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UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006) ISSN 1809-4651
Pesquisando “Juventude” no contexto
brasileiro:
algumas considerações de um novo tema
de estudo
Valburga Schmiedt Streck
Professora pesquisadora do Centro Universitário Metodista
Porto Alegre, RS
Resumo
Este texto discute questões sobre juventude e pesquisa em juventude no contexto brasileiro. Devido
ao aumento populacional nas últimas décadas, o Brasil tem atualmente o maior contingente de jovens
na sua história. Com as constantes crises econômicas e a falta de empregos, os jovens têm dificuldade
de serem integrados no mercado de trabalho, resultando no aumento da criminalidade, homicídios e
mortes que incidem principalmente na população masculina. Este cenário tem desencadeado a
discussão nacional de políticas públicas e tem se observado no país como um todo um aumento de
programas específicos para jovens em situação de exclusão social. Também tem motivado uma
diversidade de pesquisas sobre essa faixa etária. A última parte do texto traz resultados de uma
pesquisa realizada sobre juventude em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Esta pesquisa é parte de um
projeto de pesquisa maior da rede Latino Americana de Pesquisadores em Juventude cujo objetivo
principal foi estudar o fenômeno da juventude em diferentes contextos olhando principalmente para a
questão de valores.
Atualmente temos o maior contingente de jovens na história populacional do país sendo que
destes apenas 13,6% estão cursando o ensino superior e mais da metade dos adolescentes com
menos de 14 anos está fora dos bancos escolares. Um total de 21,6% dos jovens entre 14 a 24
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anos são analfabetos e certamente este índice será maior se o conceito “analfabetismo” for
qualificado. No que se refere à moradia, 88% dos jovens solteiros entre 15 e 19 anos ainda
reside na casa dos pais e a maioria nos centros urbanos. Este quadro remete também à vida da
família urbana onde os pais trabalham para o sustento da família. Com os pais ocupados em
trabalhar, a TV tem sido a companheira desses jovens desde crianças. Infelizmente ela não traz
programas educativos, mas induz os jovens e crianças ao consumo com propagandas de bens
que são difíceis de conseguir quando falta a renda mínima – a marca de roupas e outros bens
que trazem identificações no imaginário juvenil. Além disso, as opções de lazer para as classes
pobres são reduzidas: não há bibliotecas, museus e áreas de esporte e faltam incentivos para
baratear o acesso ao teatro, cinema e outras possibilidades culturais para estudantes. Com isso
a rua tem se tornado o local onde os jovens se encontram. Os jovens das classes abastadas se
recolhem em shopping centers ou nas casas fechadas por altos muros e cercas. Para estes a rua
se mostra como local de perigo, pois ali podem ser assaltados pelos jovens pobres.
Na pesquisa realizada em final de 2003 sob responsabilidade técnica da “Criterium Assessoria
em Pesquisa”, em parceria com o SEBRAE e o “Instituto de Hospitalidade” em áreas urbanas e
rurais participou um total de 3.501 jovens de 15 a 24 anos em 198 municípios. O primeiro
contato que a população brasileira teve com os resultados desta pesquisa foi com uma parte dos
dados publicada como matéria sensacionalista na revista Isto É com a notícia de várias
juventudes, com especial ênfase à juventude do interior, mostrando uma face jovem bem
diferente da que normalmente encontramos nas pesquisas. A matéria nos alerta para uma
“Surpresa! A juventude brasileira é careta”. Fica-se sabendo que 90,0% dos jovens
entrevistados nunca fumaram maconha e 82% dos jovens desejam continuar morando na casa
dos pais. Desses jovens, 45% são politicamente de centro. Engajados no trabalho estão 76%, e
destes 64% estão nas salas de aula. Somente 2% se envolvem em trabalho voluntário em
causas sociais. Na realidade não ha nada de surpresa na dura realidade desses jovens, nem que
eles não sintam solidariedade para o mundo que os adultos lhes proporcionaram.
Os dados desta pesquisa nos remetem não só às classes sociais diferentes, mas ao fato de que
temos 34.1 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos1, representando 20,1% da população geral
brasileira. Desse total 32% tem de15 a 17 anos, 30% tem de 18 a 20 anos e 38% tem de 21 a
24 anos. Olhando a população brasileira até 29 anos teremos um total de 47 milhões de jovens.
