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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE MESTRADO ACADÊMICO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE VICENTE FLÁVIO BELÉM PINHO DO PROJETO FOME ZERO (PFZ) AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF): O ASSISTENCIALISMO TOMANDO FORMA DE CIDADANIA FORTALEZA 2011

(PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE MESTRADO ACADÊMICO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

VICENTE FLÁVIO BELÉM PINHO

DO PROJETO FOME ZERO (PFZ) AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF): O

ASSISTENCIALISMO TOMANDO FORMA DE CIDADANIA

FORTALEZA 2011

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VICENTE FLÁVIO BELÉM PINHO

DO PROJETO FOME ZERO (PFZ) AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF): O

ASSISTENCIALISMO TOMANDO FORMA DE CIDADANIA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará-UECE, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Área de Concentração: Democracia.

Orientador: Prof. Dr. Josênio Camelo Parente.

FORTALEZA 2011

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FOLHA PARA FICHA DE CATALOGAÇÃO

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VICENTE FLÁVIO BELÉM PINHO

DO PROJETO FOME ZERO (PFZ) AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF): O

ASSISTENCIALISMO TOMANDO A FORMA DE CIDADANIA

Dissertação julgada e aprovada para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade, outorgado pela Universidade Estadual do Ceará.

Área de Concentração: Democracia Linha de Pesquisa: Estado, Democracia e Participação Social

Data de Aprovação: ____/____/2011

Banca Examinadora:

____________________________________________ Prof. Dr. Josênio Camelo Parente

(Orientador/UECE)

____________________________________________ Prof. Dr. Manfredo Araújo de Oliveira

(Membro/UFC)

____________________________________________ Prof. Dr. Jawdat-Abu-El-Haj

(Membro/UFC)

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À Edinah e seu Emetério (in memoriam) –

que representam um esforço grande de

fidelidade de construção aqui na terra de

um pedacinho de céu. A eles devemos

muito e oferecemos tão pouco!

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AGRADECIMENTOS

Ao professor doutor Josênio, pela sabedoria discreta, paciência e pelo incentivo

em todos os momentos.

Ao professor Dr. Manfredo Oliveira, que me irradia alegria (fé e razão) e de

quem roubo algum tempo de convivência a mim muito caro, sendo ele que me deu a

oportunidade de conviver com os pobres de Fortaleza.

Ao professor Dr. Jadawt, pela acolhida e disponibilidade com que me tratou.

À Terezinha (amor de uma vida) e aos meus filhos Ana Virgínia, Larissa e

Vinícius que me animam e humanizam mais.

À minha mãe Aida e meu pai Regino (in memoriam), pelo zelo com os filhos e

aos meus irmãos Francisco Antônio, Regino Filho, Célio e Andréia, pelo carinho com

que me tratam.

À dona Elionora, ao “seu” Elias (in memoriam) e família, exemplos de

dignidade, disponibilidade e simplicidade.

Aos amigos Paulo Reis, Plínio Bortolotti, Patrício William, Vaumik Ribeiro, Alex

Citó, Vitória Régia, Carlos Chagas, Reginaldo, Alex Montalverne, Carmem Grego e

Lúcia Silveira, exemplos e referências para mim de busca de uma prática política

que qualifico como digna.

Ao Senador Pimentel, pela confiança e amizade em mim depositadas de uma

forma ininterrupta; ao Franzé Ribeiro, seu assessor, sempre amigo, aberto e

competente.

Ao Deputado Nelson Martins e sua assessoria; aos companheiros do Partido

dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores – CUT; aos religiosos e

agentes pastorais das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, pela convivência

enriquecedora.

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Ao professor Cícero Péricles de Carvalho, que foi o primeiro a me incentivar a

tentar a seleção para o curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e

Sociedade.

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PINHO, Vicente Flávio Belém. Do Projeto Fome Zero (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF): o assistencialismo tomando forma de cidadania. 2011. 94 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade) – Universidade Estadual do Ceará-UECE, Fortaleza, 2011.

RESUMO

O Projeto Fome Zero (PFZ) foi apresentado à sociedade em 2004. Ao final de 2010, os brasileiros somente se recordavam com facilidade do Programa Bolsa Família (PBF). Este trabalho, a partir de estudos bibliográficos, acompanha analiticamente o percurso do Fome Zero ao Bolsa Família buscando apreender as mudanças e permanências destes programas, que se consolidam como um núcleo de direito de cidadania, com legitimidade constitucional. Palavras chaves: Fome Zero. Bolsa Família. Cidadania. Constituição.

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ABSTRACT

“Fome Zero” Project (PFZ) was presented to society in 2004. By the end of 2010, Brazilian people only remembered the Bolsa Família Program (PBF). This work, based on bibliographic studies, makes an analitical accompaniment of the course from Fome Zero to Bolsa Família, seeking to apprehend the changes and continuities of these programs, which have been consolidated as a center of Citizenship Right, constitutionally legitimized. Keywords: “Fome Zero Project”. “Bolsa Família Program”. Citizenship. Constitution.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Página

Quadro 1 – Agenda das políticas públicas brasileiras........................................... 43

Gráfico 1 – Desigualdade – Índice de Gini............................................................ 72

Gráfico 2 – Evolução do número total de empregados com vínculo formal de

emprego (em milhões de empregos)..................................................

94

Gráfico 3 – Evolução dos investimentos em habitação (em R$ bilhões)............... 94

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LISTA DE TABELAS

Página

Tabela 1 – Quantidade de famílias beneficiárias do programa Bolsa Família...... 64

Tabela 2 – Descrição dos valores do Programa Bolsa Família............................ 64

Tabela 3 – Mudanças na Estrutura da População................................................ 73

Tabela 4 – PRONAF-contratações e operações................................................... 75

Tabela 5 – Resultados do Crediamigo – outubro de 2008.................................... 75

Tabela 6 – Crediamigo em números..................................................................... 75

Tabela 7 – Coberturas do PTRC em janeiro de 2004........................................... 92

Tabela 8 – Situação das famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família

antes e depois dos benefícios.............................................................

92

Tabela 9 – Distribuição dos beneficiários do PBF e suas famílias segundo

regiões brasileiras...............................................................................

92

Tabela 10 – Dívida externa e reservas internacionais em US$ milhões de

dólares e indicadores de solvência.....................................................

93

Tabela 11 – Inflação, Crescimento do PIB, Taxa de juro e Taxa de câmbio........... 93

Tabela 12 – Salário e emprego............................................................................... 93

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AFBEC Associação de Funcionários do Banco do Estado do Ceará

AIFII Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família

BCP Benefício de Prestação Continuada

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CNAN Conselho Nacional de Alimentos e Nutrição

CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar

CPMF Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeira

CPT Comissão Pastoral da Terra

CRAS Centros de Referência da Assistência Social

CREAS Centros de Referência Especializados da Assistência Social

CUT Central Única dos Trabalhadores

ENDEF Estudo Nacional de Despesa Familiar

FAO Organização de Comida e Agricultura

FGV Fundação Getúlio Vargas

FHC Fernando Henrique Cardoso

FMI Fundo Monetário Internacional

GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

GM Gabinete da Ministra

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDO Leis de Diretrizes Orçamentárias

LO Leis Orçamentárias

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

ONGs Organizações Não Governamentais

ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PBF Programa Bolsa Família

PED Processo de Eleições Diretas

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PFZ Projeto Fome Zero

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PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PNSA Plano Nacional de Segurança Alimentar

PPAs Planos Plurianuais

PROFAVELAS Programa de Urbanização de Favelas

PRONAF Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar

PT Partido dos Trabalhadores

PTRC Programas de Transferência de Renda Condicionada

PU Pastoral Universitária

RBC Renda Básica da Cidadania

RONASCI Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania

SE Secretaria Executiva

SEEB-Ce Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do

Estado do Ceará

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento Econômico do Nordeste

SUS Sistema Único de Saúde

UFC Universidade Federal do Ceará

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SUMÁRIO

Página

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 14

1.1 Objeto e Método ............................................................................................. 15

2 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E OS DESAFIOS DA CIDADANIA .................. 19

2.1 A Constituinte Brasileira (1987-1988) e seu entorno ...................................... 26

2.2 O imbróglio inflacionário de longa duração e o plano real .............................. 31

2.3 As lutas sociais ............................................................................................... 36

3 O PROJETO FOME ZERO (PFZ) COMO POLÍTICA PÚBLICA

TRANSFORMADORA .................................................................................... 42

3.1 Preliminares históricas e agressões à humanidade ....................................... 42

3.2 Elaborações e lutas: a proteção social brasileira ........................................... 45

3.2.1 Movimento contra a carestia .......................................................................... 48

3.2.2 Ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida ................................ 49

3.2.3 Caravana da cidadania ................................................................................... 50

3.2.4 O Projeto Comunidade Solidária .................................................................... 51

3.2.5 O Projeto Fome Zero e o desafio estrutural ................................................... 54

4 AS RAÍZES DO BOLSA-FAMÍLIA: A CIDADANIA TARDIA ........................ 62

4.1 O atendimento dos objetivos estipulados ....................................................... 65

4.2 As condicionalidades: dados e argumentos ................................................... 67

4.3 Dimensão social e econômica ........................................................................ 71

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 80

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 89

ANEXO – Tabelas complementares ....................................................................... 92

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1 INTRODUÇÃO

Durante dez anos percorremos o chão e a lama do velho Lagamar, a segunda

maior favela de Fortaleza. Eram os anos de 1980, a redemocratização se espraiara.

Engajáramo-nos em um trabalho de formação de Comunidades Eclesiais de Base

(CEBs). A oportunidade deste engajamento ocorreu pela iniciativa de um grupo de

estudantes de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrantes da

Pastoral Universitária (PU), que se juntaria ao grupo precursor, estando à frente

deste o padre, filósofo e teólogo Manfredo Oliveira.

O grupo visitava os moradores do Lagamar para conhecê-los em cotidiano

natural e desenvolver, no espírito pedagógico de Paulo Freire, o trabalho religioso na

periferia inspirado também nos ensinamentos da Teologia da Libertação. Era um

grupo que se referenciava nas mudanças de atitude da própria igreja católica, após

a Segunda Conferência dos Bispos Latino-Americanos de 1968, em Medellín. Nele

exercitamos a práxis e o estudo teórico. Esta experiência nos ajudou a perceber a

relação a ser constituída entre os pobres e a classe média – nós próprios.

Demo-nos conta da necessidade do estudo permanente, não como mero

diletantismo, mas feito instrumento de ação a ser compartilhado no sentido do

fortalecimento das classes populares, visando a nos facilitar e a eles um exercício

político democrático e educacional consistente.

Simultaneamente participamos da fundação da Central Única dos

Trabalhadores (CUT). Atuamos na base e na direção do Partido dos Trabalhadores

(PT) e fomos dirigentes, por dois mandatos, do Sindicato dos Empregados em

Estabelecimentos Bancários do Estado do Ceará (SEEB-CE), além de termos

presidido a Associação de Funcionários do Banco do Estado do Ceará (AFBEC).

Participamos da coordenação do Programa de Urbanização de Favelas

(PROFAVELAS), em 1985, na gestão da então prefeita Maria Luiza Fontenele.

Em momento seguinte, de 1995 a 2010, integramos a assessoria do então

deputado federal José Pimentel e do deputado estadual Nelson Martins, durante

sete e oito anos, respectivamente.

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A percepção da política como uma elaboração permanente, a pedagogia de

Paulo Freire experimentada na concretude e a esperança brotando dentro de um

contexto social de pobreza nos trouxeram lições que nenhuma gramática sociológica

poderia conter. Conviver diretamente com os pobres é um aprendizado de vida

indelével.

Compreender este mundo dos pobres era e é, ainda, um desafio para a própria

pastoral popular, num momento histórico complexo e dominado por uma inédita

exclusão social. É ato de responsabilidade o estudo vinculado às lutas sociais.

Após a graduação em Direito e a especialização em Direito do Trabalho e

Previdenciário, motivamo-nos para o mestrado em Políticas Públicas, ofertado pela

Universidade Estadual do Ceará que, entre tantas outras coisas, pode nos ajudar,

oferecendo um ambiente de crescimento intelectual como condição para um novo

patamar de atuação, seja como militante, dirigente ou assessor num mundo onde o

saber é instrumento indispensável de atuação e, portanto, fonte de poder a ser

partilhado.

1.1 Objeto e Método

Interpretar a política de segurança alimentar, do combate à fome e à miséria,

nos motivou pelo estado de grandes carências de direitos humanos mínimos e pelo

estádio de organização social das classes trabalhadoras e dos excluídos

Este trabalho é, pois, produto de uma curiosidade intelectual que já vem da

militância e do desafio do país, acostumado com a miséria e a desigualdade social.

Perquirir, portanto, sobre os avanços, limites e possibilidades do Programa Bolsa-

Família, para o combate à pobreza e à inclusão social dessa população ao mundo

do consumo será nosso objetivo principal.

Tencionamos, também, buscar sua origens, recuperando seu percurso inicial

que vai do âmbito do Fome Zero ao Bolsa Família. A dimensão do Bolsa-Família, a

elaboração inicial deste, o estádio como se encontra atualmente como resultado e

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como portador de possibilidade, são focos que nos incitam a analisar na tentativa de

compreender seu percurso e seus resultados concretos.

É possível que a causa do sucesso das políticas sociais do governo Lula tenha

sido a manutenção da política macroeconômica nos fundamentos clássicos: câmbio

flutuante, metas de inflação, juros altos e superávit primário, ao mesmo tempo em

que se iniciava de forma ousada o mecanismo massivo de oferta no microcrédito e

mesmo a política de crédito em geral. É impossível, contudo, que esta combinação

inusitada realizada por um trabalhador não tenha sido acompanhada de uma inédita

e intensa inclusão social. Essas políticas favoreceram não apenas os pequenos

empreendedores, como foram igualmente vantajosas para grandes empresários e

banqueiros de forma duradoura.

É inegável também a abrangência de escala do Bolsa-Família que, além da

unificação de programas realizada por seus antecessores, consolida um modelo

clássico de uma sociedade de mercado, embora ainda se esperem avanços na

saúde e na educação dos beneficiários como herança de anos de abandono. Aqui

surgem questões importantes, como, por exemplo, se o Programa induz à

acomodação destes novos agentes como o clientelismo tradicional o fazia, ou é o

início de um fenômeno mais vigoroso de uma cidadania ativa e de um passo na

nossa revolução burguesa, tão projetada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB)?

As regiões mais pobres do País encontrarão, com base das políticas sociais

vigentes, amparo e força política para um efetivo exercício de direitos? Poder-se-ão

estabelecer ligações de políticas de combate à pobreza com a política de segurança

pública? Será a sociedade civil capaz de recuperar ânimo participativo consistente

para continuidade e aprofundamento dos necessários saltos político-administrativos?

Essas indagações serão debatidas a tempo. A hipótese central é de que, com

origem no Bolsa-Família e outros programas a ele conexos, se abrem possibilidades

maiores para o exercício ampliado da cidadania brasileira e para a efetivação de

uma sociedade mais democrática.

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Não são pequenas a produção acadêmica e a literatura, em geral, afeitas ao

nosso objeto, sejam publicações clássicas, sejam modernas edições em revistas,

jornais, cartilhas. O acervo, enfim, nos animou a reinterpretá-las e permitiu a escolha

desse caminho de rever os dados secundários. Parte significativa desse material

confiável será incorporado ao corpo da análise a fim de inquirir o surgimento dessa

nova cidadania com base na incorporação das massas ao consumo e à política.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e o CENSO 2010

trazem uma avalanche de dados que nos facilitarão os encaminhamentos para uma

formulação atualizada a fim de formar o quadro onde atuaremos.

Vale lembrar que a velocidade e a intensidade das mudanças na área

econômica e social precisam de um equivalente instrumental investigativo; e uma

boa pedagogia nos recomenda grande abertura para os dados empíricos, sem

prejuízo do cruzamento de informações e das múltiplas interpretações (DOWBOR,

2008). Essa realidade necessita ser incorporada na consolidação dessa cidadania

advinda das políticas sociais.

Os dados e as análises quali-quanti serão incorporados para reforçar e

reconhecer na realidade viva do tecido social o traçado como teoria. Os dados atuais

sobre diversas áreas da vida humana traduzem, uma confluência de várias crises

(econômica, ambiental, social) e seu conhecimento já não é restrito a especialistas.

Olhá-los para uma atitude de cidadania é uma imposição para colaborarmos na

construção de uma nova convivência humana, com a construção de um novo

processo civilizatório (Id., Ibid.).

Iniciaremos nossa análise, no segundo capítulo, recuperando o contexto

político social do processo da redemocratização, pois foi aí que a cidadania deu um

salto, com a compreensão das pessoas de que a política tem relação com a sua

qualidade de vida. No momento da Constituinte, as lutas sociais nos anos 1980

tiveram um papel destacado, pela mobilização social empreendida e pelas

proposições apresentadas.

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O terceiro módulo recupera o contexto da eleição de Lula em 2002 para

apreender o caminho e os obstáculos do Projeto Fome Zero - sua constituição e

alterações - captando aspectos políticos e gerenciais que iriam modificar

radicalmente a sua face inicial. Discutiremos as agruras dos dois primeiros anos, a

formulação originária e as tentativas de mobilização social. No capítulo seguinte será

feita uma análise nas várias dimensões em que se transformaram o Programa

Bolsa-Família e suas conexões com a nossa tardia revolução burguesa.

Observaremos a evolução do número de beneficiários, o valor monetário do

benefício, o impacto sob as famílias cadastradas e, mesmo, a repercussão sobre a

economia popular, com destaque para o Nordeste brasileiro. Este capítulo,

comportará um tópico concernente à “acomodação” ou não dos beneficiários; ou,

ainda, o surgimento de outros agentes sociais. As considerações finais abrem

perspectivas animadoras face à constatação do aprimoramento das políticas

públicas, especialmente àquelas que alcançam os mais pobres.

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2 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E OS DESAFIOS DA CIDADANIA

Como dito anteriormente, nossa análise fará uma vinculação do objeto à

constituição brasileira de 1988, recuperará as lutas sociais dos anos 1980 bem como

retratará o drama inflacionário brasileiro só resolvido com a adoção do Plano Real.

Para adentrar este percurso, duas categorias precisam de um comentário imediato

que se segue.

Cidadania e Revolução Burguesa

Cidadania terá sido considerada a partir da formulação clássica de T. H.

Marshall, ou seja, exercício efetivo dos direitos civis, políticos e sociais. Sua

elaboração se deu tendo como foco a experiência inglesa. Lá vieram

sequencialmente os direitos civis, políticos e sociais. Esta ordem tem uma

explicação. Com base nas liberdades civis, lutou-se pelo direito de votar e ser

votado. Com estes passos dados como conquista e com a criação do Partido

Trabalhista vieram, por fim, os direitos sociais. Já, à época, o autor registra a

educação popular como indispensável para os direitos supracitados.

Cidadania será tratada como fruto do processo histórico no Brasil, portanto, em

uma circunstância histórica específica tão bem detalhada por Murilo Melo de

Carvalho no já consagrado livro Cidadania no Brasil o longo caminho. Além do

percurso histórico recuperado, há uma contextualização rica quando o autor

estabelece a relação da cidadania com o Estado-nação da época atual. A crise

deste lança luzes sobre uma possível nova reformulação conceitual e prática da

cidadania diante dos limites impostos no mundo globalizado.

A temática será retomada por Marilena Chauí em Brasil: Mito Fundador e

Sociedade Autoritária. Neste caso a autora se centra na formação fortemente

autoritária da sociedade brasileira e o que daí advém para “os de baixo” como fruto

deste processo histórico de dominação: o enfrentamento como questão de

sobrevivência e construção de cidadania. Uma estratégia de formulação do

imaginário das elites se transforma em dominação histórica contra a qual se

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insurgem os trabalhadores e os sem trabalho. É uma luta continuada, em várias

dimensões, que se manifesta pela expressão de uma autêntica cidadania.

