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  CAPÍTULO X - PIRÓLISE E TORREFAÇÃO DE BIOMASSA Carlos Alberto Luengo Felix Eliecer Fonseca Felfli Guilherme Bezzon 10.1 Processos Físico-Químicos da Pirólise de Biomassa. A pirólise é um processo físico-químico no qual a biomassa é aquecida a temperaturas relativamente baixas (500-800 o C) em atmosfera não oxidante, dando lugar à formação de um resíduo sólido rico em carbono (carvão) e uma fração volátil composta de gases e vapores orgânicos condensáveis (licor pirolenhoso). As  proporções destes compostos dependem do método de pirólise empregado, dos  parâmetros do processo e das características do material a ser t ratado (Beenackers & Bridgwater). O processo de pirólise consiste em um conjunto de complexas reações químicas acompanhadas de processos de transferência de calor e massa. A composição heterogênea das frações produzidas e as possíveis interações entre si tornam ainda mais complexo o processo. As reações que incidem diretamente sobre o substrato celulósico são denominadas reações primárias e aquelas que incidem na decomposição dos produtos intermediários, tais como vapores orgânicos e levoglucosan, são denominadas reações secundárias. Estas reações ocorrem durante a degradação dos principais componentes da biomassa: a Hemicelulose, Celulose e Lignina (Pinheiro et ali, 2001; Marcos Martin, 1989). A figura 8.1 mostra a análise térmica da pirólise de resíduos de madeira em atmosfera de argônio (80 ml/min) e taxa de aquecimento de 10 ºC/min, na qual podem ser observados os diferentes estágios de degradação da biomassa durante a pirólise.

Pirolise e Torrefacao de Biomassa

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CAPTULO X - PIRLISE E TORREFAO DE BIOMASSA Carlos Alberto Luengo Felix Eliecer Fonseca Felfli Guilherme Bezzon

10.1 Processos Fsico-Qumicos da Pirlise de Biomassa. A pirlise um processo fsico-qumico no qual a biomassa aquecida a temperaturas relativamente baixas (500-800oC) em atmosfera no oxidante, dando lugar formao de um resduo slido rico em carbono (carvo) e uma frao voltil composta de gases e vapores orgnicos condensveis (licor pirolenhoso). As propores destes compostos dependem do mtodo de pirlise empregado, dos parmetros do processo e das caractersticas do material a ser tratado (Beenackers & Bridgwater). O processo de pirlise consiste em um conjunto de complexas reaes qumicas acompanhadas de processos de transferncia de calor e massa. A composio heterognea das fraes produzidas e as possveis interaes entre si tornam ainda mais complexo o processo. As reaes que incidem diretamente sobre o substrato celulsico so denominadas reaes primrias e aquelas que incidem na decomposio dos produtos intermedirios, tais como vapores orgnicos e levoglucosan, so denominadas reaes secundrias. Estas reaes ocorrem durante a degradao dos principais componentes da biomassa: a Hemicelulose, Celulose e Lignina (Pinheiro et ali, 2001; Marcos Martin, 1989). A figura 8.1 mostra a anlise trmica da pirlise de resduos de madeira em atmosfera de argnio (80 ml/min) e taxa de aquecimento de 10 C/min, na qual podem ser observados os diferentes estgios de degradao da biomassa durante a pirlise.

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Figura 10.1 Anlise trmica da pirlise de resduos de madeira em atmosfera de argnio.

A curva Termogravimtrica (TG) e Termogravimtrica Diferencial (DTG) da figura 8.1 permitem concluir que o processo se desenvolve basicamente em trs etapas principais. A primeira etapa ocorre entre a temperatura ambiente e 180 C. Nesta etapa, a biomassa absorve calor, liberando a umidade em forma de vapor de gua, apresentando um carter fortemente endotrmico como mostra a curva de Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC). Entre 110 e 180 C ocorrem reaes de desidratao que envolvem os grupos OH presentes nas molculas dos polissacardeos. A segunda etapa ocorre entre 180 C e 370 C, quando comeam as reaes propriamente de pirlise. Entre 180 e 290 C ocorre a degradao da hemicelulose, sendo parcialmente degradada a celulose e a lignina. Nesta faixa de temperaturas ocorre a formao do composto intermedirio levoglucosan e so liberadas moderadas quantidades de CO, CO2 e cido actico na forma de volteis. As reaes se tornam exotrmicas a partir dos 250 C como mostra a curva DSC. Aos 290 C alcanada a mxima taxa de degradao da hemicelulose (curva DTG, pico I), e entre 290 e 370 C ocorre a degradao total da celulose atingindo a mxima taxa aos 370 C (curva DTG, pico II). Nesta fase ocorre a quebra das ligaes glicosdicas dos polissacardeos, dando lugar a uma grande emisso de volteis, compostos por 2

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vapores orgnicos e altas concentraes de CO, H2, CH4 e CO2, verificando-se grande formao de cido actico, metanol e acetona. O alcatro comea a se tornar predominante com o aumento da temperatura. A terceira etapa se desenvolve acima de 370 C, quando completa-se a degradao da lignina ocorrendo a formao dos alcatres pesados e a formao de alguns hidrocarbonetos. A degradao da lignina responsvel pela formao de cerca de 50% do carbono fixo no material slido.

