8

Piquenique no centro

Embed Size (px)

DESCRIPTION

piquenique no centro!

Citation preview

Page 1: Piquenique no centro
Page 2: Piquenique no centro

Interferências cotidianas e afetivas no espaço

padronizado.

Page 3: Piquenique no centro

Moro na Moradia universitária Ouro Preto I há quase quatro anos e há pouco tempo decidi realizar um trabalho no lugar em que vivo. Impulsionado por certa insatisfação com o espaço ao meu redor, sempre me dediquei a tornar o meu quarto, única parte do apartamento de seis quartos, sala/cozinha e banheiros que eu sinto como minha, um lugar mais pessoal e aconchegante. Sob esse pensamento decidi investigar: fotografar quartos de diversas pessoas que moram aqui para tentar registrar como o cotidiano e o afeto interferem nos menos de três metros quadrados duros e padronizados dos quartos daqui.

Construídos para atender aos estudantes, professores e visitantes da UFMG, os prédios da MOP I esbanjam claras características da arquitetura moderna: linhas retas e práticas, mas impessoais e rígidas demais. É certo que para comportar tanta gente, uma capacidade total de 300 pessoas, e manter a estrutura funcionando, algum tipo de limitação e rigidez é inerente, no entanto em um viés mais sutil, posso dizer que as paredes retas e pálidas que englobam os estudantes fazem mais que isso: os engolem.

Interferências cotidianas e afetivas no espaço

padronizado.

Page 4: Piquenique no centro

Quartos pequenos com móveis de alvenaria onde o “de baixo da cama” é fechado com tijolos propõe uma estrutura que se não atende ao morador, qualquer adaptação é complicada: móveis adicionais no quarto o tornam praticamente intransitável, quiçá um colchão no chão pra hóspedes. Nesse aspecto, conforme o curso, exercer as funções básicas necessárias já se torna praticamente impossível.

Se o interno possui o conforto de uma máquina de lavar roupas, caso não conviva com ela no corredor do apartamento ou a comporte no breve espaço entre a privada e a parede do banheiro, é obrigado a mantê-la na “lavanderia”, uma pequena sala com menos de dez tanques que atendem a todos os seis prédios. Nesse caso, lavar roupas com a maquina se torna uma tarefa árdua: encontrar a maquina no cômodo entre as diversas empilhadas, arrastá-la até a beirada do tanque e se utilizar da torneira: não há estrutura básica para suportar uma lavadora de roupas.

Na área externa se vê um belo jardim, sempre elogiado por quem mora de fora dos muros: “Parece aqueles conjuntinhos de prédios de praia!”. A afirmação se confirma, mas não a costumeira vantagem: a “temporada” que se passa na moradia é de alguns bons anos. Nos jardins não se vê nenhuma árvore, apenas arbustos e pequenos coqueiros, nada passivo de mudanças. Nem a possibilidade de uma horta, nem que seja de temperos e chás ou mesmo de uma árvore com uma sombra aprazível.

Mas em meio a toda essa rigidez, algumas luzes se manifestam. Talvez geometricamente bonito no conceito do arquiteto que o projetou, o sistema de calçadas permeado por jardins que dá acesso à entrada dos prédios possuía duas falhas bobas: dois caminhos que formavam triângulos retângulos onde o que o passeio propunha era que se percorresse a sua hipotenusa e o maior dos dois catetos, em uma volta no mínimo desnecessária. A talvez inconsciente matemática dos moradores resolveu o problema: logo uma trilha se abriu no gramado propondo o caminho mais curto, que mais tarde foi devidamente oficializado pela direção com as honras da instituição mor da arquitetura moderna: o concreto. Em outro caso, um retângulo gramado do jardim se tornou campo de futebol, primeiro improvisado, depois com traves cedidas pela direção e finalmente com uma estrutura mais digna que inclui até uma rede que engloba o campo, evitando que a bola alcance a movimentada avenida em frente.