Para autores como Maria Victória Benevides, a Constituição Federal de 1988

abriu um novo momento histórico. O advento da democracia direta através da

iniciativa popular, referendo e plebiscito – expressamente consagrados no texto

magno, significou uma alargamento da participação popular. Efetivamente foi uma

possibilidade apresentada com amparo na lei magna. As restrições regulamentares

impedem um acesso pleno, mesmo com a possibilidade da utilização de novas

tecnologias, em instrumentos de consulta, em instrumentos de democratização.

Finalmente, para Haguette (1994) o exercício da cidadania tem sempre uma

contrapartida de responsabilidades, tais como a de votar e pagar regularmente os

tributos devidos. Com grande didatismo, a autora traz à realidade brasileira os

princípios de Marshall conferindo-lhes adequação histórica, estabelecendo uma

análise enriquecida com abundância de dados empíricos sobre a realidade brasileira

de 1940 a 1992. A autora trabalha, com competência e profundidade, a interface

cidadão-estado como indica o próprio livro em questão.

É no percurso e contexto acima referidos que empregaremos a categoria

“cidadania”, com alguma elasticidade – pois fruto de um processo histórico, mas com

vinculações teóricas ao que acabamos de expor. A cidadania pode se estabelecer

conjuntamente com o advento da revolução burguesa.

Revolução burguesa, segundo Ianni (1994), seria um processo conduzido de

desenvolvimento alargado ainda no capitalismo, a partir da união da burguesia

nacional e a classe trabalhadora. Este núcleo, por interesses comuns, comandaria o

ingresso numa fase avançada do processo de desenvolvimento onde a partilha da

renda se efetivaria em moldes a trazer um bem estar social, igualmente o acesso à

educação de qualidade e a saúde, entre outros ganhos, seriam universalizados

efetivamente. No Brasil, não houve esta ocorrência. O governo Lula como que

substitui a burguesia e, com suas políticas sociais notadamente o Bolsa Família, cria

um mercado de consumo popular. Esta intervenção política atenderá

simultaneamente às classes menos ou (des) possuídas e será benéfica ao

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21

empresariado nacional, ou significativa parte desta. Aqui se perfaz uma espécie de

revolução burguesa presidida por Lula e pelo Partido dos Trabalhadores.

Como, no caso da cidadania, a revolução burguesa ou uma similaridade de tal

evento deve ser entendida como um processo de intervenção pública em nosso

capitalismo, não contendo em si maiores possibilidades de desencadeamento de

processos revolucionários. O acesso ao crédito e ao consumo são aspectos centrais

deste novo momento histórico instaurado, entre outras coisas, pelo alcance dos

programas sociais do governo Lula.

Toda a política social do governo Lula é uma intervenção pública no

capitalismo brasileiro. Sem outras ambições que não seja a de trazer para o centro

da atualidade alguns dos aspectos sociais que estavam, de alguma forma,

desamparados e sem visibilidade.

Contexto Brasileiro das lutas por cidadania

O mundo globalizado, em sua feição de início do século XXI, seguramente

alterou conceitos como os de soberania e desenvolvimento nacionais. Trouxe

velocidade à circulação de mercadorias e de informações. Quebrou fronteiras entre

países, impondo padrões de consumo, moda e cultura. Quase tudo, nesta

universalização distorcida, circulou como padronização e entronização de objetos de

consumo originários dos países ricos. Nesse âmbito de mudança, os países

desenvolvidos eram objeto do impulso do processo e o Brasil ainda fazia sua tardia

consolidação de uma sociedade de mercado, sua revolução burguesa1, como já

destacamos.

A pós-moderna sociedade burguesa que surge no século XXI não acabou com

o antagonismo de classes. Tornou-se complexa e mudou suas estratégias, surgindo

1 A revolução burguesa, neste ponto, toma o sentido de ausência. Não houve a união dos burgueses com a classe operária. Para Florestan Fernandes, no Brasil a hegemonia ocorreu sob a direção da oligarquia e da burguesia, sem espaço de participação decisória no processo de mudanças nacionais. Octávio Ianni atualiza suas reflexões para concluir “que com o globalismo, quando o capitalismo ingressa um novo ciclo de expansão mundial é que a revolução burguesa ingressa também em um novo ciclo, também global. Aos poucos, todo mundo... Está em curso, portanto, um novo ciclo de revolução burguesa em escala mundial”.

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formas de exploração e de lutas. Se na Idade Antiga e na Idade Média se colocavam

os escravos e os servos em posição muito subalterna diante da ameaça do uso do

direito da força, os burgueses revolucionaram a história, ao introduzirem o

instrumento de igualdade formal no contrato de trabalho, sendo condição necessária

para uma evolução progressiva até o esgotamento do desenvolvimento das forças

produtivas, quando estariam criadas as condições objetivas para a passagem a um

novo regime, segundo Marx já percebera no século XIX. A dinâmica do tempo é que

faz essa realidade tomar novas formas.

A importância da geopolítica do poder no mundo não pode ser minimizada, por

mais valorizadas que sejam as iniciativas tentadas no plano nacional. Vivemos a

fase das corporações, da globalização, da sociedade do conhecimento, do

multiculturalismo. Qualquer nomenclatura com a correspondente semântica

reconhecerá nas relações internacionais um ponto de grande complexidade. Há uma

interdependência das nações, agora de outra forma.

Vive-se um contexto internacional em que as nações se desentendem sobre

política, religião, economia; e os organismos internacionais são impotentes na

mediação destas relações. Ao pensar as políticas sociais brasileiras, não se pode

desconhecer este agravamento inicial. A arena internacional é árida. A Organização

das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco

Mundial têm pouca efetividade no cumprimento de suas funções, quando conflitos

são deflagrados, crises geradas ou grandes dramas coletivos estão a requerer ação

conjunta inter-países.

Assim, abriu-se o terreno fértil para o surgimento de um fenômeno do

capitalismo atual, que são as corporações. Aqueles órgãos tradicionais são

instituições a ser repensadas, restando claro o esgotamento das funções originárias

das Conferências de Bretton Woods, realizadas em julho de 1994, quando EUA e

mais 44 países acordaram regras para relações comerciais e financiamento dos

Estados mais industrializados. Deste acordo surge o FMI.

Passado mais de meio século, crescentes necessidades históricas estão a

exigir novos mecanismos internacionais capazes de mediação à altura dos desafios

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sempre mais complexos. Isso em razão do fato de que o quadro de cidadania

também é objeto de ajuste, embora na essência continue a indicar a participação na

sociedade dividida em classes, conquanto essa diversidade seja também cultural:

religião, etnia, migração e outros fatores que interessem no pacto civilizatório da

nova sociedade.

A humanidade surpreendeu-se com o entrechoque dos fundamentalismos

manifestos em 11 de setembro de 20012; atordoou-se com as recentes crises de

2008 e 2011; a primeira iniciando-se pelos Estados Unidos e contaminando o

mundo; a segunda atingindo a Europa e, de alguma maneira, tendo alcance

internacional. Estes eventos são cruelmente pedagógicos, ao desnudarem a

fragilidade política de um sistema onde a economia parece ser mais virtual do que

real, onde seguramente a financeirização castra a produção e os postos de trabalho.

O capitalismo financeiro se faz claramente dominante.

Ainda há fome e desperdício, carências no campo de segurança alimentar e

abundância de superficialidades.

O processo de formação da sociedade brasileira teve a presença constante de

um grau de autoritarismo continuado até os dias de hoje (CHAUÍ, 2001). A simbiose

entre o setor público e privado mediou nocivamente a relação entre eles (FAORO,

2010) e, ainda, possuímos uma elite empresarial incapaz de encetar junto com

outros setores a clássica revolução burguesa nacional (IANNI, 1994). O resultado

desta longa caminhada de mais de cinco séculos é um dívida social agigantada e

uma cidadania entre esperançosa e aturdida, limitada momentaneamente

(CARVALHO, 2001).

As revoluções e as reformas promovem grandes mudanças e a cultura, pode

consolidá-las, o que, no campo jurídico social, significa (re) contratação entre o Povo

e o Estado. No caso brasileiro, as tentativas empenhadas pela esquerda, sejam pela

via revolucionária ou das reformas, nunca se efetivaram em plenitude. Nem o

2 11 de setembro de 2001 – o ataque suicida assumido pela Al-Qaeda atingindo duas torres do Word Trade Center e a tentativa de alvejar o Pentágono significou a exposição de um fundamentalismo econômico com um fundamentalismo religioso. Ver mais em Fundamentalismo, de Leonardo Boff.

Page 25: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

24

socialismo, nem as reformas de base estiveram nem visitaram a antessala da vitória.

Mesmo nos últimos governos civis, não se implantaram as reformas progressistas3

defendidas até 1964; ainda que se reconheçam, na atualidade, avanços na

democratização do Estado e avanços sociais.

No caso brasileiro, é a Constituição da República Federativa do Brasil, com

vigência em 05 de outubro de 1988 para onde convergiram mobilizações, propostas,

debates, para ao final, se dotar o país de uma constituição a que Ulisses Guimarães

chamou de cidadã por conter uma gama de direitos sociais típicas dos Estados de

Bem-Estar Social. E foi lá que a pressão da sociedade cível brasileira chegou firme e

fez surgir outra realidade.

O direito à segurança alimentar e nutricional, fonte de inspiração prioritária dos

programas sociais do governo Lula está, pois, incluso no direito ao exercício da

cidadania. A erradicação da pobreza e da marginalização e a diminuição das

desigualdades regionais constituem objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil. A Constituição impõe a adoção de políticas sociais que fortaleçam este

exercício. Os direitos sociais têm este status constitucional e, portanto, devem ser

observados e cumpridos por todos.

Chegar-se a este estatuto político legislado não foi um caminho de linha reta. O

processo histórico comporta muitas lutas, manifestações da cidadania4.

Recuperando os traços básicos do cenário político-social do processo constituinte de

1987-1988, podemos observar o ambiente de experimentos de planos econômicos e

de lutas sociais.

3 Reformas progressistas – de certa forma significa a retomada atualizada e em parte das reformas de base de 1964. Lula, mesmo na Carta aos Brasileiros, elencou as reformas agrária, tributária, previdenciária, entre outras. A simples enumeração apenas indica um rumo genérico. A reforma agrária, na ótica dos movimentos sociais e da esquerda partidária, é concessão de crédito, orientação técnica e terra boa para o plantio. A reforma tributária seria regulamentar o que está na constituição: imposto de renda progressivo, imposto sobre as grandes fortunas, sobre heranças e etc.

4 Cidadania – acompanhamos o delineamento de José Murilo de Carvalho entendendo o termo como o exercício pleno dos direitos políticos, civis e sociais. O termo também é expressamente fundamento da República Federativa do Brasil, ao lado da soberania, dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político (alíneas do art.1° da Constituição atual).

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25

Todos os governos civis recentes, especialmente os dois mandatos de Lula,

contribuíram para diminuir a desigualdade social brasileira no rumo da erradicação

da miséria e diminuição das desigualdades regionais. Os efeitos em cada governo é

que diferem na forma e no conteúdo em contribuições variadas para a formação da

cidadania.

Compreendemos, assim, o que se nos apresenta agora como síntese vitoriosa,

em parte, deste período em que os trabalhadores entraram em evidência e a fome

foi retirada de sua invisibilidade para se imiscuir na agenda pública de agora em

diante atendendo a um recado constituinte. Recentemente o direito à alimentação foi

alçado à condição de um dos direitos sociais instituído pela Emenda Constitucional

de n° 64, de 2010.

A erradicação da fome e da extrema pobreza como compromisso programático

dos constituintes de 1988 é a precondição para o ingresso no exercício de todos os

direitos inerentes à condição humana.

Com efeito, vale ressaltar uma observação abalizada do criador da

Superintendência do Desenvolvimento Econômico do Nordeste (SUDENE). Com a

saúde já debilitada, Celso Furtado, em correspondência dirigida ao Presidente Lula,

referindo-se aos primeiros passos afirmativos no rumo da RBC5 aprovando esta

iniciativa inovadora em relação a de outros presidentes, diz que:

Neste momento em que Vossa Excelência sanciona a Lei da Renda Básica de Cidadania quero expressar-lhe minha convicção de que, com essa medida, nosso país se coloca na vanguarda daqueles que lutam pela construção de uma sociedade mais solidária. (SUPLICY, 2006, p. 118).

Convencido de que as políticas sociais do governo Lula, onde se insere o

direito à alimentação como direito da cidadania, tem condicionamentos históricos,

culturais e políticos no processo constituinte, recuperaremos criticamente estes

condicionamentos expressos em iniciativas de agentes políticos distintos para trazer

luz à defesa desse argumento.

5 Renda Básica da Cidadania (RBC) – É um instrumento de garantia do mínimo essencial à

manutenção de qualquer ser humano. É um quantun monetário pago a todos residentes em uma região. O poder público como que garante o direito de todos participarem, nem que seja minimamente, da riqueza produzida em determinados territórios.

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26

2.1 A Constituinte Brasileira (1987-1988) e seu entorno

Não é por mera curiosidade que se deve procurar estabelecer com precisão qual foi o momento histórico em que surgiram as Constituições. Bem longe disso, o esclarecimento desse ponto é fundamental para que se possa conhecer o verdadeiro significado da Constituição, bem como para que se possa fixar com precisão qual sua origem, sua natureza e sua finalidade, como também se possa avaliar a legitimidade de uma Constituição. (DALLARI, 2010, p. 5).

Um processo constituinte, em si, já encerra um significado histórico de grande

monta para toda e qualquer sociedade. No caso brasileiro, além de coroar o

processo de redemocratização dotando o País de um arcabouço jurídico que

definitivamente sepultava o regime militar, também expressou o momento de grande

ebulição dos movimentos sociais.

Este contexto permitiu formular uma Constituição das mais avançadas do

mundo no plano dos direitos sociais, além dos direitos individuais e coletivos; um

texto inicial que, em seu conjunto, projeta um desenho social-democrata de

sociedade. Para destacar um só exemplo, vejamos o capítulo da Seguridade Social

que privilegia um sistema protetivo sólido. Previdência, assistência e saúde se

estabelecem como um sistema integrado, com detalhamento de financiamento e

operacionalidade sofisticados e suficientes. Este ponto, pela importância que

assume na relação com o objeto de estudo, será cotejado com profundidade em

capítulo à frente.

Qual o caminho, porém, que edificou a constituição cidadã e, logo após, em

clara oposição programática, se materializaram tantas alterações contrárias aos

princípios constituintes originários?

1964 foi o marco da interrupção de uma tentativa de reformas profundas,

sufocadas pelas contra-reformas instaladas com uma ação contundente e eficaz de

um bloco conservador e articulado que levou consigo setores da classe média, a

Igreja Católica e o empresariado (DREIFFUS, 1998). A ditadura militar se estabelece

para impor essa reação.

Page 28: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

27

O bloco das esquerdas não tinha no enraizamento popular uma “sintonia fina”

capaz de implantar as reformas de base: tampouco capacidade de resistir, de

imediato e massivamente, ao golpe de Estado. É com certa ironia triste que se

constatará que, embora a população fizesse caminhadas e passeatas cantando

Geraldo Vandré, muitos gostavam também de dar uma voltinha no calhambeque de

Roberto Carlos (REIS FILHO, 2000, p. 80). Nem reformas de base, nem revolução,

mas luta generosa de poucos grupos que resistiram, pagando com exílio, tortura e a

própria vida pelo direito de lutar no que acreditavam.

Os processos de mudança social avançam muito rapidamente quando ocorre

uma revolução como as da Rússia e China, tomadas como exemplos, no entanto,

mudanças acontecem num ritmo diferenciado, mais lento, quando se dão pela via

das reformas.

O mais eloquente exemplo foi o Estado de Bem-Estar-Social em determinado

período, conquistado notadamente por alguns países europeus; sem revolução, mas

com grandes e, por vezes, prolongadas lutas. Havendo grandes mudanças (por um

processo revolucionário, ou por um processo reformista), em regra, se constroi, em

determinado momento, um novo pacto de convivência, materializado numa

Constituição.

O século XX foi palco da consolidação do Estado de Direito Moderno. Vários

países consagraram textualmente os avanços materializados numa economia com

correspondência de garantia de direitos, proteção social enfim aquilo que se pode

caracterizar como cidadania. A questão aqui é se continuamos, no Brasil, avançando

passada uma década do século XXI.

Santos (2001) defende a idéia de que, mesmo em estádio avançado, a

promessa de modernidade está longe de ser alcançada em plenitude. O homem,

como cidadão universal, não obteve sua plena emancipação e continua a persegui-

la. Já Forrester (1997) contextualiza que o homem se mantém preso aos seus

medos, embora hoje estes se configurem no desemprego, exclusão e desamparo.

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28

O Brasil concluiu sua redemocratização com o término do trabalho dos

constituintes de 1987/1988. Não foram pequenas as alterações e as inovações. A

nova Carta, como já anotamos, configurou um esboço institucional de uma futura

socialdemocracia à brasileira. Pareciam estar presentes as condições reais para

mudanças no essencial da vida do povo nas questões como saúde, emprego,

educação, seguridade social.

Em outras palavras, indagamos se houve perspectivas seguras de mudanças

com o esgotamento de um modelo de desenvolvimento, mesmo sem ter havido o

processo revolucionário tradicional, para estabelecer um novo pacto civilizatório,

como indicado no processo constituinte brasileiro de l987/1988. A razão deste

questionamento é justamente a agitação social que antecedeu a Constituinte e a

desmobilização a que se seguiu.

A despeito do conteúdo da Lei Maior privilegiar um inédito conjunto de direitos

individuais, coletivos e sociais, a prática é outra realidade. No capítulo da

Seguridade Social, não houve uma efetivação plena do explicitado pelos

constituintes. Grande parte do ideário original foi desfigurado, alterado por valores

de legitimidade menores do que os primitivos. A globalização neoliberal6 que

campeava alhures fez do combate no âmbito legislativo, e na sociedade em geral,

um intensivo instrumento de desconstituição de um ideário recém-

constitucionalizado. A justificativa era de que a efetivação desses direitos era por

demais onerosa aos cofres públicos.

O próprio presidente Sarney abriu a contraofensiva, numa atitude

surpreendente, para quem formalmente convocou a Assembleia Constituinte,

atacando de pronto o essencial nela contido, com isso, iniciando e sinalizando que

os donos do poder não respeitariam regras nem o resultado momentâneo de um

novo jogo político-institucional

6 A Globalização neoliberal – forma tomada pelo capitalismo, com ares mundiais. As nações são diminuídas em sua soberania, já que o Estado é, em parte, submetido aos interesses de corporações ou potências dominantes. A conseqüência é que, nestas condições, com o Estado como que capturados, as políticas sociais são reduzidas, focalizadas ou até mesmo privatizadas. O fundo público é distribuído desigualmente, em favor do capital.

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29

O período de 1992 a 2002 foi de anos seguidos de violação aos princípios,

preceitos7 e normas que a todos deveriam orientar, tendo como único parâmetro de

contrição a razoabilidade e o bom senso na velocidade de implementação e

regulamentação do longo e inédito texto da Carta Magna. Estes parâmetros

constitucionais foram desobedecidos. Os banqueiros desfizeram toda a elaboração

relativa ao sistema financeiro, incluindo o tópico limitador dos juros reais em 12% ao

ano8. Os trabalhadores ficaram sem ter a proteção ao trabalho regulamentada e,

assim, restaram desprotegidos. A banca privada seria desbloqueada para o

prosseguimento de obter sempre lucros maiores e ganhá-los sem descontinuidade.

O impacto do neoliberalismo no Brasil se torna particularmente grave, por

sermos uma sociedade desconhecedora do Estado do Bem-Estar, do ponto de vista

da realidade econômica e social. Desta forma, o dito impacto neoliberal, segundo

Sposati (2002, p. 35),

[...] não ocorre nem pelo desmanche social, nem pela redução dos gastos sociais. Essas sociedades não vivem como já afirmado, o pacto do Welfare State fundado no modelo keynesiano. Assim, enfrentava-se um grande dilema, discutir sobre a economia, participação popular, direitos do cidadão em meio ao grande avanço neoliberal e sem que o Brasil tenha conhecido um contrato social alargado, mas sim Estados ditatoriais.

