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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE MESTRADO ACADÊMICO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
VICENTE FLÁVIO BELÉM PINHO
DO PROJETO FOME ZERO (PFZ) AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF): O
ASSISTENCIALISMO TOMANDO FORMA DE CIDADANIA
FORTALEZA 2011
VICENTE FLÁVIO BELÉM PINHO
DO PROJETO FOME ZERO (PFZ) AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF): O
ASSISTENCIALISMO TOMANDO FORMA DE CIDADANIA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará-UECE, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Área de Concentração: Democracia.
Orientador: Prof. Dr. Josênio Camelo Parente.
FORTALEZA 2011
FOLHA PARA FICHA DE CATALOGAÇÃO
VICENTE FLÁVIO BELÉM PINHO
DO PROJETO FOME ZERO (PFZ) AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF): O
ASSISTENCIALISMO TOMANDO A FORMA DE CIDADANIA
Dissertação julgada e aprovada para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade, outorgado pela Universidade Estadual do Ceará.
Área de Concentração: Democracia Linha de Pesquisa: Estado, Democracia e Participação Social
Data de Aprovação: ____/____/2011
Banca Examinadora:
____________________________________________ Prof. Dr. Josênio Camelo Parente
(Orientador/UECE)
____________________________________________ Prof. Dr. Manfredo Araújo de Oliveira
(Membro/UFC)
____________________________________________ Prof. Dr. Jawdat-Abu-El-Haj
(Membro/UFC)
À Edinah e seu Emetério (in memoriam) –
que representam um esforço grande de
fidelidade de construção aqui na terra de
um pedacinho de céu. A eles devemos
muito e oferecemos tão pouco!
AGRADECIMENTOS
Ao professor doutor Josênio, pela sabedoria discreta, paciência e pelo incentivo
em todos os momentos.
Ao professor Dr. Manfredo Oliveira, que me irradia alegria (fé e razão) e de
quem roubo algum tempo de convivência a mim muito caro, sendo ele que me deu a
oportunidade de conviver com os pobres de Fortaleza.
Ao professor Dr. Jadawt, pela acolhida e disponibilidade com que me tratou.
À Terezinha (amor de uma vida) e aos meus filhos Ana Virgínia, Larissa e
Vinícius que me animam e humanizam mais.
À minha mãe Aida e meu pai Regino (in memoriam), pelo zelo com os filhos e
aos meus irmãos Francisco Antônio, Regino Filho, Célio e Andréia, pelo carinho com
que me tratam.
À dona Elionora, ao “seu” Elias (in memoriam) e família, exemplos de
dignidade, disponibilidade e simplicidade.
Aos amigos Paulo Reis, Plínio Bortolotti, Patrício William, Vaumik Ribeiro, Alex
Citó, Vitória Régia, Carlos Chagas, Reginaldo, Alex Montalverne, Carmem Grego e
Lúcia Silveira, exemplos e referências para mim de busca de uma prática política
que qualifico como digna.
Ao Senador Pimentel, pela confiança e amizade em mim depositadas de uma
forma ininterrupta; ao Franzé Ribeiro, seu assessor, sempre amigo, aberto e
competente.
Ao Deputado Nelson Martins e sua assessoria; aos companheiros do Partido
dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores – CUT; aos religiosos e
agentes pastorais das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, pela convivência
enriquecedora.
Ao professor Cícero Péricles de Carvalho, que foi o primeiro a me incentivar a
tentar a seleção para o curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e
Sociedade.
PINHO, Vicente Flávio Belém. Do Projeto Fome Zero (PFZ) ao Programa Bolsa Família (PBF): o assistencialismo tomando forma de cidadania. 2011. 94 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade) – Universidade Estadual do Ceará-UECE, Fortaleza, 2011.
RESUMO
O Projeto Fome Zero (PFZ) foi apresentado à sociedade em 2004. Ao final de 2010, os brasileiros somente se recordavam com facilidade do Programa Bolsa Família (PBF). Este trabalho, a partir de estudos bibliográficos, acompanha analiticamente o percurso do Fome Zero ao Bolsa Família buscando apreender as mudanças e permanências destes programas, que se consolidam como um núcleo de direito de cidadania, com legitimidade constitucional. Palavras chaves: Fome Zero. Bolsa Família. Cidadania. Constituição.
ABSTRACT
“Fome Zero” Project (PFZ) was presented to society in 2004. By the end of 2010, Brazilian people only remembered the Bolsa Família Program (PBF). This work, based on bibliographic studies, makes an analitical accompaniment of the course from Fome Zero to Bolsa Família, seeking to apprehend the changes and continuities of these programs, which have been consolidated as a center of Citizenship Right, constitutionally legitimized. Keywords: “Fome Zero Project”. “Bolsa Família Program”. Citizenship. Constitution.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Página
Quadro 1 – Agenda das políticas públicas brasileiras........................................... 43
Gráfico 1 – Desigualdade – Índice de Gini............................................................ 72
Gráfico 2 – Evolução do número total de empregados com vínculo formal de
emprego (em milhões de empregos)..................................................
94
Gráfico 3 – Evolução dos investimentos em habitação (em R$ bilhões)............... 94
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1 – Quantidade de famílias beneficiárias do programa Bolsa Família...... 64
Tabela 2 – Descrição dos valores do Programa Bolsa Família............................ 64
Tabela 3 – Mudanças na Estrutura da População................................................ 73
Tabela 4 – PRONAF-contratações e operações................................................... 75
Tabela 5 – Resultados do Crediamigo – outubro de 2008.................................... 75
Tabela 6 – Crediamigo em números..................................................................... 75
Tabela 7 – Coberturas do PTRC em janeiro de 2004........................................... 92
Tabela 8 – Situação das famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família
antes e depois dos benefícios.............................................................
92
Tabela 9 – Distribuição dos beneficiários do PBF e suas famílias segundo
regiões brasileiras...............................................................................
92
Tabela 10 – Dívida externa e reservas internacionais em US$ milhões de
dólares e indicadores de solvência.....................................................
93
Tabela 11 – Inflação, Crescimento do PIB, Taxa de juro e Taxa de câmbio........... 93
Tabela 12 – Salário e emprego............................................................................... 93
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AFBEC Associação de Funcionários do Banco do Estado do Ceará
AIFII Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família
BCP Benefício de Prestação Continuada
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CNAN Conselho Nacional de Alimentos e Nutrição
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar
CPMF Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeira
CPT Comissão Pastoral da Terra
CRAS Centros de Referência da Assistência Social
CREAS Centros de Referência Especializados da Assistência Social
CUT Central Única dos Trabalhadores
ENDEF Estudo Nacional de Despesa Familiar
FAO Organização de Comida e Agricultura
FGV Fundação Getúlio Vargas
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetário Internacional
GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
GM Gabinete da Ministra
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDO Leis de Diretrizes Orçamentárias
LO Leis Orçamentárias
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONGs Organizações Não Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PBF Programa Bolsa Família
PED Processo de Eleições Diretas
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PFZ Projeto Fome Zero
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNSA Plano Nacional de Segurança Alimentar
PPAs Planos Plurianuais
PROFAVELAS Programa de Urbanização de Favelas
PRONAF Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar
PT Partido dos Trabalhadores
PTRC Programas de Transferência de Renda Condicionada
PU Pastoral Universitária
RBC Renda Básica da Cidadania
RONASCI Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania
SE Secretaria Executiva
SEEB-Ce Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do
Estado do Ceará
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento Econômico do Nordeste
SUS Sistema Único de Saúde
UFC Universidade Federal do Ceará
SUMÁRIO
Página
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 14
1.1 Objeto e Método ............................................................................................. 15
2 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E OS DESAFIOS DA CIDADANIA .................. 19
2.1 A Constituinte Brasileira (1987-1988) e seu entorno ...................................... 26
2.2 O imbróglio inflacionário de longa duração e o plano real .............................. 31
2.3 As lutas sociais ............................................................................................... 36
3 O PROJETO FOME ZERO (PFZ) COMO POLÍTICA PÚBLICA
TRANSFORMADORA .................................................................................... 42
3.1 Preliminares históricas e agressões à humanidade ....................................... 42
3.2 Elaborações e lutas: a proteção social brasileira ........................................... 45
3.2.1 Movimento contra a carestia .......................................................................... 48
3.2.2 Ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida ................................ 49
3.2.3 Caravana da cidadania ................................................................................... 50
3.2.4 O Projeto Comunidade Solidária .................................................................... 51
3.2.5 O Projeto Fome Zero e o desafio estrutural ................................................... 54
4 AS RAÍZES DO BOLSA-FAMÍLIA: A CIDADANIA TARDIA ........................ 62
4.1 O atendimento dos objetivos estipulados ....................................................... 65
4.2 As condicionalidades: dados e argumentos ................................................... 67
4.3 Dimensão social e econômica ........................................................................ 71
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 80
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 89
ANEXO – Tabelas complementares ....................................................................... 92
14
1 INTRODUÇÃO
Durante dez anos percorremos o chão e a lama do velho Lagamar, a segunda
maior favela de Fortaleza. Eram os anos de 1980, a redemocratização se espraiara.
Engajáramo-nos em um trabalho de formação de Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs). A oportunidade deste engajamento ocorreu pela iniciativa de um grupo de
estudantes de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrantes da
Pastoral Universitária (PU), que se juntaria ao grupo precursor, estando à frente
deste o padre, filósofo e teólogo Manfredo Oliveira.
O grupo visitava os moradores do Lagamar para conhecê-los em cotidiano
natural e desenvolver, no espírito pedagógico de Paulo Freire, o trabalho religioso na
periferia inspirado também nos ensinamentos da Teologia da Libertação. Era um
grupo que se referenciava nas mudanças de atitude da própria igreja católica, após
a Segunda Conferência dos Bispos Latino-Americanos de 1968, em Medellín. Nele
exercitamos a práxis e o estudo teórico. Esta experiência nos ajudou a perceber a
relação a ser constituída entre os pobres e a classe média – nós próprios.
Demo-nos conta da necessidade do estudo permanente, não como mero
diletantismo, mas feito instrumento de ação a ser compartilhado no sentido do
fortalecimento das classes populares, visando a nos facilitar e a eles um exercício
político democrático e educacional consistente.
Simultaneamente participamos da fundação da Central Única dos
Trabalhadores (CUT). Atuamos na base e na direção do Partido dos Trabalhadores
(PT) e fomos dirigentes, por dois mandatos, do Sindicato dos Empregados em
Estabelecimentos Bancários do Estado do Ceará (SEEB-CE), além de termos
presidido a Associação de Funcionários do Banco do Estado do Ceará (AFBEC).
Participamos da coordenação do Programa de Urbanização de Favelas
(PROFAVELAS), em 1985, na gestão da então prefeita Maria Luiza Fontenele.
Em momento seguinte, de 1995 a 2010, integramos a assessoria do então
deputado federal José Pimentel e do deputado estadual Nelson Martins, durante
sete e oito anos, respectivamente.
15
A percepção da política como uma elaboração permanente, a pedagogia de
Paulo Freire experimentada na concretude e a esperança brotando dentro de um
contexto social de pobreza nos trouxeram lições que nenhuma gramática sociológica
poderia conter. Conviver diretamente com os pobres é um aprendizado de vida
indelével.
Compreender este mundo dos pobres era e é, ainda, um desafio para a própria
pastoral popular, num momento histórico complexo e dominado por uma inédita
exclusão social. É ato de responsabilidade o estudo vinculado às lutas sociais.
Após a graduação em Direito e a especialização em Direito do Trabalho e
Previdenciário, motivamo-nos para o mestrado em Políticas Públicas, ofertado pela
Universidade Estadual do Ceará que, entre tantas outras coisas, pode nos ajudar,
oferecendo um ambiente de crescimento intelectual como condição para um novo
patamar de atuação, seja como militante, dirigente ou assessor num mundo onde o
saber é instrumento indispensável de atuação e, portanto, fonte de poder a ser
partilhado.
1.1 Objeto e Método
Interpretar a política de segurança alimentar, do combate à fome e à miséria,
nos motivou pelo estado de grandes carências de direitos humanos mínimos e pelo
estádio de organização social das classes trabalhadoras e dos excluídos
Este trabalho é, pois, produto de uma curiosidade intelectual que já vem da
militância e do desafio do país, acostumado com a miséria e a desigualdade social.
Perquirir, portanto, sobre os avanços, limites e possibilidades do Programa Bolsa-
Família, para o combate à pobreza e à inclusão social dessa população ao mundo
do consumo será nosso objetivo principal.
Tencionamos, também, buscar sua origens, recuperando seu percurso inicial
que vai do âmbito do Fome Zero ao Bolsa Família. A dimensão do Bolsa-Família, a
elaboração inicial deste, o estádio como se encontra atualmente como resultado e
16
como portador de possibilidade, são focos que nos incitam a analisar na tentativa de
compreender seu percurso e seus resultados concretos.
É possível que a causa do sucesso das políticas sociais do governo Lula tenha
sido a manutenção da política macroeconômica nos fundamentos clássicos: câmbio
flutuante, metas de inflação, juros altos e superávit primário, ao mesmo tempo em
que se iniciava de forma ousada o mecanismo massivo de oferta no microcrédito e
mesmo a política de crédito em geral. É impossível, contudo, que esta combinação
inusitada realizada por um trabalhador não tenha sido acompanhada de uma inédita
e intensa inclusão social. Essas políticas favoreceram não apenas os pequenos
empreendedores, como foram igualmente vantajosas para grandes empresários e
banqueiros de forma duradoura.
É inegável também a abrangência de escala do Bolsa-Família que, além da
unificação de programas realizada por seus antecessores, consolida um modelo
clássico de uma sociedade de mercado, embora ainda se esperem avanços na
saúde e na educação dos beneficiários como herança de anos de abandono. Aqui
surgem questões importantes, como, por exemplo, se o Programa induz à
acomodação destes novos agentes como o clientelismo tradicional o fazia, ou é o
início de um fenômeno mais vigoroso de uma cidadania ativa e de um passo na
nossa revolução burguesa, tão projetada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB)?
As regiões mais pobres do País encontrarão, com base das políticas sociais
vigentes, amparo e força política para um efetivo exercício de direitos? Poder-se-ão
estabelecer ligações de políticas de combate à pobreza com a política de segurança
pública? Será a sociedade civil capaz de recuperar ânimo participativo consistente
para continuidade e aprofundamento dos necessários saltos político-administrativos?
Essas indagações serão debatidas a tempo. A hipótese central é de que, com
origem no Bolsa-Família e outros programas a ele conexos, se abrem possibilidades
maiores para o exercício ampliado da cidadania brasileira e para a efetivação de
uma sociedade mais democrática.
17
Não são pequenas a produção acadêmica e a literatura, em geral, afeitas ao
nosso objeto, sejam publicações clássicas, sejam modernas edições em revistas,
jornais, cartilhas. O acervo, enfim, nos animou a reinterpretá-las e permitiu a escolha
desse caminho de rever os dados secundários. Parte significativa desse material
confiável será incorporado ao corpo da análise a fim de inquirir o surgimento dessa
nova cidadania com base na incorporação das massas ao consumo e à política.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e o CENSO 2010
trazem uma avalanche de dados que nos facilitarão os encaminhamentos para uma
formulação atualizada a fim de formar o quadro onde atuaremos.
Vale lembrar que a velocidade e a intensidade das mudanças na área
econômica e social precisam de um equivalente instrumental investigativo; e uma
boa pedagogia nos recomenda grande abertura para os dados empíricos, sem
prejuízo do cruzamento de informações e das múltiplas interpretações (DOWBOR,
2008). Essa realidade necessita ser incorporada na consolidação dessa cidadania
advinda das políticas sociais.
Os dados e as análises quali-quanti serão incorporados para reforçar e
reconhecer na realidade viva do tecido social o traçado como teoria. Os dados atuais
sobre diversas áreas da vida humana traduzem, uma confluência de várias crises
(econômica, ambiental, social) e seu conhecimento já não é restrito a especialistas.
Olhá-los para uma atitude de cidadania é uma imposição para colaborarmos na
construção de uma nova convivência humana, com a construção de um novo
processo civilizatório (Id., Ibid.).
Iniciaremos nossa análise, no segundo capítulo, recuperando o contexto
político social do processo da redemocratização, pois foi aí que a cidadania deu um
salto, com a compreensão das pessoas de que a política tem relação com a sua
qualidade de vida. No momento da Constituinte, as lutas sociais nos anos 1980
tiveram um papel destacado, pela mobilização social empreendida e pelas
proposições apresentadas.
18
O terceiro módulo recupera o contexto da eleição de Lula em 2002 para
apreender o caminho e os obstáculos do Projeto Fome Zero - sua constituição e
alterações - captando aspectos políticos e gerenciais que iriam modificar
radicalmente a sua face inicial. Discutiremos as agruras dos dois primeiros anos, a
formulação originária e as tentativas de mobilização social. No capítulo seguinte será
feita uma análise nas várias dimensões em que se transformaram o Programa
Bolsa-Família e suas conexões com a nossa tardia revolução burguesa.
Observaremos a evolução do número de beneficiários, o valor monetário do
benefício, o impacto sob as famílias cadastradas e, mesmo, a repercussão sobre a
economia popular, com destaque para o Nordeste brasileiro. Este capítulo,
comportará um tópico concernente à “acomodação” ou não dos beneficiários; ou,
ainda, o surgimento de outros agentes sociais. As considerações finais abrem
perspectivas animadoras face à constatação do aprimoramento das políticas
públicas, especialmente àquelas que alcançam os mais pobres.
19
2 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E OS DESAFIOS DA CIDADANIA
Como dito anteriormente, nossa análise fará uma vinculação do objeto à
constituição brasileira de 1988, recuperará as lutas sociais dos anos 1980 bem como
retratará o drama inflacionário brasileiro só resolvido com a adoção do Plano Real.
Para adentrar este percurso, duas categorias precisam de um comentário imediato
que se segue.
Cidadania e Revolução Burguesa
Cidadania terá sido considerada a partir da formulação clássica de T. H.
Marshall, ou seja, exercício efetivo dos direitos civis, políticos e sociais. Sua
elaboração se deu tendo como foco a experiência inglesa. Lá vieram
sequencialmente os direitos civis, políticos e sociais. Esta ordem tem uma
explicação. Com base nas liberdades civis, lutou-se pelo direito de votar e ser
votado. Com estes passos dados como conquista e com a criação do Partido
Trabalhista vieram, por fim, os direitos sociais. Já, à época, o autor registra a
educação popular como indispensável para os direitos supracitados.
Cidadania será tratada como fruto do processo histórico no Brasil, portanto, em
uma circunstância histórica específica tão bem detalhada por Murilo Melo de
Carvalho no já consagrado livro Cidadania no Brasil o longo caminho. Além do
percurso histórico recuperado, há uma contextualização rica quando o autor
estabelece a relação da cidadania com o Estado-nação da época atual. A crise
deste lança luzes sobre uma possível nova reformulação conceitual e prática da
cidadania diante dos limites impostos no mundo globalizado.
A temática será retomada por Marilena Chauí em Brasil: Mito Fundador e
Sociedade Autoritária. Neste caso a autora se centra na formação fortemente
autoritária da sociedade brasileira e o que daí advém para “os de baixo” como fruto
deste processo histórico de dominação: o enfrentamento como questão de
sobrevivência e construção de cidadania. Uma estratégia de formulação do
imaginário das elites se transforma em dominação histórica contra a qual se
20
insurgem os trabalhadores e os sem trabalho. É uma luta continuada, em várias
dimensões, que se manifesta pela expressão de uma autêntica cidadania.
Para autores como Maria Victória Benevides, a Constituição Federal de 1988
abriu um novo momento histórico. O advento da democracia direta através da
iniciativa popular, referendo e plebiscito – expressamente consagrados no texto
magno, significou uma alargamento da participação popular. Efetivamente foi uma
possibilidade apresentada com amparo na lei magna. As restrições regulamentares
impedem um acesso pleno, mesmo com a possibilidade da utilização de novas
tecnologias, em instrumentos de consulta, em instrumentos de democratização.
