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PINDOKO: A REPRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA CABO-VERDIANA NA
EDUCAÇÃO, POSSIBILIDADES DO FILME E OUTROS ASPECTOS
Nathália Fonseca Martins Santos1
Resumo:
O presente trabalho consiste em uma análise fílmica de Pindoko, obra de produção
africana que foi lançado em 2011. O filme traz diversas abordagens que permeiam a
sociedade cabo-verdiana, dentre elas procuramos destacar a interferência da família
na educação dos jovens, consistindo em um de nossos objetivos, para além de
compreender o contexto de produção, outras possibilidades de discussão e a
relevância do uso de filmes como ferramenta pedagógica.
Palavras – Chave: Pindoko. Filme. Cabo Verde. Educação.
O Ator, Autor e o Produtor
João Evangelista Lopes Pereira, produtor de Pindoko, nasceu em Achada
Galego, Sta Catarina, Santiago, Cabo Verde, há 34 anos. Com apenas dois anos foi
viver em Pedra Barro e aí passou o resto da sua infância e adolescência.
Aos 7 anos estreou-se pela primeira vez como ator, mas foi mais tarde, quando,
já adolescente, ajudou a fundar o Grupo Boa Esperança, que o Teatro começou a ser
importante na sua vida. Através deste grupo atuou em diversas partes da ilha de
Santiago, participando, inclusive no famoso festival cabo-verdiano de teatro Mindelact.
A veia teatral também foi sendo explorada através da animação de programas de rádio
e da apresentação de diversos eventos culturais.
Fundou, em 2002, o grupo Raiz de Cabo Verde, em Vialonga, formado,
maioritariamente, por jovens nascidos e criados em Portugal, mas com raízes em
1 Discente do VIII semestre do curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado da Bahia.
Cabo Verde. O grupo incluía as vertentes de música, dança e teatro, e passou a
dinamizar algumas missas da paróquia de Vialonga e a dinamizar festas e diversos
eventos, um pouco por toda a zona da Grande Lisboa. Anos depois, em 2009 o grupo
constitui-se formalmente numa Associação, “Djunta Mó – Associação Cultural Raiz de
Cabo Verde” tendo João Pereira como presidente.
Apesar do trabalho e da dinamização da Associação, João Pereira continuou
os estudos e concluiu uma licenciatura em Serviço Social na Universidade Lusófona
de Humanidades e Tecnologias, estando neste momento a terminar o mestrado em
Ciência Política no mesmo estabelecimento de ensino.
Já em Portugal passou por algumas formações na área teatral, no Teatro da
Comuna, em Lisboa, e com os atores brasileiros Mara Mazan e Bruno Maroni. A
Associação foi aos poucos crescendo e aos 15 membros iniciais muitos outros se
juntaram até atingirem os 52 membros em 2011.
ANEXO A - João Evangelista Lopes Pereira, produtor do filme Pindoko
Em 2011 foi lançado o trabalho Pindoko, que suplantou o sucesso do primeiro
DVD; Nha Fia, que aborda o alcoolismo no seio familiar. Desta vez a
toxicodependência foi o tema escolhido pelo grupo para, através da comédia, lançar
um alerta social.
O roteiro do filme possui 1h09min e é de Fernando Moreno e João Pereira com
gênero de comédia e drama. As cenas se passam em Cabo verde, na maioria das
vezes na casa de Pindoko, com diálogos entre o Pai (Simpilício), a Mãe (Donda) e
Pindoko; na casa de um velho amigo de Damião onde vai ter um grande diálogo sobre
a França e a juventude de Cabo Verde; nas ruas onde Pindoko vai ter acesso as
drogas e vai fazer assaltos para conseguir dinheiro para mais droga; e na delegacia
onde ele vai ser preso, e seus pais vão para pagar fiança.
Os atores que fazem parte do filme (teatral) é o Grupo teatro Raiz de Cabo
Verde que possui 32 atores sendo alguns deles, Ângela Landim, Vânia Lopes, Zezito
Cabral, Dany Silva, Marlene Lopes, Simone Semedo, Dulcelena Monteiro, Sandro
Veiga, Cesaltina Vieira, Eduardo Barbosa entre outros e o próprio João Pereira.