Quem se apropriaria do orçamento, agora, com dinâmica aberta e

possibilitadora do acompanhamento popular à sua execução? A condução da

política econômica obedece a que interesses? Aqui está a contradição do processo.

Conquanto apareça na Constituinte um Estado de Bem-Estar Social, a baixa

cidadania, esta dinâmica da participação, da pressão dos grupos organizados, não

faz com que a inclusão apareça por si mesma. A expressão formal não se torna vida

real na existência de cidadãos.

7 Violações visíveis ao texto constitucional: de 1992 a 2002, com a constituição por 39 vezes, o que denota o ímpeto de aos poucos, mas com velocidade, alterar continuamente a vontade dos constituintes originários.

8 Juros Reais de 12% ao ano – o artigo 192, da CF foi alterado pela emenda n° 40, em 2003, portanto, já no governo Lula. Foram revogadas as alíneas I a VIII, o caput do art. 192. Isto ocorreu, em 2003, em pleno governo Lula. Veja-se o vácuo legislativo e a quem beneficia. DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003).

Page 31: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

30

Historicamente a evolução dos indicadores econômicos e sociais mostra, em

números contundentes, o estabelecimento de uma potência econômica montada

num assalariamento precário e, mais grave, numa exclusão social gigantesca,

abrangedora dos sem-teto, sem-educação, sem-previdência social, enfim, dos sem-

cidadania, preservando uma sociedade ainda tradicional. Destaque-se nessa

correlação de forças, o fato de que o setor financeiro foi mantido como o de maior

lucratividade continuada, a despeito de crises, processos inflacionários e planos de

estabilização.

Grandes empresários, banqueiros e latifundiários, durante 20 anos, foram

favorecidos pelos militares no poder, sobretudo no milagre brasileiro9, e este bloco

dominante manteve hegemonia folgada na condução dos negócios de Estado até a

primeira metade dos anos 1980. O combate a esta hegemonia, constituído

subterraneamente durante o regime de exceção, explodirá em movimentos sociais

nos fins dos anos 1970 e prosseguirá por toda a década seguinte, sendo o primeiro

grande caracterizador político do efetivo fortalecimento da redemocratização.

Fracassados os sucessivos planos econômicos, derrotada a grandiosa

campanha pelas “diretas já”, será o processo constituinte (1987-1988) que lhes dará

visibilidade histórica, sendo o escoadouro das carências dos deserdados históricos

do modelo de desenvolvimento palmilhado. O bloco dominante, com o setor

financeiro e latifundiário à frente, perde legitimidade e forças para dar curso às

mudanças de transição final do antigo regime e do poder tutelado pelos militares. É

grande a pressão social por participação política, partilha da riqueza, do poder e do

saber. Estavam dadas as condições políticas para uma nova contratação social que

retratasse com fidelidade a nova correlação de forças políticas emergentes.

A dinâmica de nossa economia não correspondia ao movimento constitucional;

ao contrário, era um obstáculo. Havia uma pedra no meio do caminho, de remoção

difícil como veremos a seguir. Tão acostumados estávamos à desarrumação do

mercado e à ausência de planejamento que setores da esquerda brasileira não

9 “Milagre Brasileiro” – De 1969 a 1973 o Brasil atingiu uma velocidade tal de crescimento que o projetou no cenário mundial. Eram “anos de chumbo” onde alguns morriam e outros compravam televisores e carros. O avanço do crescimento se deu nos moldes da concentração da renda e aumento da pobreza.

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perceberam de pronto a implementação de uma nova agenda política para o País, a

partir do Plano Real, em 1994. Esta nova agenda comportaria reforma na

Administração Pública, na previdência social, na economia e nas relações

internacionais. Foi o momento da desregulamentação, do neoliberalismo, onde se

estava introduzindo um elemento do mercado - a competitividade. A força

empresarial-financeira e latifundiária transmudada de modernismo voltava à cena

com grande protagonismo.

2.2 O imbróglio inflacionário de longa duração e o plano real

Como Ministro da Fazenda do governo do presidente Itamar Franco Fernando

Henrique Cardoso coordenou uma equipe de economistas que criariam o Plano

Real. Assim Fernando Henrique se apresenta como coautor de um plano cheio de

novidades para a cultura política brasileira e que o ajudará enormemente a ser eleito

presidente em 1994. O significado desse momento para a revolução burguesa

brasileira era a possibilidade do planejamento, pois sem moeda não há como

planejar o lucro.

A sociedade brasileira teve uma convivência secular até o advento do Plano

Real (1994) com dois fenômenos perversos ao povo: a tendência à alta de preços

por uma moeda corroída pela ausência de moeda (inflação) e o privilegiamento

continuado do setor empresarial-financeiro em detrimento de todos os demais, pois

poderia proteger seus patrimônios associando-se aos bancos e obtendo

lucratividade perene e garantia ao longo de nossa história. A inflação foi debelada

como consequência mais imediata do Plano Real, mas os bancos continuam num

ritmo ininterrupto de lucros exorbitantes. Era realmente perverso para os

assalariados e os pobres.

No final dos anos 1990, pelos procedimentos de privatizações e fusões, se

produziu uma reestruturação produtiva10 que se mostrou cruel, pelo menos em

10

Reestruturação produtiva – é um típico fenômeno da era da globalização. O objetivo das empresas é serem mais competitivas, terem a maior produtividade com os menores custos. Ela se bifurca em Inovação Tecnológica e Inovação Organizacional. A reestruturação produtiva é um sucedâneo aos modelos fordista e taylorista. Começou a se desenvolver no Ocidente a partir dos anos 70, tendo como paradigma o modelo Toyotista,desenvolvido no Japão.

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32

alguns setores, como os bancários, que despencaram de 950.000 (1989) para

440.00 postos de trabalho (2009). Na disputa pela apropriação da riqueza sem a

correspondente efetiva produção, os salários dos trabalhadores sempre perderam

desmesuradamente poder de compra e, mesmo o setor empresarial da produção

real, lucrou menos do que a banca privada tradicional (POCHMANN, 2008).

Quando a inflação alta se alia a juros também altos, cresce o drama dos

assalariados e despossuídos, em geral, e se encurta o alcance do investimento

produtivo num ciclo retroaliamentador da pobreza e do desemprego só

recentemente em parte alterado. Em suma, a inflação descontrolada impede

qualquer planejamento nacional, prejudicando sempre mais a classe trabalhadora e

atingindo de maneira mais cruel os mais sofridos, os inteiramente excluídos do

próprio sistema de assalariamento formal (DOWBOR, 2008).

Até o lançamento do plano de estabilidade econômico-financeiro, em 1994, os

períodos de variação acelerada dos preços têm prevalecido sobre os de inflação

moderada, sobretudo nos últimos 50 anos. O rentismo – acompanhante, no caso

brasileiro, da alta inflacionária – distorce o fenômeno da produção capitalista

tradicional, porque induz ao ganho sem trabalho e sem trabalhadores.

No Brasil, os episódios históricos de inflação comedida eram anteriores à

Segunda Grande Guerra. De lá para cá, o País viveu épocas de inflação galopante e

na transição dos anos 1980 esteve bem próximo de uma hiperinflação. Com

pequenas variações de intensidade, durante todo este tempo, a dívida social foi se

acumulando (SECURATO, 2007).

No início da década de 1980, a inflação brasileira, pela primeira vez desde o

segundo pós-guerra, situou-se na faixa dos três dígitos, mantendo-se acima de

100%. Já no triênio 1983-1985 superou a taxa anual de 200% e, no início de 1986,

caminhava para 300%. Instalou-se na economia do País, sob sustentação e

alimentação da correção monetária generalizada, um processo inercial de inflação. A

inflação passada se reproduzia no presente, animando um movimento ascendente

repetido de alta de preços. As expectativas dos agentes econômicos levaram à

adoção de indexadores contratuais e à remarcação de preços, sobretudo em

Page 34: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

33

mercados imperfeitamente competitivos. A inflação inercial toma corpo e

consistência e perdura até um pouco além do fim do regime militar (SECURATO,

2007).

O Plano Cruzado, portanto, foi um marco nessa tardia revolução burguesa,

completando a introdução da competitividade que o presidente Collor de Mello

iniciou, mas será logo interrompida, com o impeachment do indigitado Presidente.

Esse roteiro pode ser relatado com base nos impactos gerados.

Em 1986, com o Plano Cruzado reverteram-se temporariamente as

expectativas inflacionárias. A inflação recuou para níveis próximos de zero,

quebrando-se o ímpeto inercial. Com os preços congelados e os ativos financeiros

quase monetários desindexados, ocorreu intensa monetização, ampliando-se as

pressões sobre o setor real da economia. A procura por todas as categorias de bens

e serviços, de consumo e de produção, tornou-se exagerada e desproporcional à

oferta. O congelamento levou à explosão do consumo e ao desestímulo à poupança.

Mais uma tentativa fracassara, contribuindo para um ânimo social de descrença e

quase desespero em face o dragão inflacionário e de suas mazelas congênitas e

quase onipresentes (Id., Ibid.).

Em 20 de janeiro de 1987, o Ministro Dílson Funaro suspende o pagamento

dos juros da dívida externa, ou seja, a moratória é declarada. O País se desequilibra

ainda mais e Luís Carlos Bresser Pereira, economista, professor e empresário

assume o Ministério da Fazenda. Em julho de 1987, a inflação chega a 26%.

O governo Sarney adota um novo plano econômico, extinguindo o “gatilho”

salarial, congelando os preços por dois meses e promovendo elevação de tarifas e

impostos. O Brasil voltou a pagar seus compromissos com os credores

internacionais. Estas medidas não impediram uma nova explosão inflacionária, já

que a inflação de dezembro daquele ano chega a 14,14%. Bresser é substituído por

Mailson da Nóbrega, que o sucede, lançando o Plano Verão. Sua gestão, sem

iniciativas criativas, ficou conhecida como “feijão com arroz”. Ainda assim, ao final de

1988, a inflação mensal se aproximou de 30% ao mês. Um novo plano econômico

Page 35: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

34

restabeleceu o congelamento de preço e o governo só gastaria o que arrecadasse,

ou seja, o velho arrocho fiscal liberal.

Collor editará, em rápido lapso, dois planos. O Plano Collor inicial causou

espanto e frustração social. O bloqueio de 85 bilhões de dólares era o centro lógico

das ações. A derrubada da inflação de novo não é obtida, de forma duradoura, e se

chega a dezembro de 1990 com 18,3%. O diplomata Marcílio Marques Moreira

administra o pouco tempo restante no mandato presidencial com uma política

claramente recessionista, pois o ataque à inflação veio pela elevação dos juros.

Assim, os trabalhadores que haviam perdido a inflação de fevereiro de 1989,

desconsiderada pelo Plano Collor, agora perdem massivamente postos de trabalho.

Embora de curta duração, a gestão Itamar Franco procurou construir um

governo de coalizão, sendo que o PT de pronto se recusou. Foi neste período que O

PT e o movimento Ação da Cidadania apresentaram o Plano Nacional de Segurança

Alimentar (PNSA). Itamar o acolheu, instalou o Conselho Nacional de Segurança

Alimentar (CONSEA) bem como indicou o bispo de Nova Iguaçu, Dom Mauro Morelli

e Herbert de Souza, o Betinho, como responsáveis pela coordenação dos trabalhos.

A elaboração do primeiro Plano teve participação decisiva do PT e do Instituto de

Cidadania, mas as figuras públicas do Betinho e Dom Mauro Morelli convinham para

um movimento amplo e suprapartidário como será pretendido (INSTITUTO DA

CIDADANIA, 2001).

O governo de Fernando Henrique não deu sequência a esta elaboração

coletiva em torno do combate à fome e à miséria com o protagonismo de muitos

cidadãos e entidades. Outra seria a escolha, e a criação do Plano Real, seguido de

ampla reforma nas instituições monetárias do País a partir do segundo semestre de

1994, se transformou no mais bem-sucedido programa de estabilização dos preços

no Brasil. O País parecia tentar trilhar o caminho inverso daquele que quase o

desconstruiu como projeto nacional. Esta substituição regenerativa do padrão

monetário foi complementada por um conjunto de medidas que garantiriam a

estabilização dos preços em reais. Viriam, ainda, a reforma administrativa e as

privatizações que completariam o núcleo político-administrativo comandado por

Fernando Henrique.

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35

Alguns destes planos de estabilização da economia seriam objetos de

contestação jurídica da parte de assalariados em geral, mas, para a edição de cada

um deles a reação popular imediata foi diferenciada, variando do aplauso, da

participação, da aceitação crítica ao desencanto e à descrença em relação a eles.

Ironia da realidade: nenhum dos governos civis posteriores ao fim da ditadura

militar e anteriores a 2002, que apresentaram planos econômicos, seriam todos

planos essencialmente de controle inflacionário e de controle das contas públicas e

pontos outros. Não seria projeto para o País a partir do descortino da democracia

brasileira. A administração de seu curso, contudo, terá graves efeitos colaterais: a

explosão do endividamento e a fragilização do Estado comprometeram o futuro das

políticas públicas a ser executadas.

Só muito recentemente, conhecemos o planejamento nos moldes

constitucionais atuais. Há expressa abertura para participação nos planos

plurianuais (PPAs), nas Leis de Diretrizes Orçamentária (LDO) e Orçamentárias

(LO). A existência desta possibilidade não significa que a participação política venha

se dando com eficácia. Há um longo caminho a percorrer para que a experiência

nestes planejamentos orçamentários possa ser comparada com a bem-sucedida

experiência de orçamento participativo que se firmou em algumas capitais

brasileiras. O exemplo mais demorado é o de Porto Alegre.

O Brasil foi o país que mais cresceu em 100 anos (1880-1980). Havia áreas

econômico-geográficas possibilitadoras de crescimento, que se deu nos moldes

conhecidos: com a concentração de renda, inflação alta, urbanização acelerada,

diferenças regionais enormes, baixa escolaridade e a sempre crescente exclusão

social. O capitalismo industrial se transformaria em capitalismo financeiro, que

necessita de menor número de fábricas e muito menor quantidade de trabalhadores.

A expansão capitalista atual é mais complexa do que a do período de

industrialização brasileira (POCHMANN, 2008).

Inferimos, pelo exposto, que a inflação e o privilegiamento dos bancos

contribuíram para as distorções do crescimento brasileiro. A inflação foi atacada com

Page 37: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

36

sucesso, já os bancos continuaram seu empreendimento de lucratividade alta e

permanente.

Estão expressos desafios que somente se enfrentam com ações políticas

consistentes. Além da mobilização, da pressão, é necessário o domínio prático do

curso das políticas. Nos últimos anos, esta qualidade de mobilização se tornou uma

ferramenta imprescindível em face de notória incapacidade de se confiar

integralmente na divulgação de fatos e opinião da mídia impressa, falada e

televisiva.

2.3 As lutas sociais

A redemocratização do País abriu um espaço de reação ao modelo de

desenvolvimento que se extenuara e inicia-se um fenômeno de formação de uma

efetiva sociedade de mercado e, portanto, sociedade de consumidores em larga

escala.

O final da década de 1970 e todo o decênio seguinte serão intensos, ricos e

agitados como expressão política da sociedade civil. Registram-se o retorno dos

exilados, o movimento contra a carestia, a luta contra a política de arrocho salarial, a

formação e o fortalecimento das CEBs, a retomada da atuação sindical combativa, a

atuação contundente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a profusa imprensa

alternativa de grupos e partidos de esquerda, a legalização dos partidos comunistas,

a fundação do PT e a fundação da Central Única dos Trabalhadores; mobilizações,

greves, debates, propostas e confrontos sócio- políticos numa circunstância tal que a

ordem antiga parecia ser sepultada para dar lugar a um novo projeto em elaboração

por muitas cabeças e mãos.

Este sentimento de poder de avanço das classes populares obteve um ganho

extraordinário na consolidação do Texto Constitucional que o Partido dos

Trabalhadores se recusou a assinar. Este fato é um exemplo da pouca percepção da

correlação de forças políticas na sociedade, bem como de descaso, naquela

circunstância, com o valor das conquistas constitucionalizadas nos anos de 1980. O

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37

ambiente da guerra fria, em que direita e esquerda eram nítidas, estava presente no

dia a dia da política brasileira.

Os trabalhadores e seus aliados não lograram êxito na apresentação pública

sustentada politicamente por um projeto conformador da trajetória percorrida e a

percorrer. Tampouco tiveram forças para deter o contra-ataque em várias frentes do

neoliberalismo brasileiro: nas eleições, na disputa de opinião pública, na disputa de

projeto. As esquerdas cresciam fatiadamente, disputando palmo a palmo propostas

conjunturais e estruturais; o bloco dominante se dividia em inúmeras questões,

porém quase sempre se unia no que fosse embate com as esquerdas. Assim, as

esquerdas, em seu conjunto, não conseguiram sintetizar um projeto global e, mesmo

em questões conjunturais, pesava a necessidade de afirmação partidária e

conquista de militantes para cada agremiação específica.

Nos anos 1990, os neoliberais voltam a atacar para desfigurar o caminho

constituído. Este ânimo afirmativo de cada organismo político ajudaria a retardar

uma formação unitária de projeto nacional e facilitaria o controle do Congresso

Nacional pelo PSDB e PFL, propiciando um trânsito rápido das propostas de reduzir

a atuação do Estado, privatização em larga escala, políticas sociais compensatórias

e uma inserção subalterna na economia internacional.

O Presidente Collor confiscou temporariamente a poupança de milhares de

brasileiros, patrocinou a indiscriminada abertura do comércio, privatizou; isolou-se

do Congresso e o descobrimento de grossa corrupção o levou ao impeachment.

Quase inexistiu, neste período, algo que possa ser chamado de política social.

Destacamos os dois governos de Fernando Henrique, nos termos referidos

anteriormente, pela sua permanência, duração e pela qualidade de iniciativas

tomadas na óptica do projeto implantado do País, além das fugazes e passagens de

Fernando Collor de Mello e Itamar Franco. Com o último, se editou o Plano Real –

marco definitivo na economia brasileira, no combate à histórica renitente alta

inflacionária.

Page 39: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

38

É fato ter havido lutas nacionais contra o desemprego, contra as privatizações

e denúncias de corrupção e até mesmo à condução da reeleição. Estas lutas,

contudo, se davam em um ambiente hegemonizado pelo ideário neoliberal

fortalecido. Outra era a conjuntura, a de 1990.

Analisando o estádio das políticas públicas brasileiras e das instituições

atuando na plena legalidade, W. Santos (2003, p. 43) vaticina

A insegurança social decorre basicamente da mutilação a que a Constituição foi submetida. Universalizar o usufruto dos direitos constitucionais verticalmente, isto é, a todas as classes sociais, e horizontalmente, vale dizer, em todas regiões do país, pode muito bem ser uma bandeira política que, associada à obsessão pela criação de empregos, constitua o alfa e o ômega do que a população tem direito pelo pacto político que deseja assinar com o governo.

O neoliberalismo se mostrará mais forte ideologicamente do que na condução

econômica. Neste sentido, o incipiente ideário de emancipação político-social,

ensaiado no âmbito da redemocratização, e as vitórias consagradas na Constituição

de 88, serão abalados.

A ação política dos movimentos sociais não pode retirar a presença e a

influência do contra-ataque aos preceitos constitucionais naquilo mais diretamente

ligado à cidadania. O Congresso Nacional dará ampla e folgada maioria às

iniciativas do Executivo, sem quebra de continuidade, no período que vai de 1994 a

2002. Uma esquerda partidária pequena e atuante cumprirá o papel de resistência,

denúncia e semente de outras propostas políticas.

No Brasil, esta contra-ofensiva se mostrará mais claramente a partir do fatídico

ano 1989, com o simbolismo da queda do Muro de Berlim e a eleição presidencial de

Fernando Collor de Mello - episódios que serão apropriados e desdobrados pelos

conservadores locais atrasados em sua política comparativamente a outros países

com um curso neoliberal avançado.