Finalmente, para Haguette (1994) o exercício da cidadania tem sempre uma
contrapartida de responsabilidades, tais como a de votar e pagar regularmente os
tributos devidos. Com grande didatismo, a autora traz à realidade brasileira os
princípios de Marshall conferindo-lhes adequação histórica, estabelecendo uma
análise enriquecida com abundância de dados empíricos sobre a realidade brasileira
de 1940 a 1992. A autora trabalha, com competência e profundidade, a interface
cidadão-estado como indica o próprio livro em questão.
É no percurso e contexto acima referidos que empregaremos a categoria
“cidadania”, com alguma elasticidade – pois fruto de um processo histórico, mas com
vinculações teóricas ao que acabamos de expor. A cidadania pode se estabelecer
conjuntamente com o advento da revolução burguesa.
Revolução burguesa, segundo Ianni (1994), seria um processo conduzido de
desenvolvimento alargado ainda no capitalismo, a partir da união da burguesia
nacional e a classe trabalhadora. Este núcleo, por interesses comuns, comandaria o
ingresso numa fase avançada do processo de desenvolvimento onde a partilha da
renda se efetivaria em moldes a trazer um bem estar social, igualmente o acesso à
educação de qualidade e a saúde, entre outros ganhos, seriam universalizados
efetivamente. No Brasil, não houve esta ocorrência. O governo Lula como que
substitui a burguesia e, com suas políticas sociais notadamente o Bolsa Família, cria
um mercado de consumo popular. Esta intervenção política atenderá
simultaneamente às classes menos ou (des) possuídas e será benéfica ao
21
empresariado nacional, ou significativa parte desta. Aqui se perfaz uma espécie de
revolução burguesa presidida por Lula e pelo Partido dos Trabalhadores.
Como, no caso da cidadania, a revolução burguesa ou uma similaridade de tal
evento deve ser entendida como um processo de intervenção pública em nosso
capitalismo, não contendo em si maiores possibilidades de desencadeamento de
processos revolucionários. O acesso ao crédito e ao consumo são aspectos centrais
deste novo momento histórico instaurado, entre outras coisas, pelo alcance dos
programas sociais do governo Lula.
Toda a política social do governo Lula é uma intervenção pública no
capitalismo brasileiro. Sem outras ambições que não seja a de trazer para o centro
da atualidade alguns dos aspectos sociais que estavam, de alguma forma,
desamparados e sem visibilidade.
Contexto Brasileiro das lutas por cidadania
O mundo globalizado, em sua feição de início do século XXI, seguramente
alterou conceitos como os de soberania e desenvolvimento nacionais. Trouxe
velocidade à circulação de mercadorias e de informações. Quebrou fronteiras entre
países, impondo padrões de consumo, moda e cultura. Quase tudo, nesta
universalização distorcida, circulou como padronização e entronização de objetos de
consumo originários dos países ricos. Nesse âmbito de mudança, os países
desenvolvidos eram objeto do impulso do processo e o Brasil ainda fazia sua tardia
consolidação de uma sociedade de mercado, sua revolução burguesa1, como já
destacamos.
A pós-moderna sociedade burguesa que surge no século XXI não acabou com
o antagonismo de classes. Tornou-se complexa e mudou suas estratégias, surgindo
1 A revolução burguesa, neste ponto, toma o sentido de ausência. Não houve a união dos burgueses com a classe operária. Para Florestan Fernandes, no Brasil a hegemonia ocorreu sob a direção da oligarquia e da burguesia, sem espaço de participação decisória no processo de mudanças nacionais. Octávio Ianni atualiza suas reflexões para concluir “que com o globalismo, quando o capitalismo ingressa um novo ciclo de expansão mundial é que a revolução burguesa ingressa também em um novo ciclo, também global. Aos poucos, todo mundo... Está em curso, portanto, um novo ciclo de revolução burguesa em escala mundial”.
22
formas de exploração e de lutas. Se na Idade Antiga e na Idade Média se colocavam
os escravos e os servos em posição muito subalterna diante da ameaça do uso do
direito da força, os burgueses revolucionaram a história, ao introduzirem o
instrumento de igualdade formal no contrato de trabalho, sendo condição necessária
para uma evolução progressiva até o esgotamento do desenvolvimento das forças
produtivas, quando estariam criadas as condições objetivas para a passagem a um
novo regime, segundo Marx já percebera no século XIX. A dinâmica do tempo é que
faz essa realidade tomar novas formas.
A importância da geopolítica do poder no mundo não pode ser minimizada, por
mais valorizadas que sejam as iniciativas tentadas no plano nacional. Vivemos a
fase das corporações, da globalização, da sociedade do conhecimento, do
multiculturalismo. Qualquer nomenclatura com a correspondente semântica
reconhecerá nas relações internacionais um ponto de grande complexidade. Há uma
interdependência das nações, agora de outra forma.
Vive-se um contexto internacional em que as nações se desentendem sobre
política, religião, economia; e os organismos internacionais são impotentes na
mediação destas relações. Ao pensar as políticas sociais brasileiras, não se pode
desconhecer este agravamento inicial. A arena internacional é árida. A Organização
das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial têm pouca efetividade no cumprimento de suas funções, quando conflitos
são deflagrados, crises geradas ou grandes dramas coletivos estão a requerer ação
conjunta inter-países.
Assim, abriu-se o terreno fértil para o surgimento de um fenômeno do
capitalismo atual, que são as corporações. Aqueles órgãos tradicionais são
instituições a ser repensadas, restando claro o esgotamento das funções originárias
das Conferências de Bretton Woods, realizadas em julho de 1994, quando EUA e
mais 44 países acordaram regras para relações comerciais e financiamento dos
Estados mais industrializados. Deste acordo surge o FMI.
Passado mais de meio século, crescentes necessidades históricas estão a
exigir novos mecanismos internacionais capazes de mediação à altura dos desafios
23
sempre mais complexos. Isso em razão do fato de que o quadro de cidadania
também é objeto de ajuste, embora na essência continue a indicar a participação na
sociedade dividida em classes, conquanto essa diversidade seja também cultural:
religião, etnia, migração e outros fatores que interessem no pacto civilizatório da
nova sociedade.
A humanidade surpreendeu-se com o entrechoque dos fundamentalismos
manifestos em 11 de setembro de 20012; atordoou-se com as recentes crises de
2008 e 2011; a primeira iniciando-se pelos Estados Unidos e contaminando o
mundo; a segunda atingindo a Europa e, de alguma maneira, tendo alcance
internacional. Estes eventos são cruelmente pedagógicos, ao desnudarem a
fragilidade política de um sistema onde a economia parece ser mais virtual do que
real, onde seguramente a financeirização castra a produção e os postos de trabalho.
O capitalismo financeiro se faz claramente dominante.
Ainda há fome e desperdício, carências no campo de segurança alimentar e
abundância de superficialidades.
O processo de formação da sociedade brasileira teve a presença constante de
um grau de autoritarismo continuado até os dias de hoje (CHAUÍ, 2001). A simbiose
entre o setor público e privado mediou nocivamente a relação entre eles (FAORO,
2010) e, ainda, possuímos uma elite empresarial incapaz de encetar junto com
outros setores a clássica revolução burguesa nacional (IANNI, 1994). O resultado
desta longa caminhada de mais de cinco séculos é um dívida social agigantada e
uma cidadania entre esperançosa e aturdida, limitada momentaneamente
(CARVALHO, 2001).
As revoluções e as reformas promovem grandes mudanças e a cultura, pode
consolidá-las, o que, no campo jurídico social, significa (re) contratação entre o Povo
e o Estado. No caso brasileiro, as tentativas empenhadas pela esquerda, sejam pela
via revolucionária ou das reformas, nunca se efetivaram em plenitude. Nem o
2 11 de setembro de 2001 – o ataque suicida assumido pela Al-Qaeda atingindo duas torres do Word Trade Center e a tentativa de alvejar o Pentágono significou a exposição de um fundamentalismo econômico com um fundamentalismo religioso. Ver mais em Fundamentalismo, de Leonardo Boff.
24
socialismo, nem as reformas de base estiveram nem visitaram a antessala da vitória.
Mesmo nos últimos governos civis, não se implantaram as reformas progressistas3
defendidas até 1964; ainda que se reconheçam, na atualidade, avanços na
democratização do Estado e avanços sociais.
No caso brasileiro, é a Constituição da República Federativa do Brasil, com
vigência em 05 de outubro de 1988 para onde convergiram mobilizações, propostas,
debates, para ao final, se dotar o país de uma constituição a que Ulisses Guimarães
chamou de cidadã por conter uma gama de direitos sociais típicas dos Estados de
Bem-Estar Social. E foi lá que a pressão da sociedade cível brasileira chegou firme e
fez surgir outra realidade.
O direito à segurança alimentar e nutricional, fonte de inspiração prioritária dos
programas sociais do governo Lula está, pois, incluso no direito ao exercício da
cidadania. A erradicação da pobreza e da marginalização e a diminuição das
desigualdades regionais constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil. A Constituição impõe a adoção de políticas sociais que fortaleçam este
exercício. Os direitos sociais têm este status constitucional e, portanto, devem ser
observados e cumpridos por todos.
Chegar-se a este estatuto político legislado não foi um caminho de linha reta. O
processo histórico comporta muitas lutas, manifestações da cidadania4.
Recuperando os traços básicos do cenário político-social do processo constituinte de
1987-1988, podemos observar o ambiente de experimentos de planos econômicos e
de lutas sociais.
3 Reformas progressistas – de certa forma significa a retomada atualizada e em parte das reformas de base de 1964. Lula, mesmo na Carta aos Brasileiros, elencou as reformas agrária, tributária, previdenciária, entre outras. A simples enumeração apenas indica um rumo genérico. A reforma agrária, na ótica dos movimentos sociais e da esquerda partidária, é concessão de crédito, orientação técnica e terra boa para o plantio. A reforma tributária seria regulamentar o que está na constituição: imposto de renda progressivo, imposto sobre as grandes fortunas, sobre heranças e etc.
4 Cidadania – acompanhamos o delineamento de José Murilo de Carvalho entendendo o termo como o exercício pleno dos direitos políticos, civis e sociais. O termo também é expressamente fundamento da República Federativa do Brasil, ao lado da soberania, dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político (alíneas do art.1° da Constituição atual).
25
Todos os governos civis recentes, especialmente os dois mandatos de Lula,
contribuíram para diminuir a desigualdade social brasileira no rumo da erradicação
da miséria e diminuição das desigualdades regionais. Os efeitos em cada governo é
que diferem na forma e no conteúdo em contribuições variadas para a formação da
cidadania.
Compreendemos, assim, o que se nos apresenta agora como síntese vitoriosa,
em parte, deste período em que os trabalhadores entraram em evidência e a fome
foi retirada de sua invisibilidade para se imiscuir na agenda pública de agora em
diante atendendo a um recado constituinte. Recentemente o direito à alimentação foi
alçado à condição de um dos direitos sociais instituído pela Emenda Constitucional
de n° 64, de 2010.
A erradicação da fome e da extrema pobreza como compromisso programático
dos constituintes de 1988 é a precondição para o ingresso no exercício de todos os
direitos inerentes à condição humana.
Com efeito, vale ressaltar uma observação abalizada do criador da
Superintendência do Desenvolvimento Econômico do Nordeste (SUDENE). Com a
saúde já debilitada, Celso Furtado, em correspondência dirigida ao Presidente Lula,
referindo-se aos primeiros passos afirmativos no rumo da RBC5 aprovando esta
iniciativa inovadora em relação a de outros presidentes, diz que:
Neste momento em que Vossa Excelência sanciona a Lei da Renda Básica de Cidadania quero expressar-lhe minha convicção de que, com essa medida, nosso país se coloca na vanguarda daqueles que lutam pela construção de uma sociedade mais solidária. (SUPLICY, 2006, p. 118).
Convencido de que as políticas sociais do governo Lula, onde se insere o
direito à alimentação como direito da cidadania, tem condicionamentos históricos,
culturais e políticos no processo constituinte, recuperaremos criticamente estes
condicionamentos expressos em iniciativas de agentes políticos distintos para trazer
luz à defesa desse argumento.
5 Renda Básica da Cidadania (RBC) – É um instrumento de garantia do mínimo essencial à
manutenção de qualquer ser humano. É um quantun monetário pago a todos residentes em uma região. O poder público como que garante o direito de todos participarem, nem que seja minimamente, da riqueza produzida em determinados territórios.
26
2.1 A Constituinte Brasileira (1987-1988) e seu entorno
Não é por mera curiosidade que se deve procurar estabelecer com precisão qual foi o momento histórico em que surgiram as Constituições. Bem longe disso, o esclarecimento desse ponto é fundamental para que se possa conhecer o verdadeiro significado da Constituição, bem como para que se possa fixar com precisão qual sua origem, sua natureza e sua finalidade, como também se possa avaliar a legitimidade de uma Constituição. (DALLARI, 2010, p. 5).
Um processo constituinte, em si, já encerra um significado histórico de grande
monta para toda e qualquer sociedade. No caso brasileiro, além de coroar o
processo de redemocratização dotando o País de um arcabouço jurídico que
definitivamente sepultava o regime militar, também expressou o momento de grande
ebulição dos movimentos sociais.
Este contexto permitiu formular uma Constituição das mais avançadas do
mundo no plano dos direitos sociais, além dos direitos individuais e coletivos; um
texto inicial que, em seu conjunto, projeta um desenho social-democrata de
sociedade. Para destacar um só exemplo, vejamos o capítulo da Seguridade Social
que privilegia um sistema protetivo sólido. Previdência, assistência e saúde se
estabelecem como um sistema integrado, com detalhamento de financiamento e
operacionalidade sofisticados e suficientes. Este ponto, pela importância que
assume na relação com o objeto de estudo, será cotejado com profundidade em
capítulo à frente.
Qual o caminho, porém, que edificou a constituição cidadã e, logo após, em
clara oposição programática, se materializaram tantas alterações contrárias aos
princípios constituintes originários?
1964 foi o marco da interrupção de uma tentativa de reformas profundas,
sufocadas pelas contra-reformas instaladas com uma ação contundente e eficaz de
um bloco conservador e articulado que levou consigo setores da classe média, a
Igreja Católica e o empresariado (DREIFFUS, 1998). A ditadura militar se estabelece
para impor essa reação.
27
O bloco das esquerdas não tinha no enraizamento popular uma “sintonia fina”
capaz de implantar as reformas de base: tampouco capacidade de resistir, de
imediato e massivamente, ao golpe de Estado. É com certa ironia triste que se
constatará que, embora a população fizesse caminhadas e passeatas cantando
Geraldo Vandré, muitos gostavam também de dar uma voltinha no calhambeque de
Roberto Carlos (REIS FILHO, 2000, p. 80). Nem reformas de base, nem revolução,
mas luta generosa de poucos grupos que resistiram, pagando com exílio, tortura e a
própria vida pelo direito de lutar no que acreditavam.
Os processos de mudança social avançam muito rapidamente quando ocorre
uma revolução como as da Rússia e China, tomadas como exemplos, no entanto,
mudanças acontecem num ritmo diferenciado, mais lento, quando se dão pela via
das reformas.
O mais eloquente exemplo foi o Estado de Bem-Estar-Social em determinado
período, conquistado notadamente por alguns países europeus; sem revolução, mas
com grandes e, por vezes, prolongadas lutas. Havendo grandes mudanças (por um
processo revolucionário, ou por um processo reformista), em regra, se constroi, em
determinado momento, um novo pacto de convivência, materializado numa
Constituição.
O século XX foi palco da consolidação do Estado de Direito Moderno. Vários
países consagraram textualmente os avanços materializados numa economia com
correspondência de garantia de direitos, proteção social enfim aquilo que se pode
caracterizar como cidadania. A questão aqui é se continuamos, no Brasil, avançando
passada uma década do século XXI.
Santos (2001) defende a idéia de que, mesmo em estádio avançado, a
promessa de modernidade está longe de ser alcançada em plenitude. O homem,
como cidadão universal, não obteve sua plena emancipação e continua a persegui-
la. Já Forrester (1997) contextualiza que o homem se mantém preso aos seus
medos, embora hoje estes se configurem no desemprego, exclusão e desamparo.
28
O Brasil concluiu sua redemocratização com o término do trabalho dos
constituintes de 1987/1988. Não foram pequenas as alterações e as inovações. A
nova Carta, como já anotamos, configurou um esboço institucional de uma futura
socialdemocracia à brasileira. Pareciam estar presentes as condições reais para
mudanças no essencial da vida do povo nas questões como saúde, emprego,
educação, seguridade social.
Em outras palavras, indagamos se houve perspectivas seguras de mudanças
com o esgotamento de um modelo de desenvolvimento, mesmo sem ter havido o
processo revolucionário tradicional, para estabelecer um novo pacto civilizatório,
como indicado no processo constituinte brasileiro de l987/1988. A razão deste
questionamento é justamente a agitação social que antecedeu a Constituinte e a
desmobilização a que se seguiu.
A despeito do conteúdo da Lei Maior privilegiar um inédito conjunto de direitos
individuais, coletivos e sociais, a prática é outra realidade. No capítulo da
Seguridade Social, não houve uma efetivação plena do explicitado pelos
constituintes. Grande parte do ideário original foi desfigurado, alterado por valores
de legitimidade menores do que os primitivos. A globalização neoliberal6 que
campeava alhures fez do combate no âmbito legislativo, e na sociedade em geral,
um intensivo instrumento de desconstituição de um ideário recém-
constitucionalizado. A justificativa era de que a efetivação desses direitos era por
demais onerosa aos cofres públicos.
O próprio presidente Sarney abriu a contraofensiva, numa atitude
surpreendente, para quem formalmente convocou a Assembleia Constituinte,
atacando de pronto o essencial nela contido, com isso, iniciando e sinalizando que
os donos do poder não respeitariam regras nem o resultado momentâneo de um
novo jogo político-institucional
6 A Globalização neoliberal – forma tomada pelo capitalismo, com ares mundiais. As nações são diminuídas em sua soberania, já que o Estado é, em parte, submetido aos interesses de corporações ou potências dominantes. A conseqüência é que, nestas condições, com o Estado como que capturados, as políticas sociais são reduzidas, focalizadas ou até mesmo privatizadas. O fundo público é distribuído desigualmente, em favor do capital.
29
O período de 1992 a 2002 foi de anos seguidos de violação aos princípios,
preceitos7 e normas que a todos deveriam orientar, tendo como único parâmetro de
contrição a razoabilidade e o bom senso na velocidade de implementação e
regulamentação do longo e inédito texto da Carta Magna. Estes parâmetros
constitucionais foram desobedecidos. Os banqueiros desfizeram toda a elaboração
relativa ao sistema financeiro, incluindo o tópico limitador dos juros reais em 12% ao
ano8. Os trabalhadores ficaram sem ter a proteção ao trabalho regulamentada e,
assim, restaram desprotegidos. A banca privada seria desbloqueada para o
prosseguimento de obter sempre lucros maiores e ganhá-los sem descontinuidade.
O impacto do neoliberalismo no Brasil se torna particularmente grave, por
sermos uma sociedade desconhecedora do Estado do Bem-Estar, do ponto de vista
da realidade econômica e social. Desta forma, o dito impacto neoliberal, segundo
Sposati (2002, p. 35),
[...] não ocorre nem pelo desmanche social, nem pela redução dos gastos sociais. Essas sociedades não vivem como já afirmado, o pacto do Welfare State fundado no modelo keynesiano. Assim, enfrentava-se um grande dilema, discutir sobre a economia, participação popular, direitos do cidadão em meio ao grande avanço neoliberal e sem que o Brasil tenha conhecido um contrato social alargado, mas sim Estados ditatoriais.