Em relação ao cenário, a maioria das cenas em que a família está reunida se
dá na casa de Pindoko, principalmente ao redor da mesa nos momentos das refeições,
onde a maioria os diálogos são feitas, e também por ser o local da casa mais arrumado
e limpo. Na sala de estar só tem a mesa, não possui outros móveis.
No decorrer do filme mostram-se ruas e estradas de Portugal 2 numa zona que
se chama Zambujal de Loures 3 em uma parte mais isolada da cidade. Percebe-se
que é um lugar onde não tem limpeza adequada, mal cuidado, uma parte pobre da
cidade, rural, que não tem muitas construções e as casas existentes são muito
simples. A cidade só é mostrada quando Pindoko resolve ir fazer assaltos, procurando
vítimas na cidade, mostrando casas melhores, carros... e quando os pais de Pindoko
vão à delegacia.
A trilha sonora se baseia no estilo de reggae e regionais, músicas ritmadas,
batucadas, dançantes e alegre. Algumas como Belinha, Reza na Gudin (Rabasa) e
Mulher É Amiga De Home (Blyk Tchutchi) fazem parte da sonorização do filme. Esta
última música é a mais usada no filme, especialmente toda vez que Pindoko está
usando drogas.
2 Foi filmado em Portugal pois na época das gravações Tikai e os integrantes do teatro residiam lá. 3 O cenário escolhido foi para que o mesmo tivesse uma imagem parecida com uma zona rural de Cabo Verde.
ANEXO B – Cena de Pindoko retratando a falta de infraestrutura de parte da cidade.
ANEXOS C – Representação de aspectos culturais cabo verdianos e da simplicidade
da família.
Grupo de Teatro Tikai
A história e criação do Grupo de Teatro Tikai está, obrigatoriamente, associada
à evolução de João Pereira como ator e produtor de teatro. Os seus primeiros passos
foram dados em Cabo Verde, nos anos 90, através do Grupo Boa Esperança, um
grupo criado por jovens do interior de Santiago que, numa das suas vertentes,
direcionou alguns adolescentes para a arte da representação. As primeiras atuações
foram feitas com este grupo, um pouco por toda a ilha de Santiago.
Em uma entrevista ao autor feita em forma de questionário e enviado ao
mesmo, em 2001 a conjuntura social e económica do mesmo levou a emigrar para
Portugal onde, juntamente com outros jovens cabo-verdianos e descendentes de
cabo-verdianos, maioritariamente da zona de Vialonga, fundou o Grupo Raiz de Cabo
Verde – sendo assim fruto da diáspora. O principal objetivo era o de resgatar e
recordar as tradições cabo-verdianas, principalmente junto daqueles que há muito
estavam afastados das suas raízes. Por isso o grupo foi criado inicialmente com
diversas valências: música, dança e teatro. A popularidade do grupo foi aumentando,
levando-o a atuar em diversas festas municipais e motivando a organização de uma
festa anual, a celebração de Stª Catarina e Stº André, dois santos padroeiros muito
importantes para a comunidade cabo-verdiana residente em Portugal, festa essa que
atingiu dimensões nunca antes vistas.
Em 2009, o ainda Grupo Raiz de Cabo Verde gravou, em Portugal, o seu
primeiro teatro em DVD, o “Nha Fia”, trabalho que lançou a nível mundial o
personagem “Tikai”. O sucesso desta primeira experiência levou à aposta em mais
um trabalho, desta feita “Pindoko”, também gravado em Portugal e que saiu no
mercado em 2010.
A ambição em melhorar levou a que, em 2011, o Grupo gravasse mais um
trabalho em DVD, mas desta feita gravado integralmente, e pela primeira vez, em
Cabo Verde, Santa Cruz. “Rapacinho Intentado”, teatro baseado na música de Nácia
Gomi e gravado em sua homenagem, foi recebido de braços abertos não só em Cabo
Verde como um pouco por todo o mundo. Paralelamente, o Grupo realizou diversas
atuações ao vivo com as duas peças anteriores “Nha Fia” e “Pindoko”, em Cabo
Verde, França, Suíça, Luxemburgo e Portugal.