Os empréstimos de organismos internacionais como o Fundo Monetário

Internacional e o Banco Mundial expressamente eram condicionados à adoção de

reforma administrativa, abertura indiscriminada dos mercados, privatização ampla e

Page 40: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

39

outros similares, que terão acolhida disciplinada pelos governos brasileiros de Collor,

Itamar e Fernando Henrique.

Os movimentos sociais, ante esta nova contraofensiva patronal, clara e

propositiva, mudam de tática e, por vezes, são constrangidos a recuar. Em vez de

lutas por novos e melhores empregos, por maiores salários, a orientação e o

comportamento concretos serão de luta pela manutenção dos empregos. A

terceirização grassa, dificultando ainda mais o trabalho dos dirigentes sindicais. Os

teólogos da libertação inspiradores das CEBs perdem espaço fora e dentro da Igreja

Católica. Intelectuais se afastam das organizações dos trabalhadores e se

aproximam do governo Fernando Henrique Cardoso.

A reestruturação produtiva, a desregulamentação do mercado, as

privatizações, enfim, o ideário neoliberal será alavancado com o poder de iniciativas

e prestígio político do Presidente, que o usa abrindo pouco espaço de interlocução

com os movimentos sociais.

Esta nova etapa contará com maioria ampla no Congresso Nacional e uma

imprensa que guardava alguma identidade com o intelectual no poder; enfim, tudo

isso jogava os trabalhadores num grande momento de descenso em suas

formulações e lutas sociais imediatas, numa desconstrução parcial do caminho

percorrido nas duas décadas imediatamente passadas.

A ligação entre as lutas imediatas a um projeto nacional encontrou muitos

óbices concretos. A Constituição foi alvo de fogo cerrado. No âmbito dos sindicatos,

os anos 1980 foram de muitas greves, algumas localizadas na produção industrial

(metalúrgicos), nos bancos, na Administração Pública e nos sindicatos rurais. Nesse

período, as greves eram de 4000 por ano; ao final dos aos 1990 eram 400, ou seja,

apenas 10% (POCHMANN, 2008).

O móvel maior das paralisações eram questões de natureza salarial, quase

sempre por ocasião das datas-base. Invariavelmente, era o índice econômico a

cláusula estratégica para o fechamento dos acordos. Pontos de interesse público

constavam das pautas, porém nestas questões havia mais retórica do que pressão

Page 41: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

40

político-sindical. Este comportamento é válido inclusive para as grandes máquinas

sindicais da CUT (bancários, petroleiros, metalúrgicos, professores e trabalhadores

rurais). O novo sindicalismo era de fato combativo, como as estatísticas do

DIEESE11 atestam, sem, contudo, alcançar a politização dos anos 1960 a 196412.

O período de resistência (1990-2002), malgrado o recuo nas mobilizações

tradicionais, foi um momento de utilização criativa de outro instrumental de ação

política. Numa palavra: novos mecanismos de ação surgem. Os fóruns sociais

mundiais se constituem, a economia solidária se apresenta na CUT e em outras

instâncias, instalam-se governos de cunho popular na América Latina, prossegue a

luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cresce a produção

crítica de muitas organizações não governamentais (ONGs), as questões ecológicas

ganham maior dimensão e prestígio; enfim, há uma incipiente cultura política

desabrochando. Diminui o constrangimento impingido às esquerdas, aos

movimentos sociais e à cidadania no Brasil e na América Latina. Mesmo com pouca

visibilidade, nascia a contraposição criativa nas esquerdas daqui e de muitos outros

países.

Não é exagero a afirmação do enfraquecimento do neoliberalismo episódio por

episódio, culminando com as grandes crises financeiras de 2008 e 2011, em que

Estados livraram bancos e empresas da falência pela via da injeção de grossos

recursos públicos.

O conjunto destas experiências acumuladas, ou seja, dinâmica inflacionária,

processo constituinte e lutas sociais não pode ser desconsiderado, quando os

cidadãos brasileiros, em 2002, elegem um ex-operário migrante nordestino para o

cargo de Presidente da República. Ter-se-á eleito um novo projeto, tendo no centro

11

Disponível em: <http://www.dieese.org.br>. Acesso em: 05 jul. 2011. 12

Politização Sindical – a concepção e a prática sindical da Centra. Única dos Trabalhadores (CUT), não única mas a maior da América Latina adota hoje a mesma concepção que a fundou em 1983. Os discursos mudaram (um pouco), a prática também (um pouco), mas o processo de formação política é muito pequeno. No período anterior ao golpe de 64 houve um processo de acirramento e, portanto, de politização social. Os sindicatos, naquele momento, agiram como órgãos políticos na excepcionalidade. Fracassaram rotundamente. Na atualidade os sindicatos, por diversas razões, perderam força e prestígio político na sociedade porque não foi capaz de acompanhar a velocidade de mudanças necessária a um sindicalismo atuante, comprometido e preparado para enfrentar desafios complexos.

Page 42: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

41

as políticas sociais de resgate da dívida acumulada e que expresse a cidadania

constitucionalizada?

Este novo centro de ação política e programática ao se tornar governamental,

terá sustentação nos movimentos sociais frente um Congresso majoritariamente

adverso a tais mudanças?

O PT, Lula e seus aliados se oporão a todo a crescente e longa exclusão social

e tentarão construir a alternativa de desenvolvimento, tendo a questão social como

eixo central. O Projeto Fome Zero, elemento programático destacado, tinha este

objetivo, daí a importância da avaliação de seu trajeto. Este projeto, já em seu

nascedouro (1992), se mostrou ambicioso e persistente. Com a denominação de I

Plano Nacional de Alimentação, foi apresentado ao Presidente Itamar Franco e em

2002 tomou contornos de um projeto com propostas emergenciais, específicas e

estruturais.

Em 2003, um novo momento histórico se abriu, não há dúvidas. É preciso,

então, observar seus movimentos iniciais, notadamente as políticas sociais. O

próximo capítulo tratará então de questões referentes à implantação do Fome Zero e

seus sucedâneos, sempre se levando em consideração a luta política a estas

questões relacionadas, seja no âmbito do Congresso Nacional, na imprensa, no

Poder Judiciário e no próprio Poder Executivo.

No discurso de posse, Lula falou em mudanças e destacou que se sentiria

realizado no dia em que todos os brasileiros pudessem ter três refeições por dia.

Este destaque, para uns, indicou a possibilidade de mudanças estruturais; para

outros, o Presidente priorizaria a questão da fome, tornando-a central para todo o

governo e para a sociedade.

Page 43: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

42

3 O PROJETO FOME ZERO (PFZ) COMO POLÍTICA PÚBLICA

TRANSFORMADORA

O maior exemplo de governança você não pega num livro, pega numa mãe. Ou seja, ela vai sempre tratar daquele filho que está mais debilitado. Ela ama a todos, mas vai cuidar mais do mais debilitado. Ele ama a todos, mas cuida mais deste. Ele não é o mais bonito, ele não é o mais inteligente, ele é o mais debilitado. Este é o espírito de mãe. Confesso que governo com este respeito de mãe. Temos de cuidar dos mais pobres. O rico não precisa de Estado. Esta é a verdade. (Palavras iniciais de Lula para o documentário argentino Brasil Lula da Silva, com acesso ao blog Luís Nassif, em 03/03/2011).

O Fome Zero continua institucionalmente como projeto-matriz ao qual se

vincula o Programa Bolsa-Família. Foi apresentado, nas eleições de 2010, como a

estrela efetiva das políticas sociais do governo Lula. O sítio do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em sua página inicial, nos

conduz de imediato ao Bolsa-Família e como que nos esconde o Fome Zero. Na

tentativa de compreender este processo, vamos investigar a caminhada real do

Projeto Fome Zero e do Programa Bolsa-Família. Para tanto, vamo-nos valer de um

corte histórico-metodológico ao reconstituir, de forma analítica, o cenário brasileiro

afeto ao tema.

3.1 Preliminares históricas e agressões à humanidade

De 1930 a 1985, o Brasil caminhou para a industrialização. No regime militar

(1964-1984), em especial, o País cresceu estimulado pelo Estado, dando incentivos

fiscais ao empresariado, concentrando a renda e excluindo grandes contingentes

humanos do exercício da cidadania plena. Era como se dizer que o País ia bem, o

povo ia mal para caracterizar essa realidade.

Nestes 55 anos, o Brasil urbanizou-se vertiginosamente. À classe média se

conferiu visão pública e acesso ao consumo. As manifestações de cidadania

aconteciam com os movimentos sociais, que cresceram e amadureceram neste

interregno histórico. O modelo era concentrador de renda. A apropriação de poucos

brasileiros favorecidos com este modelo de crescimento contrastou com as

Page 44: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

43

péssimas condições de vida da maioria do povo. Formou-se um grande passivo

social, uma herança de complexa partilha a ser resolvida pelos governos civis.

O quadro abaixo identifica a situação, com base nos primeiros anos da Era

Vargas (1930) até o final do governo Lula (2010), uma linha de tempo demonstrativa

da agenda de políticas públicas a tratar seguidamente a temática e os dramas

sociais:

Quadro 1 – Agenda das políticas públicas brasileiras Período Histórico Princípio Estruturador Efeito Pretendido

Primeira Era Vargas (1930-1945)

Integração Social e nation Building

Incorporação tutelada das massas à sociedade oligarca; a construção de uma ordem institucional que permitisse a incorporação dos novos atores à arena política

Populismo (1945-1960) Aumento da participação Submeter as políticas à lógica do mercado político; políticas como moeda de troca política;

Redistribuição Expansão organizacional do aparato público das políticas;reformas de base permitem superar o desenvolvimento social e a estagnação;socialismo ou subdesenvolvimento

Autoritarismo Burocrático (1964-1967) 1967-1973

Modernização Conservadora Crescimento sem distribuição de renda

Submeter as políticas públicas à lógica da acumulação; reformismo conservador;expansão dos complexos empresariais de provisão de bens e serviços sociais; desenvolvimento social como trickle down do crescimento

1974-1984 Redistributivismo Conservador: “Redistribution with Growth” (Banco Mundia);primado da desigualdade sobre a pobreza absoluta no debate púlico

Expansão acelerada dos complexos empresariais de provisão de bens e serviços sociais, com opção moderadamente redistributiva.

Nova República Reformismo social-democrata: universalismo, descentralização, transparência

Governo Collor Cesarismo Reformista;reformas como imperativo de governabilidade

Reestruturação ad hoc e pouco consistente das políticas: focalização, seletividade e redifinição do mix público-privado das políticas.

Governo FHC

Instituir a Boa Governança; ação pública como fixação de regras do jogo estáveis e univeralistas;primado da pobreza absoluta sobre a desigualdade no debate público.

Focalização, seletividade e redifinição do mix público-privado das políticas; políticas compensatórias dos custos sociais da estabilização.

Governo Lula A questão social como central Mix de Políticas universalistas e focalizadas

Fonte: Melo (1998). Adaptado pelo autor.

A velocidade de constituição da cidadania não é proporcional ao crescimento

econômico. Momentos houve de avanços e recuos, sendo, nas mais das vezes, um

Page 45: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

44

simulacro de cidadania. O experimento democrático da Constituição de 1946

interrompida em 1964 e, a partir de então, reprimidos os direitos elementares

constitutivos do básico da dignidade humana é um exemplo de avanços e recuos

desse processo. Vinte e dois anos após o desfecho do golpe militar, com uma nova

Constituição, o regime democrático se restabeleceu e o Estado Democrático de

Direito se constituiu como República Federativa do Brasil.

No início do século XXI, a cidadania ainda pede passagem para se realizar

como direitos civis, sociais e políticos. Os espaços democráticos pós-regime militar

ainda lidam com problemas seculares: ausência de educação de qualidade,

extensão de saúde como direito de todos e dever do Estado e, também destacada

conjunturalmente, a insegurança pública como fato simbolizante de um tecido social

tenso e frágil para resolução de conflitos. É aqui que entram os programas sociais,

como o Fome Zero e a Bolsa-família, para iniciar um processo de trazer as massas

para a política.

No tempo presente, convive-se ainda com a esperança e o medo, com

possibilidade de consolidação e aquisição de direitos, mas também com

possibilidade de travamento do curso rápido do processo social, deste alargamento

na conquista democrática. O País e seus concidadãos parecem experimentar uma

encruzilhada histórica. Questões básicas da cidadania não foram inteiramente

resolvidas e, talvez por isso, há descrença em relação à eficácia das instituições

vigentes, embora quase não haja arautos ou saudosistas de um regime de exceção.

Nesta corda bamba se embala nossa democracia liberal, nos termos praticados na

experiência brasileira (CARVALHO, 2001).

Há nos escritos aristotélicos fundamentos que datam 300 a.C. conformadores

de uma sociedade fraterna e igualitária que nunca se realizou historicamente, com

caráter duradouro. Os avanços concretos no plano da justiça social são limitados.

Saúde, educação e trabalho decentes não alcançam milhares de brasileiros. As

instituições político-administrativas parecem públicas, sendo apenas estatais porque

têm deficit crônico de funcionamento efetivamente público. A democracia liberal, no

caso brasileiro, abriu caminhos sob controle das classes dominantes que

Page 46: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

45

historicamente exerceram seu mando, espraiando permanentemente por toda a

sociedade relações de uma cultura social autoritária (CHAUÍ, 2000).

Mercados voláteis, soberanias nacionais violadas, países com suas economias

sob constante ameaça de especuladores profissionais, tudo isso a impedir o

desenvolvimento autóctone. O capital financeiro se afirma implacável na fúria da

financeirização sem limites. Dupas (2001) se serve da expressão “estreito fio da

navalha” para designar o contexto estruturante e limitador em que se insere qualquer

país na conjuntura internacional da primeira década do século XXI.

Esse quadro dramático não tira de cena os avanços. No início do século XXI,

no entanto, o mundo inteiro – literalmente – convive ainda com progresso técnico e

desarmonia humana; com luxo e desperdício; com abundância e excesso

simultâneos à extrema pobreza e à fome. O contraste entre a performance de

desenvolvimento econômico-tecnológico e a crise ético-civilizatória levará

(OLIVEIRA, 2010, p. 152) a afirmar que: “A exigência ética suprema se deve

traduzir, hoje, na exigência de uma transformação radical de uma economia que

exclui e joga uma maioria crescente na miséria mais cruel de todos os tempos”

(BEOZZO; VOLANIN, 2010, p. 152).

3.2 Elaborações e lutas: a proteção social brasileira

O direito à segurança alimentar e o direito à erradicação da miséria tem raízes

na Constituinte de 1988 e isso está no âmbito da cidadania brasileira. Essa âncora

constitucional não pode ser desconstituída, pois é cláusula pétrea e só o advento de

um novo processo constituinte poderá arrancar esse direito. Assim, sem negar atos

precursores e iniciativas outras de importância, nenhum documento público deveria

e deve retratar melhor o estádio alcançado das instituições políticas de determinada

sociedade e a dinâmica operada por elas do que a respectiva Constituição.

O conceito de segurança alimentar surgiu com da Organização das Nações

Unidas para a Alimentação e Agricultura, em 1985, assentado na oferta, na

estabilidade dos mercados e na segurança da qualidade dos alimentos oferecidos.

Eram, portanto, momentos antes da Constituinte.

Page 47: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

46

Em 1986, o Banco Mundial definiu segurança alimentar: “o acesso por parte de

todos, todo o tempo, a quantidades suficientes de alimentos para levar uma vida

ativa e saudável” (VALENTE, 2002, p. 55). Com tais ações, concretizou-se uma

visão nova de segurança alimentar e foi-se incorporando a garantia do poder

aquisitivo da população, crescimento econômico, redistribuição de renda e redução

da pobreza. Foi um avanço e será uma referência para o acúmulo dos movimentos

sociais locais.

No Brasil, essa preocupação é anterior. Josué de Castro observava que os dois

maiores descobrimentos do século XX foram a fome e a bomba atômica. Com a

“Geografia da Fome” (1948) ele elevou a abordagem do problema como âmbito de

natureza política. É dele também a constatação de que a fome brasileira é endêmica

e não epidêmica.

Celso Furtado publicou em 1968 “Um Projeto para o Brasil”. Nessa publicação

ele sonhava com um país de todos. Sete anos após, será a vez do economista

Antônio Maria da Silveira, com “Moeda e Distribuição de Renda”. Este será o autor a

elaborar a primeira proposta de garantia de renda mínima no Brasil, sendo o imposto

de renda negativo o mecanismo viabilizador da proposta. A diferença em relação

aos posicionamentos anteriores é a sistematização propriamente dita da proposta de

direito à renda mínima.

Ainda na década de 1970, o geógrafo baiano Milton Santos contribuirá com a

publicação de “Pobreza Urbana”, onde novos mecanismos de reprodução da

pobreza são desvendados. Ainda nessa década, em 1978, Edmar Lisboa Bacha e

Roberto Mangabeira Unger trazem a público “Participação, Salário e Voto”, onde

apregoam a necessidade de um mínimo social na linha de garantia de renda

mínima.

Uma pesquisa com pouca ou nenhuma publicidade à época de sua realização

e conclusão, 1974/1975, aferiu o consumo e a renda das famílias brasileiras. Seu

resultado explica a não publicização. O Estudo Nacional de Despesa Familiar

(ENDEF) constatou ser o Brasil o sexto país com população gravemente de

desnutridos (pessoas que consumiam menos de 1600 calorias diárias). Havia 13,5

Page 48: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

47

milhões de brasileiros nesta situação. O Brasil estava à frente apenas da Índia,

Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas. E mais: quando se somavam os casos

graves e discretos, o ENDEF chegou a 67% da população brasileira de subnutridos,

correspondendo a 2/3 da população (MDS, 2011).

O assunto iria continuar sendo uma chaga humana sem visibilidade maior, por

pouco tempo. Coincide com o fim do regime de exceção o surgimento do conceito

de segurança alimentar e nutricional, em 1985. Já no ano seguinte, seriam criados o

Conselho Nacional de Alimentos e Nutrição (CNAN) e o Sistema de Segurança

Alimentar coerentes com a nova visão em elaboração.

O processo de (re) democratização brasileiro será um campo fértil a

manifestações sociais em torno de grandes desafios que o regime militar não

resolvera, notadamente nas políticas públicas para enfrentar o dilema da

desigualdade social. A herança do período discricionário apontará para a

necessidade de, democratizando o Estado, torná-lo acessível aos cidadãos para

viabilizar o exercício dos direitos anteriormente negados, suprimidos ou reprimidos.

A cidadania contida pela força das armas no período mais forte do regime

militar se desprenderá para se manifestar em expressões variadas de grande

vitalidade cívica. Em 1985, o país inteiro foi mobilizado pela campanha “Diretas Já”,

que pleiteava o voto direto para eleição de Presidente da República. Foi uma

campanha de abrangência nacional, conseguindo reunir milhares de cidadãos nas

praças públicas e, mesmo não conseguindo a aprovação da Emenda Dante Oliveira,

que garantiria que esse desejo popular fosse realizado, foi um dos momentos

expressivos de uma sociedade ávida por democracia e mudanças.

A fragorosa derrota de Paulo Maluf para Tancredo Neves, no colégio eleitoral,

seria a expressão de uma vontade política que não mais seria contida na formação

de um novo ciclo político, onde coubesse a expressão popular acumulada,

prioritariamente na adoção de políticas públicas participativas.

Com a chegada da democracia, vamos rever alguns eventos que marcaram a

luta pela segurança alimentar. Sem prejuízo de outras manifestações e eventos

Page 49: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

48

marcantes da luta contra a fome e a pobreza, contabilizados apenas nas últimas três

décadas, comentamos o Movimento contra a Carestia (1973), a Ação da Cidadania

contra a Fome e pela Vida (1993), as Caravanas da Cidadania (1993) e o Projeto

Comunidade Solidária (1995-2002). Esses acontecimentos podem ser incluídos

como antecedentes principais do Projeto Fome Zero (2001). É a cidadania pedindo

passagem para a história política brasileira.