Quem se apropriaria do orçamento, agora, com dinâmica aberta e
possibilitadora do acompanhamento popular à sua execução? A condução da
política econômica obedece a que interesses? Aqui está a contradição do processo.
Conquanto apareça na Constituinte um Estado de Bem-Estar Social, a baixa
cidadania, esta dinâmica da participação, da pressão dos grupos organizados, não
faz com que a inclusão apareça por si mesma. A expressão formal não se torna vida
real na existência de cidadãos.
7 Violações visíveis ao texto constitucional: de 1992 a 2002, com a constituição por 39 vezes, o que denota o ímpeto de aos poucos, mas com velocidade, alterar continuamente a vontade dos constituintes originários.
8 Juros Reais de 12% ao ano – o artigo 192, da CF foi alterado pela emenda n° 40, em 2003, portanto, já no governo Lula. Foram revogadas as alíneas I a VIII, o caput do art. 192. Isto ocorreu, em 2003, em pleno governo Lula. Veja-se o vácuo legislativo e a quem beneficia. DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003).
30
Historicamente a evolução dos indicadores econômicos e sociais mostra, em
números contundentes, o estabelecimento de uma potência econômica montada
num assalariamento precário e, mais grave, numa exclusão social gigantesca,
abrangedora dos sem-teto, sem-educação, sem-previdência social, enfim, dos sem-
cidadania, preservando uma sociedade ainda tradicional. Destaque-se nessa
correlação de forças, o fato de que o setor financeiro foi mantido como o de maior
lucratividade continuada, a despeito de crises, processos inflacionários e planos de
estabilização.
Grandes empresários, banqueiros e latifundiários, durante 20 anos, foram
favorecidos pelos militares no poder, sobretudo no milagre brasileiro9, e este bloco
dominante manteve hegemonia folgada na condução dos negócios de Estado até a
primeira metade dos anos 1980. O combate a esta hegemonia, constituído
subterraneamente durante o regime de exceção, explodirá em movimentos sociais
nos fins dos anos 1970 e prosseguirá por toda a década seguinte, sendo o primeiro
grande caracterizador político do efetivo fortalecimento da redemocratização.
Fracassados os sucessivos planos econômicos, derrotada a grandiosa
campanha pelas “diretas já”, será o processo constituinte (1987-1988) que lhes dará
visibilidade histórica, sendo o escoadouro das carências dos deserdados históricos
do modelo de desenvolvimento palmilhado. O bloco dominante, com o setor
financeiro e latifundiário à frente, perde legitimidade e forças para dar curso às
mudanças de transição final do antigo regime e do poder tutelado pelos militares. É
grande a pressão social por participação política, partilha da riqueza, do poder e do
saber. Estavam dadas as condições políticas para uma nova contratação social que
retratasse com fidelidade a nova correlação de forças políticas emergentes.
A dinâmica de nossa economia não correspondia ao movimento constitucional;
ao contrário, era um obstáculo. Havia uma pedra no meio do caminho, de remoção
difícil como veremos a seguir. Tão acostumados estávamos à desarrumação do
mercado e à ausência de planejamento que setores da esquerda brasileira não
9 “Milagre Brasileiro” – De 1969 a 1973 o Brasil atingiu uma velocidade tal de crescimento que o projetou no cenário mundial. Eram “anos de chumbo” onde alguns morriam e outros compravam televisores e carros. O avanço do crescimento se deu nos moldes da concentração da renda e aumento da pobreza.
31
perceberam de pronto a implementação de uma nova agenda política para o País, a
partir do Plano Real, em 1994. Esta nova agenda comportaria reforma na
Administração Pública, na previdência social, na economia e nas relações
internacionais. Foi o momento da desregulamentação, do neoliberalismo, onde se
estava introduzindo um elemento do mercado - a competitividade. A força
empresarial-financeira e latifundiária transmudada de modernismo voltava à cena
com grande protagonismo.
2.2 O imbróglio inflacionário de longa duração e o plano real
Como Ministro da Fazenda do governo do presidente Itamar Franco Fernando
Henrique Cardoso coordenou uma equipe de economistas que criariam o Plano
Real. Assim Fernando Henrique se apresenta como coautor de um plano cheio de
novidades para a cultura política brasileira e que o ajudará enormemente a ser eleito
presidente em 1994. O significado desse momento para a revolução burguesa
brasileira era a possibilidade do planejamento, pois sem moeda não há como
planejar o lucro.
A sociedade brasileira teve uma convivência secular até o advento do Plano
Real (1994) com dois fenômenos perversos ao povo: a tendência à alta de preços
por uma moeda corroída pela ausência de moeda (inflação) e o privilegiamento
continuado do setor empresarial-financeiro em detrimento de todos os demais, pois
poderia proteger seus patrimônios associando-se aos bancos e obtendo
lucratividade perene e garantia ao longo de nossa história. A inflação foi debelada
como consequência mais imediata do Plano Real, mas os bancos continuam num
ritmo ininterrupto de lucros exorbitantes. Era realmente perverso para os
assalariados e os pobres.
No final dos anos 1990, pelos procedimentos de privatizações e fusões, se
produziu uma reestruturação produtiva10 que se mostrou cruel, pelo menos em
10
Reestruturação produtiva – é um típico fenômeno da era da globalização. O objetivo das empresas é serem mais competitivas, terem a maior produtividade com os menores custos. Ela se bifurca em Inovação Tecnológica e Inovação Organizacional. A reestruturação produtiva é um sucedâneo aos modelos fordista e taylorista. Começou a se desenvolver no Ocidente a partir dos anos 70, tendo como paradigma o modelo Toyotista,desenvolvido no Japão.
32
alguns setores, como os bancários, que despencaram de 950.000 (1989) para
440.00 postos de trabalho (2009). Na disputa pela apropriação da riqueza sem a
correspondente efetiva produção, os salários dos trabalhadores sempre perderam
desmesuradamente poder de compra e, mesmo o setor empresarial da produção
real, lucrou menos do que a banca privada tradicional (POCHMANN, 2008).
Quando a inflação alta se alia a juros também altos, cresce o drama dos
assalariados e despossuídos, em geral, e se encurta o alcance do investimento
produtivo num ciclo retroaliamentador da pobreza e do desemprego só
recentemente em parte alterado. Em suma, a inflação descontrolada impede
qualquer planejamento nacional, prejudicando sempre mais a classe trabalhadora e
atingindo de maneira mais cruel os mais sofridos, os inteiramente excluídos do
próprio sistema de assalariamento formal (DOWBOR, 2008).
Até o lançamento do plano de estabilidade econômico-financeiro, em 1994, os
períodos de variação acelerada dos preços têm prevalecido sobre os de inflação
moderada, sobretudo nos últimos 50 anos. O rentismo – acompanhante, no caso
brasileiro, da alta inflacionária – distorce o fenômeno da produção capitalista
tradicional, porque induz ao ganho sem trabalho e sem trabalhadores.
No Brasil, os episódios históricos de inflação comedida eram anteriores à
Segunda Grande Guerra. De lá para cá, o País viveu épocas de inflação galopante e
na transição dos anos 1980 esteve bem próximo de uma hiperinflação. Com
pequenas variações de intensidade, durante todo este tempo, a dívida social foi se
acumulando (SECURATO, 2007).
No início da década de 1980, a inflação brasileira, pela primeira vez desde o
segundo pós-guerra, situou-se na faixa dos três dígitos, mantendo-se acima de
100%. Já no triênio 1983-1985 superou a taxa anual de 200% e, no início de 1986,
caminhava para 300%. Instalou-se na economia do País, sob sustentação e
alimentação da correção monetária generalizada, um processo inercial de inflação. A
inflação passada se reproduzia no presente, animando um movimento ascendente
repetido de alta de preços. As expectativas dos agentes econômicos levaram à
adoção de indexadores contratuais e à remarcação de preços, sobretudo em
33
mercados imperfeitamente competitivos. A inflação inercial toma corpo e
consistência e perdura até um pouco além do fim do regime militar (SECURATO,
2007).
O Plano Cruzado, portanto, foi um marco nessa tardia revolução burguesa,
completando a introdução da competitividade que o presidente Collor de Mello
iniciou, mas será logo interrompida, com o impeachment do indigitado Presidente.
Esse roteiro pode ser relatado com base nos impactos gerados.
Em 1986, com o Plano Cruzado reverteram-se temporariamente as
expectativas inflacionárias. A inflação recuou para níveis próximos de zero,
quebrando-se o ímpeto inercial. Com os preços congelados e os ativos financeiros
quase monetários desindexados, ocorreu intensa monetização, ampliando-se as
pressões sobre o setor real da economia. A procura por todas as categorias de bens
e serviços, de consumo e de produção, tornou-se exagerada e desproporcional à
oferta. O congelamento levou à explosão do consumo e ao desestímulo à poupança.
Mais uma tentativa fracassara, contribuindo para um ânimo social de descrença e
quase desespero em face o dragão inflacionário e de suas mazelas congênitas e
quase onipresentes (Id., Ibid.).
Em 20 de janeiro de 1987, o Ministro Dílson Funaro suspende o pagamento
dos juros da dívida externa, ou seja, a moratória é declarada. O País se desequilibra
ainda mais e Luís Carlos Bresser Pereira, economista, professor e empresário
assume o Ministério da Fazenda. Em julho de 1987, a inflação chega a 26%.
O governo Sarney adota um novo plano econômico, extinguindo o “gatilho”
salarial, congelando os preços por dois meses e promovendo elevação de tarifas e
impostos. O Brasil voltou a pagar seus compromissos com os credores
internacionais. Estas medidas não impediram uma nova explosão inflacionária, já
que a inflação de dezembro daquele ano chega a 14,14%. Bresser é substituído por
Mailson da Nóbrega, que o sucede, lançando o Plano Verão. Sua gestão, sem
iniciativas criativas, ficou conhecida como “feijão com arroz”. Ainda assim, ao final de
1988, a inflação mensal se aproximou de 30% ao mês. Um novo plano econômico
34
restabeleceu o congelamento de preço e o governo só gastaria o que arrecadasse,
ou seja, o velho arrocho fiscal liberal.
Collor editará, em rápido lapso, dois planos. O Plano Collor inicial causou
espanto e frustração social. O bloqueio de 85 bilhões de dólares era o centro lógico
das ações. A derrubada da inflação de novo não é obtida, de forma duradoura, e se
chega a dezembro de 1990 com 18,3%. O diplomata Marcílio Marques Moreira
administra o pouco tempo restante no mandato presidencial com uma política
claramente recessionista, pois o ataque à inflação veio pela elevação dos juros.
Assim, os trabalhadores que haviam perdido a inflação de fevereiro de 1989,
desconsiderada pelo Plano Collor, agora perdem massivamente postos de trabalho.
Embora de curta duração, a gestão Itamar Franco procurou construir um
governo de coalizão, sendo que o PT de pronto se recusou. Foi neste período que O
PT e o movimento Ação da Cidadania apresentaram o Plano Nacional de Segurança
Alimentar (PNSA). Itamar o acolheu, instalou o Conselho Nacional de Segurança
Alimentar (CONSEA) bem como indicou o bispo de Nova Iguaçu, Dom Mauro Morelli
e Herbert de Souza, o Betinho, como responsáveis pela coordenação dos trabalhos.
A elaboração do primeiro Plano teve participação decisiva do PT e do Instituto de
Cidadania, mas as figuras públicas do Betinho e Dom Mauro Morelli convinham para
um movimento amplo e suprapartidário como será pretendido (INSTITUTO DA
CIDADANIA, 2001).
O governo de Fernando Henrique não deu sequência a esta elaboração
coletiva em torno do combate à fome e à miséria com o protagonismo de muitos
cidadãos e entidades. Outra seria a escolha, e a criação do Plano Real, seguido de
ampla reforma nas instituições monetárias do País a partir do segundo semestre de
1994, se transformou no mais bem-sucedido programa de estabilização dos preços
no Brasil. O País parecia tentar trilhar o caminho inverso daquele que quase o
desconstruiu como projeto nacional. Esta substituição regenerativa do padrão
monetário foi complementada por um conjunto de medidas que garantiriam a
estabilização dos preços em reais. Viriam, ainda, a reforma administrativa e as
privatizações que completariam o núcleo político-administrativo comandado por
Fernando Henrique.
35
Alguns destes planos de estabilização da economia seriam objetos de
contestação jurídica da parte de assalariados em geral, mas, para a edição de cada
um deles a reação popular imediata foi diferenciada, variando do aplauso, da
participação, da aceitação crítica ao desencanto e à descrença em relação a eles.
Ironia da realidade: nenhum dos governos civis posteriores ao fim da ditadura
militar e anteriores a 2002, que apresentaram planos econômicos, seriam todos
planos essencialmente de controle inflacionário e de controle das contas públicas e
pontos outros. Não seria projeto para o País a partir do descortino da democracia
brasileira. A administração de seu curso, contudo, terá graves efeitos colaterais: a
explosão do endividamento e a fragilização do Estado comprometeram o futuro das
políticas públicas a ser executadas.
Só muito recentemente, conhecemos o planejamento nos moldes
constitucionais atuais. Há expressa abertura para participação nos planos
plurianuais (PPAs), nas Leis de Diretrizes Orçamentária (LDO) e Orçamentárias
(LO). A existência desta possibilidade não significa que a participação política venha
se dando com eficácia. Há um longo caminho a percorrer para que a experiência
nestes planejamentos orçamentários possa ser comparada com a bem-sucedida
experiência de orçamento participativo que se firmou em algumas capitais
brasileiras. O exemplo mais demorado é o de Porto Alegre.
O Brasil foi o país que mais cresceu em 100 anos (1880-1980). Havia áreas
econômico-geográficas possibilitadoras de crescimento, que se deu nos moldes
conhecidos: com a concentração de renda, inflação alta, urbanização acelerada,
diferenças regionais enormes, baixa escolaridade e a sempre crescente exclusão
social. O capitalismo industrial se transformaria em capitalismo financeiro, que
necessita de menor número de fábricas e muito menor quantidade de trabalhadores.
A expansão capitalista atual é mais complexa do que a do período de
industrialização brasileira (POCHMANN, 2008).
Inferimos, pelo exposto, que a inflação e o privilegiamento dos bancos
contribuíram para as distorções do crescimento brasileiro. A inflação foi atacada com
36
sucesso, já os bancos continuaram seu empreendimento de lucratividade alta e
permanente.
Estão expressos desafios que somente se enfrentam com ações políticas
consistentes. Além da mobilização, da pressão, é necessário o domínio prático do
curso das políticas. Nos últimos anos, esta qualidade de mobilização se tornou uma
ferramenta imprescindível em face de notória incapacidade de se confiar
integralmente na divulgação de fatos e opinião da mídia impressa, falada e
televisiva.
2.3 As lutas sociais
A redemocratização do País abriu um espaço de reação ao modelo de
desenvolvimento que se extenuara e inicia-se um fenômeno de formação de uma
efetiva sociedade de mercado e, portanto, sociedade de consumidores em larga
escala.
O final da década de 1970 e todo o decênio seguinte serão intensos, ricos e
agitados como expressão política da sociedade civil. Registram-se o retorno dos
exilados, o movimento contra a carestia, a luta contra a política de arrocho salarial, a
formação e o fortalecimento das CEBs, a retomada da atuação sindical combativa, a
atuação contundente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a profusa imprensa
alternativa de grupos e partidos de esquerda, a legalização dos partidos comunistas,
a fundação do PT e a fundação da Central Única dos Trabalhadores; mobilizações,
greves, debates, propostas e confrontos sócio- políticos numa circunstância tal que a
ordem antiga parecia ser sepultada para dar lugar a um novo projeto em elaboração
por muitas cabeças e mãos.
Este sentimento de poder de avanço das classes populares obteve um ganho
extraordinário na consolidação do Texto Constitucional que o Partido dos
Trabalhadores se recusou a assinar. Este fato é um exemplo da pouca percepção da
correlação de forças políticas na sociedade, bem como de descaso, naquela
circunstância, com o valor das conquistas constitucionalizadas nos anos de 1980. O
37
ambiente da guerra fria, em que direita e esquerda eram nítidas, estava presente no
dia a dia da política brasileira.
Os trabalhadores e seus aliados não lograram êxito na apresentação pública
sustentada politicamente por um projeto conformador da trajetória percorrida e a
percorrer. Tampouco tiveram forças para deter o contra-ataque em várias frentes do
neoliberalismo brasileiro: nas eleições, na disputa de opinião pública, na disputa de
projeto. As esquerdas cresciam fatiadamente, disputando palmo a palmo propostas
conjunturais e estruturais; o bloco dominante se dividia em inúmeras questões,
porém quase sempre se unia no que fosse embate com as esquerdas. Assim, as
esquerdas, em seu conjunto, não conseguiram sintetizar um projeto global e, mesmo
em questões conjunturais, pesava a necessidade de afirmação partidária e
conquista de militantes para cada agremiação específica.
Nos anos 1990, os neoliberais voltam a atacar para desfigurar o caminho
constituído. Este ânimo afirmativo de cada organismo político ajudaria a retardar
uma formação unitária de projeto nacional e facilitaria o controle do Congresso
Nacional pelo PSDB e PFL, propiciando um trânsito rápido das propostas de reduzir
a atuação do Estado, privatização em larga escala, políticas sociais compensatórias
e uma inserção subalterna na economia internacional.
O Presidente Collor confiscou temporariamente a poupança de milhares de
brasileiros, patrocinou a indiscriminada abertura do comércio, privatizou; isolou-se
do Congresso e o descobrimento de grossa corrupção o levou ao impeachment.
Quase inexistiu, neste período, algo que possa ser chamado de política social.
Destacamos os dois governos de Fernando Henrique, nos termos referidos
anteriormente, pela sua permanência, duração e pela qualidade de iniciativas
tomadas na óptica do projeto implantado do País, além das fugazes e passagens de
Fernando Collor de Mello e Itamar Franco. Com o último, se editou o Plano Real –
marco definitivo na economia brasileira, no combate à histórica renitente alta
inflacionária.
38
É fato ter havido lutas nacionais contra o desemprego, contra as privatizações
e denúncias de corrupção e até mesmo à condução da reeleição. Estas lutas,
contudo, se davam em um ambiente hegemonizado pelo ideário neoliberal
fortalecido. Outra era a conjuntura, a de 1990.
Analisando o estádio das políticas públicas brasileiras e das instituições
atuando na plena legalidade, W. Santos (2003, p. 43) vaticina
A insegurança social decorre basicamente da mutilação a que a Constituição foi submetida. Universalizar o usufruto dos direitos constitucionais verticalmente, isto é, a todas as classes sociais, e horizontalmente, vale dizer, em todas regiões do país, pode muito bem ser uma bandeira política que, associada à obsessão pela criação de empregos, constitua o alfa e o ômega do que a população tem direito pelo pacto político que deseja assinar com o governo.
O neoliberalismo se mostrará mais forte ideologicamente do que na condução
econômica. Neste sentido, o incipiente ideário de emancipação político-social,
ensaiado no âmbito da redemocratização, e as vitórias consagradas na Constituição
de 88, serão abalados.
A ação política dos movimentos sociais não pode retirar a presença e a
influência do contra-ataque aos preceitos constitucionais naquilo mais diretamente
ligado à cidadania. O Congresso Nacional dará ampla e folgada maioria às
iniciativas do Executivo, sem quebra de continuidade, no período que vai de 1994 a
2002. Uma esquerda partidária pequena e atuante cumprirá o papel de resistência,
denúncia e semente de outras propostas políticas.
No Brasil, esta contra-ofensiva se mostrará mais claramente a partir do fatídico
ano 1989, com o simbolismo da queda do Muro de Berlim e a eleição presidencial de
Fernando Collor de Mello - episódios que serão apropriados e desdobrados pelos
conservadores locais atrasados em sua política comparativamente a outros países
com um curso neoliberal avançado.