Em 2012 o Grupo Raiz de Cabo Verde deu forma ao Grupo de Teatro Tikai,
formado por jovens cabo-verdianos residentes em Cabo Verde e que conta
atualmente com 12 elementos efetivos. Dando seguimento aos trabalhos, estreou a
peça “Kadabrada”, gravada em 2014, no Tarrafal de Santiago. Tal como nas peças
anteriores, este trabalho combina duas características do teatro veiculado por este
grupo: a comédia e a pedagogia. Sempre tendo como objetivo chamar atenção dos
jovens.
Dentre vários trabalhos, surgiu “Chipitite”. Esse trabalho fala de um rapaz que,
ao desobedecer aos seus pais, cria uma imensa confusão, alertando para a dinâmica
familiar que é muito importante, principalmente o respeito pelos mais velhos. Esta
peça foi gravada na zona histórica de Ribeirão Manuel, famosa pelas suas paisagens,
tal como pode ser observado no vídeo, mas também pelo seu povo combatente e
justo, que motivou, em 1910, um episódio da História de Cabo Verde, cantada e
contada até hoje e conhecido como “A revolta de Ribeirão Manuel”.
Por último, já em 2018, o Grupo de Teatro Tikai resolveu encenar a parábola
“Filho Pródigo”, realizando as filmagens em São Lourenço dos Órgãos, no Pico de
Antónia e na cidade da Praia, transpondo para a atualidade a história de dois irmãos,
em que um fica com os pais a servi-los e outro pede a sua herança e abandona a sua
casa. Este último trabalho, à semelhança dos anteriores, tem tido uma excelente
aceitação, não só a nível nacional, tendo já sido apresentado em maioria dos
conselhos da Ilha de Santiago, Boa Vista, maio, São Vicente, mas também no exterior,
nomeadamente nos EUA, Portugal, Holanda, França, Luxemburgo e Suíça.4 Assim
alcançando suas expectativas, fazendo sucesso não só em Cabo Verde mais também
na diáspora onde vive a comunidade Cabo-Verdiana.
Podemos perceber que o ator e seu teatro usam dessa arte por acreditar no
papel social que ele transmite através das histórias de seus personagens que sempre
tem uma moral para dar. Ele destaca que “neste caso, alerta-se o público para os
burlões, que tiram dinheiro aos mais desprevenidos ”, ao mesmo tempo que se
promove as boas práticas sociais para compartilhar. Ainda coloca que ver as “ pessoas
que tiveram contato com arte desde pequeno uma tendência de ter bom
comportamento na sociedade, porque através de arte ela consegui aprender e ser útil
na sociedade e ter forma de ocupar o seu tempo livre. ”; e apela que deve haver
sempre apoio e subsidio para os artistas.
Pindoko - Resgatando o Passado Presente
4 Dados fornecidos pelo ator João Pereira
Pindoko é um filme construído em 2011, que para além de abordar um único
tema, se propõe a discutir assuntos secundários, que nos coloca em contato com o
passado de Cabo Verde.
O objetivo principal do filme é tentar através do filme “sensibilizar a sociedade
principalmente para a classe de adolescentes e jovens; mostrando a importância que
a escola tem perante a nossa vida e que não se deve trocar nada com a ida a escola
nesta fase”. Ao mesmo tempo chamar atenção aos pais para “estarem atentos na
mudança de comportamento dos filhos, e que os pais devem estar em sintonia na
educação dos seus filhos”.
Pindoko é nome de uma pessoa. A história surgiu em ouvir e ver o que se passa
na nossa sociedade e nos comportamentos dos nossos jovens e a preocupação dos
pais em educar os filhos no mundo de hoje que é muito complicado tendo em conta
das novas tecnologias e muitas coisas que influenciam os jovens para desviar da boa
educação.
Ainda para que se possa compreender o filme Pindoko, faz se importante
entender o contexto social e político no qual a obra foi produzida. Em tempo, ressalta-
se que o filme é fruto de uma peça teatral encenada pelo grupo Raízes, que representa
as questões popular e religiosa, ligado aos rituais de trabalho e aos rituais sagrados,
que percebemos na família apresentada, onde nas refeições era obrigatória a reza, e
não fazer isso era considerado falta de respeito, entendemos também, como resultado
da colonização.