Dos jovens de 15 a 24 anos, 44% são brancos e 42% são negros/pardos. Convém observar que
no Sul do Brasil os brancos chegam a 75% e no Nordeste a 34%. No Norte e Nordeste a
população negra e parda é maior tanto que ela chega a 50% da população. Um fato
interessante é que 81% dos nossos jovens vivem na cidade, mas apenas 71% deles cresceram
1 Conforme o “Estatuto da Criança e do Adolescente”, a pessoa é considerada “adolescente” até os 17 anos completos.
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na cidade. Isso significa que em si eles são rurais em muitos aspectos. Por outro lado, temos
ainda 19% dos jovens vivendo no campo.
A temática “juventude” no cenário acadêmico
A pesquisa sobre a juventude brasileira tem tido um impulso nos últimos anos com o movimento
nacional de Políticas Públicas para a juventude, mas estamos longe de ter uma visão ampla e
detalhada de estudos sobre o fenômeno juvenil como acontece em países do Atlântico Norte. Se
na Alemanha, por exemplo, se festejou os 40 anos de pesquisa em juventude em 2003
(Zinnecker, 2003), no Brasil encontramo-nos no inicio de uma caminhada. Também nos outros
países latino-americanos, tanto a academia quanto o governo não tem dado a devida atenção ao
tema (Hunnermann, e Ekholt, 1998) Além de terem sido poucas as pesquisas, elas até agora
não trouxeram dados significativos que possibilitem uma interlocução entre as diferentes áreas
de conhecimento (Sposito, 1997) e em geral se restringiram a estudos realizados com jovens
em escolas e em bairros, sendo orientados para as áreas da psicologia, da educação e da
sociologia. Se a fragmentação de pesquisas e a multiplicidade de informações chamam atenção,
soma-se ainda a falta de um maior interesse por parte de pesquisadores ao fenômeno juvenil.
As universidades pouco se empenharam com o assunto e em muitos cursos de educação,
assistência social e sociologia, por exemplo, não há uma disciplina específica sobre o assunto
Juventude. Observa-se que há uma grande vontade de ajuda através de serviços sociais que a
universidade oferece à comunidade, resultando em duplicação de ações geralmente focadas na
população de baixa renda. Esta por sua vez começa a reagir com ceticismo, sentindo-se cobaias
de profissionais em treinamento. Surge a pergunta se estes serviços fazem alguma diferença e
se capacitam as populações necessitadas. Na maioria das vezes o interesse dos profissionais se
dirige à população que se encontra na faixa etária chamada adolescência – 11 a 14 anos - e que
vive em situação de risco. A população jovem entre 15 e 24 anos cai fora do interesse dos
profissionais porque não se encontram mais nas escolas e instituições.
Uma outra dificuldade ao falar sobre juventude é encontrar um conceito que defina a quem se
refere. Em geral, as pesquisas tratam de crianças e adolescentes com um linguajar da área
psicológica e educação. Observou-se também que o termo juventude muitas vezes é fortemente
ligado com uma qualificação negativa principalmente numa cultura positivista. Falar em jovens
pode remeter a pensar em “jovens trabalhadores rurais” ou os “jovens da igreja”.
Provavelmente isso contribui para que o termo se torne menos usado em pesquisas acadêmicas.
Um curso ou disciplina sobre o tema Juventude pode facilmente ser nomeado de Curso em
Adolescência ao invés de Juventude e com isso atrair um público maior.
A mídia por sua vez tem retratado os jovens nos noticiários como problema – ora envolvidos
com drogas, violência e acidentes de trânsito – e não como pessoas com seus interesses e suas
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narrativas. É a partir da metade da década de noventa que jornais e revistas descobrem o
potencial que existe na população jovem. Na mesma época a televisão também começa a reagir
com programas educativos. Entretanto, estes são poucos e considerados enfadonhos pelos
jovens. Convém lembrar que grande parte da audiência de jovens nas classes mais altas possui
TV a cabo. Ao que parece os jovens, tanto do mundo da inclusão quanto os da exclusão,
dificilmente terão espaço como protagonistas onde podem discutir a situação em que vivem. De
modo geral, pode-se dizer que, ao serem tratados como problemas sociais pela mídia, é
esperado que eles sobrevivam o mais rápido possível à fase em que se encontram.