Os empréstimos de organismos internacionais como o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial expressamente eram condicionados à adoção de
reforma administrativa, abertura indiscriminada dos mercados, privatização ampla e
39
outros similares, que terão acolhida disciplinada pelos governos brasileiros de Collor,
Itamar e Fernando Henrique.
Os movimentos sociais, ante esta nova contraofensiva patronal, clara e
propositiva, mudam de tática e, por vezes, são constrangidos a recuar. Em vez de
lutas por novos e melhores empregos, por maiores salários, a orientação e o
comportamento concretos serão de luta pela manutenção dos empregos. A
terceirização grassa, dificultando ainda mais o trabalho dos dirigentes sindicais. Os
teólogos da libertação inspiradores das CEBs perdem espaço fora e dentro da Igreja
Católica. Intelectuais se afastam das organizações dos trabalhadores e se
aproximam do governo Fernando Henrique Cardoso.
A reestruturação produtiva, a desregulamentação do mercado, as
privatizações, enfim, o ideário neoliberal será alavancado com o poder de iniciativas
e prestígio político do Presidente, que o usa abrindo pouco espaço de interlocução
com os movimentos sociais.
Esta nova etapa contará com maioria ampla no Congresso Nacional e uma
imprensa que guardava alguma identidade com o intelectual no poder; enfim, tudo
isso jogava os trabalhadores num grande momento de descenso em suas
formulações e lutas sociais imediatas, numa desconstrução parcial do caminho
percorrido nas duas décadas imediatamente passadas.
A ligação entre as lutas imediatas a um projeto nacional encontrou muitos
óbices concretos. A Constituição foi alvo de fogo cerrado. No âmbito dos sindicatos,
os anos 1980 foram de muitas greves, algumas localizadas na produção industrial
(metalúrgicos), nos bancos, na Administração Pública e nos sindicatos rurais. Nesse
período, as greves eram de 4000 por ano; ao final dos aos 1990 eram 400, ou seja,
apenas 10% (POCHMANN, 2008).
O móvel maior das paralisações eram questões de natureza salarial, quase
sempre por ocasião das datas-base. Invariavelmente, era o índice econômico a
cláusula estratégica para o fechamento dos acordos. Pontos de interesse público
constavam das pautas, porém nestas questões havia mais retórica do que pressão
40
político-sindical. Este comportamento é válido inclusive para as grandes máquinas
sindicais da CUT (bancários, petroleiros, metalúrgicos, professores e trabalhadores
rurais). O novo sindicalismo era de fato combativo, como as estatísticas do
DIEESE11 atestam, sem, contudo, alcançar a politização dos anos 1960 a 196412.
O período de resistência (1990-2002), malgrado o recuo nas mobilizações
tradicionais, foi um momento de utilização criativa de outro instrumental de ação
política. Numa palavra: novos mecanismos de ação surgem. Os fóruns sociais
mundiais se constituem, a economia solidária se apresenta na CUT e em outras
instâncias, instalam-se governos de cunho popular na América Latina, prossegue a
luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cresce a produção
crítica de muitas organizações não governamentais (ONGs), as questões ecológicas
ganham maior dimensão e prestígio; enfim, há uma incipiente cultura política
desabrochando. Diminui o constrangimento impingido às esquerdas, aos
movimentos sociais e à cidadania no Brasil e na América Latina. Mesmo com pouca
visibilidade, nascia a contraposição criativa nas esquerdas daqui e de muitos outros
países.
Não é exagero a afirmação do enfraquecimento do neoliberalismo episódio por
episódio, culminando com as grandes crises financeiras de 2008 e 2011, em que
Estados livraram bancos e empresas da falência pela via da injeção de grossos
recursos públicos.
O conjunto destas experiências acumuladas, ou seja, dinâmica inflacionária,
processo constituinte e lutas sociais não pode ser desconsiderado, quando os
cidadãos brasileiros, em 2002, elegem um ex-operário migrante nordestino para o
cargo de Presidente da República. Ter-se-á eleito um novo projeto, tendo no centro
11
Disponível em: <http://www.dieese.org.br>. Acesso em: 05 jul. 2011. 12
Politização Sindical – a concepção e a prática sindical da Centra. Única dos Trabalhadores (CUT), não única mas a maior da América Latina adota hoje a mesma concepção que a fundou em 1983. Os discursos mudaram (um pouco), a prática também (um pouco), mas o processo de formação política é muito pequeno. No período anterior ao golpe de 64 houve um processo de acirramento e, portanto, de politização social. Os sindicatos, naquele momento, agiram como órgãos políticos na excepcionalidade. Fracassaram rotundamente. Na atualidade os sindicatos, por diversas razões, perderam força e prestígio político na sociedade porque não foi capaz de acompanhar a velocidade de mudanças necessária a um sindicalismo atuante, comprometido e preparado para enfrentar desafios complexos.
41
as políticas sociais de resgate da dívida acumulada e que expresse a cidadania
constitucionalizada?
Este novo centro de ação política e programática ao se tornar governamental,
terá sustentação nos movimentos sociais frente um Congresso majoritariamente
adverso a tais mudanças?
O PT, Lula e seus aliados se oporão a todo a crescente e longa exclusão social
e tentarão construir a alternativa de desenvolvimento, tendo a questão social como
eixo central. O Projeto Fome Zero, elemento programático destacado, tinha este
objetivo, daí a importância da avaliação de seu trajeto. Este projeto, já em seu
nascedouro (1992), se mostrou ambicioso e persistente. Com a denominação de I
Plano Nacional de Alimentação, foi apresentado ao Presidente Itamar Franco e em
2002 tomou contornos de um projeto com propostas emergenciais, específicas e
estruturais.
Em 2003, um novo momento histórico se abriu, não há dúvidas. É preciso,
então, observar seus movimentos iniciais, notadamente as políticas sociais. O
próximo capítulo tratará então de questões referentes à implantação do Fome Zero e
seus sucedâneos, sempre se levando em consideração a luta política a estas
questões relacionadas, seja no âmbito do Congresso Nacional, na imprensa, no
Poder Judiciário e no próprio Poder Executivo.
No discurso de posse, Lula falou em mudanças e destacou que se sentiria
realizado no dia em que todos os brasileiros pudessem ter três refeições por dia.
Este destaque, para uns, indicou a possibilidade de mudanças estruturais; para
outros, o Presidente priorizaria a questão da fome, tornando-a central para todo o
governo e para a sociedade.
42
3 O PROJETO FOME ZERO (PFZ) COMO POLÍTICA PÚBLICA
TRANSFORMADORA
O maior exemplo de governança você não pega num livro, pega numa mãe. Ou seja, ela vai sempre tratar daquele filho que está mais debilitado. Ela ama a todos, mas vai cuidar mais do mais debilitado. Ele ama a todos, mas cuida mais deste. Ele não é o mais bonito, ele não é o mais inteligente, ele é o mais debilitado. Este é o espírito de mãe. Confesso que governo com este respeito de mãe. Temos de cuidar dos mais pobres. O rico não precisa de Estado. Esta é a verdade. (Palavras iniciais de Lula para o documentário argentino Brasil Lula da Silva, com acesso ao blog Luís Nassif, em 03/03/2011).
O Fome Zero continua institucionalmente como projeto-matriz ao qual se
vincula o Programa Bolsa-Família. Foi apresentado, nas eleições de 2010, como a
estrela efetiva das políticas sociais do governo Lula. O sítio do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em sua página inicial, nos
conduz de imediato ao Bolsa-Família e como que nos esconde o Fome Zero. Na
tentativa de compreender este processo, vamos investigar a caminhada real do
Projeto Fome Zero e do Programa Bolsa-Família. Para tanto, vamo-nos valer de um
corte histórico-metodológico ao reconstituir, de forma analítica, o cenário brasileiro
afeto ao tema.
3.1 Preliminares históricas e agressões à humanidade
De 1930 a 1985, o Brasil caminhou para a industrialização. No regime militar
(1964-1984), em especial, o País cresceu estimulado pelo Estado, dando incentivos
fiscais ao empresariado, concentrando a renda e excluindo grandes contingentes
humanos do exercício da cidadania plena. Era como se dizer que o País ia bem, o
povo ia mal para caracterizar essa realidade.
Nestes 55 anos, o Brasil urbanizou-se vertiginosamente. À classe média se
conferiu visão pública e acesso ao consumo. As manifestações de cidadania
aconteciam com os movimentos sociais, que cresceram e amadureceram neste
interregno histórico. O modelo era concentrador de renda. A apropriação de poucos
brasileiros favorecidos com este modelo de crescimento contrastou com as
43
péssimas condições de vida da maioria do povo. Formou-se um grande passivo
social, uma herança de complexa partilha a ser resolvida pelos governos civis.
O quadro abaixo identifica a situação, com base nos primeiros anos da Era
Vargas (1930) até o final do governo Lula (2010), uma linha de tempo demonstrativa
da agenda de políticas públicas a tratar seguidamente a temática e os dramas
sociais:
Quadro 1 – Agenda das políticas públicas brasileiras Período Histórico Princípio Estruturador Efeito Pretendido
Primeira Era Vargas (1930-1945)
Integração Social e nation Building
Incorporação tutelada das massas à sociedade oligarca; a construção de uma ordem institucional que permitisse a incorporação dos novos atores à arena política
Populismo (1945-1960) Aumento da participação Submeter as políticas à lógica do mercado político; políticas como moeda de troca política;
Redistribuição Expansão organizacional do aparato público das políticas;reformas de base permitem superar o desenvolvimento social e a estagnação;socialismo ou subdesenvolvimento
Autoritarismo Burocrático (1964-1967) 1967-1973
Modernização Conservadora Crescimento sem distribuição de renda
Submeter as políticas públicas à lógica da acumulação; reformismo conservador;expansão dos complexos empresariais de provisão de bens e serviços sociais; desenvolvimento social como trickle down do crescimento
1974-1984 Redistributivismo Conservador: “Redistribution with Growth” (Banco Mundia);primado da desigualdade sobre a pobreza absoluta no debate púlico
Expansão acelerada dos complexos empresariais de provisão de bens e serviços sociais, com opção moderadamente redistributiva.
Nova República Reformismo social-democrata: universalismo, descentralização, transparência
Governo Collor Cesarismo Reformista;reformas como imperativo de governabilidade
Reestruturação ad hoc e pouco consistente das políticas: focalização, seletividade e redifinição do mix público-privado das políticas.
Governo FHC
Instituir a Boa Governança; ação pública como fixação de regras do jogo estáveis e univeralistas;primado da pobreza absoluta sobre a desigualdade no debate público.
Focalização, seletividade e redifinição do mix público-privado das políticas; políticas compensatórias dos custos sociais da estabilização.
Governo Lula A questão social como central Mix de Políticas universalistas e focalizadas
Fonte: Melo (1998). Adaptado pelo autor.
A velocidade de constituição da cidadania não é proporcional ao crescimento
econômico. Momentos houve de avanços e recuos, sendo, nas mais das vezes, um
44
simulacro de cidadania. O experimento democrático da Constituição de 1946
interrompida em 1964 e, a partir de então, reprimidos os direitos elementares
constitutivos do básico da dignidade humana é um exemplo de avanços e recuos
desse processo. Vinte e dois anos após o desfecho do golpe militar, com uma nova
Constituição, o regime democrático se restabeleceu e o Estado Democrático de
Direito se constituiu como República Federativa do Brasil.
No início do século XXI, a cidadania ainda pede passagem para se realizar
como direitos civis, sociais e políticos. Os espaços democráticos pós-regime militar
ainda lidam com problemas seculares: ausência de educação de qualidade,
extensão de saúde como direito de todos e dever do Estado e, também destacada
conjunturalmente, a insegurança pública como fato simbolizante de um tecido social
tenso e frágil para resolução de conflitos. É aqui que entram os programas sociais,
como o Fome Zero e a Bolsa-família, para iniciar um processo de trazer as massas
para a política.
No tempo presente, convive-se ainda com a esperança e o medo, com
possibilidade de consolidação e aquisição de direitos, mas também com
possibilidade de travamento do curso rápido do processo social, deste alargamento
na conquista democrática. O País e seus concidadãos parecem experimentar uma
encruzilhada histórica. Questões básicas da cidadania não foram inteiramente
resolvidas e, talvez por isso, há descrença em relação à eficácia das instituições
vigentes, embora quase não haja arautos ou saudosistas de um regime de exceção.
Nesta corda bamba se embala nossa democracia liberal, nos termos praticados na
experiência brasileira (CARVALHO, 2001).
Há nos escritos aristotélicos fundamentos que datam 300 a.C. conformadores
de uma sociedade fraterna e igualitária que nunca se realizou historicamente, com
caráter duradouro. Os avanços concretos no plano da justiça social são limitados.
Saúde, educação e trabalho decentes não alcançam milhares de brasileiros. As
instituições político-administrativas parecem públicas, sendo apenas estatais porque
têm deficit crônico de funcionamento efetivamente público. A democracia liberal, no
caso brasileiro, abriu caminhos sob controle das classes dominantes que
45
historicamente exerceram seu mando, espraiando permanentemente por toda a
sociedade relações de uma cultura social autoritária (CHAUÍ, 2000).
Mercados voláteis, soberanias nacionais violadas, países com suas economias
sob constante ameaça de especuladores profissionais, tudo isso a impedir o
desenvolvimento autóctone. O capital financeiro se afirma implacável na fúria da
financeirização sem limites. Dupas (2001) se serve da expressão “estreito fio da
navalha” para designar o contexto estruturante e limitador em que se insere qualquer
país na conjuntura internacional da primeira década do século XXI.
Esse quadro dramático não tira de cena os avanços. No início do século XXI,
no entanto, o mundo inteiro – literalmente – convive ainda com progresso técnico e
desarmonia humana; com luxo e desperdício; com abundância e excesso
simultâneos à extrema pobreza e à fome. O contraste entre a performance de
desenvolvimento econômico-tecnológico e a crise ético-civilizatória levará
(OLIVEIRA, 2010, p. 152) a afirmar que: “A exigência ética suprema se deve
traduzir, hoje, na exigência de uma transformação radical de uma economia que
exclui e joga uma maioria crescente na miséria mais cruel de todos os tempos”
(BEOZZO; VOLANIN, 2010, p. 152).
3.2 Elaborações e lutas: a proteção social brasileira
O direito à segurança alimentar e o direito à erradicação da miséria tem raízes
na Constituinte de 1988 e isso está no âmbito da cidadania brasileira. Essa âncora
constitucional não pode ser desconstituída, pois é cláusula pétrea e só o advento de
um novo processo constituinte poderá arrancar esse direito. Assim, sem negar atos
precursores e iniciativas outras de importância, nenhum documento público deveria
e deve retratar melhor o estádio alcançado das instituições políticas de determinada
sociedade e a dinâmica operada por elas do que a respectiva Constituição.
O conceito de segurança alimentar surgiu com da Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura, em 1985, assentado na oferta, na
estabilidade dos mercados e na segurança da qualidade dos alimentos oferecidos.
Eram, portanto, momentos antes da Constituinte.
46
Em 1986, o Banco Mundial definiu segurança alimentar: “o acesso por parte de
todos, todo o tempo, a quantidades suficientes de alimentos para levar uma vida
ativa e saudável” (VALENTE, 2002, p. 55). Com tais ações, concretizou-se uma
visão nova de segurança alimentar e foi-se incorporando a garantia do poder
aquisitivo da população, crescimento econômico, redistribuição de renda e redução
da pobreza. Foi um avanço e será uma referência para o acúmulo dos movimentos
sociais locais.
No Brasil, essa preocupação é anterior. Josué de Castro observava que os dois
maiores descobrimentos do século XX foram a fome e a bomba atômica. Com a
“Geografia da Fome” (1948) ele elevou a abordagem do problema como âmbito de
natureza política. É dele também a constatação de que a fome brasileira é endêmica
e não epidêmica.
Celso Furtado publicou em 1968 “Um Projeto para o Brasil”. Nessa publicação
ele sonhava com um país de todos. Sete anos após, será a vez do economista
Antônio Maria da Silveira, com “Moeda e Distribuição de Renda”. Este será o autor a
elaborar a primeira proposta de garantia de renda mínima no Brasil, sendo o imposto
de renda negativo o mecanismo viabilizador da proposta. A diferença em relação
aos posicionamentos anteriores é a sistematização propriamente dita da proposta de
direito à renda mínima.
Ainda na década de 1970, o geógrafo baiano Milton Santos contribuirá com a
publicação de “Pobreza Urbana”, onde novos mecanismos de reprodução da
pobreza são desvendados. Ainda nessa década, em 1978, Edmar Lisboa Bacha e
Roberto Mangabeira Unger trazem a público “Participação, Salário e Voto”, onde
apregoam a necessidade de um mínimo social na linha de garantia de renda
mínima.
Uma pesquisa com pouca ou nenhuma publicidade à época de sua realização
e conclusão, 1974/1975, aferiu o consumo e a renda das famílias brasileiras. Seu
resultado explica a não publicização. O Estudo Nacional de Despesa Familiar
(ENDEF) constatou ser o Brasil o sexto país com população gravemente de
desnutridos (pessoas que consumiam menos de 1600 calorias diárias). Havia 13,5
47
milhões de brasileiros nesta situação. O Brasil estava à frente apenas da Índia,
Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas. E mais: quando se somavam os casos
graves e discretos, o ENDEF chegou a 67% da população brasileira de subnutridos,
correspondendo a 2/3 da população (MDS, 2011).
O assunto iria continuar sendo uma chaga humana sem visibilidade maior, por
pouco tempo. Coincide com o fim do regime de exceção o surgimento do conceito
de segurança alimentar e nutricional, em 1985. Já no ano seguinte, seriam criados o
Conselho Nacional de Alimentos e Nutrição (CNAN) e o Sistema de Segurança
Alimentar coerentes com a nova visão em elaboração.
O processo de (re) democratização brasileiro será um campo fértil a
manifestações sociais em torno de grandes desafios que o regime militar não
resolvera, notadamente nas políticas públicas para enfrentar o dilema da
desigualdade social. A herança do período discricionário apontará para a
necessidade de, democratizando o Estado, torná-lo acessível aos cidadãos para
viabilizar o exercício dos direitos anteriormente negados, suprimidos ou reprimidos.
A cidadania contida pela força das armas no período mais forte do regime
militar se desprenderá para se manifestar em expressões variadas de grande
vitalidade cívica. Em 1985, o país inteiro foi mobilizado pela campanha “Diretas Já”,
que pleiteava o voto direto para eleição de Presidente da República. Foi uma
campanha de abrangência nacional, conseguindo reunir milhares de cidadãos nas
praças públicas e, mesmo não conseguindo a aprovação da Emenda Dante Oliveira,
que garantiria que esse desejo popular fosse realizado, foi um dos momentos
expressivos de uma sociedade ávida por democracia e mudanças.
A fragorosa derrota de Paulo Maluf para Tancredo Neves, no colégio eleitoral,
seria a expressão de uma vontade política que não mais seria contida na formação
de um novo ciclo político, onde coubesse a expressão popular acumulada,
prioritariamente na adoção de políticas públicas participativas.
Com a chegada da democracia, vamos rever alguns eventos que marcaram a
luta pela segurança alimentar. Sem prejuízo de outras manifestações e eventos
48
marcantes da luta contra a fome e a pobreza, contabilizados apenas nas últimas três
décadas, comentamos o Movimento contra a Carestia (1973), a Ação da Cidadania
contra a Fome e pela Vida (1993), as Caravanas da Cidadania (1993) e o Projeto
Comunidade Solidária (1995-2002). Esses acontecimentos podem ser incluídos
como antecedentes principais do Projeto Fome Zero (2001). É a cidadania pedindo
passagem para a história política brasileira.
