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Planejamento da carreira artística Rômulo Avelar

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Planejamento  da  carreira  artística  Rômulo  Avelar    

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Planejamento  estratégico  e  conceituação  da  carreira    

Todas  as  organizações,  inclusive  aquelas  de  natureza  cultural,  ambicionam  o  sucesso,  seja  na  forma  de  vendas,  no  alcance  de  bons  resultados  socioeconômicos,  na  conquista  de  espaço  político   ou   no   reconhecimento   público   de   sua   importância.   Muitas   vezes,   no   entanto,   a  busca  desenfreada  por  resultados  imediatos  leva  as  instituições  a  perderem  as  rédeas  de  seu  próprio   destino.   Todo   o   tempo   e   a   energia   da   equipe   são   consumidos   pelas   atividades  intensas  do  dia-­‐a-­‐dia,  restando  pouco  ou  nenhum  espaço  para  projetar  o  futuro.  A  atenção  se   concentra   nos   aspectos   operacionais,   e   a   organização   segue   seu   curso   ao   sabor   das  pressões  desordenadas  do  contexto.  Não  há  direcionamento  seguro,  nem  objetivos  claros.  Não  existe,  portanto,  planejamento.  

Segundo  Lacombe  e  Heilborn  (2006,  p.  162),  “Planejamento  é  a  determinação  da  direção  a  ser   seguida   para   alcançar   um   resultado   desejado”.   É   uma   ação   deliberada   que   possibilita  maior   eficiência   diante   das   variações   e   ameaças   impostas   pelo   ambiente   e   aumenta  consideravelmente  as  chances  de  êxito  de  um  empreendimento.  Planejar  é  abrir  espaço  no  cotidiano  para  pensar  o  futuro.  Para  Natale  e  Olivieri  (2006,  p.  21),  “é  mais  uma  atitude  do  que  uma  tarefa;  é  reconhecer  a  importância  de  pensar  e  sentir  antes  de  fazer”.  

Dentre  as  várias  formas  de  planejamento  possíveis,  vale  destacar  um  instrumento  de  grande  impacto,   mas   que   ainda   é   muito   pouco   utilizado   no   âmbito   da   cultura:   o   planejamento  estratégico.  Trata-­‐se  de  um  processo  gerencial  que  permite  a  definição  do  direcionamento  a  ser  adotado  por  uma  organização,  com  o  objetivo  de  buscar  melhores  resultados.  Envolve  a  formulação  de  objetivos  e  a   seleção  de  programas  de  ação,  a  partir  de  um  diagnóstico  da  situação   interna  da   instituição  e  das  condições  do  ambiente  externo.  A   ideia  de  estratégia  remete  à  efetuação  de  escolhas.  O  planejamento  estratégico   representa  para  os  gestores,  portanto,  a  possibilidade  de  selecionar,  entre  os  vários  caminhos  possíveis,  aqueles  que  se  apresentam  como  mais  adequados  para  o  alcance  dos  objetivos  traçados  para  a  organização.  

Infelizmente,  esse  instrumento  de  gestão  ainda  é  visto  como  algo  inacessível  à  maioria  das  entidades   culturais   brasileiras.   Muitos   profissionais   da   área   pensam   tratar-­‐se   de   uma  ferramenta   restrita   às   organizações   de   grande   porte.  Outros   tantos   sequer   têm  noção   de  qual   seja   sua   utilidade   para   um   empreendimento   de   natureza   cultural.   A   boa   nova,   no  entanto,  é  que  algumas  experiências  de   sucesso  vêm  quebrando  esse  mito,   revelando  sua  aplicabilidade  a  grupos  artísticos,  espaços  e  instituições  culturais,  ou  mesmo  ao  trabalho  de  artistas  que  se  lançam  em  carreiras  solo.  

É  necessário  observar  que  não  há  um  modelo  de  planejamento  estratégico  único,  que  seja  válido   para   todas   as   situações,   indistintamente.   Pelo   contrário,   existem   metodologias  diversas,   com   diferentes   abordagens   e   nomenclaturas.   Cabe   aqui   enumerar,   no   entanto,  algumas  etapas  recorrentes  em  várias  delas:  

• definição  do  negócio;  • definição  da  missão;  

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• definição  dos  princípios  ou  políticas;  • formulação  de  uma  visão  de  médio  ou  longo  prazo;  • diagnóstico  da  situação  interna  e  das  condições  do  ambiente;  • formulação  de  objetivos;  • definição  de  estratégias;  • elaboração  de  um  plano  de  ação;  • implementação  do  plano  de  ação.  

 

Além  das  etapas  enumeradas  acima,  é  imprescindível  também  a  adoção  de  mecanismos  de  controle  e  de  acompanhamento  das  ações  projetadas,   sem  os  quais   todo  o   trabalho  pode  ser  colocado  em  risco.  

Vale   também   registrar   que   a   construção   de   um   plano   de   ação   pode   durar   meses,  demandando  inúmeras  reuniões,  entrevistas  e  pesquisas.  Na  verdade,  mais  importantes  do  que   o   documento   final   são   o   processo   vivido   pela   organização   e   o   comprometimento   da  equipe   com   os   objetivos   traçados.   É   importante   salientar   que,   embora   a   condução   do  planejamento  estratégico  seja  atribuição  da  cúpula  da  organização,  a  quem  cabe  a  tomada  das   grandes   decisões,   é   recomendável   o   envolvimento,   em   algum   nível,   de   todo   o   corpo  funcional.  

 

Conceituando  uma  carreira  artística:  negócio,  missão  e  princípios  

Observando   as   práticas   do   setor   cultural   brasileiro,   é   fácil   perceber   a   pouca   familiaridade  dos  artistas,  grupos  e  entidades  culturais  com  os  temas  ligados  ao  planejamento  e  à  gestão.  Geralmente,  os  profissionais  da  área  concentram-­‐se  excessivamente  sobre  os  processos  de  criação,  passando  ao   largo  de  discussões  sobre  o  modo  como  se  estabelece  sua  carreira  e  sobre   perspectivas   futuras.   É   comum   a   existência   de   equipes   em   que   tais   reflexões  simplesmente  não  acontecem.  