Nas décadas de 60 e 70, com os movimentos sociais, muitos grupos de jovens encorajaram seus
membros a serem participantes dos cenários educativo, social e político. A Pastoral da
Juventude, por exemplo, se destaca na década de 80 como entidade que contribui na formação
de uma liderança comunitária e partidária. Usando o método Ver-Julga-Agir o protagonismo
juvenil é despertado não apenas entre os jovens universitários, mas também em outros grupos
de jovens. Talvez seja importante mencionar que a Pastoral da Juventude da Igreja Católica
ainda é a maior organização juvenil no Brasil (Dick, 2003). Na década de 90 a PJ entra em crise
assim como tantos outros grupos ligados às igrejas históricas e ao lado destes surgem outros
grupos com interesses diferentes – grupos de negros, de homossexuais, empresas juniores, etc.
Forma-se um grande número de organizações-não-governamentais, que além de trabalharem
com crianças e adolescentes também trazem o interesse pela pesquisa. As diferentes ONGs que
surgem procuram trabalhar com este público, visando capacitá-lo, movidas pela onda da
solidariedade que vêm junto com a globalização e a política neoliberal. A maior parte desses
serviços objetiva o atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco. A intenção é
diminuir a desigualdade social, afastar os jovens da rua e a formação integral dos mesmos.
Quer-se intervir para poder integrá-los no contexto da “ordem social” (Abramo et al., 2000).
Infelizmente estes serviços e movimentos se encontram em grande parte desarticulados.
Não resta dúvida que a década de sessenta e setenta marcou época com uma juventude
organizada e mobilizada no contexto brasileiro. Muitas vezes se fala ainda desse tempo com
saudosismo. A década de oitenta lembra uma juventude com traços mais hedonistas e é a época
do término da ditadura militar no país. As pesquisas em juventude na década de oitenta
começam a dar atenção às gangues urbanas e à violência juvenil. Já na década de noventa as
pesquisas trazem a temática juvenil para as áreas da educação, psicologia e sociologia. É
também nessa época que surgem mais cursos de pós-graduação e estes movimentam a
produção científica do país. Pode-se verificar que a discussão sobre os jovens na academia ainda
acontece em grande parte em torno dos sistemas e instituições presentes na vida dos jovens –
escola, família, sistemas jurídicos. O interesse nas pesquisas nos traz o cenário da militância
juvenil nos anos 90 vista com um caráter de múltiplas identidades em inúmeros contextos
sociais e sem ligações entre si. Revelam também, como através dos meios de comunicação, os
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jovens podem ser possibilitados a se unirem para uma grande manifestação, como aconteceu no
caso do impeachment de Fernando Collor. Aqui podemos ver como o poder da mídia e capaz de
agregar e ao mesmo tempo também desagregar quando não há interesse. A década de 2000 e
incentivado movimento nacional de políticas para juventude e começamos a encontrar varias
pesquisas e publicações sobre o tema (Sposito, 2003).
No novo milênio enquanto o cenário mundial é agitado com a guerra contra o terrorismo, o
Brasil experimenta um novo governo que inicia com a promessa de erradicar a fome e de
providenciar um emprego para a população. Na cidade do Rio de Janeiro os jovens descem dos
morros armados e comandados através de telefones celulares pelos traficantes adultos que
estão nos presídios. Estes jovens são armados com armas de ponta que em muitos casos nem a
polícia possui. O governo por sua vez coloca uma política de desarmamento e com isso uma
grande parte da população começa a se sentir vulnerável aos ataques destes grupos. Estes
jovens e adolescentes fecham o comércio da cidade, amedrontando a população. Teme-se que a
violência dos jovens traficantes possa se espalhar para outras cidades brasileiras. Em todo o país
inicia-se um movimento em torno das políticas sociais para a juventude por parte dos órgãos
governamentais, por Ongs e outros grupos envolvidos com jovens. A constatação de que a
década de noventa foi também perdida para a geração que agora é jovem, vem tardiamente. A
“descoberta” de que o país dobrou seu número de habitantes em trinta anos, remete à urgência
de que algo deve ser feito. Sempre de novo estas constatações costumam remeter à violência
dos jovens sem lembrar que é a sociedade que é violenta. Para os jovens, o futuro oferece
poucas alternativas, entre elas a de emigrar para o exterior para obter trabalho se ele vem de
uma família que oferece condições financeiras para tal; aos outros resta a saída das drogas, da
prostituição e do crime.