3.2.1 Movimento contra a carestia13
Em 1973, surgem em todo Brasil, principalmente em São Paulo, os Clubes de
Mães. Os propósitos iniciais eram entretê-las e prepará-las para a maternidade. Ao
organizarem as mulheres com estas questões bem pragmáticas, a organização
tornou-se o embrião de um movimento que se politizou, por necessidades tais como
a de discutir problemas como transporte, água, esgoto, creches, enfim, quase tudo
da vida cotidiana de qualquer família. O fato é que, em pouco tempo, as mulheres se
somaram à linha de frente pacífica de combate à ditadura. Dos protestos por
reivindicações várias havia passado o fio condutor da carestia em face dos salários
achatados.
Localizam-se ainda em 1973, os passos iniciais do movimento que chegará ao
pico quando em 27 de agosto de 1978 foi realizada uma grande manifestação
pública, interrompendo o ciclo de 14 anos silenciosos. A concentração foi duramente
reprimida e a coleta de 1,3 milhão de assinaturas foi caracterizada como ato
fraudulento, pois, segundo o Presidente Geisel, as assinaturas eram falsas.
O Movimento contra a Carestia manteve contatos com movimentos sindicais,
estimulando a solidariedade e a unidade entre eles que massivamente se
reorganizavam para a normalidade política. Em 1980, realizou-se o I Congresso
Nacional de Luta Contra a Carestia; três anos depois, pipocam saques em
supermercados e lojas, principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo.
13
Movimento contra a Carestia – nos idos de 1973 surge um dos movimentos pioneiros a se expor publicamente e que se politiza a partir das necessidades concretas da vida cotidiana (luz, aluguel, ônibus, salário). Surgiu em São, alastrou-se pelo país, e juntos aos combatentes pela volta da democracia.
49
O Movimento contra a Carestia, no momento em que os movimentos sociais se
manifestam, é um precursor da política pública de segurança alimentar, pelo fato de
para o Estado o drama da fome e do salário que apenas garante a segurança
biológica. Havia há um ambiente propício para essas manifestações a fim de que o
Estado garantisse direitos ainda não alcançados por todos. Era, portanto, a
cidadania iniciando a afirmação democrática.
3.2.2 Ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida
O “Movimento pela Ética”14 na política antecedeu à Ação da Cidadania,
afirmando-se este como um grande movimento cívico que colaborou para se
concretizar o impeachment de Fernando Collor de Melo.
De certa forma, a sociedade civil continuou se expressando publicamente e
conquistando mais militantes e apoiadores para que fossem implementadas as
políticas públicas básicas, a começar pelo combate à fome e à miséria. Em 1993
havia mais de 3.000 comitês da ação pela cidadania espalhados pelo País, a maior
parte deles ligados a funcionários de empresas públicas.
Segundo Herbert de Souza, o Betinho, ”a motivação fundamental da Ação da
Cidadania era a certeza de que democracia e miséria eram incompatíveis”. A
indigência alcançou níveis alarmantes. O mapa do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) contou 32 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza.
Ainda em 1994, ocorreu a primeira conferência de segurança alimentar
(CONSEA, 1995, p. 88-9) que se manifestou:
No Brasil haverá Segurança Alimentar quando todos os brasileiros tiverem, permanentemente, acesso em quantidade e qualidade aos alimentos requeridos e às condições de vida e de saúde necessários para a saudável reprodução do organismo humano e para uma existência digna. A Segurança Alimentar há de ser, então, um objetivo nacional básico e estratégico. Deve permear e articular, horizontal e todas as políticas e ações
14
Movimento pela Ética na Política – Em 1992, ano do impeachment do Collor, nasceu de um grupo de sindicalistas, universitários, militantes de partidos e o pessoal das ONGs que juntamente com o dep. federal José Carlos Sabóia (PT-MA) iniciaram o movimento. Em 9/5/1999 com participação do presidente da OAB Marcelo Lavènere decidiram pela criação de uma “Vigília pela Ética na Política”. O impeachment viria no dia 29 de dez de 1992.
50
das áreas econômicas e social de todos os níveis de governo e perseguida por toda a sociedade, comprometendo todos os segmentos sociais, seja em parceria com os distintos níveis de Governo ou em outras iniciativas cidadãs.
Um documento intitulado “Carta pela Cidadania” é o batismo do movimento
que, apoiado em formulações do governo paralelo do PT, apresentou ao Presidente
Itamar Franco um plano de combate à fome e a miséria. O saldo deste movimento
social é positivo. O Presidente declara o combate à fome como prioridade absoluta.
Além de um grande mapeamento da fome no País (Mapa da Fome), foi realizada a I
Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994.
3.2.3 Caravana da cidadania15
Esta experiência não foi um movimento político de qualquer modalidade. Foi
uma experiência de conviver e auscultar os mais pobres brasileiros das regiões do
Brasil. Certamente esta caravana contribuiu, de alguma maneira, para a formação
das políticas sociais do governo Lula. A caravana abria espaços para a voz dos
excluídos, dos mais pobres entre os pobres.
Sessenta e oito cidades, sete estados, quatro mil quilômetros rodados entre 23
de abril e 12 de maio de 1993, de Garanhuns (PE) a Guarujá (SP): um percurso que
refez a trajetória migrante de Lula; a este itinerário se chamou Caravana da
Cidadania.
Conviver, ainda que de relance, com as entranhas mais miseráveis deste
continente Brasil foi o objetivo desta viagem gravada num livro onde as fotos falam
tanto ou mais do que os textos.
O PT não mais era o partido do operariado paulista. Administrava prefeituras
importantes, como Porto Alegre, Santos e Belo Horizonte. Precisava interiorizar-se
nacionalmente de corpo e alma. A Caravana também cumpriu este papel.
15
A Caravana da Cidadania – Para Ricardo Kotscho, um dos seus idealizadores, a Caravana foi um manancial de idéias. Os projetos sociais provaram marcaram corações e mentes de seus participantes. Lula carregaria, por inteiro, uma imagem viva de carência e pobreza nacionais a serem solucionadas.
51
Talvez menos por sugestão de Ricardo Kotscho, e mais por vivência própria,
em seu discurso de vitória, Lula se diz realizado se, ao final de seu governo, todo
brasileiro tivesse garantido três refeições diárias.
No percurso inteiro da Caravana, Lula era recebido como candidato, tratado
como Presidente. Durante parte da viagem, insistiu em tirar o caráter eleitoral. O
Brasil mais rude e sofrido tinha uma identidade profunda com Lula e a ligação quase
messiânica se fazia com certa naturalidade.
3.2.4 O Projeto Comunidade Solidária
É necessário entender que questões de tal magnitude e complexidade, como a recalcitrante da pobreza e da dificuldade como a brasileira, não podem mais ser resolvidas com velhas fórmulas. Propostas centralizadas, baseadas em planos de transferências de renda direta de recursos, têm, em geral, levado a impasses e gerado novos problemas. (FRANCO, 2001, p. 25).
Esta citação retrata o pensamento dos idealizadores e implantadores do
Projeto Comunidade Solidária. No texto, como está assentado, o pressuposto da
participação dos cidadãos como protagonistas junto ao Estado brasileiro para que
sejam vencidas as barreiras do analfabetismo, baixa escolaridade e geração de
renda (FRANCO, 2001, p. 25). Reafirma ainda que: “A pobreza é mais do que
ausência de renda”.
O Comunidade Solidária pretendia inovar na concepção e na prática de
políticas públicas. Havia uma crítica explícita ao círculo vicioso de um
assistencialismo genérico, não acompanhado de ações correlatas no campo da
saúde e da educação.
Manifestou-se um convite explícito de corresponsabilidade entre agentes não
governamentais e os agentes públicos, desde a elaboração à execução de
programas. E o Comunidade Solidária situava-se como agente facilitador e
integrador do Estado com a sociedade civil.
52
No primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998),
este diálogo não foi estabelecido e, mesmo internamente ao Governo, o espaço de
políticas públicas se restringiu. O grande acúmulo do I CONSEA e do PNSA não foi
recepcionado minimamente.
A agenda inicial do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) não priorizou
esta continuidade que se lhe apresentava. O enfrentamento da fome e da
desnutrição teria de se contentar com a dinâmica em constituição de outro mercado.
O enfoque governamental se limitou à proposta de redução da pobreza e da
exclusão social, sem articulação com as políticas econômicas e sociais. Passou
longe a possibilidade de implementar-se o prescrito constitucionalmente como áreas
integradas de saúde, previdência e assistência social (VALENTE, 2002).O acúmulo
recente da sociedade civil no campo da segurança alimentar não cabia na agenda
neoliberal do novo governo.
As energias para a realização das ações prioritárias pós-Plano Real diziam
respeito a duras decisões como as privatizações e a abertura ilimitada da economia.
Em função desta abertura, aceitou-se a eliminação da cláusula de segurança
alimentar do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT)16 e aceitou-se a adoção
da Âncora Verde17.
Logo no início de 1995, o CONSEA foi extinto e com ele, momentaneamente,
perdida toda uma agenda coletiva. A timidez do novo governo ante o comércio
internacional logo se manifestou. Havia um temor, sem fundamentos, de uma
suposta retaliação comercial ao fato de construírem-se políticas como as propostas
pelo CONSEA. Na confirmação desta atitude e, agora, com arrogância, se seguiu o
ostracismo de quadros técnicos comprometidos e competentes com a elaboração
histórica de políticas sociais.
16
Cláusula de segurança alimentar do GATT – Valente critica a adesão brasileira por, segundo ele, prejudicar o desenvolvimento da agricultura e formação de mercado próprio. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) representou na, neste ponto específico,na Rodada Uruguai a retirada do último escudo por meio dos quais as agriculturas nacionais podiam se defender.
17 Adoção da Âncora Verde – o termo guarda similitude com a âncora cambial. Durante o Plano Real,
segundo alguns economistas, os alimentos exerceram uma contribuição fundamental no processo de estabilização dos preços. Por esta razão, cristalizou-se que foi adotado a âncora verde.
53
Na prática, o primeiro mandato de FHC desconstituiu programas e instituições
vinculadas à segurança alimentar e nutricional, estabelecendo-se uma enorme
insegurança pelo vácuo criado. Assim ocorreu com a extinção da Legião Brasileira
de Assistência (LBA) e com o esvaziamento da Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB). A primeira ainda exercia papel significativo na relação com
creches e outras instituições conveniadas; no caso da CONAB, as ações de
abastecimento e estocagem de alimentos deixaram de ser planejadas.
Sobre o curso destas ações de desmonte, Valente (2003, p. 6) é enfático:
O custo humano destas medidas foi enorme. Entidades encarregadas de assistência a crianças, idosos e portadores de deficiência, entre outros, ficaram meses sem receber os recursos necessários para o fornecimento da alimentação. Não há justificativa para punir os beneficiários de desvio de recursos públicos.
Segundo o mesmo autor, as duas instâncias constitutivas do Programa
Comunidade Solidária que, em tese, deveriam ser partes solidárias em todo o
processo, eram:
a) o Conselho da Comunidade Solidária, encarregado de articular ações de governo
com a sociedade civil e incrementar avanços baseados nesta relação;
b) a Secretaria Executiva do Programa, trabalhando em conjunto com o Conselho,
deveria facilitar e promover as ações em todo o plano federativo (União, estados,
Distrito Federal e municípios) e igualmente perante a sociedade civil.
O Conselho ateve-se à tentativa de incorporar o setor privado na elaboração e
implementação de projetos que compartilhassem com o Estado ou o substituíssem,
inclusive no financiamento.
A relação entre estes órgãos (Conselho e Secretaria) quase nunca constituiu
parceria realizadora do que se propôs. A rigor, houve algumas tentativas ocasionais
destes eventos, tais como:
a) estímulo e envolvimento na preparação para a Cúpula de Alimentação (dez/95 a
jun/96);
54
b) elaboração e monitoramento do Orçamento de Segurança Alimentar;
c) cumprimento das resoluções da Cúpula Mundial de Alimentação, Roma, 1996, em
todo o País;
d) constituição de um banco de dados de segurança alimentar, junto ao IPEA.
Das quatro iniciativas ora citadas, nenhuma se afirmou, na integralidade. A
proposta de seguimento da cúpula, teoricamente apoiada pelo governo, se desfez
com a dissolução do Comitê; o banco de dados foi divulgado na página do IPEA, no
segundo semestre de 1998 sem mais atualizações; o monitoramento do orçamento
nunca se instituiu.
Mais uma vez, Valente (2003, p. 2) é incisivo:
Em certo sentido, a vitória de Lula é resultado da incapacidade política do governo FHC em dar uma resposta efetiva à questão da fome, da miséria e desnutrição, e a do associado e consequentemente profundo agravamento da violência, da insegurança em toda a população.
Há uma total falta de interação, de reciprocidade, entre a área social do
governo Fernando Henrique. É provável ser esta uma das razões principais de
propostas não efetivadas naquela ocasião.
3.2.5 O Projeto Fome Zero e o desafio estrutural
Num tempo em que todo mundo só falava em abertura de mercados, privatização total, mini-Estado mínimo, química fina, novas tecnologias, carros importados e todas as belezas do Primeiro Mundo, num modesto sobrado de Vila Mariana, em São Paulo, um grupo reunido por Lula debruçava-se prosaico, quase ingênuo desafio : como acabar com a fome no Brasil? Mais de oitenta técnicos, sob a coordenação do agrônomo-poeta José Gomes da Silva, um dos maiores e mais bem sucedidos fazendeiros deste país, gestavam a Política Nacional de Segurança Alimentar, um estudo apresentado ao país em outubro de 1991. (KOTSCHO, p. 30).
O Fome Zero, como Política Nacional de Segurança Alimentar (PNSA), nasceu
ainda no governo Itamar Franco, embora fosse gestado pela oposição, no Partido
dos Trabalhadores liderado por Lula da Silva. Foi em outubro de 1991, ainda sob o
título de Governo Paralelo, no governo Fernando Henrique Cardoso, que foi
55
embrionariamente introduzida como um debate fecundo com a sociedade. À frente
destas iniciativas estava a Ação da Cidadania.
A finalização da proposta do Projeto Fome Zero, divulgado publicamente em
2001, seria bastante discutida e legitimada, junto aos movimentos sociais e à
comunidade dos estudiosos da temática. As formulações principais desse Projeto
podem ser desenhadas como conjugação concomitante de vários vetores, assim
pensados:
a) políticas estruturais (intensificação da reforma agrária, previdência social
universal, aumento de renda e diminuição das desigualdades);
b) políticas específicas (cupon de alimentação, doações de cestas emergenciais,
combate à desnutrição infantil e materna, ampliação da merenda escolar,
educação para o consumo e educação alimentar); e
c) políticas locais (programas municipais de modernização do abastecimento, novo
relacionamento com as redes de supermercados).
Estas propostas foram antecedidas de um minucioso diagnóstico de onde se
destacava que o sucesso do Fome Zero residia na combinação adequada da
utilização das políticas estruturais, emergenciais e específicas, conforme podemos
ver nas palavras de Lula na apresentação do documento:
“As políticas estruturais requerem anos e às vezes décadas para gerar frutos
consistentes. A Fome segue matando a cada dia. Ou produzindo desagregação
social e familiar, doenças, desespero e violência crescente” (INSTITUTO DA
CIDADANIA, 2001, p. 2).
O Fome Zero – versão original – era, portanto, um projeto amplo, um programa
de governo setorial chancelado pelo Instituto da Cidadania e por Lula. Este percurso
de discussão e apresentação via Instituto da Cidadania foi a fórmula encontrada
para finalizar uma proposta consolidada pelo trabalho de muitos especialistas e
assentado em seminários, não passando pelo crivo das correntes internas do PT.
56
No nascimento do programa sob nova direção política, em 2003, o desafio
imposto pela conjuntura (econômica e social) era enorme e agravada, no final de
2002. Fazia com que se não deslanchassem, de imediato, projetos como o Fome
Zero. Outras prioridades imediatas dessa conjuntura precisavam de respostas:
a) havia um repique inflacionário projetado em torno de 40%;
b) o risco-Brasil de 2400;
c) dívidas públicas de r$ 800 bilhões e 240 bilhões;
d) acordo em aberto com o FMI;
e) 50 milhões de pobres; e
f) 20 milhões de desempregados.
Tinham-se um Estado fragilizado e um conjunto de movimentos sociais em alta
expectativa ante suas pautas de reivindicações históricas; e, ainda, os servidores
públicos federais com uma enorme pauta específica tão grande quanto a expectativa
de serem atendidos. Importante é ressaltar que à expectativa alta dos movimentos
sociais não correspondia a um momento de ascensão de suas lutas, nada
comparável ao clima político de 1989.
A Carta aos Brasileiros18, levada a público em setembro de 2002, afirmava
claramente a linha moderada a ser seguida, com respeito aos contratos, metas de
inflação e juros no nível necessário à estabilidade. Todo este compromisso não tinha
sido suficiente para o entendimento entre o novo governo e o velho mercado. O
ministro da Fazenda, Antônio Palocci, desde o início, se amparou amplamente nos
quadros técnicos do PSDB. Para surpresa de muitos, a política macroeconômica foi
mantida nos termos anteriores e feita até mais ortodoxa.
O PT decepcionou a muitos militantes comprometidos com a formação de uma
nova sociedade, pois, no início do governo Lula, pareceu haver uma obsessão pelo
encontro com o mercado. Esta era uma linha de interpretação da atitude do governo
18
Carta aos Brasileiros – com a possibilidade da vitória de Lula e do PT, houve ataque especulativo e a crise econômica era real. A Carta aos Brasileiros falava de reforma agrária, trabalhista e previdenciária como instrumentos políticos, mas o que ecoou no empresariado foi a segurança que lhes foi dada da não quebra de contratos e da manutenção dos juros altos até quando fosse necessário.
57
dessa ala idealista. Medidas destinadas ao controle da inflação, ao controle das
contas públicas e recuperação de credibilidade junto a investidores indicavam uma
linha política que desagradava a setores amplos da esquerda e, simultaneamente,
era recebida com surpresa e aplauso pelo mundo empresarial. Foi a surpresa do
governo Lula logo no seu início. Toda uma luta por políticas públicas de segurança
alimentar parecia perdida. Onde estão as políticas públicas?
Esta pauta de ajustes e contrições consumia as iniciativas e se irradiava para
todo o governo, desde um núcleo de militantes e especialistas dentro do governo
recém-instalado. Apenas algumas “falas” do Presidente Lula traziam esperança de
serem materializadas mudanças profundas.
Por todo o ano de 2004 e parte de 2005, tentou-se fazer uma estrutura capaz
de trazer para o plano de ações administrativas os pontos centrais do Projeto Fome
Zero. Esta tentativa não foi bem-sucedida, pelo menos no lapso referido. A
necessária mobilização intragovernamental não aconteceu deixando isolado o
núcleo mais diretamente envolvido na implementação do Fome Zero (Frei Betto,
Oded Grajev, Graziano Silva, entre outros).
As ações, a energia e os argumentos do Governo Federal centravam-se na
necessidade de equilíbrio das contas públicas e na possibilidade de utilização
imediata do capital político vindo das urnas para realizar a mais polêmica das
reformas - a previdenciária.
Reconhecendo esta situação, não podemos desconhecer o impacto sobre a
sociedade civil, que logo se manifestou contrariamente à reforma previdenciária,
ocasionando certa reação em sindicatos de servidores públicos e o início da
dissidência, no âmbito partidário, de importantes quadros partidários como o
professor Francisco Oliveira, fundador do PT e colaborador, com Celso Furtado, de
formulações de políticas públicas, especialmente sobre o Nordeste brasileiro.
Ao final de 2003, a reforma previdenciária foi aprovada no Senado, com
algumas modificações, atenuando regras de concessão de aposentadorias e seguiu
para sanção presidencial. Frei Betto e Oded Grajev se frustrariam com a forma e o
58
conteúdo da tradução do governamental do Fome Zero. E deixariam o governo. Frei
Betto gozava de grande credibilidade não apenas pela cultura política, mas por suas
práticas ligadas aos movimentos sociais, à CUT, ao PT e ao próprio Lula. Para ele, o
governo enterrou o Fome Zero e aderiu ao Bolsa Família, consentindo o
eleitoralismo praticado pelos prefeitos (FREI BETTO, entrevista pelo correio
eletrônico, em 08 jun. 2011).