Em 2011 Cabo Verde estava, segundo o Banco Mundial, crescendo
significativamente em relação há anos anteriores. É um país que havia desenvolvido
o sistema educacional comparado a outros países africanos. Intencionalmente o filme
traz uma reflexão à relevância da educação. Em todo momento Simplício defende e
incentiva o filho a estudar, vendo como o único meio de mudança. Pensando o
contexto político, os cabo-verdianos enfrentava uma corrida eleitoral. A situação
política em Cabo Verde é considerada livre de modo que os partidos têm-se alternado
desde 1975, ano de independência do respectivo país.
Para além das questões sócio-políticas, o filme em suas cenas faz um resgate
ao passado, quando abordado a questão da plantação de milho, as refeições que
eram realizadas, como o desjejum com cuscuz, e o almoço com feijoada. Além disso,
o Simplício torna-se o personagem que em todo momento questiona o fato das
tradições estarem se perdendo. Isso é possível no diálogo com seu Compadre
Damião, que estava na França e retorna com novas perspectivas. Destaco uma das
falas de Simplício que apesar de conservador, a todo o momento quer trazer as
tradições ao seu meio, quando ele diz: “Dançávamos pela alegria e não pelo prazer
do corpo”, isso quando ele critica o comportamento dos jovens. Simplício percebe
que as coisas estão mudando, mas não as vê como positiva. Além desses aspectos,
é possível notar o resgate desse passado nas músicas, dança, e nas gírias crioulas
que são utilizadas a todo o momento. Compreendendo como uma questão de
autoafirmação.
Apesar de ser um filme que ressalta um estereótipo, pode ser utilizada para
abordar diversas questões, como preconceitos, cultura, colonização, nos
possibilitando conhecer um pouquinho de Cabo Verde.
Pindoko – O filme
A obra Pindoko é uma versão em vídeo de peça teatral encenada pelo grupo
Raízes de Cabo Verde. A comédia popular trata com muito bom humor dos dilemas
familiares do casal Simplício e Dunda na educação do filho, o adolescente Pindoko.
Os problemas começam a aparecer quando o jovem, em vez de ir para a escola,
passa a consumir drogas e inclusive a roubar. Pobres, tradicionais e conservadores,
principalmente o pai, apesar de serem analfabetos lutam para que o filho vá a escola
para que tenha uma vida melhor no futuro, diferente daquela em que vivem.
A família é constituída por 3 membros, o pai (Simplício), a mãe (Dunda) e o filho
(Pindoko). O pai trabalha na construção civil, e trabalha para sustentar a casa e pôr o
filho na escola, enquanto que Pindoko tinha todo apoio da mãe. Os pais reagiram de
forma diferente aos desafios impostos pela rebeldia e delinquência juvenil do filho. Ao
invés de ir para a escola Pindoko passa a se desviar e andar com companhias que o
leva para o caminho das drogas, chegando ao ponto de cometer assaltos.
Ao descobrir que o filho foi parar na prisão, em decorrência ao assalto
praticado, a mãe se vê desesperada, decepcionada e envergonhada por tanto ter
defendido o filho, já o pai, furioso, e coberto de razão, dar ao filho a lição que segundo
ele lhe faltara, e reafirma que educa o filho para ser homem de bem e alguém na vida.
Segundo João Pereira (Tikai), autor da peça, Pindoko destaca problemas sociais que
afetam os jovens da comunidade cabo-verdiana, como as drogas, seja no país, seja
na diáspora.
A atuação da família cabo-verdiana na educação dos filhos no filme Pindoko
A educação é um aspecto muito debatido e pensado em qualquer sociedade,
ainda mais em um país marcado fortemente pelo colonialismo como Cabo Verde,
onde as áreas básicas de infraestrutura necessitam de investimentos. O filme Pindoko
retrata uma família pobre e tradicional cuja visão que se tinha a respeito da educação
era a de que ela seria a solução para muitos dos problemas sociais. Tanto Dunda
quanto Simplício tinham muito orgulho de seu filho frequentar a escola e de ser,
segundo eles acreditavam, um dos melhores da classe. Quando Simplício chegava
em casa sempre perguntava a seu filho sobre os acontecimentos da escola e desejava
rigorosidade do mesmo com o horário de chegar ao ambiente escolar.
