores do bairro.Desta reflexão resultou uma série de procedimentos que foram adotados de fon;na agarantirum tratamento conseqüente da populaçãoestudadae dos dados obtidos.

4 Diversos autoresjá destacaram quea acusaçãodo·outro, do estrangeiro,como_endo a origem de~ ~ adeterminada doença nãoé um fenômeno novo, pois0n e s ~ oargumento.for invocado paraexplicar_ outrasepidemias,como porexemplo as1filis. A este respeito, ver Bardet, 1988; Boudelais, 1989; Herzliche Pierret, 1988. AAids como questãodo outro aparecetambém na literatura nacional: Barbosa eVillela, 1996; Goldstein, 1996: Guimarães,1993 e 1996; Loyola, 1994. Parker, 1994.

5 .Cabe~ o t r~ u ea e l ~ ç ã oda ila X e Ynãose deu função de dadosepidemiológicos__de not1ficaçao de Ards e queos dados referentesa estesvilas foram coletadosno,, período de 1993e1994. ·

pe,rceber a Aids comoum a d enç, d o (Knuulh, 1 ? ). A di fc r nç r id , anosso ver, fundamentalmente no fato de que osm rndorc da Vil Acn ntramse num local dealta incidência da doença, em quea leitura realizada enfatiza ocoletivo, enquanto que asmulheres não possuem estemesmo respaldoda coletividade e devem justificara infecção pelo HIV no nível individual.

7 A associação entre Aids e morte aparece também nos outros bairrospesq11isados,sendo que, para muitos entrevistados,a Aids é definida como adoença que mata.

Ver Leal e Fachel,1995 e Knauth, 1995.8 Os membros das camadas mais desfavorecidas da população estão quotidianamenteexpostosa condições devidamuito precárias (alimentação e moradia inadequadas), a deficiências do sistema desaúde, a péssimas condições de trabalhoe asituações de violência quotidiana(brigasde gangues de tráfico de drogas, conflitoscoma polícia, roubosedisputas domésticas). Para uma análise da violência nosgrupos de baixa-rendano Brasil, ver;entreoutros, Scheper-Hughes, 1992; Víctora,1996; Zaluar, 1984. Para uma abordagem mais ampla da questão da exclusão social eda violência nos grandes centros urbanos, ver Bourdieu, 1993.

9 A respeito das transformações daconcepçãoda morte na sociedade ocidental, ver• Ariés, 1975.

10 Este exemplo foi retirado de Víctora, 1996. Conta também com uma versão completa, na·forma de um artigo, na sér ie Textos de Divulgação -nº 005/97 do Corpus, Caderho s do NUPACS:Os homens e a constituição do corpo .

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Antropologia, PPGAS - UFRGS, 1991. '

' Indicadores e Qualidade daPesquisa Qualitativa

Uma das perguntasmais freqüentes relacionadaà pesquisas qualitativasé como saber seas conclusões são válidas ese elas espelham,de fato a realidade quefoi pesquisada, já quenão existeum cálculoobjetivo quenos permitaidentificar errosou acertosdas nossas conclusões.De fato, o quetemos sãoumasérie de indicadoresde qualidadeda pesquisaqualitativa alguns dos quaiscomentamos aseguir:

Existência reconhecível de Um argumento de sustentação da pesquisa e consistência do mesmo

~ Uma pesquisa não deve ser meramente descritiva ela deve .ser susten -• tada por uma idéia, construídaao longoda discussão e que funcionarácomo

uma espinha dorsal. O leitor percebe quehá consistência quantomais aargumentação evoluir com base em dados resultantesda pesquisa. Por isso,alémde haverum argumento, sua consistência deverá ser testada a partirdadiscussão que o próprio autor estabelece, submetendo seus achadosao confronto com teorias e com outras descobertas quelhe antecedem.Se ao fimda leitura deum relatóriode pesquisa,não conseguimos retirar oseu argu-mento - o que ela queria demonstrar-,nem percebermos sua base (casotenha algo a Çemonstrar), então estamos diantede uma pesquisa com prob l e m ~ originados provavelmente desde a sua concepção.

· Presehçà de categorias analíticas

Quando uma pesquisa propõecategorias de análise que ajudam na compre-ensãoda realidade, a ciênciaavança. Mesmo que essas categorias possam serprovisórias eque possam brevementeser substituídas poroutras mais exaustivas eadequadas elasqualificameconferemsentidoàpesquisa.