A crise instalada no governo e no Partido dos Trabalhadores, após o
“mensalão” (2005)19, conseguiu tirar a visibilidade do curso das políticas públicas. O
ambiente retratado pela cobertura da mídia se mostraria por demais “ideologizado”
(LIMA, 2006; DOWBOR, 2008).A montagem de uma assistência social ampla, a
recuperação do valor do salário mínimo, a ampliação do microcrédito nada era
catalogado no capital político do governo.
De certa forma foi um pronunciamento em cadeia nacional e uma entrevista no
programa de entrevista da TV Cultura chamado Roda Viva em que ele, Lula, havia
quebrado a espécie de cerco político-midiático em torno do PT e de seu governo. Na
sua fala, Lula se desvinculou do episódio e chegou mesmo a expressar o sentimento
de ter sido traído. O resultado foi altamente favorável ao presidente Lula. O rearranjo
feito no comando do Governo, com a saída de José Dirceu, Luiz Gushiken e Antônio
Palocci trouxe para Lula a centralidade de todas as grandes ações de governo.
Enquanto a discreta nova ministra da Casa Civil Dilma Roussef coordenava as
ações dos ministérios, o Presidente cada vez mais se expunha publicamente e se
fortalecia. Neste âmbito, então, a figura presidencial ganha proximidade popular que
terá contrapartida na ampliação das políticas sociais.
19
A Crise de 2005 (“Mensalão”) – Para Vinícius A. de Lima “é no contexto da informação e comunicação que surgem os escândalos públicos midiáticos. Escândalo público midiático é o invento que implica a revelação, através da mídia, de atividades previamente ocultadas e mormalmente desonrosas, desencadeando uma sequência de ocorrências posteriores” (2006, p.). Para este autor a crise vivida pelo país desde maio de 2005 até o final deste ano, não existiria se não fosse na e pela mída. O fato é que, a nosso juízo, houve substrato concreto para este episódio que só se finalizará com o julgamento do Supremo Tribunal Federal. Foram excluídos do processo, além do presidente da República e outras destacadas personalidades arroladas, o ex. ministro da Secretaria de Comunicação (SECOM) Luiz Gushiken. Este período serviu para se consolidar as políticas públicas e mostrou um certo desprestígio da mídia junto aos mais pobres, um certo descolamento de formação de juízo de valor.
59
Esse momento foi de impasse também para a oposição. E a surpresa foi Lula
ter paciência em lidar com o mercado. Por um momento, parecia que a situação do
Presidente eram seus opositores e que a situação era sua base aliada.
A percepção deste fenômeno – Lula e políticas sociais – pela grande imprensa
era exatamente desconhecer a política social de segurança alimentar a ser
implementada. Assim, colunistas como Merval Pereira de O Globo dão vazão a uma
derrota política irreversível, podendo chegar ao impeachmant ou a revista Veja
preconizando, dez meses da realização das eleições de 2006, a irreversibilidade do
tal capital político de Lula. Esta projeção, como sabemos, passou longe de se
realizar. A estratégia de reproduzir no Governo Lula o caminho de seu impeachment,
falhou, pois a fonte de poder era agora a soberania popular que aprovava o governo.
Já ao final de 2005 ocorreu, em âmbito interno, o Processo de Eleições Diretas
(PED) do PT. Os filiados compareceram em massa respondendo a uma grande
consulta que lhes foi feita. Novos dirigentes foram eleitos com grande legitimidade.
Esta presença dos filiados se configurou também como ato de solidariedade política.
Embora houvesse frustração e desencanto, estes eram superados pela crença de
que o governo Lula não poderia sucumbir e isto só ocorreria se a simbologia do PT
se manifestasse.
Ao mesmo tempo, as iniciativas econômicas “de ajuste” começavam a dar os
primeiros resultados visíveis. Os indicadores econômicos pareciam refletir uma nova
tendência ao desenvolvimento social e, PIB e salário mínimo se apresentaram
acrescidos, já em 2004 e 2005. Em fins de 2006, o Bolsa-Família atinge quase nove
milhões de famílias.
Com a saída de Frei Betto, Oded Grajev e Graziano da Silva, assume o
comando do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) o ex-
prefeito de Belo Horizonte, Patrus Ananias, que manterá grande parte do conteúdo
dos programas sociais; mas lhe dará outra dinâmica administrativa. Efetivamente a
sociedade civil perde espaço para a atuação dos entes federativos, principalmente
União e municípios.
60
A combinação de políticas que levaram a estes resultados iniciais começa a se
enraizar em amplos segmentos da população, especialmente junto aos pobres, junto
aos de nenhuma ou baixíssima renda.
Ganhava forma e conteúdo uma nova concepção de Estado. As grandes
empresas públicas (BNDES, BB, CEF, BNB, EBCT) seriam remodeladas para um
cenário de retomada do desenvolvimento, tendo a questão social como eixo. A
PETROBRÁS, além de preservada, seria mesmo fortalecida, sendo que, ao final de
2005, Lula apresentou uma proposta de capitalização, buscando a autossuficiência
petrolífera. O BNDES, que participou como co-autor do processo de privatizações
anteriores, recuperou a função de financiar a produção.
Numa clara demonstração de posicionamento diverso do PSDB ante ao
Estado, o governo Lula realizou vários concursos públicos e o número de servidores
que, em 2002, era de 912.192, chega, em 2005, a 984.364. Estes novos servidores
se ajustavam ao fato de que, na mesma proporção, diminuía a chaga da
terceirização. Enquanto isso, intelectuais do PSDB como a economista Eliana
Cardoso sustentavam, sem disfarces, a privatização do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal:
A privatização do BB e da Caixa Econômica Federal é medida indispensável à transparência dos orçamentos do governo e à estabilidade financeira, pois os bancos estatais representam empecilhos ao crescimento sustentado. Gerentes de bancos privados direcional empréstimos aos setores mais competitivos, em que não existe a intromissão do governo.
Havia, no governo Lula, dois encaminhamentos gerais que pareciam nunca se
encontrar como síntese de ações políticas, econômicas e sociais. De um lado o
controle da inflação, a recuperação da credibilidade perante o mercado e a retomada
do desenvolvimento; de outro, o tratamento diferenciado de combate à pobreza, à
geração de emprego e renda, o resgate da auto-estima nacional e nova relação com
os movimentos sociais.
A tensão política engrossada no ano de 2005, entre o governo e a própria base
aliada em face da continuidade da política econômica ortodoxa, teve consequências
imediatas para o Partido dos Trabalhadores: a perda da mística, a dissensão de
61
setores da esquerda e o desânimo/contrariedade dos movimentos sociais. Estas
consequências seriam diminuídas com o processo eleitoral, que contrapôs Lula a
Geraldo Alkimin.
As eleições de 2006 acabaram por conformar publicadamente um novo projeto
político, onde se explicitou uma visão de Estado recuperado perante os desígnios
desta Nação e do Estado. Daí em diante, ainda que com que a perda da
Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeira (CPMF), as políticas
públicas passam por um crescente índice de aceitação e por correções advindas dos
três primeiros anos. O Projeto Fome Zero se torna uma estratégia pouco visível,
enquanto o Programa Bolsa-Família, articulado com outros, atingirá todos os
municípios brasileiros, numa escada de dimensão sem precedentes.
62
4 AS RAÍZES DO BOLSA-FAMÍLIA: A CIDADANIA TARDIA
A cidadania é um fenômeno da revolução burguesa. A conquista dos valores
de igualdade e de liberdade está inscrita formalmente na base do mercado como
condição para essa operação que quebrou o sistema escravista e servil. O Brasil
tradicional tem uma relação mais servil do que de cidadania. As relações sociais são
mais comunitárias e os salários garantiam apenas a segurança alimentar. Era um
capitalismo sem as condições básicas de uma sociedade de mercado, onde os
agentes eram protegidos pelo Estado. O modelo clássico era agroexportador, e o
mercado consumidor não ficava no País, mas no exterior, sobretudo Estados Unidos
e Europa.
Fernando Henrique Cardoso, no final da década de 1960, criticava o Partido
Comunista por esperar da burguesia brasileira uma ação revolucionária, isto é, ela
não tinha interesse em fazer nossa revolução burguesa, nosso mercado interno para
um capitalismo autossustentado, por não necessitar distribuir renda. Seu mercado
ficava no exterior e na reserva de mercado da sociedade brasileira (CARDOSO,
1975).
Nesse sentido, nossa cidadania era restrita a um número de organizações da
sociedade civil, urbana ou rural, mas a grande massa ficava excluída dessa
cidadania. Não havia, portanto, a possibilidade de que a Modernidade chegasse com
sua estrutura e problemas inerentes. Ela é fruto de políticas sociais de transferência
de renda já no século XXI. E o Bolsa-Família e o Fome Zero são políticas decisivas
na revolução burguesa tardia na sociedade brasileira, após Fernando Henrique
Cardoso ter introduzido a racionalidade (plano Real) e, junto com Collor de Mello, ter
introduzido a competitividade. Faltava o mercado consumidor.
O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado pela Medida Provisória nº 132, de
outubro de 2003, convertida na Lei nº 10.836, de janeiro de 2004. O público-alvo são
as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, caracterizadas pela
insuficiência de renda. Hoje correspondem, respectivamente, a R$ 140,00 e R$
70,00 por familiar (per capita).
63
Os benefícios são de duas modalidades: benefício básico – família em
condição de extrema pobreza, benefícios variáveis – família em situação de pobreza
e que contém agravantes. São concedidos por um período de dois anos,
significando que as famílias devam ser visitadas para atualização cadastral; na
essência, deve-se constatar se as condições de vida das famílias mudaram ou se
constituem as mesmas. Não há uma estipulação de prazo mínimo de permanência,
há uma renovação a cada dois anos passada pelo crivo da visita dos profissionais
responsáveis da área.
Outro elemento constitutivo do desenho institucional são as condicionalidades
ou contrapartidas. Embora haja polêmicas em torno da sua exigência feita
atualmente, elas se bifurcam nos aspectos principais de educação e saúde. Em
relação à educação, as famílias devem enviar seus filhos às escolas e observar 75%
de freqüência; em relação à saúde, além do acompanhamento das vacinas de
crianças e adolescentes, as mulheres adultas devem fazer exame pré-natal,
acompanhamento nutricional e exercer outros cuidados.
O Programa Bolsa-Família resulta, como já exposto, do amadurecimento de
outras iniciativas no campo da proteção social, mas foi na década passada que
tomou os contornos atuais.Hoje ele é o maior programa de transferência de renda
condicionada do mundo e referência nacional e internacional desta modalidade de
intervenção do Estado.
De 2003 a 2010, aconteceu um avanço cumulativo pouco visualizado na
sociedade, pouco divulgado pela mídia e, em certa medida, não suficientemente
pelo próprio governo. Vejamos de relance, nesta abertura de capítulo, indicadores
econômicos importantes e também dados do crescimento, da estrutura oficial e
operacionalidade como componentes relacionais importantes para eficácia ou
ineficiência.
A chegada aos 11 milhões de famílias abrangidas foi precedida de cautela e
planejamento operacionais e orçamentários. Assim, observe-se que, durante os
anos de 2007 e 2008, houve ingresso e saída de famílias inalterando a extensão de
cobertura.
64
Analisado em várias dimensões, o Bolsa-Família não se mostra grande como
dispêndio público, constituindo-se percentualmente em cerca de 0,3% do PIB.
Tabela 1 – Quantidade de famílias beneficiárias do programa Bolsa-Família
Quantidade de famílias beneficiárias do programa Bolsa Família
Ano Quantidade
2003 3,4 milhões
2004 5,7 milhões
2005 6,5 milhões
2006 8,3 milhões
2007 9,4 milhões
2008* 10,9 milhões*
2009* 12,3 milhões*
2010* 12,6 milhões*
Fonte Castro e Modesto (2010).
Tabela 2 – Descrição dos valores do Programa Bolsa Família
Fonte: Castro e Modesto (2010). Nota: 1 Alteração nos benefícios pelo Decreto no 6.157, de 16 de setembro de 2007.
2 Benefício variável vinculado ao adolescente (16 e 17 anos) instituído pela Medida Provisória no 411, de 28 de dezembro de 2007, convertida na Lei no 11.692, de 10 de junho de 2008. 3 Alteração nos benefícios pelo Decreto no 6.491, de 26 de junho de 2008. 4 Alteração nos benefícios pelo Decreto no 6.917, de 30 de julho de 2009, e que passou a ter efeitos financeiros a partir de setembro.
O segundo quadro cobre até o mês de setembro; em dezembro de 2010 foram
atingidos 12,6 milhões de famílias, cerca de 50 milhões de pessoas, correspondendo
a 26% da população. A expectativa estimada é que em 2011 se atinja 12,9 milhões
de famílias.
A segunda tabela expõe a evolução das linhas de elegibilidades e dos
benefícios.
65
O MDS se constituiu como órgão governamental bem estruturado na proporção
deste crescimento abrangente, significando também acúmulo em percepções do
projeto, como se verá mais à frente. A estrutura de cúpula retrata esta
proporcionalidade.
Além do Gabinete da Ministra (GM) e da Secretaria Executiva (SE), o Ministério
de Desenvolvimento Social e de Combate à Fome conta com 05 secretarias:
a) Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS);
b) Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (SENAN);
c) Secretaria de Articulação para Inclusão Produtiva (SAIP);
d) Secretaria Nacional de Renda e de Cidadania (SENARC);
e) Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI).
Apenas o Sistema Único de Saúde (SUS), em tese e de direito, cobre toda a
população brasileira; a educação pública, com 52 milhões de alunos, e a previdência
social, com 21 milhões de benefícios concedidos, apenas estes superam o PBF em
número de beneficiários.
Os 5.565 municípios, os 26 estados, o Distrito Federal e a União são
responsáveis pela gestão compartilhada do PBF. A Caixa Econômica Federal é o
órgão gestor do cartão e pagador.
Algumas dimensões necessitam ser explicitadas, em razão do retrato atual e
do histórico percorrido de um projeto originário do Projeto Fome Zero (PFZ), ainda
considerado pelo governo e por muitos especialistas a estratégia maior onde o PBF
se constituiu.
4.1 O atendimento dos objetivos estipulados
A situação dos programas de transferência de renda condicionada em 2003 era simples: o caos. Cada programa federal tinha sua agência executora e coordenação entre elas era mínima. Os sistemas de informação desses quatro programas eram separados e não se comunicavam, de modo que uma família poderia receber todos os quatro, enquanto outra, vivendo em condições iguais, poderia não receber transferência alguma (IPEA, 2010, p. 29).
66
O sítio do MDS apresenta elementos legislativos referentes ao Programa
Bolsa-Família. Segundo estas informações o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro
de 2004, em seu artigo 3º, estabelecia: “O Programa Bolsa Família tem por
finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de
transferência de renda do Governo Federal e do Cadastramento Único do Governo
Federal...”. O art. 2º destaca a alínea “a” que ao MDS cabe “supervisionar o
cumprimento das condicionalidades e promover a oferta de programas
complementares, em articulação com os Ministérios setoriais e demais entes
federados”.
Destaque-se:
Art. 4º Os objetivos básicos do Programa Bolsa Família, em relação aos seus beneficiários, sem prejuízo de outros que venham a ser fixados pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, são: I. o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde,
alimentação e assistência social;
II. combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;
III. estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em
situação de pobreza e extrema pobreza;
IV. combater a pobreza;
V. promover a intersetorialidade, a complementariedade e a sinergia das
ações sociais do Poder Público.
Estes são os pontos principais estipulados normativamente.
Quatro programas foram sintetizados em um, que passariam a se amparar no
Cadastro Único, iniciado ainda em 2001 e, em 2005, transformado em instrumento
fundamental para o PBF e para as políticas sociais como um todo.
Com este novo formato, os critérios públicos definem famílias elegíveis ou não.
Sobre a natureza do acesso ao programa, há polêmicas entre os especialistas. O
primeiro bloco o caracteriza como direito integrante ao direito da cidadania de fundo
constitucional como o fizemos. O segundo bloco, atendendo-se às formalidades
impostas aos pretendentes ao ingresso, define o acesso como um não direito, já
que, em não havendo provimento numerário em orçamento, a questão se encerra
67
pelo não atendimento. O terceiro bloco de autores como Medeiros (2008), Britto e
Soares (2007) medeia estes extremos para caracterizar o benefício do Bolsa Família
como um quase direito. Aproximamo-nos da primeira caracterização, embora na
vivência prática do acesso ao programa – pelo seu próprio correr – a polêmica não
precisa e talvez não possa ter um desfecho ou mesmo uma síntese. Assim,
partiremos da lei e do regulamento instituidores, para vê-los em andamento de
execução de seus conteúdos
Para fins de nossa análise, enfocaremos o estádio das políticas há pouco
referidas: o combate à fome e à pobreza deve levar à segurança alimentar e
nutricional com a concomitância de oferta de estímulo à emancipação sustentada. “A
alínea I do art. 4° acima transcrito trata da promoção do acesso à rede de serviços
públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social” e a alínea IV do
mesmo artigo trata de gestão.
O caráter de dever do Estado se faz concomitante à exigência do cumprimento
das condicionalidades, como veremos a seguir.
4.2 As condicionalidades: dados e argumentos
É da essência dos programas de transferência de renda condicionada (PTRC)
a exigência de contrapartidas, na visão de que seu exercício se reverterá
positivamente para quem os pratica. Estas contrapartidas ou condicionalidades
variam de país a país, bem como a própria duração deles. O caso da experiência
mexicana, por exemplo, não estabelece prazo condicionador da permanência.
No caso brasileiro, o nível de informação da população não beneficiária sobre
as condicionalidades é grande. Há quem não saiba da existência delas e os que
sabem duvidam de sua implementação. Reside aqui uma falha de comunicação a
ser superada num debate amplo de público variado.
É do essencial da Lei 10.836/04 o compromisso entre a família beneficiária e o
Estado brasileiro. Ao ingressar no Programa, a família deve manter as crianças e
adolescentes em idade escolar na escola, com freqüência mínima de 85% para os
68
com idade entre seis e 15 anos, e de 75% para os de 16 e 17 anos; e cumprir o
calendário de vacinação para crianças de zero a sete anos, acompanhando seu
crescimento e desenvolvimento e, ainda, para gestantes e mães em amamentação
exames de pré-natal e pós-natal.
As condicionalidades, anteriormente caracterizadas, permitiram vincular a
agenda de combate à fome e à pobreza à agenda da educação e da saúde.
Lembremo-nos de que a família é referência originária e a estratégia de
acompanhamento desta se fortaleceu, em 2009, com a aprovação pela Comissão de
Intergestores Tripartite da Assistência Social do Protocolo de Gestão Integrada de
Benefícios e Serviços no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Este protocolo é definidor dos procedimentos para acompanhamento familiar dos
beneficiários do PBF, do Benefício de Prestação Continuada (BCP) e do Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) pelos centros de referência da assistência
social (CRAS) e centros de referência especializados da assistência social (CREAS).
Assim se perfaz uma aproximação entre as áreas da assistência, saúde e educação,
numa dimensão não punitiva.
“O acompanhamento das condicionalidades também é uma ação de larga
escala. Até dezembro de 2009, monitorou-se o acesso de 6,3 milhões de famílias
aos serviços de saúde básica. Na educação, monitorou-se a alunos entre 16 e 17
anos” (IPEA, 2010, p. 62).
Observe-se que a concessão do benefício inicial não condiciona o ingresso. Só
após incluída a família é que se processa o acompanhamento. Desde esse estádio,
a fiscalização feita oferece várias oportunidades do seu cumprimento e somente
reiterados não cumprimentos, durante um ano e meio, poderão levar ao
cancelamento do benefício.