Dentro dessa temática, o filme apresenta uma cena em que o jovem Pindoko
diz ter respondido uma questão que nenhum outro colega havia respondido: qual o
resultado de 8+8. O menino afirma ao pai ser 32, e este, por não ter tido a
oportunidade de estudar, nem a mulher (Dunda), acreditavam que o filho tinha
respondido corretamente. Esta cena traduz o desinteresse do menino pelos estudos
(o que é evidenciado em outras cenas do filme), mas também uma crítica à qualidade
do ensino cabo-verdiano, que claro, diz respeito a toda uma questão mais complexa
por detrás como nos explica Moura (2016)5 em seu artigo “O sistema educativo cabo-
verdiano nas suas coordenadas sócio-históricas”:
Assim, a compreensão da educação, quer dizer, do sistema educativo, deve ter em conta um conjunto de variáveis sociais (dinâmicas) que influem em seu
5 MOURA, Alcides Fernandes da. O sistema educativo cabo-verdiano nas suas coordenadas sócio-históricas. Revista Brasileira de História da Educação. Paraná, v. 16, n. 1, p. 79 – 109, jan./abr. 2016.
funcionamento e desenvolvimento (Vara Coomonte, 2004). Dessa perspectiva, todo o processo educativo estrutura-se e se desenvolve em uma determinada sociedade, em um sistema social, ou seja, em totalidade social na qual se relacionam aspectos econômicos, políticos, culturais, jurídicos, religiosos. A educação é, portanto, condicionada pela estrutura social, não podendo ser compreendida como um elemento independente (MOURA, 2016)6.
Ainda de acordo com Moura (2016)7 apesar dos avanços obtidos no sistema
educacional nas últimas três décadas ainda continuam existindo desigualdades
regionais e que segundo dados estatísticos de 2005, ainda persistiam índices
consideráveis de reprovação e de abandono escolar (levemos em conta o curto tempo
entre a pesquisa e o ano de produção do filme para este contexto).
Retomando o filme, este encerra com a fala de Simplício afirmando “Ao meu
filho dou educação e ponho-o na escola para ser homem de amanhã”. Vemos nessa
fala que a educação é indicativa da formação do indivíduo, e para um pai como
Simplício, que trabalhava duro todos os dias para dar condições ao filho apenas de
estudar, essa seria a forma de Pindoko se tornar um bom homem, bem estruturado
socialmente, diferente de seus pais que sequer sabiam escrever e calcular e
desfrutavam de uma vida simples e dura. A mãe afirmava que Pindoko era estudante
e seria advogado. Mas para além disso, a fala final de Simplício revela sua
responsabilidade em dar educação ao filho.
Em diversas cenas fica explícita a preocupação que Pindoko tinha com a
reação de seu pai diante de algumas situações. Ele buscava chegar em casa antes
de seu pai retornar do trabalho e pedia para sua mãe comunicar-lhe quando Simplício
lá já estivesse. Lobo (2012)8 em seu texto “A família em Cabo Verde. Uma perspectiva
antropológica” explica que “esta relação existe e é mediada por um sentimento de
respeito à autoridade paterna, pois é ele quem impõe autoridade e os filhos devem
respeitá-lo”. O pai, sendo um homem tradicionalista, exigia do seu filho um bom
comportamento, respeito e a manutenção de princípios religiosos, como a reza (visto
a influência do catolicismo colonial). Apesar de o pai ser apresentado no filme como o
6 MOURA, Alcides Fernandes da. Op. cit. 7 MOURA, Alcides Fernandes da. Op. cit. 8 LOBO, Andréa. A família em Cabo Verde. uma perspectiva antropológica. Revista de Estudos Cabo-Verdianos. n.4. Disponível em: <http://www.academia.edu/10351729/ A_FAM%C3%8DLIA_EM_CABO_VERDE._UMA_PERSPECTIVA_ANTROPOL%C3%93GICA>. Acesso em: 08 de jul. de 2017.
principal por manter a ordem familiar, a mulher cabo verdiana tem um papel central
na educação dos filhos e em demais atividades:
A centralidade das mulheres na vida quotidiana das famílias é facilmente identificada. Cabe a elas a gestão económica da casa e a gestão do dia a dia dos filhos, que engloba a supervisão da vida escolar, da alimentação e da higiene, entre outros. Essa gestão familiar significa que elas respondem socialmente perante situações de sucesso e fracasso na educação e criação dos filhos (Rodrigues apud FORTES, 2014)9.