Possibilidade de comparação com outros estudos em diferentes regiões .

Uma boa pesquisa normalmente suscita comparaçõescom dados deou-tros trabalhos jáfeitos ou melhor ainda, desencadeados a partir dela.Não se

1

1 s n es tivéssemos c nvencidos de ua

a rá t r d e propul são de novas discussões

descrever . A a p ·:;quisa tum m t ·nt 1 ·n t 11d ·r .is · 0 is s u ~ a · ·n t s aessas ações e a s dis urs s a abcr a ri • me.Jus 1\ s 1s uis n 1maln nte só cap tamos na xterioridade grand m t il d p squisaq ualitativa a

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. -.

a rá t r d e propul são de novas discussões

Uma pesquisa qualitativa dificilmente se encerra em si própria : elasempre está aberta à discussão, à possibilidade de a g r ~ g a rnovos elementosprovindos da comunidade científica. Se a pesquisa for aberta a ponto desuscitar, a partir de si, nov?s encaminhamentos, isso é um indicativo de quese trata de uma boa pesquisa. E, quanto mais debate propiciar, melhor será

sua contribuição à comunidade científica.Setores responsáveis por políticas públicas na área da saúde beneficiam

se das pesquisas qualitativas para dar conta de problemáticas localizadas, desituações em que a intervenção não apresenta os resultados esperados . Determinados fenômenos são bem localizados e/ou circunscritos a grupos culturalm ~ ~ t ehomogêneos . As políticas de ação quando generalizantes podem serr e 1 e 1 t a d ~ s o ~apenas p a r c 1 ? l m e n ~ eaceitas e ~ apopulação. Um exemplo clássico de re1e1çaoa uma bem mtenc1onada medida de saúde foi o episódio conhecido por A Revolta da Vacina, ocorrido no início do século, no Rio de Janeiro,quando mais de duzentas pessoas morreram em confronto com a polícia aol u t ~ e T ?pelo i r e ~ t ode não serem vacinadas contra a varíola . As campanhassamtanstas eram implementadas com grande violência, sem levar em conta avisão de mundo dos envolvidos .* Hoje, as pessoas acorrem aos postos desaúde em busca de vacinação. Sucede que a imposição , na época, foi percebida como violadora do direito de escolha . Essa percepção se sobrepôs à utilidade da vacina junto a seus potenciais interessados em função de vários fatores.

Uma pesquisa pode auxiliar a compreender a visão de mundo de um determinado grupo e, a partir dessa visão, as ações podem ser desencadeadascom o objetivo de intervir em alguns comportamentos . Os comportamentosestão enraizados nessa visão de mundo . Não há como alterar comportamentode fato sem restabelecer alguns fundamentos dessa visão de mundo. Assim ,uma boa pesquisa qualitativa busca revelar mais do que a atitude e o comportamento dos indivíduos frente a uma situação concret a. Isso seri a meramente

o momento político , o pensamento positivista e a conjuntura contribuíram para influ

enciar um clima de rejeição à vacinação obrigatória. Os positi vistas não aceitavamcomo ato cientifico aquilo que não pudesse ser constatado pelos órgãos dos sentidos ec o ~ oos.vírus ainda não eram visualizados em microscópios, então rudimentares, u ~

existência não era aceita pelos positivistas . Se não existiam vírus , não era necessária avacina . Rui Barbosa, a respeito da imposição da vacina , de sc rev e u-a como violadorade lares e túmulo das lib erdad es

te só cap tamos na xterioridade. grand m t il d p squisaq ualitativa apossibilidade d e apreender o que não é e vidente aquilo queultrap sa o nf vel i -cursivo dos indivíduos de descobrire de explicar o que não é percebido pelo espectador comum. A pesquisa qualitativa permite per scrutar as profundez.aSdo jogosocial, o não manifesto, o subjacente.Assim , se uma pesquisa consegueexploraresse nível de profundidade, de motivações não evidentes, ela atingiu ~ de seusmelhores objetivos.

Aceitação pelos pares: desempenho da pesquisa em grupos de trabalhonos encontros de pesquisadores grupos de trabalhos , painéis , etc)

Um critério externo à pesquisa é o da aceitação pelos pares. A divulgação e a discussão suscitadas pela pesquisa são bons indicadores ~ suacompetência . Quando mencionamos aceitação , queremos nos refenr aofato de a pesquisa ser selecionada para grupos especializados de discussão(mesmo que, nessa discussão, ela possa ser contestada, pois, sendo matéria

~ de debate, significa que foi aceita pelos seus pares).