Tomemos   como   exemplo   um   grupo   de   teatro   fictício   que   dedica   o   máximo   de   tempo  possível   aos   ensaios,   pesquisas   e   trabalhos   de   preparação   dos   atores.   Além   disso,  certamente   seus   integrantes   precisam   absorver   atividades   paralelas   de   produção,  comunicação   e,   obviamente,   de   busca   de   recursos.   Até   aí,   tudo   parece   muito   natural   e  condizente  com  a  realidade  da  área  cultural  brasileira,  não  é  mesmo?  O  problema  é  que,  no  turbilhão   do   dia-­‐a-­‐dia,   os   artistas   acabam   não   promovendo   reflexões   sobre   questões  conceituais   fundamentais   de   sua   carreira.   É   possível   que   nesse   grupo   teatral   existam  divergências   de   percepção   do   próprio   trabalho:   um   dos   integrantes,   por   exemplo,   nutre  expectativas  de  que  a  criação  se  fundamente  na  pesquisa  de  linguagens,  enquanto  o  outro  se  propõe  a  produzir  um  teatro  mais  comercial.  Como  não  há  momentos  reservados  para  a  discussão   do   próprio   conceito   do   grupo   e   para   o   alinhamento   da   equipe   em   torno   de  algumas   referências   fundamentais,   a   carreira   segue   seu   curso   como   campo   fértil   para   o  surgimento  de  conflitos  e,  quase  sempre,  com  sérios  problemas  de  identidade.    

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Nesse   sentido,   a   discussão   do   negócio,   da  missão   e   dos   princípios   pode   contribuir   para   a  redução   das   divergências   internas   e   para   o   fortalecimento   da   carreira.   A   pactuação   de  alguns  pontos  de  convergência  entre  os  membros  da  equipe  aumenta  as  possibilidades  de  satisfação   dos   anseios   individuais   e   torna  mais   claro   o   perfil   do   trabalho,   favorecendo   as  relações  externas  e  o  processo  de  busca  de  recursos  e  parcerias.  

 

Definição  do  negócio  

Negócio,   segundo   Vasconcelos   Filho   e   Pagnoncelli   (2001,   p.   31),   “é   o   entendimento   do  principal   benefício   esperado   pelo   cliente”.  Quando   alguém   adquire   um  produto,   não   está  interessado   exatamente   em   seus   atributos   físicos,   mas   no   benefício   que   eles   lhe  proporcionarão.   O  mesmo   raciocínio   vale,   naturalmente,   para   um   serviço.   Para   facilitar   a  compreensão  deste  conceito,  alguns  exemplos  são  apresentados  no  Quadro  1:  

Quadro  1  –  Exemplos  de  negócio  

Organização   Segmento   Negócio  

Natura   Cosméticos   Beleza  

Casa  do  Beco  

Centro  cultural  instalado  em  uma  comunidade  de  periferia  de  Belo  

Horizonte,  MG  

Teatro   Transformação  social  

Coletivo  de  Teatro  Alfenim  

Grupo  de  teatro  de  João  Pessoa,  PB  Teatro   Intervenção  política  

Falcatrua  

Banda  de  rock  de  Belo  Horizonte,  MG  Música   Entretenimento  

Ram  

Banda  de  rock  de  Belo  Horizonte,  MG  Música   Inquietação  

 

Observe,  por  exemplo,  que  o  cliente  da  Natura  não  compra  cosméticos,  mas  beleza,  que  é  um  benefício  proporcionado  pelos   seus  produtos.  Da  mesma   forma,  o  público  da  Casa  do  Beco   espera   que   a   entidade   promova   transformação   da   realidade   à   sua   volta,   e   não  simplesmente  teatro.  Os  espetáculos,  cursos  e  eventos  que  produz  são  apenas  instrumentos  para  atendimento  a  uma  expectativa  maior  do  público,  que  vai  além  dos  produtos  em  si.  Já  o  

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Coletivo   de   Teatro   Alfenim   entrega   ao   seu   cliente   intervenção   política.   Note   que   são  perspectivas  distintas,  de  públicos  também  distintos.  

É   importante   perceber   que   a   sobrevivência   de   uma   organização   está   condicionada   ao  atendimento  das  expectativas  de  quem  consome  seus  produtos  ou  serviços.  A  definição  do  negócio  é,  portanto,  uma   rica  experiência  para  a  equipe,  na  medida  em  que  promove  um  deslocamento  do  olhar  para  fora,  em  busca  da  perspectiva  daquele  que  é  a  própria  razão  de  existir  de  uma  carreira  artística:  o  público.  

Outra  discussão  importante,  e  que  antecede  a  própria  definição  do  negócio,  é  a  identificação  de   quem   é   o   cliente.   Eis   aqui   uma   questão   difícil   de   ser   respondida   para   boa   parte   dos  artistas.   Muitos   deles,   quando   inquiridos   sobre   o   assunto,   tendem   a   idealizar   o   público,  afirmando   se   tratar   de   um   universo   amplo,   que   inclui   faixas   etárias   diversas   e   perfis  socioeconômicos   múltiplos.   Na   maior   parte   das   vezes,   esse   espectro   não   corresponde   à  realidade.  

Para   a   identificação   precisa   do   público-­‐alvo,   o   ideal   seria,   naturalmente,   a   realização   de  pesquisas,  o  que  é  inviável  para  a  grande  maioria  dos  empreendedores  culturais  brasileiros.  No   entanto,   na   falta   de   recursos   para   contratação   de   um  estudo   profissional,   os   próprios  artistas,   produtores   e   gestores   culturais   podem   reunir   informações   preciosas   a   partir   da  observação  atenta  do  comportamento  e  do  perfil  das  pessoas  que  estão  ligadas,  de  alguma  forma,   ao   seu   trabalho.  Mesmo   que   não   haja   nesse   procedimento   uma   base   científica,   a  iniciativa  pode  contribuir  para  que  a  carreira  ganhe  novas  referências  e  deixe  de  avançar  às  cegas.   Sugere-­‐se   que,   nesse   processo,   sejam   buscadas   respostas   objetivas   para   perguntas  como:  

• Qual  é  a  faixa  etária  da  maioria  das  pessoas  diretamente  atingidas  pelo  trabalho?  • É  possível  estabelecer  um  foco,  expurgando-­‐se  as  idades  extremas  (para  cima  e  para  

baixo)?  • Qual  é  o  perfil  desse  público?  • Qual  é  sua  origem?  • Qual  é  sua  classe  social?  • Como  é  seu  poder  aquisitivo?  • Quais  são  os  hábitos  de  consumo  dessas  pessoas?  • Quais  são  os  canais  de  informação  usualmente  acessados  por  esse  público?  • É  possível  listar  outros  artistas  e  grupos  que  também  atingem  essas  pessoas?  