É diante dessa função que Simplício atribui a educação do filho também à
esposa, e por ela passar mais tempo com o filho ele cobra dela resultados dessa
educação. Quando Pindoko é preso, Simplício reclama à sua esposa o acontecimento
e se diz mostrar aos dois quem é o chefe da família.
Apesar do filme buscar retratar alguns dilemas possíveis das famílias cabo-
verdianas, a história não pode ser atribuída a todos os casos, visto que a estrutura
familiar tem passado por muitas transformações ao longo do tempo, nem tampouco
pensarmos que apenas o homem é autoridade na família, pois a mulher tem seu papel
relevante e também a sua autoridade, sem falar dos casos de monoparentalidade,
cujos dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) cabo-verdiano apresentam
números consideráveis.10
Filme como recurso didático - pedagógico (debate teórico e as possibilidades
do filme analisado)
O cinema está cada vez mais presente nas salas de aula. A chegada de novas
tecnologias possibilitou que filmes pudessem ser analisados e utilizados como fonte
de estudo em diversas temáticas. Nesse sentido, os filmes são instrumentos didáticos
diversificados pela quantidade e facilidade de acesso, pois existem plataformas online
9 FORTES, Celeste. “Casa sem homem é um navio à deriva”: Cabo Verde, a monoparentalidade e o sonho de uma família nuclear e patriarcal. Disponível em: <www.dan.unb.br/images/pdf/anuario_antropologico/...II.../Casa_sem_homem.pdf>. Acesso em: 08 de
jul. de 2017. 10 “Segundo as estatísticas dos agregados familiares apresentados por Alícia Mota, do INE, no âmbito
de uma conferência para assinalar o dia mundial da família, 30,2% das famílias monoparentais no país são chefiadas por mulheres, contra 6,5% por homens. Os restantes 63,3% dos agregados são chefiados por pai e mãe. Mas quando os agregados são conjugais, a responsável pelas estatísticas de género do INE disse que a maior parte (54%) são chefiados por homens, contra 46% das mulheres, todos com uma idade média de 45 anos” (Lusa, 2017).
que oferecem variedades de escolhas de filmes e estes podem ser usados pelos
professores em sala de aula como meio de mediação do conhecimento ou por uma
demanda da turma por determinados temas em debate. Desta forma,
O cinema possibilita o encontro entre pessoas, amplia o mundo de cada um, mostra na tela o que é familiar e o que é desconhecido e estimula o aprender. Penso que o cinema aguça a percepção e torna mais ágil o raciocínio na medida em que, para entendermos o conteúdo de um filme, precisamos concatenar todos os recursos da linguagem fílmica utilizados no desenrolar do espetáculo e que evoluem com rapidez (COELHO; VIANA apud ALENCAR, 2007, p. 137)11.
A linguagem fílmica consegue unir imagens em movimento para conectar a
atenção dos espectadores, e ao mesmo tempo, essa conectividade possibilita a
imaginação. Um indivíduo pode ser conduzido a diversas reflexões a partir do tema
proposto no filme.
A prática do professor em apresentar novos recursos didáticos nas aulas
atualmente vem sendo um diferencial, pois este tem nas suas classes alunos bem
informados e com novas linguagens, em meio a isso, o recurso áudio visual aparece
como elemento capaz de prender a atenção da turma quando é discutido com um
propósito, mediante a uma objetividade. “Na sala de aula, como em qualquer espaço
educativo, o cinema é um rico material didático. Agente socializante e socializador, ele
desperta interesses teóricos, questionamentos sociopolíticos, enriquecimento cultural”
(SOUZA, 2006, p.9)12.
Nesse aspecto, o filme Pindoko pode ser utilizado como um instrumento
didático, pois apresenta temáticas variadas. Na sua abordagem, o tema familiar pode
ser explorado por professores a fim de entender determinada cultura e associá-la às
vivências familiares dos alunos, além de aspectos como o uso de drogas, educação,
desigualdade social, entre outros. A trilha sonora utilizada no filme também pode ser
uma ferramenta para debate a respeito de temas como preconceito, violência e
intolerância.