10.2 Influncia da Matria-prima e dos Parmetros do Processo. O tipo de biomassa e os parmetros do processo tm influncia decisiva no tipo de produto resultante e nas propores das fraes slidas, lquidas e gasosas obtidas. Os principais parmetros que tm influencia direta nos resultados do processo so (Marcos Martin, 1989): a) b) c) d) e) f) Temperatura; Tempo de Residncia; Taxa de Aquecimento; Presso; Tipo de atmosfera; Uso de catalisadores.

Tabela 10.1 Influncia da temperatura na composio qumica da frao slida da pirlise de eucaliptus (Felfli F. F., 2003). Temperatura (C) 100 230 250 300 450 C (%) 44,63 50,32 53,87 61,96 86,41 H (%) 5,81 5,82 5,47 4,17 2,99 N (%) 0,22 0,56 0,17 0,7 0,61 O (%) 48,84 42,40 39,89 32,17 9,19 Cinzas (%) 0,50 0,90 0,60 1,00 0,8 Rendimento (%) 87,50 81,50 67,00 27,00 PCS (kJkg-1) 17439,00 19537,00 20617,00 22847,00 31087,00

A tabela 10.1 mostra a influncia da temperatura na composio qumica da madeira de Eucalipto, pode-se observar que na medida que a temperatura aumenta o teor de carbono aumenta proporcionalmente e os teores de oxignio e hidrognio 3

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diminuem ostensivamente. Como conseqncia da destilao intensa, promovida pelo aumento da temperatura, o rendimento da frao slida diminui de forma substancial, entretanto o poder calorfico superior (PCS) aumenta com a concentrao de carbono na composio do slido. A taxa de aquecimento tambm tem uma influncia direta no processo. Quando a pirlise ocorre com aumento muito rpido da temperatura, as reaes qumicas favorecem a formao de fraes volteis (gs e lquidos), por outro lado quando o aquecimento ocorre de forma gradual as reaes favorecem a formao de fraes slidas (carvo vegetal). A figura 8.2 mostra o efeito da taxa de aquecimento e a temperatura na proporo das diferentes fraes formadas durante a pirlise.

Aquecimento ultra-rpido

Aquecimento rpido

Aquecimento intermedirio

Aquecimento lento

Temperatura (C)

1000

500

Gs Lquidos Carvo 10-2

1

10

2

10

4

Tempo de residncia (s)

Figura 10.2 Distribuio das fraes slidas, lquidas e gasosas em funo da taxa de aquecimento, tempo de residncia e temperatura de processamento (Mezerette C., & Girard P., 1991)

O aumento da presso no reator piroltico tambm favorece altos rendimentos de slidos e reduz consideravelmente as fraes gasosas. Experimentos de pirlise com o objetivo de obter altos rendimentos de carvo vegetal foram realizados no "Hawaii Natural Energy Institute" - EUA. A pirlise foi realizada em cmaras seladas, onde as amostras de biomassa foram submetidas a altas presses (Antal Jr et ali., 4