 A   partir   dessa   reflexão,   é   provável   que   os   empreendedores   consigam   visualizar   com  mais  precisão  seu  público-­‐alvo  e  definir  com  propriedade  um  foco  de  atuação.  Naturalmente,  é  possível  também  que,  ao  final  dessa  análise,  a  conclusão  seja  de  que  o  trabalho  realmente  atinge  um  universo  amplo,   com  faixas  etárias  diversas  e  perfis   socioeconômicos  múltiplos.  No   entanto,   é   importante   observar   que   poucos   são   os   artistas   e   grupos   que   realmente  conseguem  este  feito.  

A  definição  do  público-­‐alvo  é   fundamental  para  o  avanço  de  uma  carreira  artística.  Com  a  identificação   de   quem   são   e   onde   estão   as   pessoas   interessadas   no   trabalho,   é   possível  

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traçar  estratégias  para  chegar  até  elas.  Torna-­‐se  mais  fácil  definir  os  canais  de  comunicação  a   serem   utilizados   na   divulgação   das   ações.   O   artista   produzirá   cartazes   e   filipetas  tradicionais   ou   partirá   para   uma   campanha   por   meio   das   redes   sociais   e   de   outras  ferramentas   da   internet?   Investirá   em  mídia   de   rádio   ou   pedirá   para   o   padre   anunciar   o  evento  na  missa  de  domingo?  

Além  disso,  a  clareza  sobre  o  público-­‐alvo  será  essencial  no  processo  de  busca  de  parceiros  privados.  Na  perspectiva  das  empresas,  esta  é  uma  informação  fundamental  ao  processo  de  decisão  por  patrocinar  ou  não  um  projeto  cultural.  

 

Definição  da  missão  

Uma   vez   definidos   o   perfil   do   cliente   e   o   negócio,   o   próximo   passo   na   direção   da  conceituação  da  carreira  artística  é  a  formulação  de  sua  missão.  

Vasconcelos   Filho   e   Pagnoncelli   (2001,   p.   31)   definem   a  missão   como   sendo   “a   razão   de  existir   da   empresa   no   seu   negócio”.   Trata-­‐se   aqui   de   buscar,   em   uma   única   frase   e   de  maneira   bastante   objetiva,   a   explicitação   da   identidade   e   dos   propósitos   de   uma  organização.  No  Quadro  2  são  apresentados  alguns  exemplos  de  missão.  

Quadro  2  –  Exemplos  de  missão  

Organização   Missão  

Danone   Levar  saúde,  por  meio  de  alimentos,  ao  maior  número  de  pessoas  possível.  

Coletivo  de  Teatro  Alfenim  

Grupo  de  teatro  de  João  Pessoa,  PB  

A  partir  da  experimentação  estética,  criar  espetáculos  teatrais  que  promovam  um  espaço  de  resistência  simbólica  à  lógica  do  capital,  com  vistas  à  transformação  da  sociedade.  

Grupo  Hibridus  

Grupo  de  dança  contemporânea  de  

Ipatinga,  MG  

Produzir,  compartilhar  e  difundir  experiências  em  dança  contemporânea,  gerando  diálogo  com  outros  segmentos  artísticos  e  criando  ambientes  de  troca  que  possibilitem  a  ampliação  da  visão  e  espírito  crítico  da  comunidade.  

Coletivo  Canoa  Cultural  

Associação  sem  fins  lucrativos  de  Boa  Vista,  RR,  vinculada  ao  Circuito  

Fora  do  Eixo  

Agitar  a  cena  cultural  de  Roraima  e  valorizar  a  arte  autoral,  conectando  público  e  artistas,  por  meio  de  ações  baseadas  nos  princípios  da  economia  solidária  e  criativa.  

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Meninas  de  Sinhá  

Grupo  musical  composto  por  mulheres  da  terceira  idade  de  Belo  Horizonte,  

MG  

Exaltar  a  cultura  como  fator  de  desenvolvimento  humano  e  estratégia  de  modificação  social  e  

psicológica  de  qualquer  pessoa,  em  qualquer  idade.  

Fernando  Sodré  

Instrumentista  de  Belo  Horizonte,  MG  

Criar  e  difundir  uma  linguagem  inovadora  para  a  viola.  

 

A  missão   deve   ser   entendida   como   uma   “impressão   digital”   da   organização,   em   que   não  apenas  são  definidos  seus  propósitos,  mas  também  estabelecidos  certos  compromissos  com  a   sociedade.   O   Coletivo   de   Teatro   Alfenim,   por   exemplo,   deixa   claro   um   posicionamento  político   que   se   fará   presente   em   todo   o   seu   trabalho.   O   Grupo   Hibridus,   por   sua   vez,  explicita  seu  caráter  experimental  e  contemporâneo,  bem  como  sua  perspectiva  de  diálogo  entre  os  segmentos  artísticos,  enquanto  o  Coletivo  Canoa  Cultural  se  compromete  a  buscar  o  fortalecimento  da  cena  cultural  de  Roraima.  

 

Definição  dos  princípios  

Outro   ponto   importante   é   o   posicionamento   da   organização   em   relação   aos   valores   que  norteiam   sua   atuação.   Trata-­‐se   aqui   de   elencar   seus   princípios   ou   políticas,   que   segundo  Vasconcelos   Filho   e   Pagnoncelli   (2001,   p.   31),   “são   os   balizamentos   para   o   processo  decisório  e  o  comportamento  da  empresa  no  cumprimento  da  sua  missão”.  Alguns  exemplos  de  princípios  são  apresentados  no  Quadro  3.  

Quadro  3  –  Exemplos  de  princípios  

Organização   Princípios  

Disney  

Não  ceticismo  

Criatividade,  sonhos  e  imaginação  

Atenção  fanática  aos  detalhes  

Preservação  e  controle  da  magia  Disney  

Coro  Madrigale  

Coral  de  Belo  Horizonte,  

Harmonia:  Respeito  e  companheirismo  no  grupo.  