Page 5: Piquenique no centro

Quartos pequenos com móveis de alvenaria onde o “de baixo da cama” é fechado com tijolos propõe uma estrutura que se não atende ao morador, qualquer adaptação é complicada: móveis adicionais no quarto o tornam praticamente intransitável, quiçá um colchão no chão pra hóspedes. Nesse aspecto, conforme o curso, exercer as funções básicas necessárias já se torna praticamente impossível.

Se o interno possui o conforto de uma máquina de lavar roupas, caso não conviva com ela no corredor do apartamento ou a comporte no breve espaço entre a privada e a parede do banheiro, é obrigado a mantê-la na “lavanderia”, uma pequena sala com menos de dez tanques que atendem a todos os seis prédios. Nesse caso, lavar roupas com a maquina se torna uma tarefa árdua: encontrar a maquina no cômodo entre as diversas empilhadas, arrastá-la até a beirada do tanque e se utilizar da torneira: não há estrutura básica para suportar uma lavadora de roupas.

Na área externa se vê um belo jardim, sempre elogiado por quem mora de fora dos muros: “Parece aqueles conjuntinhos de prédios de praia!”. A afirmação se confirma, mas não a costumeira vantagem: a “temporada” que se passa na moradia é de alguns bons anos. Nos jardins não se vê nenhuma árvore, apenas arbustos e pequenos coqueiros, nada passivo de mudanças. Nem a possibilidade de uma horta, nem que seja de temperos e chás ou mesmo de uma árvore com uma sombra aprazível.

Mas em meio a toda essa rigidez, algumas luzes se manifestam. Talvez geometricamente bonito no conceito do arquiteto que o projetou, o sistema de calçadas permeado por jardins que dá acesso à entrada dos prédios possuía duas falhas bobas: dois caminhos que formavam triângulos retângulos onde o que o passeio propunha era que se percorresse a sua hipotenusa e o maior dos dois catetos, em uma volta no mínimo desnecessária. A talvez inconsciente matemática dos moradores resolveu o problema: logo uma trilha se abriu no gramado propondo o caminho mais curto, que mais tarde foi devidamente oficializado pela direção com as honras da instituição mor da arquitetura moderna: o concreto. Em outro caso, um retângulo gramado do jardim se tornou campo de futebol, primeiro improvisado, depois com traves cedidas pela direção e finalmente com uma estrutura mais digna que inclui até uma rede que engloba o campo, evitando que a bola alcance a movimentada avenida em frente.

Page 6: Piquenique no centro
Page 7: Piquenique no centro

Dentro de todo esse conjunto se encontram os moradores e seus respectivos cubículos, e nos cubículos, as tais interferências que eu investigava. Formas de organização diversas, disposições diferentes da dinâmica das mochilas, livros e outros pertences comuns. Na teoria, de um cartaz com fita adesiva a um prego ou parafuso, toda alteração nos quartos deve passar por prévia autorização da direção da moradia e apesar de freqüentemente pintados, a cada troca de morador, desenhos ou pinturas nas paredes dos quartos não são permitidos, no entanto, interferências desse tipo também são comuns. Não cheguei a averiguar se são autorizadas, mas encontrei de fotos na parede a tetos pintados.

Diante das pessoas dirigindo as fotos que eu tirava de seus quartos com seus “tem que pegar a porta do guarda roupas!” ou “espera eu arrumar a cama” o que fica evidente é que o tamanho da interferência é particular. Um porta retratos ou um urso de pelúcia se manifestam tão drásticos como uma árvore morta pintada em grandes proporções na parede. Em outra instância, nem se sabe o tamanho: quartos sem praticamente nenhuma alteração, alguns chegam a lembrar quartos de hotel, inebriados da transitoriedade que nesse caso é de alguns anos. Seria isso um reflexo dos limites que toda a estrutura propõe? Ou talvez uma sensibilidade que ultrapassa a nossa compreensão diante das duras linhas que nos cercam? Nunca saberei: tenho apenas as fotos e as tirei sempre a partir da porta, não dei nem um passo à frente.

Page 8: Piquenique no centro