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1992). Nestes experimentos se observou que a gua de formao e a umidade da biomassa agem como um catalisador, aumentando o rendimento de produo do carvo vegetal. Este processo se baseia na reteno por longo perodo das fases de vapor que permanecem em contato com o slido em presses relativamente altas. Isto favorece as reaes secundrias que transformam os volteis em carvo. Foram realizados experimentos com presses variando entre 10 e 25 atm, umidade entre 6 e 45 % (b.u.), com temperaturas de pirlise at 450C. Foram obtidos carves com matria voltil entre 9 e 35% (b.s.) e rendimentos de 43 a 47% de carvo vegetal em relao massa inicial seca (Antal Jr et ali., 1991; Antal Jr el ali., 1992) As caractersticas finais dos produtos obtidos tambm dependem em grande parte das propriedades fsico-qumicas da matria-prima utilizada, por exemplo, a maior parte das fraes volteis so formadas a partir da celulose e da hemicelulose. Por outro lado a lignina contribui para a formao de cerca de 50% do carbono fixo na frao slida. Portanto, materiais com alto teor de lignina so mais apropriados para a obteno de alta concentrao de carbono fixo na frao slida. Outro fator importante a granulometria, a qual influncia diretamente nos tipos de reaes, por exemplo, em pedaos muito grandes de madeira os volteis permanecem no interior do slido por um perodo no qual so favorecidas as reaes secundrias, enquanto que nas partculas menores, os volteis so eliminados rapidamente do interior do slido favorecendo a ocorrncia das reaes primrias (Marcos Martin, 1989). A pirlise pode ser tambm realizada utilizando briquetes resultantes de processos de compactao de resduos vegetais (sub-produtos derivados de processos agroindustriais, indstria madeireira e culturas agrcolas). Com a pirlise, esses briquetes adquirem maiores teores de carbono e poder calorfico, podendo ser utilizados com maior eficincia na produo de energia e tambm como redutores siderrgicos, com as vantagens de possuirem formato geomtrico definido e alta resistncia mecnica. No Grupo de Combustveis Alternativos - UNICAMP (Bezzon, 1994), foram realizados ensaios laboratoriais de briquetagem a quente e pirlise de serragem, bagao e palha de cana. Para a compactao, foi utilizada uma "Clula de Presso para Briquetagem a Quente", constituda basicamente de uma clula de ao com pisto, acoplada a um forno eltrico e uma prensa manual de 15 ton. As temperaturas utilizadas na clula foram 200 e 250 C e as presses foram de 20 e 25 MPa. Os

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briquetes apresentaram, em mdia, uma densidade de 1.000 kg/m e um poder calorfico superior de 18.500 kJ/kg. Para realizar a pirlise dos briquetes produzidos foi utilizado um "Sistema de Pirlise com Taxas de Aquecimento Controladas e Atmosfera Inerte (Nitrognio)" (ver figura 8.3). As taxas de aquecimento utilizadas foram 2 e 3C/min, enquanto que as temperaturas finais de pirlise foram 350, 400 e 450C. Os briquetes pirolisados apresentaram em mdia uma densidade de 550 kg/m e um poder calorfico superior de 26.000 kJ/kg.

Figura 10.3 Esquema do "Sistema de Pirlise com Taxas de Aquecimento Controladas e Atmosfera Inerte (Nitrognio) "(Bezzon, 1994).

10.3 Tecnologias para a Pirlise de Biomassa. Um dos processos mais antigos de pirlise a "carbonizao" (geralmente utilizado com madeira), o qual se caracteriza pelo uso de baixas taxas de aquecimento com o objetivo de maximizar a produo de carvo vegetal. Outro processo comumente realizado chamado "destilao seca" ou "destrutiva", onde se empregam taxas de aquecimento maiores e procura-se maximizar a produo de lquidos. Assim, at o sculo passado, buscava-se a obteno do carvo vegetal para uso domstico e como componente de tintas e remdios. Posteriormente, comeou a ser utilizado na siderurgia como redutor do Fe2O3 na produo de aos (Luengo & Cencig, 1988). No

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incio deste sculo, a destilao (em retortas) da madeira tornou-se uma importante fonte de metanol, cido actico e acetona, colocando o carvo vegetal como um subproduto desses processos. Em pocas contemporneas, verifica-se um interesse crescente no

desenvolvimento de formas diferentes de pirlise. Com o estudo dos mecanismos da pirlise sugeriu-se a modificao substancial das propores de gases, lquidos e slidos produzidos, atravs do aumento das taxas de aquecimento e variaes da temperatura final de pirlise, o que resulta em pirlise rpida, "flash", e ultra-rpida que proporcionam altos rendimentos de lquidos ("bio-leo"), acima de 70% (b.s.) em escala de laboratrio. Esses processos envolvem taxas de aquecimento muito altas, combinadas com temperaturas em torno de 650C e curtos tempos de residncia com rpido resfriamento dos produtos lquidos. A rpida reao minimiza a formao de carvo e sob severas condies, aparentemente, o carvo no formado. A temperaturas maiores, maximiza-se a produo de gases. A pirlise, sob estas condies, classificada em pirlise rpida, "flash" e ultra-rpida de acordo com as taxas de aquecimento e tempos de residncia empregados. Podem ser realizados processos, utilizando atmosferas inertes (p. ex. nitrognio e vcuo) ou reativas como p. ex. hidrognio (hidropirlise) e metano (metanopirlise). Nesses casos, variam-se os produtos obtidos, onde, em geral, conseguem-se compostos com menor teor de oxignio e melhores propriedades para serem utilizados como combustveis ou produtos qumicos. A tabela 8.2 fornece as verses principais de tecnologias de pirlise utilizadas, os parmetros de operao e os produtos principais obtidos em cada processo.

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Tabela 10.2 Verses da tecnologia de pirlise (Bridgwater & Bridge, 1991). de Tempo de residnci a Carbonizao horas-dias Convencional 5-30 min Rpida 0.5-5s Flash Pirlise