Comprometimento:  Disciplina,  assiduidade,  dedicação  e  

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MG   disposição  para  novos  desafios.  

Formação:  Busca  de  aperfeiçoamento  técnico  e  artístico  de  cantores  de  coro.  

Repertório:  Qualidade  e  pesquisa.  

Resgate:  Revalorização  do  movimento  coral.  

Público:  Respeito,  educação  e  enriquecimento  cultural.  

Sustentabilidade:  Busca  de  estabilidade  financeira.  

Isenção:  Independência  política  e  religiosa.  

Favela  é  Isso  Aí  

Organização  não  governamental  de  Belo  Horizonte,  MG,  que  tem  como  principal  objetivo  o  fomento  à  produção  cultural  e  artística  da  

periferia.  

Trabalhamos  para  garantir  reconhecimento  aos  moradores  das  periferias,  vilas  e  favelas,  em  especial  à  produção  artístico-­‐cultural.  

Valorizamos  e  fortalecemos  a  diversidade  cultural  nas  comunidades  periféricas.  

Todos  os  nossos  projetos  são  realizados  a  partir  de  pesquisas  e  diagnósticos,  propiciando  o  conhecimento  da  realidade  e  da  particularidade  de  cada  comunidade.  

Temos  o  compromisso  de  oferecer  aos  nossos  públicos  oportunidades  de  acesso  aos  meios  de  produção,  formação  e  divulgação.  

Desenvolvemos  nossas  ações  com  seriedade,  ética  e  transparência,  com  qualidade,  eficiência  e  resultados  concretos  para  o  público.  

Envolvemos  as  comunidades  em  todos  os  projetos  e  incentivamos  conexões  entre  elas.  

Manolos  Funk  

Banda  de  Vespasiano,  MG  

Não  basta  fazer.  Tem  que  fazer  diferente.  

Fazer  com  qualidade  técnica  e  artística.  

Fazer  com  prazer.  

Promover  a  construção  de  um  mercado  médio  para  a  música  autoral.  

Promover  a  sustentabilidade  dos  integrantes  da  equipe  

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Manolos  Funk.  

Promover  a  interatividade  entre  o  Manolos  Funk,  o  público  e  os  outros  artistas.  

Trabalhar  sempre  sob  a  ótica  do  coletivo  e  do  associativo:  do  it  juntos.  

Respeitar  o  próximo,  seja  ele  humano,  bicho  ou  planta.  

Trabalhar  sempre  com  bom  humor.  

 

Os   princípios   ajudam   a   equipe   a   tomar   decisões   do   dia-­‐a-­‐dia.   O   Coro   Madrigale,   por  exemplo,   observando   o   princípio   da   isenção,   pode   decidir,   com   toda   agilidade,   pelo   não  engajamento  em  determinada  campanha  político-­‐partidária  que  lhe  seja  proposta.  Como  já  existe  a  política  previamente  definida,  a  decisão  se  torna  mais  simples.  Da  mesma  forma,  a  ONG  Favela  é  Isso  Aí,  coerente  com  seu  princípio  de  fundamentar  os  projetos  com  pesquisas  e   diagnósticos,   pode   rechaçar   de   imediato   uma  proposta   superficial   e   que   não   inclua   tais  procedimentos.  

Mais   do  que   simplesmente   frases   bonitas   colocadas   no  papel,   a  missão   e   os   princípios   se  prestam   a   buscar   o   alinhamento   da   equipe   em   torno   de   um   conceito   referencial   para   a  organização  e  a  estimular  o  corpo  funcional  a  construir  e  cultivar  relações  harmoniosas  com  seus  diversos  públicos.  No  entanto,  para  que  tenham  força  e  realmente  contribuam  para  o  fortalecimento   da   identidade,   é   preciso   que   tanto   a   missão   quanto   os   princípios   sejam  coerentes  com  as  práticas  cotidianas.  É  essencial  que  espelhem  com  fidelidade  o  que  essa  organização  é,  e  não  o  que  gostaria  de  ser.  Por  conta  disso,  é  frequente  encontrar  missões  e  conjuntos  de  princípios  que,  por  faltarem  com  a  verdade,  acabam  caindo  no  ridículo.  

 

   

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 Diagnóstico    Uma  das  chaves  para  o  êxito  de  um  processo  de  planejamento  estratégico  está  na  realização  de   um   apurado   diagnóstico   da   organização.   Trata-­‐se   aqui   de   examinar   criteriosamente   a  situação  em  que  ela  se  encontra,  identificando-­‐se  seus  pontos  fortes  e  fracos  em  relação  a  diversos  fatores,  como  a  qualidade  de  seus  produtos  ou  serviços,  sua  capacidade  gerencial  e  de   organização,   seu   conhecimento   técnico,   sua   estrutura   tecnológica,   sua   capacidade   de  produção  e  distribuição,  sua  saúde  financeira  e  suas  perspectivas  de  mercado.  

O  diagnóstico  deve  ser  entendido  como  o  ponto  de  partida  para  a  construção  do  plano  de  ação.   É   a   partir   desse   “mergulho   na   realidade   da   organização   que   se   torna   possível   a  identificação  de   informações  essenciais  para  o  aperfeiçoamento  dos  processos  de  trabalho  e,  em  última  instância,  para  que  se  alcancem  os  resultados  desejados.  No  campo  da  gestão,  é  de  todo  recomendável  partir  de  fatos  e  dados  reais,  e  não  apenas  de  projeções  intuitivas.  

A   construção   do   diagnóstico   também   pode   se   guiar   por   diferentes   metodologias.   Uma  ferramenta   frequentemente   utilizada   para   esse   fim   é   a   Análise   SWOT  ou  Análise   FOFA.   A  sigla   SWOT   vem   das   iniciais   das   palavras   strenghts   (forças),   weaknesses   (fraquezas),  opportunities   (oportunidades)   e   threats   (ameaças),   pois   estes   são   justamente   os   pontos   a  serem   avaliados.   No   estudo   do   ambiente   externo,   cujas   variáveis   estão   sempre   fora   do  controle  dos  gestores,  são  levantadas  as  ameaças  e  oportunidades  às  quais  a  instituição  está  sujeita.   Trata-­‐se   de   fatores   demográficos,   políticos,   sociais,   econômicos,   tecnológicos,  sindicais,  legais  etc.  No  estudo  do  ambiente  interno,  são  levados  em  conta  os  pontos  fortes  e  fracos  da  organização,  ou  seja,  aspectos  sobre  os  quais  é  possível  exercer  maior  controle.  A  ideia   é   potencializar   os   pontos   fortes   e   buscar   soluções   para   a   correção   ou   para   a  minimização  dos  fracos.  