Assim ocorre porque a finalidade das condicionalidades é a reversão em
ganhos na área de proteção social como um todo. O cancelamento da transferência
de renda se dá como excepcionalidade.
69
De fato,
Nos programas de transferência de renda, as condicionalidades são utilizadas para induzir comportamentos que contribuem para a promoção social das famílias. O aumento da escolarização e o cumprimento de agendas de saúde, ao promoverem o aumento do capital humano das populações mais pobres, possibilitariam novas perspectivas de inserção socioeconômica. No âmbito dos PTRC, as condicionalidades miram um objetivo de longo prazo, o qual visa à ruptura do ciclo intergeracional da pobreza, por meio da elevação do capital humano das populações mais pobres e excluídas. (IPEA, 2010. p. 148).
Soares et al. (2006), reportando-se a estudos sobre desigualdade e renda,
indicam o Programa, entre 2004 e 2006, como responsável por 21% da redução
observada no significativo Índice de Gini. Em relação à extrema pobreza, a redução
do mesmo indicador ficou em 25%.
O Perfil das Famílias Beneficiárias do PBF, em 2009, mostra de 12,4 milhões
de famílias beneficiárias, cerca de 4,3 milhões superaram a linha da extrema
pobreza (R$ 70,00 per capita/mês) por integrarem o Programa. Os beneficiários
deste alcançaram um aumento médio de 48,7% na renda familiar mensal per capita
do universo atendido: de R$ 48,69 para R$ 72,42. São valores baixos que ainda
assim permitem o planejamento da estratégia de sobrevivência também
pomposamente dito como planejamento financeiro das famílias de baixa renda.
A 2ª Rodada de Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família (AIFII) traz
dados positivos nas duas áreas: educação e saúde. A pesquisa retrata o avanço de
4,4% relativamente às crianças e adolescentes beneficiárias comparado com o
índice das não beneficiárias referente à freqüência escolar. No Nordeste este
percentual chega a 6% na mesma comparação.
A busca maior por serviços de saúde veio com a integração ao Programa: mais
grávidas fizeram pré-natal do que as não beneficiárias. A vacinação infantil melhorou
em 15%.
No campo da segurança alimentar e nutricional, constatou-se que, de 20% dos
50% de redução da desnutrição entre 1996 a 2006, se devem ao crescimento do
poder aquisitivo da classe E, segmento atendido pelo Programa Bolsa Família
70
(MONTEIRO et al., 2009). Também houve melhorias na qualidade e quantidade do
consumo alimentar das famílias beneficiárias do programa (IBASE, 2008).
Esta última pesquisa detectou problemas de saúde relacionados à alimentação.
E os quantificou desta forma:
a) 36,8% das famílias tiveram diagnóstico de anemia;
b) 31,4% de hipertensão;
c) 16,5% de colesterol alto;
d) 16,00% de desnutrição;
e) 8,4% de deficiência de vitamina A;
f) 8,1% de diabetes;
g) 7,4% de obesidade;
h) 1,4% de bócio;
i) 1,1% de doença celíaca.
Embora a ação do PBF incite ao exercício de políticas universais, este
exercício não é plenamente efetivado; assim, o acompanhamento das famílias
reforça o objetivo de dar efetividade àquelas políticas públicas primárias.
A existência funcional do Sistema Integrado de Acompanhamento de
Condicionalidades permitiu, por exemplo, a constatação, nos meses de abril e maio
de 2010, de mais de seis mil crianças sem oferta dos serviços educacionais e de
que em torno de 50 mil, por motivos como gravidez na adolescência e outros
problemas, estavam deixando de freqüentar a escola. Inegavelmente, ainda há,
passados 23 anos de vigência da Constituição Federal do Brasil, parcela da
população sem efetivação dos direitos fundamentais. Pode ser caracterizada como
residual, mas precisa com urgência ser alcançada pela ação do Estado brasileiro.
Interessante é que o próprio sistema da gestão das condicionalidades,
instituído em 2005, se preocupou em sanar esta não cobertura dos mais
necessitados. O referido sistema estatui, de saída, a impossibilidade de suspensão
ou bloqueio da transferência de renda em face da inexistência de oferta do serviço.
71
Fortalecendo o curso desta experiência, o IPEA (2010) informa que de 14,3
milhões de crianças e adolescentes observados pela área de educação, menos de
3%, em média, não conseguem a freqüência exigida pelo PBF.
Tanto na área de educação quanto na de saúde, famílias ou seus integrantes não acompanhados nas escolas e pelas equipes de saúde não são considerados em descumprimento de condicionalidades, pois não é possível afirmar se tiveram, de fato, acesso aos serviços. Na área de saúde, por exemplo, observa-se que municípios com baixa cobertura da Estratégia de Saúde da Família, ou com estruturas deficientes na oferta de serviços básicos de saúde, em grande medida também apresentam baixos níveis de acompanhamento da condicionalidade de saúde das famílias beneficiárias do PBF, o que gera questionamentos quanto à existência, de fato, de oferta de saúde suficiente para todas as famílias beneficiárias com perfil saúde. (IPEA, 2010, p. 151).
Ainda como experiência incipiente, os Centros de Referências da Assistência
Social (CRAS) e os (CREAS), por meio das equipes da assistência social nos
municípios, dão prioridade às famílias mais vulneráveis, incluídas nesta prioridade
as famílias em desconformidade relativa às condicionalidades do PBF. Pretende-se,
com a oferta de transferência de renda simultaneamente à oferta de serviços
socioambientais, criar as condições mínimas para as famílias reaverem a
autoestima, a inclusão na rede de proteção social, enfim, superar o estádio de
exclusão agressiva.
Os PTRC têm, em regra, baixos custos operacionais. As famílias amparadas
têm autonomia na utilização dos recursos e dinamizam as economias locais. Como
referido anteriormente, em havendo investimentos na oferta de serviços, haverá
impacto na demanda por serviços de saúde e educação.
4.3 Dimensão social e econômica
Estamos tratando de um complemento de renda na modalidade de
transferência de renda condicionada. Como se verá, ao programa se vincularão
outros, mas é preciso partir da conceituação específica para facilitar a crítica
pretendida. Ele se insere no âmbito de um sistema de proteção social brasileiro,
sendo um canal de assistência fundamental para os pobres e muito pobres. A este
quadro de proteção mínima, se somam várias outras ações, tendo o mesmo público
ou quase o mesmo; é preciso, então, reconhecê-las.
72
Analisemos, pois, as seguintes questões consideradas sob o ângulo
econômico-social: a retomada do crescimento versus distribuição de renda, a
qualidade do gasto, a incidência sobre os beneficiários e sua própria percepção.
Para isso, não nos prenderemos exclusivamente ao PBF como variante isolada. A
ele se acrescentam ações do governo que não podem ser esquecidas para análise
conjunta.
Os gráficos que se seguem visualizam por ângulos diferentes a ocorrência
efetivas de mudanças.
Gráfico 1 – Desigualdade – Índice de Gini
Fonte: GPS/FGV a partir dos microdados da PNAD, e Censos IBGE.
#Baseada na variação de renda individual entre os Censo de 1960 e 1970,
incluindo a população sem rendimentos de Langoni 1973.
73
Tabela 3 – Mudanças na Estrutura da População
Fonte: Centro de Políticas Sociais da FGV a partir de microdados da PNAD/IBGE.
Singer (In: PAULA, 2005, p. 172), tendo engrossado o coro dos economistas
que analisavam os elementos clássicos da gestão (câmbio flutuante, taxa de juros
elevada e metas inflacionárias) e mais diretamente em relação aos juros, comenta:
A política do BC de elevação de uma taxa de juros que já era a maior do mundo foi com protestos cada vez mais veementes dos trabalhadores e dos empresários da indústria, do comércio e da agricultura. Parecia óbvio que o BC estava sacrificando o crescimento para forçar a inflação a meta desnecessariamente baixa. Eu também estava convicto e me manifestei diversa vezes nesse sentido. Nesta altura, no fim do terceiro trimestre, os dados indicam que todos nós erramos em atribuir à taxa Selic uma influência que, na verdade, ela não tinha.
Os elementos manuseados na experiência do governo Lula mostram bem a
complexidade de analisá-lo. A “bancarização”, o crédito consignado, o microcrédito
em geral, o CrediAmigo do BNB, o crédito dirigido para expansão de atividades
74
produtivas da parte do BNDES, CEF e BB, vão na contramão ao arrocho no crédito
do Banco Central pela via dos juros altos.
Já a partir de julho de 2003, os “sem posses e sem renda regular” puderam
adentrar o sistema financeiro. Nesta data, o governo aprovava no Congresso
Nacional uma lei permissiva de tal acesso historicamente negado.
Essa é uma política ao mesmo tempo social e econômica : ela promove a inclusão bancária da população economicamente marginalizada, garantindo à mesma um local seguro onde manter sua poupança e acesso a microcrédito, a juros máximos de 2% ao ano. (SINGER In: PAULA, 2005, p. 172).
Ainda em julho de 2005 os bancos públicos brasileiros abriram mais de seis
milhões de contas; no interregno de agosto de 2003 e julho de 2005 foram
concedidos 7,57 milhões de empréstimos (site www.fazenda.gov.br, em 12.12.2010)
O crédito consignado – fruto de uma iniciativa da CUT junto ao Governo –
trouxe redução de juros significativa para os trabalhadores com carteira de trabalho
assinada e para os aposentados. O risco pequeno nesta modalidade de empréstimo
ficou, no mesmo ano de 2005, em torno de 35,6%; enquanto isso, o acesso ao
crédito pessoal tradicional ficou na faixa de 77,2%. Houve um equivalente ganho
demonstrado na estatística que encobre os cidadãos que se socorrem de uma
espécie em extinção: os agiotas.
O Banco do Nordeste do Brasil é o agente financeiro que mais aplica recursos
do Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar (PRONAF) no
Nordeste do Brasil e no norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. Ao financiar a
agricultura familiar responsável por 82,9% da ocupação de mão de obra do campo,
ele também beneficia a produção dos principais alimentos consumidos pela
população brasileira: mandioca, feijão, leite, milho, aves e ovos. Veja-se na tabela
abaixo o desempenho do PRONAF de 2002 a 2007, entre estes anos a quantidade
de operações cresceu 157% e as contratações em valores, cresceram 471%.
75
Tabela 4 – PRONAF-contratações e operações
Fonte: BNB. Elaboração de Carlos Eduardo Carvalho e Ângela Cristina Tepassê – O BNB
como banco de desenvolvimento e banco de crédito agrícola: desempenho, mudanças, desafios. 2009.
Tabela 5 – Resultados do CrediAmigo – outubro de 2008
Fonte: BNB.
O CrediAmigo, operado exclusivamente pelo BNB, experimenta o
reconhecimento de ser o maior programa de microcrédito produtivo orientado do
Brasil e o segundo da América Latina (NERI; BUCHMANN, 2008, p. 192). Sua
atuação se dá junto a empreendedores nas áreas de produção, comercialização de
bens e à prestação de serviços. Um duplo destaque: em outubro de 2008, 64% dos
empréstimos eram contratos com mulheres e 36% com homens e de acordo com o
Estudo do Perfil Socioeconômico dos Clientes do CrediAmigo do BNB (NERI, 2008),
mais da metade (60,8%) dos clientes do programa saiu da linha de pobreza.
O número de operações quase dobrou de 2005 a 2008. Veja-se tabela abaixo
(CARVALHO, 2007, p. 111).
Tabela 6 – Crediamigo em números
76
Fonte: BNB. (CARVALHO, C., 2008).
Em 2005, pesquisa coordenada pelo professora Rosa Maria Marques detectou
o impacto do Bolsa-Família sobre comunidades muito pobres.
O número de beneficiários do Bolsa Família em relação ao total da população é significativamente mais elevado na região Nordeste do que nos municípios das demais regiões... De maneira geral, verifica-se que, quanto menor for a Receita Disponível do município, maior será a importância relativa dos recursos transferidos pelo programa Bolsa Família. (MARQUES; MENDES In: PAULA, 2005, p. 114).
Se nos municípios amostrados nas regiões Sul e Centro-Oeste não houve
casos significativos de impacto do Programa sobre a economia local, contrariu
sensu, o comércio popular das cidades pequenas do Nordeste foi positivamente
atingido. Na medida em que se desenvolva articuladamente o desenvolvimento local
também por outras vias complementares, a política de ataque à pobreza
provavelmente se transformará em elemento passado. Será necessário pisar o chão
das políticas emancipatórias transcorrido este estádio preparatório, duro estádio
apenas estádio.
Uma pesquisa específica sobre o Estado de Alagoas, realizada pelo professor
Cícero Péricles de Carvalho e divulgada pelo jornal inglês The Economist, é
reveladora do alcance imediato do Programa numa região extremamente pobre.
Alagoas está entre os estados mais pobres do Brasil. Ele reúne ganhos vinculados
ao Programa no seio de uma população que tem 70% de analfabetos, metade dela
pertence ao Bolsa-Família e onde o voto é vendido por R$ 50,00 , segundo o mesmo
economista. Ainda assim, a freqüência escolar melhorou, ampliou-se o consumo
popular entre os mais pobres.
O professor alagoano detalha que:
o principal impacto é sobre o consumo direito, a demanda reprimida por alimentos, roupas, remédios é, de alguma forma, parcialmente atendida pelo Bolsa Família. É evidente que um programa como este tem um aspecto extremamente positivo que libera recursos em forma imediata de dinheiro e não em forma de outro serviço, para que a população possa ir ao mercadinho, à feira popular,ou seja, aos canais de comercialização, e
77
adquirir os bens que sonhavam há décadas. Então, a explosão do consumo é o primeiro, e mais importante dos efeitos do Bolsa Família
20.
E arremata com novos dados e comparações:
O Bolsa Família atende em Alagoas cerca de 350 mil famílias – mais da metade da população.Ao todo o programa libera cerca de R$ 240 milhões, por ano, ao Estado. Mais de três vezes o valor que rende o corte de cana de açúcar. Dos R$ 12 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) cerca de R$ 4 bilhões vêem das transferências diretas. Há 40 meses, desde março de 2004, Alagoas bate recordes na pesquisa mensal do comércio feita pelo IBGE. Houve no estado crescimento maior do que a media nacional. Como nesse período não aconteceu nenhum grande investimento local em infra-estrutura ou por parte das grandes empresas. Como não existiu investimento, o impacto do Bolsa Família foi muito importante para estimular a economia local (Informação Verbal)
21.
Com diferentes nuanças, alguns economistas (DOWBOR et al., 2010) estão
convencidos de que a melhoria nos vários indicadores sociais é fruto, entre outros
fatores, da política de recuperação do salário mínimo, dos investimentos nos
programas sociais com destaque para o PBF, da ampliação do crédito, notadamente
do microcrédito, conjugados a investimentos macroeconômicos, como os realizados
no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em anexo reunimos vários
gráficos que ajudam a fortalecer estes argumentos dos ilustres professores.
Há ainda outras opiniões de economistas, como a da professora Rosa Maria
Marques, que fazem uma crítica contundente à política social do governo Lula. A
reforma da previdência, nesta óptica, retirou direitos, beneficiando essencialmente o
mercado insurgente de previdência complementar, há desrespeito à gestão do
orçamento da Seguridade Social de onde se tiram recursos afrontando o
estabelecido na Constituição e o originário Projeto Fome Zero resultou no
assistencialismo chamado Bolsa Família. Sem negar a importância deste último
Programa, a professora o interpreta como uma fase de concessão assistencialista e
não um direito, abrindo inclusive a possibilidade de constituição de uma experiência
populista centrada na relação dos pobres diretamente identificados com Lula
(lulismo) pela via da concessão e não do exercício de um direito (MARQUES;
MENDES In: PAULA, p. 143-144).
20
Disponível em: <http://www.paulohenriqueamorim.com.br>. Acesso em: dez. 2008. 21
Informação fornecida pelo professor alagoano, em entrevista, em Maceió, em mês maio de 2011.
78
Chico Oliveira, como Rosa Marques, vê mesmo um retrocesso político na
adoção de instrumentos de política econômica neoliberais praticados pelo PT e por
Lula. O Estado constituído em 1988 está, na visão destes, sendo alterado, sem que
tenha havido um debate público mediado por instituições políticas amplas. Pesada
crítica recai sobre os sindicatos que, de alguma forma, se alinham ao governo,
quando deveriam tensioná-lo à luz de suas reivindicações. O destaque feito a ambos
se dá por duas razões: Marques é pesquisadora de políticas específicas recentes
sobre o Bolsa Família e é crítica aos princípios neoliberais notadamente na
obediências a organismos internacionais (FMI, BANCO MUNDIAL) e desprezo pelo
programa histórico do próprio partido. Chico Oliveira, por ser fundador do partido e
um dos principais formuladores de ações políticas para o Nordeste, afora sua
reflexão pública permanente sobre a sociedade política brasileira.
Merecedora de grande atenção é a crítica ainda mantida, por Frei Betto, sobre
o curso do Projeto Fome Zero:
Considero o Governo Lula o melhor de nossa história ue milhões de pessoas. No entanto, ainda temos um bolsão de 30 milhões de miseráveis, o que o governo Dilma promete erradicar de fato a miséria. De fato muitos programas sociais trouxeram uma melhoria de renda à maioria do povo brasileiro. Para mim, o nó górdio reside na falta de políticas emancipatórias, como se propunha o Fome Zero. (FREI BETTO, entrevista pelo correio eletrônico, em 08 jun. 2011).
Sobre o Bolsa Família,
O Bolsa Família concede peque renda aos mais pobres e ainda permite que eles busquem complementá-la. Daí a dificuldade de convencer um beneficiário do programa a deixá-lo ao ingressar na economia formal. Hoje, o grande desafio da União é encontrar a porta de saída dos beneficiários, de modo que possam produzir a própria renda e obter qualificação profissional. Somos uma nação de contrastes: a riqueza circula e, no entanto, faltam educação de qualidade e profissionais qualificados para o mercado de trabalho. (FREI BETTO, entrevista pelo correio eletrônico, em 08 jun. 2011).
E arremata com dura análise:
Muitos movimentos sociais, sobretudo as centrais sindicais, foram cooptadas pelo governo Lula. Passaram a representar mais o governo junto às bases do que as bases junto ao governo. Ora, Governo é que nem feijão, só funciona na que panela de pressão... felizmente o MST se salvou desse
79
processo. Mas acredito que se os movimentos sociais tivessem abraço o Fome Zero, não teriam permitido a erradicação dos comitês gestores nos municípios e, hoje, o Bolsa Família não teria o caráter eleitoreiro em mãos de prefeitos. (FREI BETTO, entrevista pelo correio eletrônico, em 08 jun. 2011).
80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso registrar, de pronto, o fato de nossa reflexão buscou captar dentro de
um processo histórico no qual se insere a intervenção do Governo federal, os
Programa Fome Zero e Bolsa Família, nos termos mais objetivos possíveis,
recortando-os e nem sempre fizemos ligações enriquecedoras da interpretação.
Ativemo-nos aos dois mandatos de Lula (2003-2010). Reconhecemos o vácuo
de ligação feita ou a ser procedida com experiências como a Economia Solidária,
hoje projeto com dimensão nacional. Também não aprofundamos a relação do
Programa Bolsa- Família, com a qualidade do consumo. Outra questão que apenas
tangenciamos é a da efetiva participação da sociedade civil no controle social. Ficam
para outro nível de pesquisa o aprofundamento destes e outros temas, no programa
de doutorando, possivelmente.
O Projeto Fome Zero (2001) amadurecido desde 1992, antes, portanto, de ser
implementado pelo governo Lula, anunciado em 2001/2002, nas vésperas das
eleições, não se concretizou. As propostas conjugadas de políticas estruturais,
emergenciais e específicas, articuladas simultaneamente tomaram outras formas,
embora o próprio Projeto tenha sido trazido para o âmbito do governo desde o início
do mandato do presidente Lula. Isto fez o Fome Zero se transformar em Programa
Bolsa Família?
