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Título: O poeta despersonificado: entre o verossímil e a intelectualização do sentir. “Não há felicidade senão com o conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixa-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber, porém, é existir.” Fernando Pessoa INTRODUÇÃO A partir das reflexões sobre as poesias líricas de Fernando Pessoa, pretende-se demonstrar aqui, primeiramente, uma análise do estilo mundo íntimo desse autor da modernidade em seu fazer poesia e seus elementos, como também à criação de seus heterônimos e como consequência disso a perda de sua identidade. A proposta é observar, problematizando essas construções de “outros novos eus”, que podem ter ora caráter verdadeiro (onde autor dialoga com a realidade empírica), ora ficcional por caracterizar uma fuga ou uma aversão de si mesmo (do autor) sem deixar de lado sua essência de autoconsciência humana e do sentir, que se traduz ao mesmo tempo em dúvida, incoerência e mutação de si mesmo. Isso, fazendo contraste, é claro, com o paradigma do estilo moderno que o cercava, vistos nas aulas de Literatura Portuguesa. Nesse viés, para fins de alcance do objetivo proposto, ater-se aos conceitos de

Pessoa Fernando

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Ttulo: A despersonalizao de Fernando Pessoa: entre o verossmil e a intelectualizao do sentir

Ttulo: O poeta despersonificado: entre o verossmil e a intelectualizao do sentir.No h felicidade seno com o conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade infeliz; porque conhecer-se feliz conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo j, que deixa-la atrs. Saber matar, na felicidade como em tudo. No saber, porm, existir.Fernando Pessoa

INTRODUO

A partir das reflexes sobre as poesias lricas de Fernando Pessoa, pretende-se demonstrar aqui, primeiramente, uma anlise do estilo mundo ntimo desse autor da modernidade em seu fazer poesia e seus elementos, como tambm criao de seus heternimos e como consequncia disso a perda de sua identidade. A proposta observar, problematizando essas construes de outros novos eus, que podem ter ora carter verdadeiro (onde autor dialoga com a realidade emprica), ora ficcional por caracterizar uma fuga ou uma averso de si mesmo (do autor) sem deixar de lado sua essncia de autoconscincia humana e do sentir, que se traduz ao mesmo tempo em dvida, incoerncia e mutao de si mesmo. Isso, fazendo contraste, claro, com o paradigma do estilo moderno que o cercava, vistos nas aulas de Literatura Portuguesa.

Nesse vis, para fins de alcance do objetivo proposto, ater-se aos conceitos de verossimilhana e criao mimtica com relao ao fazer potico do autor e ao modo como isso era encarado na nova forma de criao potica do Modernismo fundamental de ser esclarecido, j que o sentimentalismo v-se de frente a personificao do lirismo. o que se verificar em Autopsicografia, O guardador de rebanhos e de Fernando Pessoa. Assim, o presente trabalho ser dividido em trs partes. O FAZER POTICO: Poesia e verossimilhanaLevando em considerao a poesia lrica de Fernando Pessoa enquanto gnero literrio, nos possibilita realizar a associao de um campo de significados e sensaes, pois atravs das palavras (parte concreta) que se verifica tal processo caracterstico da prpria linguagem. Alm disso, falar de poesia em seu estrato semntico tambm relacion-las a natureza filosfica. Sabe-se que durante muito tempo, a poesia em sua totalidade serviu de instrumento mimtico. Assim, de acordo com o pensamento Platnico, a poesia sendo um ato de criao pode ser pensando como imitatio, e mais do que isso, passando pelo pensamento Aristotlico, uma espcie de arte que representa o mundo e a tornam produto da verossimilhana. Dessa forma, tanto o objeto vaso quanto a arte poesia seriam considerados produtos da imaginao de quem os cria e assim uma aproximao com o real, segundo estes. Por outro lado, se tratando especialmente do sc. XIX com a apario do romantismo, a forma de representao mimtica do plano artstico aos poucos sede espao para a representao do eu que voltado para si, que passa a se dedicar s suas poesias e aos seus sentimentos, deixando naquelas a marca do real sentimento romntico exacerbado. Porm, no se deve deixar de lado a possibilidade do uso que Fernando Pessoa faz da verossimilhana em seus poemas como instrumento criativo. E isso que far diferena no decorrer dos tempos. Nas palavras de Massaud Moiss a perceber que sua verossimilhana no se mede em relao realidade concreta, seno a realidade suposta, criada, verifica-se tambm o tom de intelectualizao do sentir ao se fundir a ficcionalidade potica que Pessoa adota em seu poema Autopsicografia: O poeta um fingidor

Finge to completamente

Que chega a fingir que dor

A dor que deveras sente.