Um   bom   diagnóstico   se   faz   por  meio   de   entrevistas,   análise   de   documentos   e   grupos   de  discussão,  podendo  ser  conduzido  por  um  consultor  externo,  com  apoio  do  corpo  funcional.  Somente  a  partir  de  uma  avaliação  profunda  dos  dados  e  informações  levantados  é  possível  prosseguir  no  planejamento  e  avançar  sobre  a  definição  de  objetivos  e  estratégias.  

As   estratégias   têm   que   usar   as   forças,   minimizar   as   fraquezas,   evitar   as  ameaças  e  tirar  proveito  das  oportunidades  que  tenham  sido  identificadas.  A  Análise   SWOT   significará   uma   perda   de   tempo   caso   o   material   levantado  através  desse  processo  analítico  não  seja  usado  na  formulação  de  estratégias.  (Allen  et  al.,  2003,  p.  63)  

Vale  observar  que  a  Análise  SWOT  é  bastante  utilizada  no  planejamento  estratégico,  mas,  em  função  de  sua  simplicidade,  pode  ser  também  empregada  em  qualquer  tipo  de  análise  de  cenário.  

 

   

Page 11: Planejamento da carreira artística Rômulo Avelar

   

Construção  de  um  diagnóstico  da  carreira  

Assim   como   nas   empresas   e   demais   organizações,   nas   carreiras   artísticas   também   é  importante   mapear   os   pontos   fortes   e   fracos,   bem   como   as   oportunidades   e   ameaças  presentes   no   setor   cultural.   O   diagnóstico   deve   promover   uma   varredura   em   todos   os  aspectos  envolvidos,  tais  como  a  qualidade  artística  e  técnica,  a  estrutura,  a  organização,  o  clima  interno,  a  distribuição,  a  sustentabilidade,  a  comunicação  e  o  marketing.  

No   Quadro   4   são   apresentados   exemplos   de   questões   de   fácil   compreensão,   que   podem  auxiliar  os  artistas  e  grupos  a  construírem  o  diagnóstico  de  sua  carreira.  

Quadro  4  –  Diagnóstico  

Exemplos  de  questões  para  a  formulação  do    diagnóstico  de  uma  carreira  artística  

 

Qua

lidad

e  artística  e  técnica  

Como  anda  a  bagagem  técnica  e  a  preparação  dos  artistas?  

Os  artistas  procuram  se  reciclar  permanentemente?  

Os  artistas  mantém  uma  boa  rotina  de  ensaios?  

Os  artistas  reservam  tempo  na  agenda  para  se  dedicarem  à  criação?  

Como  anda  a  qualidade  dos  espetáculos  e  produtos?  

Existem  esforços  no  sentido  da  melhoria  da  qualidade  daquilo  que  é  produzido?  

Os  artistas  mantêm  boas  parcerias  de  criação?  

Existe  uma  boa  equipe  de  criação  a  serviço  da  carreira?  

Existe  uma  boa  equipe  técnica  a  serviço  da  carreira?  

Existem  bons  equipamentos  à  disposição  dos  artistas?  

As  apresentações  acontecem  em  lugares  com  boa  infraestrutura?  

As  gravações  acontecem  em  bons  estúdios?  

Os  artistas  possuem  o  hábito  de  assistir  e  analisar  conjuntamente  as  gravações  de  seu  próprio  trabalho?  

Os  artistas  possuem  o  hábito  de  assistir  e  analisar  conjuntamente  gravações  de  trabalhos  de  terceiros?  

 

Page 12: Planejamento da carreira artística Rômulo Avelar

   

Estrutura  e  organização  

Os  artistas  dispõem  de  bons  locais  de  ensaios?  

Os  artistas  dispõem  de  um  bom  escritório  para  as  atividades  de  produção  e  gestão?  

Existe  um  espaço  adequado  para  armazenamento  dos  equipamentos  e  materiais?    

Existem  bons  equipamentos  e  mobiliário  de  escritório?  

Existe  uma  rotina  de  manutenção  de  equipamentos?  

A  equipe  de  produção  é  competente  e  bem  dimensionada?  

A  equipe  de  gestão  é  competente  e  bem  dimensionada?  

A  produção  trabalha  com  bons  checklists?  

Existe  uma  rotina  de  organização  de  arquivos?  

Existe  uma  rotina  de  preservação  da  memória  da  carreira?  

As  funções  são  bem  distribuídas  na  equipe?  

Existe  clareza  quanto  às  responsabilidades  de  cada  integrante  da  equipe?  

A  equipe  trabalha  com  um  bom  escritório  de  contabilidade?  

A  equipe  dispõe  de  um  bom  consultor  jurídico?  

Os  impostos  são  pagos  em  dia?  

A  legislação  trabalhista  é  cumprida?  

A  legislação  específica  da  área  cultural  é  cumprida?  

A  legislação  ambiental  é  cumprida?  

Os  artistas  mantêm  o  hábito  de  planejar  suas  atividades  com  pelo  menos  um  ano  de  antecedência?  

 

Clim

a  interno  

A  equipe  promove  reuniões  regulares  e  produtivas?  

Os  artistas  tomam  decisões  de  forma  colegiada?  

A  comunicação  interna  é  fluente  e  eficaz?  

A  equipe  cultiva  a  pontualidade?  

Page 13: Planejamento da carreira artística Rômulo Avelar

   

O  clima  interno  é  de  respeito  e  tolerância?  

Os  integrantes  da  equipe  mantêm  o  hábito  de  se  encontrar  fora  do  ambiente  de  trabalho?  

Existe  alguma  iniciativa  de  aproximação  com  os  familiares  dos  membros  da  equipe?  

Os  colaboradores  recebem  orientações  claras?  

Há  algum  investimento  na  capacitação  da  equipe?  

Os  colaboradores  recebem  remunerações  razoáveis?  

O  pagamento  aos  colaboradores  é  feito  em  dia?  