Trago a seguir um exemplo de uma pesquisa realizada em uma cidade no sul do país e que esta
relacionada com uma rede de pesquisadores latino-americana de pesquisadores em juventude. A
pesquisa foi realizada no município de São Leopoldo, o assim conhecido “berço da imigração
alemã”, no sul do Brasil. É uma cidade com 200 mil habitantes que assim como o resto do país
teve sua população dobrada desde a década de 70. A população de jovens em São Leopoldo
chega a 20% da população entre 14 a 24 anos.
Rede Latino-Americana de Pesquisa e a Juventude Leopoldense
Há alguns anos um grupo interdisciplinar de pesquisadores de juventude na América Latina vem
se encontrando. O objetivo inicial do grupo foi o de uma pesquisa maior de âmbito latino-
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americano denominado Jovens Latino-Americanos do Século XXI: Sujeitos e autores numa
Sociedade em Mudança. Queria-se formar uma rede de intercâmbio entre pesquisadores de
diferentes universidades Latino-Americanas e da Europa permitindo uma troca de informações
constante e de um acompanhamento ao fenômeno juvenil em diferentes contextos. O grupo de
pesquisadores de São Leopoldo conclui o informe local sobre a juventude para a Reunião de
Pesquisadores na Nicarágua em agosto de 2004. De forma resumida apresento alguns dados
sobre este informe e alguns comentários.
Na pesquisa realizada no município de São Leopoldo sobre a “Emergência de valores na
juventude Latino-Americana” tentamos, da melhor forma possível, seguir os passos propostos
pela orientação da Rede de Pesquisadores Latino-Americanos em Juventude. Assim, em primeiro
plano, realizamos uma ampla investigação bibliográfica sobre juventude, tanto no âmbito local
como nacional, olhando para pesquisas realizadas em universidades, pesquisas nacionais e
outras fontes. Num segundo momento foi feito um estudo sobre o município de São Leopoldo:
história do município, locais de ensino e de atendimento a crianças e jovens. Por fim aconteceu a
pesquisa de campo conforme proposto e adequamos as perguntas para a situação local. Foram
entrevistados adultos que tinham algum trabalho com jovens. Estas entrevistas foram gravadas
em fitas de áudio e transcritas. Subseqüente aconteceu os encontros de grupos focais com
jovens e adultos em que novamente os diálogos foram gravados em fitas de áudio e transcritas.
Devido ao crescente empobrecimento da população brasileira optamos em fazer um grupo focal
com adultos numa vila de periferia do município para poder ouvir o que esta população pensa
sobre a juventude atual. O segundo grupo focal foi misto com pessoas do centro da cidade, bem
como com pessoas que trabalham numa vila com a população pobre. Dois grupos focais com
jovens foram realizados. Um grupo foi formado com jovens entre 14 a 17 anos das classes
sociais média alta, trabalhadora e pobre. Eles moram no centro da cidade e em bairros da
periferia. O objetivo era mesclar os jovens com diferentes experiências de vida. O segundo
grupo focal com jovens de 18 a 29 anos foi formado por jovens do centro da cidade e por jovens
de bairro de classe média baixa. Neste grupo focal faltaram os jovens de periferia. Os jovens na
periferia nessa faixa de idade têm uma vida diferente da classe média baixa, média e alta: as
moças são mães de filhos e têm outros compromissos; os homens nessa faixa etária podem
estar comprometidos com trabalho e muitos, devido ao índice de criminalidade no município,
talvez estejam envolvidos com o crime organizado. É importante observar que foi o grupo mais
difícil de ser formado devido à agenda das pessoas que convidávamos. Assim, após várias
tentativas frustradas, reunimos nove jovens dessa faixa etária. Paralelamente também foi
realizado um levantamento de locais de encontro dos jovens tanto no centro da cidade como em
algumas vilas. Queríamos saber o que os jovens fazem para lazer e onde se encontram.
Alguns dados relevantes
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Os locais de encontro da juventude em São Leopoldo têm mudado, acompanhando a tendência
de todos os centros urbanos no contexto brasileiro. Se antes a cidade era mais pacata e
possibilitava a seus habitantes uma rua principal para passeios à noite, agora se torna um lugar
menos acolhedor. Os comerciantes mantêm as vitrines fechadas à noite com medo de assaltos e
as pessoas se sentem menos seguras para caminhar pela “Rua Grande” (Rua Grande é a rua que
concentra o movimento à noite – o nome da rua é Rua Independência). Os cinemas há muito
tempo cerraram suas portas e o único Shopping Center da cidade também fechou, e com isto
não há mais cinemas na cidade. Na “Rua Grande” há muitos bingos e muitas farmácias - um
sinal evidente que algo vai mal. Para os jovens há vários locais de encontro no centro da cidade.