Observando os versos acima possvel perceber a existncia de paradoxos, que a entender funcionam como recurso utilizado pelo poeta a fim de no comprometer a estrutura espcie de seu poema e criar o que se chama de metapotica. Isso fica evidente quando o primeiro verso explicado pelos seguintes e a partir da o poema comea a se realizar de fato. neste momento que o poeta, em sua autenticidade, tenta se aproximar do real (ser verossmil), da real dor que no teve, despersonalizando-o. Para isso, ele se ver como o leitor de seu prprio texto. Imagina uma dor que possvel de ser sentida enquanto sensao, mas no plano seu ideal de dor. Assim, h representao inteligvel do sentir (a dor que deveras sente) que no pertence ao poeta, mas que pela juno do pensar e do sentir vista como uma linguagem ideal da alma. Mas isso ainda no basta na poesia. preciso representar, fingir, inventar e, principalmente, ficcionalizar to completamente/que chega a fingir que dor/a dor que deveras sente.. Finge-se to bem que quando materializada pela concretude da linguagem, que ela se apresenta mais autntica que a dor fingida. Ele cria uma realidade que no a sua e passa a viv-a como se fosse autntica.E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

No as duas que ele teve,

Mas s a que eles no tm.

No ltimo verso da estrofe acima Mas s a que eles no tm, fica claro que a dor ser recebida pelo leitor, no como uma dor prxima do real, porque esta ficou com o poeta. Este, com seu poema introduzir nos receptores uma dor intelectualizada, que no lhes pertence. Tem-se ento, a dor fingida (prxima do real), a real e a dos leitores. Por fim, esse novo modo de fazer poesia faz de Fernando Pessoa verossmil, pois atinge o leitor pelo reconhecimento momentneo de introspeco daquele que l. Atravs da linguagem e da prpria inteno do texto inova de forma criativa o modo de fazer poesia rompendo com o spleen do romantismo europeu, cedendo espao para ficcionalizao e intelectualizao do sentir. Assume um papel descrente do mundo ao usar paradoxos ao mesmo tempo em que mergulhado num relativismo procura se aproximar da interpretao real das coisas/fenmenos que o cerca. POESIA X (IN) CONSCINCIAAo se concluir a anlise do poema autopsicografia, a maneira como Pessoa retrata a sua conscincia em relao ao todo processo criativo de se fazer poesia fica evidente:E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razo,

Esse comboio de corda

Que se chama corao.Assim, se a poesia uma representao do imaginrio, o corao esse comboio de corda, objeto dos sentimentos, no passa de uma forma de entreter da razo, que, girando, mecanicamente nas calhas- smbolo de impossibilidade de mudana de rumo- representa o mundo das convenes do cotidiano. H o embate da conscincia e da inconscincia - corao= comboio de corda -, que refora a teoria do fingimento. Desse modo, ainda no que se refere a estruturao do poema tem-se o par opositivo dos vocbulos razo/corao que expressa nessa criatividade a inteno consciente do autor (inteligncia) , a presena da metfora como elemento estilstico corao como um comboio de corda que gira nas calhas de roda a entreter a razo.A tripartio do poema evidencia por meio da conjuno e nas 2 e 3 estrofes dois significados: o primeiro constitudo pelas duas primeiras estrofes, em que o eu potico expressa sua intelectualizao do sentir e o segundo na ltima estrofe, onde conclui com a metfora a veracidade dessa teoria. Para finalizar, apesar dessa veracidade outro elemento surgir para estabelecer sentido do fazer potico de Fernando Pessoa, isto , a metafico, que no plano da razo percebida mais como uma forma incoerente da personalidade do poeta que se transfigura em hesitao, pessimismo, dvida e incerteza do prprio eu que se volta contra a tudo que absoluto. Leva-se ainda em conta a leitura do texto de Cleonice Berardinelli acerca do eu profundo de Pessoa. Uma vez o poeta vivenciando seus pensamentos dbios, h conflitos na definio do prprio poeta sobre si:

Manteve-se, pois, o ncleo gerador dos seus estados de alma que no o abandonaram: a depresso, a abulia absoluta decorrente da hesitao, da vontade perturbada pala emotividade excessiva e esmagada pela inteligncia demasiadamente enamorada pela anlise do raciocnio, o cansao (no um sadio cansao, mas o ultra canaso de tudo ou de nada). , o tdio, a passividade, o egocentrismo, a solido e uma profunda religiosidade, que no o apazigua, antes lhe d a convico do doloroso enigma da vida (...). REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

MOISS, Massaud. Fernando Pessoa: o espelho e a esfinge. 2 edio, revista e aumentada. GUIMARES, Fernando. Simbolismo, Modernismo e Vanguardas. Lisboa: Imprensa nacional- casa da moeda, 2004. BERARDINELLI, Cleonice. Fernando Pessoa: o eu profundo. In:_________. Fernando Pessoa: outra vez te revejo... Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004. p. 76-92.__________. O desterro da mmesis no pensamento de vanguarda. In:_____. O fingidor e o censor. Rio de Janeiro: TopBooks Editora, 2007.