3.2.1 Movimento contra a carestia13

Em 1973, surgem em todo Brasil, principalmente em São Paulo, os Clubes de

Mães. Os propósitos iniciais eram entretê-las e prepará-las para a maternidade. Ao

organizarem as mulheres com estas questões bem pragmáticas, a organização

tornou-se o embrião de um movimento que se politizou, por necessidades tais como

a de discutir problemas como transporte, água, esgoto, creches, enfim, quase tudo

da vida cotidiana de qualquer família. O fato é que, em pouco tempo, as mulheres se

somaram à linha de frente pacífica de combate à ditadura. Dos protestos por

reivindicações várias havia passado o fio condutor da carestia em face dos salários

achatados.

Localizam-se ainda em 1973, os passos iniciais do movimento que chegará ao

pico quando em 27 de agosto de 1978 foi realizada uma grande manifestação

pública, interrompendo o ciclo de 14 anos silenciosos. A concentração foi duramente

reprimida e a coleta de 1,3 milhão de assinaturas foi caracterizada como ato

fraudulento, pois, segundo o Presidente Geisel, as assinaturas eram falsas.

O Movimento contra a Carestia manteve contatos com movimentos sindicais,

estimulando a solidariedade e a unidade entre eles que massivamente se

reorganizavam para a normalidade política. Em 1980, realizou-se o I Congresso

Nacional de Luta Contra a Carestia; três anos depois, pipocam saques em

supermercados e lojas, principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo.

13

Movimento contra a Carestia – nos idos de 1973 surge um dos movimentos pioneiros a se expor publicamente e que se politiza a partir das necessidades concretas da vida cotidiana (luz, aluguel, ônibus, salário). Surgiu em São, alastrou-se pelo país, e juntos aos combatentes pela volta da democracia.

Page 50: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

49

O Movimento contra a Carestia, no momento em que os movimentos sociais se

manifestam, é um precursor da política pública de segurança alimentar, pelo fato de

para o Estado o drama da fome e do salário que apenas garante a segurança

biológica. Havia há um ambiente propício para essas manifestações a fim de que o

Estado garantisse direitos ainda não alcançados por todos. Era, portanto, a

cidadania iniciando a afirmação democrática.

3.2.2 Ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida

O “Movimento pela Ética”14 na política antecedeu à Ação da Cidadania,

afirmando-se este como um grande movimento cívico que colaborou para se

concretizar o impeachment de Fernando Collor de Melo.

De certa forma, a sociedade civil continuou se expressando publicamente e

conquistando mais militantes e apoiadores para que fossem implementadas as

políticas públicas básicas, a começar pelo combate à fome e à miséria. Em 1993

havia mais de 3.000 comitês da ação pela cidadania espalhados pelo País, a maior

parte deles ligados a funcionários de empresas públicas.

Segundo Herbert de Souza, o Betinho, ”a motivação fundamental da Ação da

Cidadania era a certeza de que democracia e miséria eram incompatíveis”. A

indigência alcançou níveis alarmantes. O mapa do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA) contou 32 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza.

Ainda em 1994, ocorreu a primeira conferência de segurança alimentar

(CONSEA, 1995, p. 88-9) que se manifestou:

No Brasil haverá Segurança Alimentar quando todos os brasileiros tiverem, permanentemente, acesso em quantidade e qualidade aos alimentos requeridos e às condições de vida e de saúde necessários para a saudável reprodução do organismo humano e para uma existência digna. A Segurança Alimentar há de ser, então, um objetivo nacional básico e estratégico. Deve permear e articular, horizontal e todas as políticas e ações

14

Movimento pela Ética na Política – Em 1992, ano do impeachment do Collor, nasceu de um grupo de sindicalistas, universitários, militantes de partidos e o pessoal das ONGs que juntamente com o dep. federal José Carlos Sabóia (PT-MA) iniciaram o movimento. Em 9/5/1999 com participação do presidente da OAB Marcelo Lavènere decidiram pela criação de uma “Vigília pela Ética na Política”. O impeachment viria no dia 29 de dez de 1992.

Page 51: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

50

das áreas econômicas e social de todos os níveis de governo e perseguida por toda a sociedade, comprometendo todos os segmentos sociais, seja em parceria com os distintos níveis de Governo ou em outras iniciativas cidadãs.

Um documento intitulado “Carta pela Cidadania” é o batismo do movimento

que, apoiado em formulações do governo paralelo do PT, apresentou ao Presidente

Itamar Franco um plano de combate à fome e a miséria. O saldo deste movimento

social é positivo. O Presidente declara o combate à fome como prioridade absoluta.

Além de um grande mapeamento da fome no País (Mapa da Fome), foi realizada a I

Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994.

3.2.3 Caravana da cidadania15

Esta experiência não foi um movimento político de qualquer modalidade. Foi

uma experiência de conviver e auscultar os mais pobres brasileiros das regiões do

Brasil. Certamente esta caravana contribuiu, de alguma maneira, para a formação

das políticas sociais do governo Lula. A caravana abria espaços para a voz dos

excluídos, dos mais pobres entre os pobres.

Sessenta e oito cidades, sete estados, quatro mil quilômetros rodados entre 23

de abril e 12 de maio de 1993, de Garanhuns (PE) a Guarujá (SP): um percurso que

refez a trajetória migrante de Lula; a este itinerário se chamou Caravana da

Cidadania.

Conviver, ainda que de relance, com as entranhas mais miseráveis deste

continente Brasil foi o objetivo desta viagem gravada num livro onde as fotos falam

tanto ou mais do que os textos.

O PT não mais era o partido do operariado paulista. Administrava prefeituras

importantes, como Porto Alegre, Santos e Belo Horizonte. Precisava interiorizar-se

nacionalmente de corpo e alma. A Caravana também cumpriu este papel.

15

A Caravana da Cidadania – Para Ricardo Kotscho, um dos seus idealizadores, a Caravana foi um manancial de idéias. Os projetos sociais provaram marcaram corações e mentes de seus participantes. Lula carregaria, por inteiro, uma imagem viva de carência e pobreza nacionais a serem solucionadas.

Page 52: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

51

Talvez menos por sugestão de Ricardo Kotscho, e mais por vivência própria,

em seu discurso de vitória, Lula se diz realizado se, ao final de seu governo, todo

brasileiro tivesse garantido três refeições diárias.

No percurso inteiro da Caravana, Lula era recebido como candidato, tratado

como Presidente. Durante parte da viagem, insistiu em tirar o caráter eleitoral. O

Brasil mais rude e sofrido tinha uma identidade profunda com Lula e a ligação quase

messiânica se fazia com certa naturalidade.

3.2.4 O Projeto Comunidade Solidária

É necessário entender que questões de tal magnitude e complexidade, como a recalcitrante da pobreza e da dificuldade como a brasileira, não podem mais ser resolvidas com velhas fórmulas. Propostas centralizadas, baseadas em planos de transferências de renda direta de recursos, têm, em geral, levado a impasses e gerado novos problemas. (FRANCO, 2001, p. 25).

Esta citação retrata o pensamento dos idealizadores e implantadores do

Projeto Comunidade Solidária. No texto, como está assentado, o pressuposto da

participação dos cidadãos como protagonistas junto ao Estado brasileiro para que

sejam vencidas as barreiras do analfabetismo, baixa escolaridade e geração de

renda (FRANCO, 2001, p. 25). Reafirma ainda que: “A pobreza é mais do que

ausência de renda”.

O Comunidade Solidária pretendia inovar na concepção e na prática de

políticas públicas. Havia uma crítica explícita ao círculo vicioso de um

assistencialismo genérico, não acompanhado de ações correlatas no campo da

saúde e da educação.

Manifestou-se um convite explícito de corresponsabilidade entre agentes não

governamentais e os agentes públicos, desde a elaboração à execução de

programas. E o Comunidade Solidária situava-se como agente facilitador e

integrador do Estado com a sociedade civil.

Page 53: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

52

No primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998),

este diálogo não foi estabelecido e, mesmo internamente ao Governo, o espaço de

políticas públicas se restringiu. O grande acúmulo do I CONSEA e do PNSA não foi

recepcionado minimamente.

A agenda inicial do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) não priorizou

esta continuidade que se lhe apresentava. O enfrentamento da fome e da

desnutrição teria de se contentar com a dinâmica em constituição de outro mercado.

O enfoque governamental se limitou à proposta de redução da pobreza e da

exclusão social, sem articulação com as políticas econômicas e sociais. Passou

longe a possibilidade de implementar-se o prescrito constitucionalmente como áreas

integradas de saúde, previdência e assistência social (VALENTE, 2002).O acúmulo

recente da sociedade civil no campo da segurança alimentar não cabia na agenda

neoliberal do novo governo.

As energias para a realização das ações prioritárias pós-Plano Real diziam

respeito a duras decisões como as privatizações e a abertura ilimitada da economia.

Em função desta abertura, aceitou-se a eliminação da cláusula de segurança

alimentar do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT)16 e aceitou-se a adoção

da Âncora Verde17.

Logo no início de 1995, o CONSEA foi extinto e com ele, momentaneamente,

perdida toda uma agenda coletiva. A timidez do novo governo ante o comércio

internacional logo se manifestou. Havia um temor, sem fundamentos, de uma

suposta retaliação comercial ao fato de construírem-se políticas como as propostas

pelo CONSEA. Na confirmação desta atitude e, agora, com arrogância, se seguiu o

ostracismo de quadros técnicos comprometidos e competentes com a elaboração

histórica de políticas sociais.

16

Cláusula de segurança alimentar do GATT – Valente critica a adesão brasileira por, segundo ele, prejudicar o desenvolvimento da agricultura e formação de mercado próprio. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) representou na, neste ponto específico,na Rodada Uruguai a retirada do último escudo por meio dos quais as agriculturas nacionais podiam se defender.

17 Adoção da Âncora Verde – o termo guarda similitude com a âncora cambial. Durante o Plano Real,

segundo alguns economistas, os alimentos exerceram uma contribuição fundamental no processo de estabilização dos preços. Por esta razão, cristalizou-se que foi adotado a âncora verde.

Page 54: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

53

Na prática, o primeiro mandato de FHC desconstituiu programas e instituições

vinculadas à segurança alimentar e nutricional, estabelecendo-se uma enorme

insegurança pelo vácuo criado. Assim ocorreu com a extinção da Legião Brasileira

de Assistência (LBA) e com o esvaziamento da Companhia Nacional de

Abastecimento (CONAB). A primeira ainda exercia papel significativo na relação com

creches e outras instituições conveniadas; no caso da CONAB, as ações de

abastecimento e estocagem de alimentos deixaram de ser planejadas.

Sobre o curso destas ações de desmonte, Valente (2003, p. 6) é enfático:

O custo humano destas medidas foi enorme. Entidades encarregadas de assistência a crianças, idosos e portadores de deficiência, entre outros, ficaram meses sem receber os recursos necessários para o fornecimento da alimentação. Não há justificativa para punir os beneficiários de desvio de recursos públicos.

Segundo o mesmo autor, as duas instâncias constitutivas do Programa

Comunidade Solidária que, em tese, deveriam ser partes solidárias em todo o

processo, eram:

a) o Conselho da Comunidade Solidária, encarregado de articular ações de governo

com a sociedade civil e incrementar avanços baseados nesta relação;

b) a Secretaria Executiva do Programa, trabalhando em conjunto com o Conselho,

deveria facilitar e promover as ações em todo o plano federativo (União, estados,

Distrito Federal e municípios) e igualmente perante a sociedade civil.

O Conselho ateve-se à tentativa de incorporar o setor privado na elaboração e

implementação de projetos que compartilhassem com o Estado ou o substituíssem,

inclusive no financiamento.

A relação entre estes órgãos (Conselho e Secretaria) quase nunca constituiu

parceria realizadora do que se propôs. A rigor, houve algumas tentativas ocasionais

destes eventos, tais como:

a) estímulo e envolvimento na preparação para a Cúpula de Alimentação (dez/95 a

jun/96);

Page 55: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

54

b) elaboração e monitoramento do Orçamento de Segurança Alimentar;

c) cumprimento das resoluções da Cúpula Mundial de Alimentação, Roma, 1996, em

todo o País;

d) constituição de um banco de dados de segurança alimentar, junto ao IPEA.

Das quatro iniciativas ora citadas, nenhuma se afirmou, na integralidade. A

proposta de seguimento da cúpula, teoricamente apoiada pelo governo, se desfez

com a dissolução do Comitê; o banco de dados foi divulgado na página do IPEA, no

segundo semestre de 1998 sem mais atualizações; o monitoramento do orçamento

nunca se instituiu.

Mais uma vez, Valente (2003, p. 2) é incisivo:

Em certo sentido, a vitória de Lula é resultado da incapacidade política do governo FHC em dar uma resposta efetiva à questão da fome, da miséria e desnutrição, e a do associado e consequentemente profundo agravamento da violência, da insegurança em toda a população.

Há uma total falta de interação, de reciprocidade, entre a área social do

governo Fernando Henrique. É provável ser esta uma das razões principais de

propostas não efetivadas naquela ocasião.

3.2.5 O Projeto Fome Zero e o desafio estrutural

Num tempo em que todo mundo só falava em abertura de mercados, privatização total, mini-Estado mínimo, química fina, novas tecnologias, carros importados e todas as belezas do Primeiro Mundo, num modesto sobrado de Vila Mariana, em São Paulo, um grupo reunido por Lula debruçava-se prosaico, quase ingênuo desafio : como acabar com a fome no Brasil? Mais de oitenta técnicos, sob a coordenação do agrônomo-poeta José Gomes da Silva, um dos maiores e mais bem sucedidos fazendeiros deste país, gestavam a Política Nacional de Segurança Alimentar, um estudo apresentado ao país em outubro de 1991. (KOTSCHO, p. 30).

O Fome Zero, como Política Nacional de Segurança Alimentar (PNSA), nasceu

ainda no governo Itamar Franco, embora fosse gestado pela oposição, no Partido

dos Trabalhadores liderado por Lula da Silva. Foi em outubro de 1991, ainda sob o

título de Governo Paralelo, no governo Fernando Henrique Cardoso, que foi

Page 56: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

55

embrionariamente introduzida como um debate fecundo com a sociedade. À frente

destas iniciativas estava a Ação da Cidadania.

A finalização da proposta do Projeto Fome Zero, divulgado publicamente em

2001, seria bastante discutida e legitimada, junto aos movimentos sociais e à

comunidade dos estudiosos da temática. As formulações principais desse Projeto

podem ser desenhadas como conjugação concomitante de vários vetores, assim

pensados:

a) políticas estruturais (intensificação da reforma agrária, previdência social

universal, aumento de renda e diminuição das desigualdades);

b) políticas específicas (cupon de alimentação, doações de cestas emergenciais,

combate à desnutrição infantil e materna, ampliação da merenda escolar,

educação para o consumo e educação alimentar); e

c) políticas locais (programas municipais de modernização do abastecimento, novo

relacionamento com as redes de supermercados).

Estas propostas foram antecedidas de um minucioso diagnóstico de onde se

destacava que o sucesso do Fome Zero residia na combinação adequada da

utilização das políticas estruturais, emergenciais e específicas, conforme podemos

ver nas palavras de Lula na apresentação do documento:

“As políticas estruturais requerem anos e às vezes décadas para gerar frutos

consistentes. A Fome segue matando a cada dia. Ou produzindo desagregação

social e familiar, doenças, desespero e violência crescente” (INSTITUTO DA

CIDADANIA, 2001, p. 2).

O Fome Zero – versão original – era, portanto, um projeto amplo, um programa

de governo setorial chancelado pelo Instituto da Cidadania e por Lula. Este percurso

de discussão e apresentação via Instituto da Cidadania foi a fórmula encontrada

para finalizar uma proposta consolidada pelo trabalho de muitos especialistas e

assentado em seminários, não passando pelo crivo das correntes internas do PT.

Page 57: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

56

No nascimento do programa sob nova direção política, em 2003, o desafio

imposto pela conjuntura (econômica e social) era enorme e agravada, no final de

2002. Fazia com que se não deslanchassem, de imediato, projetos como o Fome

Zero. Outras prioridades imediatas dessa conjuntura precisavam de respostas:

a) havia um repique inflacionário projetado em torno de 40%;

b) o risco-Brasil de 2400;

c) dívidas públicas de r$ 800 bilhões e 240 bilhões;

d) acordo em aberto com o FMI;

e) 50 milhões de pobres; e

f) 20 milhões de desempregados.

Tinham-se um Estado fragilizado e um conjunto de movimentos sociais em alta

expectativa ante suas pautas de reivindicações históricas; e, ainda, os servidores

públicos federais com uma enorme pauta específica tão grande quanto a expectativa

de serem atendidos. Importante é ressaltar que à expectativa alta dos movimentos

sociais não correspondia a um momento de ascensão de suas lutas, nada

comparável ao clima político de 1989.

A Carta aos Brasileiros18, levada a público em setembro de 2002, afirmava

claramente a linha moderada a ser seguida, com respeito aos contratos, metas de

inflação e juros no nível necessário à estabilidade. Todo este compromisso não tinha

sido suficiente para o entendimento entre o novo governo e o velho mercado. O

ministro da Fazenda, Antônio Palocci, desde o início, se amparou amplamente nos

quadros técnicos do PSDB. Para surpresa de muitos, a política macroeconômica foi

mantida nos termos anteriores e feita até mais ortodoxa.

O PT decepcionou a muitos militantes comprometidos com a formação de uma

nova sociedade, pois, no início do governo Lula, pareceu haver uma obsessão pelo

encontro com o mercado. Esta era uma linha de interpretação da atitude do governo

18

Carta aos Brasileiros – com a possibilidade da vitória de Lula e do PT, houve ataque especulativo e a crise econômica era real. A Carta aos Brasileiros falava de reforma agrária, trabalhista e previdenciária como instrumentos políticos, mas o que ecoou no empresariado foi a segurança que lhes foi dada da não quebra de contratos e da manutenção dos juros altos até quando fosse necessário.

Page 58: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

57

dessa ala idealista. Medidas destinadas ao controle da inflação, ao controle das

contas públicas e recuperação de credibilidade junto a investidores indicavam uma

linha política que desagradava a setores amplos da esquerda e, simultaneamente,

era recebida com surpresa e aplauso pelo mundo empresarial. Foi a surpresa do

governo Lula logo no seu início. Toda uma luta por políticas públicas de segurança

alimentar parecia perdida. Onde estão as políticas públicas?

Esta pauta de ajustes e contrições consumia as iniciativas e se irradiava para

todo o governo, desde um núcleo de militantes e especialistas dentro do governo

recém-instalado. Apenas algumas “falas” do Presidente Lula traziam esperança de

serem materializadas mudanças profundas.

Por todo o ano de 2004 e parte de 2005, tentou-se fazer uma estrutura capaz

de trazer para o plano de ações administrativas os pontos centrais do Projeto Fome

Zero. Esta tentativa não foi bem-sucedida, pelo menos no lapso referido. A

necessária mobilização intragovernamental não aconteceu deixando isolado o

núcleo mais diretamente envolvido na implementação do Fome Zero (Frei Betto,

Oded Grajev, Graziano Silva, entre outros).

As ações, a energia e os argumentos do Governo Federal centravam-se na

necessidade de equilíbrio das contas públicas e na possibilidade de utilização

imediata do capital político vindo das urnas para realizar a mais polêmica das

reformas - a previdenciária.

Reconhecendo esta situação, não podemos desconhecer o impacto sobre a

sociedade civil, que logo se manifestou contrariamente à reforma previdenciária,

ocasionando certa reação em sindicatos de servidores públicos e o início da

dissidência, no âmbito partidário, de importantes quadros partidários como o

professor Francisco Oliveira, fundador do PT e colaborador, com Celso Furtado, de

formulações de políticas públicas, especialmente sobre o Nordeste brasileiro.

Ao final de 2003, a reforma previdenciária foi aprovada no Senado, com

algumas modificações, atenuando regras de concessão de aposentadorias e seguiu

para sanção presidencial. Frei Betto e Oded Grajev se frustrariam com a forma e o

Page 59: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

58

conteúdo da tradução do governamental do Fome Zero. E deixariam o governo. Frei

Betto gozava de grande credibilidade não apenas pela cultura política, mas por suas

práticas ligadas aos movimentos sociais, à CUT, ao PT e ao próprio Lula. Para ele, o

governo enterrou o Fome Zero e aderiu ao Bolsa Família, consentindo o

eleitoralismo praticado pelos prefeitos (FREI BETTO, entrevista pelo correio

eletrônico, em 08 jun. 2011).