Originalidad e

Uma pesquisa não precisa ser inédita , isto é, inaugurar metodolo gia,estabelecer novas teorias, revolucionar paradigmas . Entretanto, se for repetição de uma outra já feita nos mesmos moldes e com resultados ?1uitosemelhantes , parece que sua única utilidade é o treinamento de pesqmsadores. Ora, sendo o real tão complexo e multifacetado, nada justifica que nãose aproveite o momento privilegiado de pesquisa Pai:ª q u a l i ~ c á 1 ~ ~ p a r t i r

de novas propostas, aind a que elas envolvam algum nsco . O nsco e e ~ e n-

te à ciência comprometida consigo própria e revela a coragem do pesquisador. Ele expõe uma idéia na medida de sua convicção, consciente de queela será debatida e de que o debate a enriquecerá. Como a pesquisa qualitativa possui uma relação bastante próxima com o objeto c ~ ~ s t r u í d o numpatamar de abstração, esse objeto deve ser naturalmente ongmal.

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pêndices

PÊNDICE IPL NEJ MENTO DE PESQUIS

Antes de fazer um projeto propriamente dito, o pesquisador deve se proporalgumas questões que lhe serão úteis como orientação para o futuro projeto .

1 Qual o meu problema de pesquisa?

II . Por que quero estudar este problema?

III . O que já foi pesquisado e escrito sobre este problema? Como tereiacesso a este material?

IV. Como faria para i nvestigar este problema? ·a) Qual a população em estudo? Como seria definida/selecionada?b Onde seria realizada a pesquisa?c) m quanto tempo seria realizada?d Quem iria realizar a pesquisa? . .e) Quais · os recursos necessários e disponíveis 'ara o projeto?

V. Que método e técnicas seriam utilizados?

a) Mét odo etnográficob Observação participantec) Entrevista individual, familiar; em grupo

· f Técnitas projetivas ·h Coleta de narrativas e histórias ·êle vida ' 'i Genealogias, genograma · ·j) Análise de material escrito/impresso, vidéótápes,fotógrafias .

• Hipótc, A hip ótese é um a id é ia gera l 4u pr ·t nd d n l • r p r m i o da

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.1iÍ·1

1

.

•Título

O título deve conter um número considerável de elementos anunciadoresdo teor da pesquisa, sem se tomar confuso com excesso ·de informações. De

vem-se evitar títulos em forma de frase ou interrogativos . Assim, como em

todos os itens a seguir, o bom senso deve orientar sua elaboração . Uma práticasaudável consiste em mostrar a outras pessoas a redação do projeto, a começar pelo título , e testar sua clareza com diferentes leitores.

• Tema da pesquisaÉ o assunto e, embor a d ê uma visão global , já determina o tipo de enfo

que, pois é o primeiro recorte da realidade que a pesquisa propõe.

• Objeto de investigaçãoO objeto é o segundo recorte, ou seja , é uma delimitação do tema e é

construído pelo pesquisador, a partir de diferentes coordenadas: teórica , de

universo de pesquisa, temporal, entre outras . Assim , por exemplo , se um tema

é doença mental , um objeto pode ser representações de doença mentalentre moradores de periferia de Porto Aleg re na década de 20 . O conceito de

representação é um recorte teórico; moradores de periferia de Porto Alegre , o recorte espacial; e década de 20 , temporal . (Neste exemplo , por nãose tratar de uma investigação atual, provavelmente as fontes .serão documentais.) Ver detalhamento sobre este item no capítulo IV deste livro.

• Universo de pesquisaDefinição clara do grupo-alvo de pesquisa, inclui ndo as dimensões espa

ço-temporais, o critério de escolha dos indivíduos cont emplados. Ver detalhamento sobre este item no capítulo IV deste livro

• Questão ou problema de pesquisaToda pesquisa deve ter a pretensão de apontar alternativas/explicações

para um problema. A questão de pesquisa decorre da revisão da literatura, doexame da realidade e da reflexão do pesquisador. Ela deve ser claramenteformulada , e a importância da pesqui sa decorre do reconhecimento da questãocomo relevante . Na justificativa , o pesquisador encontrará espa ço propício à

- explicitação dessa importância.

peS(}uisa . Uma ve z d em onstra da a hi pó tc l ma - uma t . A hip ótese éuma proposta de respo sta à qu es tão de pesq u isa. Se e la não e co nfirma apartir da investigação , nem por iss o o trabalho foi em vão. Pelo o t r~ r umahipótese não confirmada auxilia os futuros pesquisadores e partirem do s eudescarte ou re-testá-la em diferentes contextos. ;

• Objetivos da investigaçãoNormalmente, são apresentados os objetivos gerais e os específicos . Os

primeiros dizem respeito ao tema, enquanto os específicos referem-se ao obj eto . Os objetivos esclarecem o que se pretende com a pesquisa, que resultado sdeverão ser obtidos com sua execução .