A maioria exige que o jovem possua algum dinheiro para consumo, mas também há a praça ao
lado do ginásio, onde nos últimos anos os jovens se reúnem nos finais de semana para
conversar e tomar chimarrão – algo típico da cultura gaúcha. Ao fazer um levantamento sobre
estes locais percebemos que eles se dividem em classes sociais e em idades. Um outro fato mais
recente é que uma grande danceteria com capacidade para mais de quatro mil jovens foi aberta
recentemente para jovens que vêm de bairros da periferia. Isto tem mudado muito o perfil das
noites em São Leopoldo, pois centenas de jovens de classe baixa invadem o centro à noite,
causando insegurança para quem reside no centro da cidade. A saída dessa danceteria também
e um local para as torcidas organizadas e acontecem agressões entre os jovens de diversos
bairros de periferia que então se enfrentam.
Através das entrevistas com pessoas que trabalham no bairro conseguimos ter uma noção das
diferentes juventudes que há nos diversos bairros. Quanto mais próximo do centro o bairro,
mais a juventude tem acesso à cultura urbana. Quanto mais longe, mais ela mantém os traços
culturais de sua etnia. Quanto mais longe do centro, mais organizada é a juventude e quanto
mais próxima mais desorganizada e violenta. Há menos drogas entre os jovens que têm menos
acesso ao centro de São Leopoldo. O jovem que vive afastado do centro não tem dinheiro para
tomar um ônibus e fica retido nos bairros. É interessante observar que os jovens pobres como
os de classe média e alta gostam de música. Um dos entrevistados diz que a música para o
jovem “proporciona movimento e uma identidade”. Fomos informados que dentre as drogas
usadas o crack atualmente é a mais barata e a mais comercializada.
No grupo focal dos jovens de 14 a 17 anos foi possível reunir jovens de periferia com os jovens
de classe média e alta, talvez uma experiência pouco conhecida na realidade brasileira.
Percebemos que os jovens das classes diferentes têm diferentes opções de lazer – os da classe
trabalhadora e de periferia vão à danceteria e os de classes mais altas têm outras opções de
lazer. Os jovens da periferia trabalham para ter dinheiro para os finais de semana. Eles não têm
esperança de futuro e querem viver o presente. Os jovens de classe média se preocupam com a
violência. Percebia-se que eles tinham medo dos jovens pobres. Antes nunca haviam tido
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contato direto com os jovens pobres. E essa é a população temida por serem eles que assaltam
os jovens das classes mais altas. Em si, são os inimigos. Lembro que no Brasil as classes baixas
estão separadas. Para um jovem de classe alta e média alta o pobre é o agressor que o assalta
para ter o tênis, a camiseta, a bicicleta, o celular e o dinheiro. O encontro desses jovens e o
reconhecimento deles entre si, como jovens, são fatores fundamentais. Certamente trabalhar
juventude no Brasil significa estabelecer um diálogo entre esses jovens de diferentes contextos
sociais. Se violência e droga são preocupações dos jovens da classe alta, na classe baixa é o
medo de viver.
O grupo focal de 18 a 29 anos foi o mais difícil de reunir: os jovens nessa idade trabalham e
muitos trabalham e estudam. Uma grande maioria, porém não estuda nem trabalha. Reunir
jovens de 14 a 17 anos significa que eles ainda estão em grande parte acessíveis nas
instituições de ensino ou nos diferentes projetos que trabalham com os jovens. Ao nos
perguntarmos pelos jovens do sexo masculino da classe baixa em São Leopoldo nos damos
conta de que há muitos que abandonaram a escola e que, conforme os dados sobre a
institucionalização dos jovens da região, o índice de infração é o mais alto da grande Porto
Alegre. Muitos desses jovens passam pela instituição correcional – FASE e depois de serem
considerados adultos temos novamente um índice alto nos presídios de homens jovens. As
moças começam a maternidade cedo: com 20 ou 24 anos já têm vários filhos. Também entre os
jovens da classe trabalhadora muitos já têm família. A maioria mora com os pais. Os jovens
universitários estendem na maioria dos casos os seus estudos por vários anos para poder pagar
as mensalidades. A grande maioria abandona a faculdade. Lembro ainda que os jovens de 15 a
24 anos representam 25% da população economicamente ativa no Brasil.