A crise instalada no governo e no Partido dos Trabalhadores, após o

“mensalão” (2005)19, conseguiu tirar a visibilidade do curso das políticas públicas. O

ambiente retratado pela cobertura da mídia se mostraria por demais “ideologizado”

(LIMA, 2006; DOWBOR, 2008).A montagem de uma assistência social ampla, a

recuperação do valor do salário mínimo, a ampliação do microcrédito nada era

catalogado no capital político do governo.

De certa forma foi um pronunciamento em cadeia nacional e uma entrevista no

programa de entrevista da TV Cultura chamado Roda Viva em que ele, Lula, havia

quebrado a espécie de cerco político-midiático em torno do PT e de seu governo. Na

sua fala, Lula se desvinculou do episódio e chegou mesmo a expressar o sentimento

de ter sido traído. O resultado foi altamente favorável ao presidente Lula. O rearranjo

feito no comando do Governo, com a saída de José Dirceu, Luiz Gushiken e Antônio

Palocci trouxe para Lula a centralidade de todas as grandes ações de governo.

Enquanto a discreta nova ministra da Casa Civil Dilma Roussef coordenava as

ações dos ministérios, o Presidente cada vez mais se expunha publicamente e se

fortalecia. Neste âmbito, então, a figura presidencial ganha proximidade popular que

terá contrapartida na ampliação das políticas sociais.

19

A Crise de 2005 (“Mensalão”) – Para Vinícius A. de Lima “é no contexto da informação e comunicação que surgem os escândalos públicos midiáticos. Escândalo público midiático é o invento que implica a revelação, através da mídia, de atividades previamente ocultadas e mormalmente desonrosas, desencadeando uma sequência de ocorrências posteriores” (2006, p.). Para este autor a crise vivida pelo país desde maio de 2005 até o final deste ano, não existiria se não fosse na e pela mída. O fato é que, a nosso juízo, houve substrato concreto para este episódio que só se finalizará com o julgamento do Supremo Tribunal Federal. Foram excluídos do processo, além do presidente da República e outras destacadas personalidades arroladas, o ex. ministro da Secretaria de Comunicação (SECOM) Luiz Gushiken. Este período serviu para se consolidar as políticas públicas e mostrou um certo desprestígio da mídia junto aos mais pobres, um certo descolamento de formação de juízo de valor.

Page 60: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

59

Esse momento foi de impasse também para a oposição. E a surpresa foi Lula

ter paciência em lidar com o mercado. Por um momento, parecia que a situação do

Presidente eram seus opositores e que a situação era sua base aliada.

A percepção deste fenômeno – Lula e políticas sociais – pela grande imprensa

era exatamente desconhecer a política social de segurança alimentar a ser

implementada. Assim, colunistas como Merval Pereira de O Globo dão vazão a uma

derrota política irreversível, podendo chegar ao impeachmant ou a revista Veja

preconizando, dez meses da realização das eleições de 2006, a irreversibilidade do

tal capital político de Lula. Esta projeção, como sabemos, passou longe de se

realizar. A estratégia de reproduzir no Governo Lula o caminho de seu impeachment,

falhou, pois a fonte de poder era agora a soberania popular que aprovava o governo.

Já ao final de 2005 ocorreu, em âmbito interno, o Processo de Eleições Diretas

(PED) do PT. Os filiados compareceram em massa respondendo a uma grande

consulta que lhes foi feita. Novos dirigentes foram eleitos com grande legitimidade.

Esta presença dos filiados se configurou também como ato de solidariedade política.

Embora houvesse frustração e desencanto, estes eram superados pela crença de

que o governo Lula não poderia sucumbir e isto só ocorreria se a simbologia do PT

se manifestasse.

Ao mesmo tempo, as iniciativas econômicas “de ajuste” começavam a dar os

primeiros resultados visíveis. Os indicadores econômicos pareciam refletir uma nova

tendência ao desenvolvimento social e, PIB e salário mínimo se apresentaram

acrescidos, já em 2004 e 2005. Em fins de 2006, o Bolsa-Família atinge quase nove

milhões de famílias.

Com a saída de Frei Betto, Oded Grajev e Graziano da Silva, assume o

comando do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) o ex-

prefeito de Belo Horizonte, Patrus Ananias, que manterá grande parte do conteúdo

dos programas sociais; mas lhe dará outra dinâmica administrativa. Efetivamente a

sociedade civil perde espaço para a atuação dos entes federativos, principalmente

União e municípios.

Page 61: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

60

A combinação de políticas que levaram a estes resultados iniciais começa a se

enraizar em amplos segmentos da população, especialmente junto aos pobres, junto

aos de nenhuma ou baixíssima renda.

Ganhava forma e conteúdo uma nova concepção de Estado. As grandes

empresas públicas (BNDES, BB, CEF, BNB, EBCT) seriam remodeladas para um

cenário de retomada do desenvolvimento, tendo a questão social como eixo. A

PETROBRÁS, além de preservada, seria mesmo fortalecida, sendo que, ao final de

2005, Lula apresentou uma proposta de capitalização, buscando a autossuficiência

petrolífera. O BNDES, que participou como co-autor do processo de privatizações

anteriores, recuperou a função de financiar a produção.

Numa clara demonstração de posicionamento diverso do PSDB ante ao

Estado, o governo Lula realizou vários concursos públicos e o número de servidores

que, em 2002, era de 912.192, chega, em 2005, a 984.364. Estes novos servidores

se ajustavam ao fato de que, na mesma proporção, diminuía a chaga da

terceirização. Enquanto isso, intelectuais do PSDB como a economista Eliana

Cardoso sustentavam, sem disfarces, a privatização do Banco do Brasil e da Caixa

Econômica Federal:

A privatização do BB e da Caixa Econômica Federal é medida indispensável à transparência dos orçamentos do governo e à estabilidade financeira, pois os bancos estatais representam empecilhos ao crescimento sustentado. Gerentes de bancos privados direcional empréstimos aos setores mais competitivos, em que não existe a intromissão do governo.

Havia, no governo Lula, dois encaminhamentos gerais que pareciam nunca se

encontrar como síntese de ações políticas, econômicas e sociais. De um lado o

controle da inflação, a recuperação da credibilidade perante o mercado e a retomada

do desenvolvimento; de outro, o tratamento diferenciado de combate à pobreza, à

geração de emprego e renda, o resgate da auto-estima nacional e nova relação com

os movimentos sociais.

A tensão política engrossada no ano de 2005, entre o governo e a própria base

aliada em face da continuidade da política econômica ortodoxa, teve consequências

imediatas para o Partido dos Trabalhadores: a perda da mística, a dissensão de

Page 62: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

61

setores da esquerda e o desânimo/contrariedade dos movimentos sociais. Estas

consequências seriam diminuídas com o processo eleitoral, que contrapôs Lula a

Geraldo Alkimin.

As eleições de 2006 acabaram por conformar publicadamente um novo projeto

político, onde se explicitou uma visão de Estado recuperado perante os desígnios

desta Nação e do Estado. Daí em diante, ainda que com que a perda da

Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeira (CPMF), as políticas

públicas passam por um crescente índice de aceitação e por correções advindas dos

três primeiros anos. O Projeto Fome Zero se torna uma estratégia pouco visível,

enquanto o Programa Bolsa-Família, articulado com outros, atingirá todos os

municípios brasileiros, numa escada de dimensão sem precedentes.

Page 63: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

62

4 AS RAÍZES DO BOLSA-FAMÍLIA: A CIDADANIA TARDIA

A cidadania é um fenômeno da revolução burguesa. A conquista dos valores

de igualdade e de liberdade está inscrita formalmente na base do mercado como

condição para essa operação que quebrou o sistema escravista e servil. O Brasil

tradicional tem uma relação mais servil do que de cidadania. As relações sociais são

mais comunitárias e os salários garantiam apenas a segurança alimentar. Era um

capitalismo sem as condições básicas de uma sociedade de mercado, onde os

agentes eram protegidos pelo Estado. O modelo clássico era agroexportador, e o

mercado consumidor não ficava no País, mas no exterior, sobretudo Estados Unidos

e Europa.

Fernando Henrique Cardoso, no final da década de 1960, criticava o Partido

Comunista por esperar da burguesia brasileira uma ação revolucionária, isto é, ela

não tinha interesse em fazer nossa revolução burguesa, nosso mercado interno para

um capitalismo autossustentado, por não necessitar distribuir renda. Seu mercado

ficava no exterior e na reserva de mercado da sociedade brasileira (CARDOSO,

1975).

Nesse sentido, nossa cidadania era restrita a um número de organizações da

sociedade civil, urbana ou rural, mas a grande massa ficava excluída dessa

cidadania. Não havia, portanto, a possibilidade de que a Modernidade chegasse com

sua estrutura e problemas inerentes. Ela é fruto de políticas sociais de transferência

de renda já no século XXI. E o Bolsa-Família e o Fome Zero são políticas decisivas

na revolução burguesa tardia na sociedade brasileira, após Fernando Henrique

Cardoso ter introduzido a racionalidade (plano Real) e, junto com Collor de Mello, ter

introduzido a competitividade. Faltava o mercado consumidor.

O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado pela Medida Provisória nº 132, de

outubro de 2003, convertida na Lei nº 10.836, de janeiro de 2004. O público-alvo são

as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, caracterizadas pela

insuficiência de renda. Hoje correspondem, respectivamente, a R$ 140,00 e R$

70,00 por familiar (per capita).

Page 64: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

63

Os benefícios são de duas modalidades: benefício básico – família em

condição de extrema pobreza, benefícios variáveis – família em situação de pobreza

e que contém agravantes. São concedidos por um período de dois anos,

significando que as famílias devam ser visitadas para atualização cadastral; na

essência, deve-se constatar se as condições de vida das famílias mudaram ou se

constituem as mesmas. Não há uma estipulação de prazo mínimo de permanência,

há uma renovação a cada dois anos passada pelo crivo da visita dos profissionais

responsáveis da área.

Outro elemento constitutivo do desenho institucional são as condicionalidades

ou contrapartidas. Embora haja polêmicas em torno da sua exigência feita

atualmente, elas se bifurcam nos aspectos principais de educação e saúde. Em

relação à educação, as famílias devem enviar seus filhos às escolas e observar 75%

de freqüência; em relação à saúde, além do acompanhamento das vacinas de

crianças e adolescentes, as mulheres adultas devem fazer exame pré-natal,

acompanhamento nutricional e exercer outros cuidados.

O Programa Bolsa-Família resulta, como já exposto, do amadurecimento de

outras iniciativas no campo da proteção social, mas foi na década passada que

tomou os contornos atuais.Hoje ele é o maior programa de transferência de renda

condicionada do mundo e referência nacional e internacional desta modalidade de

intervenção do Estado.

De 2003 a 2010, aconteceu um avanço cumulativo pouco visualizado na

sociedade, pouco divulgado pela mídia e, em certa medida, não suficientemente

pelo próprio governo. Vejamos de relance, nesta abertura de capítulo, indicadores

econômicos importantes e também dados do crescimento, da estrutura oficial e

operacionalidade como componentes relacionais importantes para eficácia ou

ineficiência.

A chegada aos 11 milhões de famílias abrangidas foi precedida de cautela e

planejamento operacionais e orçamentários. Assim, observe-se que, durante os

anos de 2007 e 2008, houve ingresso e saída de famílias inalterando a extensão de

cobertura.

Page 65: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

64

Analisado em várias dimensões, o Bolsa-Família não se mostra grande como

dispêndio público, constituindo-se percentualmente em cerca de 0,3% do PIB.

Tabela 1 – Quantidade de famílias beneficiárias do programa Bolsa-Família

Quantidade de famílias beneficiárias do programa Bolsa Família

Ano Quantidade

2003 3,4 milhões

2004 5,7 milhões

2005 6,5 milhões

2006 8,3 milhões

2007 9,4 milhões

2008* 10,9 milhões*

2009* 12,3 milhões*

2010* 12,6 milhões*

Fonte Castro e Modesto (2010).

Tabela 2 – Descrição dos valores do Programa Bolsa Família

Fonte: Castro e Modesto (2010). Nota: 1 Alteração nos benefícios pelo Decreto no 6.157, de 16 de setembro de 2007.

2 Benefício variável vinculado ao adolescente (16 e 17 anos) instituído pela Medida Provisória no 411, de 28 de dezembro de 2007, convertida na Lei no 11.692, de 10 de junho de 2008. 3 Alteração nos benefícios pelo Decreto no 6.491, de 26 de junho de 2008. 4 Alteração nos benefícios pelo Decreto no 6.917, de 30 de julho de 2009, e que passou a ter efeitos financeiros a partir de setembro.

O segundo quadro cobre até o mês de setembro; em dezembro de 2010 foram

atingidos 12,6 milhões de famílias, cerca de 50 milhões de pessoas, correspondendo

a 26% da população. A expectativa estimada é que em 2011 se atinja 12,9 milhões

de famílias.

A segunda tabela expõe a evolução das linhas de elegibilidades e dos

benefícios.

Page 66: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

65

O MDS se constituiu como órgão governamental bem estruturado na proporção

deste crescimento abrangente, significando também acúmulo em percepções do

projeto, como se verá mais à frente. A estrutura de cúpula retrata esta

proporcionalidade.

Além do Gabinete da Ministra (GM) e da Secretaria Executiva (SE), o Ministério

de Desenvolvimento Social e de Combate à Fome conta com 05 secretarias:

a) Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS);

b) Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (SENAN);

c) Secretaria de Articulação para Inclusão Produtiva (SAIP);

d) Secretaria Nacional de Renda e de Cidadania (SENARC);

e) Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI).

Apenas o Sistema Único de Saúde (SUS), em tese e de direito, cobre toda a

população brasileira; a educação pública, com 52 milhões de alunos, e a previdência

social, com 21 milhões de benefícios concedidos, apenas estes superam o PBF em

número de beneficiários.

Os 5.565 municípios, os 26 estados, o Distrito Federal e a União são

responsáveis pela gestão compartilhada do PBF. A Caixa Econômica Federal é o

órgão gestor do cartão e pagador.

Algumas dimensões necessitam ser explicitadas, em razão do retrato atual e

do histórico percorrido de um projeto originário do Projeto Fome Zero (PFZ), ainda

considerado pelo governo e por muitos especialistas a estratégia maior onde o PBF

se constituiu.

4.1 O atendimento dos objetivos estipulados

A situação dos programas de transferência de renda condicionada em 2003 era simples: o caos. Cada programa federal tinha sua agência executora e coordenação entre elas era mínima. Os sistemas de informação desses quatro programas eram separados e não se comunicavam, de modo que uma família poderia receber todos os quatro, enquanto outra, vivendo em condições iguais, poderia não receber transferência alguma (IPEA, 2010, p. 29).

Page 67: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

66

O sítio do MDS apresenta elementos legislativos referentes ao Programa

Bolsa-Família. Segundo estas informações o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro

de 2004, em seu artigo 3º, estabelecia: “O Programa Bolsa Família tem por

finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de

transferência de renda do Governo Federal e do Cadastramento Único do Governo

Federal...”. O art. 2º destaca a alínea “a” que ao MDS cabe “supervisionar o

cumprimento das condicionalidades e promover a oferta de programas

complementares, em articulação com os Ministérios setoriais e demais entes

federados”.

Destaque-se:

Art. 4º Os objetivos básicos do Programa Bolsa Família, em relação aos seus beneficiários, sem prejuízo de outros que venham a ser fixados pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, são: I. o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde,

alimentação e assistência social;

II. combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;

III. estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em

situação de pobreza e extrema pobreza;

IV. combater a pobreza;

V. promover a intersetorialidade, a complementariedade e a sinergia das

ações sociais do Poder Público.

Estes são os pontos principais estipulados normativamente.

Quatro programas foram sintetizados em um, que passariam a se amparar no

Cadastro Único, iniciado ainda em 2001 e, em 2005, transformado em instrumento

fundamental para o PBF e para as políticas sociais como um todo.

Com este novo formato, os critérios públicos definem famílias elegíveis ou não.

Sobre a natureza do acesso ao programa, há polêmicas entre os especialistas. O

primeiro bloco o caracteriza como direito integrante ao direito da cidadania de fundo

constitucional como o fizemos. O segundo bloco, atendendo-se às formalidades

impostas aos pretendentes ao ingresso, define o acesso como um não direito, já

que, em não havendo provimento numerário em orçamento, a questão se encerra

Page 68: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

67

pelo não atendimento. O terceiro bloco de autores como Medeiros (2008), Britto e

Soares (2007) medeia estes extremos para caracterizar o benefício do Bolsa Família

como um quase direito. Aproximamo-nos da primeira caracterização, embora na

vivência prática do acesso ao programa – pelo seu próprio correr – a polêmica não

precisa e talvez não possa ter um desfecho ou mesmo uma síntese. Assim,

partiremos da lei e do regulamento instituidores, para vê-los em andamento de

execução de seus conteúdos

Para fins de nossa análise, enfocaremos o estádio das políticas há pouco

referidas: o combate à fome e à pobreza deve levar à segurança alimentar e

nutricional com a concomitância de oferta de estímulo à emancipação sustentada. “A

alínea I do art. 4° acima transcrito trata da promoção do acesso à rede de serviços

públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social” e a alínea IV do

mesmo artigo trata de gestão.

O caráter de dever do Estado se faz concomitante à exigência do cumprimento

das condicionalidades, como veremos a seguir.

4.2 As condicionalidades: dados e argumentos

É da essência dos programas de transferência de renda condicionada (PTRC)

a exigência de contrapartidas, na visão de que seu exercício se reverterá

positivamente para quem os pratica. Estas contrapartidas ou condicionalidades

variam de país a país, bem como a própria duração deles. O caso da experiência

mexicana, por exemplo, não estabelece prazo condicionador da permanência.

No caso brasileiro, o nível de informação da população não beneficiária sobre

as condicionalidades é grande. Há quem não saiba da existência delas e os que

sabem duvidam de sua implementação. Reside aqui uma falha de comunicação a

ser superada num debate amplo de público variado.

É do essencial da Lei 10.836/04 o compromisso entre a família beneficiária e o

Estado brasileiro. Ao ingressar no Programa, a família deve manter as crianças e

adolescentes em idade escolar na escola, com freqüência mínima de 85% para os

Page 69: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

68

com idade entre seis e 15 anos, e de 75% para os de 16 e 17 anos; e cumprir o

calendário de vacinação para crianças de zero a sete anos, acompanhando seu

crescimento e desenvolvimento e, ainda, para gestantes e mães em amamentação

exames de pré-natal e pós-natal.

As condicionalidades, anteriormente caracterizadas, permitiram vincular a

agenda de combate à fome e à pobreza à agenda da educação e da saúde.

Lembremo-nos de que a família é referência originária e a estratégia de

acompanhamento desta se fortaleceu, em 2009, com a aprovação pela Comissão de

Intergestores Tripartite da Assistência Social do Protocolo de Gestão Integrada de

Benefícios e Serviços no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Este protocolo é definidor dos procedimentos para acompanhamento familiar dos

beneficiários do PBF, do Benefício de Prestação Continuada (BCP) e do Programa

de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) pelos centros de referência da assistência

social (CRAS) e centros de referência especializados da assistência social (CREAS).

Assim se perfaz uma aproximação entre as áreas da assistência, saúde e educação,

numa dimensão não punitiva.

“O acompanhamento das condicionalidades também é uma ação de larga

escala. Até dezembro de 2009, monitorou-se o acesso de 6,3 milhões de famílias

aos serviços de saúde básica. Na educação, monitorou-se a alunos entre 16 e 17

anos” (IPEA, 2010, p. 62).

Observe-se que a concessão do benefício inicial não condiciona o ingresso. Só

após incluída a família é que se processa o acompanhamento. Desde esse estádio,

a fiscalização feita oferece várias oportunidades do seu cumprimento e somente

reiterados não cumprimentos, durante um ano e meio, poderão levar ao

cancelamento do benefício.