11 COELHO, Roseana Moreira de Figueiredo; VIANA, Marger da Conceição Ventura. A utilização de
filmes em sala de aula: um breve estudo no instituto de ciências exatas e biológicas da ufop. Revista da Educação Matemática da UFOP.vol. 1. 2011. 12 SOUZA, Edileuza Penha de. (Org.). Negritude, cinema e educação: caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza Edições, vol. 1, 2006.
Considerações Finais
O filme analisado é um recurso que traz a possibilidade de, se levado para sala
de aula, permitir discussões de diferentes questões sociais. Outro ponto importante
de levantar é que o filme é uma representação dessas situações e por assim ser está
carregada de intencionalidade, de visões de mundo de determinado grupo, de
estereótipos e quiçá de preconceitos.
Apesar dos pontos positivos que a obra traz como crítica social ao abordar a
desigualdade em Cabo Verde, especialmente a falta de infraestrutura de qualidade
em determinadas regiões, a deficiência existente no setor educacional, a questão das
drogas e da violência, possibilitar uma discussão do “conservadorismo x
modernidade”, a influência colonial no país e também proveniente da emigração, entre
outros, traz estereótipos que acabam por comprometer de certa forma o filme, é o
caso da relação que se faz do indivíduo que ouve e gosta de reggae como sendo
necessariamente usuário de alguma droga ilícita. Essa alusão é percebida nas
músicas tocadas e na imagem de Bob Marley quando o foco do filme é o uso das
drogas.
Outra questão ainda é ao passar a imagem do homem como tendo autoridade
sobre a mulher no sentido de mandar-lhe se calar ou ameaçar algum tipo de agressão
física, percebido nas ações de Simplício em relação a sua mulher, dentro da delegacia
ainda por cima, e não obtendo nenhuma defesa por parte das autoridades, além da
mulher ser aquela que deve estar apenas a cuidar dos afazeres domésticos, não
sendo mostrado que ela pode ocupar outros espaços.
Dessa forma percebemos que ao usar um filme como elemento para fomentar
a reflexão do aluno e obtenção de conhecimento, é necessário estarmos atentos para
essas e outras questões que sejam pertinentes.
Referências
COELHO, Roseana Moreira de Figueiredo; VIANA, Marger da Conceição Ventura. A utilização de filmes em sala de aula: um breve estudo no instituto de ciências exatas e biológicas da ufop. Revista da Educação Matemática da UFOP.vol. 1. 2011.
FORTES, Celeste. “Casa sem homem é um navio à deriva”: Cabo Verde, a monoparentalidade e o sonho de uma família nuclear e patriarcal. Disponível em: <www.dan.unb.br/images/pdf/anuario_antropologico/...II.../Casa_sem_homem.pdf>. Acesso em: 08 de jul. de 2017. LOBO, Andréa. A família em Cabo Verde. uma perspectiva antropológica. Revista de Estudos Cabo-Verdianos. n.4. Disponível em: <http://www.academia.edu/10351729/ A_FAM%C3%8DLIA_EM_CABO_VERDE._UMA_PERSPECTIVA_ANTROPOL%C3%93GICA>. Acesso em: 08 de jul. de 2017. LUSA. Correção: Mulheres chefiam maioria das famílias monoparentais em Cabo Verde. 2017. Disponível em: < http://www.dn.pt/lusa/interior/correcao-mulheres-chefiam-maioria-das-familias-monoparentais-em-cabo-verde-8477986.html >. Acesso em: 08 de jul, de 2017. MOURA, Alcides Fernandes da. O sistema educativo cabo-verdiano nas suas coordenadas sócio-históricas. Revista Brasileira de História da Educação. Paraná, v. 16, n. 1, p. 79 – 109, jan./abr. 2016. SOUZA, Edileuza Penha de. (Org.). Negritude, cinema e educação: caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza Edições, vol. 1, 2006. Disponível em: < http://www.dexamsabi.com/2015/06/conheca-tikai.html?m=1> acesso em: 09 de jul de 2017.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=3Qu1QfXl5A4 > acesso em: 09 de jul de 2017.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=l1cRoWMe5sQ > acesso em: 09 de jul de 2017.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=izWG2-GpcTk > acesso em: 09 de jul de 2017.