Lembremos que os dois primeiros anos do governo representaram a
arrumação e a constituição do arcabouço administrativo, para pôr em prática uma
nova política social. Governos anteriores tiveram políticas públicas de transferência
de renda, mas sempre de modo mais tímido. Eram necessárias estruturas
administrativas, recursos e pessoas articuladas dentro de um ambiente favorável. Os
primeiros anos do governo, 2003 e 2004, absorveram grande parte das energias
para conquistar a credibilidade dos mercados controlando a inflação e as contas
públicas. O Brasil foi alvo de um ataque especulativo, em razão do que o governo
representava e estratégia para “minar” suas possibilidades de sucesso.
Inventariamos pontos cruciais reveladores do Programa-Bolsa Família, em
81
execução. A política como processo22 e a construção democrática, nos termos
propugnados pela proposta de Tarso Genro, embute a noção de que em todas as
dimensões da vida societária há urgência para a inclusão social e, neste sentido, a
humanidade precisa recuperar a crença nas ações políticas com instrumental
tradicional ou criar outros padrões.
A dinâmica interna pode ser revelada pelas visões de mundo dos formuladores
desta política. Enquanto Lula se empenhava na governabilidade sob o ponto de vista
econômico; e Frei Betto e Oded Grajev lutavam bravamente contra os empecilhos
próprios da burocracia, além de não terem suas propostas viabilizadas em tempo
hábil, sofriam com disputas internas sobre o conteúdo e a forma de implementação
dos projetos. Por vezes, além da paralisia de decisão em encaminhamentos, havia
mesmo dificuldades e boicotes impostos por setores do próprio Governo para que o
projeto de inclusão social abortasse (BETTO, 2007).
Desencontros de visões sobre o Programa, dificuldades na operacionalidade,
recursos do governo e fora dele, tudo contribuía para o retardamento do Projeto
Fome Zero e, mesmo, do Programa Bolsa-Família.
O ano de 2006 foi um marco de inflexão política e econômica, com reflexos
positivos no sistema de proteção social. Lula se agigantara no enfrentamento da
crise de 2005 e se fortalecera com a reeleição (2006), podendo impor sua vontade
sobre o conflito interno (BARBOSA, 2010; SINGER In: PAULA, 2005).
Há uma inflexão político-ideológica que alguns se recusariam a perceber. O
PAC, o Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania (PRONASCI), a TV
PÚBLICA, a recuperação do salário mínimo, os Territórios da Cidadania e Ampliação
dos Programas de Transferência de Renda (Bolsa-Família) foram instrumentos desta
22
Política como processo – A quebra de paradigmas abalou profundamente as esquerdas, em suas diferentes conotações. A reconstrução política e ideológica vem se arrastando por mais de vinte anos. Com novas formas de fazer política convivendo com instrumentos tradicionais. Tarso Genro,ministro de várias pastas do governo Lula, tem trabalhado o tema, na teoria e na prática. Ele defende a necessidade de “rebaixar” o programa estratégico da emancipação para por como centralidade a luta por inclusão, recoesão social, projeto nacional, redistribuição de renda. Tudo para, no curso desta gigantesca tarefa e difícil tarefa, contribuir para a recriação de um projeto humanista verdadeiramente democrático. A nós parece ter o governo Lula se esforçado em adotar tais pressupostos político-ideológicos.
82
inflexão política e ideológica, que traduziram na prática governamental um novo
ideário. A mídia, no geral, mais encobriu do que mostrou essa visão geral da política
na nova orientação. Para recuperar esse processo carreado de informações e
dados, por vezes é necessário ir às próprias fontes, como recomenda Ladislau
Dowbor. Foi nesta ambiência que se formou e se agigantou o Bolsa-Família em
detrimento ao Fome Zero.
Para Singer (In: PAULA, 2005), é preciso se olhar com acuidade sobre o
processo eleitoral sob pena de perderem-se tendências que se apresentam como
originais.
Talvez, no futuro, quando for escrita a crônica factual dos dois mandatos
presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva, o pleito de 29 de outubro de 2006
apareça como mera repetição dos resultados numéricos de quatro anos
antes, em que o candidato do PT venceu o do PSDB por uma diferença em
torno de 20 milhões de votos. Remanescerá, então encoberto sob quase
idênticas, o deslocamento que, com o aspecto superficial de consagração
ao lulismo, pode ter significado, na verdade, um importante realinhamento
político de estratos decisivos do eleitorado. (SINGER In: PAULA, 2005, p.
1).
Nas eleições de 2006, Lula é consagrado para um segundo mandato e terá um
novo alicerce político que, subterraneamente, se alinhará à política do retirante
nordestino, na visão de Estado exposta e confrontada ao PSDB (Partido da
Socialdemocracia Brasileira).
Os anos mais difíceis para o governo e suas políticas estavam encerrados. Os
programas sociais todos apresentavam números mais favoráveis, com inclusão
previdenciária, recuperação do salário mínimo, crescente concessão do BCP. Para o
Brasil inteiro especialmente para o Nordeste, o BN ofereceu créditos e orientação
técnica em quantidade.
Mesmo com a “publicização” de indicadores econômicos gerais e específicos
de políticas sociais melhorados, houve críticos contundentes da condução deste
processo, como mostramos anteriormente. Chico Oliveira deixou o Partido dos
Trabalhadores que ajudara a fundar, criticando Lula por ter abandonado o programa
e os próprios trabalhadores, pondo em seu lugar uma base populista fluida. A
83
economista Rosa Maria Marques também se mostra crítica ao processo, embora
reconhecendo a necessidade do programa Bolsa-Família, garante que a reforma
previdenciária, a qual, na sua visão, retirava direitos, abriu caminho aos planos de
previdência complementar. Também afiançava a guinada liberal do PT, em completo
abandono do programa histórico. O economista Reinaldo Gonçalves vai além para
tentar demonstrar que em todos os aspectos da política econômica e social o
governo Lula fora pior do que o anterior
Por outro lado, Marcelo Nery, da Fundação Getúlio Vargas, afirmava
contundentemente o impacto do Bolsa-Família como um dos elementos que
ajudaram, juntamente com a recuperação do salário mínimo, para o surgir de “O
Brilho da Nova Classe Média”. Somam-se a ele, em outros tons, Ladislau Dowbor,
Paul Singer, Cícero Péricles de Carvalho, Tânia Bacelar e tantos outros.
Embora esteja ainda gravado nos escaninhos eletrônicos do sítio do Ministério
do Desenvolvimento Social, o Projeto Fome Zero não tem o brilho e a centralidade
transferidos para o Programa Bolsa-Família. Neste sentido, aquele projeto não se
realizou como previsto, nem em forma e nem em conteúdo. O governo, no entanto,
não mudou a estrutura onde formalmente o PFZ é estratégico e o Bolsa-Família um
dos seus braços.
Fazendo uma análise do Programa Bolsa-Família, podemos perceber essa
defasagem. Em primeiro lugar, indubitavelmente o Governo Federal constitui um
grande banco de dados dos pobres. A iniciativa se deu em 2001 e a efetivação veio
somente em 2005. Para estados, municípios e o Distrito Federal o acesso é
franqueado tal como para os órgãos federais. O próprio MDS se consolidou partindo
desta riqueza de informações, e tem patrocinado pesquisas, “publicizado” o cadastro
único e captado elementos novos para aperfeiçoamento do curso das ações.
Em segundo lugar, parece-nos que a opção pela Política de Transferência de
Renda Condicionada (PTRC) na modalidade do Programa Bolsa-Família foi
acertada. Ele conseguiu trazer alento, comida e esperança na vida de cerca de 50
milhões de pobres e muito pobres. Este gigantismo de alcance significativo torna
superada a discussão entre focalização e universalização, até porque os mais
84
pobres ainda estão sendo procurados para incluí-los na proteção social mínima a
quem têm direito.
Em terceiro lugar, deu-se a emergência de uma nova classe média
consumidora e, mesmo os pobres se catalogam como consumidores. A classe
média aqui referida, não tem o sentido tradicional, detentora de carro e casa de
praia, mas que mudou de vida, tendo acesso a crédito e a muitos empregos
gerados. Está mais para uma nova classe de batalhadores (SOUZA, 2011). A
Fundação Getúlio Vargas (FGV) desenha o intervalo de renda de r$ 1.000,00 a R$
4.000,00 como sendo a nova maioria brasileira (51%). Esta nova classe média não é
fruto direto do Bolsa Família e sim do reajuste do salário mínimo, da ampliação da
previdência social e do controle inflacionário, mas o programa Bolsa Família também
ajuda nesta emergência surpreendente dos mais pobres.
Em quarto lugar, podemos considerar a tarefa de início de reconstituição do
tecido social brasileiro desde 2003 dando indícios animadores. Aquele Projeto Fome
Zero se desdobrou em vários programas (restaurantes populares, compra de
alimentos, microcrédito para empreendedores e muito crédito para os trabalhadores
rurais; e se esboçam com maior clareza processos de inclusão nas atividades
produtivas com suporte em qualificações aproximadas). O tempo do governo não é o
mesmo das necessidades sociais.
Em quinto e último lugar, o Brasil se tornou um grande protagonista no tema de
combate à fome e à miséria, sendo consultado e fazendo convênios com vários
países. Recentemente, em razão do trabalho iniciado ainda no Brasil, Graziano da
Silva passa a ser Diretor da FAO.
Desafios e questionamentos, contudo, existem muitos. A dificuldade ou
inexistência das “portas de saída” e que o programa só cresce são juízos freqüentes.
Para este argumento, alerta-se a iniciativa em execução, da qual o Ceará pode ser
pioneiro em estreitar a proximidade da União com os governadores na busca da
inclusão produtiva. O Estado do Ceará poderá contar com R$ 100 milhões anuais no
projeto que avança o processo federativo e possibilidade de alternativa como
alguma modalidade de inclusão produtiva (JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE, 2011).
85
Outra crítica feita ao Programa é a insignificância do percentual de 0,3% contra
quase 50% do orçamento. O primeiro para o Bolsa Família e o segundo para
refinanciamento e pagamento da dívida pública. É uma questão de alta
complexidade, pois envolve essencialmente a dívida pública interna. Este
estrangulamento traz dificuldades para a necessária reforma tributária. Em todo
caso, se melhorado o perfil da dívida pública, o ganho deve ser destinado ao
trabalho de construção das “portas de saída” para entrada no mundo do trabalho.
Os passos desta caminhada podem levar à cidadania, no sentido de que o
estádio alcançado pelo Bolsa Família é uma ponte social aos direitos amplos da
cidadania. Não se pode negar este contexto de possibilidades nem se há de
considerar conclusa a caminhada.
É necessário o prosseguimento aprimorado do Programa em diversos ângulos.
A gestão pública de um programa gigantesco permanentemente precisa de acertos,
reparos, novas iniciativas e, principalmente, articulação com outros programas.
Existe a possibilidade de se consolidar como um direito de assistência social
ampliado e enraizado nos mais pobres. Na medida em que o olharmos agora como
uma transição para a cidadania podemos acompanhar e cobrar mais dos entes
federativos, do mundo empresarial e, de muitas formas, fazer um reencontro com a
sociedade civil que apoia o programa à distância.
É mister retratar a constituição de uma estrutura administrativa inédita
condensada no MDS, com boa articulação com estados e municípios e instrumentos
de gestão que de per se demonstram a inequívoca prioridade de que já goza o
sistema de proteção social brasileiro,tendo no Bolsa-Família uma porta de acesso
aos mais pobres. Já neste ano, a presidenta Dilma tomou uma nova atitude de
avanço partilhado convocando os governadores a também entrarem na luta, agora,
para erradicação da miséria. Não é gratuita a interlocução institucionalizada dos
governadores nem tampouco o é a nova nomenclatura que recobra os termos dos
constituintes de 1988: erradicar a miséria.
A educação para o consumo é uma necessidade premente. O aumento do
consumo não guardou proporcionalidade com uma orientação governamental. Os
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meios de comunicação de massa trabalham quase exclusivamente na incitação ao
consumo ligado ao lucro e não fruto de necessidade autêntica. Somente com uma
atitude política e administrativa dos entes federados todos, acompanhada da
sociedade civil, aí incluídos sindicatos e igrejas se poderá fazer com que os mais
pobres e a sociedade em geral atentem para a natureza do consumo que praticam.
O governo Lula também avançou nas políticas de inclusão previdenciária.
Houve inclusão significativa. Indivíduos formalizaram sua atividade facilitada pelos
novos instrumentos fiscais criados. É preciso fortalecer esta inclusão bem como o já
existente e tímido projeto de educação previdenciária. Lembremo-nos da descoberta
governamental recente de 135 mil cidadãos com direito adquirido ao Benefício de
Prestação Continuada (BCP) que não o exerciam. Esta educação previdenciária é
uma necessidade para pobres e para a sociedade, em geral.
A educação formal – a escolaridade – ainda agride a cidadania. Em sociedades
complexas como a nossa, a chance de uma educação de qualidade não pode ser
negada. Temos, principalmente, no Nordeste brasileiro carências enormes na área
de educação formal, sem contarmos o estádio diminuído da educação popular
estampada em experiências como as das CEBs e outras de ONGs atuantes junto
aos excluídos do sistema social. É fato que existe certa organicidade
intragovermental e mesmo com a sociedade civil, urge qualificá-la e acelerá-la.
Uma questão de fundo permeia todo o debate sobre as políticas sociais e as
políticas econômicas. A visão liberal do mundo separa ao extremo as políticas
sociais como foco nos mais pobres 2005 com caráter compensatório, ficando com o
Estado exclusivamente cuidar da manutenção estável dos negócios privados. A
contra-argumentação vem com Singer (In: PAULA, 2005) que faz a seguinte
reflexão:
A real regulação do nível de emprego e das políticas de seguridade social, com acesso universal, remanescem. Na realidade, a distinção entre a política fiscal e monetária de um lado, e o gasto com educação, saúde, saneamento e, assim por diante de outro, esconde mais do que revela, porque omite as políticas de desenvolvimento local e regional, de geração de trabalho e renda, de transferência de renda etc., que não cabem no breviário neoliberal.
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Ainda que o debate prossiga, o ano de 2008 marcou a passagem do Brasil pela
crise financeira com um conjunto de indicadores econômico-sociais e uma
intervenção no sistema de proteção social, com destaque para os PTRC
estabelecendo-se em um prazo razoável, havendo mesmo pistas para a
continuidade deste trajeto. O Brasil está fortalecido em seu mercado interno.
Igualmente o efeito de comparação com outros governos (ainda que
contextualizados) fortalece os termos do debate estabelecido por Singer.
Houve uma mudança no formato, no conteúdo e na implementação do Fome
Zero e no Bolsa-Família, sem que possamos dizer que houve desfiguração completa
de um ou de outro. O que fez o Fome Zero se transformar em Programa Bolsa-
Família, apesar do debate ideológico apresentado dos que defendem uma
preservação da tradição e daqueles que defendem uma postura mais moderna, essa
política social é um marco na sociedade brasileira por possibilitar nascer uma outra
cidadania.
Política pública de inclusão social, deste modo, não deixa de ser uma forma de
assistencialismo. Há, contudo, uma novidade no processo do Fome Zero com
relação às tradicionais políticas públicas clientelísticas. Enquanto nestas o foco é
fazer com que as pessoas criem dependência ao poder local, pois o benefício visado
é puramente assistencialista, na forma de segurança alimentar, o foco é na
independência ao poder local. Esse diferencial é decisivo, pois a forma tradicional
preserva o status quo, enquanto o Fome Zero cria o cidadão, independentemente do
Estado e que encarará a política como instrumento de representação política. É a
forma moderna do clientelismo que pode se transformar ou já o ser um direito
assistencial.
Ainda Singer (In: PAULA, 2005, p. 7), olhando a atual crise do mundo
globalizado, garante que
A crise financeira internacional pauta a questão fundamental: porque não acabar com a globalização financeira como um todo, restaurando em todos os países o poder do povo de decidir, ao eleger o governo e o parlamento, de que modo sua poupança, ou seja, o seu excedente social deve ser administrada. O modo como os donos públicos e privados administram suas poupanças tem efeitos de grande impacto sobre a marcha da economia e sobre a vida social e política de cada país, como acabamos de ver.
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Com uma nova crise de grande dimensão, a comparação com a Europa e os
Estados Unidos nos é favorável no terreno da existência de um sistema social
protetivo e de um grande mercado interno. É-nos favorável no sentido de que não
pairam sobre os brasileiros ameaças de corte nos direitos sociais ou alteração no
percurso dos programas iniciados ou aprofundados com o Presidente Lula. Há um
mercado interno de massas constituído servindo, neste momento, de amparo à
superação dos entreveros advindos de mais uma crise sistêmica originária nos
sistemas capitalistas mais avançados. Este é um dado positivo que, não pode
obscurecer, pela via de um marketing exagerado, os desafios que permanecem
como a dívida pública interna e a regressividade no sistema tributário brasileiro. A
constituição deste mercado interno consumidor, reconheça-se, é um feito que não
pode ser ocultado.
Encerramos com mais uma evidência: O Brasil, no plano interno, consolida sua
revolução burguesa, reforça a democracia com nova cidadania surgida de um
clientelismo moderno; e, no contexto externo, com a crise dos países formadores da
ordem mundial pós-Segunda guerra mundial, se apresenta como uma liderança
emergente. Essa realidade que essa geração assiste ao vivo e em cores tem nessa
política pública de segurança alimentar a grande força que fortalece o processo.
Pelo exposto no todo do texto, podemos deixar alguns elementos a serem, no
futuro, perscrutados com maior acuidade:
a) Quais os mecanismos que poderão transformar uma maioria social em maioria
política para enfrentar as reformas populares estruturantes?
b) Como se ampliarão os necessários grandes investimentos sociais se o
Orçamento da União continuar seqüestrado pelo pagamento dos juros da dívida
pública (43%)?
c) Com o atual nível de insegurança pública como se dará a efetiva reconstituição do
tecido social brasileiro?
Muitas outras indagações se impõem. As expostas acima nos parecem um
bom roteiro inicial no rumo de pesquisas a partir do que pretendemos estabelecer no
presente trabalho.
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ANEXO – Tabelas complementares
Tabela 7 – Coberturas do PTRC em janeiro de 2004
Fonte: Sagi – MDS – Matriz de Informação Social.
Tabela 8 – Situação das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família antes e depois dos benefícios
Fonte: SENARC/ MDS. A partir dos microdados do Cadastro único de março de 2010 e da Folha de Pagamento de abril de 2010.
Tabela 9 – Distribuição dos beneficiários do PBF e suas famílias segundo regiões brasileiras
Fonte: MDS/SENARC 2010. Microdados Cadastro Único, Junho de 2009 e PNAD 2008.
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Tabela 10 – Dívida externa e reservas internacionais em US$ milhões de dólares e indicadores de solvência
Fonte: Banco Central do Brasil.
Tabela 11 – Inflação, Crescimento do PIB, Taxa de juro e Taxa de câmbio
Fonte: Banco Central do Brasil, IBGE e FGV; * observações: (i) os números do PIB para 2009 se
referem aos valores acumulados em 4 trimestres até Setembro/09.
Tabela 12 – Salário e emprego
Fonte: IPEADATA; *observações: (i) o crescimento da massa salarial, do emprego e do salário para
2009 corresponde ao valor acumulado em 12 meses até novembro; (ii) a taxa de desemprego nas regiões metropolitanas (PME) e na região metropolitana de São Paulo (DIEESE) para 2009 corresponde à média de 12 meses até novembro.
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Gráfico 2 – Evolução do número total de empregados com vínculo formal de emprego (em milhões de empregos)
Fonte: Rais/TEM.
Gráfico 3 – Evolução dos investimentos em habitação (em R$ bilhões)
Fonte: Cadernos destaque, nov./dez. 2009.