Assim ocorre porque a finalidade das condicionalidades é a reversão em

ganhos na área de proteção social como um todo. O cancelamento da transferência

de renda se dá como excepcionalidade.

Page 70: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

69

De fato,

Nos programas de transferência de renda, as condicionalidades são utilizadas para induzir comportamentos que contribuem para a promoção social das famílias. O aumento da escolarização e o cumprimento de agendas de saúde, ao promoverem o aumento do capital humano das populações mais pobres, possibilitariam novas perspectivas de inserção socioeconômica. No âmbito dos PTRC, as condicionalidades miram um objetivo de longo prazo, o qual visa à ruptura do ciclo intergeracional da pobreza, por meio da elevação do capital humano das populações mais pobres e excluídas. (IPEA, 2010. p. 148).

Soares et al. (2006), reportando-se a estudos sobre desigualdade e renda,

indicam o Programa, entre 2004 e 2006, como responsável por 21% da redução

observada no significativo Índice de Gini. Em relação à extrema pobreza, a redução

do mesmo indicador ficou em 25%.

O Perfil das Famílias Beneficiárias do PBF, em 2009, mostra de 12,4 milhões

de famílias beneficiárias, cerca de 4,3 milhões superaram a linha da extrema

pobreza (R$ 70,00 per capita/mês) por integrarem o Programa. Os beneficiários

deste alcançaram um aumento médio de 48,7% na renda familiar mensal per capita

do universo atendido: de R$ 48,69 para R$ 72,42. São valores baixos que ainda

assim permitem o planejamento da estratégia de sobrevivência também

pomposamente dito como planejamento financeiro das famílias de baixa renda.

A 2ª Rodada de Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família (AIFII) traz

dados positivos nas duas áreas: educação e saúde. A pesquisa retrata o avanço de

4,4% relativamente às crianças e adolescentes beneficiárias comparado com o

índice das não beneficiárias referente à freqüência escolar. No Nordeste este

percentual chega a 6% na mesma comparação.

A busca maior por serviços de saúde veio com a integração ao Programa: mais

grávidas fizeram pré-natal do que as não beneficiárias. A vacinação infantil melhorou

em 15%.

No campo da segurança alimentar e nutricional, constatou-se que, de 20% dos

50% de redução da desnutrição entre 1996 a 2006, se devem ao crescimento do

poder aquisitivo da classe E, segmento atendido pelo Programa Bolsa Família

Page 71: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

70

(MONTEIRO et al., 2009). Também houve melhorias na qualidade e quantidade do

consumo alimentar das famílias beneficiárias do programa (IBASE, 2008).

Esta última pesquisa detectou problemas de saúde relacionados à alimentação.

E os quantificou desta forma:

a) 36,8% das famílias tiveram diagnóstico de anemia;

b) 31,4% de hipertensão;

c) 16,5% de colesterol alto;

d) 16,00% de desnutrição;

e) 8,4% de deficiência de vitamina A;

f) 8,1% de diabetes;

g) 7,4% de obesidade;

h) 1,4% de bócio;

i) 1,1% de doença celíaca.

Embora a ação do PBF incite ao exercício de políticas universais, este

exercício não é plenamente efetivado; assim, o acompanhamento das famílias

reforça o objetivo de dar efetividade àquelas políticas públicas primárias.

A existência funcional do Sistema Integrado de Acompanhamento de

Condicionalidades permitiu, por exemplo, a constatação, nos meses de abril e maio

de 2010, de mais de seis mil crianças sem oferta dos serviços educacionais e de

que em torno de 50 mil, por motivos como gravidez na adolescência e outros

problemas, estavam deixando de freqüentar a escola. Inegavelmente, ainda há,

passados 23 anos de vigência da Constituição Federal do Brasil, parcela da

população sem efetivação dos direitos fundamentais. Pode ser caracterizada como

residual, mas precisa com urgência ser alcançada pela ação do Estado brasileiro.

Interessante é que o próprio sistema da gestão das condicionalidades,

instituído em 2005, se preocupou em sanar esta não cobertura dos mais

necessitados. O referido sistema estatui, de saída, a impossibilidade de suspensão

ou bloqueio da transferência de renda em face da inexistência de oferta do serviço.

Page 72: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

71

Fortalecendo o curso desta experiência, o IPEA (2010) informa que de 14,3

milhões de crianças e adolescentes observados pela área de educação, menos de

3%, em média, não conseguem a freqüência exigida pelo PBF.

Tanto na área de educação quanto na de saúde, famílias ou seus integrantes não acompanhados nas escolas e pelas equipes de saúde não são considerados em descumprimento de condicionalidades, pois não é possível afirmar se tiveram, de fato, acesso aos serviços. Na área de saúde, por exemplo, observa-se que municípios com baixa cobertura da Estratégia de Saúde da Família, ou com estruturas deficientes na oferta de serviços básicos de saúde, em grande medida também apresentam baixos níveis de acompanhamento da condicionalidade de saúde das famílias beneficiárias do PBF, o que gera questionamentos quanto à existência, de fato, de oferta de saúde suficiente para todas as famílias beneficiárias com perfil saúde. (IPEA, 2010, p. 151).

Ainda como experiência incipiente, os Centros de Referências da Assistência

Social (CRAS) e os (CREAS), por meio das equipes da assistência social nos

municípios, dão prioridade às famílias mais vulneráveis, incluídas nesta prioridade

as famílias em desconformidade relativa às condicionalidades do PBF. Pretende-se,

com a oferta de transferência de renda simultaneamente à oferta de serviços

socioambientais, criar as condições mínimas para as famílias reaverem a

autoestima, a inclusão na rede de proteção social, enfim, superar o estádio de

exclusão agressiva.

Os PTRC têm, em regra, baixos custos operacionais. As famílias amparadas

têm autonomia na utilização dos recursos e dinamizam as economias locais. Como

referido anteriormente, em havendo investimentos na oferta de serviços, haverá

impacto na demanda por serviços de saúde e educação.

4.3 Dimensão social e econômica

Estamos tratando de um complemento de renda na modalidade de

transferência de renda condicionada. Como se verá, ao programa se vincularão

outros, mas é preciso partir da conceituação específica para facilitar a crítica

pretendida. Ele se insere no âmbito de um sistema de proteção social brasileiro,

sendo um canal de assistência fundamental para os pobres e muito pobres. A este

quadro de proteção mínima, se somam várias outras ações, tendo o mesmo público

ou quase o mesmo; é preciso, então, reconhecê-las.

Page 73: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

72

Analisemos, pois, as seguintes questões consideradas sob o ângulo

econômico-social: a retomada do crescimento versus distribuição de renda, a

qualidade do gasto, a incidência sobre os beneficiários e sua própria percepção.

Para isso, não nos prenderemos exclusivamente ao PBF como variante isolada. A

ele se acrescentam ações do governo que não podem ser esquecidas para análise

conjunta.

Os gráficos que se seguem visualizam por ângulos diferentes a ocorrência

efetivas de mudanças.

Gráfico 1 – Desigualdade – Índice de Gini

Fonte: GPS/FGV a partir dos microdados da PNAD, e Censos IBGE.

#Baseada na variação de renda individual entre os Censo de 1960 e 1970,

incluindo a população sem rendimentos de Langoni 1973.

Page 74: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

73

Tabela 3 – Mudanças na Estrutura da População

Fonte: Centro de Políticas Sociais da FGV a partir de microdados da PNAD/IBGE.

Singer (In: PAULA, 2005, p. 172), tendo engrossado o coro dos economistas

que analisavam os elementos clássicos da gestão (câmbio flutuante, taxa de juros

elevada e metas inflacionárias) e mais diretamente em relação aos juros, comenta:

A política do BC de elevação de uma taxa de juros que já era a maior do mundo foi com protestos cada vez mais veementes dos trabalhadores e dos empresários da indústria, do comércio e da agricultura. Parecia óbvio que o BC estava sacrificando o crescimento para forçar a inflação a meta desnecessariamente baixa. Eu também estava convicto e me manifestei diversa vezes nesse sentido. Nesta altura, no fim do terceiro trimestre, os dados indicam que todos nós erramos em atribuir à taxa Selic uma influência que, na verdade, ela não tinha.

Os elementos manuseados na experiência do governo Lula mostram bem a

complexidade de analisá-lo. A “bancarização”, o crédito consignado, o microcrédito

em geral, o CrediAmigo do BNB, o crédito dirigido para expansão de atividades

Page 75: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

74

produtivas da parte do BNDES, CEF e BB, vão na contramão ao arrocho no crédito

do Banco Central pela via dos juros altos.

Já a partir de julho de 2003, os “sem posses e sem renda regular” puderam

adentrar o sistema financeiro. Nesta data, o governo aprovava no Congresso

Nacional uma lei permissiva de tal acesso historicamente negado.

Essa é uma política ao mesmo tempo social e econômica : ela promove a inclusão bancária da população economicamente marginalizada, garantindo à mesma um local seguro onde manter sua poupança e acesso a microcrédito, a juros máximos de 2% ao ano. (SINGER In: PAULA, 2005, p. 172).

Ainda em julho de 2005 os bancos públicos brasileiros abriram mais de seis

milhões de contas; no interregno de agosto de 2003 e julho de 2005 foram

concedidos 7,57 milhões de empréstimos (site www.fazenda.gov.br, em 12.12.2010)

O crédito consignado – fruto de uma iniciativa da CUT junto ao Governo –

trouxe redução de juros significativa para os trabalhadores com carteira de trabalho

assinada e para os aposentados. O risco pequeno nesta modalidade de empréstimo

ficou, no mesmo ano de 2005, em torno de 35,6%; enquanto isso, o acesso ao

crédito pessoal tradicional ficou na faixa de 77,2%. Houve um equivalente ganho

demonstrado na estatística que encobre os cidadãos que se socorrem de uma

espécie em extinção: os agiotas.

O Banco do Nordeste do Brasil é o agente financeiro que mais aplica recursos

do Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar (PRONAF) no

Nordeste do Brasil e no norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. Ao financiar a

agricultura familiar responsável por 82,9% da ocupação de mão de obra do campo,

ele também beneficia a produção dos principais alimentos consumidos pela

população brasileira: mandioca, feijão, leite, milho, aves e ovos. Veja-se na tabela

abaixo o desempenho do PRONAF de 2002 a 2007, entre estes anos a quantidade

de operações cresceu 157% e as contratações em valores, cresceram 471%.

Page 76: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

75

Tabela 4 – PRONAF-contratações e operações

Fonte: BNB. Elaboração de Carlos Eduardo Carvalho e Ângela Cristina Tepassê – O BNB

como banco de desenvolvimento e banco de crédito agrícola: desempenho, mudanças, desafios. 2009.

Tabela 5 – Resultados do CrediAmigo – outubro de 2008

Fonte: BNB.

O CrediAmigo, operado exclusivamente pelo BNB, experimenta o

reconhecimento de ser o maior programa de microcrédito produtivo orientado do

Brasil e o segundo da América Latina (NERI; BUCHMANN, 2008, p. 192). Sua

atuação se dá junto a empreendedores nas áreas de produção, comercialização de

bens e à prestação de serviços. Um duplo destaque: em outubro de 2008, 64% dos

empréstimos eram contratos com mulheres e 36% com homens e de acordo com o

Estudo do Perfil Socioeconômico dos Clientes do CrediAmigo do BNB (NERI, 2008),

mais da metade (60,8%) dos clientes do programa saiu da linha de pobreza.

O número de operações quase dobrou de 2005 a 2008. Veja-se tabela abaixo

(CARVALHO, 2007, p. 111).

Tabela 6 – Crediamigo em números

Page 77: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

76

Fonte: BNB. (CARVALHO, C., 2008).

Em 2005, pesquisa coordenada pelo professora Rosa Maria Marques detectou

o impacto do Bolsa-Família sobre comunidades muito pobres.

O número de beneficiários do Bolsa Família em relação ao total da população é significativamente mais elevado na região Nordeste do que nos municípios das demais regiões... De maneira geral, verifica-se que, quanto menor for a Receita Disponível do município, maior será a importância relativa dos recursos transferidos pelo programa Bolsa Família. (MARQUES; MENDES In: PAULA, 2005, p. 114).

Se nos municípios amostrados nas regiões Sul e Centro-Oeste não houve

casos significativos de impacto do Programa sobre a economia local, contrariu

sensu, o comércio popular das cidades pequenas do Nordeste foi positivamente

atingido. Na medida em que se desenvolva articuladamente o desenvolvimento local

também por outras vias complementares, a política de ataque à pobreza

provavelmente se transformará em elemento passado. Será necessário pisar o chão

das políticas emancipatórias transcorrido este estádio preparatório, duro estádio

apenas estádio.

Uma pesquisa específica sobre o Estado de Alagoas, realizada pelo professor

Cícero Péricles de Carvalho e divulgada pelo jornal inglês The Economist, é

reveladora do alcance imediato do Programa numa região extremamente pobre.

Alagoas está entre os estados mais pobres do Brasil. Ele reúne ganhos vinculados

ao Programa no seio de uma população que tem 70% de analfabetos, metade dela

pertence ao Bolsa-Família e onde o voto é vendido por R$ 50,00 , segundo o mesmo

economista. Ainda assim, a freqüência escolar melhorou, ampliou-se o consumo

popular entre os mais pobres.

O professor alagoano detalha que:

o principal impacto é sobre o consumo direito, a demanda reprimida por alimentos, roupas, remédios é, de alguma forma, parcialmente atendida pelo Bolsa Família. É evidente que um programa como este tem um aspecto extremamente positivo que libera recursos em forma imediata de dinheiro e não em forma de outro serviço, para que a população possa ir ao mercadinho, à feira popular,ou seja, aos canais de comercialização, e

Page 78: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

77

adquirir os bens que sonhavam há décadas. Então, a explosão do consumo é o primeiro, e mais importante dos efeitos do Bolsa Família

20.

E arremata com novos dados e comparações:

O Bolsa Família atende em Alagoas cerca de 350 mil famílias – mais da metade da população.Ao todo o programa libera cerca de R$ 240 milhões, por ano, ao Estado. Mais de três vezes o valor que rende o corte de cana de açúcar. Dos R$ 12 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) cerca de R$ 4 bilhões vêem das transferências diretas. Há 40 meses, desde março de 2004, Alagoas bate recordes na pesquisa mensal do comércio feita pelo IBGE. Houve no estado crescimento maior do que a media nacional. Como nesse período não aconteceu nenhum grande investimento local em infra-estrutura ou por parte das grandes empresas. Como não existiu investimento, o impacto do Bolsa Família foi muito importante para estimular a economia local (Informação Verbal)

21.

Com diferentes nuanças, alguns economistas (DOWBOR et al., 2010) estão

convencidos de que a melhoria nos vários indicadores sociais é fruto, entre outros

fatores, da política de recuperação do salário mínimo, dos investimentos nos

programas sociais com destaque para o PBF, da ampliação do crédito, notadamente

do microcrédito, conjugados a investimentos macroeconômicos, como os realizados

no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em anexo reunimos vários

gráficos que ajudam a fortalecer estes argumentos dos ilustres professores.

Há ainda outras opiniões de economistas, como a da professora Rosa Maria

Marques, que fazem uma crítica contundente à política social do governo Lula. A

reforma da previdência, nesta óptica, retirou direitos, beneficiando essencialmente o

mercado insurgente de previdência complementar, há desrespeito à gestão do

orçamento da Seguridade Social de onde se tiram recursos afrontando o

estabelecido na Constituição e o originário Projeto Fome Zero resultou no

assistencialismo chamado Bolsa Família. Sem negar a importância deste último

Programa, a professora o interpreta como uma fase de concessão assistencialista e

não um direito, abrindo inclusive a possibilidade de constituição de uma experiência

populista centrada na relação dos pobres diretamente identificados com Lula

(lulismo) pela via da concessão e não do exercício de um direito (MARQUES;

MENDES In: PAULA, p. 143-144).

20

Disponível em: <http://www.paulohenriqueamorim.com.br>. Acesso em: dez. 2008. 21

Informação fornecida pelo professor alagoano, em entrevista, em Maceió, em mês maio de 2011.

Page 79: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

78

Chico Oliveira, como Rosa Marques, vê mesmo um retrocesso político na

adoção de instrumentos de política econômica neoliberais praticados pelo PT e por

Lula. O Estado constituído em 1988 está, na visão destes, sendo alterado, sem que

tenha havido um debate público mediado por instituições políticas amplas. Pesada

crítica recai sobre os sindicatos que, de alguma forma, se alinham ao governo,

quando deveriam tensioná-lo à luz de suas reivindicações. O destaque feito a ambos

se dá por duas razões: Marques é pesquisadora de políticas específicas recentes

sobre o Bolsa Família e é crítica aos princípios neoliberais notadamente na

obediências a organismos internacionais (FMI, BANCO MUNDIAL) e desprezo pelo

programa histórico do próprio partido. Chico Oliveira, por ser fundador do partido e

um dos principais formuladores de ações políticas para o Nordeste, afora sua

reflexão pública permanente sobre a sociedade política brasileira.

Merecedora de grande atenção é a crítica ainda mantida, por Frei Betto, sobre

o curso do Projeto Fome Zero:

Considero o Governo Lula o melhor de nossa história ue milhões de pessoas. No entanto, ainda temos um bolsão de 30 milhões de miseráveis, o que o governo Dilma promete erradicar de fato a miséria. De fato muitos programas sociais trouxeram uma melhoria de renda à maioria do povo brasileiro. Para mim, o nó górdio reside na falta de políticas emancipatórias, como se propunha o Fome Zero. (FREI BETTO, entrevista pelo correio eletrônico, em 08 jun. 2011).

Sobre o Bolsa Família,

O Bolsa Família concede peque renda aos mais pobres e ainda permite que eles busquem complementá-la. Daí a dificuldade de convencer um beneficiário do programa a deixá-lo ao ingressar na economia formal. Hoje, o grande desafio da União é encontrar a porta de saída dos beneficiários, de modo que possam produzir a própria renda e obter qualificação profissional. Somos uma nação de contrastes: a riqueza circula e, no entanto, faltam educação de qualidade e profissionais qualificados para o mercado de trabalho. (FREI BETTO, entrevista pelo correio eletrônico, em 08 jun. 2011).

E arremata com dura análise:

Muitos movimentos sociais, sobretudo as centrais sindicais, foram cooptadas pelo governo Lula. Passaram a representar mais o governo junto às bases do que as bases junto ao governo. Ora, Governo é que nem feijão, só funciona na que panela de pressão... felizmente o MST se salvou desse

Page 80: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

79

processo. Mas acredito que se os movimentos sociais tivessem abraço o Fome Zero, não teriam permitido a erradicação dos comitês gestores nos municípios e, hoje, o Bolsa Família não teria o caráter eleitoreiro em mãos de prefeitos. (FREI BETTO, entrevista pelo correio eletrônico, em 08 jun. 2011).

Page 81: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

80

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso registrar, de pronto, o fato de nossa reflexão buscou captar dentro de

um processo histórico no qual se insere a intervenção do Governo federal, os

Programa Fome Zero e Bolsa Família, nos termos mais objetivos possíveis,

recortando-os e nem sempre fizemos ligações enriquecedoras da interpretação.

Ativemo-nos aos dois mandatos de Lula (2003-2010). Reconhecemos o vácuo

de ligação feita ou a ser procedida com experiências como a Economia Solidária,

hoje projeto com dimensão nacional. Também não aprofundamos a relação do

Programa Bolsa- Família, com a qualidade do consumo. Outra questão que apenas

tangenciamos é a da efetiva participação da sociedade civil no controle social. Ficam

para outro nível de pesquisa o aprofundamento destes e outros temas, no programa

de doutorando, possivelmente.

O Projeto Fome Zero (2001) amadurecido desde 1992, antes, portanto, de ser

implementado pelo governo Lula, anunciado em 2001/2002, nas vésperas das

eleições, não se concretizou. As propostas conjugadas de políticas estruturais,

emergenciais e específicas, articuladas simultaneamente tomaram outras formas,

embora o próprio Projeto tenha sido trazido para o âmbito do governo desde o início

do mandato do presidente Lula. Isto fez o Fome Zero se transformar em Programa

Bolsa Família?