Os  colaboradores  recebem  algum  benefício  além  da  remuneração?  

 

Distrib

uição  

Existe  um  bom  material  para  venda  de  espetáculos?  

Como  anda  a  frequência  de  apresentações?  

A  equipe  busca  ativamente  o  aumento  da  frequência  de  apresentações  ou  fica  esperando  o  telefone  tocar?  

A  equipe  dispõe  de  uma  boa  listagem  de  festivais  e  feiras  culturais?  

Existe  algum  mapeamento  de  prefeituras  e  entidades  que  habitualmente  compram  espetáculos?  

A  equipe  desenvolve  ações  em  parceria  com  outros  artistas  para  somar  públicos?  

A  equipe  estabelece  e  mantém  parcerias  com  artistas  de  outras  cidades,  outros  estados  e  outros  países?  

 

Susten

tabilid

ade  

Existe  uma  linha  de  produtos  comercializáveis?  

Como  andam  as  vendas  desses  produtos?  

A  equipe  conhece  bons  canais  de  venda  física  e  virtual  de  produtos  culturais?  

Existe  na  equipe  um  profissional  capacitado  para  a  elaboração  de  projetos?  

Os  artistas  mantém  o  hábito  de  apresentar  projetos  às  leis  de  incentivo  e  aos  fundos  de  financiamento  à  cultura?  

Page 14: Planejamento da carreira artística Rômulo Avelar

   

Os  artistas  inscrevem  projetos  nos  editais  de  financiamento  público  e  privado?  

Existe  um  bom  material  para  captação  de  recursos  de  empresas?  

Existe  na  equipe  um  profissional  capacitado  para  a  captação  de  recursos?  

Existe  na  equipe  um  profissional  para  a  manutenção  de  contatos  regulares  com  os  patrocinadores  e  o  poder  público?  

As  logomarcas  dos  parceiros,  patrocinadores  e  órgãos  públicos  são  aplicadas  de  maneira  correta?  

Os  parceiros  e  patrocinadores  recebem  benefícios  interessantes  como  contrapartida?  

Os  retornos  prometidos  nos  projetos  são  integralmente  cumpridos?  

A  equipe  tem  o  hábito  de  elaborar  relatórios  para  os  parceiros  e  patrocinadores?  

Como  andam  as  prestações  de  contas  de  recursos  públicos  captados  para  os  projetos?  

As  finanças  da  carreira  encontram-­‐se  equilibradas?  

A  equipe  mantém  habitualmente  uma  reserva  financeira?  

A  equipe  mantém  uma  boa  relação  com  os  fornecedores?  

 

Comun

icação

 

A  equipe  dispõe  de  uma  boa  assessoria  de  comunicação?  

Existe  um  plano  de  comunicação  para  a  carreira?  

Existem  boas  estratégias  de  abordagem  dos  veículos  de  comunicação?  

A  programação  visual  é  feita  de  maneira  profissional?  

O  material  gráfico  é  de  primeira  linha?  

O  trabalho  de  fotografia  é  feito  de  maneira  profissional?  

O  trabalho  de  vídeo  é  feito  de  maneira  profissional?  

A  carreira  dispõe  de  um  bom  site?  

A  manutenção  do  site  acontece  com  regularidade?  

Page 15: Planejamento da carreira artística Rômulo Avelar

   

A  equipe  desenvolve  boas  estratégias  de  exploração  das  redes  sociais?  

A  equipe  mantém  o  mailing  list  atualizado?  

Existe  uma  rotina  coleta  e  organização  do  clipping?  

Existe  uma  rotina  de  revisão  dos  textos?  

 

Marketin

g  

Os  artistas  conhecem  verdadeiramente  o  perfil  de  seu  público?  

Existe  um  cadastro  de  público  preferencial  bem  estruturado?  

A  equipe  mantém  rotina  de  envio  de  informações  para  o  público  preferencial?  

As  demandas  do  público  são  atendidas  com  agilidade?  

A  equipe  desenvolve  estratégias  de  fidelização  de  público?  

Os  artistas  realizam  ensaios  abertos  para  o  público  preferencial?  

A  equipe  realiza  promoções  voltadas  para  o  público  preferencial?  

 

   

Page 16: Planejamento da carreira artística Rômulo Avelar

   

Olhando  para  o  futuro    

“Para  quem  não  sabe  aonde  vai,  qualquer  caminho  serve”.  

Alice  no  país  das  maravilhas  (Lewis  Caroll,  1865)  

 

Qualquer  forma  de  planejamento  traz  em  si  um  olhar  para  o  futuro,  uma  tentativa  de  torná-­‐lo  melhor  ou,  no  mínimo,  igual  ao  presente.  No  dia-­‐a-­‐dia,  as  pessoas  fazem  uso  de  inúmeros  instrumentos   com  o   intuito  de  programar   a   realidade,   a   exemplo  de  uma   simples   lista   de  compras,   um   roteiro   de   viagem   ou   um   fluxo   de   caixa   para   o   controle   das   finanças.   De  maneira   bastante   natural,   o   planejamento   de   ações   pontuais   ou   de   curto   prazo   está  presente  na  vida  cotidiana.  

Entretanto,   quando   se   trata   de   projetar   o   futuro   em   médio   ou   longo   prazo,   surgem  dificuldades  para  grande  parte  das  pessoas.  Muitos  são  aqueles  que  se  embaraçam  diante  das  clássicas  perguntas  aplicadas  em  processos  de  planejamento  estratégico:  

• Quem  é  você  daqui  a  cinco  anos?  • Onde  estará?  • O  que  estará  fazendo?  • O  que  você  projeta  para  sua  vida  nesse  horizonte  de  tempo?  

 Desconcertadas,  muitas  pessoas   se  dão  conta  de  que  nada  projetam  para  o   futuro.  Quase  sempre,   apenas   algumas   poucas   têm   claras   suas  metas   de   longo   prazo.   O   fato   é   que,   no  plano  pessoal,  pode  ser  uma  opção  de  vida  não  programar  a  realidade.  Muitos  são  aqueles  que  se  guiam  pelas  palavras  de  Zeca  Pagodinho:  “deixa  a  vida  me  levar...”.  Até  aqui,  não  há  o  que  questionar.  Cada  um  tem  o  direito  de  fazer  suas  próprias  escolhas.  