• JustificativaRefere-se à razão da pesquisa, sua relevância e necessidade; enfim , para

que serve a pesquisa . As razões para uma determinada pesquisa não devem sermeramente subjetivas, é preciso apontar o seu interesse científico, revestido d ecaráter social, político ou cultural . A justificativa é item fundamental em projetosque demandam aprovação ou financiamento externo. Se o examinador não ficar

convencido da relevância e necessidade de uma pesquisa, dificilmente a aceitará.

• Fundamentação teóricaItem importante, pois é nele que o pesquisador demonstra conhecer a

teoria que confere base sólida à investigação . Aqui, são apresentados os conceitos fundamentais e as reflexões teóricas existentes sobre o tema, bem comoo manejo e/ ou entrecruzamento entre elas. Deve-se evitar o simples despejode transcrições ou citações . Na fundamentação teórica, o pesquisador devepromover o diálogo entre os autores que já se ocuparam do tema, isto é, eleapresenta , mas também compara e ·analisa autores e teorias.

• MetodologiaDiretamente relacionada aos objetivos, a metodolo gia costura todos

os elementos da pesquisa e inclui a definição de técnicas a serem utilizadas, e também o universo de pesquisa (que pode ser um item à parte), istoé, que critérios definem os sujeitos a serem investigadas . Em geral, incluem-se neste item as etapas previstas da pesquisa. A rigor, cronograma,orçamento, recursos materiais e humanos , procedimentos éticos fazem parteda metodologia .

11 l

• CronogramaEstabelecimento do intervalo de tempo necessário para desenvolver cada

etapa da pesquisa O cronograma deve ser coerentea dimensão do pro

APÊNDICEmSPGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

à É

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etapa da pesquisa. O cronograma deve ser coerentecom a dimensão do projeto.

• Recursoshumanos e materiais

um item imprescindível em projetos que demanderil orçamento externo.Previsão de gastos com pessoal e materiais, que devem ser rigorosamente explici

tados por itens.

. • Procedimentos éticosEmbora não seja tradicionalmente um item obrigatório, ultimamente têm

.se estimuladoos pesquisadores a explicitarem os.procedimentosde pesquisadestinadosà proteção dos direitos dos pesquisados, sobretudoem pesquisasrelacionadasà saúde. Os procedimentos éticos incluem o modelo de consentimen_o informado ver capítulo 7 deste livro).

• Bibliografia básicaLista bibliográfica que inclui os textos relacionados ao referencial teórico.

Nesta fase, importa demonstrar que o-pesquisador conhece as obras significa

tivas para o seu tema, ainda que, para o relatório final, algumas dessas indicações possam não ser aproveitadas.

SOBRE REDAÇÃO TÉCNICA

Existe farta bibliografia sobre planejamento de pesquisa,n o r m ~técnicasde redação e estilo, apropriadas a trabalhos científicos. Recomendamos aquialguns livros que tratam exaustivamente do tema e reproduzimos algpns itenspresentesem seus sumários.

SALOMON, Délcio Vieira.Como fazer uma monografia . 4 ed. São Paulo,Martins Fontes, 1997.

O método do estudo eficiente; Aperfeiçoamento da leitura; Como resumir;A práticada documentação pessoal; Trabalhos científicos, recensão e abstract; Divulgação científica; Projeto de pesquisa, relatório e informe científico;Monografia e trabalhos monográficos, escolha do àssunto; Uso de biblioteca edocumentação; Como fazer uma monografia. ·

MEDEIROS, João Bosco.Redação técnica: a prática de fichamentos -sumos resenhas . 3 ed. São Paulo, Atlas, 1997.