A grande preocupação desse grupo e com um emprego o que mostra a situação difícil que o país
enfrenta. Se nesse grupo os jovens se preocupam com a falta de perspectiva de futuro, também
se referem à violência no país – acidentes, mortes, assaltos estão entre os seus medos. Eles
querem ser independentes, mas alguns consideram sua mãe a melhor amiga e dizem que é com
os pais que podem contar. Quando falam da geração dos pais dizem que era uma época onde
sempre a geração de adultos (no caso os avós) vinham primeiro: o melhor que tinha na casa era
para os pais. Com a geração dos seus pais agora as “coisas se inverteram”: tentam proporcionar
o melhor para seus filhos. Falam sobre locais onde gostam de ir e concluem que na sua idade
não saem mais tanto à noite. Talvez é por isso que esse grupo acha que não exista tanta
violência no centro de S. Leopoldo. Para eles a juventude é irresponsável e o motivo é porque os
pais não querem dar limites. Pensam que a juventude se encontra muito alienada e com falta de
respeito, principalmente para com os idosos. Um outro fator destacado é a falta de respeito no
trânsito devido ao grande número de acidentes envolvendo jovens. Dizem que a juventude que
hoje começa a tomar conta do mundo ainda encontra-se despreparada para isto.
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Dos grupos focais com adultos um foi realizado com a população pobre dentro uma favela
chamada Vila Progresso, em São Leopoldo. Queríamos ouvir como eles vêem a juventude. O
grupo era constituído por mulheres e apenas um homem, marido de uma das mulheres que veio
junto. Este homem não estava trabalhando e decidiu acompanhar a esposa. Se por um lado
havia poucos homens pelo motivo de estarem trabalhando, não significa que estes homens têm
um emprego regular. Por outro lado, muitas famílias nas favelas são chefiadas por mulheres e os
homens não têm mais contatos com suas famílias. Uma outra razão para a falta de homens em
reuniões como essas é que a educação de filhos é considerada “coisa de mulher”.
Esse grupo tem uma tradição rural e com o rápido aumento populacional de São Leopoldo se
encontra numa situação urbana. Todos valorizam a família e acham que os jovens hoje em dia
são materialistas e consumidores: recebem tudo e não dão nada em troca. Acham que os jovens
deveriam se esforçar para os estudos. Uma mulher comentou a falta de preparação para ser
pais, pois “as dificuldades são muito grandes pela evolução do mundo com vários problemas
como as drogas, o alcoolismo, a prostituição, a violência sexual. E, para isso tudo a gente não
foi preparada para instruir”. Se antigamente os jovens eram reprimidos, hoje falam abertamente
sobre os assuntos, mas os pais não sabem como falar sobre sexo e drogas. Os adultos acham
que a TV incentiva a um comportamento sexual precoce. Chamou atenção que várias mulheres
eram de igrejas pentecostais e disseram que usam a religião para educar seus filhos e têm
sucesso em mantê-los afastados das drogas e da violência. Falaram também que elas vão ao
encontro de outros jovens que estão passando por dificuldades e que têm conseguido ajudar
muitos outros a saírem das drogas e a ter um sentido na vida. Para elas o importante é o
diálogo sem reprimir o jovem. Na maioria, os adultos falam em diálogo com os jovens apesar de
terem dificuldades de abordar assuntos como sexo e drogas.
Uma outra dificuldade apontada foi a falta de espaço para as crianças brincar. A rápida
urbanização sem planejamento causou a perda dos espaços de lazer. O outro tema é a falta de
emprego. Aqui contam como as mães das vilas vão com os filhos para procurarem emprego,
mas não encontram nada. Refletindo sobre o consumismo dos jovens, os adultos acham que os
jovens poderiam começar a trabalhar mais cedo, já que antigamente era assim. Os pais se
sentem pressionados pelos filhos para comprar roupas de marca. Se conseguem, deixam de
comprar outras coisas necessárias para o resto da família. A origem rural os faz lembrar que
começaram cedo a trabalhar. Aqui percebemos um impasse com o ECA – o Estatuto de Crianças
e Adolescentes que proíbe o trabalho de crianças e adolescentes. Como conciliar a lei, o
consumismo que é incentivado pelos meios de comunicação, o desejo do jovem e a pressão que
os pais sentem?