O  problema  é  quando  esse  procedimento  se  estende  às  organizações  e,  em  nosso  caso,  às  carreiras  artísticas.  A  opção  por  não  definir  um  direcionamento  seguro  pode  fazer  com  que  os  artistas  permaneçam  à  deriva,  ao  sabor  dos  humores  do  mercado.  A  carreira  tanto  pode  seguir   um  caminho   interessante  e   alcançar  o   sucesso,   quanto  permanecer   estacionada  no  mesmo  lugar,  ou  ainda  pior,  sofrer  um  retrocesso.  É  preciso,  portanto,  que  a  equipe  aja  com  determinação  no  sentido  de  definir  uma  visão  de  médio  ou  longo  prazo  para  o  trabalho.  

 

Construção  da  visão:  um  norte  para  a  carreira  

O   estabelecimento   da   visão   é   outro   ponto   fundamental   no   processo   de   planejamento  estratégico.  Visão,  segundo  Vasconcelos  Filho  e  Pagnoncelli   (2001,  p.  31),  “é  a  explicitação  do  que  se  visualiza  para  a  empresa”.  Para  os  autores,  ela  “levanta  uma  bandeira”  e  propõe,  de  maneira  objetiva,  um  salto  em  relação  ao  patamar  em  que  a  organização  se  encontra  no  momento,   contribuindo  para  que  ela   saia  da   “zona  de   conforto”.   Funciona   também  como  

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um  norte  para  a  equipe  na  busca  do  crescimento,  permitindo  o  alinhamento  de   todos  em  determinada  direção,  com  naturais  ganhos  de  sinergia.    

Um  horizonte  bastante  usual  para  a  visão  costuma  ser  de  cinco  anos,  embora,  dependendo  da  organização,  a  projeção  possa  ser  feita  para  períodos  mais  longos.  

No  caso  das  carreiras  artísticas,  o  processo  para  sua  formulação  invariavelmente  traz  à  tona  discussões  importantes  sobre  expectativas  individuais  e  coletivas,  como,  por  exemplo:  

• Em  qual  direção  queremos  avançar?  • Em  qual  medida  queremos  crescer?  • Desejamos  nos  profissionalizar  como  artistas  ou  permanecer  amadores?  • Qual  será  a  abrangência  geográfica  do  nosso  trabalho?  • Qual  posição  queremos  ocupar  no  mercado  ou  na  sociedade?  • Qual   é   a   medida   do   sucesso   para   a   nossa   carreira:   queremos   alcançar   a  

sustentabilidade   a   partir   de   uma   base   consistente   de   público   ou   desejamos   nos  tornar  celebridades?  

 

Para  facilitar  a  compreensão  do  conceito  de  visão,  alguns  exemplos  são  apresentados  no  Quadro  4:  

Quadro  4  –  Exemplos  de  visão  

Organização   Visão  

Kodak   Ser  líder  mundial  em  geração  de  imagens.  

Marcelo  Veronez  

Cantor  de  Belo  Horizonte,  MG  

Marcelo  Veronez  tem  por  objetivo  estruturar  uma  carreira  sólida  e  rentável,  com  equipe  competente  e  coesa,  dedicando  tempo  e  recursos  financeiros  para  a  realização  de  um  CD  e  sua  turnê  por  pelo  menos  quatro  capitais  brasileiras  e  uma  apresentação  internacional.  

Fernando  Sodré  

Instrumentista  de  Belo  Horizonte,  MG  

Fernando  Sodré  pretende  tornar-­‐se  referência  da  viola  brasileira  na  música  instrumental.  

Centro  Cultural  Piollin  

Centro  cultural  de  João  Pessoa,  PB  

O  Centro  Cultual  Piollin  pretende  consolidar  o  seu  projeto  político  pedagógico  e  cultural,  com  a  estruturação  dos  seus  espaços  físicos  e  a  diversificação  das  fontes  de  recursos,  tornando-­‐se  referência  nacional  na  formação  de  crianças  e  jovens  e  na  programação  permanente  de  artes  cênicas.  

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Manitu  

Banda  de  Belo  Horizonte,  MG  

O  Manitu  espera  consolidar,  nos  próximos  cinco  anos,  novo  modelo  decisório,  administrativo,  financeiro,  operacional  e  artístico,  para  que  suas  produções  conquistem  o  mercado  nacional.  

 

Na   definição   da   visão,   é   necessário   projetar   um   salto,   mas   sem   perder   de   vista   sua  exequibilidade.   É   preciso   propor   o   alcance   de   um   patamar   acima   daquele   em   que   está   a  carreira,   mas   sem   estabelecer   uma   meta   inatingível,   que   no   futuro   possa   resultar   em  frustração.  

Observe,  por  exemplo,  que  Marcelo  Veronez  almeja  para  os  próximos  cinco  anos  algo  bem  objetivo  como  a  gravação  de  um  primeiro  CD,  de  uma  turnê  por  pelo  menos  quatro  capitais  brasileiras   e   de   uma   apresentação   internacional.   No   caso   do   Centro   Cultural   Piollin,   foi  projetada,   entre   outras   coisas,   um   avanço   na   estruturação   de   seus   espaços   físicos.    

Objetivos  e  estratégias  

Uma  vez  estabelecida  uma  visão  de  médio  ou  longo  prazo  para  a  organização  e  realizado  um  diagnóstico  aprofundado  da  situação  corrente,  é  preciso  traçar  objetivos  e  estratégias.  Se  no  início  do  processo  de  planejamento  procedeu-­‐se  a  uma  reflexão  de  natureza  conceitual  (com  a   formulação   de   negócio,   missão   e   princípios),   é   chegada   a   hora   de   dar   ao   trabalho  contornos   mais   concretos,   com   a   definição   de   providências   aplicáveis   ao   cotidiano   da  carreira.  

Vasconcelos   Filho  e  Pagnoncelli   (2001,  p.  31)  entendem  objetivos   como  “resultados  que  a  empresa  precisa  alcançar  em  prazo  determinado  para  concretizar  sua  visão”.  