omo tornar o estudo e a aprendizagem mais eficazes; Eficácia nosestudos; Anotações; Vocabulário; Seminário. 2. Pesquisa Científica; Pesquisa geral; Etapasda pesquisa; Técnicasde pesquisa: pesquisa documental e bibliográfica; Acessoà bibliografia; Passosda pesquisa bibliográfica;Seleçãode leitura.3. Qualidade das fontesde pesquisa: consulta bibliográfica; Acervo; Usoda biblioteca. 4. Práticada leitura: Conceito; Leitor eproduçãoda leitura; Fatores que constituem as condições de produção daleitura. 5. Estratégias de leitura: leitura e suas técnicas; Aproveitamentoda leitura; Compreensão do texto; Leitura interpretativa, Leitura crítica. 6.Fichamento. 7. Resumo: Conceito.de texto; Contexto; Intertexto.8 Resenha. 9. Paráfrase. 10. Como elaborar referências bibliográficas. 11. Publi

cações científicas: Artigo científico; Comunicação científ ica paper); Ensaio; Informe científico; Trabalhos científicos monografia, dissertação,tese); Estruturada monografia; Projeto de pesquisa; Pesquisa-piloto; Relatóriode pesquisa. 12. Estrutura do texto dissertativo: Escrever, atividadeimprescindível; Estrutura do texto dissertativo; Planode trabalho escrito;Formasde expansão do parágrafo.

b J\ , Mi hei Arr d a tese: co mo redigir um a tese de mestrado ou d edoutorado um a mono grafia ou qualqu er ou tro trabalho universitá-

i 2 d Ri d J i B t d B il 1997

APftNDI 4 IVRELATÓRIO E P 4 QUI A

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r io 2 ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997.

Perspectivas de tese; A escolha do assunto.. e do orientador; Procedimento geralda pesquisa; Primeira elucidação/desbastamento; Problemática 1 eplano de trabalho. Questão principal e plano de trabalho;·Organizaçãodo trabalho de pesquisa; Trabalho teórico e conhecimento; Como efetuar a pesqu isa

bibliográfica; Trabalho namente e amadurecimento; Problemática II e planode redação; O trabalho de redação; Alguns conselhos muito práticos para aredação do manuscrito; Citações de autores e de outras fontes; Nota s de rodapé; Bibliografia e fontes; Sumários; Índice; Agradecimentos e dedicatória; Oproduto acabado; Antes da defesa; A defesa; Após a tese.

ECO, Umberto.Como se faz uma tese. 15 ed. São Paulo, Perspectiva, 1999.

l . O que é uma tese e para que serve: Por que se deve fazeruma tese e oque ela é; A quem interessa este livro; Comouma tese pode servir tambémapós a formatura; Quatro regras óbvias. 2. A escolha do tema: Tese monográfica ou tese panorâmica? Tese histórica ou tese teórica; Temas antigos outemas contemporâneos? Quanto tempo é requerido para se fazeruma tese. 3.A pesquisa do material: A acessibilidade das fontes; A pesqui sa bibliográfica;E se for preciso ler livros,em que ordem? 4. O plano de trabalho e o fichamento. 5. A redação: Aquem nos dirigimo.s; Como se fala; As citações; Quando ecomo citar: dez regras; Citações, paráfrases e plágio; Advertências, armadilhas, usos; O orgulho científico. 6. A redação definitiva: Os critérios gráficos.

1

1l1i

QITENS PRINCIPAIS

• Título, autores e demais dados de identificação

Quando são dois ou mais autores, o usual é colocá-los em ordem.alfabética de iniciais do pré-nome. Os demais participantes da pesquisa que não sãoautores do relatório são normalmente mencionados em nota de rodapé.

• IntroduçãoNão devemos esquecer que o projeto ficou para trás, masos leitores do

relatório nem sempre o conhecem. Assim, na introdução, alguns itens do projeto são retomados, como tema, metodologia, universo de pesquisa, hipóteses eoutros que sejam necessários para a compreensão da trajetória da pesquisa. Aintrodução apresenta a pesquisa.

• • ResultadosÉ a parte central do relatório, em que os dados são apresentados devida

mente trabalhados e perpassados pelas categorias analíticas análise e interpretação). Quando há alguma quantificação, podem ser apresentados gráficos,tabelas e quadros. Pode ser dividida em capítulos, poisas subdivisões sempreauxiliam na leitura e consulta.

• ConclusãoFechamento do texto com conclusões. Não devem ser mencionados na con

clusão quaisquer dados ou informações que não constemno corpodo texto.

• Bibliografia

• Anexos e apêndices