O grupo de adultos profissionais do centro da cidade foi formado por psicólogos, educadores,
religiosos e pessoas que tinham alguma relação com a juventude. Esse grupo tem a impressão
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de que a juventude hoje em dia está distante, mais agressiva e querem curtir o momento. Os
limites estão difusos e praticamente não existem mais. Comenta-se que a falta de afeto gera o
medo. Preocupam-se com o fato de que muitos jovens não fazem nada, estão fora do mundo do
trabalho e conseguem dinheiro fácil. Aqui os adultos se referem à juventude da periferia. Uma
outra preocupação é com a sexualidade precoce entre os jovens e com a destruturação familiar
em andamento no contexto brasileiro. Devido à falta de perspectivas de um futuro melhor, à
violência e à desestruturação familiar, temos no nosso contexto uma tendência de viver o hoje,
curtindo de todas as formas possíveis. A vida é incerta e cruel. Por isso o comportamento sexual
e afetivo é descompromissado entre os jovens.
Um educador que trabalha para a prevenção de violência com os jovens se refere à juventude
atual como autêntica. Fala numa comunidade rompida e diz que a juventude brasileira vive
numa solidão. Para ele os “jovens têm valores e é preciso lutar com a juventude, pois isso é
uma luta terapêutica”. Menciona a possibilidade de construir pequenas comunidades para
reconquistar a confiança, empoderando os jovens com alta estima e com o fato de que eles têm
realmente valor. Para ele, se uma sociedade não valoriza seus jovens e lhes diz que não há
lugar para eles, esses jovens sentem que não há confiança e vão reagir porque são
manipulados. Ele diz que ai precisamos ter cuidado. Além das comunidades terapêuticas os
meios de comunicação poderiam se engajados a apresentar programas, mostrando que a
violência termina com a não violência.
Conclusões
Os dados sobre a juventude brasileira apontam para a imensa exclusão em que se encontram os
jovens, sem possibilidade de estudo e de emprego, gerando crescente violência. E um dos
quadros de situação juvenil mais preocupante na América Latina. Quando jovens têm medo do
futuro e da morte algo muito errado está acontecendo nessa sociedade. A discussão de uma
política social para a juventude que esta movimentando os diversos setores da sociedade
envolvidos com a juventude no Brasil, entre eles as organizações governamentais, o terceiro
setor e ONGs, trazem esperanças de que os pais finalmente se da conta da importancia de
investir nessa geração. Sem duvida estamos em desvantagem com outros paises da América
Latina em relação às políticas para a juventude e muito longe do continente europeu neste
aspecto. Já temos uma política para crianças e adolescentes – o ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente). Ainda e uma lei que apresenta grandes impasses para ser colocada em pratica
pela falta de recursos humanos e financeiros para atender a grande demanda na área da
pedagogia social, psicologia e assistência social. Ressalvo que apesar do imenso empenho de
Pesquisando “Juventude” no contexto brasileiro Valburga Schmiedt Streck
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ONGs, do engajamento do terceiro setor e de órgãos governamentais, os projetos e programas
são isolados e geralmente tem curta duração - ou seja, duram enquanto que ha recursos e
pessoas disponíveis. Por isso e de se perguntar o que significara uma Política Social para a
juventude? Teremos outra lei moderna, mas difícil de implementar?
O avanço da pesquisa sobre a temática “juventude” brasileira nesses últimos anos, tanto na
academia como em organizações não governamentais e governamentais e sem duvida
importante. Aos poucos temos a possibilidade de ter imagens da maior população jovem que já
tivemos na história do país. Entendo que a pesquisa sobre juventude brasileira se torna
relevante não apenas como um novo objeto de estudo, mas principalmente para que a
população brasileira em geral possa ter uma idéia de como a sua geração de jovens vai se
tornando adulta: o que pensam, quais são seus valores e suas expectativas. Olhando para a
Europa podemos aprender muito desses paises, mas não precisamos e nem podemos imitá-los,
pois nos faltam os recursos para tal. Lembro que pesquisas são caras e necessitam de
financiamentos. Se vislumbrarmos grandes projetos, podemos perder o outro horizonte onde
necessitamos mais esforços. Menciono a necessidade de investimentos em programas eficazes
com profissionais capacitados para trabalhar com jovens, com famílias, com a população pobre
e, sobretudo, profissionais capacitados a trabalhar com grupos sociais para empoderar as redes
sociais existentes.