Lembremos que os dois primeiros anos do governo representaram a

arrumação e a constituição do arcabouço administrativo, para pôr em prática uma

nova política social. Governos anteriores tiveram políticas públicas de transferência

de renda, mas sempre de modo mais tímido. Eram necessárias estruturas

administrativas, recursos e pessoas articuladas dentro de um ambiente favorável. Os

primeiros anos do governo, 2003 e 2004, absorveram grande parte das energias

para conquistar a credibilidade dos mercados controlando a inflação e as contas

públicas. O Brasil foi alvo de um ataque especulativo, em razão do que o governo

representava e estratégia para “minar” suas possibilidades de sucesso.

Inventariamos pontos cruciais reveladores do Programa-Bolsa Família, em

Page 82: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

81

execução. A política como processo22 e a construção democrática, nos termos

propugnados pela proposta de Tarso Genro, embute a noção de que em todas as

dimensões da vida societária há urgência para a inclusão social e, neste sentido, a

humanidade precisa recuperar a crença nas ações políticas com instrumental

tradicional ou criar outros padrões.

A dinâmica interna pode ser revelada pelas visões de mundo dos formuladores

desta política. Enquanto Lula se empenhava na governabilidade sob o ponto de vista

econômico; e Frei Betto e Oded Grajev lutavam bravamente contra os empecilhos

próprios da burocracia, além de não terem suas propostas viabilizadas em tempo

hábil, sofriam com disputas internas sobre o conteúdo e a forma de implementação

dos projetos. Por vezes, além da paralisia de decisão em encaminhamentos, havia

mesmo dificuldades e boicotes impostos por setores do próprio Governo para que o

projeto de inclusão social abortasse (BETTO, 2007).

Desencontros de visões sobre o Programa, dificuldades na operacionalidade,

recursos do governo e fora dele, tudo contribuía para o retardamento do Projeto

Fome Zero e, mesmo, do Programa Bolsa-Família.

O ano de 2006 foi um marco de inflexão política e econômica, com reflexos

positivos no sistema de proteção social. Lula se agigantara no enfrentamento da

crise de 2005 e se fortalecera com a reeleição (2006), podendo impor sua vontade

sobre o conflito interno (BARBOSA, 2010; SINGER In: PAULA, 2005).

Há uma inflexão político-ideológica que alguns se recusariam a perceber. O

PAC, o Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania (PRONASCI), a TV

PÚBLICA, a recuperação do salário mínimo, os Territórios da Cidadania e Ampliação

dos Programas de Transferência de Renda (Bolsa-Família) foram instrumentos desta

22

Política como processo – A quebra de paradigmas abalou profundamente as esquerdas, em suas diferentes conotações. A reconstrução política e ideológica vem se arrastando por mais de vinte anos. Com novas formas de fazer política convivendo com instrumentos tradicionais. Tarso Genro,ministro de várias pastas do governo Lula, tem trabalhado o tema, na teoria e na prática. Ele defende a necessidade de “rebaixar” o programa estratégico da emancipação para por como centralidade a luta por inclusão, recoesão social, projeto nacional, redistribuição de renda. Tudo para, no curso desta gigantesca tarefa e difícil tarefa, contribuir para a recriação de um projeto humanista verdadeiramente democrático. A nós parece ter o governo Lula se esforçado em adotar tais pressupostos político-ideológicos.

Page 83: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

82

inflexão política e ideológica, que traduziram na prática governamental um novo

ideário. A mídia, no geral, mais encobriu do que mostrou essa visão geral da política

na nova orientação. Para recuperar esse processo carreado de informações e

dados, por vezes é necessário ir às próprias fontes, como recomenda Ladislau

Dowbor. Foi nesta ambiência que se formou e se agigantou o Bolsa-Família em

detrimento ao Fome Zero.

Para Singer (In: PAULA, 2005), é preciso se olhar com acuidade sobre o

processo eleitoral sob pena de perderem-se tendências que se apresentam como

originais.

Talvez, no futuro, quando for escrita a crônica factual dos dois mandatos

presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva, o pleito de 29 de outubro de 2006

apareça como mera repetição dos resultados numéricos de quatro anos

antes, em que o candidato do PT venceu o do PSDB por uma diferença em

torno de 20 milhões de votos. Remanescerá, então encoberto sob quase

idênticas, o deslocamento que, com o aspecto superficial de consagração

ao lulismo, pode ter significado, na verdade, um importante realinhamento

político de estratos decisivos do eleitorado. (SINGER In: PAULA, 2005, p.

1).

Nas eleições de 2006, Lula é consagrado para um segundo mandato e terá um

novo alicerce político que, subterraneamente, se alinhará à política do retirante

nordestino, na visão de Estado exposta e confrontada ao PSDB (Partido da

Socialdemocracia Brasileira).

Os anos mais difíceis para o governo e suas políticas estavam encerrados. Os

programas sociais todos apresentavam números mais favoráveis, com inclusão

previdenciária, recuperação do salário mínimo, crescente concessão do BCP. Para o

Brasil inteiro especialmente para o Nordeste, o BN ofereceu créditos e orientação

técnica em quantidade.

Mesmo com a “publicização” de indicadores econômicos gerais e específicos

de políticas sociais melhorados, houve críticos contundentes da condução deste

processo, como mostramos anteriormente. Chico Oliveira deixou o Partido dos

Trabalhadores que ajudara a fundar, criticando Lula por ter abandonado o programa

e os próprios trabalhadores, pondo em seu lugar uma base populista fluida. A

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83

economista Rosa Maria Marques também se mostra crítica ao processo, embora

reconhecendo a necessidade do programa Bolsa-Família, garante que a reforma

previdenciária, a qual, na sua visão, retirava direitos, abriu caminho aos planos de

previdência complementar. Também afiançava a guinada liberal do PT, em completo

abandono do programa histórico. O economista Reinaldo Gonçalves vai além para

tentar demonstrar que em todos os aspectos da política econômica e social o

governo Lula fora pior do que o anterior

Por outro lado, Marcelo Nery, da Fundação Getúlio Vargas, afirmava

contundentemente o impacto do Bolsa-Família como um dos elementos que

ajudaram, juntamente com a recuperação do salário mínimo, para o surgir de “O

Brilho da Nova Classe Média”. Somam-se a ele, em outros tons, Ladislau Dowbor,

Paul Singer, Cícero Péricles de Carvalho, Tânia Bacelar e tantos outros.

Embora esteja ainda gravado nos escaninhos eletrônicos do sítio do Ministério

do Desenvolvimento Social, o Projeto Fome Zero não tem o brilho e a centralidade

transferidos para o Programa Bolsa-Família. Neste sentido, aquele projeto não se

realizou como previsto, nem em forma e nem em conteúdo. O governo, no entanto,

não mudou a estrutura onde formalmente o PFZ é estratégico e o Bolsa-Família um

dos seus braços.

Fazendo uma análise do Programa Bolsa-Família, podemos perceber essa

defasagem. Em primeiro lugar, indubitavelmente o Governo Federal constitui um

grande banco de dados dos pobres. A iniciativa se deu em 2001 e a efetivação veio

somente em 2005. Para estados, municípios e o Distrito Federal o acesso é

franqueado tal como para os órgãos federais. O próprio MDS se consolidou partindo

desta riqueza de informações, e tem patrocinado pesquisas, “publicizado” o cadastro

único e captado elementos novos para aperfeiçoamento do curso das ações.

Em segundo lugar, parece-nos que a opção pela Política de Transferência de

Renda Condicionada (PTRC) na modalidade do Programa Bolsa-Família foi

acertada. Ele conseguiu trazer alento, comida e esperança na vida de cerca de 50

milhões de pobres e muito pobres. Este gigantismo de alcance significativo torna

superada a discussão entre focalização e universalização, até porque os mais

Page 85: (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF)

84

pobres ainda estão sendo procurados para incluí-los na proteção social mínima a

quem têm direito.

Em terceiro lugar, deu-se a emergência de uma nova classe média

consumidora e, mesmo os pobres se catalogam como consumidores. A classe

média aqui referida, não tem o sentido tradicional, detentora de carro e casa de

praia, mas que mudou de vida, tendo acesso a crédito e a muitos empregos

gerados. Está mais para uma nova classe de batalhadores (SOUZA, 2011). A

Fundação Getúlio Vargas (FGV) desenha o intervalo de renda de r$ 1.000,00 a R$

4.000,00 como sendo a nova maioria brasileira (51%). Esta nova classe média não é

fruto direto do Bolsa Família e sim do reajuste do salário mínimo, da ampliação da

previdência social e do controle inflacionário, mas o programa Bolsa Família também

ajuda nesta emergência surpreendente dos mais pobres.

Em quarto lugar, podemos considerar a tarefa de início de reconstituição do

tecido social brasileiro desde 2003 dando indícios animadores. Aquele Projeto Fome

Zero se desdobrou em vários programas (restaurantes populares, compra de

alimentos, microcrédito para empreendedores e muito crédito para os trabalhadores

rurais; e se esboçam com maior clareza processos de inclusão nas atividades

produtivas com suporte em qualificações aproximadas). O tempo do governo não é o

mesmo das necessidades sociais.

Em quinto e último lugar, o Brasil se tornou um grande protagonista no tema de

combate à fome e à miséria, sendo consultado e fazendo convênios com vários

países. Recentemente, em razão do trabalho iniciado ainda no Brasil, Graziano da

Silva passa a ser Diretor da FAO.

Desafios e questionamentos, contudo, existem muitos. A dificuldade ou

inexistência das “portas de saída” e que o programa só cresce são juízos freqüentes.

Para este argumento, alerta-se a iniciativa em execução, da qual o Ceará pode ser

pioneiro em estreitar a proximidade da União com os governadores na busca da

inclusão produtiva. O Estado do Ceará poderá contar com R$ 100 milhões anuais no

projeto que avança o processo federativo e possibilidade de alternativa como

alguma modalidade de inclusão produtiva (JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE, 2011).

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85

Outra crítica feita ao Programa é a insignificância do percentual de 0,3% contra

quase 50% do orçamento. O primeiro para o Bolsa Família e o segundo para

refinanciamento e pagamento da dívida pública. É uma questão de alta

complexidade, pois envolve essencialmente a dívida pública interna. Este

estrangulamento traz dificuldades para a necessária reforma tributária. Em todo

caso, se melhorado o perfil da dívida pública, o ganho deve ser destinado ao

trabalho de construção das “portas de saída” para entrada no mundo do trabalho.

Os passos desta caminhada podem levar à cidadania, no sentido de que o

estádio alcançado pelo Bolsa Família é uma ponte social aos direitos amplos da

cidadania. Não se pode negar este contexto de possibilidades nem se há de

considerar conclusa a caminhada.

É necessário o prosseguimento aprimorado do Programa em diversos ângulos.

A gestão pública de um programa gigantesco permanentemente precisa de acertos,

reparos, novas iniciativas e, principalmente, articulação com outros programas.

Existe a possibilidade de se consolidar como um direito de assistência social

ampliado e enraizado nos mais pobres. Na medida em que o olharmos agora como

uma transição para a cidadania podemos acompanhar e cobrar mais dos entes

federativos, do mundo empresarial e, de muitas formas, fazer um reencontro com a

sociedade civil que apoia o programa à distância.

É mister retratar a constituição de uma estrutura administrativa inédita

condensada no MDS, com boa articulação com estados e municípios e instrumentos

de gestão que de per se demonstram a inequívoca prioridade de que já goza o

sistema de proteção social brasileiro,tendo no Bolsa-Família uma porta de acesso

aos mais pobres. Já neste ano, a presidenta Dilma tomou uma nova atitude de

avanço partilhado convocando os governadores a também entrarem na luta, agora,

para erradicação da miséria. Não é gratuita a interlocução institucionalizada dos

governadores nem tampouco o é a nova nomenclatura que recobra os termos dos

constituintes de 1988: erradicar a miséria.

A educação para o consumo é uma necessidade premente. O aumento do

consumo não guardou proporcionalidade com uma orientação governamental. Os

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86

meios de comunicação de massa trabalham quase exclusivamente na incitação ao

consumo ligado ao lucro e não fruto de necessidade autêntica. Somente com uma

atitude política e administrativa dos entes federados todos, acompanhada da

sociedade civil, aí incluídos sindicatos e igrejas se poderá fazer com que os mais

pobres e a sociedade em geral atentem para a natureza do consumo que praticam.

O governo Lula também avançou nas políticas de inclusão previdenciária.

Houve inclusão significativa. Indivíduos formalizaram sua atividade facilitada pelos

novos instrumentos fiscais criados. É preciso fortalecer esta inclusão bem como o já

existente e tímido projeto de educação previdenciária. Lembremo-nos da descoberta

governamental recente de 135 mil cidadãos com direito adquirido ao Benefício de

Prestação Continuada (BCP) que não o exerciam. Esta educação previdenciária é

uma necessidade para pobres e para a sociedade, em geral.

A educação formal – a escolaridade – ainda agride a cidadania. Em sociedades

complexas como a nossa, a chance de uma educação de qualidade não pode ser

negada. Temos, principalmente, no Nordeste brasileiro carências enormes na área

de educação formal, sem contarmos o estádio diminuído da educação popular

estampada em experiências como as das CEBs e outras de ONGs atuantes junto

aos excluídos do sistema social. É fato que existe certa organicidade

intragovermental e mesmo com a sociedade civil, urge qualificá-la e acelerá-la.

Uma questão de fundo permeia todo o debate sobre as políticas sociais e as

políticas econômicas. A visão liberal do mundo separa ao extremo as políticas

sociais como foco nos mais pobres 2005 com caráter compensatório, ficando com o

Estado exclusivamente cuidar da manutenção estável dos negócios privados. A

contra-argumentação vem com Singer (In: PAULA, 2005) que faz a seguinte

reflexão:

A real regulação do nível de emprego e das políticas de seguridade social, com acesso universal, remanescem. Na realidade, a distinção entre a política fiscal e monetária de um lado, e o gasto com educação, saúde, saneamento e, assim por diante de outro, esconde mais do que revela, porque omite as políticas de desenvolvimento local e regional, de geração de trabalho e renda, de transferência de renda etc., que não cabem no breviário neoliberal.

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87

Ainda que o debate prossiga, o ano de 2008 marcou a passagem do Brasil pela

crise financeira com um conjunto de indicadores econômico-sociais e uma

intervenção no sistema de proteção social, com destaque para os PTRC

estabelecendo-se em um prazo razoável, havendo mesmo pistas para a

continuidade deste trajeto. O Brasil está fortalecido em seu mercado interno.

Igualmente o efeito de comparação com outros governos (ainda que

contextualizados) fortalece os termos do debate estabelecido por Singer.

Houve uma mudança no formato, no conteúdo e na implementação do Fome

Zero e no Bolsa-Família, sem que possamos dizer que houve desfiguração completa

de um ou de outro. O que fez o Fome Zero se transformar em Programa Bolsa-

Família, apesar do debate ideológico apresentado dos que defendem uma

preservação da tradição e daqueles que defendem uma postura mais moderna, essa

política social é um marco na sociedade brasileira por possibilitar nascer uma outra

cidadania.

Política pública de inclusão social, deste modo, não deixa de ser uma forma de

assistencialismo. Há, contudo, uma novidade no processo do Fome Zero com

relação às tradicionais políticas públicas clientelísticas. Enquanto nestas o foco é

fazer com que as pessoas criem dependência ao poder local, pois o benefício visado

é puramente assistencialista, na forma de segurança alimentar, o foco é na

independência ao poder local. Esse diferencial é decisivo, pois a forma tradicional

preserva o status quo, enquanto o Fome Zero cria o cidadão, independentemente do

Estado e que encarará a política como instrumento de representação política. É a

forma moderna do clientelismo que pode se transformar ou já o ser um direito

assistencial.

Ainda Singer (In: PAULA, 2005, p. 7), olhando a atual crise do mundo

globalizado, garante que

A crise financeira internacional pauta a questão fundamental: porque não acabar com a globalização financeira como um todo, restaurando em todos os países o poder do povo de decidir, ao eleger o governo e o parlamento, de que modo sua poupança, ou seja, o seu excedente social deve ser administrada. O modo como os donos públicos e privados administram suas poupanças tem efeitos de grande impacto sobre a marcha da economia e sobre a vida social e política de cada país, como acabamos de ver.

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88

Com uma nova crise de grande dimensão, a comparação com a Europa e os

Estados Unidos nos é favorável no terreno da existência de um sistema social

protetivo e de um grande mercado interno. É-nos favorável no sentido de que não

pairam sobre os brasileiros ameaças de corte nos direitos sociais ou alteração no

percurso dos programas iniciados ou aprofundados com o Presidente Lula. Há um

mercado interno de massas constituído servindo, neste momento, de amparo à

superação dos entreveros advindos de mais uma crise sistêmica originária nos

sistemas capitalistas mais avançados. Este é um dado positivo que, não pode

obscurecer, pela via de um marketing exagerado, os desafios que permanecem

como a dívida pública interna e a regressividade no sistema tributário brasileiro. A

constituição deste mercado interno consumidor, reconheça-se, é um feito que não

pode ser ocultado.

Encerramos com mais uma evidência: O Brasil, no plano interno, consolida sua

revolução burguesa, reforça a democracia com nova cidadania surgida de um

clientelismo moderno; e, no contexto externo, com a crise dos países formadores da

ordem mundial pós-Segunda guerra mundial, se apresenta como uma liderança

emergente. Essa realidade que essa geração assiste ao vivo e em cores tem nessa

política pública de segurança alimentar a grande força que fortalece o processo.

Pelo exposto no todo do texto, podemos deixar alguns elementos a serem, no

futuro, perscrutados com maior acuidade:

a) Quais os mecanismos que poderão transformar uma maioria social em maioria

política para enfrentar as reformas populares estruturantes?

b) Como se ampliarão os necessários grandes investimentos sociais se o

Orçamento da União continuar seqüestrado pelo pagamento dos juros da dívida

pública (43%)?

c) Com o atual nível de insegurança pública como se dará a efetiva reconstituição do

tecido social brasileiro?

Muitas outras indagações se impõem. As expostas acima nos parecem um

bom roteiro inicial no rumo de pesquisas a partir do que pretendemos estabelecer no

presente trabalho.

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ANEXO – Tabelas complementares

Tabela 7 – Coberturas do PTRC em janeiro de 2004

Fonte: Sagi – MDS – Matriz de Informação Social.

Tabela 8 – Situação das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família antes e depois dos benefícios

Fonte: SENARC/ MDS. A partir dos microdados do Cadastro único de março de 2010 e da Folha de Pagamento de abril de 2010.

Tabela 9 – Distribuição dos beneficiários do PBF e suas famílias segundo regiões brasileiras

Fonte: MDS/SENARC 2010. Microdados Cadastro Único, Junho de 2009 e PNAD 2008.

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Tabela 10 – Dívida externa e reservas internacionais em US$ milhões de dólares e indicadores de solvência

Fonte: Banco Central do Brasil.

Tabela 11 – Inflação, Crescimento do PIB, Taxa de juro e Taxa de câmbio

Fonte: Banco Central do Brasil, IBGE e FGV; * observações: (i) os números do PIB para 2009 se

referem aos valores acumulados em 4 trimestres até Setembro/09.

Tabela 12 – Salário e emprego

Fonte: IPEADATA; *observações: (i) o crescimento da massa salarial, do emprego e do salário para

2009 corresponde ao valor acumulado em 12 meses até novembro; (ii) a taxa de desemprego nas regiões metropolitanas (PME) e na região metropolitana de São Paulo (DIEESE) para 2009 corresponde à média de 12 meses até novembro.

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Gráfico 2 – Evolução do número total de empregados com vínculo formal de emprego (em milhões de empregos)

Fonte: Rais/TEM.

Gráfico 3 – Evolução dos investimentos em habitação (em R$ bilhões)

Fonte: Cadernos destaque, nov./dez. 2009.