No   caso   das   carreiras   artísticas,   trata-­‐se   aqui   de   definir   alguns   desafios   a   serem   vencidos  pela  equipe,  com  o  intuito  de  sanar  as  fragilidades  identificadas  na  etapa  de  diagnóstico.  Os  objetivos  são,  de  certa  maneira,  um  detalhamento  da  visão.  É   importante  que  proponham  avanços   quantificáveis.   Em   uma   carreira   musical,   por   exemplo,   alguns   objetivos   possíveis  são:  

• Gravar  um  novo  CD  no  prazo  de  dois  anos.  • Realizar  20  apresentações  fora  do  estado  nos  próximos  dois  anos.  • Captar  pelo  menos  R$  200.000,00  nos  próximos  dois  anos.  • Montar  um  estúdio  próprio  no  prazo  de  três  anos.  • No   prazo   de   dois   anos,   estruturar   uma   equipe   de   apoio   com   pelo   menos   três  

colaboradores  diretos.    

Definidos  os  objetivos,  a  equipe  pode  pensar  em  um  vasto  leque  de  ações  com  o  intuito  de  torná-­‐los   realidade.   Entretanto,   a   fim   de   que   todo   o   trabalho   de   planejamento   seja   algo  verdadeiramente   factível,   é   fundamental   fazer   escolhas.   É   preciso   selecionar   apenas   uma  

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parte  dessas  ações  para  serem  efetivadas,  para  conferir  à  gestão  o  caráter  estratégico  que,  conforme  já  visto,  envolve  a  escolha  de  caminhos.  Aqui  reside  um  dos  pontos  cruciais  para  o  êxito  de  qualquer  empreendimento,  inclusive  as  carreiras  artísticas:  para  que  haja  avanços  e  crescimento  é  preciso   fazer  opções,   traçar  prioridades.  Aqueles  que   tentam   fazer   tudo  ao  mesmo   tempo,   atacando   simultaneamente   em   todas   as   direções,   correm   o   risco   de  permanecer  estagnados  ou  mesmo  perdidos.  Certamente  não  encontram  energia  suficiente  para  alcançar  resultados  satisfatórios  em  todas  as  frentes  de  trabalho.  

Há   um   princípio   básico   da   economia   que   diz   que   “os   recursos   são   sempre   escassos   e   as  demandas,  infinitas”.  Talvez  o  maior  desafio  do  administrador  seja  escolher  onde  aplicar  os  recursos  –  uma  vez  que  são  limitados  –,  de  maneira  a  gerar  o  maior  benefício  possível  para  o  todo.  Nesse  sentido,  o  planejamento  estratégico  se  apresenta  como  ferramenta  poderosa  a  auxiliá-­‐lo   na   difícil   tarefa   de   fazer   suas   apostas   e   definir   quais   são   os   “fios   de  meada”   a  serem  puxados.  

Vasconcelos  Filho  e  Pagnoncelli   (2001,  p.  31)  definem  estratégia,  portanto,  como  “o  que  a  empresa   decide   fazer   e   não   fazer,   considerando   o   ambiente,   para   concretizar   a   visão   e  atingir  os  objetivos,  respeitando  os  princípios,  visando  cumprir  a  missão  no  seu  negócio”.  

Ainda  na  perspectiva  de  mirar  o  futuro,  é  importante  empreender  esforços  pela  construção  de  um  cronograma  de  trabalho  que  projete  as  principais  ações  da  carreira  para,  pelo  menos,  doze   meses   subsequentes.   Eis   aqui   um   ponto   que   costuma   gerar   descrença   entre  profissionais  da  área  da  cultura:  muitos  deles  se  recusam  a  pensar  em  uma  programação  de  médio   prazo   sob   o   argumento   de   que,   ao   final,   “tudo   acontecerá   de   maneira   diferente  mesmo”.   Outros   tantos   afirmam   que   “não   adianta   projetar   um   cronograma   anual   para   a  carreira  enquanto  os  recursos  não  tiverem  sido  captados”.  

Neste  ponto  cabe  a  clássica  reflexão:  o  que  vem  antes:  o  ovo  ou  a  galinha?  No  caso  acima  descrito,  não  há  sombra  de  dúvidas  que  o  cronograma  deve  vir  antes.  É  a  partir  da  efetuação  de  escolhas  que  a  carreira  deve  se  estabelecer.  Quando  um  artista  ou  grupo  não  projeta  seu  futuro,  fica  à  mercê  dos  editais  e  da  vontade  de  terceiros,  tornando-­‐se  refém  do  mercado.  

 

Consolidação  do  trabalho  

O   trabalho   de   planejamento   estratégico   resulta   na   confecção   de   um   plano   de   ação,  documento   com   linguagem   necessariamente   direta   e   acessível,   que   consolida   todo   o  processo   e   serve   de   guia   os   passos   futuros.   Para   que   sua   implantação   ocorra   de   fato   é  recomendável   o   estabelecimento   de   uma   rotina   de   reuniões   destinadas   à   discussão   de  temas  estratégicos  e  monitoramento  das  ações  previstas,  realizadas  em  momentos  distintos  dos  encontros  para  o  trato  das  questões  operacionais  e  corriqueiras.  

É  importante  salientar  que  a  atividade  não  se  esgota  com  a  implementação  daquilo  que  foi  previsto   no   plano   de   ação.   É   fundamental   que   se   trabalhe   numa   perspectiva   de  continuidade,  com  avaliações  sistemáticas  e  correções  de  rumos,  adotando-­‐se  uma  dinâmica  permanente  de  gestão  estratégica.  

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Finalmente,  vale  apena  conhecer  as  impressões  de  Lacombe  e  Heilborn  (2006,  p.  161)  sobre  essa   ferramenta   tão   importante   para   as   organizações:   “Planejamento   não   se   refere   a  decisões   futuras,   pois   isso   não   existe;   decisões   são   sempre   tomadas   no   presente.   Ele   é  executado  no  presente:  seus  resultados  é  que  se  projetam  no  futuro.  Todo  plano  requer  um  prazo   para   sua   implantação.   Se   não   planejarmos   no   presente,   não   teremos   condições   de  implantar  o  que  desejamos  no  futuro.”  

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Bibliografia  

AVELAR,  Romulo.  O  avesso  da  cena:  notas  sobre  produção  e  gestão  cultural.  Belo  Horizonte:  Ed.  do  Autor,  2013.  

LACOMBE,  Francisco  José  Masset;  HEILBORN,  Gilberto  Luiz  José.  Administração:  princípios  e  tendências.  São  Paulo:  Saraiva,  2006.    

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