Percebemos semelhanças nos valores olhando pra pesquisas feitas sobre a juventude brasileira e
de outros paises. Por exemplo, os jovens atualmente valorizam a família, os amigos e o
mostram desinteresse pela política. Os jovens nos diversos paises parecem ficar mais tempo em
casa e se dão bem com os pais. A juventude brasileira se diferencia pelo medo da violência (ser
assaltado, morrer de acidente, perder os pais, entre outros), do seu envolvimento nas drogas e
do medo de não conseguir um emprego e o grande consumismo que desencadeia de novo a
violência como um ciclo vicioso. E o lado mais triste da nossa juventude. Porem quero ressaltar
um outro lado: podemos olhar para a nossa juventude como uma geração que tem uma imensa
energia para gritar, para acordar sua sociedade. Lembro das palavras do educador do grupo
focal de adultos que se refere à sociedade brasileira como uma comunidade rompida e a
juventude que vive na solidão e a manifesta. Pela violência vemos a juventude atual na sua
autenticidade: e um grito de alerta para essa sociedade se mobilizar para grandes mudanças a
serem feitas. E entre estas mudanças esta a de dar condições para que os jovens tenham acesso
a educação, cultura, alimentação, abrigo e acima de tudo uma vida em um contexto social onde
se sentem acolhidos. Precisamos lembrar que somos conhecidos no Brasil pelos movimentos
sociais dos anos sessenta que mobilizaram a população e onde os jovens participaram
ativamente. Os jovens continuam participando em diversos espaços, entre eles as pastorais da
igreja católica e os movimentos de jovens de outras igrejas e de outros setores da sociedade
civil como o movimento negro. Também ha muitos jovens participando do Orçamento
Pesquisando “Juventude” no contexto brasileiro Valburga Schmiedt Streck
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)
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Participativo, de partidos políticos e do movimento local e nacional de formulação de políticas
para a juventude. Isso mostra que a nossa juventude não e alheia e capaz de expressar o seu
protagonismo.
Um último ponto que acho importante é quando olhamos para os grupos focais de adultos e de
jovens em São Leopoldo. Aqui a geração de adultos e jovens fala de suas preocupações: e o
medo da violência, das drogas, do desemprego, de uma sociedade que está se desestruturando,
e do grande apego de uma geração com a outra, e do consumismo desenfreado dos jovens
pressionando os adultos, o abandono dos estudos e a necessidade de ajudarem na renda e a
precocidade sexual. Ouvindo jovens e adultos penso que não podemos separar a formulação de
políticas e programas. Necessitamos olhar o grupo social perpassando a família e a comunidade.
Uma preocupação urgente e sem duvida e o fato de que nos transformamos rapidamente numa
sociedade urbana. Os resultados são comunidades rompidas e a desestruturação familiar.
Somado a isso a população estava despreparada a se integrar na economia globalizada o que
resultou em desemprego e empobrecimento. Estamos vivendo um momento em que muitos
grupos se esforçam para fazer mudanças. Podemos falar do programa Fome Zero ou ir para um
exemplo local onde as mulheres das igrejas pentecostais falam do sucesso que tem para falar
com os jovens e ajuda-los a sair das drogas e prostituição. Pode não ser o método mais
adequado ou um programa de resultados imediatos. Mas percebemos ações que vão ao encontro
das pessoas. Assim podemos enumerar vários projetos, programas e ações bem como políticas
sociais a nível local ou nacional. Entendo que e importante ouvir a população e capacita-la a
poder reconstruir suas comunidades locais. Ao mesmo tempo devem ser considerados os
programas e projetos que tiveram sucesso e tentar implementá-los. As políticas sociais por sua
vez não podem ser isoladas e urge que se contemple as redes sociais, entre elas a família. E o
mais importante é que as políticas sociais devem ser possíveis de serem implementadas.
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Nachkriegszeit und beschleunigter Moderne. In: DISKURS 1, Deutsches Jugendinstitut,
p. 7-18.